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Uma cidade no deserto

Arqueólogos encontram antigo centro em rotas abandonadas do Egito

John Noble Wilford - New York Times

Nas duas últimas décadas, John Coleman Darnell e sua esposa,


Deborah, percorreram trilhas de caravanas a oeste do Nilo a partir de
Tebas, atual cidade de Luxor. Essas estradas desoladas, castigadas
por milênios de tráfego de humanos e animais, pareciam levar a lugar
nenhum. Na prática do que chamam de arqueologia das trilhas do
deserto, o casal encontrou artefatos e ruínas em locais onde
soldados, mercadores e viajantes acampavam nos tempos dos faraós.

Num penhasco de uma encruzilhada, esbarraram numa tábua com


cenas e símbolos que se revelou uma das mais antigas
documentações da história do Egito. Em outros locais, acharam
inscrições consideradas os primeiros exemplos de escrita alfabética.

As explorações do Levantamento das Estradas do Deserto de Tebas,


um projeto da Universidade de Yale codirigido pelo casal, chamou a
atenção para a até então pouco reconhecida importância do estudo
das rotas de caravanas e dos oásis na antiguidade egípcia.

E, há duas semanas, o governo do país anunciou a sua mais


espetacular descoberta. Zahi Hawass, secretário-geral do Conselho
Supremo de Antiguidades do Egito, informou que arqueólogos
desenterraram os restos de um assentamento – aparentemente um
centro administrativo, econômico e militar – que surgiu há mais de
3,5 mil anos no deserto, a 175 quilômetros a oeste de Luxor e 480
quilômetros ao sul do Cairo. Nenhum centro urbano tão antigo já
tinha sido encontrado no inóspito deserto.

Darnell, professor de Egiptologia em Yale, disse que a descoberta


pode ajudar a reescrever a história de um período pouco conhecido
do Egito e do papel dos oásis na recuperação desta civilização após
uma grande crise. O sítio fica no oásis de Kharga, no fim da antiga
estrada de Girga, que ligava Tebas a uma interseção de outras vias
que vinham do norte e do sul do país. Há uma década, o casal
encontrou lá sinais de um posto avançado da época do domínio
persa, no século VI a.C., em um oásis nas vizinhanças de um templo.
- O posto e o templo não estariam lá se a área não tivesse alguma
importância estratégica – conta Deborah, também versada em
egiptologia.

Ela, então, começou a catar peças de cerâmica ao redor do templo.


Algumas poucas eram importadas do Vale do Nilo e de pontos bem
mais distantes como a Núbia, no sul do Egito, mas a grande maioria
era produto local, evidência de “uma produção em larga escala que
não se encontraria a não ser que o assentamento tivesse uma
população permanente”, lembra Deborah.

O casal e sua equipe começaram a colher mais sinais de que estavam


rumo a uma importante descoberta: restos de muros, ferramentas e
fornos. Ao descrever a meia tonelada de artefatos de padaria
coletada e os sinais de presença militar, Darnell destacou que o local
“assava pão o bastante para alimentar um exército”, o que inspirou o
nome do sítio: Umm Mawagir, nome árabe para “a mãe das fôrmas
de pão”.

O auge de Umm Mawagir foi entre 1650 a.C. e 1550 a.C., mil anos
antes de qualquer outra grande ocupação conhecida na região. Sua
descoberta, diz Darnell, vai “ajudar a construir uma imagem mais
detalhada e elaborada do Egito durante um período intermediário”,
após, após o Reino Médio e pouco antes da ascensão do Novo
Império. Nesta época, o Egito estava em tumulto. Invasores do
sudoeste da Ásia dominavam o delta do Nilo e o norte, enquanto um
rico reino núbio em Kerma, no Alto Nilo, pressionava o sul.

Apanhados no meio, os tebanos lutavam para sobreviver e,


eventualmente, dominar. Eles foram sucedidos por alguns dos mais
celebrados faraós, como Hatshepsut, Amenhotep III e Ramsés II. A
pesquisa, diz Darnell, “explica a ascensão de Tebas”. Teria sido com o
controle das estradas do deserto e aliança com as comunidades dos
oásis que os tebanos teriam conseguido a vantagem que lhes deu o
controle do futuro do Egito.

Fonte: Jornal O Globo – Ciência (pg. 28) – 8 de setembro de 2010

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