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1.

1 O Que São Temas Históricos Sensíveis

Para compreender o que são temas históricos sensíveis é necessário primeiramente


observar com atenção o aspecto político da produção historiográfica e da experiência de sala
de aula para o historiador. O ofício do historiador/professor de história está diretamente
associado às narrativas políticas que se encontram nos currículos e livros didáticos de história
(definidos a partir das diretrizes e planos educacionais brasileiros) e da formação
metodológica e ideológica do historiador1. A percepção de que o ensino de história pode ser
dissociado inteiramente da posição política do professor está atrelada à uma não compreensão
de que o ensino de história vai apresentar, invariavelmente, uma versão dos fatos2.
A prática da pesquisa histórica e do ensino de história não consiste em narrar uma
versão "total" dos eventos do passado3 pois o ofício da produção historiográfica é um esforço
interpretativo que se constrói a partir da relação entre o historiador e as suas fontes. Portanto,
as questões relativas à disciplina de história tocam em temas que não podem, nem devem, ser
dissociados do seu aspecto político/ideológico4. O artigo "Ensino de História Hoje: Errâncias
Conquistas e Perdas" de Marcos Antônio da Silva e Selva Guimarães Fonseca esclarece a
relação estreita que se estabelece entre o pensamento político e o currículo de história:

"Pensar nos lugares, nos papéis, na importância formativa da História no


currículo da Educação básica requer concebê-la como conhecimento e prática social,
permanente (re)construção, um campo de lutas, um processo de inacabamento. Um
currículo de História é, sempre, produto de escolhas, visões interpretações,
concepções de alguém ou de algum grupo que, em determinados espaços e tempos,
detém o poder de dizer e fazer. Os currículos de História - sejam aqueles produtos
das políticas públicas ou da indústria editorial, sejam os currículos construídos pelos
professores na experiência cotidiana da sala de aula- expressam visões e escolhas,

1
GRINBERG Keila ; MATTOS, Hebe ; ABREU, M. . Que diferença faz a perspectiva da história pública nos estudos sobre a
escravidão?. In: Mauad, Ana Maria; Santhiago, Ricardo; Borges, Viviane Trindade. (Org.). Que História Pública Queremos?
1ed.São Paulo: Letra e Voz, 2018, v. 1, p. 150-.
2
ALBERTI, V. . O professor de história e as questões sensíveis e controversas. 2014. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou
palestra) p, 1.
3
Ibidem
4
GRINBERG Keila ; MATTOS, Hebe ; ABREU, M. . Que diferença faz a perspectiva da história pública nos estudos sobre a
escravidão?. In: Mauad, Ana Maria; Santhiago, Ricardo; Borges, Viviane Trindade. (Org.). Que História Pública Queremos?
1ed.São Paulo: Letra e Voz, 2018, v. 1, p. . 158

1
5
revelam tensões, conflitos, acordos, consensos, aproximações e distanciamentos."
(SILVA & FONSECA, 2010)

O ensino de história como exercício político em um nível nacional depende da


implementação de políticas públicas voltadas para inclusão de novos temas nas pautas
curriculares e de diferentes narrativas históricas contra-hegemônicas.6 Estas novas temáticas e
narrativas podem ser vistas como o produto da colaboração entre professores, pesquisadores,
escolas, universidades e órgãos públicos (como o Ministério da Educação no caso do Brasil) 7.
Neste sentido, a partir de meados da década de 80, foram definidas diversas novas políticas
educacionais e leis que visavam transformar a narrativa histórica vigente, que até então ainda
bebia das fontes da "democracia racial",8 para a incorporação de uma maior diversidade de
culturas e experiências "étnicas" no ensino de história. Para a concretização dessa
transformação no cenário do ensino de história no Brasil foi necessária uma longa jornada de
lutas políticas de diversos movimentos sociais que permitiram a implementação de novas
diretrizes no ensino brasileiro.
Para pensar as transformações pelas quais o ensino de história no Brasil passou nos
últimos trinta anos pode-se utilizar como exemplo as representações em livros didáticos da
negritude e da cultura afro-brasileira e como estas foram reformuladas a partir de novas
abordagens didáticas e da implementação de políticas públicas educacionais. Estas
transformações se devem grandemente à participação ativa de membros do Movimento Negro
na reconstrução da abordagem identitária que acompanhou a redemocratização do Brasil9.
A disciplina de história e o seu currículo escolar se encontram no centro deste
processo de ressignificação como foi determinado no art. 242 da Constituição Federal de
198810. As concepções de diversidade cultural e pluralismo entraram no vocabulário do
Governo Federal e do MEC e gradualmente expandiram o seu alcance através da elaboração

5
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e
perdas. Rev. Bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 30, n. 60, p. 13-33,    2010 .  
6
Ibidem, p. 27.
7
GRINBERG Keila ; MATTOS, Hebe ; ABREU, M. . Que diferença faz a perspectiva da história pública nos estudos sobre a
escravidão?. In: Mauad, Ana Maria; Santhiago, Ricardo; Borges, Viviane Trindade. (Org.). Que História Pública Queremos?
1ed.São Paulo: Letra e Voz, 2018, v. 1, p. 150-.
8
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e
perdas. Rev. Bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 30, n. 60, p. 13-33,    2010 .  
9
PEREIRA, Amilcar Araujo. “Por uma autêntica democracia racial!”: os movimentos negros nas escolas e nos
currículos de história. In Revista História Hoje, ANPUH, v. 1, n. 1, 2012. P 115.
10
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal:
Centro Gráfico, 1988. Artigo 242.

2
de materiais didáticos voltados para o combate à discriminação racial11. Em 1997 e 1998
foram publicados os Parâmetros Curriculares Nacionais de História que orientam a promoção
do respeito às diferenças culturais e raciais, evitando concepções eurocêntricas ou
discriminatórias dentro dos materiais didáticos aprovados pelo MEC.
Este processo foi de grande importância para a alteração do cenário da educação
brasileira que havia se estabelecido até então. Ao analisar livros didáticos das disciplinas de
história e português da década de 1980 não é incomum encontrar concepções da escravidão e
representações de homens e mulheres negros que podem ser consideradas degradantes ou
racistas12. O livro de Ana Célia da Silva “A representação social do Negro no Livro didático:
13
O que mudou? Porque mudou?” apresenta um estudo da construção da imagem negativa,
subalterna ou até mesmo desumanizada da negritude subentendida na forma como pessoas
negras foram retratadas em certos livros didáticos do ensino fundamental distribuídos até os
anos 9014.
A autora reconhece também a gradativa transformação do panorama da educação
identitária no currículo nacional em algumas publicações didáticas do final da década de 1990
que passam a representar o negro não mais apenas como subalterno, removendo as conotações
raciais preconceituosas que permeavam os textos até então15. No entanto, Ana Célia frisa que
as “manifestações culturais negras não foram descritas e ilustradas nos livros analisados” 16
demonstrando os limites da transformação na abordagem das questões de diversidade cultural
e racial nos materiais didáticos conduzida até então.
Em resposta a essas limitações que ainda vigoravam no panorama educacional, foi
implantada a Lei 10.639/200317 que torna obrigatório o ensino “da História da África e dos
Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da
sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e
política pertinente à História do Brasil” principalmente nas disciplinas de “Educação
Artística e de Literatura e História Brasileiras”. Adicionalmente, a Lei incluiu no calendário
escolar o Dia da Consciência Negra.

11
PEREIRA, Amilcar Araujo. “Por uma autêntica democracia racial!”: os movimentos negros nas escolas e nos
currículos de história. In Revista História Hoje, ANPUH, v. 1, n. 1, 2012.
12
PEREIRA, Amilcar Araujo. “Por uma autêntica democracia racial!”: os movimentos negros nas escolas e nos
currículos de história. In Revista História Hoje, ANPUH, v. 1, n. 1, 2012. p, 124.
13
SILVA, A. C. da . A discriminação do negro no livro didático. Salvador-Ba: EDUFBA/CEAO, 1995. v.
1.500. 158p.
14
Ibidem, p 13.
15
Ibidem, p. 33.
16
Ibidem, p 34.
17
BRASIL. Lei 10.639/2003, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9. 394, de 20 de dezembro de 1996. Diário
Oficial da União, Poder Executivo, Brasília.

3
Um dos principais desafios para a concretização de um ensino voltado para a
pluralidade cultural no Brasil é a superação das concepções provenientes do “mito da
democracia racial” que foi propagado a paritir da primeira metade do século XX 18 e
perpetuado nos programas escolares. Neste sentido, as “Diretrizes curriculares nacionais para
a educação das relações étnicos-racias e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e
africana” foram delineadas a partir dos desdobramentos da Lei 10.639/2003 com o intuito de
desenvolver ações de combate ao racismo e afirmação da cultura afro-brasileira dentro e fora
das escolas19.
O parecer aborda questões como a importância das ações afirmativas e políticas de
reparação no âmbito educacional20, que viriam a se concretizar parcialmente com a
implementação da Lei nº 7.824/201221, mais conhecida como “Lei de Cotas”. Os principais
apontamentos historiográficos destas diretrizes curriculares são o reconhecimento do
protagonismo e das contribuições de pessoas e culturas afro-brasileiras para a história do
Brasil, recomendando a inclusão da história da África e das questões raciais no currículo
escolar22.
As diretrizes descrevem algumas estratégias didáticas para abordar a história da
cultura afro-brasileira como o estudo da importância de figuras como Luiz Gama, João
Candido, Milton Santos e Zumbi, além de abordar a história do continente africano com o
mesmo nível de atenção concedido à história da Europa. O documento também prevê a
participação e articulação de grupos de estudos afro-brasileiros em escolas no sentido de
introduzir este conteúdo para professores que não estiverem familiarizados com as novas
diretrizes para o ensino de conteúdos relativos à “História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana e a Educação das Relações Étnico-Raciais” 23. É importante ressaltar que a partir do
decreto da Lei n 11.64524, aprovada em março de 2008, a obrigatoriedade do ensino da
diversidade cultural brasileira, promovida pela Lei 10.639/2003, passou a incluir a história

18
ABREU, Martha & MATTOS, Hebe. “Em torno das ‘Diretrizes curriculares nacionais para a educação das
relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana': uma conversa com
historiadores”. In Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 21, nº 41, janeiro-junho de 2008.
19
Ibidem, p. 13.
20
BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. 2004.
21
BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas
instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília,
30 ago. 2012. Seção 1, p. 1.
22
BRASIL. Ministério da Educação/Secad. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação Básica. 2004. p, 17.
23
Ibidem. p, 23.
24
BRASIL. Lei 11.645/08 de 10 de Março de 2008. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília.

4
dos povos e da cultura indígena o que representou uma vitória para o Movimento Indígena no
Brasil.
Este processo legal de redefinição das diretrizes educacionais a nível Federal aos
poucos foi se concretizando em produções didáticas que seriam distribuídas para toda a rede
de ensino publico brasileira. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) passa a
incorporar cada vez mais materiais didáticos voltados para o ensino da história afro-brasileira
com o intuito de combater o racismo dentro das escolas e cumprir as determinações das leis
previamente discutidas. No entanto este processo foi caracterizado por uma diversidade de
abordagens a respeito das representações históricas dos afro-brasileiros que viriam a se tornar
objeto de discussão entre educadores e historiadores nos anos seguintes.
O artigo “Abordagens do Racismo em Livros Didáticos de História (2008-2011)” 25,
escrito por Luciano Magela Roza, aponta como positivas as abordagens históricas que
privilegiem uma associação entre as representações históricas dos afro-brasileiros, e as
questões raciais em jogo na sociedade contemporânea trazendo os alunos para um debate onde
podem desenvolver o pensamento crítico. Para o autor as abordagens históricas que tendem a
congelar as questões do passado sem discuti-las a partir da atualidade esvaziam o potencial
elucidativo que pode ser encontrado nestes exercícios de ressignificação da identidade negra26.
Ao analisar as questões de história presentes no Programa Nacional do Livro Didático
entre 2008 e 2011, Luciano Magela Roza constata a presença de diversos enunciados que
promovem uma concepção antirracista do passado e desenvolvem a relação entre o conteúdo
histórico e o pensamento reflexivo a respeito dos impactos desta história de desigualdade
racial no presente. Segundo ele esta produção didática está relacionada às “escolhas e seleções
de prerrogativa moral e política” 27, que por sua vez tem a intenção de construir “estratégias
voltadas para a promoção de uma perspectiva de tratamento positivado das relações étnico-
raciais e seus desdobramentos na história escolar” 28.
Em outra publicação denominada “O Ensino de História Entre o Dever de Memória e
o Direito à História” 29, Luciano Magela Roza e Júnia Sales Pereira discutem outras formas de
garantir a expansão do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira. Uma das
categorias utilizadas pelos autores é a visibilização das manifestações culturais afro-

25
ROZA, Luciano M.. Abordagens do racismo em Livros Didáticos de História (2008-2011). Educação e
Realidade, v. 42, p. 13-34, 2017.
26
Ibidem p, 30.
27
.Ibidem, p, 30.
28
Ibidem, p.30.
29
PEREIRA, Júnia Sales; ROZA, Luciano Magela. O ensino de história entre o dever de memória e o direito à
história. In: Revista História Hoje. v. 1, nº 1, p. 89 – 110, 2012.

5
brasileiras como uma forma de apresentar para os alunos outras dimensões da história dos
detentores culturais e suas respectivas práticas. No entanto é importante abordar estas
manifestações com o devido respeito e protagonismo dos praticantes.
Neste sentido, os autores afirmam, cabe aos professores buscar a conexão entre os
grupos detentores de práticas culturais e a sala de aula estendendo um convite aos seus
mestres de Capoeira, Jongo, Congado, Folia de Reis, Maracatu (ou as tantas outras
manifestações da cultura afro-brasileira) locais para participar de encontros dentro das
escolas. As “rodas de conversa” seriam uma forma de abrir espaço para que estas vozes
diferentes se expressem justamente através da oralidade e gestualidade (performance) que
caracterizam suas práticas culturais30.
A partir destes encontros os alunos podem realizar atividades relacionadas ao registro
e documentação destas práticas, encorajando o aprendizado destes aspectos marginalizados 31
da cultura brasileira através do contato direto com os seus mantenedores. Ao conduzir este
tipo de abordagem os professores devem sempre estar atentos para não incorrer em práticas de
ensino que perpetuem uma visão estereotipada e exótica destes grupos32.
Ao mesmo tempo em que a presença destes grupos nas escolas pode contribuir muito
para a mudança de estigmas sociais relativos à cultura afro-brasileira, existem também outros
tipo de abordagens que dizem respeito ao ensino destas questões identitárias em sala de aula.
Verena Alberti descreve em seu artigo “Proposta de Material Didático para a História das
33
Relações Étnico-Raciais” , a elaboração de conteúdos pedagógicos que buscam aliar os
recursos tecnológicos disponíveis para os alunos ao ensino da história do continente africano e
da cultura afro-brasileira. Para Verena o engajamento com os novos meios de comunicação, e
consequentemente com a diversidade de opiniões e posições sendo divulgadas nos meios
digitais, se torna essencial na medida em que o oficio do professor de história está
constantemente sendo atravessado por estas novas narrativas divergentes 34. Ela sugere que as
questões difíceis e polêmicas, relacionadas ao estudo das culturas afro-brasileiras, devem ser
abordadas nas aulas de história para evitar uma polarização negativa em resposta ao esforço

30
PEREIRA, Júnia Sales; ROZA, Luciano Magela. O ensino de história entre o dever de memória e o direito à
história. In: Revista História Hoje. v. 1, nº 1, p. 89 – 110, 2012, p. 96 e 97
31
Ibidem, p. 93
32
Observar o conceito de “Currículo Turístico” desenvolvido Gimeno Sacristan. Mais informações em:
SANTOMÉ, Jurjo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz
Tadeu da (Org.) Alienígenas na sala de aula. 6.ed. Petrópolis (RJ): Vozes, 1995. p.159-
177.
33
ALBERTI, Verena. Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História
Hoje, v. 1, p. 61-88, 2012.
34
Ibidem p. 64.

6
de ressignificação do papel histórico delegado a indígenas e negros no Brasil, que está em
jogo quando se discute as transformações recentes no currículo disciplinar de história35.
A autora aponta também que o aspecto interativo do conteúdo desenvolvido para
aplicativos ou páginas da web dedicadas ao ensino de história podem promover uma relação
autônoma do aluno para com o conteúdo curricular facilitando o processo de aprendizado 36.
Dentre as diversas sugestões para a elaboração de materiais didáticos apresentadas no texto
pode ser encontrada a descrição de um jogo (baseado no jogo da memória) onde os alunos
relacionariam imagens, dados biográficos e as obras de brasileiros notáveis, representantes da
memória afro-brasileira, com o objetivo de obter o máximo de combinações corretas entre os
documentos disponíveis e as figuras históricas selecionadas37.
Assim, estas novas formas de discutir questões étnico-raciais em sala de aula buscam
dialogar com as percepções dos alunos oferecendo perspectivas e narrativas contra-
hegemônicas. No entanto, mesmo conduzindo estas atividades a partir de novos métodos de
ensino de história é comum que os professores se deparem com resistência por parte dos
alunos, pais ou mesmo da escola ao tocar em temas como escravidão e racismo por conta da
carga emocional atrelada a estes tópicos. Os debates provocados pelo encontro de diversas
perspectivas a respeito de temas históricos tão sensíveis, no contexto político contemporâneo,
podem ser complexos e é necessário observar como estas questões surgem no ambiente de
sala de aula para que seja possível conduzir uma conversa que se concretize em uma
experiência didática38.
Para abordar as dificuldades de ensinar estas temáticas o historiador pode se perguntar
"o que são temas históricos sensíveis?", "como conduzir um debate sensível com
responsabilidade?" e "que tipo de estratégias podem ser tratadas para ensinar a respeito de
temas sensíveis?". Estas questões não podem ser respondidas de uma única forma, mas
diversos pedagogos e historiadores realizaram pesquisas no sentido de trabalhar termas
sensíveis em sala de aula elucidando aspectos desta complexa prática de ensino que envolve
aspectos emocionais e identitários. É necessário então contextualizar o debate internacional a
respeito da abordagem de temas históricos sensíveis em sala de aula.
Primeiramente é importante ressaltar que as temáticas sensíveis históricas não são
estáticas, elas variam entre grupos e localidades. No Brasil, diálogos a respeito da escravidão
35
ALBERTI, Verena. Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História
Hoje, v. 1, p. 61-88, 2012. p. 82
36
Ibidem, p. 66 e 67.
37
Ibidem, p. 83.
38
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e
perdas. Rev. Bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 30, n. 60, p. 13-33,    2010 .  

7
e do racismo podem ser vistos como temáticas sensíveis, já em países como Turquia e Itália
os desafios do ensino de história giram em torno das memórias de crimes de guerra do
passado.39 No caso da Turquia memórias do genocídio armênio são, até hoje, contestadas por
grupos sociais e ativistas que exigem uma revisão da forma como este tema histórico é
abordado na contemporaneidade. Já na Itália a Segunda Guerra Ítalo-Etíope é um tema
polêmico, evitado em sala de aula, devido aos diversos crimes de guerra cometidos pelos
soldados italianos durante a incursão fascista em meados da década de 3040.
Isto se deve à relação direta entre as identidades construídas pelos grupos herdeiros
destas memórias e o reconhecimento de que uma questão histórica precisa ser abordada a
partir de novos parâmetros educacionais. O encontro entre os grupos defensores de uma
memória coletiva e a afirmação política da culpabilidade dos seus ancestrais tensiona estas
relações entre narrativas hegemônicas e contra-hegemônicas e a sala de aula é um dos
espaços em que estas tensões se manifestam41.
Neste sentido, as variações de como um tema sensível será abordado existem dentro
de um mesmo espaço urbano, visto que escolas diferentes (que representem interesses de
grupos religiosos, políticos e econômicos diversos) irão invariavelmente reforçar abordagens
diferentes tratando de assuntos sensíveis históricos ou simplesmente silenciando estes debates
difíceis. Por vezes o próprio professor irá evitar tocar em questões sensíveis com medo da
repercussão negativa entre os pais dos alunos42 ou dentro da instituição em que leciona43. Aqui
não se trata necessariamente de censura, mas da própria natureza de como estes temas
sensíveis despertam reações emotivas de grupos sociais diferentes, especialmente em
"sociedades divididas” 44, como esclarecem os pesquisadores do ensino de temas históricos
sensíveis na República do Chipre, Michalinos Zembylas e Froso Kambani:

39
ZEMBYLAS, M. & KAMBINI, F. (2012) The Teaching of Controversial Issues During Elementary-Level
History Instruction: Greek-Cypriot Teachers' Perceptions and Emotions, Theory & Research in Social
Education,40:2, 107-133, 
40
LEONE, G. When History Teaching Turns into Parrhesia: The Case of Italian Colonial Crimes. In: Psaltis
C., Carretero M., Čehajić-Clancy S. (eds) History Education and Conflict Transformation. Palgrave
Macmillan, Cham. 2017 , p. 11.
41
Ibidem, p. 15.
42
ALBERTI, V. . O professor de história e as questões sensíveis e controversas. 2014. (Apresentação de Trabalho/Conferência
ou palestra).
43
ZEMBYLAS, M. & KAMBINI, F. (2012) The Teaching of Controversial Issues During Elementary-Level
History Instruction: Greek-Cypriot Teachers' Perceptions and Emotions, Theory & Research in Social
Education,40:2, 107-133, 
44
ZEMBYLAS, M. & KAMBINI, F. (2012) The Teaching of Controversial Issues During Elementary-Level
History Instruction: Greek-Cypriot Teachers' Perceptions and Emotions, Theory & Research in Social
Education,40:2, 107-133, 

8
"Emoções constituem um importante componente da consciência
histórica(...). Emoções são compreendidas aqui não como apenas fenômenos
individuais, reações incorporadas à estruturas sociais e fatores externos; emoções
estão embutidas na cultura, ideologia, e relações de poder, e portanto, podem ser
forças poderosas que podem ser utilizadas para assegurar ou desafiar a realidade
social e política(...). Emoções negativas extremas evocadas por eventos traumáticos
moldam as narrativas históricas e memórias coletivas. Estas emoções podem criar
sérios obstáculos para esforços de reconciliação e paz. Compreender narrativas
históricas, portanto, requer entendimento a respeito dos elementos emocionais
atrelados a tais narrativas sobre nós e eles, vítimas e perpetuadores. 45"

Estas emoções despertadas pelo debate de temas históricos sensíveis, devem ser
compreendidas como parte do repertório cultural de grupos sociais que preservam e
reinventam suas tradições46. Cabe ao professor lidar com estas tensões emocionais em sala de
aula visto que a disciplina de história deve ensinar os alunos a refletir sobre estas temáticas de
forma crítica e respeitosa. Neste sentido, a principal característica que configura os temas
históricos sensíveis são as reações emocionais que estes conteúdos tendem a despertar nos
alunos. Dada a natureza delicada dos debates à respeito dos temas históricos sensíveis, estas
reações emocionais podem ser mediadas através de métodos e práticas de ensino que visem
uma comunicação não agressiva.
No entanto, mesmo buscando trabalhar a experiência de sala de aula como um espaço
de diálogo e reflexão para que os alunos explorem questões históricas complexas é necessário
reconhecer que a abordagem de temas sensíveis se apresenta como um risco para o
professor47. Verena Alberti descreve a prática do ensino de temas sensíveis históricos
alertando para os efeitos de ensinar sobre estes temas ultrapassando uma abordagem
maniqueísta do passado48. Para a autora o professor deve balancear dois aspectos cruciais, o

45
Ibidem, p. 110. .Tradução Livre do Autor: "Emotions constitute an important component of historical
consciousness (...). Emotions are understood here as not just individual, embodied responses to outside social
structures an external factors; emotions are embedded in culture, ideology, and power relations and thus they can
be powerful forces that may be used to secure or challenge social and political reality(...). Extreme negative
emotions evoked by traumatic events strongly shape collective historical narratives and memories. These
emotions may create serious obstacles to efforts for peace and reconciliation. Understanding contested historical
narratives, therefore, requires comprehending the powerful emotional element that is embedded in such
narratives about we and they, victims and perpetrators."
46
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e
perdas. Rev. Bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 30, n. 60, p. 13-33,    2010 .  
47
KITSON, A & MCCULLY, Alan. (2005). You hear about it for real in school'. Avoiding, containing and risk-
taking in the classroom. Teaching History. 120. 32-37.
48
ALBERTI, V. . O professor de história e as questões sensíveis e controversas. 2014. (Apresentação de Trabalho/Conferência
ou palestra).

9
risco de encontrar estas disputas de memória e reações emocionais ao trabalhar estas questões
em sala de aula e o risco de que a disciplina de história se torne "irrelevante" ao deixar de
abordar estes temas complexos e abdicar de sua função pública de mediar e até mesmo
conduzir o debate49.
Estas narrativas históricas paralelas tem se tornado cada vez mais comuns com a
difusão da informação na era digital e neste sentido pode ser observada uma tendência de
aceleração no processo de propagação de narrativas "não oficiais" da história 50. Portanto,
torna-se necessária a introdução destas temáticas complexas no currículo de história por meio
de novas ferramentas educacionais, mediando essas narrativas paralelas com consciência das
questões emocionais associadas a temáticas sensíveis51. Novas metodologias didáticas e
pesquisas sobre práticas pedagógicas visando complementar os debates a respeito de
temáticas sensíveis históricas são centrais para adaptação da história, como disciplina, às
demandas da sociedade contemporânea.
Pensando ainda nas reações emocionais que podem ocorrer durante a condução de um
debate a respeito de questões históricas sensíveis, é importante enfatizar que, para permitir
que narrativas diferentes da história coexistam, propiciando um espaço para uma conversa
franca a respeito destas temáticas, o professor precisa se colocar a partir de perspectiva crítica,
rejeitando o papel de "árbitro neutro", quando se trata de questões relativas à violações
direitos humanos e atrocidades cometidas por grupos hegemônicos no passado52. Ao atuar
com, o que pode ser visto como, "imparcialidade" em relação aos temas históricos sensíveis o
professor está implicitamente tornando equânime os crimes dos grupos opressores às práticas
de resistência dos grupos oprimidos53. Neste sentido, é necessário que o professor assuma uma
postura clara, enfatizando a importância de um posicionamento ético em relação à narrativas
históricas que tendem a amenizar a culpabilidade dos infratores do passado54.
É necessário ressaltar que muitos debates a respeito das temáticas sensíveis históricas
giram em torno de questões que não são disputadas dentro do registro do conhecimento
acadêmico e podem até mesmo ser apresentadas como um consenso entre pesquisadores como

49
Ibidem p. 2.
50
Ibidem, p. 3.
51
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e
perdas. Rev. Bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 30, n. 60, p. 13-33,    2010 .  
52
GOLDBERG, T. (2017). “On Whose Side Are You?”: Difficult Histories in the Israeli context. In T. Epstein
and C. Peck (eds.), Teaching and Learning Difficult Histories in International Contexts: A Critical Sociocultural
Approach (pp.145-159). New York: Routledge.
53
Ibidem, p. 3.
54
GOLDBERG, T. & SAVENIJE G. (2018).  Teaching Controversial Issues in History. in S.A. Metzger & L.
McArthur Harris (Eds.) International Handbook of History Teaching and Learning (pp. 503-526). New York:
Wiley-Blackwell  

10
no caso do holocausto, reconhecido mundialmente como uma atrocidade e um atentado aos
direitos humanos55. No entanto, ao trabalhar com ensino de temas históricos sensíveis o
historiador se depara com uma série de narrativas construídas a partir da memória coletiva
relativa a eventos do passado particularmente importantes para a definição da identidade
destes grupos herdeiros dos perpetuadores56. Neste processo de distanciamento entre
narrativas históricas "oficiais" e "não-oficiais", especialmente no que concerne às temáticas
sensíveis, este grupos acabam incorporando discursos políticos que podem ser compreendidos
como negacionistas tornando o debate a respeito do ensino destas questões ainda mais
complexo57.
O livro "States of Denial" de Stanley Cohen busca identificar e caracterizar as
narrativas construídas a partir de memórias coletivas que negam aspectos específicos do
passado, contestando as narrativas históricas pautadas em pesquisas acadêmicas. Cohen
utiliza o conceito psicológico de negação em uma escala social, definindo o negacionismo
como um mecanismo de defesa contra emoções perturbadoras de culpabilidade provenientes
dos traumas da memória coletiva58. Para lidar com este tipo de discurso é essencial
compreender como estas memórias atravessam o panorama político-cultural dos grupos que se
identificam através de narrativas negacionistas.
Segundo o autor, é possível definir três tipos diferentes de abordagens negacionistas a
respeito dos temas históricos sensíveis. A primeira é a simples afirmação de que um evento
histórico não ocorreu e que as diversas pesquisas que sustentam um fato histórico são
fabricadas por seus antagonistas políticos. Este formato do discurso negacionistas apresenta
poucas nuances e normalmente é associado à um contexto político de disputa e desconfiança
para com o poder institucional e a ciência como um todo59.
Outra forma de negacionismo descrita por Cohen é definida pelo discurso apologista
em relação às atrocidades cometidas no passado (também denotado pelo autor como
"whitewashing"60) e pode ser caracterizada como uma negação consciente. Falas que tendem a

55
GOLDBERG, T. (2017). “On Whose Side Are You?”: Difficult Histories in the Israeli context. In T. Epstein
and C. Peck (eds.), Teaching and Learning Difficult Histories in International Contexts: A Critical Sociocultural
Approach (pp.145-159). New York: Routledge.
56
GOLDBERG, T. & SAVENIJE G. (2018).  Teaching Controversial Issues in History. in S.A. Metzger & L.
McArthur Harris (Eds.) International Handbook of History Teaching and Learning (pp. 503-526). New York:
Wiley-Blackwell  
57
COHEN, S.; States of Denial: Knowing about Atrocities and Suffering Cambridge: Polity, 2001. 
58
Ibidem, p. 37.
59
COHEN, S.; States of Denial: Knowing about Atrocities and Suffering Cambridge: Polity, 2001. p, 38 
60
"To gloss over or cover up (such as vices or crimes) // 'refused to whitewash the scandal'" Whitewashing.
(n.d.) In Merriam-Webster’s collegiate dictionary. Retrieved from: http://www.merriam-
webster.com/dictionary/whitewashing

11
diminuir a culpabilidade de um grupo ou a intensidade de um crime do passado se encaixam
nesta modalidade de discurso negacionista. É importante ressaltar aqui que o negacionismo
não é um fenômeno exclusivo de grupos leigos, governos e instituições podem ser
veiculadores de discursos negacionistas, atacando fatos históricos que demonstrem alguma
associação destes atores à eventos traumáticos do passado61.
A terceira categoria de negacionismo determinada pelo autor é mais sutil do que as
duas outras anteriores e consiste no ato de ignorar e silenciar as discussões a respeito questões
de históricas sensíveis62. Aqui, negacionismo não é necessariamente um ato de fala, mas
certamente é um ato político, construído a partir de um desconforto em confrontar estas
questões relativas às memórias dos grupos implicados em eventos traumáticos do passado63.
Neste sentido, este desconforto pode gerar reações negativas em contextos de diálogo a
respeito de temas históricos sensíveis.
Assim, professores de história que optarem por trabalhar estes temas em sala de aula
devem atentar para esta rejeição silenciosa dos questionamentos promovidos pela abordagem
de questões históricas sensíveis. No entanto, como foi explicitado anteriormente, o ensino de
temas sensíveis apresenta um risco e para minimizar este risco são necessários novos métodos
de ensino, partindo de questionamentos como;
Seria possível identificar estas narrativas negacionistas nos discursos emitidos pelo
alunos ao longa de uma prática de ensino? Neste sentido é importante diferenciar um
comportamento indiferente em relação aos temas históricos sensíveis do negacionismo aberto
ecoado por alguns alunos em sala de aula. Como lidar com cada uma destas três modalidades
de negacionismo mencionadas em sala de aula? Certamente cada uma delas exigirá uma
abordagem diferente por parte do professor. Estas são questões que precisam ser respondidas
a partir do estudo de novas metodologias do ensino de história desenvolvidas especificamente
para o ensino de temas sensíveis64.
Sob um ponto de vista da história pública é essencial o engajamento da Academia e
dos pesquisadores na produção de conhecimento a respeito de temáticas sensíveis. Além disso
é necessário romper barreiras e possibilitar o diálogo entre o ensino escolar e a produção
universitária, diversificando a "cultura escolar, isolada de outras culturas" e desafiando o

61
COHEN, S.; States of Denial: Knowing about Atrocities and Suffering Cambridge: Polity, 2001. p, 38 
62
Ibidem, p. 39
63
Ibidem, p. 40
64
ALBERTI, Verena. Proposta de material didático para a história das relações étnico-raciais. Revista História
Hoje, v. 1, p. 61-88, 2012.

12
"fetiche da Academia como único lugar do saber"( SILVA; FONSECA 2010) 65.Assim caberá
à esta pesquisa se debruçar sobre novos formatos de ensino história voltados para as temáticas
sensíveis estudando as práticas e métodos que já foram implementados em sala de aula, em
diferentes contextos socioculturais. Ao avaliar estes fatores a discussão a respeito de como se
deve conduzir uma abordagem didática sobre temas históricos sensíveis se torna possível.

1.2 As Diferentes Abordagens de Temas Históricos Sensíveis em Sala


de Aula

A partir das novas demandas políticas e sociais relativas ao ensino de história do


século XXI propõem-se a discussão da implementação de novos currículos da disciplina de
História que permitam o diálogo a respeito de temas sensíveis em sala de aula, principalmente
65
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e
perdas. Rev. Bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 30, n. 60, p. 13-33,    2010 .  p. 3

13
em países em que existem conflitos ideológicos entre diferentes setores sociais. Essa
discussão parte de uma preocupação com a forma como se conduz o debate em sala de aula,
muitas vezes evitando tocar em assuntos que possam trazer à tona emoções e sentimentos dos
alunos em relação aos seus antepassados ou familiares que possivelmente participaram desses
eventos, como vítimas ou infratores66.
No entanto, é necessário abordar essas temáticas para que tenhamos um ensino
satisfatório da disciplina de história, visto que, estas questões ainda impactam a realidade
destas sociedades em conflitos. Na verdade, existe uma grande demanda dos alunos em
buscar entender as conexões entre passado e presente, especialmente se essas conexões
permitam uma nova interpretação do passado67.
Essa compreensão se baseia em uma série de estudos realizados em diversos países
que experimentaram a partir de currículos e metodologias que possibilitam a discussão de
temáticas sensíveis em sala de aula. As pesquisas referidas foram realizadas por Historiadores
e Pedagogos que devotaram os seus esforços a trabalhar com alunos e professores, através de
formas inovadoras de abordar passados sensíveis visando colher o máximo de informações
possíveis a respeito das dificuldades da implementação destas abordagens no currículo da
disciplina de História, tendo em vista a reavaliação das práticas de ensino e das limitações
curriculares68.
Desde o final da década de 90, o professor da Universidade de Ulster, Alan
McCully vem trabalhando com o ensino de história em uma sociedade pós-conflito, lidando
com as questões identitárias proveniente do longo processo de 30 anos de guerra civil na
Irlanda do Norte69. A disputa que se originou das contendas entre protestantes e católicos e
evoluiu para uma guerra civil entre Nacionalistas republicanos irlandeses e Unionistas
favoráveis a Grã-Bretanha, levou à uma grande cisão na sociedade da Irlanda do Norte e
marcou profundamente as memórias daqueles que participaram destes eventos70.
O ensino de história na Irlanda do Norte passa a ser então o palco para o diálogo e
mediação entre estes grupos profundamente marcados pelo passado recente, e o currículo
escolar de história passa a ser observado com atenção por pesquisadores da educação e
66
ALBERTI, V. . O professor de história e as questões sensíveis e controversas. 2014. (Apresentação de Trabalho/Conferência
ou palestra).
67
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e
perdas. Rev. Bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 30, n. 60, p. 13-33,   
68
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster. 42 pp. disponível em:
http://uir.ulster.ac.uk/15651/1/Mc7march1030%5B1%5D.pdf
69
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster. 42 pp. 
70
Ibidem

14
entidades governamentais que procuram soluções para a resolução de conflitos sócio-políticos
proveniente das memórias da guerra civil. Neste sentido, a pesquisa de McCully se
debruça sobre os elementos transformativos e conservadores das mudanças curriculares da
disciplina de história na Irlanda do Norte, assim como das atitudes dos professores em sala de
aula ao abordar estas temáticas, e por fim da forma como os alunos se relacionam com este
conteúdo71.
Alan trabalha sua metodologia do ensino da história a partir da divisão entre os
objetivos intrínsecos da disciplina como, promover o pensamento crítico a respeito do passado
e incentivar novas pesquisas e pontos de vistas; e os objetivos extrínsecos da disciplina, que
estão relacionados diretamente com o uso social da história, a forma como a história circula
em meios públicos e como ela é utilizada para transmitir valores, conceitos e ideologias
realizando uma constante interlocução com a contemporaneidade72. Segundo o autor a
experiência do ensino de temáticas históricas sensíveis será inteiramente
diferente dependendo da forma como esses objetivos intrínsecos e extrínsecos forem
avaliados pelo currículo ou pelo professor em sala de aula73.
A preocupação com os objetivos extrínsecos da disciplina resultam em uma
abordagem que possibilita um maior número de vozes e versões do passado abrindo para o
aluno a possibilidade de se tornar intérprete da sua própria história. Segundo as pesquisas de
McCully, os alunos de ensino médio da Irlanda do Norte reagiram bem à transformação do
currículo de história ocorridas no período pós-conflito, focando mais nos objetivos
extrínsecos descritos, pelo fato de oferecer uma narrativa múltipla que contempla a
complexidade de um período de guerra-civil ou regime de exceção em que muitos alunos tem
em suas famílias, pessoas implicadas como parte dos grupos dominantes ou dos grupos
minoritários74.
Em contraste, outras experiências de ensino voltadas para uma narrativa singular do
grupo "dominante" afastam os alunos que aprenderam outras versões da história, como
entendidas por sua família, mesmo que reproduzam  em sala de aula o discurso oferecido pelo
currículo escolar 75. Nesse sentido a reformulação do currículo de história na Irlanda do Norte

71
Ibidem
72
McCully A. and Emerson L. (2014) ‘Teaching controversial issues in Northern Ireland’, in T. Misco and J. de
Groof (eds), Cross-cultural Case-studies in Controversial Issues: Pathways and Challenges in Democratic
Citizenship Education, Tilberg, Legal Wolf Publishers.
73
White, John. “The Aims of School Histoy.” Teaching History, no. 74, 1994, pp. 7–9. JSTOR,
www.jstor.org/stable/43258010.
74
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster. 42 pp
75
Ibidem

15
tenta oferecer uma multiplicidade de pontos de vista e foca o ensino no processo de pesquisa
histórica em que são confrontados com os obstáculos próprios da prática historiográfica e com
a sensibilidade política necessária para lidar com temas históricos sensíveis.
Para Alan o professor de história deve estar consciente de que ensinar história por uma
multiplicidade de pontos de vista implica em sair da dicotomia clássica entre os discursos dos
grupos dominante e minoritário e buscar novas interseções e posicionamentos de agentes
históricos inusitados que possibilitem aos alunos um exercício de pensamento crítico e o
maior entendimento da complexidade do período histórico em questão76. Esta observação é
bastante pertinente, pois o ensino do passado partindo de uma oposição entre dois grupos
tende a reforçar os aspectos rígidos das memórias do conflito e limitar a possibilidade de
diálogo entre os dois lados ao invés de expandir o horizonte de atores e opiniões em jogo
nestes passados sensíveis.
Outro posicionamento crítico assumido pelo autor é de que o ensino de história não
pode ficar preso ao passado, no sentido em que o professor deve se atentar sempre para os
laços entre passado e presente engajando ativamente com as questões sensíveis relativas a
estes conflitos no mundo contemporâneo. Para ele, o ensino de história pode se tornar "frio"
ao criar um distanciamento analítico em nome de uma verdade histórica que não favorece os
objetivos extrínsecos do ensino de história77. Ou seja, é necessário permitir que os alunos
entrem em contato com questões complexas e sensíveis do passado, possibilitando e até
mesmo encorajando uma resposta emocional da parte dos alunos. Em contrapartida é
importante que os professores estejam atentos para o efeito dessas narrativas sensíveis e para
o equilíbrio emocional do diálogo em sala de aula78.
A liberdade para abordar essas temáticas sensíveis é também uma questão importante
a ser discutida, pois o currículo escolar pode orientar a estrutura da discussão, no entanto será
essencial que o professor opere a partir de suas próprias compreensões e interpretações do
passado79. Assim, a abordagem de temas históricos sensíveis em sala de aula demanda uma
maior flexibilização do currículo para atender as demandas identitárias, políticas e sociais de
uma determinada comunidade da qual o professor e a escola fazem parte. 
A capacidade do professor de orientar esse debate complexo em que múltiplas visões
do passado estão em jogo, é diretamente limitada pela rigidez de um projeto de ensino que
76
McCully, A. (2012). History teaching, conflict and the legacy of the past. Education, Citizenship and Social
Justice, 7(2), 145–159. https://doi.org/10.1177/1746197912440854
77
Ibidem
78
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster. 42 pp
79
Ibidem

16
pretenda orientar todas as dimensões da prática de sala de aula. É necessário permitir que os
professores decidam como inserir novos elementos que possibilitem uma maior pluralidade de
discursos80. No entanto o professor não deve estar sozinho nesta árdua tarefa de educar sobre
temáticas sensíveis, museus e sítios históricos e arqueológicos, por exemplo, nos remetem a
memórias e versões da história (majoritárias ou minoritária) 81 e podem ser de grande proveito
quando utilizadas pelo professor para ajudar os alunos a compreender as diferentes narrativas
em jogo nas disputas políticas contemporâneas a respeito deste passado sensível82.
Keith Barton83, professor da Universidade de Cincinnati e companheiro de pesquisa de
McCully, discute a "empatia" como um elemento central para a educação de temas históricos
sensíveis84. Para ele a empatia representa tanto a forma de observar os atores históricos e suas
motivações a partir de sua temporalidade, quanto a capacidade de se identificar com estes
atores em um nível emocional, criando laços com o passado e permitindo uma conexão mais
íntima com estas histórias. 
Segundo Keith Barton esta seria uma forma de engajar os estudantes em uma
discussão crítica a respeito do passado que mantém um vínculo perpétuo com o tempo
presente e com as questões políticas e sociais da contemporaneidade, na medida em que o
aluno está em uma posição empática identificando-se com o contexto e os agentes históricos
trabalhados85. No entanto, desenvolver este ensino do passado empático é uma meta difícil de
se concretizar e serve como uma base teórica orientando o processo de aprendizagem crítico a
respeito de temas históricos sensíveis.
Neste sentido, a prática do ensino de história não pode se reservar em um lugar de
conforto e de resolução de conflitos, pelo contrário é essencialmente espaço para que sejam
levantadas questões complexas a respeito do passado tocando inclusive em temas históricos
sensíveis, pois essa é a sua função social, compreender a forma como o passado é utilizado
para veicular ideias e fornecer contexto para os debates contemporâneos públicos86. Essa
função social da história, em uma sociedade dividida por conflitos, pode abrir espaços para
diálogos interseccionais e permitir uma revisão dos usos que se fazem do passado 87. O aspecto

80
LEITE, C., Modos de fazer escola e a flexibilização curricular, 2007.
81
SILVA, Marcos Antônio da; FONSECA, Selva Guimarães. Ensino de História hoje: errâncias, conquistas e
perdas. Rev. Bras. Hist.,  São Paulo ,  v. 30, n. 60, p. 13-33,   
82
Ibiden
83
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster. 42 pp
84
Ibidem
85
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster. 42 pp
86
Ibidem
87
Ibidem

17
central do processo educacional descrito por Alan McCully é que os alunos reconheçam a
contribuição do contexto sociocultural ao qual pertencem para a construção da sua visão do
passado, ou seja, que estejam conscientes de que a compreensão histórica é um processo de
interpretação e não uma verdade absoluta88.
As observações de Alan a respeito das mudanças no currículo de história da Irlanda do
Norte provêm de uma base empírica de Pesquisas a respeito das transformações ocorridas na
relação em alunos e professores em relação à disciplina de História. A pesquisa realizada
entre os anos 1996 e 2001 por Margaret Conway, professora e pesquisadora da Universidade
de Londres, comparou o ensino escolar de escolas na região de Oxford no Reino Unido e de
Ulster  na Irlanda do Norte, através de um questionário explorando os assuntos sobre a forma
como temáticas sensíveis eram tratadas em sala de aula e as opiniões de 1737 alunos e 57
professores sobre a abordagem dos conflitos, então muito recentes, da Irlanda do Norte89.
Margaret aponta que ao longo dos quatro anos de pesquisa os professores foram se tornando
cada vez mais familiares com abordagem de temas históricos sensíveis o que permitiu
um maior aproveitamento dos alunos da disciplina:
"What also emerged was overwhelming agreement that it was factors
external to the classroom that were most influential in the formation of the political
views of the young. This was true of teachers in Mid-Ulster and Oxford and showed
no change over the years 1996 and 2001. Nevertheless, teachers in
Northern Ireland, particularly in the earlier cohort, were in varying degrees more
cautious about the impact of their History teaching on prejudice reduction. They
also demonstrated a wider range of responses: some credited young people with a
high degree of political awareness, others were dismissive of their
90
students’ interest in and knowledge of politics. "
O observado na pesquisa de Conway confirma também o benefício de uma abordagem
do ensino de história que inclua as questões contemporâneas, permitindo que os alunos sintam
empatia com os problemas do passado:
"Teachers in both regions in 1996 and 2001 complained that prejudices
were closely linked with family background. The findings appear to indicate that
there are discrepancies between teachers’ and students’ views about the sources
that are most influential in the learning process. The trend is for young people not
only to enjoy their history lessons at school and to see the subject as being

88
Barton, K. C., McCully, A. W. and Conway, M. (2003) History education and national identity in Northern
Ireland. International Journal of Historical Learning, Teaching and Research.
89
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster. 42 pp
90
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster. 42 pp

18
relevant to their lives but, when it comes to their perceptions of who or what has
helped them to develop opinions about the history of their country, to consider the
classroom to be by far the most important source of influence (and more so NI
pupils than pupils in England).91"
Mas e para além da Irlanda do Norte, quais são os apontamentos da discussão a
respeito do ensino de temas históricos sensíveis? O professor Tsafrir Goldberg da
universidade de Haifa descreve o contexto atual do ensino de história nas escolas Israelitas a
partir das tensões entre Árabes e Judeus92.  Segundo Goldberg, devido à intensidade das
emoções relacionadas a este conflito, o professor ao assumir uma posição crítica ensinando
aspectos da história desfavoráveis ao estado Israelense pode provocar uma reação negativa
das comunidades mais conservadoras. Como exemplo, Tsfarir cita casos de livros didáticos,
que buscavam contar a história dos conflitos recentes a partir da visão Palestina, cujo
lançamento provocou ameaças de censura e intensos debates públicos a respeito do ensino de
história93. 
O autor observa também a grande hesitação de professores e alunos em participar de
discussões abertas a respeito das questões geopolíticas da região e que muitos estão dispostos
a oferecer narrativas nacionalistas que negam qualquer culpabilidade do Estado Israelense nos
conflitos. No entanto, a minoria dos professores que decidem se engajar nesses temas
complexos relatam que nunca sofreram nenhuma retaliação dos seus superiores e que recebem
uma boa resposta de muitos dos seus alunos, que tem grande interesse em debater estes
temas e se engajar com pontos de vistas diferentes mesmo que ainda reservem um favoritismo
nacionalista94.
Mesmo assim, alguns dos alunos, quando confrontados com temáticas históricas
sensíveis tendem a desmistificar algumas das suas visões nacionalistas do Estado Israelense,
mas geralmente mantém as suas lealdades às concepções do passado "oficiais".  Outro
apontamento interessante da pesquisa de Goldberg está relacionado ao contato direto dos
alunos Israelenses com as memórias dos seus colegas Árabes partilhados em sala de aula95. O

91
Ibidem
92
GOLDBERG, T.. “On Whose Side Are You?”: Difficult Histories in the Israeli context. In T. Epstein and C.
Peck (eds.), Teaching and Learning Difficult Histories in International Contexts: A Critical Sociocultural
Approach (pp.145-159). New York: Routledge., 2017
93
Salameh , M., Massel, Abby " The Rise of the Israeli Right and the Censorship of History". 2016. disponível
em: https://www.thejerusalemfund.org/10726/rise-israeli-right-censorship-history
94
GOLDBERG, T.. “On Whose Side Are You?”: Difficult Histories in the Israeli context. In T. Epstein and C.
Peck (eds.), Teaching and Learning Difficult Histories in International Contexts: A Critical Sociocultural
Approach (pp.145-159). New York: Routledge., 2017
95
Ibidem

19
elemento da empatia surge aqui de novo como objeto central para condução do diálogo entre
grupos com passados conflituosos.96 Os alunos israelenses que entram em contato com o outro
lado da história através dos seus colegas tendem a se interessar mais por estas perspectivas do
que os alunos que não tiveram essa experiência, além disso pode-se observar que conduziram
discussões menos confrontacionais a respeito de temas históricos sensíveis97.
Dado o estado corrente dos conflitos étnico-culturais em Israel é de se esperar que seja
mais difícil tratar de questões históricas sensíveis em sala de aula, principalmente partindo do
ponto de vista do "inimigo"98. A maioria dos outros exemplos de metodologias e currículos
desenvolvidos para abordar estes temas históricos lidam com os ecos de um passado
conturbado, como o caso da Irlanda do Norte. Estas experiências inovadoras curriculares e
metodológicas são compartilhadas pela comunidade de historiadores e educadores que
percebem a importância destas questões para o ensino de história e estimam os novos rumos
possíveis para a discussão de temas sensíveis em sala de aula.
Em 1999 o professor Alan McCully levou as suas experiências e observações a
respeito do ensino de história de passados sensíveis para o seminário "Educando questões
sensíveis e controversas no ensino de história para escolas secundárias 99" realizado em
Sarajevo, promovido pelo Conselho da Europa. Durante sua apresentação Alan aponta que o
currículo da Irlanda do Norte tem quatro objetivos principais: estimular o respeito mútuo,
ensinar como entender conflitos históricos, apreciação da interdependência (dos grupos em
conflito), e desenvolver a compreensão cultural100. O relatório dos seminários, realizado por
Ann Low-Beer aponta, em consequência da fala de McCully, a necessidade de incluir no
treinamento dos professores de história métodos de lidar com emoções em sala de aula101.
Outra fala interessante neste mesmo seminário é da professora Christina del Moral a
respeito dos impactos da Lei de Reforma Educacional espanhola de 1991 102. O conteúdo da
apresentação foca na abordagem da Guerra Civil Espanhola do regime de Francisco Franco,
que durou quase 40 anos e deixou um legado de perseguição aos seus opositores.
96
Ibidem
97
Ibidem
98
Low-Beer, Ann. “Politics, School Textbooks and Cultural Identity: the Struggle in Bosnia and
Hercegovina.” Internationale Schulbuchforschung, vol. 23, no. 2, 2001, pp. 215–223. JSTOR,
www.jstor.org/stable/43056447.
99
Tradução livre. Original: "Teaching controversial and sensitive issues in history education for secondary
schools"
100
Low-Beer, Ann. “Politics, School Textbooks and Cultural Identity: the Struggle in Bosnia and
Hercegovina.” Internationale Schulbuchforschung, vol. 23, no. 2, 2001, pp. 215–223. 
101
Council of Europe " Teaching controversial and sensitive issues in history education for secondary schools"
March 3 2001.
102
Low-Beer, Ann. “Politics, School Textbooks and Cultural Identity: the Struggle in Bosnia and
Hercegovina.” Internationale Schulbuchforschung, vol. 23, no. 2, 2001, pp. 215–223.

20
Segundo Christina os professores Espanhóis tem grande autonomia em sua prática de
ensino e não há um controle direto dos textos utilizados em sala de aula pelas autoridades
educacionais103. No entanto, existem algumas diretrizes que orientam a discussão a respeito de
temas sensíveis históricos na Espanha como, por exemplo, o foco em ensinar a história do
período franquista a partir da vida cotidiana das pessoas, utilizando história oral para ressaltar
as narrativas menos ouvidas como a de trabalhadores, camponeses e mulheres104.
A autora aponta também a prática de contextualizar o fascismo espanhol como parte
do movimento fascista internacional, expondo concorrentemente as histórias da Alemanha e
Itália neste mesmo período. O ensino do movimento de transição democrática espanhol
também busca explorar outros exemplos semelhantes de redemocratização como Grécia e
Portugal. Outro elemento importante discutido pela autora, que concerne ao ponto central
levantado por esta dissertação, é a variedade de materiais utilizados em sala de aula. Além do
livro didático, são oferecidas fontes primárias como cartas, imagens, pinturas, charges e
filmes que contribuem para um acervo de pesquisa mais robusto que apresenta ao aluno a
multiplicidade de ideologias concorrentes no período franquista105.
Após as apresentações de Christina e Alan, houve uma recepção positiva dos
atendentes que observaram paralelos claros entre as suas experiências com o ensino de
história na Bósnia e Hezergovina e os casos descritos pelos palestrantes. Neste sentido as
reformas curriculares realizadas na Espanha e Irlanda do Norte serviram de inspiração para a
renovação do ensino de questões sensíveis na Bósnia e Hezergovina nos próximos anos
resultando na publicação do "Manual for History Teachers in Bosnia and Hezergovina 106" em
2008, que busca incorporar as discussões levantadas nos seminários de 1999 ao treinamento
de professores de história bósnios e hezergovinos107.
A participação do Conselho Europeu foi importante para conferir o aspecto
internacional do seminário, onde experiências de diferentes conflitos e passados sensíveis
podem ser analisados a partir do contexto do ensino de história. Este exercício de diálogo com
diferentes currículos e metodologias do ensino de história pode ser bastante enriquecedor para
a definição de novos parâmetros de ensino escolar que busquem trabalhar pontos contenciosos
através da multiplicidade, escapando de "narrativas mestras" de cunho nacionalista que
tendem a silenciar as experiências dos grupos minoritários.
103
Ibidem
104
Ibidem
105
Ibidem
106
Mais informações em: https://www.learntochange.eu/2019/07/12/luisa-black/
107
Black, Luisa. "Manual for History Teachers in Bosnia and Hezergovina " Disponível em:
https://www.coe.int/en/web/history-teaching/bosnia-and-herzegovina#{%2218909168%22:[8]}

21
Outra organização que produziu publicações a respeito do ensino de temas históricos
sensíveis foi a Historical Association do Reino Unido. No relatório "T.E.A.C.H. Teaching
Emotive and Controversial History"108, publicado em 2007 são avaliadas as dificuldades do
ensino de passados sensíveis como a eventual falta de conhecimento dos professores a
respeito dos questões históricas difíceis e a necessidade do apoio à atualização destes
profissionais. A complementação destas lacunas nas práticas de ensino de temas históricos
sensíveis é um aspecto essencial do controle de qualidade do ensino inclusivo proposto pela
Historical Association109. Mais um problema apontado pela publicação é o fato já discutido de
que muitos professores evitam as temáticas sensíveis por medo de gerar confusão ou ofender
seus alunos, essa questão se agrava quando os professores lidam com grupos étnicos
diferentes dos seus e pode ser visto como um estranho dentro da comunidade específica em
que está lecionando110.
A publicação cita também casos de professores na Inglaterra que foram coagidos pelos
pais dos seus alunos por ministrar aulas lidando com temas como o holocausto e o conflito
entre árabes e judeus, mas não entra em detalhes sobre o conteúdo das aulas ou quais grupo se
manifestaram a respeito do ocorrido111. Essa pressão externa inibe a tomada de riscos por
parte dos professores e, a incerteza a respeito da recepção destes conteúdos difíceis acaba
impedindo que muitos se posicionem em favor dos objetivos extrínsecos do ensino de
história112.
Para lidar com essas pressões é importante que os professores se apoiem em currículos
e diretrizes educacionais que motivem as práticas de ensino de temas históricos sensíveis.
Como exemplo de documentos guias que podem auxiliar professores em uma posição de
incerteza pode-se citar as "Diretrizes para o Ensino do Holocausto 113", realizado pelo Museu
Estadunidense Memorial do Holocausto que apresenta, em uma série de tópicos, advertências
e recomendações orientando sobre como abordar o tema.
Entre as primeiras recomendações do documento encontra-se a necessidade de ensinar
a respeito dos diferentes grupos que foram perseguidos durante o holocausto e as implicações
de fazer parte destes grupos durante as perseguições do regime nazista 114. Aqui a
108
Historical Association, "T.E.A.C.H. Teaching Emotive and Controversial History". September, 4, 2007.
Disponível em: https://www.history.org.uk/secondary/resource/780/the-teach-report
109
Ibidem
110
Ibidem
111
Ibidem
112
Historical Association, "T.E.A.C.H. Teaching Emotive and Controversial History". September, 4, 2007.
Disponível em: https://www.history.org.uk/secondary/resource/780/the-teach-report
113
Tradução Livre. Original "Guidelines for Teaching about the Holocaust"
114
United States Holocaust Memorial Museum. "Guidelines for Teaching about the Holocaust". Disponível em:
https://www.ushmm.org/educators/teaching-about-the-holocaust/general-teaching-guidelines

22
multiplicidade de visões históricas aparece novamente como aliado do ensino das temáticas
históricas sensíveis. Além de uma abordagem diversa o texto também aconselha o cuidado
com a linguagem utilizada em sala de aula evitando generalizações e estereótipos. Pelo
contrário, a ação do professor deve dissolver as narrativas simplistas e buscar desenvolver o
ensino de história em cima das complexidades do período permitindo que os alunos explorem
as nuances do passado115.
O documento recomenda, também que os professores trabalhem as estatísticas do
período sempre relacionadas diretamente com o elemento humano, sem nunca perder de vista
que cada pessoa que viveu o holocausto passou por uma experiência singular e que isto se
traduz não só em números, mas também em uma multiplicidade de memórias que devem
servir para entender melhor os fenômenos coletivos do passado116.
Por fim, os professores são orientados a escolher com cuidado seus métodos de
abordagem do tema, pois certas práticas de sala de aula podem trivializar a seriedade do tema
resultando em uma experiência de ensino insensível117. O documento cita exemplos de jogos
simples que podem ser realizados em sala de aula como quebra cabeças e caça-palavras
prática que pode esvaziar o ensino de temáticas sensíveis devido ao baixo nível de
pensamento crítico envolvido nestas tarefas, mesmo que os alunos as apreciem. No entanto,
como será explorado mais adiante, jogos podem ser utilizados em sala de aula sem provocar
este efeito adverso, contanto que permitam ao aluno lidar com o passado de forma crítica e
diversa como recomendado anteriormente. A educação através dos jogos não precisa ser
simplória, pelo contrário, deve servir para provocar novas visões sobre o passado a partir de
uma experiência interativa, que tem como objetivo colocar os alunos de frente com questões
complexas do passado.

115
Ibidem
116
Ibidem
117
Ibidem

23
1.3 O Ensino de Temas Históricos Sensíveis no Brasil

A partir desta discussão a respeito do ensino de temáticas históricas sensíveis é


necessário indagar sobre quais são os desafios do ensino de história no Brasil. Como
observado anteriormente, os temas históricos sensíveis são determinados de acordo com os
problemas e conflitos do passado entre as diferentes identidades históricas presentes na
sociedade e o Brasil não é uma exceção. 
Por ser um país de vasta extensão territorial e com processo de colonização variado o
Brasil é um caso complexo quando se trata de ensino de questões históricas sensíveis. No
entanto, como foi discutido no primeiro item deste capítulo  as últimas duas décadas um
avanço parcial nas políticas educacionais voltadas para a reconfiguração do ensino escolar,

24
buscando acomodar narrativas que ofereçam o ponto de vista do passado de grupos
minoritários brasileiros118.
Essas mudanças foram obtidas através das demandas de professores, ONGs,
acadêmicos e associações políticas que apostaram na transformação do ensino e do material
didático através de novas políticas educacionais e diretrizes curriculares 119. No entanto para
além das políticas educacionais discutidas anteriormente é necessário observar quais são os
desafios e efeitos práticos do ensino de temas históricos sensíveis no Brasil, ou seja,
investigar como os professores conduziram estas discussões a respeito de temas sensíveis e
quais são suas opiniões sobre os benefícios ou problemas de uma abordagem franca de temas
complexos120.
Para realizar uma investigação completa deste tema seria necessário o levantamento de
dados empíricos como entrevistas com professores e alunos de diversas regiões do Brasil a
respeito do ensino de temas históricos sensíveis, possivelmente com uma metodologia
semelhante à de Alan Mcully discutida no item anterior deste capítulo121.  No entanto mesmo
sem uma pesquisa empírica de larga escala pode-se discutir o ensino a partir de produções
acadêmicas a respeito do ensino de temáticas sensíveis no Brasil.
 O cenário da educação de temas sensíveis no Brasil é comumente definido por
pesquisadores como uma disputa entre uma narrativa nacionalista unificadora e uma postura
multiculturalista a respeito do passado que busca preservar identidades e memórias de grupos
minoritários (Gil, Eugenio, 2018)122. Esta disputa se agravou nos últimos quatro anos devido
ao surgimento de forças políticas conservadoras que buscam cercear o conteúdo abordado em
sala de aula em favor desta ”narrativa unificadora”. Os autores Jonas Camargo Eugenio e
Carmem Zeli de Vargas Gil descrevem a ascensão deste movimento político que torna ainda
mais complexa a abordagem de temas históricos sensíveis na contemporaneidade:

“Ao mesmo tempo, temos uma situação nova de constrangimento aos professores
que orientam suas aulas por demandas do tempo presente. Acusados de
doutrinadores, os professores se veem atacados por diferentes segmentos sociais

118
GIL, CARMEM ZELI DE VARGAS ; CAMARGO, JONAS . Ensino de História e temas sensíveis: abordagens
teórico-metodológicas. REVISTA HISTÓRIA HOJE , v. 7, p. 139-159, 2018.
ALBERTI, Verena. O professor de história e as questões sensíveis e controversas. 2014.
119

(Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra).


120
PEREIRA, NILTON MULLET ; SEFFNER, Fernando . Ensino de História: passados vivos e educação em
questões sensíveis. REVISTA HISTÓRIA HOJE , v. 7, p. 14-33, 2018.
121
McCully, Alan (2007) Recent Research on Teaching History in Northern Ireland: Informing Curriculum
Change. Nuffield Foundation. UNESCO Centre, University of Ulster.
122
GIL, CARMEM ZELI DE VARGAS ; CAMARGO, JONAS . Ensino de História e temas sensíveis: abordagens
teórico-metodológicas. REVISTA HISTÓRIA HOJE , v. 7, p. 139-159, 2018.

25
como a família, a mídia, as religiões e, também, o Estado, embora saibamos que a
educação voltada para o exercício da cidadania ativa impõe, necessariamente, o
estudo de temas sensíveis e controversos que ultrapassam a mera inclusão dos
problemas do tempo presente nas aulas de História, conforme orientam os próprios
documentos legais.” (GIL, EUGENIO 2018)123

Esta postura de silenciamento de temas sensíveis históricos destes grupos políticos é


acompanhada de revisionismo e negacionismo tornando o ofício do historiador e do professor
de história uma tarefa ainda mais difícil na medida em que o Brasil se encontra em um
momento de grande tensão política. A título de exemplo pode-se citar alguns temas sensíveis
históricos que servem para ilustrar o estado contemporâneo das discussões a respeito do
ensino de história no Brasil.
A ditadura civil-militar é um dos temas sensíveis históricos que provoca maior debate
em sala de aula no Brasil e, portanto requer uma abordagem diferenciada da parte do
professor. Cabe ressaltar aqui novamente o choque de identidades e a falta de um
consenso histórico como centro do conflito de idéias que caracteriza o ensino de temáticas
sensíveis. Alunos podem manifestar opiniões favoráveis ao regime militar devido a uma
afiliação política específica ou por terem ouvido de seus parentes relatos positivos do período.
Qual é a posição que o professor deve tomar nesta situação? É necessário agir com cautela,
pois o ensino de temas históricos sensíveis é um risco para o professor 124. Para tomar esse tipo
de risco é importante que o professor tenha o "respaldo da instituição" de ensino com a qual
está trabalhando125 principalmente nos tempos atuais em que se escutam relatos de censura e
monitoramento do discurso político de professores de história em sala de aula126.
Sendo assim, é possível que professores optem por apresentar uma narrativa pautada
em fontes documentais e focada em discutir os fatos históricos que levaram à instauração do
regime militar. Para enfrentar as forças de silenciamento do ensino de temas históricos
sensíveis é importante pensar em novas metodologias de ensino que coloquem o aluno de

123
Ibidem.
124
ALBERTI, Verena. O professor de história e as questões sensíveis e controversas. 2014. (Apresentação de
Trabalho/Conferência ou palestra).
125
ALBERTI, Verena. O professor de história e as questões sensíveis e controversas. 2014. (Apresentação de
Trabalho/Conferência ou palestra).
126
BATISTA, Felipe.””Clima de Guerra”: o que dizem professores acusados de doutrinação e o fim do Escola
Sem Partido” em Humanista Jornalismo e Direitos Humanos. Disponível em:
https://www.ufrgs.br/humanista/2019/08/01/clima-de-guerra-o-que-dizem-professores-acusados-de-doutrinacao-
e-o-fim-do-escola-sem-partido/

26
frente com os dilemas do passado evitando que o debate em sala de aula gire em torno de
narrativas anedóticas sobre um passado idealizado127.
Vale ressaltar que em 2019 o presidente Jair Bolsonaro determinou a volta da
128
comemoração do dia 31 de março como aniversário da “Revolução Democrática de 64” ,
que havia sido abolida em 2011 durante o governo de Dilma Rousseff 129. A determinação do
presidente causou revolta de diversas associações governamentais e acadêmicas que se
manifestaram contra a reinstituição da comemoração130. Este episódio demonstra como as
narrativas a respeito do regime civil militar estão no centro do cenário político
contemporâneo.
Outros exemplos de temas históricos sensíveis que comumente geram discussões e
conflitos em sala de aula estão relacionados ao passado colonial do Brasil e suas heranças nos
tempos atuais. Temas como a história da escravidão africana no Brasil e a história dos povos
indígenas, que são centrais para a compreensão do racismo na sociedade contemporânea,
podem ser considerados temas históricos sensíveis. Neste sentido esta pesquisa se dedicará,
nos próximos capítulos, a pensar em novos métodos de ensino interativos para lidar com os
temas históricos sensíveis a partir de uma proposta participativa, em que os alunos podem
entrar em contato com estes passados sensíveis de forma empática.

127
GIL, CARMEM ZELI DE VARGAS ; CAMARGO, JONAS . Ensino de História e temas sensíveis: abordagens
teórico-metodológicas. REVISTA HISTÓRIA HOJE , v. 7, p. 139-159, 2018.
128
MORI, Letícia “Como ordem de Bolsonaro para comemorar o golpe de 64 se transformou em problema para
as forças armadas” em BBC Brasil Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47741593
129
GÓES, Bruno “Exército abole comemoração do golpe de 64, mas clubes militares prestam homenagem à
data” em O Globo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/politica/exercito-abole-comemoracao-do-golpe-de-
64-mas-clubes-militares-prestam-homenagem-data-2802824
130
Diretoria da Seção São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil “OAB SP repudia comemoração do golpe
de 1964” Disponível em: http://www.oabsp.org.br/noticias/2019/03/oab-sp-repudia-comemoracao-do-golpe-de-
1964.12881

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