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O QUE A CAPOEIRA ME ENSINOU

Margareth Marilú Moreira Faustino1

O estudo acerca da capoeira nos ajuda a ter uma visão mais ampla em torno da
história, e dos seus fundamentos. Neste sentido, ao longo do semestre diversos textos
foram estudados com a finalidade de entendermos, a partir do contexto brasileiro, o
grande universo que é a capoeira. Primeiramente, aprendemos que existem três
hipóteses que explicam a origem da palavra capoeira: a primeira está ligada a tupi-
guarani caá-puêra; a segunda, a um cesto de palha; e a última, a uma ave encontrada em
regiões do sudeste e centro-oeste do Brasil. Por outro lado, a capoeira é definida como
sendo não apenas um exercício de força combinada com destreza, mas também, é um
tipo de dança guerreira (ABIB, 2017). Além disso, a mesma se assemelha muito a um
ritual de passagem de Angola, denominado N’Golo, e esse ritual incluía luta de pés, e
também dança feminina.
Desse modo, o estudo sobre a origem da capoeira nos permitiu compreender
que a mesma teve início no Brasil, mas, seus fundamentos e mitos se originaram de
Angola. Ademais, no debate referente à história da capoeira aprendemos que o mais
importante é focarmos nossa atenção nas questões que a criaram, e que a mantém viva
até os dias de hoje, e não nas datas. Outrossim, Doring (2016) apontou que por muito
tempo a capoeira também esteve imersa no campo do batuque, que era uma expressão
utilizada pelos colonizadores para se referir a todas as manifestações culturais e
religiosas dos africanos. Tal confusão, por parte dos colonizadores, surgiu pelo fato de
que quase sempre que ocorriam essas manifestações coletivas, elas eram acompanhadas
por dança ao som do batuque. O que por sua vez, acabou clareando o motivo por trás da
presença indispensável do canto, da dança e do batuque, dentro daquilo que é a
capoeira. Observar tais elementos numa perspectiva ligada com os verdadeiros
fundamentos por trás daquilo que os escravizadores chamavam de batuque, permite-nos
demonstrar que a capoeira não se limita apenas ao divertimento, mas também, traz

1 Discente da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB –


Campus dos Malês). Artigo apresentado como atividade avaliativa, relacionado à disciplina de
Fundamentos Filosóficos Práticos do Samba e Capoeira. Professora Doutora Elizia Cristina Ferreira, no
2º semestre de 2022.1. E-mail: margfaustino99@gmail.com
consigo aspectos ligados à ciência, a filosofia, a história de luta e resistência dos povos
escravizados. Tendo em conta que, estes usavam muitas vezes a capoeira como
mecanismo de defesa, contra à violência a qual eram submetidos, e obrigados a viver.
Por outro prisma, Araújo (2019) com sua obra onde fala da posição das
mulheres negras brasileiras dentro dos processos de produção de conhecimentos
culturais, e tradicionais da comunidade afro-brasileira, contribuiu muito para a
compreensão dessa temática. Pois, a autora a partir desse trabalho, provou que ao longo
da história as mulheres sempre participaram dos movimentos de luta contra a
escravatura, desigualdade social, e até na construção da capoeira nacional. Neste
sentido, foi interessante notar que foram elas, as pessoas que usaram a ginga, e faziam
isso de modo individual, ou criando maltas e diversos ajuntamentos políticos. Nesses
ajuntamentos muitos assuntos eram discutidos, como por exemplo questões estratégicas,
apresentação de soluções e respostas aos problemas que a negritude brasileira
enfrentava na época colonial e pós escravatura, como também, assuntos ligados a como
lidar com os conflitos policiais, já que, a capoeira por muito tempo foi marginalizada e
proibida por lei, a tal ponto de que, todo aquele que a praticava era perseguido, preso e
até mesmo morto, justamente por esta ser uma manifestação da negritude brasileira
(ARAÚJO, 2019). Portanto, ao observar esses aspectos, pude constatar que os povos
africanos e afrobrasileiros não foram escravos pacíficos e submissos como contavam
anteriormente, mas sim, que estes lutaram, resistiram e se esforçaram para preservar as
duas raízes africanas.
E uma vez que, a perseguição era tanta que os mestres foram forçados a se
reinventar. E em função disso, passei a entender melhor a razão por trás da existência
dos estilos de capoeira; os mestres tiveram de usar de inteligência para poderem
adentrar nos espaços sociais que os oprimia e não aceitava. Por sua vez, passou a existir
a capoeira angola e a regional, tendo claramente uma certa diferença entre ambas
(ABIB, 2017). Na capoeira angola, que normalmente consiste em aspectos ligados à
ancestralidade, ao lúdico, à religiosidade, teatralidade, ao companheirismo, ética,
valores humanos, respeito ao outro, dança, alegria e ao amor, há ainda uma certa
preocupação com a preservação dos fundamentos que existem na capoeira tradicional.
Em contrapartida, na capoeira regional, que tem seu fundamento em elementos
da cultura esportiva, sendo esta uma combinação entre disciplina e rigor, incluindo
também golpes e movimentos de lutas do oriente, como o karatê e o jiu-jitsu, ocorre um
determinado desvio dos elementos mítico-religiosos, porque pouco se vê a preservação
da tradição africana durante o jogo.
E o debate sobre os dois estilos, nos ajudou a ver o quanto a pedagogia africana
influenciou na capoeira angola no que concerne ao ensino e aprendizado. Visto que
neste estilo, a oralidade e a mandinga foram preservadas, e têm sido levadas em
consideração, pois, na capoeira angola ainda vê um tempo de jogo maior, o respeito e o
cuidado com o outro, o culto aos antepassados e a preocupação com as técnicas e
movimentos da capoeira tradicional. Pese embora as críticas que foram feitas às duas,
Abib (2017) demonstrou-nos a importância de ambas no processo de expansão e
aceitação da capoeira. Como também, que até mesmo a capoeira angola precisou fingir
englobar elementos comuns do esporte eurocêntrico para poder fugir da perseguição
política.
Em seguida, por meio do estudo da capoeira, foi possível adquirir mais
conhecimento sobre a cosmovisão africana e afrobrasileira, no que toca ao tempo, ao
espaço, às relações sociais, aos mecanismos de ensino e transmissão de conhecimento.
Sendo assim, vimos que o tempo na perspectiva africana é definido não como linear,
mas como circular, por esse motivo, o espaço onde os conhecimentos sobre a capoeira
são passados é dentro de uma roda. E essa roda, por sua vez, representa o local onde se
dá o rito de passagem, ou seja, a nossa religação com a ancestralidade. Em razão disso,
o ensino não é dado de modo sistemático, ordenado ou pré definido pelo simples fato de
que a aprendizagem é infinita, e tudo se dá à medida que o tempo vai rodando.
E consequentemente, as condições de aprendizagem e assistência, baseadas no
ritmo do corpo, são criadas pelo mestre dentro da roda. Não queremos com isso dizer
que as coisas não acontecem de modo lógico, e organizado, mas, queremos mostrar que
o pensamento e o ensino para as culturas africanas e afro brasileiras não são organizados
de modo sistemático e ordenado como os eurocentristas. Porque na perspectiva
afrocentrada o ensino depende da construção de uma boa relação entre aluno e mestre,
fundamentadas no respeito, na disciplina, no toque e na paciência dos dois lados.
Em suma, aprender sobre a capoeira deveria ser uma pauta de utilidade pública,
pois, a partir dela conseguimos compreender em partes a cosmovisão africana, e as
formas de organização. Neste sentido, quando em contato com a capoeira, conseguimos
perceber por meio dela como as sociedades africanas e afrobrasileiras pensavam os
assuntos discutidos na Pedagogia, Física, Biologia, Química e Ciências Sociais. Por
outro lado, também aprendi que a capoeira não é apenas uma manifestação cultural
elaborada por homens negros, ou para homens. Desta feita, é de suma importância ter
bem patente na mente que se queremos aprender a capoeira, precisamos ter ela como
um modo de vida, lembrando que a oralidade é um dos elementos primordiais do ensino
africano e afrodescendente.

Referência:

ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Roda de samba: Identidade, resistência e


aprendizagem. [s.n.]: [s.d.]
QUEIROZ, Clécia Maria Aquino de. Sambando no miudinho: a estética performativa
das mulheres do Recôncavo Baiano. vol.: 13; n. 2. Salvador: Revista Tabuleiro de
Letras, dezembro de 2019.

ABIB, Pedro Rodolpho Jungers. Capoeira angola: Um jeito de ensinar e aprender… a


vida. In: Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. 2a ed.
Salvador: EDUFBA, 2017, p. 177-199.

DORING, Katharina. Narrativas do Samba na Bahia. In: DORING, Katharina.


Cantador de chula : o samba antigo do recôncavo baiano. Salvador: Pinaúna, 2016. p.
29-47.

ARAÚJO, Janja. Mulheres negras e culturas tradicionais: memória e resistência. In:


Currículo sem Fronteiras. v. 19, n. 2. [s.n.]: [s.d.]: maio/ago 2019.

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