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Artigo Acadêmico

Alex Almeida dos Santos

Rodas de Capoeira e Interculturalidade: Diálogos e Trocas entre


Culturas Afro-brasileiras na Diáspora Negra

Valença-Ba
Janeiro de 2024
Alex Almeida dos Santos

Rodas de Capoeira e Interculturalidade: Diálogos e Trocas entre


Culturas Afro-brasileiras na Diáspora Negra

Valença-Ba
Abril de 2024
RESUMO

De que forma a capoeira se manifesta como uma expressão cultural brasileira no contexto da
diáspora negra? A capoeira é uma manifestação cultural brasileira e que faz parte da diáspora
africana. Pode-se entender a diáspora africana como um processo imigratório no qual os
negros africanos foram levados, contra sua vontade, para outras partes do mundo. Este estudo
tem como objetivo compreender as dinâmicas interculturais que permeiam as rodas de
capoeira no Brasil, analisando as influências e as formas como essas culturas se manifestam
nessa prática. O currículo pode ser um espaço para desconstruir estereótipos de gênero e
combater o preconceito racial e étnico. Isso pode ser feito por meio da escolha de materiais
didáticos que promovam a representatividade e a diversidade, pela abordagem de temas que
questionam os estereótipos e pela promoção do diálogo e da reflexão sobre essas questões.
Palavras-chaves: Capoeira. Interculturalidade. Cultura.
1.INTRODUÇÃO

A capoeira é uma manifestação cultural brasileira e que faz parte da


diáspora africana. Pode-se entender a diáspora africana como um processo
imigratório no qual os negros africanos foram levados, contra sua vontade, para
outras partes do mundo. A capoeira se manifesta como uma expressão cultural
pois traz consigo as essências da cultura africana. A luta na qual os negros
africanos vivenciaram durante séculos no Brasil. Para uns a capoeira é uma
dança, para outros uma forma de luta e sobrevivência. A capoeira trabalha com
o desenvolvimento motor e cognitivo, além de ajudar na coordenação motora,
sendo tão importante para o corpo e para e mente que algumas escolas já
inseriu a capoeira no seu componente curricular.
A interculturalidade é um conceito fundamental no estudo das relações entre
diferentes culturas e na compreensão das formas como essas interações
moldam e transformam as identidades sociais e territoriais. Nesse contexto, a
capoeira, uma expressão cultural brasileira que surgiu no contexto da diáspora
negra, apresenta-se como um exemplo rico de interculturalidade em ação. Este
projeto de pesquisa busca explorar as interações culturais presentes nas rodas
de capoeira, considerando as influências africanas, indígenas e europeias.
A capoeira torna-se um fenômeno privilegiado para a análise da
interculturalidade. A presença dos movimentos corporais, ritmos musicais,
expressões linguísticas e elementos simbólicos distintos evidenciam a riqueza
e complexidade das influências culturais presentes nas rodas de capoeira.
Nesse contexto, a capoeira se torna um espaço de encontro e interação entre
diferentes culturas, promovendo a troca de conhecimentos, experiências e
valores.
Este estudo tem como objetivo compreender as dinâmicas interculturais que
permeiam as rodas de capoeira no Brasil, analisando as influências e as
formas como essas culturas se manifestam nessa prática. Por meio de uma
abordagem qualitativa, utilizando métodos como pesquisa bibliográfica,
observação participante e entrevistas com capoeiristas e mestres de capoeira,
buscamos mapear as origens históricas, identificar as características culturais
afro-brasileiras presentes nas rodas de capoeira, analisar os elementos
indígenas e europeus que influenciaram e investigar os processos de
interculturalidade e sincretismo cultural presentes nessa prática. Entre os
objetivos específicos do trabalho podemos destacar os seguintes: 1-Mapear as
origens históricas da capoeira e as contribuições culturais das populações
diaspóricas; 2-Identificar as características culturais afro-brasileiras presentes
nas rodas de capoeira; 3-Analisar os elementos indígenas e europeus que
influenciaram a capoeira ao longo do tempo; 4-Investigar os processos de
interculturalidade presentes nas rodas de capoeira; 5- Explorar as formas de
sincretismo cultural na capoeira, considerando as múltiplas influências
presentes.

2- REFERENCIAL TEÓRICO

O currículo pode ser um espaço para desconstruir estereótipos de gênero e


combater o preconceito racial e étnico. Isso pode ser feito por meio da escolha
de materiais didáticos que promovam a representatividade e a diversidade,
pela abordagem de temas que questionam os estereótipos e pela promoção do
diálogo e da reflexão sobre essas questões (ALBUQUERQUE, 2018). O
currículo pode incluir conteúdos que abordem a história, a cultura, as lutas e as
contribuições das mulheres, dos diferentes grupos étnicos e raciais. Isso pode
ser feito por meio da revisão dos conteúdos existentes e da incorporação de
novos temas e perspectivas que valorizem a diversidade (SILVA; OLIVEIRA,
2021). A formação de professores é fundamental para que eles possam lidar de
forma adequada com questões de gênero e diversidade étnico-racial em sala
de aula. Os professores precisam estar preparados para identificar
preconceitos, desconstruir estereótipos, promover a igualdade e a inclusão, e
criar um ambiente seguro e respeitoso para todos os estudantes (SILVA, 2013).
A inclusão e a valorização da diversidade são um processo que envolve não
apenas a escola, mas também a comunidade e as famílias dos estudantes. É
importante promover o diálogo, o envolvimento e a participação ativa da
comunidade nesse processo, buscando parcerias e construindo uma rede de
apoio que fortaleça o trabalho desenvolvido na escola (BASTOS, 2017). A
avaliação também deve ser pensada de forma inclusiva, levando em
consideração a diversidade dos estudantes.
É importante garantir que os critérios de avaliação sejam justos e levem em
conta as diferentes formas de expressão e aprendizagem dos estudantes,
evitando a reprodução de preconceitos e estereótipos (Gadotti, 2016). É
importante destacar que a implementação de práticas inclusivas e valorização
da diversidade requer um esforço coletivo, um trabalho conjunto entre escola,
professores, comunidade e famílias, para que a educação seja
verdadeiramente inclusiva, respeitando e valorizando a diversidade de todos os
estudantes (ALBUQUERQUE, 2018).
Em relação à palavra multiculturalismo, segundo Caprini e Becali (2018), se
refere a estratégias e princípios aceitos de gerenciamento ou gerenciamento de
problemas diversidade e pluralismo produzidos por sociedades multiculturais. A
educação entra nesta visão como uma das estratégias para a construção de
uma sociedade multicultural. A BNCC, Base Nacional Comum Curricular (2017)
abre em novo guia, formalizado em 2017 pelo Ministério da Educação, é um
guia curricular que prevê cidadania, formação nova, pluralismo e formação
multicultural, que busca elevar os indicadores do mundo dos alunos. Falar
sobre Direitos Humanos, Diversidade Cultural, Etnicorracialidade, Gênero e
Sexualidade, Educação, Políticas públicas e Movimentos Sociais.
Muitas vezes, nas rodas de capoeira, cada jogador procura expressar a sua
malícia pessoal, a sua forma de ver as coisas e de vadiar. O seu natural.
Nessas rodas, tento jogar, puxando por minha visão pessoal e jeito de encarar
as coisas. Por isso, no que diz respeito ao caráter de originalidade, necessário
à elaboração de uma tese de doutoramento, busco explicitar uma dimensão
investigativa, até então pouco explorada nos trabalhos acadêmicos, que
trataram sobre a temática capoeira. Isso se resume, principalmente, em dois
aspectos, que tomo como parâmetro ao longo das rodas: primeiramente a
dimensão educativa das músicas da capoeira tem sido tratada apenas
secundariamente ou de maneira muito restrita pelos trabalhos; em segundo
lugar, parece haver uma tendência geral de se investigar a capoeira,
analisando suas transformações como sendo ligadas às relações e influências
da sociedade, em sentido amplo, ou a questões conjunturais, como o advento e
influência do Estado Novo sobre ela – o trabalho de Vieira (1995) é o exemplar
mais evidente disso. Com isso quero dizer que, por um lado, existe uma
lacuna, concernente à discussão dos processos de educação musical na
capoeira e, especialmente, sobre estratégias de constituição dos saberes de
educadores neste espaço (trata-se de uma questão ligada ao ensino e
formação de educadores/as). Embora em número reduzido, alguns trabalhos
recentes (MACHADO, 1999; BONFIM, 2003; SOUZA, 2005) venham
analisando as músicas da/na capoeira, seus enfoques são bastante distintos do
apresentado nesta tese. Isto se deve, sobretudo, ao fato de as investigações
não primarem pela análise em profundidade dos processos de educação
musical vividos na capoeira e/ou não darem atenção para as relações de
saber/poder, como dimensões interculturais e complexas, que envolvem tais
saberes e podem ser objeto de reflexões no âmbito do ensino e formação de
educadores (as). Por outro lado, a tendência de investigação, apontada pelos
trabalhos, parece não considerar, de maneira mais contundente, que o próprio
espaço da capoeira, talvez, possa ser visto como uma sociedade à parte. Isto
é, como um campo de poder constituído por regras e hierarquias próprias, que
orientam as ações dos seus agentes, como as lutas por posições aí
empreendidas.
O atabaque aparece na literatura como instrumento musical com
designação de tambor oblongo, isto é, com couro em apenas um dos lados do
cilindro que forma sua estrutura. A palavra tablak, base da origem de sua
nomenclatura, é de origem persa, comum na Ásia e na África. É possível que o
atabaque tenha sido introduzido no Brasil pelos negros (Alvarenga, 1950, p.
303). Em relação ainda ao aspecto musical da Capoeira Regional, Mestre
Bimba organizou toques de berimbau (espécie de padrões rítmicos) e
estabeleceu, através deles, uma hierarquia entre alunos formados e não
formados. Isto porque, [...] Mestre Bimba empreende também a sistematização
dos toques de berimbau (considerado como o principal instrumento musical da
capoeira), criando uma metodologia para seu ensino. Em seu disco Curso de
Capoeira Regional o Mestre, exímio tocador de berimbau, gravou em um dos
lados os sete toques da Regional: São Bento Grande, Cavalaria, Benguela,
Santa Maria, Iúna, Idalina e Amazonas. (Reis, 1997, p. 137) Mestre Bimba
gozou de prestígio não só pela criação da capoeira Regional e por ser
reconhecido como grande lutador, mas por ser considerado bom tocador de
berimbau (Ucsal, 2003; Rego, 1968). Os principais aspectos das musicalidades
empregados na capoeira Regional, como a organização do conjunto musical
com um berimbau e sem a presença do tambor, chamado de atabaque, ainda
hoje são seguidos pelos capoeiristas vinculados a esta escola. Outro
personagem da capoeira em destaque no período e que adentra nesta roda de
discussão é Washington Bruno da Silva. Mestre Canjiquinha, como era
conhecido, nasceu em 1925, em Salvador, filho de um alfaiate, chamado José
Bruno da Silva, e de uma costureira, chamada Amália Maria da Conceição. Em
vida, foi um dos capoeiristas mais admirados da Bahia. E chegou a falar sobre
a fama e a distinção, que vinha obtendo – em entrevistas reunidas em livro:
“uma vez, eu estava em S. Paulo, 1962, na Feira de Arte Popular. Então, eu fui
num teatro vestido de camisa. Aí, o cara na porta barrou e o rapaz que me
acompanhava disse: – Esse é o mestre Canjiquinha. Então, as portas se
abriram só por causa do meu nome” (Mestre Canjiquinha, s.d., p. 16). Entre
suas realizações, no âmbito das musicalidades da capoeira, está a criação de
toques de berimbau, sobre os quais afirmou: Se o mestre Bimba criou a
regional eu achei por bem criar a muzenza, o samango. Se toca diferente, se
joga diferente. Isso passou na minha cabeça assim: é muzenza, é muzenza.
Toquei no berimbau. Aí eu disse: como é que eu vou jogar isso? Aí eu botava o
Manuel, o finado Simpatia, Gerônimo treinando os movimentos. Vi que aquilo
prestava. É muzenza. (P. 40)
Diversidade étnico-racial negra e indígena e Currículo Escolar; Pretagogia;
Educação popular e Escola Pública. Currículo e Ensino-Aprendizagem na
Escola Pública são temas importantes para abordar em diversidade e inclusão.
Os direitos humanos são protegidos por leis nacionais e internacionais e são
essenciais para promover a igualdade, a justiça e a dignidade humana. A
diversidade cultural refere-se à variedade de tradições, crenças, valores,
práticas e expressões presentes em uma sociedade. O etnicorracial aborda as
questões relacionadas à raça e à etnia (FANON, 2020). A igualdade de gênero
e a promoção dos direitos LGBTQIA+ são temas importantes dentro do
contexto da diversidade e dos direitos humanos (BUTLER, 2019). A educação
desempenha um papel fundamental na promoção da igualdade, inclusão e
respeito à diversidade. As políticas públicas têm um impacto significativo na
promoção da diversidade e na garantia dos direitos (BASTOS, 2017). Sobre a
diversidade étnico-racial negra e indígena e Currículo Escolar onde o racismo
coletivo dirigido aos negros é baseado na ignorância e no comportamento de
indivíduos e instituições, que se expressam em atos e atitudes comuns,
mensuráveis e visíveis de racismo (ALMEIDA, 2019).
A violência policial que atinge em muitos casos os negros, o alto número de
vítimas de homicídios e todos os dados de desigualdade educacional que
foram citados são alguns exemplos, permanecendo assim o racismo estrutural
em diversos âmbitos da sociedade brasileira (CAPRINI; BECALLI, 2018). A
ideia que orienta os argumentos em inúmeros setores da sociedade é a
diferença que fazem as pessoas. Os sujeitos têm sua identidade determinada
pelo contexto social e histórico em que sua existência é produzida. A vida em
sociedade pressupõe o reconhecimento multicultural, da tecnologia acelerada e
sofisticada mudanças nos meios de produção social que criam formas de
acumulação financeira e a má distribuição de renda nos tempos modernos.
Mestre Canjiquinha exerceu várias atividades, com a preocupação de ajudar
sua mãe, até se tornar funcionário público, em 1942, ajudado por um homem
de nome Marcelino, que o colocou como ajudante de serviços gerais na
prefeitura de Salvador (s.d. p. 46). Este trabalho foi determinante, pois lhe
possibilitou a divulgação da capoeira, por meio da realização de shows
folclóricos, em espaços voltados ao turismo. Este personagem da capoeira deu
sinais de compreender o significado de fazer parte de um meio estratificado,
em que os indivíduos ocupam posições de maior ou menor destaque em
relação uns aos outros: Com sinceridade eu nunca tive rixa com nenhum
capoeirista. Só com o meu amigo Caiçara de vez em quando. Eu sempre me
dei bem com o mestre Pastinha, com o mestre Bimba, com Valdemar, com
Cobrinha Verde. Eu sempre me dei bem, porque eu tinha que ser inteligente.
Porque era eu quem precisava deles. Porque eles eram mais velhos. Então, eu
não ia brigar com esses homens. (S.d., p. 42; grifos meus) Isso revela a
habilidade, por parte de Mestre Canjiquinha, para lidar com o fato de “precisar”
e de reconhecer as posições ocupadas por outros capoeiristas, “os mais
velhos”. Este mestre foi um dos capoeiristas que mais obteve destaque e
reconhecimento no campo da capoeira, através de inovações que fez, ao
introduzir práticas culturais neste universo, tais como, samba de roda, maculelê
e puxada de rede. O seu contato com o samba de roda se deu por meio de sua
mãe e sua tia, que participavam da dança (Shaffer, 1977). O samba de roda
consiste numa dança, realizada em círculo. Seu acompanhamento é feito por
cantigas, na forma de pergunta e resposta, em que um solista canta e é
acompanhado pelo coro, formado pelos integrantes da “brincadeira”. O
acompanhamento musical é formado por instrumentos de percussão: conjunto
de três atabaques rum, rumpi e lê, e outros como agogô. “É a dança
espontânea mais característica da Bahia. Dança de chão batido e céu aberto
[...] é um gênero musicalcoreográfico, associado à dança da umbigada, no qual
um elemento entra para o meio da roda [...], executa vários passos e vai dar
uma umbigada na pessoa que escolher para substituí-lo” (Biancardi, 2000, p.
276). Mestre Canjiquinha aprendeu a puxada de rede, quando menino: “A
puxada de rede eu aprendi no tempo. Eu saía do Matatu e ia para a Boca do
Rio, onde é o Jardim de Alá. [...] eu ia com o finado Péricles. Ele ia montado no
cavalo, eu na garupa. Lá eu via os caras cantando. Eu aprendi, puxando a rede
original” (Mestre Canjiquinha, s.d., p. 51). A puxada de rede consiste em uma
encenação, hoje, bastante comum nos batizados e apresentações de capoeira.
Representa o arrastão feito pelos pescadores, que são movidos por cânticos e
pela batida de atabaques, durante a pesca do peixe xaréu – peixe comum nas
costas do nordeste brasileiro (Falcão, 2005, p. 1). Ele teria aprendido maculelê
em 1954, na ocasião em que Popó de Santo Amaro realizou uma
apresentação, na Praça da Sé, na região do Centro Histórico de Salvador
(Shaffer, 1977, p. 38). As origens do maculelê não são precisas. Há indícios de
que seja um auto popular de origem africana. É considerado uma brincadeira
de negros, que se limitou às regiões do Recôncavo e vizinhas a Salvador
(Biancardi, 1989, p. 7). O maculelê é considerado uma dança de origem
africana e um folguedo rural, sendo ignoradas a data e as condições da sua
chegada ao Brasil. Herudino Leal o descreve como a dança antiga realizada
pelos participantes saindo às ruas, dois a dois, em fila, formando um cortejo. E
Paim descreve que os integrantes organizavam um círculo, divisado pelos
atabaques (apud Biancardi, 1989, p. 19). Esta mesma autora declara que é [...]
da opinião de que o maculelê antigo, quando o grupo não estava andando,
tinha a forma de círculo ou semicírculo, passando, posteriormente, a constituir-
se em duas alas, com o Mestre sozinho, ao meio, batendo as grimas de um
lado e do outro, ou ficando apenas com uma ala, deixando a outra para o
Contramestre. (P. 19) na parte musical, há relatos que incluem a presença de
paralelepípedos ao lado de tambores, cânticos e melodias de candomblé e de
outros folguedos que teriam sido adaptados por Mestre Popó. Destarte, Mestre
Canjiquinha adverte, dizendo o seguinte: Olha! Quem primeiro botou samba de
roda na capoeira foi eu, na Rádio Sociedade com o finado Jota Luna e Milton
Barbosa. Depois botei a puxada de rede na capoeira. Assim eu apresentava
samba de roda e explicava. Depois apresentava a puxada de rede e explicava
a história da puxada de rede. Depois o samba de caboclo e o maculelê. No
final apresentava a capoeira, apresentando nome por nome dos golpes:
martelo, ponteira, rabo de arraia, chapéu de couro... –, porque o público quer
saber. Depois veio o Conjunto Aberre Bahia. Dia de domingo, pegava meus
alunos e ia apresentar. Mas, tudo isso, quem fez isso, quem introduziu todas
essas coisas nos shows folclóricos foi seu criado. (Mestre Canjiquinha, p. 33)
Rego (1968, p. 275) definiu Mestre Canjiquinha como capoeira jovem, que
“canta como bem poucos e com um repertório vastíssimo, inclusive com uma
grande facilidade de improvisar e de todos é quem mais tem contribuído para a
adaptação de outros cânticos do folclore à capoeira. ” Suas contribuições para
as musicalidades da capoeira incluem toques rítmicos para o seu principal
instrumento musical, o berimbau, como muzenza e samango, além da inserção
das danças do samba de roda, do maculelê e da puxada de rede no campo
cultural da capoeira. A seguir nesta roda de personagens da capoeira da Bahia
dos finais do século XIX, tem lugar, no centro dos jogos, Vicente Ferreira
Pastinha. Mestre Pastinha era um negro magro e pequeno, que nasceu na
Bahia, a 5 de abril de 1899. Teve como pai um espanhol, chamado José
Pastinha e, como mãe, uma negra de nome Raimunda dos Santos. Não criou –
porque já era uma prática cultural corrente – mas ficou conhecido como o
grande divulgador da chamada Capoeira Angola (Reis, 1997; Rego, 1968).
Este homem franzino, de fala mansa, começou a aprender capoeira na
infância, pelos 8 ou 10 anos de idade, por piedade de um velho africano,
chamado Benedito. Este senhor se compadeceu do então menino, que recebia
uma surra cotidiana de outro menino maior e passou a ensinar-lhe algo de
“mais valia” do que empinar pipas, a capoeira (Revista Realidade apud Reis,
1997, p. 139). Em relação às musicalidades, parece inusitado – em referência à
imagem dos dias atuais – Mestre Pastinha (1968, p. 35) ter dito que “o conjunto
musical não é indispensável para a prática da Capoeira, mas é evidente que o
‘jogo da Capoeira Angola’ ao ritmo do conjunto típico que acompanha as
melodias e improvisos dos cantadores adquire graça, ternura, encanto e
misticismo que bole com a alma dos capoeiristas. ” Evidentemente, esta ideia
está ligada àquilo que Mestre Pastinha entendia por “conjunto típico”. Na
prática existiram várias versões para o conjunto musical, sujeitas às
possibilidades que os capoeiristas dispunham num determinado momento, à
sua criatividade ou à sua compreensão sobre o emprego dos instrumentos
musicais. Para Mestre Pastinha, este conjunto tinha, além da função de graça,
ternura, encanto e misticismo, “a finalidade de determinar o ritmo do ‘jogo’ que
pode ser mais ou menos lento ou rápido”. Os instrumentos que compõem tal
conjunto, na Capoeira Angola de Mestre Pastinha, são berimbau, pandeiro,
reco-reco, agogô, atabaque e chocalho. O berimbau era o instrumento que
Mestre Pastinha considerava indispensável à roda, por ditar o andamento e o
caráter do jogo da capoeira. Esta visão de musicalidade, expressa na
disposição dos instrumentos do conjunto musical da Capoeira Angola (que
difere da Capoeira Regional, principalmente pela utilização de três berimbaus e
pela inclusão do atabaque), é, ainda hoje, usual nos capoeiristas vinculados a
esta linhagem de capoeira. Finalmente, tem destaque nesta roda de reflexões
Mestre Waldemar da Paixão. Trata-se de uma das referências de destaque da
música da capoeira, como ficou conhecida e praticada até os dias de hoje. Isto
tanto no que diz respeito à maneira de cantar, envolvendo influências, como a
literatura de cordel.
4 como na forma de tocar e de confeccionar o berimbau, no qual introduziu
uma série mudanças. Na abertura de CD gravado com Mestre Canjiquinha,
Mestre Waldemar diz: Me chamo Waldemar Rodrigues da Paixão. Nascido em
1916. Aprendi capoeira com Siri de Mangue, Canário Pardo, Tanabi de Piripiri.
Levei quatro anos aprendendo. Em quarenta anos na Pero Vaz peguei a
ensinar. E aí continuei ensinando. Agora parei de ensinar. Só faço fabricar
meus berimbaus. Mestre Waldemar relata a informalidade como se deu a
aprendizagem junto a seus mestres: “Eles vinham para Piripiri, aquela roda
danada. Foi quando eu peguei a aprender com ele. Eu era rapazinho.
Comprava duzentos réis de vinho tinto, aquele copo branco de alça. Ele
tomava e dizia: ‘Pronto. Vai aprender porque me deu vinho’. Era o pagamento”
(Abreu, 2003). Entre as contribuições no aprimoramento do berimbau figura o
aprimoramento de sua corda: “Parece que originalmente, e até recentemente
(1920-1930), a corda usada no berimbau era um material natural: um pedaço
de cipó ou uma corda feita de lã” (Shaffer, 1977, p. 22). Sobre o que o próprio
mestre afirmou: “O arame era arame de cerca, não era arame de aço. Depois
eles queimavam o pneu e tiravam aquele arame enferrujado, quebrava. Eu
inventei abrir na raça para sair cru” (Abreu, 2003). A pintura do berimbau
também é atribuída ao Mestre Waldemar, visto que Shaffer (1997, p. 26) afirma
que: até 1940, os berimbaus eram da cor natural e muitas vezes até mesmo
tinham casca; e diz não saber quem retirou a casca e os envernizou, mas
comenta que Mestre Bimba fazia isso. Shaffer (1977, p. 27) diz ser “bem
conhecido entre os Mestres que a primeira pessoa a pintar um berimbau foi
Mestre Waldemar da Paixão”. Em 1942, ao começar a comercializar
berimbaus, Mestre Waldemar teria criado uma pintura especial, adotada pela
maioria dos mestres, com exceção a Mestre Bimba, que continuou usando
apenas o verniz. Seria preciso um texto à parte para investigar a trajetória do
berimbau até a capoeira. Sumariamente, é possível verificar a presença de um
instrumento denominado birimbao na Bahia, no século XVI: “O birimbao existiu
na Bahia. D. Manuel de Menezes, cronista do século dezesseis, teve a
oportunidade de fazer, talvez, a primeira referência até então à existência do
brimbao na cidade de Salvador” (Oliveira, 1956, p. 233). A referência não diz
respeito ao berimbau-de-barriga, utilizado na capoeira, mas, a um instrumento
de ferro em formato de ferradura, executado com o auxílio da boca, usada
como caixa de ressonância.
A capoeira, como uma expressão cultural que surgiu no contexto da
diáspora negra, carrega consigo um significado histórico e identitário profundo
para as comunidades afrodescendentes. No entanto, nos últimos anos, temos
observado um fenômeno interessante: a apropriação cultural da capoeira por
outras religiões, em especial as religiões evangélicas. Essa apropriação suscita
questões importantes sobre interculturalidade, diálogos entre culturas e as
transformações que ocorrem quando uma prática cultural é incorporada por
diferentes grupos sociais.
Uma luta por um anseio de liberdade criada nas senzalas pelos povos
escravizados e teve em sua base histórica cânticos e instrumentos do
candomblé que conduziam as rodas de capoeira entoada pelos negros, negras
e afrodescendentes. Compreende-se que as rodas de capoeira foram
apropriadas por outras religiões evangélicas intitulando como Capoeira de
Cristo e isso requer uma análise histórica do contexto social, cultural e religioso
em que essa apropriação ocorreu.
Diante desse contexto, este projeto de pesquisa busca compreender os
processos de interculturalidade, diálogos e trocas culturais presentes nas rodas
de capoeira, levando em consideração a apropriação cultural da prática por
outras religiões, especialmente as evangélicas. A apropriação cultural da
capoeira pelas religiões evangélicas traz à tona questões de interculturalidade
e sincretismo religioso. Investigar as transformações e adaptações da capoeira
nesse contexto, bem como os diálogos e trocas entre a cultura afro-brasileira e
a religiosidade evangélica, permite compreender os desdobramentos dessas
interações e os impactos na preservação da identidade cultural
afrodescendente. A capoeira, como patrimônio cultural imaterial, requer
esforços de preservação e valorização. A apropriação cultural pode trazer
desafios e dilemas relacionados à preservação dos elementos culturais
originais. Investigar como a apropriação da capoeira pelas religiões
evangélicas afeta sua autenticidade cultural e a transmissão de conhecimentos
tradicionais é essencial para garantir a salvaguarda dessa manifestação
cultural.

3.METODOLOGIA

A pesquisa adotará uma abordagem qualitativa, utilizando métodos como


pesquisa bibliográfica, observação participante e entrevistas com capoeiristas e
mestres de capoeira. A metodologia aplicada será uma pesquisa bibliográfica
com método qualitativo baseada na revisão de literatura bibliográficas nacional
das publicações pesquisadas no google acadêmico e após selecionar um
quantitativo de material que fosse suficiente para subsidiar a pesquisa, então
se procedeu à leitura para identificar citações mais específicas ao estudo a ser
realizado.
Destaca-se o modelo teórico que será utilizado na pesquisa, tanto com
fontes bibliográficas. Para Marconi e Lakatos (2014, p. 61), as principais fontes
bibliográficas são “[...]obras de referência, teses, e dissertações, periódicos
científicos, anais de encontros científicos e periódicos de indexação e resumo”.
Assim, buscou-se o embasamento teórico para caracterização de pesquisa
científica, com referenciamento de estudos já publicados.
A pesquisa qualitativa é mais participativa e, portanto, menos controlável,
podendo direcionar o rumo da pesquisa. Na visão de Gil (2017, p. 64) “Busca-
se entender um fenômeno em profundidade e ao invés de estatísticas, regras e
hipóteses, trabalham com descrições, comparações, interpretações e
pressupostos”. Segundo Gil (2017), essas vantagens da pesquisa bibliográfica
têm uma contrapartida que pode comprometer em muito a qualidade da
pesquisa. Muitas vezes, as fontes secundárias apresentam dados coletados ou
processados de forma equivocada. Portanto, um trabalho fundamentado
nessas fontes tenderá a reproduzir ou mesmo a ampliar esses erros.
Para reduzir essa possibilidade, convém aos pesquisadores garantirem
as condições em que os dados foram obtidos, analisar em profundidade cada
informação para descobrir possíveis incoerências ou contradições e utilizar
fontes diversas, cotejando-as cuidadosamente. A coleta de dados será
realizada por meio de pesquisa bibliográfica em fontes acadêmicas, livros,
artigos e documentos históricos relevantes para o tema.
A observação participante será realizada em rodas de capoeira em
diferentes locais, buscando compreender as interações culturais em tempo
real. Entrevistas serão conduzidas com capoeiristas e mestres de capoeira,
visando obter informações sobre suas experiências e percepções em relação à
interculturalidade nas rodas de capoeira. Os dados coletados serão analisados
de forma qualitativa, utilizando técnicas de análise de conteúdo.
Serão identificados os elementos culturais afro-brasileiros, indígenas e
europeus presentes nas rodas de capoeira e como eles se relacionam entre
si. Serão explorados os processos de interculturalidade, destacando os
diálogos e trocas culturais ocorridos nas rodas de capoeira. Serão examinadas
as formas de sincretismo cultural que se manifestam na capoeira, analisando
as fusões e hibridismos culturais presentes.
4. CONCLUSÃO

Espera-se que este estudo contribua para a compreensão mais


aprofundada das interações culturais nas rodas de capoeira, fornecendo
insights sobre as influências africanas, indígenas e europeias presentes nessa
prática. Será possível identificar e descrever os elementos culturais afro-
brasileiros, indígenas e europeus que compõem a capoeira, bem como as
formas como essas culturas se entrelaçam e se influenciam. Serão destacados
os processos de interculturalidade, evidenciando os diálogos e trocas culturais
que ocorrem nas rodas de capoeira, promovendo uma maior compreensão das
relações entre diferentes culturas.
Serão descritas as formas de sincretismo cultural presentes na capoeira,
revelando as fusões e hibridismos culturais que enriquecem essa prática. Os
resultados desta pesquisa poderão ser aplicados na valorização e promoção da
capoeira como patrimônio cultural imaterial, reconhecendo sua importância na
diáspora negra e nas relações interculturais no Brasil.

Será assegurada a obtenção de consentimento informado dos


participantes envolvidos nas entrevistas e observação participante, garantindo
sua privacidade e confidencialidade. Será respeitada a autoria e a propriedade
intelectual de todas as fontes utilizadas na pesquisa, seguindo os princípios
éticos da produção científica. Descrição do Produto Educacional: O DiversiCura
é um produto educacional voltado para professores, coordenadores
pedagógicos e gestores escolares interessados em promover a inclusão e a
valorização da diversidade nas práticas curriculares. O objetivo é fornecer
recursos e orientações práticas para desenvolver um currículo mais inclusivo,
que respeite e valorize a diversidade de gênero, raça e etnia.
A proposta é aplicar uma Comunidade Virtual; uma plataforma online que
reunirá professores e profissionais da educação interessados na temática da
inclusão e diversidade. Nessa comunidade, os participantes poderão
compartilhar experiências, discutir ideias, fazer perguntas e colaborar em
projetos relacionados à promoção da diversidade nas práticas curriculares.

Os benefícios são:
 Contribuir para a formação de cidadãos mais tolerantes, respeitosos e
Conscientes da diversidade.
 Oferecer recursos práticos e de fácil acesso para os professores
Implementarem práticas inclusivas no currículo.
 Estimular a troca de experiências e o aprendizado colaborativo entre os
Participantes da comunidade virtual.
 Fornecer suporte e acompanhamento aos professores, garantindo o
Sucesso na implementação das práticas inclusivas.

O produto educacional DiversiCura busca auxiliar os profissionais da


educação a construir um ambiente escolar inclusivo, onde todos os estudantes
se sintam valorizados, respeitados e representados em suas particularidades.
Através de recursos, orientações e troca de experiências, espera-se promover
uma educação mais igualitária e preparar os estudantes para lidar com a
diversidade na sociedade.
A ideia de criar uma plataforma online para reunir professores e profissionais
da educação interessados na temática da inclusão e diversidade é muito
relevante e pode ter um impacto positivo na promoção da diversidade nas
práticas curriculares. Uma comunidade virtual oferece um espaço para troca de
experiências, discussões e colaborações, o que pode enriquecer o
conhecimento e as práticas dos participantes. Existem algumas considerações
importantes a serem feitas ao criar uma comunidade virtual, como por exemplo,
definir os objetivos da comunidade e comunicá-los de forma clara aos
participantes. Isso ajudará a atrair pessoas com semelhantes e manter o foco
nas discussões e projetos relacionados à inclusão e diversidade.
5. REFERÊNCIAS

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Práticas Educativas de Professores do Maciço do Baturité. Relatório de
Pesquisa. PIBIC/UNILAB/CNPq. 2018.

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GADOTTI, M. O projeto político-pedagógico da escola na perspectiva de


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metodológico,de base africana, para a formação de professores/as. 2013.
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Disponível em:https://revistas.ufrj.br/index.php/rce/article/view/45051.
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