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História Medieval ii
2ª EDIÇÃO
ISBN - 978-85-7739-641-2
2015
Proibida a reprodução total ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.
EDITORA UNIMONTES
Campus Universitário Professor Darcy Ribeiro, s/n - Vila Mauricéia - Montes Claros (MG) - Caixa Postal: 126 - CEP: 39.401-089
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Rogério Othon Teixeira Alves
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Unidade 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Heranças e Caracterização do Sistema Feudal na Europa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.2 A Periodização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
1.7 Castela . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
Unidade 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
A Igreja e a Cristandade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
2.3 As Cruzadas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.4 Inquisição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
Unidade 3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Da Prosperidade à Crise: as Relações Socioespaciais na Baixa Idade Média . . . . . . . . . . . 43
3.1 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57
Atividades de Aprendizagem - AA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
História - História Medieval II
Apresentação
Caros acadêmicos,
Este caderno aborda o período que tem como marco inicial o ano mil e termina na crise do
século XIV. É uma época que traz o estigma de obscuridade, na qual os homens e mulheres eram
prisioneiros de misticismos. Marcado pela presença marcante da igreja Católica, cristã, como re-
ferência até mesmo de territorialização da região europeia que será chama de cristandade. É um
período que, como buscaremos mostrar a vocês, é injustamente chamado de “Idade das Trevas”,
ou seja, o feudalismo na Baixa Idade Média europeia.
Este caderno tem como objetivo mostrar a dinâmica deste período que, diferentemente do
que já vimos nos filmes e lemos nos livros, além de rico é um ponto de partida importante para
entendermos elementos estruturantes da atualidade. O nascimento da Europa e a força da sua
aristocracia, no poder até hoje num grande número de países da Europa unificada. A burguesia
que surge e ganha força, juntamente com o comércio e as cidades, é tão importante para en-
tendermos o nosso mundo, quanto a consolidação da igreja Católica que, naquele momento, se
consolida na Europa como um dos maiores poderes, desde que se separa da igreja Ortodoxa do
Oriente, por volta do ano 1050.
O período pelo qual propomos nossa jornada é do século X ao XIV, dando, quando necessá-
rio, umas escapadas para frente ou para trás na história da Europa. Este período é rico e dinâmico
e nele encontramos as bases da sociedade capitalista que o sucedeu. Um aspecto importante
é, também, a relação ora pacífica, ora belicosa com mundos com os quais até hoje a sociedade
ocidental tem ainda uma relação ambígua: o Islã, presente na Europa ibérica neste momento e
eleito como, provavelmente, o maior inimigo da cristandade a partir do século X. Outra região
importante de contato com a Europa é Bizâncio, o antigo Império Romano do Oriente, com o
qual terá grande aproximação neste período.
As histórias deste período povoam nossa imaginação ainda hoje. Desde as aventuras e car-
nificinas das cruzadas – a Guerra Santa dos Cristãos contra o Islã, também conhecidos como os
mouros ou sarracenos, quando ligamos a TV para durar até hoje. Os chineses também parecem
dominar o nosso comércio e crescem como a maior potência do século XXI. Os cristãos conti-
nuam suas bravatas e conquistas neste cenário um tanto inóspito para as suas crenças e interes-
ses políticos e econômicos.
Quando pensamos na Europa feudal (nosso maior objetivo é fazer vocês pensarem neste
período de uma forma nova ao lerem estas páginas), normalmente não imaginamos um mundo
dinâmico e em grande transformação, no qual o crescimento demográfico e novidades técnicas
vão dar um grande impulso ao comércio, tanto local quanto internacional, e também às que ain-
da hoje são as principais cidades da Europa (outras nem tanto).
Diante deste quadro desafiador, vamos trazer para vocês questões, cenários próprios des-
te período, mas que, como veremos, estão cada vez mais atuais. Primeiramente trataremos do
modelo de feudalismo. O que é feudalismo? Existe um único tipo em toda a Europa ou podemos
falar em feudalismos? O que mudou para que estabelecêssemos como um marco divisor entre
a chamada Alta Idade Média ou Antiguidade Tardia ou, como queria Marc Bloch, Primeira Idade
Feudal e deu início à Baixa Idade Média, Feudalismo ou Segunda Idade Feudal? Como se forma-
ram e como se caracterizam os elementos constitutivos da sociedade feudal: a servidão e a vas-
salagem? Como numa sociedade supostamente rígida surgem grupos sociais novos, como os ar-
tesãos e comerciantes, os burgueses? Estas são algumas das questões sobre as quais debatemos.
Esta disciplina foi organizada em três unidades: a primeira e introdutória é sobre o modelo de
feudalismo europeu e o debate em torno de suas características e estrutura social, a vassalagem, a
servidão, a nobreza e os reis; a segunda, sobre a Igreja Católica e sua estrutura de poder, as heresias,
a inquisição e as cruzadas; a terceira, as transformações no campo e na cidade, o comércio e a crise
da sociedade feudal. Estas unidades apresentam subunidades, como vocês verão em seguida.
Vocês deverão ficar atentos e não desprezar o desafio das questões para discussão e refle-
xão. Elas são importantes e acompanham o texto. Outro aspecto importante são as sugestões
para transitar do ambiente de aprendizagem, os chats, fóruns e acesso às bibliotecas virtuais na
web, etc. As sugestões e dicas estão localizadas junto ao texto.
Então? Vamos lá? Espero que apreciem! Bons estudos!
Os Autores.
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História - História Medieval II
Unidade 1
Heranças e Caracterização do
Sistema Feudal na Europa
1.1 Introdução
Sem dúvida está no destino de qualquer sistema de instituições humanas só se
realizar imperfeitamente. (BLOCH, 1982, p. 485)
De onde veio esta ideia da “Idade das Trevas” que carrega a Idade Média? Porque surgiu esta
imagem do feudalismo como um período estagnado e místico? Para respondermos a estas ques-
tões, partimos de dois autores: Marc Bloch, um dos pais da Escola dos Annales, que revolucionou
o jeito de se escrever a história, e outro, brasileiro, que fez uma ótima síntese deste problema,
Francisco C. Teixeira da Silva. Respondidas estas perguntas, partiremos para outras investigações,
buscando entender quais são os elementos constitutivos da sociedade feudal, suas característi-
cas e lugar na trama das relações sociais, políticas, econômicas e culturais da Europa.
Para avançarmos na discussão historiográfica, buscamos nos autores já citados e em Mau-
rice Dobb, autor marxista inglês, os temas que nos aguçam a curiosidade de historiadores, tais
como o da periodização, as relações sociais da servidão e da vassalagem, a questão do direito e
do feudo. Fecharemos esta unidade com a síntese contendo as ideias principais que vocês de-
vem apreender, para que possam usá-las no futuro.
1.2 A Periodização
A divisão da Idade média na Europa em períodos tem sido muito diversificada e difere entre
os autores. Temos a mais tradicional ,que se divide em Alta Idade Média entre os séculos V e IX
e Baixa Idade Média entre o X e o XIV. Outra forma é a divisão de Marc Bloch em Primeira Idade
Feudal do V ao IX e Segunda Idade Feudal entre 1050 e 1250. Le Goff, por sua vez, propõe uma
divisão em Antiguidade Tardia do V ao IX, e Feudalismo, entre os séculos X e XI (média Idade Mé-
dia) e Baixa Idade Média, séculos XIII e XIV (BLOCH, 1982) (LE GOFF, 2007).
Definir o final do feudalismo é tão polêmico quanto o seu início, talvez até mais. Os direitos
senhoriais calcados na servidão, que se fortalecem por volta dos séculos X e XI, em certa medida,
se enfraquecem com o crescimento do comércio e das cidades, nos séculos XII e XIII, levando a
um aumento demográfico, de homens livres e estrangeiros circulando pelas estradas medievais.
Os fatores da crise do século XIV: as chuvas, a fome, as guerras e a peste, levaram a um novo de-
créscimo populacional e o aperto novamente dos laços de servidão em função da diminuição da
mão de obra disponível.
No século XVII, tivemos o fenômeno da chamada segunda servidão na Europa Oriental, com
novo fortalecimento destes direitos dos senhores de terras sobre os camponeses. A permanência
destes direitos até meados do século XIX, em alguns países, também, a indefinição do tipo de
modo de produção, que seria entre os séculos XV e XVIII, aumenta a polêmica sobre o fim do feu-
dalismo. Da nossa parte, tomaremos como fator de mudança a formação dos Estados Nacionais
europeus e a emergência da burguesia, a partir do século XV, como um divisor de águas e fim da
Idade Média.
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UAB/Unimontes - 4º Período
Figura 1: Quadro de ►
Hieronymous Bosch
mostra imagem
apocalíptica da
civilização feudal.
Fonte: Disponível em
<http://www.artwall-
papers.com/art_wall-
papers_net/paintings/
hieronymous_bosch/01/
hieronymous_bosch01.
jpg>. Acesso em 2 fev.
2010.
Vários inimigos dos iluministas tiveram sua origem ou se consolidaram na idade média:
a igreja, a nobreza e a servidão. Contra eles a sociedade que os sucedeu apregoava liberdade,
igualdade e fraternidade. “Para Adam Smith o feudalismo constituía-se num entrave ao desenvol-
vimento” (SILVA, 1982 p. 8). A ira destes homens contra o período feudal vai dar forma à grande
tradição do “Período das Trevas”. Contra esta tradição, Francisco da Silva e Marc Bloch apontam
para uma tradição que irá crescer aos poucos entre os românticos alemães, e no resgate de uma
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História - História Medieval II
imagem comunal, dos direitos comunitários, que partilhavam liberdades e sua reprodução so-
cial, cultural e material. A chamada pequena tradição que passou a difundir uma imagem positi-
va do período.
Ambas as visões da Idade Média, seja a da grande tradição anti-medievalista, ou a pequena
tradição, que busca valores nas comunas da Idade Média, são idealizadas. Somente em meados
do século XIX, começando com Michelet e suas buscas documentais, mas, mais precisamente
no século XX, é que medievalistas, historiadores e economistas, irão rever, revisitar este período,
buscando nos arquivos e documentos o que a própria época tinha a nos dizer, suas misérias e Glossário
riquezas. Feudalismo: modo
Como escreve Jaques Le Goff: “A história faz-se com documentos e idéias, com fontes e com de produção baseado
imaginação” (LE GOFF, 1980, p. 9). Para ele a base do historiador medievalista deve ser a erudição, no trabalho servil e na
os documentos e a imaginação. Ele critica Michelet por seu excesso de imaginação. De acordo relação de suserania e
vassalagem. A socie-
com Le Goff, os documentos seriam para Michelet um trampolim para a imaginação sem bases dade é marcada pela
científicas. Le Goff aponta a importância de Braudel e sua visão da longa duração, os tempos lon- influência da Igreja
gos. Indica, também, os outros autores dos Annales como revolucionários no estudo do medievo: Católica e pela ruraliza-
ção e fragmentação do
A Idade Média que os humanistas tinham considerado, menos que uma passa- poder. Neste contexto,
gem, um intermédio: um vazio na vaga do tempo, um intervalo da grande his- ocorre o enfraqueci-
tória; e essa mesma Idade Média surgia-me como um domínio eletivo da alian- mento do poder real.
ça indispensável da erudição [...] e duma imaginação apoiada em bases que lhe
limitavam o vôo embora sem lhe cortar as asas (LE GOFF, 1980, p. 14).
Diante de muitas querelas, o que acaba mesmo hoje sendo posto em questão é o próprio
conceito de feudalismo. Estes debates se reproduzem entre os estudos dos medievalistas. Pro-
vavelmente o maior equívoco das análises sobre o período seja a sua explicação pela “economia
natural” de subsistência.
Alguns historiadores irão dizer um Capitalismo de Mercado, ou seja, um Capitalismo Comer-
cial seria o sistema que substituiu o feudalismo, mas esta questão está imersa numa polêmica
historiográfica. Caso existisse um sistema com o modo de produção baseado na troca, circulação
de mercadoria e dinheiro, ele seria eterno, pois estas características estão presentes em quase
todas as sociedades. Além do mais, contra esta proposição mostraremos que o comércio foi uma
constante na sociedade feudal e que a sua produção não servia apenas para a subsistência.
Outra corrente marxista, liderada por Maurice Dobb, tomará como base estrutural da socie-
dade feudal a servidão e o predomínio da posse senhorial. Escreve Francisco Carlos Teixeira da
Silva que os méritos desta visão do feudalismo residem em dois pontos: primeiramente “tem o
mérito de dar conta de uma situação social complexa e abarcar diversos níveis estruturais, tra-
çando o perfil de um modo de produção” (SILVA, 1982, p. 13). Outra vantagem de Dobb é seu ca-
ráter universalizante. Ele propõe um modelo e aponta o feudalismo como estágio histórico possí-
vel, mas não necessário, a várias sociedades e em épocas diversas.
Apesar de esta análise ser muito instigante, pois abriu portas para muitas pesquisas, amplia
demasiadamente o leque de opções e não resolve as questões postas acima. Se relações sociais
são a base para analisarmos o período, e o feudalismo é um modelo de sociedade passível de ser
encontrado em épocas e lugares diferentes, então, quando acabou? Se os direitos feudais duram,
em alguns lugares até o XIX, esses lugares permaneceram feudais esse tempo todo?
Neste sentido o feudalismo não seria um acontecimento único, de acordo com Bloch. Nem
um fenômeno exclusivo da idade média cristã. Ele apresentaria características gerais que pode-
riam ser encontradas em épocas e sociedades diferentes. Mesmo que a resposta para estas per-
guntas seja afirmativa, o feudalismo é de longa duração em alguns lugares, permanecendo até o
século XIX, neste nosso trabalho vamos seguir a periodização e os conselhos de Marc Bloch.
Marc Bloch vê o feudalismo como uma organização social que pode se dar em épocas e so-
ciedades diferentes e vai dizer que não existe um feudalismo, mas feudalismos. Que na Europa
ele tem especificidade nas diferentes regiões. Ele vai definir a feudalidade como um tipo social.
Vai questionar - feudalidade ou feudalidades? Apesar de admitir a validade destas perspectivas,
Marc Bloch coloca que, em seu trabalho, procurou “[...] reunir, a traços largos, o que nos ensinou a
história da feudalidade européia, no sentido restrito” (BLOCH, 1982, p. 481).
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UAB/Unimontes - 4º Período
O mais simples, sem dúvida, será começar por dizer o que esta sociedade não
era. Ainda que as obrigações fundamentadas no parentesco fossem nela con-
cebidas com muito vigor, aquela não era inteiramente proveniente da linha-
gem. Mais concretamente, os laços propriamente feudais só tinham razão de
ser por que os do sangue não bastavam. Por outro lado, apesar da persistência
duma noção de autoridade pública que se sobrepunha à multidão dos peque-
nos poderes, a feudalidade coincidiu com um profundo enfraquecimento do
Estado, especialmente na sua função protetora. [...] A feudalidade foi mais uma
sociedade desigual do que hierarquizada: mais de chefes do que de nobres; de
servos, não de escravos (BLOCH, 1982, p. 482).
Esta sociedade, como qualquer outra, já nos alerta Marc Bloch, só se realizou imperfeita-
mente. A rigidez muitas vezes atribuída a sua estrutura ou mesmo a sua abrangência espacial,
violências e fracassos têm sido superestimados muitas vezes. Le Goff (2007) aponta para uma sé-
rie de estruturas de Longa Duração constitutivas da Europa ainda hoje.
Nossa imaginação é povoada pela Europa urbana, das catedrais, por exemplo; no entanto, a
terra é essencial até hoje na constituição dessa sociedade e se mostra um problema para a União
Europeia. A Europa que vai sendo mostrada nestes livros e autores é, em muitos momentos, dife-
rente da sua imagem hoje. Parece mais distante a questão rural do que efetivamente se mostra
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História - História Medieval II
na realidade atual da sua população e tradições. Contestam principalmente as regras que afetam
seus modos de fazer e heranças da Europa feudal. Apesar de o número da população rural ser
menor, sua abrangência territorial, sua força econômica e cultural são surpreendentes. Esta Eu-
ropa do pão, do vinho, do queijo, salame e cerveja é sua base cultural e identitária com as cores
locais de cada um destes produtos.
A monarquia é outra estrutura de Longa Duração na região. Uma parte considerável dos paí-
ses da União Europeia é monarquista. No que tange à relação de poder, o que declina, mesmo
assim tardiamente, é a servidão. A definição de diferentes autores e correntes historiográficas
coincide quando falam de um modelo clássico de feudalismo no qual a apropriação do trabalho
do camponês tem como base a servidão. A apropriação de seu sobre-trabalho se dava através
das obrigações e, entre elas, a principal seria as corveias, ou seja, jornadas de trabalho no serviço
direto do senhor.
Eis dois homens frente a frente; um, que quer servir; o outro, que aceita, ou de-
seja, ser chefe. O primeiro une as mãos e, assim juntas, coloca-as nas mãos do
segundo: claro símbolo de submissão, cujo sentido, por vezes, era ainda acen-
tuado pela genuflexão [ajoelhar]. Ao mesmo tempo, o personagem que ofere-
ce as mão pronuncia algumas palavras, muito breves, pelas quais se reconhece
`o homem´ de quem está na sua frente. Depois, chefe e subordinado beijam-se
na boca: símbolo de acordo e de amizade. Eram estes – muito simples e, por
isso mesmo, eminentemente adequados a impressionar espíritos tão sensíveis
às coisas vistas – os gestos que serviam para estabelecer um dos vínculos mais
fortes que a época feudal conheceu. [...] a cerimônia chamava-se homenagem.
Para designar o superior que ela criava, não existiam outros termos além do
nome, muito geral de senhor (BLOCH, 1982, p. 170).
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História - História Medieval II
O trabalho, função das camadas sociais subalternas, passou por transformações, ganhando
contornos propriamente feudais no final do período carolíngio e, em particular, entre os séculos
X e XII. Homens livres e escravos se reposicionam na sociedade. A relação de subordinação será a
marca das relações sociais, econômicas e de poder na sociedade feudal. A servidão é um dos es-
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UAB/Unimontes - 4º Período
teios desta sociedade. Na sociedade feudal a forma tripartite, também encontrada em outras ci-
vilizações, assume um caráter dominante: guerreiros, sacerdotes e trabalhadores. Na prática esta
divisão não era em três partes, mas em duas partes: a elite dos que rezam e guerreiam, dominan-
do as camadas de trabalhadores (FRANCO JR., 1993).
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História - História Medieval II
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UAB/Unimontes - 4º Período
BOX 1
A Formação da Monarquia Inglesa
ACONTECIMENTOS POLÍTICOS:
Século V - Invasões Germânicas na Bretanha. Formação da heptarquia anglo-saxônica.
Ocorre uma unificação moral sob a égide da Igreja.
Século IX - Reino de Wessex assume a hegemonia sob o comando do rei Egberto; neste
século intensificam os ataques dos Escandinavos que vão se estabelecer no Danelaw.
Século X - Os Escandinavos instituem um imposto: o Danegeld.
Século XI - Um Rei Dinamarquês, Canuto o grande, (1017-1035) governou toda a ilha pra-
ticamente; restauração da Casa de Wessex sob Eduardo o confessor (1046-1066).
A CONQUISTA NORMANDA
Século XI - (1066) Guilherme, o conquistador, duque da Normandia, invade a ilha, derro-
tando o rei Haroldo, e submete toda a Inglaterra. Guilherme distribui feudos aos seus aliados,
transportando o regime feudal em bloco para a Inglaterra, criando assim uma forte monarquia
centralizada; ele criou condados supervisionados pelos SHERIFES, que eram funcionários reais.
Henrique I - (1100-1135) 3o filho do conquistador, venceu uma rebelião feudal; venceu
também seu irmão e se apossou da Normandia. No seu reinado é feito aquilo que os historia-
dores chamam de “1a Carta das Liberdades Inglesas”, que começa dando garantias à Igreja e
que implica o 1o passo para a limitação dos poderes da Coroa. Começa a ocorrer a fusão entre
vencidos e vencedores.
OS PLANTAGENETAS
Henrique II - (1154-1189) Com o casamento com Eleonora da Aquitânia, passa a possuir
na França os seguintes feudos: Normandia, Aquitânia, o Maine e o Anjou. Conseqüência: tor-
nava-se na França muito mais poderoso que o rei da França. Common Law (Lei Comun), lei co-
mum a todo o território Inglês aplicada por juízes ambulantes. Fez guerras com o rei Francês e
enfrentou uma revolta de seus filhos.
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História - História Medieval II
OS LANCASTERS
Henrique IV (1399-1413) Foi coroado pelo parlamento (os comuns) durante o seu reina-
do cresce o prestígio do parlamento.
Henrique V (1413-1422) Obtém vitórias na Guerra dos 100 anos (Azicourt; Tratado de
Froyes).
Henrique VI (1422-1461) Final da Guerra dos 100 anos, perda da Guerra, início da Guer-
ra das duas rosas. O Rei enlouquece e morre.
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UAB/Unimontes - 4º Período
do final do século X, havia uma multiplicidade de divisões políticas na França. Contudo, alguns
potentados emergiam nas Províncias, com relativa autonomia, principalmente na Aquitânia, Bor-
gonha e Normandia. Mas foi do pacto do Ducado da França é que se originou o embrião para a
construção da Monarquia Francesa.
Desde 987, a dinastia Capetíngia reinou na França e, lentamente, consolida as bases de seu
poder às custas dos ducados rivais. Jacques Le Goff nos lembra que essa continuidade dinásti-
ca foi um importante elemento da estabilização da Monarquia. Para ele tal estabilidade foi re-
forçada pela exclusão das mulheres do trono e pelo acaso biológico, que deu aos reis herdeiros
masculinos,sem descontinuidade até 1328 (LE GOFF, 2007, p. 207). Alianças matrimoniais e agres-
são militar contribuíram para a expansão do território da dinastia. O reinado de Filipe Augusto se
mostrou decisivo, pois foram anexados a Normandia, Anjou, Maine, Touraine e Artois à dinastia,
ampliando assim de forma substancial o território. Essa expansão levou a monarquia francesa a
se impor a praticamente toda a França do oeste.
DICA
Em 987 foi fundada a
Dinastia dos Capetos na
França.
Aprofunde os seus co-
nhecimentos buscando
referências sobre a
dinastia dos Capetos na
França.
Luis IX, que governou entre 1226 a 1270, realizou medidas centralizadoras, tais como com-
bate a guerras privadas no seio da nobreza, instituição de inquisidores reais (ver Quadro 2). Tam-
bém se destaca a participação do soberano em duas cruzadas. Sua figura está envolta em uma
forte atmosfera de sacralidade. É interessante destacar que a monarquia medieval francesa está
inserida em um contexto impregnado pelo maravilhoso. Esse caráter sagrado ganha visibilidade
em uma série de práticas, como a sagração do rei.
A cerimônia de sagração dos reis carolíngios acontecia em Reims e lembrava o “caráter ex-
cepcional da monarquia franca batizada em Reims na pessoa de Clóvis por um óleo milagroso
trazido do céu pela pomba do Espírito Santo e que se transformou em óleo da sagração” (BLOCH,
1993, p. 148-188). Em outras palavras, a sagração ou unção do rei francês remontava à época dos
reis merovíngios, nos inícios dos tempos medievais. Já no período Carolíngio, os rituais dessas
práticas são ampliados, conferindo mais vigor e crença ao caráter excepcional do monarca.
22
História - História Medieval II
Marc Bloch, ao analisar a realeza Francesa, investiga a crença no caráter mágico do rei, atra-
vés do “milagre das escrófulas” (BLOCH, 1993, p. 148-188). Esse autor afirma que as representa-
ções coletivas em torno da realeza contribuíram para a manutenção e a conservação do prestígio
dos reis da França, não só no período medieval como também na Idade Moderna.
É evidente que a monarquia da França medieval procurou tirar o máximo de proveito da
manipulação das representações que povoaram o imaginário coletivo, através de ritos, cerimô-
nias, símbolos e outros meios. Com Luís IX – conhecido como São Luís – a representação da sa-
cralidade que cercava os reis da dinastia é reforçada.
Filipe IV, que governou entre 1285 e 1314, chega ao fim da dinastia Capetíngia. Esse último
monarca se inspirou no direito romano para aumentar a sua autoridade. Em seu reinado, a má-
quina administrativa foi ampliada. Foram convocados os Estados Gerais para consulta à nobreza.
O rei também travou lutas com Eduardo I, rei da Inglaterra. Pouco tempo depois de sua morte, a
França é mergulhada no conflito com a Inglaterra, conhecido como a guerra dos cem anos. Após
emergir dessa longa guerra, as bases do Estado Nacional estarão esboçadas pela nova dinastia
Valois.
Além das pretensões do soberano inglês Eduardo III à sucessão Capetíngia, questões en-
volvendo a região de Flandres e a soberania da Guiana também serviram como motivadores do
conflito. Apesar das vitórias anglo-borgonhesas na década de 1420, os franceses se reorganiza-
ram militarmente. O tradicional sistema de convocação do vassalo pelo rei para o cumprimento
do serviço militar é abandonado em favor da criação de um exército remunerado e regular, cuja
artilharia se revelou decisiva.
A vitória francesa sob os ingleses na Guerra dos Cem Anos determinou importantes conse-
quências para a monarquia nacional. Além de estimular o sentimento de fidelidade ao rei, assina-
lou o declínio da cavalaria feudal, pois o advento do exército real marcou a ascensão da infanta-
ria paga. Para a manutenção de tal exército, a monarquia instituiu o primeiro imposto nacional, a
Taille, que só não recaia sobre o clero, a nobreza e algumas cidades privilegiadas.
23
UAB/Unimontes - 4º Período
1.7 Castela
A formação da monarquia castelhana na Idade Média está relacionada à chamada guerra de
reconquista na Península Ibérica. É necessário recuarmos ao início do período medieval, quando
o Reino Cristão Visigodo, que substituiu o domínio romano na região, foi derrotado por uma in-
vasão muçulmana vinda do Marrocos, em 711. Naquela ocasião, os árabes e seus aliados bérbe-
res conquistaram a Península Ibérica e dominaram a população cristã peninsular. Um núcleo de
resistência cristã se refugiou nas Astúrias e se tornou o embrião de um pequeno reino cristão. Era
o início da Reconquista cristã.
Aos poucos outros reinos cristãos se formam na periferia da Espanha Muçulmana – chama-
da de Andaluzia ou Al Andaluz – e lentamente vão fazendo pequenos progressos às custas dos
muçulmanos. Surgem reinos como Navarra, Leão, Aragão, Castela. Com a fusão de Castela, Na-
varra e depois a aquisição de Leão – definitivamente a partir de 1230 – a monarquia nesse reino
se fortalece e, juntamente com o apoio da aristocracia, avança rumo às terras muçulmanas na
Andaluzia.
Ao longo do século XIII, enormes extensões de terra foram absorvidas pelos Castelhanos.
Em fins da Idade Média, o mapa político na Península Ibérica foi simplificado. Três reinos cristãos:
Aragão, Castela e Portugal dividiam o território com apenas um único remanescente muçulma-
no, o reino de Granada.
Em 1469, já no início do período moderno, nasce o Estado Nacional espanhol, efetivado
pelo casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão. A união das duas Coroas resultou
na Espanha moderna. Logo em seguida, os reis cristãos espanhóis empreenderam em ritmo de
cruzada a conquista do último reduto muçulmano na Península Ibérica. Com a aquisição de Gra-
nada, estavam assentados os fundamentos do moderno estado espanhol.
24
História - História Medieval II
Um marco importante deste processo foi o ano mil. O milenarismo e a sua força no imaginá-
rio escatológico apocalíptico cristão têm grande força de transformação. O medo do fim do mun-
do reforça o poder da igreja e leva a transformações nas suas relações de poder e socioespaciais.
A construção e reforma das igrejas, movimentando a economia, a busca da paz, o crescimento
demográfico, o clima favorável para a lavoura, novas técnicas e o aumento da produtividade
dos campos, o movimento das peregrinações. Toda esta dinâmica tem como ressonância o fluxo
crescente do comércio das feiras e o crescimento das cidades e marca um período de grandes
transformações, possivelmente o nascimento da Europa.
Referências
ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Sociedade Feudal – Guerreiros, Sacerdotes e Trabalhado-
res. São Paulo: Brasiliense, 1982.
25
História - História Medieval II
Unidade 2
A Igreja e a Cristandade
Todos tinham, entretanto uma certeza: o mundo acabaria no ano Mil. [...] De
fato um mundo sucedeu a outro a partir do século XI (SILVA, 1982, 41).
2.1 Introdução
Ao longo dessa primeira década do atual milênio, o fato mais importante em termos de
política internacional, que chama a atenção, envolve as complicadas relações entre o Oriente e
o Ocidente. Acima de tudo, as relações entre o ocidente e o mundo muçulmano. Pode-se enu-
merar uma série de eventos, que se desenrolaram nas últimas décadas, que se inscrevem nessa
complexa relação, tais como: a revolução dos Aiatolás Iranianos xiitas que tomaram o poder em
4 de novembro de 1979; o atentado terrorista às torres gêmeas nos Estados Unidos – mais co-
nhecido como o “11 de setembro de 2001”; o ataque ao Afeganistão ainda em 2001; a guerra do
Golfo em 1990 e a invasão Anglo-americana ao Iraque em 2002; a paranoia antiterror que tomou
conta do Ocidente (medo da Al Qaeda), além da complicadíssima questão que envolve Israel e os
muçulmanos palestinos, que se arrasta já por várias décadas. Tudo isso apenas para nos restrin-
girmos aos problemas que são mais comentados e que ganharam (e ganham) maior visibilidade
na grande imprensa nacional e internacional.
No entanto, caros alunos, esses eventos fazem parte de uma longa história, iniciada na Ida-
de Média entre a cristandade europeia e o Oriente muçulmano. O antagonismo entre Oriente e
Ocidente remonta a um período muito mais antigo, a Antiguidade Clássica, que assistiu ao confli-
to entre os gregos e persas. Contudo, foi a partir do advento do islã no Oriente, no século VII d.C.
que o antagonismo se tornou mais presente. As cruzadas constituem apenas mais um momento
dessa longa tradição de relacionamentos.
Em poucos anos, logo após a morte do profeta Maomé, os muçulmanos conquistaram gran-
des extensões do Império Romano do Oriente – mais conhecido como Império Bizantino. Esse
Império cristão perdeu as províncias mais ricas e populosas. A Síria e o Egito foram rapidamente
tomadas pelo avanço islâmico, seguidas pela conquista da Palestina e do Líbano. Antes do findar
do século VII, todo o norte da África caía sob o poder dos governantes Omíadas do islã. Nem
mesmo a Europa permaneceu imune ao domínio muçulmano. Em 711, os árabes, em conjunto
27
UAB/Unimontes - 4º Período
Em todas essas regiões conquistadas, o ritmo de conversões ao islã aumentou. Nestas áreas,
o cristianismo vai perdendo terreno lentamente para a religião islâmica. Para a Europa do além
Pirineus e para o mundo bizantino, o islã se apresentava como uma poderosa ameaça militar.
De fato, exércitos islâmicos tentaram tomar Constantinopla em duas ocasiões e foram repelidos.
No mediterrâneo, eles conquistaram a Sicília e empreenderam vários ataques ao litoral italiano –
Roma foi atacada em 846. Nem o sul da Gália foi poupado da pirataria islâmica.
Mas será que as interações entre cristãos e muçulmanos, a Europa e o Oriente islâmico se
limitaram à conquista muçulmana de um lado e ao ressentimento, temor e reação por parte do
Outro? É claro que não, caros acadêmicos. Ocorreram importantes trocas culturais entre essas
duas civilizações, de ambos os lados. Vamos nos restringir apenas em um sentido: a difusão cul-
tural de elementos do universo islâmico para a Europa cristã.
Podemos começar destacando o contato comercial. O comércio do Oriente para o Ocidente
nunca desapareceu completamente. Os europeus precisavam de especiarias e artigos de luxo.
Os muçulmanos demandavam principalmente escravos e peles, fornecidos em sua maioria por
mercadores escandinavos.
Temos também vários exemplos de
Figura 15: O Comércio ►
transmissão de técnicas para a Europa. Po-
Fonte: Disponível em
demos citar técnicas de captação de água
<http://www.suapes- – por sinal, muito difundidas na Espanha
quisa.com/feudalismo/ medieval - o ábaco, o papel e muitos outros.
crise_feudalismo.gif>.
Acesso em 02 fev. 2010.
Porém o fruto mais importante desse con-
tato cultural foi a transmissão de uma série
de conhecimentos árabes nas áreas de arit-
mética, geometria, medicina e filosofia. Boa
parte desses conhecimentos foi transmitida
na Espanha muçulmana, onde cristãos, ju-
deus e muçulmanos transformaram Toledo
em um importante polo de tradução. Como bem destacou Richard Fletcher (2004, p. 75), “aproxi-
madamente entre os anos 750 e 1000, houve muitas interações entre a cristandade e o islã. Algu-
mas foram violentas e destrutivas, outras harmoniosas e frutíferas”.
As cruzadas se inscrevem nessa antiga tradição. No contexto da reação norte-americana aos
ataques terroristas perpetrados no dia 11 de setembro de 2001, o presidente dos Estados Unidos
George Walker Bush se expressou usando a palavra “cruzada” para a guerra contra o terrorismo.
Embora inadequada para a ocasião, a palavra carregava todo um imaginário popular que reme-
tia a um importante momento nas relações entre o mundo cristão e o islâmico. As cruzadas se
tornaram um ponto de referência simbólica que atravessou, a partir de então, as relações dessas
duas comunidades. Elas deixaram feridas profundas que marcaram ambos os lados. Nesse senti-
do, tornaram-se o emblema da longa tradição das relações entre a cristandade e o islã. A seguir
procuraremos traçar um panorama da conjuntura que possibilitou a emergência dessa espécie
de peregrinação armada, destacando também o crescimento do poderio dos turcos no Oriente.
28
História - História Medieval II
O milenarismo, ou seja, aquela onda de especulação, medo, estudos, sinais que se espalham
pelo mundo indicando o seu fim a cada milênio não nos é desconhecida. Esta era a sensação por
volta do ano mil – o mundo ia acabar. Era o milênio e seu efeito apocalíptico. Duby em seu livro
“O Ano Mil” nos mostra que, apesar das fontes raras sobre este fenômeno na Idade Média, foi
possível fazer um impressionante trabalho historiográfico sobre este problema e como afetou os
homens da época. Escreve o autor:
Para o cristianismo, a História possui uma orientação. O mundo tem uma idade.
Foi criado por Deus numa certa época. Então ele escolheu um povo cuja mar-
cha guia. Num certo ano, num certo dia, tornou-se homem entre os homens.
Alguns textos, os da sagrada escritura, permitem o cálculo das datas, o da cria-
ção, a da encarnação, logo discernir os ritmos da história. Estes mesmos textos
[...] os evangélios, o apocalipse anunciam que um dia virá o fim do mundo. Ver-
se-á surgir o Anti-Cristo que seduzirá os povos da terra. Depois o céu abrir-se-á
para o retorno do Cristo em glória, vindo julgar os vivos e os mortos. No Reino,
na Jerusalém celeste, terminará a grande procissão do povo de Deus. Convém
estar-se preparado para enfrentar o dia da cólera. Os monges dão o exemplo:
cobriram-se com as vestes da abstinência e postaram-se na vanguarda da mar-
cha coletiva. O seu sacrifício só tem sentido em função da espera. Mantêm-na.
Exortam cada um a perscrutar os preliminares da Parúsia (segunda vinda de
Cristo) (DUBY, 1980, p. 41)
Para Duby os historiadores, a posteriori, pintaram um quadro de pânico e trevas por toda a
cristandade no período do milênio. Segundo o autor, a imprecisão de datas e fontes coloca uma
série de questões que põem em dúvida a abrangência deste milenarismo. Ainda de acordo com
este autor, a periodização deve ir de 980 a 1090. A crise do final do império carolíngio foi devas-
tadora. A ela se somaram as últimas invasões, espalhando mais tumulto por toda a cristandade.
Foi muito devagar que a Europa foi tomando forma. Uma geração antes desta virada do milênio
as coisas já começavam a se acalmar. Escreve Duby:
De certo, para a geração que precede o Ano Mil o grosso do perigo e do infor-
túnio havia passado; [...] acabaram, no entanto, as grandes agitações e sente-se
que já começou o progresso lento e contínuo cujo movimento não deixou de
arrastar, desde então, as regiões da Europa ocidental. De imediato manifesta-
se um despertar da cultura, uma ressurgência do escrito; logo reaparecem os
documentos. A história do Ano Mil é, pois, possível. Mas é a de uma primeira
infância: balbucio, fábula (DUBY, 1980, p. 12).
29
UAB/Unimontes - 4º Período
De fato, um mundo sucedeu a outro a partir do século XI. [...] Como os magos e
os astrólogos, os historiadores estão de acordo quanto a uma data para o nas-
cimento da Europa. Jaques Le Goff (1965) faz a proposta mais acabada: 1054, o
ano do rompimento entre Roma e Constantinopla em torno da querela acerca
do poder do pão fermentado transubstanciar-se no corpo do salvador. O rom-
pimento teria permitido à Europa a afirmação do seu caráter próprio e a busca
de respostas autônomas. Além disso, a data se aproxima de outros fatos signi-
ficativos: o concílio de Latrão de 1050, onde a condição papal é definitivamen-
te estabelecida; o deslanchar da reconquista sob a benção de Alexandre II em
1063 e a possível composição da `Canção de Rolland´ em torno de 1065. Em
cada campo um significado pleno de conseqüências (SILVA, 1982, p. 41-42).
31
UAB/Unimontes - 4º Período
DICA o batismo, família e matrimônio, passando pela regulação de costumes, são assuntos discutidos
A partir das obras na reforma.
literárias de Le Goff, Em 910, na Borgonha, foi fundado o mosteiro de Cluny. Essa abadia se notabilizou por seu
procure ampliar seus esforço de tentar cristianizar mais profundamente a sociedade europeia. Além disso, os monges
conhecimentos sobre o deste Mosteiro vão lutar para tentar o fortalecimento da disciplina eclesiástica. Nesse sentido,
papado no período de
1073 a 1085.
seu ideal vai ao encontro dos esforços do Papado na promoção da “Reforma Gregoriana”.
Em 1076, em função da
questão das investi-
2.3 As Cruzadas
duras que colocavam
em conflito a igreja e
a nobreza, disputando
quem teria o direito
de nomear bispos,
arcebispos, cardeais e o As cruzadas, segundo Paul Rousset (2004), possuíam origens próximas e remotas. Logo, não
próprio papa, Gregório era um fato inteiramente novo na Idade Média. Suas origens remotas eram a própria noção de
VII excomunga o Impe- guerra Santa, as peregrinações contínuas à terra Santa, a longa luta contra o Islã. Já as suas ori-
rador Germânico.
gens próximas são relacionadas com a situação demográfica, o crescente papel do papado e o
contexto psicológico, juntamente com uma mentalidade comum a toda a cristandade em fins do
século XI. Então vamos examinar com mais detalhes esses elementos que atuaram como impul-
sionadores.
2.3.1 Heresias
Já nos primeiros anos do Ano 1000, surgem as heresias, mas é só nos séculos XII e XIII que
ganham força e assumem forma de um movimento. O significado da palavra heresia, de origem
grega, quer dizer “escolha”, mas com o tempo o termo foi passando por transformações. É nes-
se sentido que se faz necessário entender o sentido que a palavra “heresia” assume tanto para a
Igreja, quanto para aqueles que são considerados hereges. Assim, para a Igreja, “herege” é aquele
que ameaça o seu poder e, portanto, algo a ser combatido. Para os que eram chamados de “he-
reges”, heresia era uma tentativa de renovação da Igreja que havia se distanciado dos seus fiéis.
O que levou os hereges a questionarem a Igreja era o fato de boa parte do Clero, nesse pe-
ríodo, ter se tornado desviante, apegando-se cada vez mais ao fausto das Igrejas, a vida de luxú-
ria e desvirtuando-se dos princípios da fé. A Igreja, por sua vez, não concordava com esses ques-
tionamentos e passou a combater veementemente esses movimentos. Conforme a historiadora
Anita Novinsky (1994),
32
História - História Medieval II
A Igreja se valeu de vários meios para combater os hereges. Alguns deles foram a excomu-
nhão, o exílio, a conversão forçada e, por fim, o mais terrível de todos, o Tribunal do Santo Ofi-
cio da Inquisição. A própria perseguição da Igreja fez proliferar ainda mais as heresias e, nesse
contexto – séculos XII - XIII –, dois movimentos se destacaram: os Cátaros e os Valdenses. Não se
deve pensar que o movimento das heresias foi um fenômeno que se limitou à Europa Ocidental.
A parte oriental do continente europeu também conheceu várias heresias, desde os primeiros
séculos do cristianismo. Entre as quais podem ser citadas, com as suas respectivas doutrinas:
• Arianismo: partiam do princípio de que o Filho era criado pelo Pai; em outras palavras signi-
ficava que Cristo é, em uma só pessoa, o verdadeiro Deus e o verdadeiro Homem.
• Nestorianismo: acentua a questão da dualidade; assim sendo, em Jesus, duas eram tam-
bém as pessoas.
• Monofisistas: diferentemente do Nestorianismo, os Monofisistas privilegiam a Unidade;
desse modo, negam a dualidade das naturezas.
• Henoticon: com base num Decreto do Imperador Zenon, houve a pretensão de se unir em
uma só fé, católicos e monofisistas.
• Iconoclastas: eram adeptos da negação ao culto de quaisquer imagens.
Esses movimentos estão normalmente associados à atitude individual de pregadores que
conseguem aglutinar certo número de pessoas que passam a viver uma vida itinerante para ex-
pandir sua doutrina. Deles serão destacados os Cátaros e os Valdenses.
2.3.2 Cátaros
Os Albigenses organizaram a sua própria Igreja e constituíram a sua própria hierarquia, que
contava com os ouvintes, fiéis, sacerdotes e prelados. Entre eles, destacava-se o segmento dos
fiéis que era constituído por dois grupos: os perfeitos, ou puros (que quer dizer Cátaro, de onde
deriva o nome da heresia), e o grupo dos crentes, ou adeptos.
33
UAB/Unimontes - 4º Período
Os perfeitos constituíam uma minoria e eram introduzidos na “seita” via cerimônia de inicia-
ção, uma espécie de batismo. Deveriam obedecer a uma vida mais rigorosa, além da estrita ob-
Dica
servação dos três votos sagrados, além de restrições alimentares. O grupo dos crentes, em bem
Pesquise sobre o histo- maior número, contava com maior liberdade, podendo desfrutar de várias regalias como, por
riador francês Emma-
exemplo, receber a cerimônia de batismo quando da hora da morte.
nuel Le Roy Ladurie, dis-
cípulo dileto de Fernand Entre os pontos defendidos pelos Albigenses estava o da observação dos votos de obediên-
Braudel, dedicou-se ao cia, castidade e pobreza. Como era uma doutrina que condenava o distanciamento da Igreja com
estudo da Inquisição os seus fiéis, os Albigenses defendiam a valorização do indivíduo e pregavam um contato mais
Medieval. Montaillou, direto dos fiéis com Deus, sem intermediários. Com a Igreja dissoluta da época, a defesa desses
um pequeno povoado
pontos só poderia resultar na perseguição da Santa Sé. Da França, os Albigenses ainda se espa-
situado numa região
montanhosa no sudoes- lharam pelas cidades italianas de Lombardia e Toscana.
te da França, foi alvo da
perseguição de inquisi-
dores em busca de he-
reges Cátaros. Por meio
2.3.3 Cruzada Contra os Albigenses
da documentação pro-
duzida pela Inquisição,
o historiador reconstitui Por volta de 1200, durante o papado de Inocêncio III, chegou-se a promover uma cruzada
todo o cotidiano dos contra as heresias de um modo geral e contra os Albigenses, mais particularmente. Após suces-
moradores da Vila. É sivas tentativas de conversão forçada, levadas a efeito principalmente pelos Cistercienses, as
uma viva descrição da relações entre a Igreja e as heresias se tornavam cada vez mais tensas. Após um episódio que
vida de pessoas que culminou com o assassinato de uma liderança religiosa católica, Pedro de Castelnau, da Ordem
viveram há mais de sete
séculos. Por esta razão, é dos Cistercienses, a Santa Sé decidiu então realizar uma cruzada contra os Albigenses no ano de
sempre válida a leitura. 1209. Depois de muito sangue derramado, em que não foram poupadas mulheres, crianças e
LADURIE, Emmanuel Le idosos, várias cidades foram destruídas e queimadas. Aqueles que conseguiram escapar do mas-
Roy. Montaillou, Cátaros sacre acabaram se refugiando em outras áreas.
e Católicos numa Aldeia
Occitana, 1294-1324.
Lisboa: Edições 70,
2008. 2.3.4 Valdenses
Assim como os Cátaros, o movimento conhecido por Valdenses também está relacionado às
atividades de pregação de um homem: Pedro Valdo (ou Valdes). Rico comerciante da região de
Lyon na França, Valdo difundiu sua pregação, dando como exemplo seu próprio modo de vida.
Depois de assegurar o bem-estar de sua família, abdicou de todos os seus bens e doou toda a
sua riqueza aos mais necessitados.
Além disso, o líder dos Valdenses mandou traduzir a Bíblia do latim para a língua local. Con-
siderava as sagradas escrituras como única fonte de autoridade, observando também os três
votos (castidade, obediência e pobreza). Os Valdenses também constituíram a sua própria Igreja
com Bispos, presbíteros e diáconos. Com a perseguição da Igreja de Roma, foram excomungados
e expulsos de Lyon, e, dedicando-se à pregação itinerante, migraram para o norte da Itália, o les-
te e o sul da França, noroeste da Espanha, alcançando ainda as partes mais centrais da Europa.
2.4 Inquisição
A Igreja se valeu de várias formas para combater as heresias, mas a mais terrível delas foi a
Inquisição. A inquisição surgiu como uma reação da Igreja em face das contestações que vinham
sofrendo os dogmas católicos. As heresias questionavam aquilo que servia de base a toda a cris-
tandade. Exemplo disso é o questionamento que faziam da virgindade de Maria, da infalibilidade
da Igreja. Como já se disse, as heresias representavam uma ameaça ao poder da Santa Sé. É nesse
contexto que surge a Inquisição.
34
História - História Medieval II
Institucionalmente dominada pelo Papa, a Inquisição buscou ainda o apoio do Estado, por-
tanto se costurava uma aliança entre o Papa e o Rei, o que também denota as implicações polí-
ticas e sociais da engrenagem do aparelho inquisitorial. Em princípio, a Igreja não apelou direta-
mente para a Inquisição e as punições encetadas pela mesma para combater as heresias eram a
excomunhão, a conversão forçada, o exílio, a prisão perpétua, o açoite, entre outras.
A forma mais cruel de combate às heresias foi a Inquisição.Todas aquelas pessoas que se
opunham aos dogmas da Igreja passaram a ser vistas como uma ameaça à sociedade, como trai-
dores de Deus e começaram a ser acusados de crime de lesa majestade, portanto passíveis da
pena capital. O indivíduo, sendo condenado pela Inquisição, era queimado na fogueira.
O ato de queimar as pessoas, por pior que pareça às mentes mais sensíveis nos dias de hoje,
tinha naquela época um significado purificador. Os inquisidores acreditavam piamente que, com
isso, estariam salvando a alma dos condenados, mesmo que com isso tivessem que passar pelo
sacrifício de queimar a carne.
35
UAB/Unimontes - 4º Período
A Inquisição que se conheceu nesse período – séculos XII - XIII – se diferenciou da Inquisição
que tomou forma séculos mais tarde na Idade Moderna – séculos XVI - XVIII. No período mais re-
cente, a Inquisição foi muito mais violenta e cruel.
2.4.1. As Peregrinações
Desde muito cedo, observam-se peregrinações à terra santa. Jerusalém se tornou o primeiro
grande centro de peregrinação cristã medieval, seguido por Roma e Santiago de Compostela, na
Espanha.
36
História - História Medieval II
No fim do século VIII e início do século IX, o imperador Carlos Magno demonstrou interesses
pelos lugares santos. Existe até a lenda de que o próprio Imperador franco peregrinou à terra
santa. Através de suas boas relações com o califado Abássida de Bagdá, as peregrinações de cris-
tãos Europeus ganham continuidade. Porém, é nos séculos X e XI que se multiplicam as peregri-
nações aos lugares santos do Oriente. Peregrinos de todas as nações e classes sociais constituem
um elo constante entre o Ocidente e o Oriente. Esses deslocamentos se faziam por diversos ca-
minhos. Por exemplo, os peregrinos escandinavos muitas vezes empreendiam uma viagem de
ida por mar, passando pelo estreito de Gibraltar e voltavam por terra através da Rússia.
37
UAB/Unimontes - 4º Período
Figura 26: As ►
Cruzadas – Assalto
de Tiro
Fonte: Disponível em
http://4.bp.blogspot.
com/_L-aIG-7AW7I/
SWIcOoBtlkI/
AAAAAAAADVI/9uejzM
pwux0/s400/
Cruzadas,+assalto+de+
Tiro.jpg. Acesso em 02
fev. 2010.
38
História - História Medieval II
Para uma maior mobilização, o papa Urbano II lançou mão da ideia de Guerra Santa, que já
havia sido introduzida na guerra de reconquista na Espanha. Agora, os cristãos que partissem
rumo à cruzada conquistariam a posse das terras tomadas, além de benefícios espirituais, como a
absolvição e a remissão dos pecados.
39
UAB/Unimontes - 4º Período
Dica Runciman (2003) nos informa que o chamado do papa obteve grande ressonância, pois o
Faça uma reflexão sobre entusiasmo foi maior do que Urbano esperava:
o que a civilização Islâ-
mica prestou como uma de lugares tão remotos quanto a Escócia, Dinamarca e Espanha os homens cor-
grande contribuição riam a fazer seus votos. Alguns levantaram fundos para empreender a viagem,
para o adiantamento da empenhorando suas posses e terras. Outros, não esperando retornar algum
ciência moderna? Estu- dia, doaram tudo para a igreja. Um número suficiente de grandes nobres havia
dantes europeus se diri- aderido à cruzada para conferir-lhe um formidável apoio militar (RUNCIMAN,
giam para importantes 2003, p. 108).
centros muçulmanos de
conhecimento, particu- Cavaleiros, nobres e também gente simples e plebeia acudiram ao chamado. O conteúdo
larmente na Espanha e das cruzadas mobilizava: atendia à ambição de cavaleiros por saques, aventura e heroísmo. Para
na Sicília. Nesses locais,
textos gregos escritos o povo simples, também significava oportunidade de pilhagens. Tudo isso, devidamente regado
em árabe foram traduzi- a um valor espiritual preciso.
dos para o latim. A chamada para a cruzada encontrou eco em um contexto marcado por um clima psicológi-
co favorável, uma disposição imaginária preparada por uma lenta maturação no pensamento de
guerra, pelos hábitos e gostos bem como por experiências anteriores, por exemplo, a populari-
dade em torno do mito de Carlos Magno, evocado na canção de Rolando. A cruzada, portanto, é
fruto dessa época fortemente impregnada por esse tipo de mentalidade.
Dica
Procure refletir: o que
você sabe sobre os BOX 2
algarismos hindus
(chamados de núme- As Cruzadas
ros arábicos)? Foram
introduzidos na Europa,
As cruzadas Orientais: A cruzada popular: Entusiasmados pelo discurso do papa Urba-
na baixa idade média,
pelos muçulmanos? Os no II, um amontoado de pessoas (Franco-Alemães) parte para o oriente, sem o mínimo prepa-
povos da Europa até ro possível. Foram massacrados.
então utilizavam a nu- A 1a Cruzada (1096-1099): formada pela nobreza e supervisionada pelo papa. Depois
meração romana, que de muitos combates consegue tomar Jerusalém da mão dos turcos: formam-se, então, quatro
possui uma importante
reinos cristãos no oriente: o reino de Jerusalém, o condado de Edessa, o principado de Antio-
limitação: desconhece
o zero. O zero foi intro- quia e o condado de Trípoli.
duzido na Europa pelos A 2a Cruzada (1147-1149): motivada pela queda do condado de Edessa em mãos dos
muçulmanos. Agora muçulmanos. Liderada pelo Imperador Alemão Conrado III e pelo rei Francês Luiz VII. A expe-
imagine uma matemáti- dição fracassou devido aos desentendimentos entre franceses e alemães.
ca sem o zero?
40
História - História Medieval II
A 3a Cruzada (1189-1192): motivada pela queda de Jerusalém frente aos turcos de Sala-
dino. É chamada de cruzada dos imperadores. Reuniu o rei Francês Felipe Augusto, o rei Inglês
Ricardo Coração de Leão e o imperador Alemão Frederico Barba Ruiva. Os Exércitos seguiram
caminhos diferentes. O Imperador Alemão morre afogado ao tentar atravessar um rio. Felipe
Augusto entra em desentendimento com o rei Ricardo e acaba retornando para a França. Ri-
cardo Coração de Leão prossegue e, depois de algumas vitórias, negocia um acordo com o
Sultão Saladino, garantindo assim o direito de os cristãos peregrinarem à Jerusalém.
A 4a Cruzada (1201-1204): Ou “saque” à Constantinopla. O determinismo econômico le-
vou Veneza a dominar Constantinopla. O apelo do Imperador Bizantino Aleixo para recuperar
o trono Bizantino usurpado forneceu o pretexto, e os cruzados forneceram a massa de mão de
obra. Foi fundado o Império Latino de Constantinopla, que teve efêmera duração.
A Cruzada das crianças (1212): milhares de crianças saíram da Alemanha, porém seus
participantes acabaram morrendo no caminho ou sendo sequestrados ou escravizados e, ou
simplesmente, se dispersando pelo caminho.
A 5a Cruzada (1217-1219): reuniu Húngaros, Austríacos, Frísios e Noruegueses. Atacou a
Cidade de Damieta no Egito, mas foram derrotados ao marcharem sobre o Cairo.
A 6a Cruzada (1228-1229 ): realizada pelo Imperador Alemão Frederico II. Ele, um pro-
fundo conhecedor da língua Árabe, preferiu negociar com o Sultão. O resultado foi um trata-
do no qual Jerusalém e outros territórios eram devolvidos ao reino latino.
A 7a Cruzada (1248-1250): organizada pelo rei da França Luiz IX (São Luiz), tinha por ob-
jetivo atacar o Egito e assim garantir o domínio da Palestina. Foi derrotada, e o próprio monar-
ca acabou prisioneiro, sendo liberto depois mediante alta soma de dinheiro.
A 8a Cruzada (1270): organizada também por São Luiz. Desembarca na Tunísia e uma
epidemia dizima os cruzados, matando o próprio rei.
Hilário Franco Júnior (1981) afirma que os resultados das Cruzadas não foram absolutamen-
te aqueles pretendidos por aqueles que as conceberam, as pregaram ou que participaram delas.
Ele cita também algumas importantes transformações ocasionadas pelas cruzadas. Entre elas,
destacam-se as seguintes:
• O aumento da distância que separa o ocidente de Bizâncio. Não se pode esquecer que a
quarta cruzada acabou levando ao saque de Constantinopla pelos Venezianos entre 1202 e
1204.
41
UAB/Unimontes - 4º Período
Dica • Em termos sociais, ocorreu o enfraquecimento da aristocracia e da servidão. Por outro lado,
Faça uma reflexão sobre a burguesia emergente consegue se fortalecer apoiada na ampliação das perspectivas de
esta passagem: O saque comércio.
de Jerusalém se consti- • Economicamente, as cruzadas contribuíram para o avanço das transformações econômicas
tui em um importante em curso, tais como o desenvolvimento de cidades e a emergência da burguesia. As cidades
ponto no contexto das Italianas de Veneza e Gênova muito se beneficiaram das cruzadas.
hostilidades entre o Islã
e o Ocidente. Para os Portanto, para o mesmo autor, as cruzadas não devem ser reduzidas tão somente a uma ex-
muçulmanos, o contras- pressão da religiosidade ocidental. Devem ser compreendidas dentro das tensões acarretadas
te é gritante. Quando os pelas lutas, transformações estruturais, ou seja, seriam uma espécie de “válvula de escape” para
árabes conquistaram a essas tensões. Diante disso, as Cruzadas exerceram um papel abalador, acelerando aquelas trans-
cidade em 638, poupa- formações estruturais, ao se processarem como “válvula de escape”.
ram a vida de cristãos e
judeus. Já por ocasião
da 1a Cruzada, em 1099,
Referências
os Cristãos ocidentais
massacraram toda a
população muçulmana
e queimaram os judeus
da cidade, que estavam
refugiados na principal Apocalipse, 20, 7-9, in: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Edições Paulinas, 1985, p. 2325.
sinagoga.
DUBY, Georges. O Ano Mil. Lisboa: Edições 70, 1980.
RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas: A Primeira Cruzada e a Fundação do Reino de Jeru-
salém. Rio de Janeiro: Imago, 2003.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Sociedade Feudal – Guerreiros, Sacerdotes e Trabalhado-
res. São Paulo: Brasiliense, 1982.
42
História - História Medieval II
Unidade 3
Da Prosperidade à Crise: as
Relações Socioespaciais na Baixa
Idade Média
A Idade Média criou a beleza artística urbana, dando origem a uma urbanística
nova, mas essa mesma cidade da beleza e da civilidade tem também suas te-
nebrosas profundezas. Para além da verticalidade brilhante de suas torres tem
suas tenebrosas profundezas. À sua verticalidade opõem-se as cavernas do lu-
cro, do vício e do demônio. Em nome de um ideal religioso a crítica da cidade
avoluma-se (LE GOFF, 1998, p. 119).
3.1 Introdução
Hoje vivemos num mundo urbano. A maior parte das pessoas vive na cidade e não no cam- Figura 31: A Cidade
po. Como homens e mulheres gerados e criados neste habitat urbano, é muito difícil para nós Medieval
imaginarmos um mundo no qual a cidade não predomine na ordem territorial e socioespacial, Fonte: Disponível em
http://2.bp.blogspot.
ou seja, nossas relações sociais têm como referência os parâmetros urbanos. Entretanto, somente com/_L-aIG-7AW7I/
no século XXI a humanidade se urbanizou. Até então, em todo o tempo da história humana, a SPZyqL6ZfDI/
maior parte das pessoas morava nas áreas rurais. AAAAAAAADDE/6vlS1h
UnqbQ/s400/
Quando estudamos a cidade na história, seja a cidade antiga, a medieval, a barroca ou a A+cidade+medieval
contemporânea, logo entendemos que, de maneiras diferenciadas, dadas as características das +ideal.jpg. Acesso em 02
épocas e sociedades ou civilizações das quais estamos falando, o fato de as pessoas, em sua fev. 2010.
maioria, não morarem nas cidades antes de nós não diminui a sua importância, principalmente ▼
na Europa, a partir da Idade Média, mais espe-
cificamente dos séculos XII e XIII, quando um
modelo de vida urbana começou a se formar
como um parâmetro civilizatório e se tornou
um fenômeno de longa duração, presente em
nossa sociedade até hoje. Como dizíamos, hoje
com a força total!
Nesta unidade, falaremos do processo de
constituição deste modelo de cidade, suas rup-
turas com o modelo anterior, suas inovações e
seu legado. Nossa pergunta é: como a cidade
na Idade Média se organizou como uma forma
nova de ordenamento espacial? Quais as ca-
racterísticas próprias delas e sua relação com a
época? Qual é o seu legado?
Para respondê-las, trataremos das trans-
formações da cristandade e a emergência da
Europa como padrão de civilização no qual, a
partir do século XII, encontraremos novos ele-
mentos que parecem até contraditórios aos
séculos X e XI, o feudalismo, mas veremos que
foram forjados, mesmo que às vezes como an-
títese, outras como permanência, de velhas e
novas formas e dinâmicas sociais.
O Ano Mil na cristandade europeia foi de
grande expectativa, principalmente por parte
43
UAB/Unimontes - 4º Período
de uma elite eclesiástica letrada, de que o mundo ia acabar e, de fato, quando acompanhamos
as transformações da Europa, percebemos que elas foram profundas. Fundantes de um tempo
novo, que traz em si os germes do passado e do futuro. Deste amálgama de permanências e no-
vidades, parece que a maioria dos historiadores concorda, nasce a Europa. O sentido civilizatório
de Europa ou civilização europeia com um pé na cristandade e outro nos fluxos de poder e fortu-
na nas cidades, entre as cidades, entre povos e civilizações.
Primeiro trataremos do crescimento demográfico e as transformações da estrutura espacial
e de produção no campo. Vimos um dos elementos constitutivos deste processo na unidade II,
a cristandade, suas transformações e mecanismos novos. Trataremos aqui dos mosteiros e as or-
dens mendicantes nas cidades; da paz e da escola, a universidade; a segregação e a perseguição.
O outro fator é o comércio e o artesanato, um novo lugar do trabalho na sociedade da Baixa Ida-
de Média.
3.2 As Transformações e os
Antecedentes nos Séculos XI e XII
Dois aspectos destacaremos de início: o complexo ordenamento do território da cristanda-
de, assim como a mescla social cada vez mais difusa e plural. A divisão territorial pós-carolíngio
se multifacetou em escalas diferenciadas. Vemos a manutenção da dimensão imperial e sua im-
portância, com o Sacro Império Romano Germânico e o inegável poder do imperador da cristan-
dade, mas este império, em termos locais, convive com lugares, principados, condados que, em
algumas regiões, são concessões reais, como na região do antigo Império Franco ou, até mesmo,
relações étnicas. Essa fragmentação territorial ganhará força com os castelos, as aldeias e as ci-
dades para depois desaparecer frente à força de coesão do processo de formação dos estados
nacionais a partir dos séculos XIV e XV.
Na Europa Ocidental, a fragmentação foi cada vez maior à medida que o processo de feuda-
lização se expandia (BLOCH, 1982). Outro aspecto é o que Le Goff, numa referência a Fussier, vai
chamar de encelulamento, ou seja, as presenças de enclaves fortificados, cidadelas que vão defi-
nir a relação de poder em seus arredores, os castelos e as abadias. Escreve Le Goff:
O castelo deve ser a imagem mais rica da Idade Média no imaginário coletivo ocidental. É
um cenário espetacular para esta época, seus mistérios e aventuras. A historiografia reforça essa
imagem, colocando o castelo como centro, o lugar onde as camadas sociais, as sociabilidades
eram exercidas. As abadias, posteriormente o mosteiro, desempenham o mesmo papel além de
núcleo religioso. Escreve Marc Bloch:
Ora, esses castelos não eram apenas um abrigo seguro para o senhor, e por
vezes, para seus súditos, mas constituíam, também, para toda a região circun-
dante, uma sede administrativa e o centro duma rede de dependências. Os
camponeses executavam ali os trabalhos gratuitos de fortificação e vinham
ali pagar as suas rendas; os vassalos dos arredores montavam ali a guarda e
muitas vezes que os seus feudos eram detidos pela própria fortaleza [...]. Ali se
exercia a justiça; dali partiam todas as manifestações sensíveis da autoridade
(BLOCH, 1982, p. 439).
44
História - História Medieval II
A reforma eclesiástica gregoriana fez com que, cada vez menos, os bispos e abades se sen-
tissem funcionários do rei ou imperadores, quando muito eram seus vassalos, ganhando auto-
nomia. Muitas vezes condados inteiros se tornavam eclesiásticos. A igreja afirma territorialmente
seu poder, a partir de um núcleo, uma abadia, um convento ou uma igreja e este se estende pela
região que, posteriormente, vai se institucionalizar nas paróquias.
Estes domínios territoriais definiram, não sem matizes, a ordem socioespacial da cristandade
e a ele se acrescentará no século XII e XIII as cidades. Eles foram as bases territoriais das cidades
europeias. O senhorio é predominante no campo, mas também é exercido nas aldeias e cidades,
seja ele nobiliárquico ou eclesiástico. Entretanto, dois fatores foram decisivos nas transformações
da Europa e na consolidação e mudança do status das cidades: o crescimento demográfico e o
crescimento da produção. Para Francisco Carlos Teixeira da Silva, a grande mudança estrutural da
Europa pós-carolíngia foi o crescimento demográfico:
1100 48 milhões
1150 50 milhões
1200 61 milhões
1300 73 milhões
1350 51 milhões
1400 45 milhões
Fonte: BENNETT, M. K. 1954 apud. SILVA 1982 p. 42.
45
UAB/Unimontes - 4º Período
46
História - História Medieval II
Conjugando como um fator positivo, juntamente com um clima favorável, a paz vai contri-
buir para o crescimento demográfico na Europa e, consequentemente, com a transformação no
âmbito da produção. Estes fatores marcaram as características dialéticas do período: de um lado,
a consolidação das relações feudais, a servidão e a vassalagem; a atomização do poder; a rurali-
zação da sociedade; o poderio da igreja. De outro, o crescimento populacional, a paz, as trans-
formações técnicas e o crescimento do comércio e das cidades levam ao surgimento do germe
da sociedade feudal, sua contradição a burguesia e sua concepção diferenciada de poder que
emana da produção e do trabalho.
47
UAB/Unimontes - 4º Período
48
História - História Medieval II
classes trabalhadoras, das quais uma parte – urbana – fornece a massa de mão-
de-obra a cidade e a outra – rural - alimenta a cidade e é penetrada pelo seu
dinamismo. A cultura, a arte e a religião têm uma fisionomia eminentemente
urbana (LE GOFF, 1992, p. 1).
A Europa do século XIII viveu a multiplicação das cidades. Entretanto, diferentemente das
cidades orientais ou bizantinas e das antigas, as cidades da cristandade eram, em sua grande
maioria, médias e pequenas. De acordo com Le Goff, Paris era a maior e por volta de 1300 d.C.
tinha aproximadamente 200.000 habitantes. A noção de capital era diferente da atual. A capi-
tal era o núcleo político. Em Londres, por exemplo, somente era considerada capital a região da
City of Westminter, ou seja, na região do castelo do rei. Paris era Paris-Saint-Denis. Somente com
o processo de formação dos estados nacionais, nos séculos posteriores, é que as capitais se defi-
nem. A cristandade não teve uma capital, nem mesmo em Roma.
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UAB/Unimontes - 4º Período
Um padrão antigo que se renova na Europa medieval, em particular na península Itálica, foi
o da Cidade-Estado. Elas se formaram a partir de uma comuna aristocrática, burguesa, que se
Dica apossou do poder à revelia do conde ou do bispo, e que, por fim, passou a constituir uma aris-
Procure ampliar seus tocracia local, com poder regional, como é o caso de Veneza, Genova, Milão e Florença. Sua elite
conhecimentos sobre a é formada pelas corporações mercantis e artesanais. Houve grande luta entre as famílias, clãs. Os
Dinastia Ming, funda-
da em 1368 na China. nobres residiam na cidade, uma exceção na Europa, onde a nobreza prefere até hoje morar no
Ming, última dinastia campo e ter casas na cidade.
chinesa nativa, que A cidade medieval tem sido vista como o fermento e a antítese da sociedade medieval. En-
criou uma capital em tretanto, houve uma integração entre o padrão urbano social, econômico e político no cerne da
Pequim e construiu em sociedade feudal. Cada vez mais elas foram ganhando autonomia em relação ao bispo ou ao
seu interior a Cidade
Proibida, moradia dos conde e se configurando como um território comunal. Essa independência era, de um modo ge-
imperadores até o ral, perpassada por limitações de conduta, taxas, entre outras, mesmo raras, mas, gradativamen-
século XX. te, foi crescendo e as cidades foram ganhando liberdades e concessões. O governo da cidade
pelo cidadão deixou como elementos de longa duração o recurso jurídico, a burocracia e os im-
postos. Nessas cidades, onde a produção e o comércio movimentavam a vida e uma elite comer-
cial se formou. Escreve Le Goff:
Dica
Leia mais sobre a
chamada Rota da
Seda; era na verdade
um emaranhado de
caminhos e trilhas de
caravanas, desfiladeiros,
fortificações, torres de
sinalização e oásis em
uma das mais inóspitas
regiões. Era o maior e
talvez a mais importan-
te rota comercial entre Outra característica desta elite é a sua relação com o trabalho como valor e definidor do lu-
os séculos XIII e XIV. gar social. A profissão era importante definidor desse lugar. A notabilidade podia se fundar num
saber jurídico, ou em atividades comerciais e artesanais. Os valores dos ofícios evoluíram e al-
guns considerados ilícitos, como a usura e a prostituição, foram tolerados como válvulas de esca-
pe desta sociedade masculina.
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História - História Medieval II
◄ Figura 38: A
Construção das
Cidades Medievais
Fonte: Disponível em
http://1.bp.blogspot.
com/_L-aIG-7AW7I/
SPZxuo9GsQI/
AAAAAAAADC0/4_-
-6HYbg3Vw/s400/
Construcao+das+cida
des.jpg. Acesso em 02
fev. 2010.
Diante do crescimento dessa elite, os graúdos, vemos crescer, também, uma gente miúda,
os pobres, a pobreza urbana. Os graúdos governam a cidade numa democracia entre iguais que,
entretanto, gera mais e mais exclusão social. Uma sociedade abundante concentrada num espa-
ço pequeno, um lugar de produção e troca, onde emerge a prática criadora do trabalho, o gosto
pelo negócio e o dinheiro, o luxo e a beleza.
O sentido de igualdade é democratizado no ato de diferentes grupos ricos ou pobres, pa-
dres ou prostitutas, compartilhando o mesmo lugar, apertado e denso, dentro das muralhas da
cidade. As relações sociais em constante transformação mudam as relações entre as famílias com
a instituição do dote. Já nos mercados, toda esta sociedade fervilha em trocas, contatos e uma
nova estrutura comunicativa, que a insere em uma ordem de relações sociais, culturais e econô-
micas cada vez mais complexas. O comércio e o dinheiro é o sangue que alimentas as veias e dá
vida às cidades. Escreve Le Goff (2007, p. 161): “o século XIII é o século das cidades e também, por
outro lado, de uma maneira estreitamente ligada ao desenvolvimento urbano, o século do des-
pertar e do progresso comercial”.
51
UAB/Unimontes - 4º Período
O século XIII viu também afirmar-se uma Europa das boas maneiras, as quais
os historiadores e sociólogos modernos deram o nome de civilização, ao passo
que os cristãos do século XIII falavam de cortesia. Mais tarde, as palavras urba-
nidade e polidez, que remetem ao espaço urbano, também serão empregadas
para designar esse afinamento dos sentimentos e dos comportamentos (LE
GOFF, 2007, p. 208).
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História - História Medieval II
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UAB/Unimontes - 4º Período
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História - História Medieval II
de lã foi, em geral, uma das soluções senhoriais mais importantes para a crise agrícola: a produ-
ção européia teria aumentado umas três a cinco vezes no último período medieval” (ANDERSON,
1989, p. 201).
No norte da Itália, a extinção da servidão foi ainda mais precoce. Por volta do início do sé-
culo XIV, um pouco antes da Inglaterra, começa a desaparecer. Não podemos nos esquecer de
que, nessa região, as cidades se desenvolveram mais rapidamente. Já no sul da Itália, ocorreu um
processo bem diferente do padrão do norte. Ocorreu um crescimento dos latifúndios, bem como
de rebeliões camponesas. Diferentemente do ocorrido no restante da Europa, essas não tiveram
grande importância – talvez devido à relativa fraqueza das cidades da região. Assim, os campo-
neses dessas áreas não conquistaram nenhum direito, o que provocou atraso econômico em re-
lação à região norte do país. Por volta de meados do século XV, no início do período moderno, as
terras senhoriais cultivadas pelo trabalho servil já haviam se tornado exceção na França, Inglater-
ra, partes da Itália e Alemanha e em boa parte do território espanhol.
Dicas de filmes
Referências
ANDERSON, Perry. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo. São Paulo: Brasiliense, 1989.
LADURIE, Emmanuel Le Roy. O Clima: a história da chuva e do bom tempo, in: LE GOFF, Jacques e
NORÁ, Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
LE GOFF, Jacques. O Apogeu da Cidade Medieval. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
________________Por Amor às Cidades: Conversações com Jean Lebrun. São Paulo: UNESP,
1998.
55
UAB/Unimontes - 4º Período
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Sociedade Feudal – Guerreiros, Sacerdotes e trabalhado-
res. São Paulo: Brasiliense, 1982.
56
História - História Medieval II
Resumo
Unidade 1
Na primeira unidade, tratamos das controvérsias historiográficas sobre o feudalismo, pre-
conceitos e periodização; em segundo lugar, caracterizamos suas relações sociais e, por fim,
abordamos sua organização política, apontando que, mesmo atomizada pela suserania e a vas-
salagem, era uma sociedade na qual a presença do rei não deixava de ser importante.
Unidade 2
Na segunda unidade, primeiramente tratamos das transformações após o ano mil, o milena-
rismo e a consolidação da igreja romana. Uma nova estrutura eclesiástica, mais madura e capila-
rizada, unifica a cristandade. Em segundo lugar, a implantação de uma sociedade da perseguição
com as heresias, inquisição e cruzadas.
Unidade 3
Na terceira unidade, tratamos das transformações dos séculos XII, XIII, XIV e XV. O renasci-
mento das cidades e do comércio, os novos grupos sociais e a crise que marcou o fim da Idade
Média.
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História - História Medieval II
Referências
Básicas
Complementares
Apocalipse, 20, 7-9. In: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Edições Paulinas, 1985, p. 2325
BARK, William Carrol. Origens da Idade Média. Rio de janeiro: ZAHAR Editores, 1979.
FLETCHER, Richard. A Cruz e o Crescente: O Cristianismo e Islã, de Maomé à Reforma. Rio de Ja-
neiro: Nova Fronteira, 2004.
LADURIE, Emmanuel Le Roy. O Clima: a história da chuva e do bom tempo, In: LE GOFF, Jacques e
NORÁ, Pierre. História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
________________Por Amor às Cidades: Conversações com Jean Lebrun. São Paulo: UNESP,
1998.
LE GOFF, Jacques. Para Um Novo Conceito de Idade Média. Lisboa: Editorial Estampa, 1980.
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UAB/Unimontes - 4º Período
RUNCIMAN, Steven. História das Cruzadas: A Primeira Cruzada e a Fundação do Reino de Jeru-
salém. Rio de Janeiro: Imago, 2003.
SILVA, Francisco Carlos Teixeira da. Sociedade Feudal - Guerreiros, Sacerdotes e trabalhado-
res. São Paulo: Brasiliense, 1982.
60
História - História Medieval II
Atividades de
Aprendizagem - AA
1) Por que podemos dizer que o período medieval é polêmico na historiografia?
2) Existem temas atuais que tiveram sua origem na Baixa Idade Média? Aponte os que você con-
sidera os principais.
4) Por que podemos chamar este período de época da perseguição? Quem eram os perseguidos?
5) A partir do século XII, uma nova forma de ordenamento territorial se afirma nesta sociedade:
as cidades. Existem outros elementos nesta ordem territorial?
a. O fim da servidão.
b. Cidades compostas por camadas sociais livres de trabalhadores, comerciantes e artesãos.
c. O fortalecimento da relação de servidão.
d. O enfraquecimento da igreja.
7) Tanto o crescimento da abundância quanto a crise na Idade Média foram marcadas por uma
questão natural muito em voga hoje em dia. Que questão é essa?
8) As últimas invasões, a derrocada do sonho de uma união imperial com os carolíngios, levaram
a uma solução surpreendente por parte dos camponeses, clero e nobreza. Que solução foi essa
que gerou grande prosperidade na Europa e pela qual este continente almeja até hoje?