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Manual de Ginecologia Volume I Coordenador Carlos Freire de Oliveira

Volume I

Coordenador
Carlos Freire de Oliveira

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
Volume I

Coordenador
Carlos Freire de Oliveira
Professor Catedrático da Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra
Director do Serviço de Ginecologia
dos Hospitais da Universidade de Coimbra
Presidente da Federação das Sociedades Portuguesas
de Obstetrícia e Ginecologia

I
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© 2009 Permanyer Portugal


Av. Duque d’Ávila, 92, 7.º E - 1050-084 Lisboa
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www.permanyer.com

ISBN: 978-972-733-254-0
Dep. Legal: 298561/09
Ref.: 160AP091

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Colaboradores

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Agostinho Almeida Santos Maria Helena Pinto de Azevedo
Professor Catedrático de Ginecologia da Faculdade Professora Catedrática de Psicologia Médica
de Medicina da Universidade de Coimbra da Faculdade de Medicina da Universidade
Director do Departamento de Genética, Medicina de Coimbra
Materno Fetal e Reprodução Humana dos Hospitais Directora do Instituto de Psicologia Médica
da Universidade de Coimbra da Faculdade de Medicina da Universidade
E-mail: aalmeidasantos@huc.min-saude.pt de Coimbra
E-mail: mazevedo@fmed.uc.pt
Carlos Freire de Oliveira
Professor Catedrático de Ginecologia da Faculdade José Martinez de Oliveira
de Medicina da Universidade de Coimbra Professor Catedrático de Ginecologia e Obstetrícia
Director do Serviço de Ginecologia dos Hospitais da Faculdade de Ciências da Saúde
da Universidade de Coimbra Universidade da Beira Interior
E-mail: de.oliveira@mail.telepac.pt Director do Departamento de Saúde da Criança
e da Mulher do Centro Hospitalar Cova da Beira, EPE,
António Bernardes Covilhã
Professor Auxiliar com Agregação de Anatomia Normal E-mail: jmo@fcsaude.ubi.pt
da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra
Assistente Graduado de Cirurgia Geral dos Hospitais
Ana Alexandra Carvalheira
da Universidade de Coimbra
E-mail: bernardesbernardes@mail.pt Psicóloga clínica e terapeuta sexual pela Sociedade
Portuguesa de Sexologia Clínica.
Isabel Torgal Doutorada em Psicologia.
E-mail : acarvalheira@ispa.pt
Professora Auxiliar de Ginecologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra
Chefe de Serviço de Ginecologia dos Hospitais Francisco Allen Gomes
da Universidade de Coimbra Psiquiatra.
E-mail: isabeltorgal@netcabo.pt Chefe de serviço aposentado de psiquiatria
dos Hospitais da Universidade de Coimbra
Maria João Carvalho E-mail: fagomes@sapo.pt
Assistente Convidada de Ginecologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra Margarida Martinho
Interna da especialidade de Ginecologia e Obstetrícia Assistente Hospitalar do Serviço de Ginecologia
dos HUC e Obstetrícia do Hospital S. João-EPE, Porto
E-mail: mariaj.carvalho@sapo.pt E-mail: margarida.maguis@gmail.com
Teresa Almeida Santos
Anabela Melo
Professora Auxiliar de Genética da Faculdade
de Medicina da Universidade de Coimbra Interna do Internato Complementar de Ginecologia
Directora do Serviço de Genética e Reprodução e Obstetrícia do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia
Humana dos Hospitais da Universidade de Coimbra do Hospital S. João-EPE, Porto
E-mail: teresaalmeidasantos@huc.min-saude.pt E-mail: anabela_melo@hotmail.com

António Ferreira de Macedo Ana Rosa Machado


Professor Auxiliar com Agregação de Psicologia Médica Assistente Hospitalar de Ginecologia / Obstetrícia
da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra do Hospital de S. João-EPE, Porto
E-mail: amacedo@ci.uc.pt E-mail: anarosacosta@netcabo.pt

III
João Bernardes Daniel Pereira da Silva
Professor Catedrático de Ginecologia e Obstetrícia Chefe de Serviços de Ginecologia do Centro
da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto de Coimbra do IPOFG

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Chefe de Serviço, Hospital de S. João, EPE, Porto Director do Serviço de Ginecologia do Centro
Director do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia, de Coimbra do IPOFG
Hospital de S. Sebastião, EPE, Santa Maria da Feira E-mail: dpdasilva@sapo.pt
E-mail: jbernardes59@gmail.com
Ana Francisca Jorge
Ondina Campos
Mestre em Ginecologia Oncológica pela Faculdade
Chefe de Serviço em Ginecologia do Serviço de de Medicina da Universidade de Coimbra.
Ginecologia da Maternidade Bissaya Barreto (aposentada) Chefe de Serviços de Ginecologia do Centro de Lisboa
E-mail: ohcampos@vodafone.pt do IPOFG
E-mail: ajorge@ipolisboa.min-saude.pt
José Alberto Fonseca Moutinho
Professor Auxiliar De Ginecologia e Obstetrícia
da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade
José Cardoso Moutinho
da Beira Interior. Chefe de Serviços de Ginecologia do Centro do Porto
Assistente Graduado de Ginecologia e Obstetrícia do IPOFG
do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia do Centro Director do Serviço de Ginecologia do Centro do Porto
Hospitalar Cova da Beira – Hospital da Covilhã. do IPOFG
E-mail: jafmoutinho@fcsaude.ubi.pt E-mail: josé.moutinho@netcabo.pt

Ana Aguiar Fernando Mota


Assistente Hospitalar do Departamento de Obstetrícia, Professor Auxiliar com Agregação de Ginecologia
Ginecologia e Medicina da Reprodução do Centro da Faculdade de Medicina da Universidade
Hospitalar Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria, Lisboa de Coimbra
E-mail: Ana.aguiar.sc@gmail.com Assistente Graduado do Serviço de Ginecologia
dos Hospitais da Universidade de Coimbra.
Carlos Calhaz Jorge E-mail: fmota@huc.min-saude.pt
Professor Associado de Ginecologia e Obstetrícia
da Faculdade de Medicina de Lisboa Isabel Botto
Chefe de Serviços do Departamento de Obstetrícia, Mestre em Ginecologia Oncológica pela Faculdade
Ginecologia e Medicina da Reprodução do Centro de Medicina da Universidade de Coimbra
Hospitalar Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria, Lisboa Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de
E-mail: calhazjorge@mail.telepac.pt Ginecologia da Maternidade Bissaya Barreto, Coimbra
Pedro Alexandre Fernandes Xavier E-mail: ibotto@netcabo.pt
Doutoramento em Obstetrícia e Ginecologia pela
Faculdade de Medicina do Porto
Natália Amaral
Assistente Hospitalar da Unidade de Medicina Chefe de Serviços do Serviço de Ginecologia
da Reprodução do Serviço de Ginecologia e Obstetrícia dos Hospitais da Universidade de Coimbra
do Hospital de São João, E.P.E, Porto. E-mail: natalia.amaral@clix.pt
E-mail: cpxavier@netcabo.pt
Teresa Simões Silva
Maria Gil Varela Assistente Graduada do Serviço de Anatomia Patológica
Assistente Hospitalar Graduada do Serviço de dos Hospitais da Universidade de Coimbra
Ginecologia dos Hospitais da Universidade de Coimbra E-mail: tsimoessilva@huc.min-saude.pt
E-mail: mariagilvarela@hotmail.com
Carlos Guerra
António Pereira Coelho
Assistente Graduado do Serviço de Ginecologia
Professor Associado da Faculdade de Medicina de Lisboa
dos Hospitais da Universidade de Coimbra
Chefe de Serviço de Ginecologia/Obstetrícia
E-mail: dasilvaguerra@hotmail.com
do Hospital de Sta. Maria, Lisboa
E-mail: ampcoelho@sapo.pt
Diogo Ayres de Campos
Fernanda Águas Professor Auxiliar com Agregação, Faculdade
Chefe de Serviço de Ginecologia de Medicina da Universidade do Porto
Directora do Departamento de Saúde da Mulher da Assistente Hospitalar Graduado, Serviço de Ginecologia
Maternidade Bissaya Barreto, Centro Hospitalar de Coimbra. e Obstetrícia, Hospital de S. João, EPE, Porto
E-mail: faguas@netcabo.pt E-mail: dcampos@med.up.pt

IV
Abreviaturas

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32
P Fósforo radioactivo 32 DGT doença gestacional do trofoblasto
ACO anticoncepcionais orais DHEA desidroepiandrosterona
estroprogestativos DHEA-S sulfato de desidroepiandrosterona
ACTH hormona adrenocostico estimulante DIP doença inflamatória pélvica
ADN ácido desoxirribonucleico DIU dispositivo intra-uterino
AGC células glandulares atípicas DMO densidade mineral óssea
AINE anti-inflamatórios não-esteróides DPPNI descolamento precoce da placenta
AIS adenocarcinoma in situ normalmente inserida
AMH hormona antimülleriana DSF disfunções sexuais femininas
AMPc AMP cíclico (monofosfato DST doença sexualmente transmissível
de adenosina) Dx diagnóstico
ASC células escamosas atípicas ECO ecografia
ASC-H ASC não se podendo excluir EGF Epidermal Growth Factor
a presença de HSIL EGFR (EGF-R) receptor do factor
ASC-US ASC de significado indeterminado de crescimento da epiderme
AUC area under the curve EMA antigénio epitelial de membrana
BEP bleomicina + etoposido + cisplatina EMA European Medicines Agency
BONE Bonviva Osteoporosis Trial in North EORTC European Organization for Research
America and Europe and Treatment of Cancer
BPS biopsicossocial ER early region
BPV-1 papilomavírus bovino tipo 1 ER receptores dos estrogénios
CAH hiperplasia congénita da SR ETV ecografia transvaginal
CAP ciclofosfamida + doxorubicina + EVA etileno de acetato de vinil
cisplatina FDA Food and Drug Administration
CCU cancro do colo do útero FGF Fibroblast Growth Factor
CDC Centers for Disease Control and Prevention FIGO Federação Internacional de Ginecologia
CE cancro do endométrio e Obstetrícia
CEA antigénio carcino-embrionário FIT Fracture Intervention Trial
CI Consentimento Informado FIV Fertilização in vitro
CIN neoplasia intra-epitelial do colo do útero FMUP Faculdade de Medicina
CO contraceptivos orais da Universidade do Porto
COC contraceptivos orais combinados FRAX Fracture Risk Assessment Tool
CP ciclofosfamida + cisplatina FSH hormona folículo-estimulante
CSA carcinossarcoma FTP Fracture Prevention Trial
CSF factor citostático GFAP proteína glial fibrilar acídica
DAPUM data da antepenúltima menstruação GH hormona do crescimento

V
GnRH hormona estimuladora da libertação LMS leiomiossarcoma
das gonadotrofinas LNG levonorgestrel
GOG Ginecologic Oncology Group LR late region

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hCG (HCG) Human chorionic gonadotropin LSIL lesões escamosas intra-epiteliais
HDL lipoproteínas de alta densidade de baixo grau
HDL-C colestrol HDL MAS síndrome de McCune-Albright
HERS The Heart and Estrogen/Progestin MD médico-doente
Replacement Study MEA músculo elevador do ânus
HGCIN neoplasia escamosa intra-epitelial MII metáfase II
de alto grau MIS Mullerian Inhibiting Substance
HH hipogonadismo hipogonadotrófico MORE Multiple Outcomes of Raloxifene
HHG hipotálamo-hipófise-gónada Evaluation
hMG (HMG) Human menopausal MPF maturation promotor factor
gonadotropin NCIC National Cancer Institute of Canada
HNPCC hereditary non polypoid colic cancer NGT neoplasia gestacional do trofoblasto
HORIZON Health Outcomes and Reduced NHS Nurse’s Health Study
Incidence with Zoledronic Acid Once Yearly NOS sem outra especificação
HPV human papillomavirus/vírus do papiloma NRG neuregulina
humano OCI orifício cervical interno
HR-HPV HPV de alto risco OMI Ovocyte Meiosis Inhibitors
HSG histerossalpingografia OMS/WHO Organização Mundial da Saúde
HSIL alterações citológicas de alto grau OR odds ratio
HTA hipertensão arterial PAINED pain, anguish, impotence, negativism,
HUA hemorragias uterinas anormais embarassment, disconforts
HUC Hospitais da Universidade de Coimbra PBAC pictorial blood loss assessment chart
IC intervalo de confiança PCR proteína C reactiva
ICMA immunochemiluminometric assay PEPI Postmenopausal Estrogen/Progestin
ICSI Injecção intra-cito plasmática Interventions Trial
de espermatozóides PET tomografia de emissão de positrões
IGF insulin-like growth factor I PLAP fosfatase alcalina placentar
IGFBP-1 proteína 1 de transporte de IGF-I PMA procriação medicamente assistida
IGF-I factor de crescimento «insulina-like» PNET tumor neuroectodérmico primitivo
IL-2 Interleucina 2 PP puberdade precoce
ILD intervalo livre de doença PPC puberdade precoce central
IMC índice de massa corporal PPM pele, pilosidade e mucosas
IP3 inositol trifosfato PPP puberdade precoce periférica
IPOFG Instituto Português de Oncologia PR puberdade retardada
Franscisco Gentil PRL prolactina
ISSVD Society for Study of Vulvo-vaginal PV papilomavírus
Diseases PVB cisplatina + vimbastina + bleomicina
ITS infecções transmitidas sexualmente QV qualidade de vida
JUT junção útero-tubárica RE receptor de estrogénios
LDL lipoproteínas de baixa densidade RM ressonância magnética nuclear
LGCIN neoplasia escamosa intra-epitelial RP receptor de progesterona
cervical de baixo grau RPM rotura prematura de membranas
LH Hormona luteinizante RR risco relativo
LHR receptores de LH RUTH Raloxifene Use for The Heart

VI
RX raios X THS Terapêutica hormonal de substituição
S. RKH síndrome de Rokitansky-Kuster-Hauser TNF factor de necrose tumoral
SCC squamous cell carcinoma TP paclitaxel + cisplatina

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SEE sarcoma do estroma endometrial TPAL term pregnancies, premature deliveries,
SEI sarcoma endometrial indiferenciado abortion, living children
SERM moduladores selectivos dos receptores TRH hormona libertadora da tirotropina
de estrogénios TROPOS Treatment of Peripheral Osteoporosis
SFQ-FSDS Sexual Function Questionnaire- TSH hormona tireo-estimulante
Female Sexual Distress Scale Tv Trichomonas vaginalis
SHBG sex hormone binding globulin Tx terapêutica
SIU sistema intra-uterino UE União Europeia
SNC sistema nervoso central UEV urografia endovenosa
SOP síndrome dos ovários poliquísticos URR upper regulatory region
SOTI Spinal Osteoporosis Therapeutic Intervention USV ultra-sonografia pélvica por via
SPM síndrome pré-menstrual transvaginal
SPO síndrome periovulatória VAC vincristina + actinomicina D +
STUMP tumores do músculo liso ciclofosfamida
com potencial de malignidade incerto VaIN neoplasia intra-epitelial da vagina
SWAN Study of Women’s Health Across the Nation VEGF Vascular Epithelial Growth Factor
TA tensão arterial VERT Vertebral Efficacy with Risedronate
TB tuberculose Therapy
TC Tomografia computorizada VIH vírus da imunodeficiência humana
TEV tromboembolismo venoso VIN neoplasia intra-epitelial da vulva
TGF factor de crescimento transformador VLDL lipoproteínas de muito baixa densidade
TGF-β Transforming Growth Factor B VS velocidade de sedimentação
TGI tracto genital inferior WHI Women’s Health Initiative
TH terapêutica hormonal WHO World Health Organization

VII
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Índice

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
COLABORADORES.................................................................................................................................................................................................................................... III
PREFÁCIO............................................................................................................................................................................................................................................................... XI
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................................................................................................................. XIII

SECÇÃO I – ANATOMIA, EMBRIOLOGIA E FISIOLOGIA


Capítulo 1 Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino ............................................................................................. 3
Capítulo 2 Embriologia do aparelho genital feminino.............................................................................................................. 29
Capítulo 3 Fisiologia do ovário e da fecundação .............................................................................................................................. 39

SECÇÃO II – OBSERVAÇÃO CLÍNICA


Capítulo 4 Relação Médico-Doente ................................................................................................................................................................... 59
Capítulo 5 Semiologia ginecológica ................................................................................................................................................................. 81

SECÇÂO III – QUADROS CLÍNICOS GINECOLÓGICOS


Capítulo 6 Malformações do aparelho genital feminino.....................................................................................................109
Capítulo 7 A disfunção sexual na mulher ................................................................................................................................................119
Capítulo 8 Hemorragias uterinas anormais ..........................................................................................................................................135
Capítulo 9 Massa pélvica (Massas uterinas e anexiais benignas) .............................................................................147
Capítulo 10 Dor pélvica e dismenorreia........................................................................................................................................................167
Capítulo 11 Doença inflamatória pélvica ....................................................................................................................................................185
Capítulo 12 Infecções do tracto genital inferior .................................................................................................................................197
Capítulo 13 HPV e lesões intraepiteliais do tracto genital inferior .............................................................................215

SECÇÃO IV – ENDOCRINOLOGIA E REPRODUÇÃO


Capítulo 14 Puberdade e seus distúrbios....................................................................................................................................................227
Capítulo 15 Amenorreias ..................................................................................................................................................................................................245
Capítulo 16 Contracepção ..............................................................................................................................................................................................257
Capítulo 17 Endometriose ..............................................................................................................................................................................................277
Capítulo 18 Menopausa .....................................................................................................................................................................................................295

SECÇÃO V – GINECOLOGIA ONCOLOGICA


Capítulo 19 Prevenção do cancro ginecológico .................................................................................................................................319
Capítulo 20 Cancro da vulva ........................................................................................................................................................................................339
Capítulo 21 Cancros do colo uterino e da vagina .............................................................................................................................353
Capítulo 22 Cancro do endométrio ....................................................................................................................................................................365
Capítulo 23 Sarcomas uterinos .................................................................................................................................................................................379
Capítulo 24 Cancro do ovário -Tumores epiteliais ...........................................................................................................................391
Capítulo 25 Tumores raros do ovário................................................................................................................................................................413
Capítulo 26 Cancro da trompa de Falópio .................................................................................................................................................443
Capítulo 27 Doença gestacional do trofoblasto.................................................................................................................................449

ÍNDICE REMISSIVO .......................................................................................................................................................................................................................461

IX
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Prefácio

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
Prefaciar uma obra científica é sempre razão de regozijo.
Prefaciar um compêndio de textos no âmbito da ciência ginecológica, elaborados por personagens
escolhidas de entre as mais distintas do cenário nacional, é também motivo de orgulho.
Prefaciar um trabalho de assinalável mérito que perpetuará a figura de proa do meu Amigo e com-
panheiro de caminhada universitária e de lides hospitalares e profissionais, como é o Professor
Doutor Carlos Freire de Oliveira, é ainda causa de enorme júbilo.
Ao lutador intrépido, ao incontestado “leader” e ao incansável defensor de causas fica a dever-se
mais um notável contributo para o engrandecimento da ginecologia portuguesa a que sempre foi
fiel e que nunca renegou, mesmo em tempos árduos.
Acresce que este “Manual de Ginecologia” é, muito provavelmente, a derradeira expressão colec-
tiva da conhecida e já consagrada Escola Ginecológica de Coimbra que teve como seu patrono e
grande impulsionador o nosso querido e saudoso Mestre Professor Doutor Francisco Ibérico No-
gueira. Que aqui fica impresso, para sempre, na estampa desta exaustiva obra de divulgação da
ciência que o apaixonou.
Todos os Autores que aqui deixam ao longo de dezenas de capítulos, que vão da Anatomia e Em-
briologia, à Biologia Molecular do Cancro, o seu valioso contributo de saber, de dedicação e de
testemunho, não levarão a mal que o prefácio enalteça a obra do Mestre e do pioneiro. Que esteve
na génese da nossa dedicação e empenhamento à causa da ginecologia portuguesa que, desde há
muito, se soube impor intramuros e granjear respeito além fronteiras.
A distinção que me foi conferida com o convite para prefaciar esta obra não é devida a méritos
pessoais, mas traduz tão somente a simbologia de um decano que quer louvar, enaltecendo, os que
o antecederam. E não pode deixar de transmitir às gerações a quem este livro mais se destina
palavra de estímulo e de encorajamento face às ingentes tarefas de hoje e às previsíveis exigências
que o futuro lhes tem reservadas.
Com trabalho, esforço, dedicação, humanismo e sentido ético há-de perdurar, graças aos vindouros
da ginecologia portuguesa, o sentido de responsabilidade profissional e a qualidade e vigor cientí-
fico que tornaram a nossa especialidade louvável e louvada.

Estes são os votos sinceros do


Agostinho Almeida Santos

XI
Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
Introdução

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Na minha dupla condição de universitário e de médico hospitalar sempre aspirei poder coordenar
um texto que pudesse ser útil aos estudantes das faculdades de medicina, aos internos da espe-
cialidade de Ginecologia e Obstetrícia e também aos especialistas que se dedicam a esta área do
conhecimento médico. Os anos foram passando, as tarefas e responsabilidades aumentando e tal
objectivo foi sendo adiado.
Há alguns meses fui abordado pela editora Permanyer e o desafio foi lançado. Tive o apoio dos
colegas da direcção da Federação das Sociedades Portuguesas de Obstetrícia e Ginecologia (FSPOG),
que integra as principais sociedades científicas de Ginecologia e Obstetrícia, e o patrocínio da
então Organon Portuguesa, hoje Schering-Plough. Criadas estas condições restava o mais difícil,
isto é, encontrar colegas, com curricula reconhecidos, que tivessem disponibilidade e quisessem
colaborar neste projecto. Felizmente tive uma excelente colaboração e todos procuraram redigir
capítulos actualizados, de interesse prático e acessíveis. É justo destacar aqueles que não partilhando
a nossa especialidade connosco quiseram repartir o seu saber e experiência.
Tenho também a honra de registar o facto do Professor Doutor Agostinho Almeida Santos, deca-
no dos professores universitários de Ginecologia e Obstetrícia, ter aceite escrever o prefácio deste
Manual de Ginecologia.
A extensão da nossa especialidade na vertente ginecológica levou-me, desde o início, a considerar
que o Manual deveria ter dois volumes. No primeiro volume incluí-se, numa primeira secção, ca-
pítulos sobre a anatomia e embriologia do aparelho genital feminino e a fisiologia do ovário e da
fecundação. Na segunda secção integram-se dois capítulos sobre a relação médico-doente e a se-
miologia ginecológica. Na secção seguinte abordam-se vários quadros clínicos ginecológicos: mal-
formações do aparelho genital, disfunção sexual, hemorragias uterinas anormais, massas uterinas e
anexias, dor pélvica e dismenorreia, doença inflamatória pélvica, infecção do tracto genital inferior
e HPV e lesões intraepiteliais. Na secção quatro abordam-se temas de endocrinologia e reprodução
como puberdade e seus distúrbios, amenorreias, contracepção, endometriose e menopausa. A gi-
necologia oncológica, subespecialidade reconhecida, é abordada na última secção deste volume.
Prevenção do cancro, cancros da vulva, do colo, da vagina e do endométrio, sarcomas uterinos, can-
cro do ovário (tumores epiteliais) e tumores raros do ovário, cancro da trompa e doença gestacional
do trofoblasto são os conteúdos desta quinta secção.
No segundo volume irei incluir a medicina da reprodução, na sua vertente da esterilidade, a uro-gi-
necologia com os distúrbios do pavimento pélvico, a senologia com as patologias benigna e malig-
na da mama, bem como a temática dos tumores hereditários ginecológicos e da mama. Integrarei
ainda capítulos sobre os meios complementares de diagnóstico mais frequentes bem como sobre
as principais técnicas cirúrgicas.
Agradeço a todos os que colaboraram neste primeiro volume e espero contar com a participação
de muitos outros para o segundo.

Carlos Freire de Oliveira

XIII
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1 Anatomia cirúrgica do aparelho
genital feminino

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António Bernardes

1. INTRODUÇÃO artéria ilíaca comum, um pouco por fora


do uréter.
O aparelho genital feminino é formado por — O ligamento tubo-ovárico une a extre-
órgãos interiores – ovários, tubas uterinas midade superior do ovário ao infundí-
(trompas de Falópio), útero e vagina – e por bulo da tuba.
órgãos exteriores – formações labiais (monte — O ligamento útero-ovárico ou próprio do
púbico, grandes e pequenos lábios), vestíbu- ovário estende-se da extremidade infe-
lo ou espaço interlabial, órgãos erécteis (clí- rior do ovário ao ângulo lateral do útero
toris e bulbos vestibulares) e glândulas ane- atrás e por baixo da tuba.
xas (uretrais, parauretrais e vestibulares). Os — O mesovário é uma prega peritoneal
ovários e as tubas uterinas são vulgarmente dupla, curta, que une o hilo do órgão ao
conhecidos por «anexos». folheto posterior do ligamento largo, in-
terrompendo-se nesse local, pelo que o
ovário não tem revestimento peritoneal.
2. OVÁRIOS Este meso permite ao ovário movimen-
tos de charneira semelhantes aos de
Os ovários são estruturas pares situadas em uma porta nas suas dobradiças2,6,7.
espaços denominados fossas ováricas, junto
das paredes laterais da pélvis menor, de cada 2.3. CONFORMAÇÃO EXTERIOR E RELAÇÕES
lado do útero, por baixo e atrás das tubas. Es-
tão fixos às faces posteriores dos ligamentos Tem duas faces, dois bordos e duas extremida-
largos pelo mesovário. Apesar disso a sua des. A face lateral ocupa a fossa ovárica olhan-
posição é variável. do para os vasos ilíacos internos e uréter. A face
medial está relacionada com as fímbrias da
2.1.FORMA E DIMENSÕES tuba uterina e com ansas intestinais. O bordo
anterior ou hilo adere ao ligamento largo pelo
De forma oval, medem 3,0 a 4,0 x 2,0 x 1,0 cm. mesovário. O bordo posterior é livre. A extre-
midade superior está coberta pelas fímbrias
2.2. MEIOS DE FIXAÇÃO e relacionada com o ligamento suspensor do
ovário. A extremidade inferior está unida ao
São considerados meios de fixação: útero pelo ligamento útero-ovárico2,6,7,10.
— O ligamento suspensor ou infundibulo-
pélvico estende-se da parede pélvica até 2.4. VASCULARIZAÇÃO ARTERIAL
ao bordo aderente do ovário, é acompa-
nhado pelos vasos ováricos que entram É proveniente das artérias ováricas, cola-
na pélvis menor junto da bifurcação da terais da aorta e acessoriamente da artéria

3
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1
o

o 2 r

t
r ú la

la
3

Figura 1. Vista superior dos órgãos pélvicos com peritoneu intacto. 1: uréter; 2: recto; 3: fundo de saco vesico-uterino;
b: bexiga; la: ligamento largo; o: ovário; r: ligamento teres; t: tuba uterina; ú: útero.

úv
úv
o
ú o

t
t

la la
r
r
b

Figura 2. Vista anterior dos órgãos pélvicos dissecados, conservados por desidratação e pintados. b: bexiga; la: liga-
mento largo; o: ovário; r: ligamento teres; t: tuba uterina; ú: útero; úv: ligamento útero-ovárico; v: vagina.

4 Capítulo 1
ampola

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Fundo do t
infundíbulo
útero
f t
to
f
o
istmo
ls úv
o úv
ú

la
Vasos
ováricos la

uréter

uréter Ligamentos
uterossagrados

Figura 3. Vista posterior dos órgãos pélvicos com peritoneu intacto (esquema). f: fímbrias; la: ligamento largo;
ls: ligamento suspensor do ovário; o: ovário; t: tuba uterina; to: ligamento tubo-ovárico; ú: útero; úv: ligamento
útero-ovárico.

uterina. As artérias ováricas têm um trajecto 2.5. DRENAGEM VENOSA


oblíquo descendente no espaço retroperito-
neal acompanhadas pelas veias, linfáticos e Faz-se para um plexo situado no mesovário
nervos, que formam com o peritoneu parie- e na parte terminal do ligamento suspen-
tal que os cobre, o ligamento suspensor. No sor que dá origem às veias ováricas inter-
início do trajecto estes vasos são mediais ao na e externa. A veia ovárica externa drena
uréter, mas depois cruzam-no anteriormen- para a veia ovárica que acompanha a arté-
te ficando por fora dele na pélvis menor. As ria homónima, drenando à direita na veia
artérias ováricas terminam por bifurcação cava inferior e à esquerda na renal esquer-
junto da extremidade superior do ovário ori- da. A veia ovárica interna drena para a veia
ginando as artérias tubária externa e ovárica uterina4.
externa. A ovárica externa une-se à ovárica
interna, ramo terminal da uterina, consti- 2.6. DRENAGEM LINFÁTICA
tuindo uma arcada transversal na espessura
do mesovário de onde partem as artérias Tem uma via principal ao longo dos liga-
helicíneas para o ovário4. Para evitar a lesão mentos suspensores para os gânglios (G) lá-
do uréter durante a laqueação dos vasos no tero-cava e látero-aórticos junto da origem
ligamento suspensor, deve traccionar-se o das artérias ováricas e uma via acessória que
ligamento para fora, afastando-o do uréter e acompanha os vasos uterinos para os G ilía-
proceder depois à identificação deste. cos internos4.

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 5


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rim
rim
vc artéria e veia
ao ováricas

artéria e veia uréter


ováricas

artéria ilíaca
interna

artéria tubária
t externa
t
o o artéria ovárica
út artéria uterina

artéria vaginal Figura 4. Vascularização dos


la
órgãos pélvicos femininos
b (esquema). ao: aorta; vc: veia
cava inferior; b: bexiga; la:
ligamento largo; o: ovário;
t: tuba uterina; út: útero.

artéria tubária
interna o
t

ú
o
artéria
artéria ovárica ovárica
interna

artéria uterina

artéria vaginal v

Figura 5. Vascularização dos órgãos pélvicos femininos (esquema). o: ovário; t: tuba uterina; ú: útero; v: vagina.

6 Capítulo 1
2.7. INERVAÇÃO tersticial. O infundíbulo é a parte mais lateral
da tuba, em forma de funil, com o bordo livre
Simpática é proveniente do plexo celíaco, dotado de pregas, as fímbrias, relacionadas

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cujos nervos caminham com os vasos ovári- directa e intimamente com o ovário. Possui
cos nos ligamentos suspensores e vem ainda o orifício abdominal com 2 mm de diâmetro
dos plexos hipogástricos superior e inferior. na transição infundíbulo-ampolar. Há varia-
As fibras parassimpáticas vêm dos plexos hi- ções anatómicas normais da relação entre o
pogástricos inferiores, onde chegam através infundíbulo e o ovário que podem dificultar
dos nervos esplâncnicos pélvicos das raízes ou inviabilizar a captação do óvulo, tais como:
de S2, S3 e S43. a retroversão ou anteversão uterinas acen-
tuadas, ou quando as fímbrias são múltiplas,
demasiado compridas ou cobrem uma super-
3. TUBAS UTERINAS fície diminuta de um grande ovário.
A ampola é a parte mais móvel da tuba, cons-
As tubas uterinas (ex. oviductos ou trompas titui os dois terços restantes do seu compri-
de Falópio)5 são dois cilindros com 7 a 14 cm mento, estendendo-se do istmo ao infundí-
de comprimento que se estendem da extre- bulo e pode atingir 1 cm de diâmetro.
midade superior do ovário aos cornos do O istmo representa o terço medial da tuba,
útero, possuindo uma abertura para este ór- estende-se da ampola ao corno uterino e
gão (orifício uterino) e outra para a cavidade tem um diâmetro de 2 mm.
pélvica (orifício abdominal). A parte intramural está localizada na espes-
sura da parede uterina e tem um compri-
3.1. SITUAÇÃO mento aproximado de 1 cm e um diâmetro
de 1 mm1,8,9,10.
A tuba uterina ocupa quase todo o bordo
superior do ligamento largo, entre o liga- 3.5. RELAÇÕES
mento redondo que está à frente e o ovário
que fica atrás. Ocupa quase todo o comprimento do bordo
superior do ligamento largo, relacionando-
3.2 MEIOS DE FIXAÇÃO se adiante com o ligamento redondo e be-
xiga, atrás com o ligamento útero-ovárico e
Continuidade com o útero, o ligamento recto e em cima com as ansas intestinais.
tubo-ovárico e o peritoneu que forma o
ligamento largo. 3.6. CONFORMAÇÃO INTERIOR

3.3. DIRECÇÃO É percorrida por um canal virtual com pre-


gas mucosas longitudinais. Tem 5 cm de
As tubas uterinas estendem-se transversal- comprimento e 0,5 mm e 2 mm de calibre,
mente em direcção póstero-lateral até às respectivamente a nível dos orifícios uterino
paredes laterais da pélvis, onde se encurvam e abdominal.
caindo sobre os ovários.
3.7. VASCULARIZAÇÃO ARTERIAL
3.4. CONFORMAÇÃO EXTERIOR
É proveniente da anastomose entre a artéria
Classicamente dividem-se em quatro partes, tubária externa, um dos ramos terminais da
que de fora para dentro são: infundíbulo, am- ovárica (colateral da aorta) e a artéria tubária
pola, istmo e parte uterina, intramural ou in- interna, ramo terminal da uterina4.

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 7


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recto

fundo de saco
rectovaginal

la
la o

t
t

Figura 6. Vista superior dos órgãos pélvicos dissecados. la: ligamento largo; o: ovário; t: tuba uterina; ú: útero.

ovário
uréter
tuba uterina

fundo do útero
corpo do útero
r

colo do útero sínfise pública


b
recto v uretra
clítoris
corpo perineal pequeno lábio

Figura 7. Corte sagital dos órgãos pélvicos e do períneo (esquema). b: bexiga; r: ligamento teres; v: vagina.

8 Capítulo 1
fundo do
útero

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t

úv
o
f
istmo to
do útero la

apêndice vesicular vasos


(hidátide de Morgagni) ováricos

colo do útero com a


v sua cavidade

Figura 8. Vista posterior dos órgãos pélvicos (esquema). f: fímbrias; la: ligamento largo; o: ovário; t: tuba uterina;
to: ligamento tubo-ovárico; úv: ligamento útero-ovárico; v: vagina.

3.8. DRENAGEM VENOSA 4. ÚTERO

Faz-se para um plexo situado no mesos- É um órgão fibromuscular oco em forma de


salpinge que drena para as veias tubárias pêra, destinado a conter o ovo fecundado
internas e externas, satélites das artérias durante o seu desenvolvimento e a expulsá-
homónimas4. lo quando atinge a maturidade.

3.9. DRENAGEM LINFÁTICA 4.1. LOCALIZAÇÃO

É semelhante à do ovário: ao longo dos liga- O útero é ímpar e mediano, está situado no
mentos suspensores para os G látero-cava e centro da pélvis menor entre a bexiga e o
látero-aórticos situados junto da origem das recto, por baixo das ansas intestinais e por
artérias ováricas ou acompanhando os vasos cima da vagina, na qual se introduz.
uterinos para os G ilíacos internos4.
4.2. CONFORMAÇÃO EXTERIOR
3.10. INERVAÇÃO
O útero pode comparar-se a um cone tron-
É semelhante à dos ovários: simpática prove- cado de base superior que varia de forma
niente do plexo celíaco, cujos nervos cami- e de dimensões com a idade e número de
nham com os vasos ováricos nos ligamentos gestações. Descrevem-se de cima para baixo
suspensores e dos plexos hipogástricos su- três partes: corpo, istmo e colo (cérvix).
perior e inferior.
As fibras parassimpáticas vêm dos plexos hi- 4.2.1. O CORPO
pogástricos inferiores, onde chegam através
dos nervos esplâncnicos pélvicos das raízes O corpo uterino é conóide, achatado no
de S2, S3 e S4. sentido ântero-posterior na nulípara mas

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 9


globoso na multípara. Possui duas faces, três orientado obliquamente para baixo e para
bordos, dois ângulos e uma extremidade. As trás, «atravessa» perpendicularmente a pare-
faces ântero-inferior e póstero-superior são de anterior da vagina, ficando a «olhar» para

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convexas, regulares, lisas e totalmente co- a sua parede posterior.
bertas por peritoneu. A inserção da vagina permite dividir o colo
Os dois bordos laterais dão inserção aos li- em dois segmentos: supravaginal e vaginal.
gamentos largos, sendo em sentido vertical O supravaginal mede 1,5 a 2,0 cm de altu-
planos ou côncavos na nulípara mas conve- ra e é muito importante para o sistema de
xos na multípara e deixam-se atravessar pe- suporte da fáscia endopélvica do colo e da
los vasos e nervos do útero. vagina. Está separado da bexiga por tecido
O bordo superior ou fundo situa-se entre os celular pouco denso, a fáscia pré-cervical,
dois cornos do útero, para cima dos orifícios cuja dissecção permite afastar facilmente os
uterinos das tubas. Posiciona-se 2-3 centíme- dois órgãos. Atrás está revestido por perito-
tros por baixo do plano que passa pelo estreito neu e separado do recto pelo fundo de saco
superior da bacia e é transversalmente rectilí- rectovaginal. Os dois bordos laterais relacio-
neo na nulípara e convexo na multípara. É for- nam-se com a base dos ligamentos largos e
temente convexo no sentido ântero-posterior. com o espaço pelvirrectal superior onde se
Os dois ângulos ou cornos do útero são os cruzam a artéria uterina e o uréter.
locais onde se inserem as tubas uterinas e os O segmento vaginal (ex. focinho-de-tenca)5,12
ligamentos redondos e útero-ováricos. é acessível à observação clínica por via vagi-
A extremidade inferior confunde-se com o nal, tem a forma de cone troncado com 1,8
istmo. cm de altura atrás e 0,6 cm adiante. Possui
ainda 2 a 2,5 centímetros de altura e de es-
4.2.2. O ISTMO pessura. Está circunscrito na sua base por um
fundo de saco anular que o separa das pare-
O istmo é um estreitamento circular com 1 des vaginais, o fórnix vaginal, no qual se reco-
cm de altura que separa o corpo do colo, si- nhecem quatro segmentos: anterior, muito
tuado a uma distância semelhante do vérti- pequeno, posterior, profundo e laterais, de
ce e da base (nulípara) ou um pouco abaixo profundidade crescente da frente para trás.
da sua parte média (multípara). Adiante não O vértice deste segmento possui o orifício in-
está revestido por peritoneu pois a serosa ferior ou exterior do colo com 4 a 7 mm de
reflecte-se da face anterior do corpo do úte- diâmetro, que dá acesso ao canal cervical. O
ro para a bexiga, formando o fundo de saco orifício divide o vértice do colo em duas me-
vesico-uterino. Atrás e lateralmente tem re- tades: os lábios anterior (mais proeminente)
lações análogas às do corpo uterino. e posterior. Ele assume aspectos diferentes
conforme se trata de uma mulher: nulípara,
4.2.3. O COLO em que é pequeno, elíptico, com 3-4 milíme-
tros de diâmetro, possuindo o colo consis-
O colo uterino é cilíndrico, ligeiramente tência elástica; na primípara o colo diminui
dilatado no terço médio, com 2 a 4 cm de de consistência e o orifício alonga-se trans-
comprimento. Em todo o seu contorno e na versalmente em fenda, podendo os lábios
união dos dois terços superiores com o terço adquirir uma ou duas incisuras pequenas; e
inferior dá inserção à vagina, descrevendo na multípara o orifício tem a forma de uma
um anel com 0,5 a 0,8 cm de altura, disposto fenda transversal que pode atingir 1,5 cm,
de modo oblíquo para baixo e para e fren- com lábios irregulares e incisuras várias. Após
te. As túnicas musculares dos dois órgãos a menopausa o colo atrofia-se, o orifício fica
são indissociáveis. O eixo maior do colo está punctiforme e por vezes pode obliterar-se11.

10 Capítulo 1
colo do útero muco cervical

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v

orifício exterior do colo do útero

Figura 9. Vista do segmento vaginal do colo do útero em peças naturais de cadáver fresco após secção e re-
batimento da vagina (v).

4.3. DIMENSÕES EXTERIORES o corpo, 0,5 para o istmo e 2,5 para o colo),
medindo na multípara 6,5 cm (3,5 para o cor-
Na nulípara o útero tem 6 a 7 cm de compri- po e 3,0 para o colo); o diâmetro transversal
mento (3,5 cm para o colo), 4 cm de largura a nível da base do útero na nulípara varia de
no corpo e 2 cm no colo e a espessura de 2,0 a 2,4 cm e na multípara de 3,0 a 3,3 cm.
2,5 a 3,0 cm; na multípara mede 7 a 8 cm de A cavidade do corpo é triangular com duas
comprimento (5 a 5,5 cm para o corpo), 5 cm faces, três bordos e três ângulos. As faces an-
de largura na base e 3 cm na parte média e 3 terior e posterior são lisas e separadas entre
cm de espessura. si por muco. Há um bordo superior e dois
laterais convexos na nulípara e rectilíneos
4.4. PESO ou côncavos na multípara. Dos três ângulos,
dois são súpero-externos, continuando-se
O útero na nulípara pesa em média 40 a 60 pelos canais tubares através dos orifícios das
gramas e na multípara 60 a 80 gramas. tubas (ostium uterinum tubae uterinae) e o
outro ângulo é inferior, comunicando com o
4.5. CONFORMAÇÃO INTERIOR canal cervical através do orifício interior do
colo (ostium anatomicum uteri internum)5,12.
O útero possui uma cavidade central, virtual, O canal cervical é fusiforme, está preenchido
que se continua em cima pelos canais das tu- habitualmente por um rolho de muco e tem
bas e em baixo pela vagina. Um estreitamen- dois orifícios, um inferior ou exterior (ostium
to correspondente ao istmo divide a cavidade uteri) e um superior ou interior, correspon-
em duas partes: a cavidade do corpo (cavitas dente ao istmo do útero. As suas faces an-
uteri) e o canal cervical. O diâmetro vertical terior e posterior têm uma saliência longitu-
na nulípara mede em média 5,5 cm (2,5 para dinal de onde partem pregas obliquamente
Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 11
ascendentes. O conjunto de uma coluna formando o fundo de saco vesico-uterino;
principal e das pregas associadas é conheci- atrás, cobre todo o útero e os dois centí-
do por árvore da vida (plicae palmatae). Há metros superiores da vagina reflectindo-se

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na literatura alguma confusão sobre a rela- depois para o recto formando o fundo saco
ção anatómica entre orifício interior e o ist- rectovaginal; lateralmente, continua-se com
mo. O facto mais importante é que durante os folhetos dos ligamentos largos. A união
a gravidez o istmo expande e transforma-se da serosa ao útero não é uniforme sendo
num segmento da cavidade do corpo onde muito aderente: a nível do fundo, da metade
o feto descansa10,11. superior da face anterior e em quase toda a
face posterior do corpo, pelo que é impossí-
4.6. CONSTITUIÇÃO ANATÓMICA vel separá-la do órgão nesses locais.

A parede do útero tem 2 a 2,5 cm de espes- 4.6.2. MUSCULAR MIOMÉTRIO


sura sendo formada por três túnicas sobre-
postas de fora para dentro: serosa (ou pe- A camada muscular forma a quase totalida-
rimétrio), muscular (miométrio) e mucosa de da espessura do órgão, sendo constituída
(endométrio). por fibras musculares lisas fusiformes dis-
postas em três planos sobrepostos.
4.6.1. SEROSA
4.6.3. MUCOSA ENDOMÉTRIO
A serosa não cobre totalmente o órgão:
adiante, reveste o corpo e o istmo reflectin- A mucosa é muito fina, friável, reveste toda a
do-se depois para a face superior da bexiga superfície interior do útero, possui espessura

fundo do útero

A B

cavidade
do corpo

la
la

la
cavidade
do colo

v
fórnix

Figura 10. Vista das cavidades do útero em peças naturais de cadáver fresco (A) e parafinado e pintado (B). la:
ligamento largo; v: vagina.

12 Capítulo 1
máxima na parte média da cavidade do cor- ro poderá ficar em anteversão (fundo para
po (1-2 mm), diminuindo gradualmente em a frente), em retroversão (fundo para trás)
direcção ao fundo e ao colo. ou em látero-versão se o fundo ficar para a

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direita e o colo para a esquerda da linha mé-
4.7. ESTÁTICA POSIÇÃO E DIRECÇÃO dia e vice-versa.
Se o istmo estiver situado à frente, atrás ou
O útero possui grande mobilidade excepto lateralmente em relação à posição habitual,
no ponto central, correspondente ao istmo, diz-se que o útero está respectivamente em
o local mais fixo do órgão. O ponto central anteposição, retroposição ou látero-posição.
está localizado adiante do plano que une Podem ocorrer várias combinações da ver-
as espinhas isquiáticas, no centro da pélvis são, da flexão e da posição, todas fisiológi-
menor. Os eixos maiores do corpo e do colo cas, sendo apenas variações do normal.
encontram-se neste local e formam um ân- A posição e a direcção do útero depen-
gulo aberto para a frente (anteflexão) que dem da solidez dos elementos perineais
varia entre 100 e 140o. Se o ângulo estiver de sustentação (músculos e aponevroses
aberto para trás diz-se que o órgão está em do períneo, sendo os elevadores do ânus
retroflexão. os mais importantes) e da preservação ou
O útero posiciona-se habitualmente em diminuição do ângulo uterovaginal normal,
anteflexão e anteversão (inclinado anterior habitualmente aberto para a frente. Esta
e superiormente em relação ao eixo maior angulação é assegurada pela acção dos
da vagina). A versão é o ângulo que o eixo elevadores do ânus sobre o corpo perineal
maior do útero (considerado como um todo) que, deslocando-o para cima e para dian-
faz com o da vagina. Quando as duas extre- te, fecham e empurram a vagina em direc-
midades do órgão se deslocam em sentidos ção ao púbis. Por outro lado, os ligamentos
opostos em redor de um eixo horizontal que uterossagrados traccionam a extremidade
passa pelo istmo (deslocamento do órgão superior da vagina para trás e a tonicidade
em bloco como o de um ginasta que roda dos ligamentos redondos mantém a ante-
em torno de uma barra horizontal), o úte- flexão uterina11.

eixo longitudinal
do corpo do útero
fundo do útero

eixo longitudinal
do colo do útero ú

eixo longitudinal
da vagina flexão
versão

Figura 11. Posição e direcção do útero sob visão lateral para observar os ângulos que explicam a anteflexão e
a anteversão (esquema): ú- útero; v- vagina.

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 13


4.8. RELAÇÕES menor. Os meios de fixação podem ser clas-
sificados em três tipos por ordem de impor-
O fundo do útero encontra-se a 2-2,5 cm atrás tância funcional:

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da sínfise púbica, enquanto que o orifício exte- — Sustentação: MEA, corpo perineal (ex. núcleo
rior do colo está situado 3 cm à frente do cóc- fibroso central do períneo) e vagina5,12.
cix. Podemos considerar duas regiões topográ- — Suspensão: lâminas sacro-recto-genito-
ficas distintas, a supravaginal, intra-abdominal púbicas e ligamentos cardinais.
(inclui o corpo, istmo e porção supravaginal do — Orientação: ligamentos redondos e
colo) e a vaginal, visível por via endovaginal. ligamentos largos.

4.8.1. PORÇÃO SUPRAVAGINAL 4.9.1. SUSTENTAÇÃO

A porção supravaginal relaciona-se adiante e O útero e a cúpula vaginal «descansam» sobre


de cima para baixo com as ansas intestinais e um plano duplo, superior e inferior. O primeiro
com a bexiga através do fundo de saco vesi- é o mais importante, formado pelos MEA, que
co-uterino, estando a nível do istmo e da par- constituem um «contra-apoio activo» e outro
te supravaginal do colo separado da bexiga inferior constituído pela vagina (aderente ao
pela fáscia pubocervical e pelos ligamentos colo do útero) e pelo corpo perineal (que por
vesico-uterinos. A face póstero-superior está sua vez sustenta a vagina), que representam
separada do recto pelo fundo de saco recto- em conjunto um «contra-apoio passivo». As
vaginal, onde se alojam vísceras intestinais. formações musculofibrosas de sustentação
Os bordos laterais dão inserção aos folhetos não se inserem directamente no útero mas
anterior e posterior dos ligamentos largos, constituem por baixo dele uma plataforma
relacionando-se com os vasos uterinos. A ní- sólida, activa, relativamente potente, compa-
vel do colo, a porção supravaginal está rode- rativamente com os sistemas de suspensão e
ada por um anel denso de fáscia endopélvica de orientação, meios puramente passivos.
(ou anel de fáscia pericervical) onde estão fi- Os dois MEA e os músculos isquiococcígeos as-
xos os ligamentos ou fáscias pubocervicais e sumem a forma de uma lâmina larga côncava
os ligamentos uterossagrados e cardinais. O para cima (como um funil) que encerra quase
uréter passa a 1,5-2 cm de distância do colo, completamente a pélvis menor, deixando es-
onde se cruza com a artéria uterina2,6,7,10. paço apenas para o recto e para o hiato uroge-
nital (atravessado pela uretra e vagina). Cada
4.8.2. PORÇÃO VAGINAL MEA está fixo ao corpo do púbis, às espinhas
isquiáticas e a um espessamento da fáscia ob-
A porção vaginal relaciona-se através das turadora (situada entre o púbis e as espinhas)
paredes da vagina: adiante com o trígono denominado arco tendinoso do MEA1,8,9.
vesical e com os uréteres que penetram na O MEA é formado por três componentes:
bexiga quase à altura do orifício exterior do puborrectal, a parte medial, que assume o
colo; atrás com o recto; lateralmente com as aspecto de «ferradura» aberta para o púbis,
artérias e plexos venosos vesicovaginais. passando atrás da união anorrectal e limitan-
do o hiato urogenital; pubococcígeo, a parte
4.9. MEIOS DE FIXAÇÃO intermédia, mais larga, que se une à contra-
lateral na linha média atrás do ânus, forman-
Os meios principais de fixação são os que do uma rafe fibrosa, o ligamento anococcí-
resultam da interacção do músculo eleva- geo; iliococcígeo, a parte póstero-lateral do
dor do ânus (MEA) com o tecido conjuntivo MEA que se estende do arco tendinoso e da
que une o colo do útero às paredes da pélvis espinha isquiática ao corpo anococcígeo1,8,9.

14 Capítulo 1
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sacro
osso
osso coxal
coxal
músculo coccígeo
arco tendinoso do
parte ilicoccígea do músculo elevador
músculo elevador do ânus do ânus

arco tendinoso do
músculo elevador
do ânus R

canal obturador H
parte pubococcígea do
músculo elevador do ânus
músculo
parte puborrectal do obturador interno
músculo elevador do ânus

Figura 12. Vista superior do diafragma pélvico feminino (esquema). R: orifício para a passagem da transição
anorrectal; H: hiato urogenital para a passagem da uretra e da vagina.

uretra
vagina

arco tendinoso do
3 músculo elevador
do ânus

Figura 13. Vista inferior do diafragma pélvico feminino (esquema). 1: partes puborrectal e pubococcígea do
músculo elevador do ânus; 2: parte iliococcígea do músculo elevador do ânus; 3: músculo coccígeo.

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 15


O MEA sustenta as vísceras pélvicas e é a es- ces laterais do recto. Unem-se entre si atrás
trutura mais importante da continência fecal do colo do útero por uma prega transversal,
e urinária, porque a sua contracção em con- o Torus uterinus, formando uma ferradura

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junto diminui as dimensões do hiato uroge- aberta para trás. Eles transportam também
nital, fecha a curvatura anorrectal e desloca- alguns nervos autónomos.
a para a frente e para cima. Os ligamentos cardinais (ou cervical transver-
O corpo perineal é uma estrutura fibromus- so ex. Mackenrodt) são formados por tecido
cular piramidal ímpar, de base inferior situada fibromuscular que envolve os vasos e nervos
no centro do períneo entre o orifício da vagi- que se estendem transversalmente da parede
na e o canal anal. O vértice da pirâmide está póstero-lateral da pélvis (junto da origem dos
na união do terço médio e inferior da vagina, vasos ilíacos internos) até ao útero, relaciona-
por baixo dos MEA, num local onde a vagina dos com a base dos ligamentos largos.
sofre uma angulação. Resulta do entrecruza- Este sistema de suspensão mantém o centro
mento na linha média de ligamentos (mem- do útero na posição normal, obrigando-o
brana perineal) e músculos do períneo (pu- a retomá-la quando se afasta por qualquer
bococcígeos, transversos). Suporta a vagina e motivo. Por outro lado também suspende a
indirectamente sustenta o colo do útero. parede anterior do recto e a face inferior da
A vagina insere-se em todo o contorno do bexiga, que acompanham os deslocamentos
colo do útero a nível da parte superior da uterinos2,6,7,10.
sua parede anterior. Por isso, o maior eixo do
útero (oblíquo para baixo e para trás) faz um 4.9.3. MEIOS DE ORIENTAÇÃO
ângulo quase recto com o da vagina (oblí-
quo para baixo e para diante). Deste modo, Inserem-se no corpo do útero e limitam a sua
o aumento da pressão abdominal tende a mobilidade, assegurando apenas a direcção
diminuir aquele ângulo e a empurrar o útero do órgão. Não têm função útil de suporte.
contra a parede posterior da vagina, ela pró- Os ligamentos teres do útero ou redondos
pria sustentada pelo corpo perineal. (lig. teres uteri)5,12 são dois cordões com 12
a 15 cm de comprimento, 2 a 5 mm de ca-
4.9.2. SUSPENSÃO libre e podem suportar 600 a 900 gramas.
Inserem-se nos cornos do útero por baixo e
As lâminas sacro-recto-genito-púbicas são à frente das tubas, percorrem o trajecto in-
duas formações fibromusculares sagitais, para- guinal e fixam-se ao púbis e ao tecido celular
medianas, localizadas no tecido celular subpe- subcutâneo dos grandes lábios.
ritoneal, por cima dos MEA, de cada lado do Os ligamentos largos (lig. latum uteri)5,12 são
colo supravaginal e da cúpula vaginal onde se formados pela sobreposição de dois folhetos
fixam. Incluem os ligamentos pubocervicais peritoneais que revestem as faces do útero,
à frente e os uterossagrados atrás, reforçados estendendo-se dos seus bordos laterais até
pelos ligamentos cardinais. O útero coloca-se às paredes laterais da pélvis onde se continu-
vertical e perpendicularmente entre as duas am com o peritoneu parietal. Cada ligamento
lâminas tal como um «ginasta a praticar barras tem duas faces e quatro bordos. A face ântero-
paralelas», apoiando-se nelas a nível do istmo. inferior olha para a bexiga e é levantada pelo
Os ligamentos pubocervicais estendem-se da ligamento redondo. A face póstero-superior
face posterior do púbis até ao útero, passando relaciona-se com o recto, sendo elevada pelo
de cada lado da uretra (por baixo da bexiga). mesovário e pelos ligamentos útero-ovárico e
Os ligamentos uterossagrados (ou recto- tubo-ovárico. O bordo medial relaciona-se com
uterinos, ex. pregas de Douglas) estendem- o bordo lateral do útero e contém os vasos ute-
se do sacro obliquamente para a frente e rinos. O bordo lateral dos ligamentos insere-se
para baixo até ao útero, contornando as fa- na parede lateral da pélvis, é estreito na porção
16 Capítulo 1
superior por onde recebe os vasos ováricos e panha de forma helicínea, passa atrás do liga-
alarga-se progressivamente na parte inferior. O mento redondo e termina emitindo as artérias
bordo superior estende-se do ângulo superior tubária interna (que no mesosalpinge se anas-

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do útero até à parede pélvica, sendo ocupado tomosa com a tubária externa), ovárica interna
pela tuba e mais lateralmente pela terminação (que no mesovário se anastomosa com a ová-
do ligamento suspensor do ovário, a partir do rica externa) e um ramo para o fundo do útero.
local em que a tuba abandona o bordo e deixa Durante o seu trajecto emite ramos colaterais
cair o infundíbulo sobre o ovário. O bordo infe- ureterais, vesicais inferiores, cervicovaginais,
rior é largo, determinado pelo afastamento das uterinos ao longo do bordo lateral do útero e
duas lâminas que constituem o ligamento. um ramo para o ligamento redondo.
Cada ligamento largo tem duas porções: um
andar superior, o mesossalpinge, imediata- 4.10.2. ARTÉRIA OVÁRICA
mente por baixo da tuba, fino e flutuante,
que acompanha o útero em todos os seus A artéria ovárica é ramo colateral da aorta, di-
deslocamentos; um andar inferior, o meso- rige-se para baixo e para fora, cruza à direita a
métrio, denso e espesso, separado do supe- veia cava inferior e à esquerda o músculo pso-
rior pelo mesovário (prolongamento poste- as. Passa à frente do uréter e desce no ligamen-
rior do ligamento largo). to suspensor do ovário, terminando no pólo
O paramétrio é o tecido conjuntivo situado na superior deste por divisão dicotómica nas ar-
espessura da base do ligamento largo junto térias tubária externa e ovárica externa (que se
do corpo e das partes inferiores do útero e que anastomosam com as homónimas internas).
contém: os ligamentos cardinais, uterossagra-
dos e pubocervicais, os vasos e nervos uterinos 4.10.3. ARTÉRIA DO LIGAMENTO REDONDO
e o uréter que atravessa obliquamente a porção
externa da base do ligamento largo para a fren- A artéria do ligamento redondo nasce da
te e para dentro. O paramétrio continua-se para artéria epigástrica inferior e percorre o liga-
baixo ao longo da parede da vagina, passando mento redondo até ao útero, onde se une
a denominar-se paracólpio (paracolpium)5,12. com um ramo da uterina4.

4.10. VASCULARIZAÇÃO ARTERIAL 4.11. DRENAGEM VENOSA

O útero é vascularizado principalmente pe- De cada lado do útero há um plexo venoso


las artérias uterinas e acessoriamente pelas muito rico, o plexo uterovaginal, que acom-
artérias ováricas e do ligamento redondo. panha a artéria uterina e que comunica pos-
teriormente com as veias rectais e anterior-
4.10.1. ARTÉRIA UTERINA mente com o plexo vesical. O plexo drena
também pela pudenda interna para a ilíaca
A artéria uterina origina-se da ilíaca interna e interna. Acessoriamente drena pelas veias
termina a nível do corno do útero. Tem um com- ováricas externas para a ovárica e pelas veias
primento de 13 a 15 cm. Após a sua origem do ligamento redondo para a veia epigástrica
caminha ao longo da parede lateral da pélvis inferior. A ovárica direita drena directamente
menor, depois inflecte-se transversalmente para a veia cava inferior, enquanto que a es-
para dentro no bordo inferior do ligamento querda drena para a veia renal esquerda4.
largo, em direcção ao colo do útero. O uréter
caminha aqui obliquamente para diante e 4.12. DRENAGEM LINFÁTICA
para dentro, cruzando a artéria por detrás a 2
cm de distância do bordo lateral do colo. Atin- A drenagem linfática faz-se para um plexo pe-
ge depois o bordo lateral do útero que acom- riuterino subperitoneal, localizado principal-
Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 17
mente nos bordos laterais e parede posterior do vaginais que caminham na espessura dos
útero. Daqui há vias preferenciais de drenagem ligamentos cardinais com as artérias uteri-
em função do território uterino: a parte supe- nas, provenientes dos plexos hipogástricos

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rior do corpo e do fundo drena para os G látero- inferiores direito e esquerdo. Os aferentes
aórticos homolaterais através de linfáticos que simpáticos destes plexos são os nervos
acompanham os vasos ováricos e acessoria- intermesentéricos e os esplâncnicos lom-
mente para G inguinais superficiais através dos bares (que passam no plexo hipogástrico
ligamentos redondos; a parte inferior do corpo superior e nos nervos hipogástricos) e os
drena para os G ilíacos externos; o colo drena nervos esplâncnicos sagrados (vindos da
para G ilíacos externos e internos (em particular cadeia simpática látero-vertebral). O útero
os obturadores) e pré-sagrados (estes através recebe também ramos simpáticos do plexo
dos ligamentos uterossagrados)4. ovárico que caminha no ligamento suspen-
sor do ovário.
4.13. INERVAÇÃO A inervação parassimpática é proveniente
dos nervos esplâncnicos pélvicos (ex. ner-
A inervação é meramente vegetativa e vos erigentes) que nascem das raízes dos
feita principalmente pelos nervos utero- 2o, 3o e 4o nervos sagrados3.

uréter
ligamento
recto uterossagrado
artéria uterina

la
t

r
ú

artéria
obturadora

Figura 14. Vista superior da vascularização dos órgãos pélvicos femininos (esquema). b: bexiga; la: ligamento
largo; o: ovário; r: ligamento teres; t: tuba uterina; ú: útero.

18 Capítulo 1
o

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artéria
uterina ú

la

artéria la
uterina

Figura 15. Vascularização dos órgãos pélvicos femininos frescos de cadáver. la: folheto posterior do ligamento
largo dissecado; o: ovário; t: tuba uterina; ú: útero; v: vagina.

g. pré-aórtico
g. ovárico

g. pré-sagrado g. ilíaco
interno

o
t ú
g. ilíacos
externos
la
g. obturador

g. inguinais g. inguinais
profundos superficiais

Figura 16. Vasos e gânglios linfáticos dos órgãos pélvicos femininos (esquema). la: ligamento largo; b: bexiga;
o: ovário; t: tuba uterina; ú: útero; v: vagina.

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 19


pl. inter-
mesentérico
tronco simpático

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látero-vertebral

pl. hipogástrico
nervos superior
hipogástricos

pl. ovárico

pl. hipogástrico
inferior
nervos
esplâncnicos t
pélvicos
o b

Figura 17. Inervação dos órgãos pélvicos femininos (esquema). b: bexiga; o: ovário; t: tuba uterina; ú: útero.

pl. hipogástrico
superior

nervos
hipogástricos p

Figura 18. Inervação dos órgãos pélvicos femininos (dissecção em cadáver). p: promontório após secção do
peritoneu parietal posterior; s: sacro.

20 Capítulo 1
nervos

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hipogástricos

p
s

s nervos
esplâncnicos
pélvicos

pl. hipogástrico
inferior

recto

Figura 19. Inervação dos órgãos pélvicos femininos (dissecção em cadáver). p: promontório após secção do
peritoneu parietal posterior; s: sacro.

5. VAGINA 5.4. RELAÇÕES

É um canal musculomembranoso ímpar e A metade superior da vagina está acima do


mediano que se estende do colo do útero pavimento pélvico e envolvida pela fáscia
até ao vestíbulo da vulva. A metade superior visceral endopélvica. A metade inferior está
está situada na pélvis menor e a metade in- relacionada com os bordos mediais dos mús-
ferior no períneo. culos elevadores do ânus. A distensibilidade
das suas paredes permite palpar pelo toque
5.1. FORMA vaginal as espinhas isquiáticas, o promontó-
rio e muitos tumores pélvicos.
A vagina é cilíndrica, achatada no sentido A parede anterior olha para a frente e para
ântero-posterior, geralmente colapsada es- cima, estando relacionada com a bexiga e com
boçando um «H» em corte transversal. a uretra. Posteriormente está separada do rec-
to pelo fundo de saco rectovaginal em cima
5.2. DIRECÇÃO e pela fáscia peritoneoperineal (ou septo rec-
tovaginal) em baixo (geralmente fina ou ine-
A vagina é oblíqua para baixo e para diante, for- xistente). O corpo perineal (ex. núcleo fibroso
ma um ângulo de 70o com o plano horizontal, central do períneo) separa-a do canal anal.
excepto o seu terço distal que é quase vertical. Lateralmente está relacionada com os para-
métrios, músculos elevadores do ânus, bulbos
5.3. COMPRIMENTO vestibulares e músculos bulbo-esponjosos.
A extremidade superior ou cúpula fixa-se ao
A vagina tem 7 a 9 cm, com 3 mm de espes- colo do útero circunferencial e intimamente
sura média. pela parte superior da sua face anterior e por

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 21


isso a parede anterior da vagina tem 7-8 cm — Um espessamento bilateral oblíquo da fás-
de comprimento e a posterior tem 9 cm. A in- cia endopélvica (em forma de «fita») que
serção vaginal delimita com o colo do útero une os bordos laterais da vagina ao «arco

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um fundo de saco anular, o fórnix da vagina. A tendinoso» da fáscia pélvica (espessamen-
parte posterior do fórnix é mais profunda do to das fáscias que cobrem os músculos ob-
que a anterior, relacionando-se com o fundo turador interno e elevador do ânus e que
de saco rectovaginal. se dispõe da frente para trás, desde o arco
A extremidade inferior corresponde ao orifí- púbico até à espinha isquiática).
cio da vagina (introitus), ao hímen ou às ca- — Músculos elevadores do ânus que supor-
rúnculas himeniais1,8,9. tam o terço distal da vagina e o canal anal.
— O corpo perineal, atrás do terço distal da
5.5. MEIOS DE FIXAÇÃO vagina (ver descrição detalhada atrás a
propósito do útero).
A vagina é solidária com o pavimento pél- — A fáscia pubovesicocervical que se es-
vico e com o períneo, sendo o seu suporte tende (de trás para a frente e de cima
principal resultante da interacção entre os para baixo) desde a fáscia endopélvica
músculos elevadores do ânus e o tecido que que rodeia a região do colo do útero
a une bilateralmente às paredes da pélvis. (onde também se inserem os ligamentos
Em pormenor ela fixa-se por: cardinais e uterossagrados) até ao púbis;
— Ligamentos cardinais (ou cervicais trans- ela forma à frente da vagina uma cama-
versos) e uterossagrados que suspendem da fibrosa horizontal de sustentação por
o terço superior da vagina acima do plano baixo da bexiga e da uretra, prevenindo
dos elevadores; se estes ligamentos esti- o cistocelo. Em muitos casos a parte des-
verem intactos o colo do útero desloca-se cendente desta última fáscia é fina ou
pouco lateralmente ao toque vaginal. mesmo inexistente como tal.

la ligamento
uréter la cardinal com

artéria
1
} 1
vasos uterinos

vaginal
uréter
fáscia 4
pélvica 4 prolongamento
2 2 anterior da
v fossa ísquio-anal

raiz do
clítoris 3 3 tuberosidade
isquiática
m. ísquio-
cavernoso

m. bulbo-
esponjoso bulbo
pequenos vestibular
lábios

Figura 20. Vista anterior dos órgãos pélvicos femininos (esquema). la: ligamento largo; v: vagina; 1: arco tendinoso do
músculo elevador do ânus; 2: músculo elevador do ânus; 3: membrana perineal; 4: músculo obturador interno.

22 Capítulo 1
5.6. CONFORMAÇÃO INTERIOR — O espaço vesicovaginal, que se estende
até à união da uretra com a vagina.
A conformação interior da vagina é constitu- — O espaço rectovaginal estende-se atrás

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ída por pregas transversais e colunas longi- da vagina desde o fundo de saco recto-
tudinais paramedianas anterior e posterior. vaginal até ao vértice do corpo perineal.

5.7. VASCULARIZAÇÃO ARTERIAL


6. VULVA
A parte superior da vagina por ramos des-
cendentes ou cervicais da artéria uterina; a A vulva é o conjunto dos órgãos genitais exte-
parte média pela artéria vaginal e por ramos riores, que incluem formações labiais (monte
da rectal média (provenientes da ilíaca in- púbico, grandes e pequenos lábios), vestíbu-
terna); a inferior pela vaginal e por ramos da lo ou espaço interlabial, órgãos erécteis (clíto-
pudenda interna4. ris e bulbos vestibulares) e glândulas anexas
(glândulas vestibulares maiores e menores).
5.8. DRENAGEM VENOSA
6.1. FORMAÇÕES LABIAIS
Faz-se para plexos situados de cada lado da
vagina e daqui para os plexos uterinos, veias 6.1.1. MONTE PÚBICO
rectais médias e pudendas internas, todos
tributários das veias ilíacas internas4. O monte púbico é a saliência arredondada,
proeminente, constituída por tecido fibro-
5.9. DRENAGEM LINFÁTICA adiposo, situada à frente da sínfise púbica,
triangular de base superior, coberta de pêlos
Da parte superior da vagina faz-se para G após a puberdade.
ilíacos internos e externos (através de va-
sos linfáticos que acompanham as artérias 6.1.2. GRANDES LÁBIOS
uterinas); da parte média para G ilíacos
internos (por linfáticos que acompanham Os grandes lábios são duas pregas cutâneas
as artérias vaginais); da parte inferior para alongadas de diante para trás e achatadas
G sagrados, ilíacos comuns e inguinais transversalmente, representando os análo-
superficiais4. gos do escroto. A união das suas extremida-
des forma as comissuras anterior e posterior.
5.10. INERVAÇÃO O bordo superior é aderente e o inferior é
livre e limita com o oposto a rima pudenda.
A inervação da vagina faz-se pelo plexo hi- Nas suas espessuras fibro-adiposas terminam
pogástrico e na extremidade distal pelo ner- os ligamentos redondos. Possuem um tecido
vo pudendo3. celular subcutâneo semelhante ao da parede
abdominal anterior. Esse tecido é constituído
5.11. ESPAÇOS POTENCIAIS por uma camada adiposa superficial e por
uma membrana profunda denominada fáscia
Os espaços «potenciais» são preenchidos só perineal superficial (ex. fáscia de Colles)5,12. Esta
por tecido laxo facilmente dissecável: fáscia insere-se lateralmente nos ramos isquio-
— O espaço vesicocervical está logo por bai- púbicos e atrás na membrana perineal, evitan-
xo da reflexão peritoneal que forma o fun- do a propagação de fluidos patológicos do es-
do de saco vesico-uterino, continuando- paço perineal superficial para as coxas ou para
se mais abaixo pelo espaço vesicovaginal. a metade posterior do períneo. Anteriormente

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 23


a fáscia não tem inserção nos corpos dos púbis unidos por tecido fibroso (sinequias) cuja
nem na sínfise, continuando-se para a parede lise requer tratamento adequado.
abdominal anterior, o que facilita a comunica-

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ção entre ela e o períneo anterior. 6.1.4. VESTÍBULO

6.1.3. PEQUENOS LÁBIOS O vestíbulo é o espaço alongado entre os pe-


quenos lábios que se estende do clítoris até ao
Os pequenos lábios são duas pregas com freio dos pequenos lábios. Entre o orifício vagi-
aspecto de mucosa, alongadas de diante nal e o freio existe a fossa vestibular (navicular).
para trás e achatadas transversalmente, de O vestíbulo possui várias aberturas: da uretra,
forma e tamanho variáveis. Representam os da vagina, das glândulas vestibulares maiores
análogos do corpo esponjoso no homem. (ex. Bartholin)5,12 e menores. O orifício uretral
O bordo inferior é livre, estando o superior externo ou meato está situado à frente do
aderente e relacionado com o músculo bul- orifício da vagina, 2,5 cm abaixo do clítoris. O
bo-esponjoso e com os bulbos vestibulares. orifício vaginal tem aspecto variável de acordo
As suas extremidades posteriores podem com a morfologia do hímen. O hímen é uma
estar unidas aos grandes lábios ou estão membrana mucosa que encerra parcialmente
unidas entre si por uma prega transversal, o orifício vaginal, de forma variável (semilunar,
o freio dos pequenos lábios (frenulum labio- septado, cribiforme, franjado, etc.) que ocasio-
rum pudendi). As extremidades anteriores nalmente não existe. Não tem nenhuma fun-
bifurcam-se em uma parte lateral e outra ção conhecida, mas é responsável por conflitos
medial. As partes laterais unem-se para for- sociais e problemas médico-legais graves. O
mar o prepúcio do clítoris e as partes me- hímen é raramente imperfurado, sendo nesse
diais unem-se para formar o freio do clítoris. caso responsável por hematocolpos (retenção
Em algumas crianças os lábios podem estar de fluxo menstrual e de outras secreções).

A 1 B 1

4 al 4
glande do
clítoris
2
2
2 3 2
3 3 3

hímen

Figura 21. Órgãos genitais exteriores. al: algália; 1: monte púbico com (A) e sem (B) tricotomia prévia; 2: grande lábio;
3: pequeno lábio; 4: prepúcio do clítoris.

24 Capítulo 1
pela união das extremidades anteriores dos
glande do prepúcio dois bulbos vestibulares junto da glande,
clítoris formando a comissura dos bulbos.

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6.2.2. BULBOS VESTIBULARES
meato
uretral Os bulbos vestibulares são órgãos pares ho-

}
mólogos do bulbo e do corpo esponjoso do
pénis situados de cada lado do orifício infe-
rior da vagina e da uretra. Têm 3 cm de com-
c 2
c primento, encontrando-se cobertos pelos
músculos bulbo-esponjosos. As faces pro-
3
fundas relacionam-se com a membrana pe-
1 rineal. As extremidades anteriores dos bul-
1
3 bos formam dois cordões finos que se unem
junto da glande do clítoris. As extremidades
posteriores contactam com as glândulas
vestibulares maiores.

6.3. GLÂNDULAS ANEXAS

Figura 22. Órgãos genitais exteriores. c: carúnculas hime- 6.3.1. GLÂNDULAS VESTIBULARES
niais, vestígios cicatriciais da laceração do hímen; 1: pe- MAIORES EX. BARTHOLIN
queno lábio; 2: vestíbulo; 3: freio dos pequenos lábios.
Estas glândulas são homólogas das glându-
las bulbo-uretrais masculinas (ex. Cowper)5,12.
6.2. ÓRGÃOS ERÉCTEIS São redondas ou ovalares com 0,5 a 0,8 cm de
diâmetro. Estão situadas de cada lado do ori-
6.2.1. CLÍTORIS fício inferior da vagina, por baixo dos bulbos
vestibulares. Os seus canais excretores têm 2
O clítoris é um análogo do pénis desprovido cm de comprimento abrindo-se no vestíbulo
de uretra, situado entre a comissura ante- entre o hímen e os pequenos lábios, às cinco
rior dos grandes lábios e o meato uretral. É e sete horas em posição de decúbito dorsal.
constituído por duas raízes (crus clitoridis)5,12, Durante o coito segregam muco que lubrifi-
corpo e glande. As duas raízes (crura) inse- ca a parte distal da vagina.
rem-se nos ramos isquiopúbicos e unem-se
na linha média do arco púbico para formar o 6.3.2. GLÂNDULAS VESTIBULARES
corpo. Este desenha um ângulo agudo para MENORES EX. SKENE5,12
baixo e para trás, terminando na glande, que
está coberta pelo prepúcio. O corpo está fixo As glândulas vestibulares menores incluem
à sínfise púbica pelo ligamento suspensor glândulas mucosas de dois tipos conforme
do clítoris. O clítoris possui dois corpos ca- a localização: as parauretrais estão situadas
vernosos cujas raízes estão cobertas pelos por baixo da uretra, abrindo-se os seus ca-
músculos isquiocavernosos, que se contra- nais no vestíbulo; as periuretrais localizam-se
em para manter a erecção. O corpo esponjo- por cima da uretra e abrem-se nela. Alguns
so não existe como tal, estando substituído consideram-nas homólogas da próstata.

Anatomia cirúrgica do aparelho genital feminino 25


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prepúcio
glande do
clítoris pequeno lábio

músc. ísquio-
cavernoso
músc. bulbo- arco tendinoso do
esponjoso 4 músculo elevador
do ânus

1 1

2 2

3 3

Figura 23. Vista inferior do diafragma pélvico (esquema). 1: músculo esfíncter externo do ânus; 2: músculo elevador
do ânus; 3: músculo grande glúteo; 4: músculo transverso superficial.

sinfise pública
glande do
clítoris
pequeno lábio
bulbo
vestibular
m. ísquio-
membrana cavernoso
perineal
m. íbulbo-
esponjoso

glândula
vestibular 1 1
maior

Figura 24. Vista inferior do diafragma pélvico (esquema). 1: músculo esfíncter externo do ânus.

26 Capítulo 1
glande do

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clítoris
pequeno lábio

bulbo
vestibular músc. ísquio-
cavernoso

músc. íbulbo-
nervo dorsal 4 esponjoso
do clítoris

1
nervo
perineal 2

nervo pudendo 3 artéria


rectal inferior
artéria
pudenda interna

Figura 25. Vista inferior do diafragma pélvico (esquema). 1: músculo esfíncter externo do ânus; 2: músculo elevador
do ânus; 3: músculo grande glúteo; 4: músculo transverso superficial.

6.4. VASCULARIZAÇÃO ARTERIAL 6.7. INERVAÇÃO

A vascularização arterial é da responsa- A parte cutânea anterior da vulva é inervada


bilidade das artérias pudendas externas pelos nervos ilio-inguinais e ramos genitais
superficial e profunda, ramos colaterais dos genitofemorais. A parte cutânea pos-
da femoral e artérias perineais ramos das terior é inervada pelos ramos perineais dos
pudendas internas (provenientes das ilía- nervos pudendos e dos cutâneos femorais
cas internas)4. posteriores3.

6.5. DRENAGEM VENOSA


Bibliografia
A drenagem venosa faz-se para veias ho-
mónimas das artérias, contudo as veias 1. Agur AMR. Grant atlas de Anatomia. 9.a ed. Panameri-
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topográfica e funcional. 11.a ed. Masson; 2005
11. Schorge JO, Schaffer JI, Halvorson LM, Hoffman BL,
Bradshaw KD. Em: Cunningham FG, ed. Williams Gyne- O autor agradece ao Dr. Luís José Sano Polanco os
cology. McGraw Hill; 2008. esquemas incluídos no capítulo.

28 Capítulo 1
2 Embriologia do aparelho genital
feminino

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
Isabel Torgal e Maria João Carvalho

1. INTRODUÇÃO 2. EMBRIOLOGIA DO OVÁRIO

O desenvolvimento gonádico nos mamífe- A gónada inicia o seu desenvolvimento


ros tem lugar numa etapa precoce da vida na altura em que as células germinativas
fetal. Durante o estádio indiferenciado da primordiais e diferentes tipos de células
embriogénese, da 3ª à 6ª semana, o desen- somáticas migram e se instalam na crista
volvimento do aparelho urogenital e goná- genital localizada num espessamento me-
dico é idêntico em ambos os sexos1. senquimatoso da região ventro-craniana
A diferenciação sexual do embrião decorre em do mesonefros. A crista genital é constitu-
três etapas: a primeira durante a fecundação, ída por células germinativas primordiais e
quando se determina o sexo cromossómico, células somáticas de três tipos de tecidos
que depende do cromossoma sexual do esper- diferentes: epitélio celómico, mesênquima
matozóide; posteriormente o aparelho genital e mesonefros1-3. É a partir de uma interac-
passa por um período indiferenciado no qual a ção bem controlada entre estas diferentes
morfologia dos embriões é idêntica em ambos células somáticas que se irá desenvolver e
os sexos; a diferenciação morfológica inicia-se diferenciar a gónada.
entre as seis e as oito semanas, consoante o As células germinativas e primordiais têm a
sexo cromossómico sendo os genitais internos mesma origem extra-gonadal e extra-em-
os primeiros a diferenciarem-se2. brionária em ambos os sexos e são morfolo-
Embora a embriogénese ovárica e do apa- gicamente idênticas apesar das suas diferen-
relho genital sejam independentes uma da ças citogenéticas. São observadas a partir da
outra, é indispensável a influência gonádica 3ª semana da embriogénese na endoderme
para que a diferenciação dos genitais inter- da vesícula vitelina próximo da evaginação
nos se realize de forma correcta. alantoideia 2 (Fig. 1).

Cavidade amniótica
Ectoderme

Atlantóide Mesonefros
Células germinativas Intestino primitivo
Saco vitelino Crista genital

Figura 1. Migração das células germinativas primordiais através do intestino primitivo até à crista genital.

29
O mecanismo que desencadeia a migração inicia-se às seis semanas da embriogénese,
das células germinativas para a área da futu- enquanto que a do ovário só se verifica no
ra gónada não é conhecido, mas é provavel- final da 8ª semana5. A partir das oito sema-

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mente orientado por influências quimiotác- nas da embriogénese, o ovário vai iniciar
ticas através de substâncias produzidas pela a sua diferenciação com a regressão dos
crista genital em desenvolvimento4,5. canais de Wolff, simultaneamente com o
O desenvolvimento gonádico inicia-se desenvolvimento das vias genitais femi-
na 5ª semana de vida fetal. Entre as três e ninas a partir dos canais de Müller, que se
cinco semanas, por um processo de dupla desenvolvem externa e paralelamente aos
migração, as células germinativas vão che- canais de Wolff.
gar à sua localização definitiva por migra- A gónada indiferenciada é idêntica em am-
ção passiva ligada ao enrolamento ventral bos os sexos e a masculinização terá que se
do embrião durante a 4ª semana e depois, impôr para escapar ao desenvolvimento no
durante a 5ª semana, por movimentos ami- sentido feminino5. Nem as gonadotrofinas,
bóides através do mesentério dorsal do in- nem as hormonas esteróides vão actuar na
testino posterior3. Localizam-se finalmente diferenciação sexual da gónada. A gónada
de cada lado na crista genital, sob o epitélio será um testículo ou um ovário consoante
celómico que reveste uma condensação do o sexo genético do indivíduo e irá criar um
tecido mesenquimatoso. ambiente hormonal adequado para o nor-
Durante a migração as células germinativas mal funcionamento dos mecanismos de re-
dividem-se mitoticamente até às 28 semanas trocontrolo responsáveis pelo seu correcto
da embriogénese 4. O seu número aumenta, funcionamento5,6. A diferenciação em testí-
por vezes exponencialmente, atingindo um culo ou ovário vai ser acompanhada da ma-
pico de actividade às 20 semanas. Nesta fase turação das células germinativas primordiais
a crista genital já está completamente colo- em células germinativas com características
nizada por seis a sete milhões de células ger- sexuais dimórficas.
minativas primordiais, morfologicamente O mesênquima da futura gónada vai ser in-
idênticas em ambos os sexos, que irão ficar vadido por células germinativas primordiais,
incorporadas em folículos em diferentes eta- células de origem mesonéfrica e células do
pas da foliculogénese. É neste momento da epitélio celómico, todas elas indispensáveis
diferenciação ovárica que se vai encontrar o para uma correcta diferenciação7.
maior número de ovogónias durante toda a A diferenciação da gónada é caracterizada
vida da mulher1,4. pela compartimentalização do tecido go-
Às seis semanas da embriogénese o está- nádico: algumas das células somáticas e as
dio indiferenciado da gónada primitiva está células germinativas irão deslocar-se con-
completo. A diferenciação inicia-se através juntamente para formar um compartimento
de uma delicada interacção entre os compo- específico para as células germinativas: no
nentes somáticos da crista genital: epitélio homem, o tubo seminífero e na mulher o
celómico, mesênquima subjacente e meso- folículo constituído por um ovócito rodeado
nefros5. Nesta fase inicial da diferenciação da por células da granulosa e externamente por
gónada não há qualquer interacção com as uma membrana basal5,7.
células germinativas primordiais, que apenas Às oito semanas a região central do ovário
parecem ter influência numa etapa posterior é invadida pelo mesonefros, que empurra
do desenvolvimento, de forma a assegurar as células germinativas para a periferia fi-
um correcto funcionamento da gónada. cando o córtex ovárico ricamente povoado
O início da diferenciação ovárica é mais tar- por ovogónias e a parte medular por célu-
dio que o da diferenciação testicular. Esta las mesonéfricas. Entre as 6 e as 13 semanas

30 Capítulo 2
os vasos sanguíneos provenientes da par- ferenciação sexual feminina é passiva, pois
te medular do ovário vão irrigar o córtex e se não existir cromossoma Y nem um factor
penetrar nas células epiteliais que rodeiam determinante testicular a diferenciação go-

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as ovogónias e no mesênquima7. As célu- nádica é feminina. Tudo parece indicar que
las diferenciadas a partir dos precursores a determinação sexual da gónada depende
mesonéfricos vão dar origem às células da constituição cromossómica sexual e que,
pré-granulosas e as de origem mesenqui- anomalias cromossómicas afectando os cro-
matosa vão constituir a matriz das células mossomas X e Y durante a meiose, nas cé-
pré-tecais e estroma ovárico5. lulas germinativas, podem interferir com a
Às 12 semamas da embriogénese, antes da diferenciação sexual. O que é certo é que a
completa diferenciação do ovário, já se po- diferenciação testicular é desencadeada por
dem observar figuras pré-meioticas em al- um estímulo masculino e que, na ausência
gumas células germinativas. Às 15 semanas deste, a gónada indiferenciada diferencia-se
5% das ovogónias já iniciaram o processo em ovário8.
meiótico. Às 20 semanas observa-se activi- É indispensável a presença de dois cromos-
dade meiótica máxima nas células germina- somas X activos desde o início da meiose
tivas que é coincidente com o pico de acti- para assegurar a sobrevivência e funciona-
vidade mitótica das mesmas e o número de lidade do ovócito, pois a depleção ovárica
ovócitos é de cerca de 4-5 milhões8. antenatal é regulada por genes localizados
O processo de foliculogénese é contempo- nos braços longos e curtos dos cromosso-
râneo com o início da meiose, decorrendo mas X, cuja integridade é indispensável
desde as 15 semanas, após a diferenciação para a normalidade do processo6. A perda
do ovário, até seis meses após o nascimen- de material genético destas zonas conduz a
to. Os restantes ovócitos ficam com o pro- uma rápida depleção antenatal das células
cesso meiótico interrompido em diploteno germinativas, levando a uma rápida desca-
até à ovulação5. pitalização folicular, como acontece no sín-
Às 28 semanas quase todas as ovogónias ini- droma de Turner, em que as células germi-
ciaram o processo meiótico, existindo nessa nativas degeneram a partir das 12 semanas
fase uma relativa heterogeneidade na matu- de vida fetal.
ração meiótica. No momento do nascimen- Em conclusão, a correcta diferenciação da
to, apenas 5% estão em fase pré-meiótica. gónada depende da interacção entre os seus
Nas restantes ovogónias, apenas 40% estão componentes somáticos às seis semanas e o
em diploteno, estando completa a primeira correcto funcionamento do ovário vai de-
parte do processo meiótico de toda a popu- pender duma interacção entre os compo-
lação germinativa, que passa a ser constituí- nentes somáticos a partir das 15 semanas 8. É
da por ovócitos com a meiose bloqueada em de supor que a diferenciação sexual humana
diploteno8. Na altura do nascimento, o nú- dependa de genes localizados no braço cur-
mero de ovogónias é apenas de 1-2 milhões, to do cromossoma Y, em loci homólogos no
em consequência da deplecção ovocitária cromossoma X e de outros genes localizados
pré-natal que ocorreu num curto espaço de em autossomas. A diferenciação é sempre
tempo às 20 semanas7,8. desencadeada por um estímulo masculino,
Os mecanismos de diferenciação ovárica per- sob controlo genético numa etapa precoce
manecem desconhecidos. Embora a nature- do desenvolvimento embrionário.
za produza muitas excepções um indivíduo A foliculogénese é um processo que per-
portador de um cromossoma Y desenvolve- mite que os folículos ováricos possam ser
rá, normalmente, testículos e características estimulados para evoluir até às etapas
masculinas. Por este motivo se diz que a di- finais do desenvolvimento. Até à fase de

Embriologia do aparelho genital feminino 31


folículo primário a evolução é independen- volvimento do aparelho urogenital é idên-
te do funcionamento do eixo-hipotálamo- tico em ambos os sexos.
hipófise-ovário, ou seja, é independente da Os genitais internos têm pois uma tendên-

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acção das gonadotrofinas. A partir desta cia intrínseca para feminizar. A ausência do
etapa, estas são indispensáveis à formação cromossoma Y, de um testículo funcional e
do folículo pré-antral, embora sem necessi- da hormona anti-Mülleriana (AMH) permite
dade da sua acção cíclica. Por este motivo a manutenção do sistema Mülleriano e o
é que se encontra no ovário fetal o mesmo desenvolvimento das trompas de Falópio,
tipo de folículos do ovário adulto, com ex- do útero e de parte da vagina. Na ausência
cepção dos folículos pré-ovulatórios. Para de testosterona, os canais de Wolff regridem
que o processo de foliculogénese progrida e, na presença de um ovário normal ou na
até esta etapa é necessária a acção cíclica ausência de gónadas, ocorrerá o desenvolvi-
das gonadotrofinas. mento Mülleriano11.
As vias genitais diferenciam-se a partir de
dois sistemas de canais pares: os canais de
3. EMBROLOGIA DAS ESTRUTURAS Wolff no sentido masculino e os canais de
MÜLLERIANAS Müller no sentido feminino9.
Entre a 3ª e a 4ª semana desenvolvem-se
3.1. ESTADO INDIFERENCIADO pequenos tubos, no bordo antero-exter-
no do mesonefros, local da futura gónada.
O testículo fetal tem um papel crucial Estes sistemas tubulares constituem o pro-
na diferenciação masculina dos genitais nefros, que desemboca num canal (o canal
externos e na manutenção dos canais de Wolff ), que se estende do mesonefros
de Wolff através da produção de andro- até à cloaca, onde vai terminar à 5ª semana
génios pelas células de Leydig, mas tem (Fig. 2), ficando incorporado na parte mé-
também um papel igualmente importan- dia da face posterior à 7ª semana11,12. O
te na regressão dos canais de Müller atra- pronefros não é funcional e os seus tubos
vés da hormona anti-Mülleriana (AMH), desaparecem quase inteiramente à quinta
produzida exclusivamente pelas células semana podendo restar, como vestígios, as
de Sertoli9. hidátides de Morgagni9.
Na ausência de hormona anti-Mülleriana, Os canais de Müller diferenciam-se a partir
o feto desenvolverá trompas de Falópio, da 6ª semana, paralela e externamente aos
útero e parte da vagina a partir dos canais canais de Wolff9 e resultam de uma invagi-
paramesonéfricos (canais de Müller). A nação longitudinal do espitélio celómico na
sensibilidade dos canais de Müller a esta face antero-externa do mesonefros.
hormona testicular é um fenómeno tran- Este par de canais persiste até às oito sema-
sitório9,10. A AMH tem que actuar num pe- nas durante o estádio ambissexual do desen-
ríodo crítico da embriogénese, até às oito volvimento. Depois, apenas um par destes
semanas na espécie humana. Este perío- canais persiste e origina um tipo particular
do, programado na etapa final do estádio de canais e glândulas, enquanto que o ou-
ambissexual do embrião, é definido como tro desaparece durante o 3ºmês de vida fetal
a etapa do desenvolvimento em que os deixando apenas vestígios não funcionais11.
canais de Wolff masculinos degeneram Grande parte do desenvolvimento em-
irreversivelmente e os canais de Müller brionário do aparelho genital e urinário
femininos ficarão resistentes à acção inibi- são também simultâneos e interferem um
tória9. Durante o estadio indiferenciado da com o outro nos planos embriológico e
embriogénese, da 3ª à 8ª semana, o desen- anatómico.

32 Capítulo 2
Pronefros Pronefros

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Canal de Wolf Mesonefros
Mesonefros
Conecções urogenitais
Crista genital
Ligamento inguinal
Canal de Wolf
Mesonefros
Botão uretral Esboço uréter
Cloaca Seio urogenital

4.a semana 5.a semana

Canal de Müller
Gónada
Canal de Wolf
Ligamento inguinal

Esboço renal

Seio urogenital

6.a semana

Figura 2. Embriologia. Estado indiferenciado.

Neste estádio os canais mesonéfricos são termine às nove semanas com a migração
chamados canais de Wolff. Os canais para- do rim9.
mesonéfricos pares são chamados canais de Também entre a 4ª e a 7ª semana a cloaca vai
Müller12. septar-se, ficando dividida em duas partes: a
O ureter tem uma origem embriológica di- posterior ou canal ano-rectal e a anterior ou
ferente da do rim. Enquanto que a diferen- seio uro-genital13.
ciação do primeiro se faz a partir do botão
ureteral, emitido à 4ªsemana pelo canal de 3.2. ESTADO DIFERENCIADO
Wolff, próximo da desembocadura na cloa-
ca, a embriogénese do rim é iniciada à 5ª se- O aparelho genital feminino inicia a sua dife-
mana a partir do sistema tubular metanefros renciação a partir dos canais de Müller, que
após ter passado pelos estadios pronéfrico e vão dar origem às trompas, fundindo-se para
mesonéfrico12,13. formar o útero e porção superior da vagina, ao
O botão ureteral continua o seu desenvolvi- mesmo tempo que se inicia a regressão dos
mento normal dado origem ao esboço ure- canais de Wolff9. Este processo começa às oito
teral que só se liga ao esboço renal às seis semanas e termina perto do final da gestação
semanas, embora a embriogénese renal só segundo a seguinte cronologia9,11 (Fig. 3):

Embriologia do aparelho genital feminino 33


Gónada Vestígios
Canal de Wolf

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Canal de Müller

Esboço renal
Canal de Müller

Seio urogenital: Tubérculo de Müller


porção Wolffiana
Seio urogenital Seio urogenital

8.a semana 9.a semana

Figura 3. Embriologia. Estado indiferenciado.

— 8ª semana - os canais de Müller dirigem- pelo afastamento progressivo dos seg-


-se um para o outro, na linha média; mentos proximais das trompas e pelo
— 9ª semana - os canais de Müller estão desenvolvimento do miométrio. Dese-
encostados, mas ainda não iniciaram a nha-se o esboço do colo;
fusão. A extremidade distal encosta, sem — 11ª semana - reabsorção progressiva
abrir, à parede do seio uro-genital, que do septo inter-Mülleriano que separa as
se espessa e dá origem ao tubérculo de duas cavidades, iniciando-se no local do
Müller; futuro istmo, progredindo para cima e
— 10ª semana - dá-se a fusão dos canais para baixo simultaneamente.
de Müller (Fig. 4) segundo um gradien- — 12ª semana - desaparecimento completo
te crânio-caudal, formando-se o canal do septo em condições normais; a partir
útero-vaginal. Os dois tubérculos de desta data inicia-se uma progressiva di-
Müller fundem-se num só. O esboço ferenciação anatómica e estrutural do
uterino começa a perder a forma em V útero até às 40 semanas:

Vestígios
Vestígios Canal de Wolf
Canal de Wolf

Canal de Müller
Canal uterovaginal
Canal de Gartner
Tubérculo de Müller Tubérculo de Müller

Seio urogenital Seio urogenital

10.a semana 11.a semana

Figura 4. Embriologia. Estado indiferenciado.

34 Capítulo 2
— 15ª semana - glândulas cervicais; esboço 4.1. TEORIAS
do orifício externo do colo;
— 16ª semana - desenvolvimento do endo- 4.1.1. TEORIA PURAMENTE SINUSAL

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métrio;
— 17ª semana - diferenciação da produção Exclui a participação Mülleriana na embrio-
cervical do útero; individualização do ist- génese da vagina. A vagina tem origem uni-
mo; diferenciação e organização da pare- camente no seio uro-genital.
de uterina;
— 18ª semana - multiplicação das células 4.1.2. PARTICIPAÇÃO DOS CANAIS DE WOLFF
musculares parietais;
— 19ª semana - diferenciação das glându- Pensa-se actualmente ser possível propôr
las do corpo uterino; um modelo que admita a participação dos
— 20ª semana - identificação da junção ute- canais de Wollf na embriogenése.
ro-tubar e da musculatura uterina; mio- Está definido que a extremidade distal dos
métrio quase definitivo; canais de Wolff se incorpora na parede dorsal
— 22ª semana - o colo atinge os 10 mm; do seio urogenital no decurso da 7ª semana14.
— 24ª semana - diferenciação completa das A participação da incorporação dos canais de
camadas musculares do útero; Wolff na formação dos bolbos seio-vaginais foi
— 25ª semana - o fundo uterino perde a for- estudada por numerosos autores e evoca uma
ma em V; participação wolffiana directa ou indutora no
— 34ª semana - o colo atinge os 35 mm; seu desenvolvimento (Fig. 5). Os bolbos seio-
Às 40 semanas o útero inicia a anteversão e o vaginais vão proliferar e fundir-se entre eles
esboço da anteflexão e as relações peritoneais e com a porção caudal dos canais de Müller
e anatómicas já são idênticas às do adulto. após a sua fusão, formando a placa vaginal9,
cujo crescimento orientado de cima para bai-
xo, afasta o esboço uterino do seio uro-genital.
4. EMBRIOLOGIA DA VAGINA O tubérculo de Müller (espessamento do seio
uro-genital induzido pelos canais de Müller
A origem embriológica da vagina tem sido quando entram em contacto com o seio uro-
objecto de numerosas controvérsias, existin- genital às (nove semanas) vai desaparecer ou
do várias teorias para a explicar. vai ser incorporado na placa vaginal9.

Canal de Müller

Fusão dos canais de Müller


Útero

Formação dos bolbos


seiovaginais Fusão dos bolbos
Seio urogenital do seiovaginais
placa vaginal
Botão da glândula
vestibular Glândula de Bartholin
Seio urogenital

Figura 5. Embriologia da vagina. Participação Wolffiana I.

Embriologia do aparelho genital feminino 35


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Útero

Colo

Canalização da Vagina
placa vaginal

Híman
Vestíbulo

Figura 6. Embriologia da vagina. Participação Wolffiana II.

A cavitação da placa vaginal é iniciada às 11 se- 4.1.3. TEORIA MISTA


manas até ao fim do quinto mês segundo um
gradiente caudo-cefálico. O epitélio de origem Admite que a vagina tem uma origem dupla,
sinusal recobre inicialmente toda a parede va- Mülleriana e sinusal. O terço superior pro-
ginal e depois da 17ª semana recobre inicial- vém da parte distal dos canais de Müller e os
mente o exocolo14 (Fig. 6). A linha de junção dois terços inferiores são de origem sinusal.
dos epitélios sinusal e mülleriana localiza-se Segundo a teoria mista, a lâmina epitelial é
provavelmente no orifício interno do colo9. o primum movens da embriogénese vaginal9.

Espessamento dos Canais de Müller


Canal uterovaginal Lâmina epitelial
Proliferação sínusal Transformação malpiguiana das
paredes da vagina
Seio urogenital
Seio urogenital
14.a semana 15.a semana

Cavitação da lâmina epitelial


Tubérculo de Müller
Seio urogenital

16. semana
a

Figura 7. Embriogénese vaginal. Teoria mista.

36 Capítulo 2
Esta lâmina é constituída pela fusão dos dois 3. Roura LC. - Tratado de Ginecologia, Obstetricia e Medi-
cina de la Reproduction (2003)
tubérculos de Müller, que são as prolifera- 4. Byscov AG. (1981). Production of germ cells and re-
ções de origem sinusal induzidas pelo canal gulation of meiosis. Bioregulators of Reproduction.

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109-116.
de Müller quando este entra em contacto 5. Byscov AG. (1978). Regulation of initiation of meiosis
com o seio urogenital às 10 semanas (Fig. 7). in fetal gonads. Intern. Journ. of Andrology. Supplem
2: 29-37
A lâmina epitelial vaginal sobe progressiva- 6. Ohno S. (1979). Testis organizing H-Y antigen and the
mente e ocupa o lúmen do canal útero-vagi- primary sex determining mechanisms of mammals.
Recent progress in hormone research.35: 449-476.
nal14 . Na parte superior alarga, formando os 7. Zamboni L. (1990). Overview of Embryological and Fe-
bolbos seio-vaginais, futuros fundos de saco tal development of the ovary and the testis. Plenum
Press. Cap. 2. 15-22.
vaginais. Em seguida produz-se a cavitação, 8. Torgal I. (1991). Meiose ovocitária humana. Factores
de cima para baixo, descobrindo o relevo reguladores (estudo experimental). Tese de Doutora-
mento: 22-50.
cervical intra-vaginal e os fundos de saco e a 9. Berek J (2006) Berek & Novak´s Gynecology. Lippin-
parte média e inferior da vagina14,15. cott Williams & Wilkins; Fourteenth Edition edition,
Cap.I.
Todas as teorias têm bases de suporte, mas 10. Buttram, VC. Jr and Gibbons, W.E. (1979) Müllerian
não é possível aceitar a exclusividade de anomalies: a proposed classification (an analysis of 144
cases). Fertil. Steril., 32, 40–45.
uma delas, pois não conseguem explicar 11. Acién P (1992) Embryological observations on the
cabalmente determinadas malformações female genital tract, Human Reproduction 7(4):
437-445
vaginais que se associam a malformações 12. Gidwani G, Falcone T (1999) Congenital Malformations
uterinas, como se verá noutro capítulo. of the female genital tract: Diagnosis and Manage-
ment. Lippincott Williams & Wilkins 1st edition.
13. Edmonds D Congenital malformations of the geni-
tal tract (2000) Obstet Gynecol Clin North Am. 27(1):
49-62.
Bibliografia 14. Heller DS (2005) Lower genital tract disease in children
and adolescents--a review. J Pediatr Adolesc Gynecol
1. Wassarman PM. (1988). Fertilization in mammals. 18(2):75-83.
Scientific american: 52-58. 15. Spence J (1998) Vaginal and uterine anomalies in the
2. Barriére P. (1990)-Embryologie de l’appareil genital femi- pediatric and adolescent patient. J Pediatr Adolesc Gy-
nin. Encyclopedie Medico-Chirurgicale. 110 A, 10:1-11 necol. 11(1):3-11

Embriologia do aparelho genital feminino 37


38
Capítulo 2
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3 Fisiologia do ovário
e da fecundação

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Teresa Almeida Santos

1. INTRODUÇÃO é muito eficiente nos primatas em que se


verifica um grande investimento na produ-
Os ovários, tal como os testículos, são glân- ção de ovócitos antes do nascimento para
dulas endócrinas cuja função não se limita apenas uma pequena fracção destes atingir
à secreção de hormonas para a circulação a maturação total e a ovulação, ao longo da
sistémica. O ovário é o órgão onde se pro- vida reprodutiva.
duzem as células germinais femininas, as- A função endócrina dos ovários, produzin-
segurando a sua maturação e libertação a do estrogénios e progesterona, sincroniza
intervalos regulares, durante a idade repro- a actividade do tracto genital e da glândula
dutiva da mulher, de um gâmeta capaz de mamária com o ciclo ovulatório permitindo,
ser fecundado. assim, a libertação cíclica de um ovócito.
As duas funções fisiológicas básicas associa- No ovário identificam-se duas zonas, uma
das ao funcionamento dos ovários são a ga- periférica designada córtex e uma outra
metogénese e a esteroidogénese e estão in- central denominada medula. O córtex pos-
timamente ligadas. A primeira consiste num sui numerosos folículos em diversos está-
conjunto de processos maturativos que cul- dios de desenvolvimento, corpos amarelos
minam com a libertação de um ovócito ma- e corpus albicans formados por regressão
duro, apto para ser fecundado. A segunda é a dos anteriores (Fig. 1).
síntese e libertação de hormonas esteróides.
Estas duas funções processam-se ao nível da
unidade fundamental e funcional do ovário,
o folículo, constituído pelo ovócito (célula
germinal com origem extra-embrionária e
endodérmica) rodeado por várias camadas 6
7 5
de células especializadas que constituem a
1 3
granulosa e a teca e situado no seio de um 4
2
estroma conjuntivo.
A ovogénese é um processo gradual atra-
vés do qual as propriedades necessárias
à expressão da competência do desen-
volvimento são adquiridas em sucessivos
estádios de diferenciação e que envolve Figura 1. Esquema do ovário humano mostrando os
mecanismos reguladores a vários níveis, de diferentes estádios do desenvolvimento do ovócito.
forma a permitir o crescimento e maturação 1: folículos primordiais; 2: folículo primário; 3: folículos
de uma única célula destinada a assegurar a antrais; 4: folículo pré-ovulatório; 5: ovulação; 6: corpus
continuidade da espécie. Este processo não luteum; 7: corpus albicans.

39
O desenvolvimento folicular inicia-se na par- minais para iniciar o seu crescimento, até à
te mais interna do ovário pelas 15 semanas sua involução atrética ou, muito menos fre-
de gestação. O encapsulamento do ovócito quentemente, à sua expulsão do ovário na

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no interior do folículo impede o processo de ovulação. Podem distinguir-se neste processo
atrésia e permite que o ovócito se mantenha as seguintes fases: iniciação, crescimento pré-
bloqueado no estádio de diplóteno da pro- antral, recrutamento, selecção e dominância.
fase I porque se mantém em contacto com Cada uma das etapas corresponde a um esta-
factores inibidores da meiose, produzidos do morfológico particular do folículo.
pelas células da granulosa e que chegam Estes processos têm início na vida fetal e
ao citoplasma do ovócito via gap-junctions1. caracterizam-se morfologicamente pelo au-
O córtex de um ovário humano apresenta mento do tamanho do ovócito, pelo acrés-
um número finito de células germinativas cimo do número de células da granulosa e,
primordiais, número que vai decrescendo consequentemente, o aumento do tamanho
ao longo da vida do indivíduo do sexo femi- do folículo.
nino, como consequência das ovulações e
atrésia. Aos seis meses de gestação, os ová- 2.1.1. INICIAÇÃO E CRESCIMENTO PRÉANTRAL
rios contêm cerca de sete milhões de células
germinativas ou ovogónias; no momento Durante a vida reprodutiva há permanen-
do nascimento subsistem apenas cerca de temente folículos a entrar em crescimento
dois milhões e a redução da população de (cerca de 15 por dia aos 20 anos e apenas
células germinativas continua até que, por um número muito reduzido aos 40 anos).
altura da menarca, existem apenas cerca de Um folículo destinado a evoluir até à ovu-
300.000 folículos. A «perda» de folículos por lação inicia o seu crescimento 85 dias antes
atrésia é contínua, sofrendo uma aceleração de atingir a maturação completa, não sendo
acentuada por volta dos 38 anos, existindo, ainda completamente conhecido o meca-
nessa altura, apenas cerca de 1.000 folículos. nismo desta iniciação que é independente
Inicia-se, então um decréscimo da função das gonadotrofinas. A FSH exerce apenas
endócrina, começando a mulher a entrar uma influência permissiva após o início da
no climatério2. Associada a este processo, maturação folicular.
ocorre também uma redução da qualidade No ovário da mulher jovem, os folículos pri-
ovocitária na qual poderá estar implicada a mordiais (Fig. 2) são os mais numerosos,
uma disfunção mitocondrial3. A data exac- constituindo a população a partir da qual
ta da menopausa é determinada quer pela uma coorte inicia o processo de maturação.
quantidade inicial de células germinativas, O folículo primordial é composto por um
quer pela sua depleção ao longo da vida. ovócito primário envolvido por uma camada
No mundo ocidental a idade média em que de células epiteliais achatadas e mede apro-
ocorre a menopausa situa-se nos 51 anos2. ximadamente 25 μm de diâmetro, apresen-
tando um núcleo volumoso e um citoplasma
relativamente reduzido em relação ao volu-
2. FUNÇÃO OVÁRICA me total da célula. A activação dos folículos
primordiais é progressiva e inicia-se pela pro-
2.1. FOLICULOGÉNESE, ESTEROIDOGÉNESE liferação e modificação morfológica das célu-
E MATURAÇÃO OVOCITÁRIA las da granulosa passando as células epiteliais
a uma forma cubóide. Quando estas células
A foliculogénese é o conjunto de transforma- cubóides formam uma camada que envolve
ções que o folículo sofre desde o momento completamente o ovócito, o folículo primor-
em que sai da reserva inerte de células ger- dial transforma-se em folículo primário. Neste,

40 Capítulo 3
o ovócito já tem maiores dimensões e entre o suem escassa actividade secretora e raros re-
ovócito e as células foliculares desenvolve-se ceptores da LH. Após o pico pré-ovulatório de
uma membrana glicoproteica denominada LH estas células sintetizam e depositam uma

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zona pelúcida. A transição de folículo primor- matriz extracelular que permite a expansão
dial para folículo primário é prolongada para do cumulus e o destaca da parede folicular,
permitir a fase de crescimento da ovogénese, enquanto as células da granulosa periféricas
em que ocorre uma hipertrofia do citoplasma permanecem aderentes à membrana basal.
do ovócito enquanto as células da granulosa Apesar de as células dos pequenos folícu-
proliferam e se forma a estrutura característi- los pré-antrais responderem ao estímulo da
ca do folículo primário. Segue-se uma intensa FSH, esta hormona não é necessária para as
actividade mitótica das células da granulosa fases iniciais de proliferação e crescimento
que é acompanhada por modificações na folicular. Contudo, a segunda fase da foli-
zona pelúcida e atinge-se o estádio do folícu- culogénese é hormonodependente, envol-
lo pré-antral, assistindo-se então, ao recruta- vendo um processo complexo essencial ao
mento das células somáticas do tecido inters- objectivo primário da foliculogénese, a ovu-
ticial adjacente para formar a teca. lação de um ovócito fecundável.
As mitoses sucessivas e a formação de várias No decurso da fase folicular, o folículo do-
camadas de células da granulosa levam ao minante, que atinge 13 mm de diâmetro,
aparecimento do folículo secundário. Neste começa a exercer uma acção frenadora so-
momento inicia-se a formação da teca in- bre a secreção de FSH, mediada pelos estro-
terna que resulta de uma condensação das génios e provavelmente também pela ini-
células conjuntivas que envolvem o folículo, bina, levando à atrésia dos outros folículos
separadas da granulosa por uma membrana em crescimento4. Estes efeitos exercem-se
basal. A teca interna faz parte da unidade também no ovário contralateral. Atingida a
funcional folicular que atinge, assim, o está- maturação folicular na fase pré-ovulatória, o
dio de folículo pré-antral e, ao contrário da folículo mede entre 20 e 28 mm e faz proci-
granulosa, é vascularizada. dência na superfície do ovário.
A proliferação contínua de células da granu- A inibina, a activina e a folistatina são três
losa leva à produção e acumulação de líquido factores expressos nas células da granulosa
entre as células formando pequenas cavida- e da teca dos folículos antrais e nas células
des. Estas cavidades acabam por coalescer da granulosa luteinizadas que foram iden-
e formar uma cavidade única central (antro) tificados no líquido folicular e que são res-
com as células da granulosa dispostas à pe- ponsáveis por uma acção reguladora local
riferia formando a parede folicular – folículos e à distância.
antrais precoces. O ovócito mantém-se rode- A inibina e a activina são membros da família
ado por células da granulosa que se desig- TGF-α (Transforming growth factor α) que re-
nam por células do cumulus e constituem o gulam a produção de FSH, a activina estimu-
compacto complexo cumulo-ovocitário. Na lando-a e a inibina reprimindo-a. A acção da
fase final do crescimento folicular as células folistatina, uma glicoproteína com estrutura
da granulosa que constituem a parede foli- semelhante às da família da inibina/activina,
cular adquirem propriedades morfológicas também inibe a produção de FSH através da
e funcionais diferenciadas: as mais periféri- sua capacidade de neutralizar a activina pela
cas, localizadas junto à membrana basal, não sua ligação a este factor.
proliferam e sintetizam enzimas envolvidas A inibina é segregada pelos folículos de
nas esteroidogénese, adquirindo receptores maiores dimensões e exerce uma acção fre-
da LH. As células das camadas mais internas nadora sobre os restantes folículos, impe-
mantêm a capacidade proliferativa e pos- dindo o seu crescimento.

Fisiologia do ovário e da fecundação 41


O insulin-like growth factor I (IGF-I), um outro que a elevação artificial da concentração
factor de crescimento com função idênti- sérica destas possa salvar da atrésia alguns
ca à da activina, é expresso nas células dos folículos, como ocorre com os tratamentos

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pequenos folículos antrais e pré-antrais e no de estimulação da ovulação em que é pos-
cumulus dos folículos pré-ovulatórios e es- sível obter um número elevado de ovócitos
timula a expressão do receptor da FSH nas maduros. A limitação do recrutamento e a
células da granulosa. atrésia dos folículos não seleccionados de
A ausência do gene IGF-I provoca alterações entre a coorte dos recrutados deve-se à re-
morfológicas no ovário idênticas à da ausência dução fisiológica das concentrações de FSH
da FSH, isto é, a foliculogénese é bloqueada no no decurso das fases pré e pós-ovulatória.
estádio pré-antral e a expressão dos recepto- O folículo pré-ovulatório que se auto-se-
res da FSH está significativamente reduzida. lecciona pelo seu crescimento mais rápido,
persiste e domina, pois as suas necessida-
des em FSH são apenas metade das neces-
sárias para o recrutamento.
A dominância folicular será explicada pela
aquisição mais rápida de receptores da LH
e por uma amplificação da resposta à FSH
resultante de um mecanismo autócrino. A
FSH tem a capacidade de induzir a síntese
dos seus próprios receptores nas células
da granulosa cuja actividade mitótica es-
timula, em sinergia com os estrogénios. A
multiplicação das células da granulosa re-
Figura 2. Folículo primordial e primário (ovário humano). força, assim, a capacidade de aromatização
do folículo e resulta de mecanismos de re-
trocontrolo positivo que explicam o perfil
2.1.2. FASE HORMONODEPENDENTE exponencial do crescimento folicular e da
produção de estrogénios no decurso da pri-
A partir do estádio antral é possível distinguir meira fase do ciclo menstrual. Em ecografia,
diversas etapas que levarão, por um lado, à o folículo dominante pode ser identificado
maturação completa do folículo destinado por volta do 8.o dia do ciclo menstrual com
a ovular e, por outro, à atrésia de todas as ou- um diâmetro próximo de 10 mm que atingi-
tras unidades foliculares em crescimento. rá 20-24 mm na fase pré-ovulatória. A pre-
O recrutamento da coorte folicular no seio da sença do folículo dominante leva à atrésia
qual se encontra o folículo destinado a ovular dos folículos não seleccionados em ambos
efectua-se no início da fase luteínica do ciclo os ovários. Morfologicamente, esta involu-
precedente, sob influência do pico de FSH que ção corresponde a uma degenerescência
se produz a meio do ciclo. Só os folículos que cariopicnótica das células da granulosa e
atingiram um estado adequado de maturação à transformação da teca interna em glân-
serão recrutados, os restantes sofrerão atrésia. dula intersticial, degenerando também o
A selecção designa a emergência do folícu- ovócito. O determinismo da atrésia folicular
lo ovulatório de entre os folículos recruta- será diferente segundo se trata de estados
dos e corresponde ao início da fase folicular pré ou pós-antrais. No estado pré-antral, a
do ciclo em que terá lugar a ovulação. Nesta involução folicular será independente das
altura, a coorte recrutada é particularmen- secreções endócrinas e regulada por fac-
te sensível às gonadotrofinas, o que explica tores genéticos e/ou metabólicos locais.

42 Capítulo 3
No caso dos folículos já evoluídos, a causa da dade genética. O ovócito bloqueado neste
atrésia é a redução dos níveis de FSH (Fig. 3) estádio apresenta um núcleo designado
e a perda da capacidade de transformação por vesícula germinativa e assim permane-

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dos androgénios, que se acumulam no lí- ce durante anos até que nas horas que pre-
quido folicular, em estrogénios, por redu- cedem a ovulação um sinal induzido pelo
ção da actividade da aromatase. A redução pico de LH promove o reinício da primeira
da sensibilidade à FSH contribui para a di- divisão da meiose que separa os cromosso-
minuição da capacidade de aromatização. mas emparelhados, reduzindo o seu núme-
Simultaneamente reduz-se, também, a ac- ro a metade e a quantidade de ADN a um
tividade mitótica das células da granulosa valor diplóide. A meiose volta então a sofrer
por deficiência em estrogénios. um bloqueio em metafase II (MII), até que
As ovogónias entram em meiose após um ocorra uma possível fecundação (Fig. 4). A
período de interfase em que ocorre a re- inibição do reinício da meiose no período
plicação do ADN. Durante a profase, a fase que precede a descarga gonadotrófica ovu-
da meiose com maior duração e na qual se latória depende de factores denominados
observa uma endoreduplicação do ADN, OMI (ovocyte meiosis inhibitors), que provêm
destacam-se quatro estádios: leptóteno, da granulosa e são transmitidos ao ovócito
zigóteno, paquíteno e diplóteno. O núcleo através de pontes intercelulares que atraves-
do ovócito mantém-se em diplóteno com sam a zona pelúcida. A regulação da inibição
um conteúdo tetraplóide em ADN em que meiótica é essencialmente assegurada pelo
os cromossomas estão emparelhados em AMPc. No entanto, para além da supressão
tétradas e durante o qual se produz o cros- do mecanismo inibidor associado aos níveis
sing-over, através do qual cromossomas de elevados de AMPc, existe também uma subs-
origem materna e paterna podem trocar tância estimulante que participa no proces-
fragmentos, contribuindo para a diversi- so – o maturation promoting factor (MPF).

Figura 3. Evolução dos níveis séricos de gonadotrofinas e de hormonas esteróides ováricas no decurso do ciclo menstrual5

Fisiologia do ovário e da fecundação 43


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Figura 4. Etapas da meiose ovocitária5. VG: vesícula germinativa; DM: divisão de maturação; GP: globo polar; C: com-
plemento haplóide de ADN; OV. I e II: ovócito primário e secundário.

2.2. REGULAÇÃO PARÁCRINA E AUTÓCRINA nhas (regulação parácrina) e que estes fac-
tores poderiam modular a resposta celular
A qualidade de um ovócito está estreita- às gonadotrofinas hipofisárias, representou
mente relacionada com o ambiente hormo- um grande avanço no conhecimento dos
nal do folículo o que se deve, em larga me- mecanismos do desenvolvimento e da atré-
dida, a mecanismos de controlo parácrino sia folicular. O líquido folicular é um reser-
e autócrino identificados na década de 80. vatório onde se acumulam estes factores
A evidência de que a função ovárica seria que são produzidos e actuam localmente e
regulada por factores produzidos na pró- que englobam hormonas esteróides e pro-
pria célula (autócrinos), ou em células vizi- teínas reguladoras que interagem de uma

44 Capítulo 3
forma complexa. De entre os factores pa- génios, o que sugere que os ERA estarão as-
rácrinos e autócrinos ováricos, destacam- sociados à proliferação celular (das células
se a família das inibinas/activinas, o TGF-B da granulosa) e os ERB terão uma função na

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(transforming growth factor B) e a MIS (mul- diferenciação, bloqueando a proliferação
lerian inhibiting substance). A inibina terá celular e iniciando as modificações essen-
uma acção local reduzindo a aromatização ciais à ovulação6.
dos androgénios e reprimindo a meiose, O IGF-I induz a proliferação das células da
acção que será favorecida pelo TGF-B e granulosa mas também estimula a síntese
inibida pela MIS. Outros factores de cres- de receptores de LH (LHR) nas células da
cimento são produzidos no folículo e têm granulosa e da teca, realçando a impor-
um papel essencial, nomeadamente o FGF tância da interacção entre IGF-I, estradiol
(fibroblast growth factor) capaz de estimular e FSH na foliculogénese e iniciando a fase
o crescimento da granulosa mas também de resposta destas células à LH, essencial à
e, sobretudo, de induzir a angiogénese da ovulação, formação e actividade endócrina
teca e do corpo amarelo. O IGF-I é sintetiza- do corpo amarelo.
do pelas células da granulosa sob o efeito As células da teca produzem quantidades
dos estrogénios e estimula a esteroidogé- crescentes de androgénios sob o estímulo
nese nestas mesmas células, aumentando o da LH, cujo pico pré-ovulatório activa uma
efeito da LH na produção de androgénios a secreção crescente de proteínas responsá-
nível da teca. O EGF (epidermal growth fac- veis por grandes transformações nas células
tor) é um potente estimulante mitótico. foliculares, nomeadamente a paragem da
Também a hormona antimülleriana (AMH) proliferação e a diferenciação terminal (lutei-
terá um efeito regulador da FSH a nível dos nização) com reinício da meiose (bloqueada
pequenos folículos antrais, além de inibir a em profase I) e libertação do óvulo.
activação dos folículos primordiais. Este efei- A ruptura do bloqueio meiótico só ocorre
to será exercido através da inibição da acção nos ovócitos de folículos que completaram
da FSH no equilíbrio de crescimento dos folí- o seu crescimento e maturação e nos quais o
culos pré-antrais. citoplasma aumentou de volume através da
Estes mecanismos de retrorregulação e pró- reorganização dos organitos e do aumento
regulação destinam-se a promover a fase de das reservas de ARNm.
crescimento da ovogénese através das rela- A zona pelúcida é um revestimento extra-
ções simbióticas entre o ovócito e as células celular constituído por três glicoproteínas
da granulosa. A circunstância de as células (glicoproteínas da zona pelúcida designadas
da granulosa dos folículos pré-antrais sinteti- por ZP1, ZP2 e ZP3) que cobre o ovócito du-
zarem inibina/activina, folistatina e AMH e de rante o seu crescimento e vai acompanhando
serem capazes de responder ao estímulo da o aumento de volume deste, só desapare-
FSH caracteriza a importância da sinalização cendo após a eclosão do blastocisto. O apa-
mútua e da estreita comunicação intercelular. recimento desta membrana está relacionado
A nível do ovário, existem dois tipos de re- com o início do crescimento ovocitário, uma
ceptores dos estrogénios (ER), os ERA e os vez que os folículos quiescentes não têm zona
ERB sendo estes últimos mais abundan- pelúcida. Durante o processo de desenvolvi-
tes. Os ratinhos knockout para os ERA são mento folicular, formam-se também os grâ-
estéreis, verificando-se bloqueio do desen- nulos corticais para preparar o ovócito para as
volvimento folicular ao nível dos folículos reacções subsequentes à fecundação e conse-
antrais. Pelo contrário, os ratinhos despro- quente bloqueio à polispermia, pela liberta-
vidos de ERB são apenas menos férteis que ção do conteúdo dos grânulos para o espaço
os que exprimem os receptores A dos estro- perivitelino após a fecundação.

Fisiologia do ovário e da fecundação 45


2.3. OVULAÇÃO latório de LH que é o responsável último pela
ovulação e se associa aos seguintes efeitos:
O folículo maduro rompe 36 a 40 horas após — Reinício da meiose ovocitária com inibi-

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o início da descarga pré-ovulatória de LH e ção da substância inibidora da meiose.
liberta o ovócito envolvido em células do — Luteinização das células da granulosa.
cumulus que é captado para o interior da — Estímulo da actividade proteolítica e da
trompa onde reinicia a meiose com expulsão síntese de enzimas proteolíticas essen-
do 1.o globo polar e o subsequente bloqueio ciais à ruptura folicular.
da meiose em metafase da 2.a divisão meió- O pico de FSH, embora de menor magnitu-
tica. Este bloqueio só terminará com a emis- de, tem também efeitos importantes desig-
são do 2.o globo polar, após a fecundação. nadamente:
A ruptura folicular é um fenómeno ainda — Aumento da produção de activador do
mal compreendido, existindo algumas hi- plasminogénio.
póteses para explicar o crescimento rápido — Secreção de ácido hialurónico pelas cé-
provocado pelas modificações no conteúdo lulas do cumulus facilitando a expansão
hormonal e as alterações de pressão intra- e dispersão destas células e permitindo
folicular. Foi também demonstrado um pa- que flutuem livremente no líquido foli-
pel importante da síntese de proteases que cular antes da ruptura.
actuariam sobre a lâmina basal induzindo — Constituição de um nível suficiente de
a sua ruptura. Efectivamente, a libertação receptores de LH na granulosa, essencial
do ovócito está associada a alterações do para uma função luteínica adequada.
colagénio da parede folicular provocadas
por enzimas proteolíticas. As células da 2.4. FORMAÇÃO E MANUTENÇÃO
granulosa e da teca produzem activadores DO CORPO AMARELO
do plasminogénio em resposta à FSH e LH
que activam esta substância para produzir Logo após a expulsão do ovócito, inicia-se
plasmina, a qual promove o aparecimento uma série de modificações ao nível do folí-
de colagenase activa que induz a ruptura culo, tanto do ponto de vista morfológico
da parede folicular. como a nível endócrino. Já antes da ovulação,
A concentração de algumas prostaglandinas as células da teca começam a aumentar de
(E e F) no líquido folicular aumenta significa- tamanho e adquirem uma aparência vacuo-
tivamente na fase pré-ovulatória, atingindo lar com depósito de um pigmento amarelo
o máximo antes da ruptura folicular. Sabe-se responsável pela coloração do corpo ama-
que as prostaglandinas podem libertar enzi- relo que resulta do folículo após a ovula-
mas proteolíticas, promover a angiogénese ção. Um outro fenómeno característico da
e a hiperémia e terão um efeito contráctil ovulação é a proliferação de fibroblastos e
sobre o músculo liso da camada externa do capilares sanguíneos que penetram na gra-
folículo, contribuindo para a expulsão do nulosa através da lâmina basal. Esta angio-
conteúdo folicular. génese é uma fase fundamental no processo
Do ponto de vista endócrino, é o próprio fo- de luteinização e é mediada por factores de
lículo que desencadeia a ovulação através da crescimento vasculares, nomeadamente o
síntese crescente de estradiol que, ao atingir vascular epithelial growth factor (VEGF). Esta
um determinado limiar, activa o mecanismo intensa vascularização permite o aporte ao
de retrorregulação que estimula a libertação corpo amarelo de substratos necessários à
de gonadotrofinas até ao pico pré-ovulatório síntese de estrogénios e progesterona.
característico. A ovulação ocorre habitual- O corpo amarelo é a principal fonte de hor-
mente 34-36 horas após o início do pico ovu- monas esteróides sexuais nesta fase do ciclo

46 Capítulo 3
e a sua capacidade funcional e vida média zação e vascularização adequadas das células
dependem da secreção de LH na ausência de da teca durante a fase luteínica precoce.
gestação e de gonadotrofina coriónica huma- A esteroidogénese ovárica obedece à via bá-

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na (HCG) se ocorre fecundação e gravidez. sica de biossíntese dos esteróides a partir do
Na ausência de gravidez, o corpo amare- colesterol, o qual pode ser obtido de síntese
lo tem uma duração média de 14 ± 3 dias local a partir do acetato, ou proveniente da
ao fim dos quais sofre involução, converten- circulação geral através de um receptor da
do-se em corpus albicans. membrana para as lipoproteínas de baixa
Além do suporte da LH, para que o corpo densidade, o que constitui a fonte mais im-
amarelo exerça uma função endócrina normal portante de colesterol para as células ovári-
é indispensável que se tenha produzido um cas. A conversão do colesterol em esteróides e
desenvolvimento folicular normal durante a de um esteróide noutro produz-se através de
primeira fase do ciclo, bem como uma luteini- uma série de reacções ilustradas na figura 5.

Figura 5. Síntese das hormonas esteróides no ovário (adaptado de Thibault, et al.7).

Fisiologia do ovário e da fecundação 47


A esteroidogénese está funcionalmente hormonodependentes que sofrem atrésia. O
compartimentada no folículo. A teca interna folículo dominante não é sensível a este efei-
apenas contém receptores de LH e sintetiza to porque evolui de forma autónoma, sem

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preferencialmente androgénios – androste- necessidade do estímulo da FSH.
nediona e testosterona – os quais difundem Os estrogénios exercem também uma acção
através da membrana basal para o interior de retrocontrolo positivo sobre a libertação
das células da granulosa que, sob a influência hipofisária de LH cuja resposta depende do
da FSH e da indução da actividade enzimá- nível e da impregnação estrogénica, saben-
tica da aromatase, convertem estes andro- do-se que para induzir o pico de LH são ne-
génios em estrogénios (estrona e estradiol) cessárias concentrações de estradiol de 200
– esta é a base da teoria «duas células, duas pg/ml durante mais de 50 horas. O conjunto
gonadotrofinas», que codifica o conceito uni- das regulações do eixo hipotálamo-hipófise-
versalmente aceite de que uma interacção ovário pode resumir-se da seguinte forma: a
estreita entre FSH e LH é um requisito essen- partir da puberdade, a descarga pulsátil de
cial ao desenvolvimento e maturação folicu- GnRH permite uma secreção basal de FSH
lares normais e que representa a necessidade que estimula o recrutamento folicular. Os es-
da teca e da granulosa para a produção de trogénios intrafoliculares, formados a partir
estradiol (Figs. 6 e 7). Os equipamentos en- dos androgénios segregados sob o controlo
zimáticos dos dois tecidos são diferentes e da LH, mantêm a sua própria produção e a
limitam reciprocamente as suas capacidades. proliferação da granulosa. Em sinergia com a
A teca sintetiza androgénios que não conse- inibina, os estrogénios reduzem a libertação
gue aromatizar em grande quantidade e a de FSH, assegurando a selecção e a dominân-
granulosa possui uma grande capacidade de cia do folículo ovulatório. Acima de um de-
aromatização dos androgénios produzidos terminado limiar, os estrogénios sensibilizam
na teca. As células da granulosa segregam as células gonadotróficas hipofisárias à acção
também grandes quantidades de inibina que da GnRH provocando, assim, a descarga pré-
tem a propriedade de bloquear a síntese e a ovulatória de LH. A progesterona produzida
libertação de FSH pela hipófise. As taxas plas- na fase luteínica reduz o ritmo pulsátil da se-
máticas de inibina são paralelas às do estra- creção de GnRH que apenas voltará a sofrer
diol e, em conjunto, reduzem a secreção da uma aceleração após a queda pré-menstrual
FSH, suprimindo assim o suporte aos folículos da concentração de progesterona.

Figura 6. Compartimentação da esteroidogénese ovárica (adaptado de Thibault, et al.7).

48 Capítulo 3
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Figura 7. Controlo endócrino, parácrino e autócrino dos quatro acontecimentos fundamentais na diferenciação das
células da granulosa (adaptado de Thibault, et al.7).

No entanto, os estrogénios circulantes na A progesterona é proveniente da secreção


mulher não são apenas provenientes da ovárica (corpo amarelo) e supra-renal sendo
secreção ovárica directa, mas também da esta última escassa.
conversão periférica de precursores andro-
génicos de origem ovárica ou supra-renal,
sendo o adipócito o exemplo clássico de 3. ACÇÃO DAS HORMONAS OVÁRICAS
uma célula que possui o equipamento en- SOBRE OS ÓRGÃOSALVO
zimático para esta conversão mas também
outros tecidos como a pele, o músculo e Os efeitos dos estrogénios são multifocais,
o endométrio possuem esta capacidade. influenciando os seus órgãos-alvo, os tecidos
A maior parte do estradiol e da testosterona que os produzem, os centros nervosos supe-
sintetizados circulam na corrente sanguínea riores e a hipófise anterior que, em última ins-
ligados a proteínas de transporte de síntese tância, controlam a sua produção. Em termos
hepática, nomeadamente a sex hormone bin- gerais, pode considerar-se que os estrogénios
ding globulin (SHBG) e a albumina (10-30%), como hormonas tróficas têm uma acção es-
só uma pequena parte circulando livre. sencial no crescimento, desenvolvimento e
Fisiologia do ovário e da fecundação 49
manutenção dos órgãos reprodutivos, sendo pelos bacilos de Doderlëin que o convertem
também importantes para a regulação de em ácido láctico. Por acção dos estrogénios
processos metabólicos independentes das a vagina alonga-se e torna-se mais elástica.

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funções reprodutoras. Os estrogénios têm A progesterona induz uma discreta diminui-
uma importância capital no desenvolvimen- ção da espessura do epitélio e descamação
to e fisiologia dos órgãos reprodutivos da das células superficiais da vagina.
mulher. Além do crescimento e desenvolvi- O crescimento do útero na puberdade é
mento folicular, assumem um papel funda- devido aos estrogénios que têm um efeito
mental no desenvolvimento dos caracteres tónico sobre o miométrio e as contracções ute-
sexuais secundários mas exercem também rinas enquanto a progesterona actua de modo
efeitos sobre órgãos e sistemas extragenitais, oposto, promovendo a sedação uterina.
nomeadamente na estimulação da síntese Ao nível do colo uterino, os estrogénios au-
de proteínas hepáticas e também na manu- mentam as dimensões do orifício externo
tenção da estrutura trabecular óssea, na dis- do canal cervical durante a fase pré-ovu-
tribuição da gordura corporal e ao nível das latória, atingindo o máximo no momento
glândulas mamárias. As hormonas esterói- da ovulação. Também a secreção do muco
des exercem a sua presença graças a recep- cervical aumenta, diminuindo a sua vis-
tores nos órgãos-alvo. A hormona atravessa cosidade e o seu conteúdo em leucócitos,
a membrana celular por difusão simples, é tornando-se aquoso, filante e transparente,
transportada ao núcleo, une-se ao receptor de forma a permitir a penetração dos esper-
nuclear específico e dá-se a interacção do matozóides. A típica cristalização em forma
complexo hormona-receptor com o ADN; de folhas de feto do muco cervical que seca
segue-se a síntese de ARNm e o seu trans- sobre uma lâmina de vidro deve-se ao seu
porte aos ribossomas para a síntese proteica. elevado conteúdo em cloreto de sódio na
A actividade biológica é mantida enquanto fase pré-ovulatória.
o complexo hormona-receptor está unido A progesterona provoca a regressão das
ao ADN. Recentemente têm sido descritos modificações promovidas pelos estrogénios
mecanismos alternativos, não genómicos, como o estreitamento do canal cervical e a
de acção dos estrogénios, designados por redução da quantidade de muco que se tor-
acções rápidas das hormonas esteróides. na viscoso e turvo dificultando a passagem
de espermatozóides.
3.1. ACÇÃO DAS HORMONAS O endométrio é a mucosa que reveste a ca-
ESTERÓIDES OVÁRICAS AO NÍVEL DOS vidade uterina e que deve ser preparada em
ÓRGÃOS GENITAIS FEMININOS cada ciclo para possibilitar a implantação do
blastocisto, no caso de existir fecundação.
Ao nível da vulva, os estrogénios aumentam A acção coordenada dos esteróides sexuais
a vascularização e turgescência, regulando a produz uma série de modificações impor-
função das glândulas de Bartholin, de Skene tantes ao nível do endométrio. Os estrogé-
e sebáceas, estimulando o aumento da sua nios induzem o crescimento e proliferação
secreção. O desenvolvimento do clítoris, dos das glândulas, epitélio e estroma da camada
grandes lábios e dos pêlos púbicos é pro- funcional do endométrio enquanto a pro-
vocado pelos androgénios. Os estrogénios gesterona determina as modificações carac-
promovem o espessamento e maturação terísticas da segunda fase do ciclo (explicita-
do epitélio vaginal mantendo, de forma in- das em maior detalhe adiante). As diversas
directa, o meio fisiologicamente ácido da fases do ciclo endometrial (proliferativa, se-
vagina já que o glicogénio proveniente das cretora e menstrual) são determinadas pelo
células superficiais descamadas é utilizado funcionamento ovárico.

50 Capítulo 3
Histologicamente, o endométrio é com- tratificado, formando um revestimento epi-
posto por um epitélio cilíndrico com uma telial contínuo. O lúmen das glândulas tor-
camada de células ciliadas secretoras que na-se evidente e o estroma passa de denso

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repousam sobre uma membrana basal sob (característico da fase proliferativa precoce)
a qual existem numerosas glândulas tu- a laxo, de tipo sincicial. No entanto, dado
bulares simples, constituídas por células que o crescimento do estroma se dá a um
secretoras suspensas num córion ou es- ritmo inferior ao crescimento glandular, as
troma. Funcionalmente, distinguem-se no glândulas assumem um aspecto tortuoso e
endométrio duas camadas, uma superficial o estroma aparece desagregado. As estru-
e outra profunda, apenas a primeira sendo turas vasculares endometriais designadas
hormonodependente e por isso designa- por artérias espiraladas só adquirem esta
da de funcional. Esta camada é constituída morfologia típica na fase proliferativa tar-
por tecido conjuntivo laxo e glândulas e dia. A proliferação celular do estroma e das
descama na menstruação, regenerando-se glândulas é paralela aos níveis de estradiol
em cada novo ciclo. A camada basal, de lo- circulante, aumentando até ao 10.o dia do
calização mais profunda, é constituída por ciclo, o que coincide com a maior densidade
endométrio não funcional e pouco diferen- de receptores estrogénicos a nível endome-
ciado. Possui a propriedade de regenerar a trial. Os estrogénios estimulam, além da sín-
camada funcional após a perda menstrual tese dos seus próprios receptores, a síntese
cíclica. O ciclo endometrial pode dividir- de receptores da progesterona preparando
se em várias fases, segundo a acção das as modificações endometriais induzidas
hormonas ováricas. De uma forma simples por esta na fase luteínica do ciclo. Começa
podemos considerar as fases proliferativa assim a actividade secretora das glândulas
e secretora, ambas divisíveis em precoce endometriais, acumulando-se no epitélio
e tardia e a fase descamativa. Dado que a vacúolos de glicogénio que servirão de fon-
menstruação é o fenómeno mais evidente te energética para o zigoto. A fase secretora
da descamação endometrial, considera-se corresponde à formação do corpo amarelo
este evento como o início do ciclo, apesar e é caracterizada pela preparação definiti-
de, em sentido estrito, o ciclo se iniciar com va do tecido endometrial para favorecer a
a proliferação endometrial e terminar com a implantação e para nutrir adequadamente
menstruação, no caso de não ocorrer fecun- o produto de concepção. A fase pré-mens-
dação. A fase proliferativa estende-se desde trual (entre o 25.o e o 28.o dias do ciclo)
o final da menstruação (dias 3.o a 5.o do ci- caracteriza-se por uma descida dos níveis
clo) até à ovulação (entre os dias 13.o e 15.o de estrogénios e progesterona que ocorre
do ciclo) e corresponde ao crescimento e re- nas situações em que não há fecundação e
construção do endométrio a partir da cama- em que não se produzem gonadotrofinas
da basal, em paralelo com a fase folicular do trofoblásticas que substituam as do corpo
ciclo ovárico com secreção de quantidades amarelo em involução. A queda dos níveis
crescentes de estrogénios que actuam nos hormonais acarreta a involução endome-
receptores endometriais e contribuem para trial, com apoptose das células estromais,
o espessamento da mucosa. Posteriormen- redução da espessura endometrial (por per-
te, seguem-se as modificações destinadas da de líquido a nível do estroma), infiltração
a permitir a implantação, com modificação leucocitária e extravasamento intraglandu-
de todas as estruturas da mucosa endome- lar de sangue devido a reacções vasomoto-
trial. As glândulas respondem à estimulação ras das arteríolas espiraladas. Estas modi-
estrogénica com transformação do epitélio ficações vasculares são determinadas por
plano estratificado em epitélio pseudo-es- variações na síntese de prostaglandinas e

Fisiologia do ovário e da fecundação 51


fenómenos de vasoconstrição e relaxamen- A nível do metabolismo lipídico, os estrogé-
to rítmico destes vasos, sendo os espasmos nios aumentam as concentrações de coles-
cada vez mais prolongados até provocarem terol-HDL e diminuem as de colesterol-LDL,

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esclerose da camada funcional, necrose e acção mediada pela diminuição da lipase
descamação celular (menstruação). hepática. Também promovem um aumento
A acção das hormonas produzidas pelo ová- dos triglicerídeos, provavelmente devido a
rio condiciona também alterações cíclicas um aumento da produção de VLDL. Ao nível
ao nível das trompas, distinguindo-se uma do metabolismo proteico, os estrogénios
fase folicular em que a actividade do mús- exercem um efeito anabolizante inferior ao
culo liso tubar aumenta progressivamente, dos androgénios, mas estimulando a sínte-
tornando-se bidireccional e propulsiva na se de proteínas, o crescimento e desenvol-
fase pré-ovulatória, com o objectivo de pos- vimento da pele e mucosas e a síntese de
sibilitar a ascensão dos espermatozóides e proteínas hepáticas, aumentando o angio-
o transporte do ovócito no sentido caudal tensinogénio, a SHBG e alguns factores fibri-
para facilitar a fecundação. nolíticos e de coagulação.
Ao nível da mucosa também se verifica um Os estrogénios favorecem a retenção de
aumento de densidade de células ciliadas água, sódio e cloretos pelos túbulos renais, o
e as células secretoras acumulam produtos que assume particular importância se ocorre
de secreção na sua região apical. Estas secre- gravidez.
ções contribuem para o aumento do fluido Os androgénios promovem o crescimento
tubar até à ovulação. Após a ovulação, o au- ósseo, exercendo uma acção directa ao nível
mento de progesterona causa uma redução dos receptores dos osteoblastos e, indirec-
do tónus muscular e reduz a actividade pe- tamente, através de citocinas e factores de
ristáltica da trompa. Se acontece a gravidez, crescimento locais.
o epitélio tubar sofre atrofia, com repouso
da actividade ciliar, secretora e peristáltica.
4. A FECUNDAÇÃO NOS MAMÍFEROS
3.2. ACÇÕES EXTRAGENITAIS DAS
HORMONAS ESTERÓIDES OVÁRICAS Nas espécies com reprodução sexuada, a
fecundação assegura a criação de um novo
Os efeitos extragenitais dos estrogénios in- indivíduo a partir dos gâmetas feminino e
cluem o desenvolvimento dos caracteres masculino. Pode definir-se fecundação como
sexuais secundários (nomeadamente como o conjunto de transformações que se produ-
estímulo fundamental para o desenvolvi- zem no ovócito após a interacção e fusão
mento mamário na puberdade), a indução dos gâmetas e que terminam na singamia
da síntese proteica e a manutenção da estru- (fusão dos complementos cromossómicos
tura óssea e prevenção da osteoporose. de origem materna e paterna).
A acção dos estrogénios sobre o hipotálamo Na espécie humana, a fecundação ocorre no
e a hipófise é uma acção de tipo regulador. terço externo da trompa de Falópio onde
A síntese das gonadotrofinas pelas células os espermatozóides chegam progressiva-
gonadotróficas da hipófise anterior depen- mente e entram em contacto com o ovócito,
de dos estrogénios circulantes, sendo o ar- entretanto libertado e captado pelo pavi-
mazenamento da reserva mobilizável destas lhão tubar. Deve realçar-se que, apesar de
gonadotrofinas dependente da exposição um número muito elevado de espermato-
prévia aos estrogénios, o que é de funda- zóides ser depositado na cavidade vaginal
mental importância para o pico de gonado- durante uma relação sexual, no momento
trofinas que assegura a ovulação. da fecundação apenas um número muito

52 Capítulo 3
limitado (algumas centenas) se encontra na sofre um processo de compactação, sendo
proximidade do ovócito. as histonas substituídas por protaminas,
A fecundação é um processo que culmina responsáveis pela hipercondensação da

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na união de um único núcleo de um esper- cromatina do espermatozóide num núcleo
matozóide com o pronúcleo feminino no ci- muito denso. O centríolo do gâmeta mas-
toplasma de um ovócito activado que exige culino é transformado em pré-centrosso-
a concretização atempada de uma série de ma, capaz de recrutar do pool materno os
acontecimentos: produtos necessários à formação do fuso
— A formação dos espermatozóides. mitótico durante a fecundação e o desen-
— A penetração do espermatozóide no ci- volvimento embrionário inicial. Assim, o
toplasma do ovócito que inclui a união espermatozóide é o veículo de uma con-
e fusão das membranas plasmáticas de tribuição fundamental: o genoma haplóide
ambos os gâmetas. paterno; o sinal que induz a activação me-
— A conclusão da segunda divisão meióti- tabólica do ovócito; o centríolo que forma
ca ovocitária com extrusão do 2.o globo o centrossoma do zigoto, orienta a organi-
polar e a activação metabólica de um zação dos microtúbulos e leva à união dos
ovócito previamente quiescente. pronúcleos e formação do primeiro fuso
— A descondensação do núcleo do esper- mitótico embrionário.
matozóide e dos cromossomas maternos Analisamos de seguida, de forma sumária, as
em pronúcleos masculino e feminino, se- diferentes etapas que constituem o proces-
guida da migração citoplasmática dos so de fecundação.
pronúcleos, levando à sua aposição e
posterior singamia. 4.1. INTERACÇÃO OVÓCITOESPERMATOZÓIDE
— A primeira divisão mitótica do zigoto e o E PENETRAÇÃO DO ESPERMATOZÓIDE NO
seu desenvolvimento inicial. CITOPLASMA OVOCITÁRIO
A deficiência de qualquer destes eventos é
letal para o zigoto e causa de insucesso re- A maturação ovocitária não se resume às
produtivo. modificações nucleares, sendo um fenóme-
O processo de fecundação inicia-se com no complexo que inclui também as células
o reconhecimento da presença do esper- da granulosa. Este processo envolve aspec-
matozóide na vizinhança do ovócito. Este tos nucleares e citoplasmáticos estreitamen-
reconhecimento celular induz a reacção te relacionados e com consequências fun-
acrossómica que resulta na externaliza- damentais na fecundabilidade do ovócito
ção do conteúdo do acrossoma, o qual é e no seu potencial de desenvolvimento. A
constituído por enzimas proteolíticas que maturação ovocitária depende de uma com-
possibilitam a penetração da zona pelúci- plexa interacção de factores parácrinos e en-
da, bem como proteínas e glicoproteínas dócrinos que condicionam o microambiente
que permitem a ligação do espermatozói- intrafolicular e dos quais depende o desen-
de ao óvulo. volvimento normal do gâmeta feminino.
O espermatozóide é provavelmente a célu- A incorporação do espermatozóide no oo-
la mais diferenciada da economia animal, plasma ocorre em simultâneo com o pro-
sendo os seus componentes citoplasmáti- cesso de activação e a reacção cortical.
cos reduzidos ao mínimo, através da elimi- Nos mamíferos o espermatozóide coloca-se
nação da maioria dos organelos, à excep- tangencialmente à superfície do ovócito,
ção das mitocôndrias, que são essenciais sendo fundamental a acção dos microfila-
para a mobilidade. Durante a esperma- mentos de actina do ooplasma para a con-
togénese, o núcleo do gâmeta masculino clusão do processo de incorporação.

Fisiologia do ovário e da fecundação 53


4.2. ACTIVAÇÃO METABÓLICA DO OVÓCITO retículo endoplasmático com a subsequen-
te libertação deste ião dos depósitos intra-
A união e consequente fusão dos gâmetas fe- celulares. Alguns fenómenos mais tardios

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minino e masculino iniciam uma cascata de da activação ovocitária implicam o recruta-
eventos que transforma o ovócito quiescente mento de ARN mensageiro materno e a sín-
num zigoto, iniciando o programa de desen- tese de proteínas.
volvimento embrionário. Não está ainda es- A manutenção do bloqueio meiótico ovoci-
clarecido o mecanismo preciso como ocorre tário por longos períodos de tempo requer
esta activação, apesar de ser claro que a ele- mecanismos que inibam a destruição do
vação da concentração de cálcio intracelular MPF e a migração dos cromossomas. O blo-
será o mensageiro central na comunicação queio do ciclo celular do ovócito em MII (Fig. 8)
do sinal activador. Efectivamente, a penetra- será devido à presença de um factor citostá-
ção de um espermatozóide num ovócito em tico (CSF) que estabiliza o MPF. Os estímulos
que se inibiu a elevação das concentrações que induzem a activação ovocitária têm em
de cálcio não resulta em activação. comum o facto de provocarem um influxo
O aumento de cálcio livre no citoplasma de cálcio e a degradação da ciclina B1, a qual
ocorre alguns segundos após o estabeleci- tem uma função reguladora do MPF que as-
mento de continuidade entre as membra- sim é inactivado na transição metafase-ana-
nas dos gâmetas e assume a forma de ondas fase (Fig. 9). A elevação intracelular do cálcio
que atravessam o ovócito. Estas oscilações após a incorporação do espermatozóide
do cálcio que persistem durante algumas destrói o CSF e leva também à destruição da
horas, antecedendo o início da primeira mi- subunidade ciclina do MPF. Com a degrada-
tose do ovo, serão geradas pela activação ção da ciclina, o ovócito entra em anafase e
de receptores do inositol trifosfato (IP3) no progride para o primeiro ciclo celular.

Figura 8. Modificações dos níveis intra-ovocitários de actividade do CSF e do MPF no decurso da meiose ovocitária,
durante a fecundação e as primeiras mitoses embrionárias8.

54 Capítulo 3
O mecanismo de activação envolvendo se- ção cortical, a qual destrói enzimaticamente
gundos mensageiros como os iões cálcio e as os locais de ligação dos espermatozóides e
cinases das proteínas seria desencadeado pri- endurece a zona pelúcida, tornando-a impe-

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mariamente por factores espermáticos permi- netrável. Assim se impede a penetração de
tindo, assim, a sincronização do desenvolvi- mais do que um espermatozóide no ooplas-
mento dos pronúcleos masculino e feminino, ma e se assegura a preservação do número
ao mesmo tempo que impediria a activação de cromossomas característico da espécie.
indesejada do ciclo celular ovocitário por si-
nais de origem materna. Assim, a conclusão 4.4. FORMAÇÃO E FUSÃO DOS PRONÚCLEOS
da meiose ovocitária e a activação dos meca-
nismos antipolispermia, ambos destinados a A fecundação envolve a descondensação e
evitar a poliploidia, seriam dependentes do o processamento de ambos os genomas pa-
sinal activador do espermatozóide. Quer seja rentais. O espermatozóide introduz no ovóci-
mediado por receptores membranares, quer to um núcleo muito condensado e inactivo,
introduzido no ovócito como factor solúvel, o o qual requer um processamento que envol-
sinal desencadeador da activação ovocitária ve a libertação das ligações dissulfureto e a
será sempre transmitido pelo espermatozói- substituição das protaminas por histonas do
de. Uma outra possibilidade é que a fecunda- ovócito. O núcleo do gâmeta masculino so-
ção tenha evoluído através de várias vias, as fre profundas modificações durante a esper-
quais se poderão sobrepor ou constituir alter- miogénese, destinadas a proteger o ADN do
nativas, de forma a assegurar o sucesso, mes- espermatozóide das múltiplas agressões que
mo em condições adversas, designadamente está destinado a sofrer ao longo da travessia
de anomalias gaméticas, de um mecanismo do tracto genital feminino. Depois de incorpo-
essencial à sobrevivência da espécie. rado no citoplasma ovocitário, o ADN paterno
liga-se a histonas e outras proteínas e recons-
titui-se um invólucro nuclear com material
de origem materna. A aposição dos pronú-
cleos que precede a singamia é um processo
guiado pelos microtúbulos do citoesqueleto
ovocitário. Este fenómeno depende da capa-
cidade do zigoto reconstruir o centrossoma a
partir do centríolo paterno e do material pe-
ricentriolar ovocitário, implicando a duplica-
ção do centríolo, fundamental para orientar
o desenvolvimento pronuclear e a formação
do primeiro fuso mitótico. O centrossoma
do zigoto organiza uma estrutura radiária de
microtúbulos, o aster, responsável pelo mo-
Figura 9. Ovócito humano em metafase II (1.o globo vimento do núcleo do espermatozóide para
polar às zero horas). o centro do ovócito, a aproximação dos pro-
núcleos e a sua migração para uma posição
central. Os cromossomas maternos encon-
4.3. REACÇÃO CORTICAL E BLOQUEIO tram-se condensados em metafase II e sofrem
À POLISPERMIA descondensação em pronúcleo feminino
após o termo da segunda divisão meiótica.
O bloqueio à polispermia depende da exoci- O desenvolvimento do pronúcleo masculino
tose dos grânulos corticais, designada reac- parece estar sincronizado com o desfecho da

Fisiologia do ovário e da fecundação 55


meiose ovocitária e a organização do homó- divisão meiótica e só terminam na primeira
logo de origem materna. A descondensação mitose do zigoto.
completa da cromatina paterna é necessária

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para a replicação do ADN, podendo esta co-
ordenação ser assegurada por um ponto de
Bibliografia
controlo (check point) da replicação do ADN
e/ou por uma ansa de retrocontrolo entre os 1. Hourvitz A, Adashi EY. Menstrual cycle: follicular
pronúcleos, destinada a evitar as assincronias maturation. Em: Rabe T, Diedrich K, Strowitzki T, eds.
Manual on Assisted Reproduction. 2.a ed. act. Ber-
e assimetrias na sua formação, as quais pare- lim, Heidelberg, Nova Iorque: Springer-Verlag; 2000.
cem estar correlacionadas com um acréscimo p. 11-23.
2. Faddy MJ. Follicle dynamics during ovarian ageing.
na incidência de mosaicismo e de anomalias Mol Cell Endocrinol. 2000;163(1-2):43-8.
do desenvolvimento embrionário precoce. 3. Almeida Santos T. Esterilidade ovocitária – con-
tribuição para o diagnóstico etiológico da ausência de
fecundação in vitro e definição de uma nova classe de
4.5. MIGRAÇÃO PRONUCLEAR E SINGAMIA esterilidade [dissertação de doutoramento]. Coimbra:
Faculdade de Medicina de Coimbra; 2003.
4. Zeleznik AJ. Dynamics of primate follicular growth. A
Nos mamíferos, os pronúcleos não se fun- Physiologic perspective. Em: Adashi E, Leung P, eds.
The ovary – Comprehensive endocrinology revised
dem em interfase, verificando-se a desin- series. Nova Iorque: Raven Press; 1993.
tegração das membranas pronucleares na 5. Leroy F, Lejeune B. Physiologie de l’ovaire. Em: Hédon
B, Madelénat P, Dargent D, Frydman S, coords. Gyné-
primeira mitose e ocorrendo a mistura dos cologie. Paris: Ellipses; 1998.
cromossomas maternos e paternos aquan- 6. Rodrigues P, Limback D, McGinnis LK, Plancha CE, Al-
bertini DF. Oogenesis: Prospects and challenges for the
do do alinhamento na placa metafásica future. J Cell Physiology. 2008;216(2):355-65.
do primeiro ciclo mitótico. Consequente- 7. Thibault E, Levasseur MC, coords. La reproduction chez
les mammifères et l´homme. Paris: Ellipses; 1991.
mente, os acontecimentos envolvidos na 8. Edwards R, Brody SL. Principles and Practice of Assisted
fecundação iniciam-se durante a segunda Human Reproduction. WB Saunders Company; 1995.

56 Capítulo 3
Secção II

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OBSERVAÇÃO CLÍNICA

Capítulo 4 - Relação Médico-Doente


Professor Doutor António Macedo

Capítulo 5 - Semiologia ginecológica


Professor Doutor José Martinez de Oliveira

57
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4 Relação Médico-Doente

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António Ferreira de Macedo e Maria Helena Pinto de Azevedo

«A qualidade dos cuidados médicos de- «There is a major dissonance between the
pende em última análise da interacção patient’s and the physician’s perception. Pa-
entre o médico e o doente e existe uma tients need caring as much as curing. They
abundante evidência que na prática cor- insist in both. But modern physicians, en-
rente, essa interacção é frequentemente thralled with their newly discovered ability
desapontadora para ambas as partes… to cure, have learned to seek their gratifica-
Dos vários factores que contribuem para tion in this capacity, often forgetting the car-
esse descontentamento, certamente que ing mode and sometimes leaving patients
um dos mais importantes é a deficiente frustrated and angry even when cured.»
comunicação entre o médico e o doente.»
Korsch, Negrete1 Como é que um doente curado pode ficar
«frustrado» ou mesmo «zangado»? Como
1. INTRODUÇÃO iremos mostrar, a compreensão deste apa-
rente paradoxo passa, primeiro, por enten-
Embora com algumas décadas, a citação in- dermos a evolução conceptual dos modelos
trodutória continua com plena actualidade e médicos e sua contextualização sociológica,
grande relevância para dar o mote a um ca- com especial ênfase nos modelos biomédi-
pítulo sobre a relação médico-doente (MD). co e biopsicossocial (BPS). Após este intrói-
A verdade é que enquanto existirem doen- to, focamos a atenção no âmbito da relação
tes e médicos e estes não forem substituídos MD propriamente dita, onde salientamos a
por algum equivalente robótico, a relação importância central das competências de
MD constitui-se como a matriz e o sustentá- comunicação requeridas para a satisfação
culo de toda a prática médica. das múltiplas necessidades dos doentes, tal
Apesar de constituir uma evidência, não como sintetizadas por Ong, et al.3: «the need
é demais salientar que o médico não con- to know and understand (cure) and the need to
substancia um simples «fazedor» de diag- feel known and understood (care)». Depois, e
nósticos ou dispensador de prescrições. Se tendo em conta o contexto em que este ca-
assim fosse, poderia até, porventura, ser pítulo se insere, abordaremos alguns aspec-
substituído (se calhar com mais vantagens tos específicos da relação MD, no âmbito da
de economia e fiabilidade) pelo tal robô. É ginecologia, incluindo as questões ligadas à
muito mais do que isso, o que fica mais cla- oncologia. Terminamos com uma breve nota
ro quando se evidenciam algumas causas relativa ao impacto que as novas tecnologias
de mal-estar na relação MD, sendo uma das de informação terão na relação MD que des-
principais a dissonância entre as expectati- de já se desenha, mas cujas consequências
vas do doente e do médico, bem ilustrada ainda não são completamente previsíveis na
pelas palavras de Glick2: sua totalidade.

59
2. MODELOS MÉDICOS  EVOLUÇÃO geu desta concepção ontológica das doen-
CONCEPTUAL E CONSEQUÊNCIAS ças como «entidades» autónomas, com a sua
etiologia, fisiopatologia e evolução próprias.

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É longa a história da construção de signifi- Este modelo predominantemente centrado
cações sobre a natureza, funções e estrutura sobre a dimensão biológica da pessoa, por
do corpo e consequentemente das perspec- isso designado biomédico, constitui a base
tivas sobre os processos de saúde e doença. conceptual e metodológica da moderna me-
A resultante dessa evolução conceptual ao dicina científica4. Neste contexto, a doença é
imprimir em cada época o seu cunho no definida com base em desvios da biologia
ensino médico, não podia deixar de influen- corporal, num modelo essencialmente redu-
ciar de forma determinante, a própria práxis cionista, no qual corpo humano é assumido
médica e, em última análise, o modo como como uma invariância universal sujeito a um
doentes e médicos se relacionam. Simplifi- conjunto comum de doenças, elas também
cando esse percurso histórico, podemos di- experienciadas de uma forma universal. Esta
zer que a medicina tem oscilado entre duas abordagem mecanicista, herdeira da tradi-
perspectivas básicas: ção cartesiana, perspectiva os indivíduos
— Funcional ou fisiológica: com origem na como máquinas físico-químicas, cujos defei-
medicina hipocrática, explica a causa das tos (doenças) são susceptíveis de ser repara-
doenças como um desequilíbrio entre dos por meios físicos (cirurgia) ou químicos
as forças da natureza e a pessoa. Isto é, (farmacológicos). O ideal do médico, como
temos aqui uma perspectiva ecológica corolário lógico desta metáfora mecânica,
avant la lettre. A prática médica centra-se é como refere Alexander5, tornar-se uma es-
no doente como um todo e no seu am- pécie de «engenheiro do corpo». Não é pois
biente, evitando ligar a doença a pertur- surpreendente que, neste enquadramento
bações orgânicas específicas. conceptual, o papel desempenhado pelos
— Ontológica: as doenças são vistas como factores psicológicos e sociais, bem como a
entidades autónomas («coisificadas») que sua interacção com os factores biológicos,
invadem o organismo e são desenraiza- fossem negligenciados. A importância dos
das do seu suporte natural (i.e., o doente). aspectos psicossociais, na etiologia da do-
Na prática, o foco de atenção tende a des- ença, era desvalorizada, sendo estes factores
viar-se do doente para a doença. mais associados às consequências do que às
Esta última perspectiva, com alguns picos ao causas da doença.
longo dos séculos, tem um desenvolvimen- Não negamos a importância dos aportes
to particularmente notório a partir do século que o modelo biomédico acarretou para a
XIX, influenciada por um lado pela corrente medicina, contribuindo para um desenvol-
filosófica do Positivismo e por outro, pelo vimento ímpar. O que queremos sublinhar
desenvolvimento tecnológico e aprofunda- é que o reducionismo fisicalista que lhe está
mento das bases científicas da própria me- subjacente teve várias consequências ne-
dicina. O paradigma do modelo infeccioso gativas que enfraqueceram a sua validade
de Pasteur institui-se como um dos moto- como paradigma para uma prática médica
res conceptuais para o desenvolvimento adequada, dando primazia à tecnologia e
de uma medicina científica e clarividente, secundarizando a relação MD.
emanando de um modelo simples e eficaz,
porque assente num raciocínio de limpidez Referimos médico e doente no masculino (excepto no caso
etiológica de causalidade linear: um agente da obstetrícia e ginecologia em que os doentes são sem-
pre mulheres). No entanto, reconhecemos que o género
– uma doença – um tratamento. É na primei- feminino está maioritariamente representado nas nossas
ra metade do século XX que se atinge o apo- Faculdades de Medicina.

60 Capítulo 4
2.1. DA NECESSIDADE DE NOVOS MODELOS de crenças, o qual, por sua vez se desenvol-
veu num contexto social e cultural específico.
«As fronteiras entre saúde e doença, en- Por outro lado, esses mesmos processos são

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tre bem-estar e mal-estar, estão longe de socialmente influenciados por uma multi-
serem claras, já que são disseminadas por plicidade de factores socioeconómicos tais
considerações culturais, sociais e psicoló- como condições de emprego/desemprego,
gicas. A concepção biomédica tradicional, família e educação, que actuam como fac-
onde os índices biológicos são o critério tores de vulnerabilidade ou pelo contrário,
último para a definição da doença, leva ao como protectores da doença. Não são apenas
presente paradoxo, no qual é dito a algu- estes aspectos sociais que podem influenciar
mas pessoas com resultados laboratoriais o estado de saúde/doença. As significações
positivos que têm necessidade de ser tra- subjectivas, relacionadas com a forma como
tadas, quando de facto se sentem bastan- a pessoa se avalia a si própria e ao mundo, po-
te bem, enquanto que outras se sentem dem ter um papel extremamente importante
doentes, mas é-lhes assegurado que estão na saúde das pessoas, sendo de realçar que
bem, ou seja, não têm doença.»4 os «estados emocionais negativos» podem
actuar como factores precipitantes ou de ma-
Destas palavras de Engel4, considerado o «pai» nutenção das doenças físicas. Por exemplo, as
do modelo BPS, se depreende que o modelo investigações efectuadas no campo da psi-
biomédico tinha esgotado a sua utilidade e coneuroimunologia sugerem que os estados
criava situações paradoxais de incapacidade depressivos, processos de luto e stresse psi-
de resposta em certas situações clínicas, como cológico intenso parecem comprometer, em
as acima enunciadas. No entanto, este é ape- maior ou menor grau, o funcionamento do
nas o culminar de diversos contributos que, sistema imunológico e que, pelo contrário, os
provenientes de fora e de dentro da medicina, «estados emocionais positivos» podem agir
foram abalando o edifício do modelo biomé- como factores protectores.
dico. Entre os últimos, temos como exemplo Outra disciplina, a Antropologia Médica,
o caso da Medicina Psicossomática, que ao pela compreensão transcultural das vari-
evidenciar a interacção entre os mecanismos áveis envolvidas nos cuidados de saúde,
psicológicos e as doenças físicas, questionou também contribuiu para desafiar as crenças
a perigosa artificialidade do dualismo men- de invariância do modelo biomédico tradi-
te-corpo. Outras disciplinas, como a Saúde cional, bem como para perspectivar uma
Comportamental/Medicina Comportamen- visão mais lata da saúde e doença, ao inves-
tal, resultaram da integração na medicina de tigar o modo como as pessoas, em diferen-
conhecimentos e modelos provenientes da tes contextos culturais e sociais, procuram
Psicologia, ciência que mais recentemente explicar as causas do seu estado de saúde
desenvolveu um ramo específico – Psicologia e doença, as crenças sobre os tipos de tra-
da Saúde (PS). No entanto, vários contributos tamento e os comportamentos de procura
externos à medicina, tais como os provenien- de ajuda.
tes da Antropologia e Sociologia Médicas,
também reforçaram a necessidade de novos 2.2. NOVOS CONCEITOS DE SAÚDE
modelos e, necessariamente novas práticas. A
Sociologia Médica argumenta que a saúde e Em paralelo com as mudanças no back-
a doença constituem experiências que tam- ground filosófico e científico, outros fac-
bém são socialmente construídas, no sentido tores foram exercendo uma pressão de
em que a nossa visão dos processos de saúde mudança mais directa no que diz respeito
e de doença é influenciada por um sistema à prática médica e consequentemente, na

Relação médico-doente 61
própria relação MD. Nos países desenvolvi- tornar-se perigoso se o seu carácter inatin-
dos, o facto da esperança de vida quase ter gível for esquecido.
duplicado no século XX, determinou uma

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viragem na prevalência relativa de grandes 2.3. ABORDAGEM BIOPSICOSSOCIAL
grupos mórbidos: ocorreu uma drástica
diminuição das patologias infecciosas res- No modelo BPS, o objectivo teórico e meto-
ponsáveis pela maior fatia de mortalidade dológico da medicina deve consistir na in-
e um progressivo aumento das doenças terligação das dimensões biológica, psicoló-
crónicas/degenerativas. Estas últimas care- gica e social da pessoa, sendo que cada uma
cem de tratamentos prolongados em que dessas dimensões, por si só, não fornece
a tónica se coloca no controlo/reabilitação uma compreensão cabal dos processos de
e não na cura. Este facto epidemiológico saúde e de doença. A medicina deve assim
veio determinar mudanças profundas nos assumir uma postura sistémica, consideran-
planos de cuidados: os tratamentos exigem do o doente enquanto entidade global e
um envolvimento activo dos doentes no não apenas na vertente dos seus processos
seu processo terapêutico e, por outro lado, bioquímicos ou fisiológicos. As dimensões
as doenças crónicas têm repercussões psi- psicológicas e o contexto social em que a
cológicas e sociais mais ou menos graves, pessoa vive, devem ser incluídos na análi-
as quais podem constituir factores agra- se do processo de doença, bem como nas
vantes dos problemas físicos. Estas circuns- condicionantes de saúde. Por outro lado, as
tâncias criam novas necessidades, ditando contribuições dos factores biológicos, psi-
uma avaliação global do doente, bem como cológicos e sociais devem ser analisadas,
o desenho e implementação de um plano não apenas no seu papel relativo no sofri-
de cuidados personalizado e mais compre- mento da pessoa, mas também na sua res-
ensivo, porque baseado numa visão mais ponsabilidade para cooperar no processo
abrangente que, para além da doença, obri- terapêutico.
ga a olhar novamente para o doente. O designado modelo BPS, na nossa pers-
É de salientar que a maior abrangência pectiva, mais do que um elaborado conjun-
da concepção de saúde ficou consagrada to de preceitos, é um princípio organizador
na definição da Organização Mundial da e catalisador que permitiu a integração
Saúde (OMS, 1948) como um «estado de multidisciplinar de diversos aportes e o de-
completo bem-estar físico, mental e social, senvolvimento de múltiplos conceitos cujo
e não meramente a ausência de doença ou denominador comum é a perspectiva de
enfermidade». Esta definição teve a vanta- uma medicina centrada sobre o doente,
gem de explicitamente introduzir um con- como pessoa única e integral. Por exemplo,
ceito alargado de bem-estar que incluiu as é neste terreno fértil que se vem enxertar a
vertentes psicológicas e sociais (definição PS, que é definida como «qualquer aplica-
positiva) e não simplesmente a ausência ção científica ou profissional de conceitos e
de saúde (definição negativa). No entanto, métodos psicológicos a todas as situações
como salienta Cruz Reis6, apesar da sua útil próprias do campo da saúde, não apenas
formulação multidimensional, esta defini- nos cuidados de saúde mas também na
ção tem a desvantagem de ser utópica, na saúde pública, educação para a saúde, pla-
medida em que ninguém atinge um «com- nificação da saúde…»8.
pleto» bem-estar físico, mental e social. Uma das importantes características da PS é
Dubos7 vai mais longe afirmando que um que, apesar de manter a doença como objec-
conceito de saúde que apele para um esta- to de estudo e intervenção (numa visão mais
do ideal de saúde (como o da OMS), pode lata), descentra o seu interesse para o pólo da

62 Capítulo 4
saúde9. Desse modo, para além da tradicio- passa a caber um papel fundamental como
nal perspectiva curativa ou mesmo preven- agente modificador do comportamento das
tiva da doença, o foco de atenção pode ser pessoas, o que naturalmente só conseguirá

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deslocado para o âmbito mais lato da pro- se ao nível do ensino médico houver a pre-
moção da saúde que visa, em última análise, ocupação de desenvolver programas de
a mudança de comportamentos conducen- ensino/aprendizagem das competências de
te à adopção de um estilo de vida saudável. comunicação com vista a uma eficaz e satis-
Neste caso, a relação médico-cliente (i.e. o in- fatória relação com os doentes, suas famílias
divíduo não-doente) constitui-se como epi- e outros elementos profissionais11.
centro da mudança, funcionando o médico
como educador para a saúde e promovendo «The single biggest problem in communica-
a responsabilização do indivíduo por cuidar tion is the illusion that it has happened.»
da sua saúde. Aliás, a definição de promoção George Bernard Shaw
da saúde da Carta de Ottawa de 1986, centra-
se precisamente sobre a questão do controlo
que cada um deve ter sobre a sua saúde: «pro- 3. RELAÇÃO MÉDICODOENTE
cesso de capacitar (enabling) as pessoas para
aumentarem o controlo sobre a sua saúde e Desde sempre que uma boa relação MD é
para a melhorar». É nessa senda que os papéis condição básica para a prestação de cuida-
tradicionais de médico e doente se vão trans- dos de saúde de qualidade. Hoje como no
formando e que conceitos como Health Em- passado, os doentes valorizam tanto a com-
powerment e Health Literacy traduzem a cons- petência técnica, como uma comunicação
tatação de que o conhecimento (informação) satisfatória. Como recentemente, afirmava de
sobre a saúde e doença deve ser devolvido à viva voz um utilizador, sobre o atendimento
comunidade de modo a desenvolver nas pes- na saúde «A boa ou má forma como somos
soas a percepção que podem mudar as suas tratados na doença tem tanto ou mais peso
vidas e ter algum controlo e regulação sobre na nossa memória quanto a eficácia do trata-
as questões da sua saúde (e doença). mento e da cura». É interessante notar que na
Assim, a PS afasta-se de um modelo linear prática médica, entre tantos factores que po-
de doença e sustenta que os seres humanos deriam ser fonte de problemas, a insatisfação
devem ser vistos como sistemas comple- na relação MD constitui uma das principais
xos, sendo a própria doença um fenómeno causas de mal-estar, tal como é citada pela
igualmente complexo e causado por uma World Federation for Medical Education12:
multiplicidade de factores. Entre estes, há
várias décadas que os estudos epidemioló- «Adequate communication skills with pa-
gicos salientam que determinados estilos de tients, colleagues and the public are basic
vida estão associados às principais causas de necessities of clinical work. Dissatisfaction of
mortalidade, nos países desenvolvidos10. As patients and the public is due more to poor
implicações dessa constatação são notórias. communication than to any other professio-
O indivíduo já não pode ser considerado nal deficiency».
uma vítima passiva da doença, sendo reco-
nhecido que certos dos seus comportamen- É estranho que a imperiosa necessidade de
tos contribuem para o desenvolvimento dos mudança, ao nível da educação médica, no
factores de risco/morbilidades (e.g. hiper- que diz respeito à melhoria das competências
tensão arterial [HTA], hipercolesterolemia, de comunicação nem sempre tenha sido de-
abuso de álcool/drogas, tabaco, compor- vidamente apreciada, como referem Szeke-
tamentos sexuais de risco, etc.). Ao médico res, et al.13: «It is remarkable that sometimes the

Relação médico-doente 63
amount of educational attention to skills trai- envolve o processo de prestação de cuidados.
ning in medical education seems to be inversely Podemos, por exemplo, apreciar a importân-
related to their importance». cia de doentes e médicos compartilharem as

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A relação MD tem implicações em dois gran- mesmas expectativas, explorando os desejos
des eixos que, para fins didácticos, podemos que os doentes carreiam quando procuram
designar por: humanístico e técnico. Na prá- ajuda e analisar em que medida as suas expec-
tica médica, estes dois eixos não podem ser tativas e necessidades são satisfeitas. Jackson,
dissociados, devendo sempre caminhar jun- et al.21 avaliaram os preditores de satisfação
tos. O eixo humanístico diz respeito aos com- numa amostra de 500 adultos, com sintomas
ponentes mais afectivos e relacionais da inte- vários, observados por um dos 38 clínicos
racção nesta díade MD. O eixo técnico, como participantes. Antes da consulta, 64% dos
o nome indica, diz respeito aos aspectos doentes estavam preocupados que o seu sin-
relacionados com a avaliação (diagnóstico) toma pudesse representar uma doença grave
e resolução (terapêutica) do problema apre- e quase todos os doentes (98%) tinham pelo
sentado pelo doente. A convergência destes menos uma expectativa, incluindo o desejo
dois eixos conduz a importantes resultados de uma explicação causal, tempo provável de
relacionados com os cuidados de saúde, in- recuperação, prescrição de medicamentos,
cluindo a satisfação do doente, aderência ao exames complementares de diagnóstico ou
tratamento, saúde e bem-estar, mudança de referenciação a uma especialidade. Os facto-
médico, reclamações e litigância. res mais fortemente ligados à satisfação com
a consulta eram a satisfação das expectativas
3.1. SATISFAÇÃO DO DOENTE e aspectos da comunicação do médico, como
ser dada aos doentes uma explicação da cau-
A satisfação do doente é de longe a compo- sa do sintoma e sua provável duração.
nente dos cuidados de saúde que mais larga- De acordo com uma revisão sistemática da
mente tem sido investigada14-19, sendo actu- literatura, os ingredientes da comunicação
almente cada vez mais usada como medida MD que maior impacto têm na satisfação são
da qualidade dos cuidados. É também impor- o doente ter a percepção de ser ouvido e ser
tante, por constituir um importante preditor tratado com respeito e humanidade. Os do-
de resultados na saúde. Porém, torna-se ne- entes sentem-se mais satisfeitos com os mé-
cessário sublinhar que a satisfação é ela pró- dicos que mostram ser calorosos, afáveis, com
pria uma variável complexa que depende de modos mais tranquilizadores, que mostram
vários componentes20, nomeadamente dos interesse pelos seus desejos e preocupações,
aspectos afectivos (compreensão e apoio que discutem o seu problema de saúde, que
emocional), dos aspectos comportamentais fornecem uma clara explicação do diagnósti-
e informativos (e.g. explicações adequadas) e co e prognóstico e que partilham as decisões
dos aspectos ligados à competência técnica terapêuticas19. Como mostrou uma revisão da
do médico. Assim, a insatisfação dos doentes Cochrane Library, o treino dos profissionais de
também pode ter repercussões em todas es- saúde em competências interpessoais pode
tas áreas, e por esta via ser fonte de múltiplos ter um efeito positivo na satisfação do doente
problemas, incluindo litigação e maior consu- com os cuidados recebidos22.
mo de serviços de saúde, e por consequência
um aumento desnecessário das despesas 3.2. SAÚDE E BEMESTAR
com a saúde. A evidência tem demonstrado
que esta insatisfação resulta em boa parte da Existe forte evidência que uma boa comu-
discrepância entre as expectativas do doen- nicação MD está ligada a vários resultados
te e do médico, com respeito à dinâmica que de saúde como melhor saúde emocional e

64 Capítulo 4
estado funcional, maior resolução de sinto- vida. Contudo, uma vasta gama de estudos
mas, melhor controlo de medidas fisiológi- realizados nas últimas décadas mostram que
cas (ex. pressão arterial, glicemia) e da dor23. 40-50% dos doentes não cumprem as reco-

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Neste contexto, é especialmente relevante mendações médicas, valores que sobem para
um estudo recente de Stewart, et al.24. Numa os 70% quando os regimes preventivos ou de
amostra de 39 médicos e 315 doentes, os tratamento são muito complexos e/ou exigem
autores examinaram o impacto que a prática mudanças/modificações no estilo de vida26.
médica centrada no doente tem na saúde e Trata-se de um problema complexo e muito
eficiência dos cuidados. Os componentes da sério. Para o doente pode significar cronicida-
comunicação avaliados incluíam: de, prescrições inadequadas/mudanças nas
— Explorar a doença e a vivência de estar dosagens, recaídas, readmissões hospitalares,
doente (ex. o médico explorou os sinto- iatrogenia, má qualidade de vida e até mes-
mas, sentimentos, ideias, funcionamento mo a morte. São também elevados os preju-
e expectativas). ízos económicos (ex. utilização dos serviços
— Compreender a pessoa como um todo de saúde, internamentos, medicamentos) e
(o médico elicitou e explorou questões as taxas de mortalidade. Compreensivelmen-
relacionadas com o ciclo da vida, perso- te, o médico sente-se frustrado e insatisfeito
nalidade ou contexto de vida, incluindo com a má qualidade do serviço prestado.
familiar). Contudo, nem sempre tem plena consciência
— Procurar mútuo acordo (o médico des- que a relação que estabelece com o doente
creveu claramente o problema e o pla- desempenha um papel importante na ade-
no de tratamento, respondeu a todas as rência. Enquanto 54% dos doentes satisfeitos
questões colocadas e ambos discutiram com a relação MD aderem ao tratamento, o
e concordaram sobre o que fazer). número equivalente para o grupo insatisfeito
Estes aspectos da comunicação centrada no é cerca de 16%27. Mais recentemente, Safran,
doente estavam associados a menos des- et al.28, numa amostra de 7.204 doentes, en-
conforto, menos preocupação, melhor saú- contraram que as variáveis mais fortemente
de mental, menos exames complementares associadas com a aderência eram a confiança
de diagnóstico e referenciações. dos doentes no seu médico e, da parte deste
Flocke, et al.25 observaram milhares de con- último, um conhecimento global dos doen-
sultas efectuadas por 138 médicos e inves- tes. Nos doentes relativamente aos quais era
tigaram a ligação entre os estilos de relação maior o conhecimento global que deles tinha
MD e a percepção que os doentes tinham da o médico, a taxa de aderência era 2,6 vezes
qualidade dos cuidados. O estilo centrado mais elevada do que naqueles em que esse
na pessoa estava associado com o relato de conhecimento era mais baixo. A este respei-
maior qualidade de cuidados e maior satisfa- to, toda a investigação aponta para o valor
ção dos doentes, enquanto que os médicos crucial da relação MD, como bem chamam
com um estilo de elevado controlo eram ge- a atenção as palavras de Martin, et al.26: «The
ralmente os piores classificados nestes indi- physician–patient partnership itself, however,
cadores de qualidade. remains at the core of all successful attempts to
improve adherence behaviours».
3.3. ADERÊNCIA AO TRATAMENTO
3.4. MUDANÇA DE MÉDICO
Sem dúvida que, para muitas situações médi- DOCTORSHOPPING BEHAVIOUR
cas, um diagnóstico correcto e plano terapêu-
tico adequado são condição essencial para a Vários estudos têm demonstrado a influên-
sobrevivência do individuo e qualidade de cia da relação MD no comportamento de

Relação médico-doente 65
mudança de médico, um fenómeno comum estudo de reclamações submetidas à apre-
e complexo. Por certo, muitos não o farão ciação dos pares, apurou-se que a maioria
por falta de recursos económicos, de outros eram válidas, sendo que em 78% dos casos

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profissionais e/ou medo de retaliação: envolviam problemas de comunicação32.
De igual modo, o estilo de comunicação e
«…ninguém gosta dele, tem muito maus atitude do médico são determinantes na
modos, não se interessa pelos doentes, decisão de litigar, em mais de 70% dos ca-
uma pessoa faz tratamentos... análises… sos34. Os principais factores de insatisfação
e não sabe nada… se a doença é ruim... identificados são explicações inadequadas
quantos tratamentos vamos fazer… se do diagnóstico/tratamento, um modo de
as análises estão boas… a gente nem diz comunicação que ignora a perspectiva dos
nada, não vale a pena… se a gente tivesse doentes e/ou familiares, que não faz caso/
outro para onde ir, ou tivesse dinheiro… desvaloriza as opiniões dos doentes e/ou
ninguém faz queixa, temos medo que de- familiares e os doentes sentirem-se aban-
pois ainda nos trate pior…» donados e «tratados à pressa». Levinson,
et al.35 foram os primeiros investigadores
Num estudo longitudinal de Marquis, et a correlacionarem as estratégias usuais de
al.29, a insatisfação geral dos doentes com comunicação com a história de processos
os cuidados médicos estava directamente judiciais por má prática médica. Os mé-
relacionada com a probabilidade de mu- dicos sem reclamações proporcionavam
dança de médico ao fim de um ano de se- mais afirmações orientadoras (educar os
guimento. Safran, et al.30 realizaram um es- doentes acerca do que esperar) e tendiam
tudo longitudinal cujos resultados também a usar um estilo mais facilitador da relação
indicaram que os doentes com pior relação (solicitando as expectativas e opiniões dos
MD tinham uma probabilidade três vezes doentes, verificando a sua compreensão e
superior de deixar o médico ao longo dos encorajando-os a falar). Este estudo é par-
três anos de duração do estudo, compara- ticularmente interessante porque se baseia
tivamente àqueles em que a qualidade da na observação directa do comportamento
relação era boa. do médico com os doentes e não nas per-
Duas revisões sistemáticas recentes19,31 con- cepções destes. Embora as reclamações
cluíram que a continuidade de cuidados (ex. e litigação atravessem todas as áreas da
ter o mesmo médico durante um período prática médica, a área da obstetrícia/gi-
prolongado de tempo) estava associada necologia parece viver num crescente
com maior satisfação do doente, melhores «ambiente de litígio»36-38. Para os médicos,
indicadores de saúde (ex. menos doenças, reclamações/litigância, constituem um
menos internamentos) e melhores cuida- factor significativo de stresse a somar a
dos de serviços preventivos (ex. dieta, peso, tantos outros da sua actividade profissio-
fumar, tensão arterial, consumo de álcool). nal, incluindo o tempo perdido com essas
Os benefícios da continuidade de cuidados questões (ex. correspondência, relatórios,
também resultam em maior satisfação para entrevistas)36,39,40.
os médicos e redução dos custos na saúde. Como bem chamam a atenção Cave e Da-
cre32, muitos destes problemas poderiam
3.5. RECLAMAÇÕES E LITIGÂNCIA ser minimizados se os médicos proporcio-
nassem ao doente «toda a informação que
A maioria das reclamações (72%) envolvem desejam ou necessitam para lhes permitir
problemas de insensibilidade ou falhas de navegar através das complexidades das suas
comunicação dos profissionais32,33. Num doenças e do sistema de saúde».

66 Capítulo 4
4. RELAÇÃO MÉDICODOENTE uma atitude «centrada sobre a doente». Van
EM GINECOLOGIA Dulmen42, num estudo efectuado sobre mais
de 500 consultas de ginecologia, refere que

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«Ideally, patients want the expertise of a ‘su- os problemas ginecológicos coincidem fre-
per-specialist’ in the personality of a ‘family- quentemente com problemas emocionais
doctor’»41 e conjugais, e que estes últimos predizem
em maior grau a ida às consultas do que os
Todas as considerações até agora efectuadas factores orgânicos. Quando foi explorado
são genéricas, no sentido em que se referem o conteúdo das interacções MD, ficou evi-
aos princípios e fundamentos sobre os quais dente que os ginecologistas focavam mais a
se deve basear a relação MD e, consequen- atenção em aspectos biomédicos e as doen-
temente, aplicáveis a qualquer ramo/espe- tes em questões psicossociais.
cialidade da medicina. No entanto, dado o As doentes gostam que os seus ginecologis-
contexto em que este capítulo se insere, não tas tenham em consideração temas pessoais
poderíamos deixar de particularizar alguns ou familiares44 ou as suas perspectivas sobre
aspectos da relação MD no âmbito da gineco- a doença e quais as repercussões funcionais
logia e outros que não sendo exclusivos desta que a doença pode acarretar. Este último as-
especialidade, também aí têm lugar de desta- pecto traduz uma incongruência comum a
que, como é o caso das questões que se colo- todas as áreas da medicina, no que respeita
cam na oncologia e dentro desta, a problemá- às perspectivas do médico e doente sobre a
tica do doente em fim de vida. Os problemas doença. O médico preocupa-se mais com os
e dificuldades na comunicação, anteriormen- aspectos de definição e tratamento (qual é
te identificados, são os mesmos que se colo- problema? Como é que o trato?), enquanto a
cam na ginecologia42, onde os objectivos da visão do doente é mais funcional (quais são
interacção MD continuam a ser idênticos: as consequências da doença?).
— Estabelecer uma boa relação MD. Outro aspecto específico da ginecologia
— Promover a troca de informação. é o problema de lidar com o toque em zo-
— Tomar decisões (ex. terapêuticas)3. nas corporais mais íntimas. É verdade que
Porém, no campo da ginecologia, torna-se as mudanças socioculturais ocorridas nas
necessário abordar tópicos que cultural e últimas décadas e que ditaram uma relati-
simbolicamente são complexos, constrange- va banalização da nudez e da sexualidade
dores e que exigem do médico, tacto, sen- atenuaram parte dos constrangimentos as-
sibilidade e boas competências na comuni- sociados a estes aspectos. Apesar disso, na
cação com a doente. É o caso dos aspectos prática ginecológica, a questão da privacida-
ligados à sexualidade, anticoncepção/repro- de coloca-se com especial acuidade, quer no
dução assistida, doenças sexualmente trans- exame clínico, quer na realização de exames
missíveis, doença oncológica e as ligações complementares. Na Carta dos Direitos e De-
de cada uma destas questões com as outras. veres dos Doentes, elaborada pela Direcção-
Um exemplo é a questão da sexualidade na -Geral da Saúde está consagrado o direito do
doente oncológica, uma temática geralmen- doente «à privacidade na prestação de todo
te esquecida ou evitada, como se os doentes e qualquer acto médico». Assim, deve ser
oncológicos passassem a ser assexuados43. uma preocupação individual e institucional
Assim, no âmbito da ginecologia, como não assegurar que as condições de reserva e pri-
podia deixar de acontecer, também se colo- vacidade estão preenchidas em termos das
ca a questão já referida da dissonância en- condições físicas das instalações, da logística
tre as perspectivas/expectativas do médico funcional do serviço e do comportamento
e do doente e da necessidade de adoptar do médico, o que nem sempre acontece, tal

Relação médico-doente 67
como ilustrado pelas duas vinhetas seguin- étnico-cultural, características de personali-
tes, de casos reais: dade, etc. É neste contexto do toque íntimo
Exame ginecológico que as competências de comunicação não-

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«…o Dr. estava a fazer o exame… aquilo já verbal também assumem grande relevância.
é uma coisa que me incomoda,… não gos- Por exemplo, a interpretação dos silêncios e
to… tenho vergonha, de repente abrem a hesitações dão-nos importantes pistas sobre
porta, entram e põem-se a falar… eu só as reticências e vergonha da doente e a nos-
não saí logo dali porque tenho andado sa mímica, olhar e gestos podem, pelo con-
muito doente…» trário, tranquilizar e encorajar.
Ecografia endovaginal Para obviar aos problemas relacionados com
«… estava a fazer o exame já com o apa- as alegações de assédio/abuso sexual, as as-
relho metido dentro, quando entram dois sociações médicas de vários países desenvol-
homens, abriram a cortina para procurar veram directrizes e recomendações de con-
ao Dr. onde deviam colocar tomadas, ele duta45. Entre nós, uma recomendação (01/05,
saiu e foi com eles… quando voltou man- Setembro de 2005) da Ordem dos Médicos,
dei que tirasse aquilo tudo, queria ir embo- aconselha que «em qualquer circunstância,
ra, e fui sem fazer o exame… já nem fiz a e desde que autorizado pelo doente, deverá
mamografia… É uma falta de respeito…» ser possível ao médico requerer a presença
A questão do exame ginecológico é muito de um elemento com formação profissional
melindrosa, pelos vários aspectos sensíveis adequada (técnica e ética) para apoio à rea-
que lhe estão associados: de natureza psico- lização dos actos médicos». No entanto, esta
lógica, cultural e física. Para muitas mulheres questão da «terceira pessoa» (geralmente
está ligado a desconforto e emoções negati- enfermeira), presente no exame ginecológi-
vas, associadas por exemplo, à possibilidade co não é uma «panaceia universal», tal como
de ser descoberta uma doença grave, à ver- a investigação tem mostrado46-49. A presença
gonha de desvendar doenças sexualmente de uma enfermeira pode ser sentida por al-
transmitidas, à relutância em revelar detalhes gumas pessoas como um alívio ou, pelo con-
da sua vida sexual, etc.45. Assim, o médico trário, como uma quebra de privacidade. A
tudo deve fazer para minimizar o desconfor- aceitabilidade de outra pessoa também está
to físico e emocional para a doente, de modo relacionada com a preferência da doente
a eliminar constrangimentos e também evi- pelo género do ginecologista (masculino/
tar os problemas de potenciais acusações de feminino). As doentes que são observadas
assédio/abuso sexual. A técnica do toque por uma ginecologista sentem como me-
deve ser treinada para «profissionalizar» nos necessária a presença de outra pessoa.
esse contacto de modo a ser firme, mas su- Na situação de um ginecologista, 30 a 68%
ave e rápido e eliminando quaisquer gestos das mulheres já referem que a presença de
«parasitas», que mesmo remotamente pos- uma enfermeira seria desejável45. Assim, a
sam sugerir carícias ou outros gestos sexua- presença de um terceiro elemento não é
lizados. Assim, impõe-se encontrar um equi- mandatória, mas pode ser aconselhável em
líbrio entre um frio distanciamento formal e algumas circunstâncias, tais como no exame
um excesso de familiaridade: uma atitude de adolescentes ou de mulheres observadas
que combine a dose certa de neutralidade pela primeira vez.
profissional e da empatia e proximidade que No que diz respeito à tomada de decisões
devemos a qualquer doente. Para ter êxito (preventivas, curativas ou outras), aqui como
nessa tarefa, devemos ter em conta um cer- em qualquer outra área da medicina, a acção
to número de variáveis, tais como a idade da é necessariamente guiada por dois vectores
doente, nível socioeconómico, background éticos inalienáveis:

68 Capítulo 4
— Princípio do benefício. cesso estático. Com efeito, no contexto do
— Princípio do respeito pela autonomia do cancro, as questões centrais que se colocam
doente. na relação MD são muito diversas e mudam

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Já não é admissível um estilo paternalista de ao longo do tempo. E em cada um e todos
médico que, de forma mais subtil ou vigoro- os momentos dessa caminhada, o médico
sa, decida impor unilateralmente determina- deve estimular e manter um diálogo aberto
da decisão. Por exemplo, em questões como e contínuo, de confiança e confidência, com
a da terapia hormonal substitutiva ou da doentes e familiares, propiciador de uma re-
contracepção, as regras aplicáveis devem ser lação centrada no respeito pela autonomia
as gerais, isto é, fornecimento de adequada e dignidade do doente, reconhecendo até
informação sobre as indicações, efeitos se- ao fim a prioridade ética das expectativas,
cundários e outros problemas e tomada de necessidades e preferências dos doentes,
decisão partilhada, sempre que possível ten- mesmo que seja a de dizer «não». O doente
do em conta as necessidades e preferências precisa necessariamente do nosso suporte
da doente. Há naturalmente situações que para lidar com um conjunto de desafios com
constituem excepção a esta regra de respei- os quais é confrontado:
to integral pela autonomia do doente. Não — Lidar com um diagnóstico ameaçador,
dispomos de espaço para as explorar todas incerteza prognóstica, medo do sofri-
em detalhe, apenas referimos como exem- mento e morte.
plo o caso da contracepção em adolescen- — Aceitar a doença e manter uma atitude
tes mais jovens. Nesse contexto, torna-se positiva.
necessário combater o problema da gravi- — Procurar e compreender a informação
dez na adolescência por meio de educação médica.
e também pelo uso de contracepção. O que — Lidar com os sintomas da doença e os
é difícil é delimitar uma fronteira, em termos efeitos secundários dos tratamentos.
de idade, a partir da qual devemos respeitar — Lidar com a incapacidade funcional, perda
inteiramente a autonomia da pessoa ou não. de independência e mudanças de papel.
Isto é, aceitamos que sejam tomadas deci- — Lidar com as mudanças na imagem cor-
sões sem o envolvimento de um progenitor poral, disfunção sexual, infertilidade…
ou, pelo contrário, apenas com o acordo dos
pais. Esta última hipótese implica uma que- 5.1. NECESSIDADE DE LIDAR
bra de confidencialidade, o que para alguns COM O DIAGNÓSTICO
autores só é aceitável se houver suspeita de
abuso ou exploração sexual50. Fui operada sem saber a quê. No dia seguin-
te, afinal a que é que fui operada? (M, Médi-
co)… Ovários e útero. E pronto fiquei des-
5. DOENÇA ONCOLÓGICA cansada porque muitas pessoas já foram
E O DOENTE EM FIM DE VIDA operadas a isso e ficaram boas. Eu pensava
que também ficava. Afinal o M mandou-me
A doença oncológica é porventura uma das para o IPO… vi logo que não era coisa boa
situações clínicas em que as competências , para me mandarem para lá…aí é que eu
de comunicação do médico mais são pos- fiquei desanimada… nada me interessa,
tas à prova e que a relação MD assume uma não me interesso em viver… não penso
importância particularmente relevante. Tal- noutra coisa… (M) Mas a doente sabe, cole-
vez mais que noutros domínios da medici- ga? Não, a palavra choca o doente, é muito
na, em oncologia a comunicação não é um cáustica, nunca foi pronunciada… (Adeno-
constructo unitário nem tão-pouco um pro- carcinoma do endométrio)

Relação médico-doente 69
5.2. NECESSIDADE DE COMPREENDER doente com banalidades. Na generalidade, o
A INFORMAÇÃO doente prefere a verdade. No entanto, essa
verdade não pode ser «despejada» de forma

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Veja-me em primeiro lugar… tenho que ir crua e acrítica. Em função das características
fazer tratamentos. agora é uma sessão de de personalidade do doente e do seu esta-
20; antes foi à vagina agora é ao ‘abedóme’. do mental, cabe-nos aferir o quanto, como
Mas o que será?… tenho andado muito e quando da informação a fornecer, sempre
preocupada… pensava comigo, não é fí- com sensibilidade e empatia.
gado, não é bexiga, não é estômago, não Ajudar o doente a enfrentar a devasta-
é intestinos, dava cabo da minha cabeça; ção, dramatismo e grande turbulência que
algum órgão que nunca ouvi falar, muito acompanham demasiadas vezes a trajectó-
especial Isso aonde é? (veja aqui «Guia prá- ria da doença exigem do médico a maior das
tico do doente de radioterapia»)... aaah… competências. Doentes e familiares envolvi-
afinal é a barriga. dos que são em todas as complexidades da
mais temida das doenças, toldados ou não,
O manejo adequado da informação e das re- nas suas capacidades decisórias, sentem
acções emocionais que decorrem das «más uma enorme necessidade de ouvir uma ou-
notícias» constitui uma das primeiras tarefas tra opinião, na expectativa de tudo, de mais
a ter em conta, a qual deve obedecer aos se- vida. Um estudo recente revelou que mu-
guintes princípios: lheres com cancro da mama colocam muito
— Comunicação das «más notícias» – sensí- frequentemente questões como «será que
vel e doseada. estou a fazer o tratamento certo?» (89%), e a
— Fornecer a informação de acordo com os quase totalidade (94%) gostaria de ter opor-
desejos individuais. tunidade de perguntar a um especialista in-
— Dar tempo para «“digerir» a informação. dependente se estavam a receber o melhor
— Permitir a expressão de emoções. tratamento possível51.
— Saber lidar com as reacções emocionais Infelizmente, o desejo de uma segunda opi-
(do doente e/ou da família) – mesmo nião nem sempre é bem compreendido, o
aquelas que a priori pareçam inadequa- que pode ser prejudicial para todos, médicos
das: negação, raiva e hostilidade. (equipa) e doentes/familiares. Como já o disse-
— Ajudar o doente a lidar com as incertezas mos, esta é uma questão que não nos merece
associadas ao diagnóstico, tratamento e qualquer discussão. Primeiro, porque é dever
sobretudo o prognóstico (e.g. a dor, o so- de todo o médico ajudar o doente a exercer o
frimento, o desfiguramento, as perdas, a direito de «obter uma segunda opinião sobre
morte). a sua situação de saúde». Segundo, mesmo
— Saber lidar com as questões difíceis que não existissem outras razões, ao fazê-lo
(«“tenho cura?»; «quanto tempo de vida estamos a tranquilizar doente e família52.
tenho?», «vou morrer?»). Outra questão crucial é a do controlo. A do-
Para se protegerem (e supostamente prote- ença em geral e a oncológica em particular,
gerem os doentes) da perturbação emocional tende a evocar nas pessoas uma percepção
evocada pelo sofrimento e as incertezas atrás de incontrolabilidade que só contribui para
referidas, alguns médicos podem adoptar um
conjunto de estratégias defensivas, tais como
… a obtenção de parecer de um outro médico, permite
restringir o foco de discussão a tópicos neu- ao doente complementar a informação sobre o seu es-
tros, divergindo de tópicos potencialmente tado de saúde, dando-lhe a possibilidade de decidir, de
forma mais esclarecida, acerca do tratamento a prosse-
emotivos, tranquilizar o doente de forma pre- guir (Carta dos Direitos e Deveres dos Doentes, Direcção-
matura e infundada ou ainda pior, entreter o Geral da Saúde).

70 Capítulo 4
gerar angústia e mais dificuldades de adap- — Reconhecimento precoce e tratamento
tação à nova realidade da doença e de todos de problemas psicológicos.
os problemas que tem de enfrentar. O médi- Este último ponto é de crucial importância.

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co pode e deve contribuir para devolver ao As perturbações psicológicas relacionadas
doente a sensação que tem algum controlo com o cancro são muitas vezes qualificadas
sobre a situação. Por exemplo, envolvendo o de «compreensíveis» e por isso, alguns do-
doente na tomada de decisões, fornecendo- entes adiam a procura de ajuda por negação
lhe meios para melhor controlo dos sinto- ou vergonha da sua angústia psicológica.
mas, facilitando o acesso ao médico e outros No entanto, este qualificativo de «compre-
cuidadores. De notar que muitos doentes ensível» não deve ser uma desculpa para o
com cancro (ex. mama) recorrem a terapias niilismo terapêutico. As perturbações psi-
não convencionais isoladamente ou em quiátricas constituem uma causa tratável de
combinação com os tratamentos convencio- considerável morbilidade, deficiente quali-
nais, o que até certo ponto está relacionado dade de vida e pior prognóstico da doença
com a necessidade de controlo pessoal53. subjacente; 80% dos doentes com cancro
Este é um fenómeno transversal a todos os que se suicidam sofrem de síndromes de-
estratos socioculturais, conforme mostra- pressivas54. A gravidade da perturbação
ram as autoras, no seu estudo exploratório emocional está relacionada, quer com o tipo
sobre crenças e mitos no cancro. Os doentes de cancro, quer com a vulnerabilidade psico-
não falam aos médicos sobre o assunto por lógica pré-mórbida e com a disponibilidade
medo, o que nos «remete para a questão de recursos para lidar com os problemas (i.e.
sempre central da relação médico-doente»53. as estratégias/recursos de coping). Relativa-
Com efeito, mulheres com cancro da mama mente a este último aspecto, cabe ao médi-
quando solicitadas a sugerir áreas de melho- co ajudar o doente a desenvolver e treinar
ria, têm como respostas mais comuns que os estratégias de coping55. Entre estas, as que
médicos também deveriam propor terapias são referidas pelos doentes como mais úteis
complementares e demorar mais tempo a e se correlacionam com menores níveis de
«explicar coisas»51. Este assunto deve me- perturbação emocional e melhor funciona-
recer a nossa atenção, além de tudo o mais mento social são as seguintes:
pelos potenciais riscos associados, incluindo — Confrontar a situação e procurar infor-
a morte53. Os princípios de tratamento a se- mação.
guir enunciados, devem também incluir es- — Usar as fontes de apoio emocional.
tratégias que visem aumentar, no doente, a — Ter uma atitude optimista e «espírito de
percepção de controlo sobre os problemas: luta».
— Deve estar identificado um profissional, — Procurar conforto na espiritualidade.
responsável pelo plano de cuidados, Desde os trabalhos de Kübler-Ross56 que a
com o qual o doente possa contactar problemática dos «aspectos de fim de vida»
sem dificuldade. tem assumido grande relevância57-61. A acei-
— Adequada coordenação dos cuidados tação da morte do doente é tanto mais di-
médicos, psicológicos e sociais. fícil para os médicos quanto mais a encara-
— Clarificação dos problemas, crenças e ne- rem como um fracasso pessoal, o que muitas
cessidades do doente.
— Estabelecer objectivos realistas.
A designação «aspectos de fim de vida» (do inglês
— Alívio sintomático efectivo. – end of life issues) tem vindo a ser preferida à de
— Envolvimento dos doentes nas decisões «doença terminal», não só por ser menos crua, como
também por fornecer uma perspectiva mais ampla do
terapêuticas e da família e amigos no que os aspectos orgânicos mais directamente ligados
plano de suporte. à doença

Relação médico-doente 71
vezes leva a um encarniçamento terapêutico a grande Dama Cicely Saunders (1918-2005),
indesejável62. Em oncologia, o sucesso tera- quando aludia a aliviar a «dor total». Permitir
pêutico já não pode ser apenas medido em que as pessoas mantenham a sua dignidade,

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«quantidade de vida» (i.e., o tempo de sobre- façam as suas escolhas e acima de tudo, dete-
vida), mas também em «qualidade de vida» nham o controlo até ao seu último momento.
(QV) e unidades de estado funcional. Mesmo
quando, do ponto de vista terapêutico, a do- «What the scalpel is to the surgeon, words
ença ultrapassou o ponto de não-retorno, há are to the clinician… the conversation be-
ainda muitas coisas que o médico pode fa- tween doctor and patient is the heart of the
zer, a maior parte das quais têm a ver com a practice of medicine.»
qualidade da própria relação MD. De acordo Tumulty
com Geyman63, os doentes que vão morrer
têm pelo menos quatro necessidades, nas
quais podemos ajudar: 6. COMPETÊNCIAS DE COMUNICAÇÃO
— Independência (tanta quanto possível). E RELAÇÃO MÉDICODOENTE
— Dignidade.
— Aceitação pelos outros. É inquestionável que na perspectiva dos
— Alívio dos sintomas. doentes as competências interpessoais dos
Stollerman64, no âmbito de uma medicina seus médicos (a par da competência técnica)
centrada no doente, propõe o acrónimo PAI- são uma prioridade chave72-74. Por exemplo,
NED para se referir aos aspectos do doente na revisão sistemática de Wensing, et al.74,
em fim de vida, nos quais devemos intervir os domínios da prestação de cuidados a
para aliviar o sofrimento: pain, anguish, impo- que os doentes atribuíam maior importân-
tence, negativism, embarassment, disconforts. cia incluíam (além da competência técnica)
Na verdade, os doentes a morrer confrontam- humanidade, envolvimento nas decisões,
se com desafios complexos e únicos, ameaça- proporcionar informação e explorar as ne-
dores da sua integridade física, emocional e cessidades dos doentes. Nesse sentido, não
espiritual65, sendo neste contexto de grande é de surpreender que as maiores falhas
sofrimento e fragilidade que muitas vezes apontadas pelos doentes incluam, falta de
surgem pedidos de eutanásia e suicídio as- informação, não participação nas decisões
sistido66,67. Entre os factores mais fortemente médicas e falta de empatia27. Dadas as limi-
associados com desejos de morte antecipa- tações de espaço não trataremos obviamen-
da, incluem-se depressão, ansiedade, deses- te de cada um desses factores em detalhe.
perança e sofrimento psicossocial68. A crença No entanto, não podemos deixar de realçar
errónea de que os doentes querem morrer em o último aspecto, a empatia, a qual constitui
casa leva a que muitos sejam «empurrados» a espinha dorsal da relação MD. Como refere
para fora do hospital quando previsivelmente Glick2, não se pode ser um verdadeiro médi-
o fim está próximo. Nesta questão, como em co sem empatia e compaixão:
tantas outras atrás referidas, as preferências
dos doentes/familiares variam muito65,69, pelo «It is disturbing indeed that medicine, whose
que importa que todos os profissionais envol- essence is empathy, should stand accused
vidos nos cuidados possuam as competências of deficiency in this very quality. It behoves
de comunicação e relacionais necessárias para us to examine the possible etiology of such
tornar a experiência da morte o menos peno- a paradox. The foundation on which me-
sa possível, sejam os desejos morrer em casa dicine must be based is compassion, that is
ou no hospital70,71. É preciso afinal, qualidade where it all starts, and without this base one
na hora da morte, no sentido em que falava cannot be a true physician.»

72 Capítulo 4
Os avanços tecnológicos da medicina, quer doente. Pelo contrário, os estudantes do 3.o
no campo diagnóstico, quer terapêutico sus- ano, interrompiam os doentes, orientando a
citam, nos médicos, um apelo e deslumbra- entrevista para o que consideravam essen-

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mento por vezes excessivo. Todo esse mun- cial, isto é, o diagnóstico – escreviam a his-
do de computadores, aparelhos, imagens, tória da doença.
luzes que piscam e outra parafernália está
envolvido por uma aura de glamour high- 6.1. PARTILHA DA INFORMAÇÃO E DAS
tech que atrai a atenção dos profissionais e DECISÕES MÉDICAS
do público, muito mais que a empatia (ex-
cepto quando sofrem a sua falta). A simples É interessante notar que Stewart23 organizou
relação MD é relegada para segundo plano, a sua revisão da literatura de modo a anali-
como uma coisa low-tech, pouco atractiva e sar a qualidade da comunicação nas duas
«antiquada». Alguns chegam ao ponto de fases da consulta – recolha da informação e
pensar que existe um conflito entre a ciência discussão do plano de tratamento. A autora
e o humanismo (empatia), como se este últi- concluiu que quatro dimensões-chave da
mo «contaminasse» a objectividade e eficá- comunicação tinham um impacto positivo
cia da ciência. No século XVII, um estudante em vários aspectos da saúde do doente:
perguntou a Thomas Sydenham qual o livro fornecer informação clara, o doente colocar
que devia ler para melhor o habilitar a lidar questões, vontade de partilhar (discutir) de-
com os seus doentes. A resposta do mestre cisões e acordo entre doente e médico sobre
foi: «leia o D. Quixote, é um excelente livro». o problema e seu tratamento.
Queria com isto significar que as complexi- A generalidade dos doentes deseja que lhes
dades e subtilezas da condição humana não seja dada toda a informação acerca dos seus
se aprendem nos compêndios de medicina, problemas de saúde, numa linguagem sim-
mas sim na vida ou na literatura, que é o seu ples e acessível (sem chavões médicos). Para
espelho. Naturalmente que para além destas que a informação disponibilizada produza os
fontes informais de conhecimento (que são efeitos desejados, cabe ao médico a respon-
insubstituíveis), é com o desenvolvimento sabilidade de verificar se foi entendida pelos
formal de programas de ensino de compe- doentes. Em Portugal, como noutros países,
tências de comunicação que os alunos vão independentemente das características so-
aprender a ser empáticos. Aprendem, por ciodemográficas, a esmagadora maioria dos
modelagem com os seus professores, mas doentes também atribui grande importân-
sobretudo com os próprios doentes: ouvin- cia à partilha da informação (94% considera
do-os, respeitando-os, percebendo as suas muito importante/importante que o médico
necessidades e cuidando com compaixão. lhe forneça toda a informação sobre as suas
A ausência destes programas no ensino mé- doenças), assim como à comunicação com
dico, pelo contrário fazia com que a empatia linguagem fácil (93%)75. Só depois de bem
se desaprendesse, tal como foi verificado informados (ex. explicações pormenorizadas
nos anos 1970, num estudo no Massachuset- da sua situação, das opções terapêuticas, ris-
ts General Hospital. Nessa experiência, foram cos e benefícios e incertezas), é que os doen-
efectuados vídeos mostrando as entrevistas tes poderão estar em condições de partici-
de estudantes de medicina do 1.o e 3.o ano, par na tomada de decisões médicas76-79.
com doentes. Verificou-se que os estudantes Se o desejo de informação é quase universal,
do 1.o ano escutavam os doentes contarem a já os desejos de participação variam, pelo
sua narrativa e conseguiam uma visão com- que se torna imprescindível explorar direc-
preensiva das suas queixas, comportamen- tamente as preferências dos doentes e assim
tos e necessidades – ouviam a história do desenvolver todos os esforços no sentido de

Relação médico-doente 73
os encorajar a partilhar as decisões na medi- ção relacionada com a saúde. Em 2002, 80%
da dos seus desejos. de todos os adultos dos EUA procuraram in-
Por último e não menos importante, convém formação online sobre saúde84. Em Portugal, a

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chamar a atenção que antes do mais, partilha utilização da net com esse fim é ainda peque-
de informação e participação dos doentes na na, mas tem-se registado um crescimento rá-
tomada das decisões médicas, constituem pido, particularmente entre os utilizadores ha-
deveres ético-deontológicos e legais80. Na bituais da net. Na Universidade de Aveiro está
Convenção sobre os Direitos do Homem e em curso um estudo (WHO/European survey
da Biomedicina (em vigor em Portugal desde on eHealth consumer trends) de parceria com
2001), está consagrado o Direito à Informação outras instituições europeias, para analisar o
e no capítulo II (artigo 5), dedicado ao Con- nível de utilização da net para fins relaciona-
sentimento Informado† (CI) encontram-se de- dos com saúde e doença, bem como o interes-
finidas as suas regras gerais. De assinalar que se, as atitudes e as expectativas dos cidadãos
o CI não se destina simplesmente a proteger relativamente a este assunto85. Os resultados
os médicos de potenciais problemas, sendo de 2005 indicaram que 30% dos portugue-
que para haver de facto CI livre e esclareci- ses tinham já utilizado a net para procurar
do, é essencial o cumprimento de duas con- informação relacionada com a saúde, sendo
dições: fornecer a informação e assegurar se a percentagem bastante mais elevada entre
foi compreendida. Da não satisfação das duas os utilizadores da net (62%). De certa forma, o
condições resultará a sua ineficácia. A ob- uso crescente desta ferramenta visa satisfazer
tenção do CI, afirma Rodrigues80 (2001), «… necessidades de informação, que doentes/
deverá ser sempre resultante de recíprocas familiares não conseguem obter facilmente
informações e esclarecimentos que a relação através dos «canais tradicionais»83,86.
entre o médico e paciente incorporam, para A maioria dos utilizadores da net para ques-
que este, numa tomada de posição racional, tões de saúde acham que isso os capacita
autorize ou tolere àquele o exercício de pre- (empowers) a fazer melhor escolhas na sua
venir, detectar, curar...». vida83. Os portugueses também valorizam
a informação de saúde obtida desta forma,
«If they are going to the internet then I am sendo mais do dobro os que referem te-
not meeting their information needs»81. rem-se sentido mais tranquilos ou aliviados
com a informação obtida do que os que
6.2. PROCURA DE INFORMAÇÃO SOBRE relatam terem ficado ansiosos85. Cerca de
SAÚDE NA INTERNET E RELAÇÃO 13% (42,5% dos utilizadores para questões
MÉDICODOENTE de saúde) utilizam a net para obter informa-
ção que os ajude a decidir se devem ou não
Até há bem pouco tempo, médicos e outros consultar um profissional de saúde; 12,3%
profissionais de saúde eram a única fonte (ou (40% dos utilizadores para questões de saú-
quase) de informação sobre questões de saú- de) para obter informação que os ajude a
de e doença para doentes e familiares. Agora, prepararem-se para uma consulta e cerca de
pela primeira vez na história da medicina, as 13% (41% dos utilizadores para questões de
pessoas têm ao seu dispor a maior livraria mé- saúde) para confirmar a opinião do médico
dica do mundo82,83 e são cada vez mais os que depois de uma consulta85. Nesse sentido, a
utilizam a Internet (net) em busca de informa- net surge como um meio fácil, rápido, eco-
nómico e disponível 24/24 horas, que os ca-
pacita a melhor discutir com o médico o seu
«Everyone is entitled to know any information collected
about his or her health. However, the wishes of individuals
problema de saúde ou então para obter uma
not to be so informed shall be observed.» (Artigo 10, n.o 2). «segunda opinião no Dr. Google».‡

Capítulo 4
74
Os utilizadores da net para fins médicos pro- a mim que sou especialista…). Um factor
curam sobretudo informações sobre deter- importante e sem dúvida pertinente, para
minada doença/situação (63%) e quase 47% a oposição dos médicos à utilização da net

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sobre tratamentos ou procedimentos espe- para questões relacionadas com a saúde é a
cíficos82. A patologia oncológica é a que mais qualidade da informação que é muito vari-
leva a esta actividade, calculando-se que ável, desde o útil ao perigoso81,82,87,88-89. Con-
40-54% dos doentes acedem à informação tudo, este é um aspecto em relação ao qual
médica por esta via86, destacando-se a este diversas organizações se têm empenhado
respeito o cancro da mama. Num inquérito no sentido de proporcionar informação de
recente, 77% das mulheres com cancro da melhor qualidade e mais fácil compreensão
mama (respondentes online) haviam procu- pelos leigos. Por exemplo, Bernstam, et al.90
rado informação a fim de avaliarem a quali- analisaram a qualidade de 343 sítios na net
dade do tratamento que estavam a fazer51. sobre cancro da mama e concluíram que a
De notar o facto da informação obtida po- informação online que os utilizadores prova-
der influenciar os utilizadores na tomada de velmente vão encontrar é correcta.
decisões sobre saúde/doença. Assim, 1,1% De acordo com o estudo de Santana e Pe-
de portugueses (2,2% de utilizadores da reira85, os profissionais de saúde são a fonte
net e 3,6% de utilizadores para questões de mais importante de informação (91% dos
saúde) decidiram mudar a utilização de um inquiridos), mas a procura crescente de in-
medicamento sem consultar o profissional formação na net, segundo os investigadores,
de saúde (médico de família, especialista ou terá implicações a vários níveis da relação
outros) com base na informação obtida na MD. De facto, esta é uma nova realidade
net. Cerca de 3% marcou, desistiu ou mudou para a qual todos nós temos que estar pre-
uma consulta como resultado da informação parados. Em vez de olharmos os internautas
obtida por este meio (5,9% entre os utiliza- da saúde como intrusos ameaçadores inva-
dores da net e 9,4% entre os utilizadores por dindo terreno alheio83, devemos saber lidar
razões de saúde), o que, extrapolando para com este novo tipo de doente como mais
a população geral, significa que cerca de um factor91 enriquecedor da relação MD,
85.500 portugueses já mudaram alguma vez sem dúvida a fonte principal de gratificação
a sua medicação sem consultar o médico e para o clínico92.
que cerca de 233.000 terão alterado o seu Cada vez mais doentes/familiares abordam
comportamento relativamente a consultas os profissionais de saúde com a informação
médicas, devido à informação de saúde on- médica recolhida na net (ex. questões de
line. Cerca de 42% dos portugueses utiliza- diagnóstico, tratamento, prognóstico, etc.),
dores da net por questões de saúde afirmam bem como solicitando que os médicos lhes
que essa informação os levou a fazer suges- forneçam endereços dos sítios específicos
tões ou a colocar questões ao médico de para a sua situação92. Adicionalmente ao
família/especialista e/ou outro profissional contacto pessoal, pode constituir mais uma
de saúde, sendo os valores correspondentes ferramenta auxiliar do médico na informa-
para a população geral e utilizadores da net ção de doentes/familiares. Para esse efeito,
respectivamente de 13 e 26%85. serão necessárias competências no uso da
Sobre este assunto, desconhecemos o que net e conhecer bem a qualidade dos sítios
a comunidade médica responde, mas ob- (ex. de conteúdo, aspectos éticos)82,86,93. No
servações anedóticas levam-nos a crer que quadro abaixo apresentam-se algumas su-
reaja negativamente (ex. se já sabe, o que gestões que poderão ajudar os profissionais
vem aqui fazer; tem a cabeça cheia de con- de saúde a interagirem com utilizadores da
fusões; aqui o médico sou eu; está dizer isso net para questões de saúde ou doença83.

Relação médico-doente 75
Quadro 1. Sugestões para os médicos interagirem com os utilizadores da Internet

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Deve:

Tentar reagir de modo positivo à informação da Internet

Avisar sobre a variabilidade na qualidade e fiabilidade do material da Internet

Avisar sobre constrangimentos de tempo que podem limitar a sua capacidade para lidar com toda a
informação encontrada na Internet

Desenvolver uma estratégia para lidar com informação da Internet antes da consulta (ex. doentes enviarem
e-mail sumário antes da consultas)

Aceitar os contributos dos doentes como valiosos

Aceitar que eles podem encontrar informação relevante e válida previamente desconhecida de si

Não deve:

Ser paternalista ou indiferente

Ser depreciativo de comentários feitos por outros na Internet

Recusar aceitar informação encontrada na Internet

Sentir-se ameaçado

7. CONCLUSÃO — Médicos com boas competências de co-


municação têm maior satisfação com o
A evidência acumulada nas últimas déca- trabalho e menos stresse profissional.
das tem mostrado consistentemente que a Sejam quais forem os avanços técnicos que a
qualidade da comunicação MD está ligada medicina possa vir a conhecer, há um elemen-
a aspectos fundamentais da prestação de to insubstituível que é o poder terapêutico da
cuidados médicos. A capacidade do médico própria relação MD. Sempre assim foi, esse
comunicar eficazmente com os doentes traz enorme poder da relação confunde-se com a
benefícios para ambos94: própria história da medicina95. Na interacção
— Médicos com boas competências de co- desta díade, o médico é susceptível de actuar
municação identificam com mais preci- como crucial elemento de tratamento, sendo
são os problemas dos doentes. até, em algumas instâncias clínicas particula-
— Os seus doentes ficam mais satisfeitos res, o último e único factor terapêutico que
com os cuidados que recebem e compre- resta ao doente. Assim é, porque a atenção,
endem melhor os seus problemas, exames escuta do doente, apoio emocional, dedica-
requisitados e as opções de tratamento. ção e empatia, não têm efeitos secundários e
— É maior a probabilidade dos doentes ade- nunca esgotam a sua eficácia e virtualidades
rirem ao tratamento e seguirem os conse- terapêuticas. Ao longo dos séculos, médicos
lhos de mudanças de estilo de vida. dotados de uma grande sensibilidade, nota-
— Diminui o sofrimento psicológico e a vul- bilizaram-se e continuam a ser recordados
nerabilidade dos doentes à ansiedade e como modelos pela sábia maneira como sou-
depressão. beram cultivar a relação com os seus doentes.

76 Capítulo 4
Sir William Osler, considerado um dos clínicos Federation for Medical Education. 1993;28 Suppl
1:140-9.
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Relação médico-doente 79
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5 Semiologia Ginecológica

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José Martinez de Oliveira

“Semiologia”, com origem no grego semeion, que motiva a consulta. Para a sua execução
que significa sinal, e logos, tratado, é a parte exigem-se cada vez mais ao clínico e para
da Medicina que estuda os sintomas e os si- além do bom conhecimento técnico, com-
nais das doenças. Por seu turno, “semiótica” petência em comunicação2. As capacidades
deriva do grego semeiotike e, embora tendo que permitem o estabelecimento de uma
o mesmo significado etimológico que o ter- boa comunicação são a empatia, a atenção
mo anterior, aplica-se mais comum e espe- dada à narração, o conhecimento do conte-
cificamente à metodologia da colheita e ao údo do diálogo e o relacionamento estabe-
processo de sistematização dos sintomas e lecido, todas elas passíveis de aprendizagem
sinais clínicos. Assim, a semiologia gineco- e melhoria2. Hoje a informação acessível na
lógica é a parte da semiologia que se ocupa internet, nem sempre correcta e frequente-
do estudo dos sintomas e sinais das modifi- mente disponibilizada com intenções co-
cações funcionais e das doenças do aparelho merciais, obriga ainda a uma complementar
genital feminino. Mantendo o sentido restri- preparação do médico3. E muito em breve,
tivo da ginecologia, que mais correctamente numa total reviravolta de procedimentos, a
deveria ser chamada genitologia1, não se in- guarda da informação estará em grande par-
clui neste capítulo a exploração mamária. te a cargo da consulente, o que introduzirá
A orientação duma consulta ginecológica novas necessidades.
obedece às regras gerais das dos restantes Todo o bom relacionamento entre a consu-
ramos da clínica médica e inclui o interroga- lente e o clínico se baseia numa recíproca
tório e o exame físico, geral e, naturalmente relação de confiança. Desde o primeiro con-
mais detalhado, do aparelho genital, recor- tacto o Médico deverá ser afável e inspirar
rendo quando e se necessário a meios auxi- confidencialidade e segurança, de modo a
liares de diagnóstico. Em capítulos específi- conseguir que quem o busca faça uma ex-
cos, como sejam o das doenças sexualmente posição sem inibições. Só assim será possí-
transmissíveis e o da reprodução, pode e vel obter um correcto relato das queixas que
deve o ginecologista realizar ainda exame se referem a órgãos que têm um significa-
objectivo do cônjuge. do pessoal e social muito particular. Muitas
vezes a ordem do interrogatório é alterada,
de forma a não ferir nunca o pudor da con-
1. ANAMNESE sulente, tal dependendo em muito da reac-
ção da entrevistada. Recomenda-se assim,
“Anamnese” (do grego anamnesis) significa vivamente, que o interrogatório se realize
recordar o que parece esquecido, aplican- ao mesmo tempo que se olha a face da con-
do-se em medicina à colheita de dados his- sulente4, o que não só permite o estabeleci-
tóricos pessoais ou referentes à perturbação mento de empatia como constitui a melhor

81
forma de avaliar a reacção da senhora a cada recolha dos sintomas e sinais que justificam
uma das perguntas que se lhe vão dirigindo. a consulta. Na prática, porém, quantas vezes
Sempre que o assunto e o ambiente do diá- é útil um interrogatório de progressão/re-

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logo o permitam, um sorriso auxilia imenso gressão na tabela, isto é, retomando pontos
no estabelecimento duma relação empáti- já abordados para pormenorização e retor-
ca. Se por razões éticas, religiosas, técnicas no ao ponto em que foi interrompido o di-
ou outras o problema em causa não está no álogo, metodologia que permite ao clínico
âmbito de acção do médico, tem este a obri- interromper o discurso da consulente, com
gação de a reencaminhar3. delicadeza e sem que ela de tal se aperceba,
A evolução do diálogo não pode estar espar- quando este se evidencia demasiado fluente
tilhada por um esquema rígido. Ela está mui- ou disperso.
tas vezes dependente do motivo da consulta Para colmatar a frequente limitação em tem-
e a sua progressão é frequentemente cortada po para as anotações nos processos clíni-
por avanços e retornos na sequência habitual cos recomendo a utilização do conjunto de
do interrogatório motivados pela clarificação abreviaturas que vão sendo indicadas em
de um ou outro ponto com interesse para a negrito, estando colocadas entre parêntesis
elaboração do raciocínio clínico. Salientava as que são consideradas não obrigatórias ou
Jeffcoate5 que há mais do que uma forma de de menor importância.
fazer bem a entrevista e o exame clínico, pelo
que em termos práticos o que se pode afirmar 1.1. IDENTIFICAÇÃO
é que a melhor sequência de interrogatório é
aquela que cada Médico acha mais adequada Assim, por razões de interlocução e de segu-
à sua forma de abordar cada situação. Con- rança a primeira abordagem deverá permitir
tudo, existem pontos essenciais, comuns a colher a identidade da senhora. É sinal de
todos os esquemas possíveis, parecendo útil simpatia, correcção e boa educação diri-
apresentar uma sinalética usada há décadas girmo-nos às consulentes invocando o seu
com total satisfação, a qual, porém, deverá nome. Mas é igualmente uma questão de
ser entendida como proposta adaptável a precaução. Com a introdução de meios auto-
cada um e a cada caso. Se raramente, dadas matizados e com a massificação do tratamen-
as limitações de disponibilidade de tempo, to de processos, com frequência encontra o
um interrogatório é exaustivo, há um mínimo clínico um conjunto de documentos e uma
que deverá ser cumprido para que se possa lista de ordem que, com o decorrer do seu
assegurar o êxito da consulta sem aumento trabalho, pode ser, e amiúde o é, alterada.
substancial do risco de erro. Muitos erros se cometem quando uma con-
Dada a importância que assume o ciclo ge- sulta é realizada perante documentação de
nital na clínica ginecológica é útil que a co- outro indivíduo que não o que está presen-
lheita dos antecedentes pessoais fisiológicos te. Assim, a primeira informação a colher ou
preceda a da história da doença. Esta inver- a confirmar é o nome. Mas nem sempre este
são da ordenação habitual do interrogatório é suficiente já que não é raro que, particular-
em Medicina explica-se porque algumas mente quando curtos, se encontrem nomes
queixas podem ser fisiológicas e a sua iden- iguais. Assim é útil completar de imediato a
tificação apenas é possível quando se tem identificação com a colheita da data de nas-
em conta a fase do ciclo em que a senhora cimento e da profissão. É este o momento
se encontra e a que as queixas são referidas. ideal para o registo de informações para con-
Por extensão e para melhor sistematização, tacto, nomeadamente, o endereço e número
propõe-se então que o registo dos antece- (s) de telefone, hoje em dia incluindo também
dentes se faça na sua totalidade antes da o endereço de correio electrónico.

82 Capítulo 5
N = Nome. Interessa verificar o nome pesso- manter a sua colaboração e empatia não se
al, independentemente do adquirido pelo pode nunca, por qualquer modo, maltratar
matrimónio, o qual é volúvel, e ainda aquele ou agredir a consulente. Todo o indivíduo é

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que é da preferência da própria, que nem livre e temos de estar dispostos a aceitar que
sempre coincide com o oficial não cumpra o que aconselhamos, não acate
DN = Data de nascimento. Para além de a nossa opinião ou não se preste a pôr em
constituir elemento de identidade da consu- prática as medidas que sugerimos3. O médi-
lente, o conhecimento da data de nascimen- co recomenda e orienta segundo o que lhe
to é necessário para o cálculo da idade, a qual parece ser o melhor para quem o consulta,
por sua vez permite incluir a consulente num mas não é dono da doente nem responsável
grupo etário com características fisiológicas pelas atitudes que esta possa tomar.
e patológicas relativamente específicas. Uma Prof = Profissão. O conhecimento do tipo
vez que o aparelho genital feminino está su- de actividade profissional pode ter impor-
jeito a variações anátomo-fisiológicas muito tância na clínica ginecológica, mas não é
dependentes da idade, cada fase da vida da usualmente relevante em si mesmo. Alguns
mulher evidencia um tipo de patologia que, tipos de patologia, como certas dermatoses
embora nem sempre sendo exclusivo, é pelo vulvares ou desvios posicionais uterinos,
menos predominante. Assim, por exemplo, observam-se preferencialmente em popula-
na adolescência e no climatério, que são ções com actividade agrícola e relacionam-
fases de transição, de grande instabilidade se quer com o manuseamento de produtos
endócrina, são frequentes as perturbações químicos quer com a violenta actividade fí-
disfuncionais do ciclo genital, enquanto no sica exercida. Na maioria dos casos, porém,
período dito reprodutor, são mais usuais os a actividade profissional ajuda apenas a de-
problemas relacionados com a gravidez, a finir o perfil da senhora, o seu nível cultural
contracepção e as infecções genitais. Após e o ambiente de trabalho, e facilita a defini-
a menopausa, por último, predominam as ção do tipo de linguagem e abordagem pelo
alterações tróficas e as neoplásicas. qual o médico deverá optar. O vocabulário
EC = estado civil. Mais importante do que médico é incompreensível para grande nú-
o conhecimento do estado civil é o saber mero de pessoas, pelo que devem empre-
se existiu ou existe prática sexual. Deve gar-se expressões que permitam um diálogo
mesmo, por razões cautelares, considerar- transparente. O emprego do calão está na-
se contra-indicada a inquirição directa do turalmente desaconselhado, salvo em situa-
estado civil numa fase precoce do interro- ções excepcionais em que é o único tipo de
gatório. Esta abordagem deverá ser poster- linguagem que permite um interrogatório
gada e realizada apenas uma vez findo o in- esclarecedor de alguns, e muito especiais,
terrogatório sobre os antecedentes sexuais. grupos populacionais.
Este cuidado é muito importante para se Nalguns países é este o momento de se in-
evitar uma retracção por parte da senhora terrogar a senhora sobre as suas preferências
particularmente quando se interroga sobre de culto, as quais podem condicionar alguns
actividade sexual presente ou passada a sol- aspectos do interrogatório e do exame gi-
teiras ou viúvas. Se hoje em dia existe uma necológicos. Em Portugal a grande maioria,
muito maior abertura para um diálogo fran- até ao momento, professa ou tem educação
co sobre a vivência sexual, a verdade é que católica apostólica romana, estando apenas
nem todas as pessoas estão a tal dispostas indicado anotar os casos em que assim não
e outras, por motivos educacionais, culturais seja (as Testemunhas de Jeová, por exemplo,
ou mesmo religiosos, podem sentir-se ofen- não aceitam a transfusão de sangue, mas
didas. Há que ter sempre presente que para apenas a fluidoterapia não crepuscular).

Semiologia Ginecológica 83
Contactos: Residência e Telefones. São de forma mais ou menos súbita e após anos
informações úteis do ponto de vista funda- de manutenção dum perfil regular, pode sig-
mentalmente administrativo. Tecnicamente nificar o aparecimento de patologia. Sendo

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revestem-se de importância sempre que a menarca a primeira hemorragia menstrual,
a circulação de resultados laboratoriais se representa o ponto de partida para a defini-
processe independentemente da consulta, ção do ciclo menstrual típico de cada mulher.
havendo situações em que haverá que con- Por esta razão não espanta que a pergunta
tactar a paciente para aplicar decisões, in- inicial neste capítulo se dirija à definição da
vestigacionais ou terapêuticas, urgentes. idade do aparecimento da menarca.
Ciclos = Perfil do Ciclo Menstrual. A maior
1.2. MOTIVO DA CONSULTA parte das queixas ginecológicas sofre osci-
lações com o ciclo genital. Sabe-se também
MC = Motivo da Consulta. Este nem sem- que o padrão do ciclo não é uniforme, mas
pre reflecte a existência de padecimento, em grande número de mulheres ele é rela-
uma vez que em Ginecologia grande parte tivamente constante. A melhor forma de se
das consultas é efectuada com espírito pro- descreverem as características do ciclo mens-
filático ou para aconselhamento, nomeada- trual é expressá-las sob a forma duma fracção,
mente para rastreio oncológico ou orienta- utilizando o numerador para a duração total
ção anticoncepcional. De qualquer modo, a do ciclo e o denominador para a do período
existir qualquer sintoma espontaneamente menstrual. Algumas escolas utilizam uma
referido pela consulente, deve anotar-se a fórmula invertida, isto é, descrevem a dura-
sua presença pois obriga à pormenorização ção do período menstrual como numerador e
dos dados que se consideram com ele rela- a do ciclo como denominador, variedade que
cionados, embora o seu detalhe melhor se é natural e facilmente identificada.
enquadre no capítulo da história actual. De A definição dum hábito menstrual requer
todo o modo assim não ficará esquecido. a existência dum período dito de estabele-
cimento. Por outras palavras, na adolescên-
1.3. CICLO GENITAL cia os ciclos começam por ser irregulares ou
menos regulares do que, digamos, após os 18
MEN = idade da menarca. Completada a anos. Por esta razão, esta fase do interrogató-
identificação da consulente é altura de se rio refere-se usualmente às características do
passar à colheita dos antecedentes. Como ciclo na terceira década da vida. Se se pergun-
anteriormente foi já referido a grande varia- tar a uma senhora se os seus ciclos são regu-
bilidade dos fenómenos condicionados pelo lares, a grande maioria responderá que não.
ciclo genital torna conveniente que, ao con- De facto o conceito comum de regularidade
trário do que é usual noutros ramos da clíni- assenta na similitude com a duração do mês
ca médica, se processe a anamnese sobre os do calendário, sendo que é aceite que ciclo
antecedentes fisiológicos antes da colheita regular será o de cerca de 30 dias, no qual o
pormenorizada da história. Só assim se apre- período menstrual se inicia aproximadamen-
enderão alterações subtis da duração ou pe- te no mesmo dia de cada mês. Dito de outro
riodicidade do ciclo genital ou se poderão modo, se a pergunta for “é menstruada com
localizar em relação a este as modificações regularidade?” a senhora apenas dirá que sim
com ele relacionadas. De facto, ainda que se a duração do seu ciclo coincidir com a do
por exemplo, se considere como normal um mês civil, ou seja, nos ciclos de cerca de 30
período menstrual de 2-3 dias e um outro de dias. Se para o médico a duração regular é a
4-5 dias, o facto de haver uma alteração de que corresponde a um intervalo constante
um padrão para outro numa mesma mulher definido entre o primeiro dia dum ciclo e o

84 Capítulo 5
correspondente do ciclo seguinte, e o este- Ora sendo a duração e a quantidade dos
reótipo médico corresponde a 28 dias, este fluxos menstruais muito variável de uma
mesmo ciclo é percebido pelas senhoras mulher a outra não tem grande importân-

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como irregular porque a cada mês correspon- cia clínica o valor absoluto destas perdas,
de um dia diferente, já que cada vez tem iní- salvo quando em exagero (hipermenorreia
cio mais precoce. Assim, a forma mais prática ou menorragia), pois corresponde a uma
de se determinar a duração do ciclo é inquirir situação em que pode haver perturbação
sobre a relação existente entre a duração do homeostática por anemia hemorrágica em
mesmo e a regularidade dos “meses”. Deverá maior ou menor grau. Para além de não ha-
perguntar-se de preferência, se a menstrua- ver qualquer utilidade prática na destrinça
ção surge todos os meses e se assim é se vem entre os dois termos ainda em uso6, que com
antes ou depois de decorrido um mês sobre a DeGowin7 considero sinónimos, o que inte-
anterior e, nestes casos, com quantos dias de ressa mesmo é identificar o perfil habitual
diferença. Definir-se-ão desta forma, ciclos in- ou hábito menstrual para depois se percebe-
feriores ou superiores a 30 dias, determinan- rem as variações. Desta forma, embora dum
do-se a duração normal pela diferença que a ponto de vista estritamente semântico, um
consulente refere (“vem sempre 2 dias antes período de 3 dias corresponda ao que se de-
do mês” = ciclo de 30 - 2= 28 dias). fine como normal, quando uma mulher que
Uma outra fonte de confusão resulta da atri- sempre teve períodos de 6 ou 7 dias passa
buição de significados distintos a palavras tão a ter apenas 3, ela tem de facto, clinicamen-
comuns como “adiantar” ou “atrasar”. Devem te, uma hipomenorreia, a qual, para que não
evitar-se termos equívocos como aquele, por haja agressões terminológicas, se dirá relati-
exemplo, já que se para uns poderia significar va. Estas variações pessoais, têm, em regra,
surgir antes para outros é entendido como significado clínico, embora não necessaria-
aparecer para diante, isto é, para a frente, ou mente patológico (hipomenorreia relativa
seja mais tarde. Em termos práticos convém, iatrogénica da contracepção oral combina-
pois, confirmar os dados recolhidos interro- da, por exemplo). Curiosamente, sendo cur-
gando por mais do que uma forma. Se se tiver ta a memória das pessoas, como diz o povo,
nesta altura conhecimento das datas dos dois nas usuárias de contracepção hormonal de
ou três últimos períodos menstruais facilmen- longa data existe por vezes tendência a as-
te se verificará por cálculo da validade dos da- similar o novo padrão como o seu normal,
dos recolhidos anteriormente. Este é, assim, esquecendo que é efeito da medicação.
um primeiro objectivo do conhecimento das Quantas vezes, após a suspensão do seu uso
DUM (Data da última menstruação), DPUM recorrem no ciclo imediato a consulta de ur-
(Data da penúltima menstruação) e DAPUM gência ao perceberem sintomas fisiológicos
(Data da antepenúltima menstruação). mas a que já se não encontram habituadas.
Mais difícil do que a determinação da dura- A medição da quantidade do fluxo menstrual
ção do ciclo, é a avaliação da quantidade do pode fazer-se, mas apenas em trabalhos de
fluxo catamenial. Cinco parâmetros devem investigação, por ser um procedimento algo
então ser considerados: complexo e, sobretudo, incómodo. Na prá-
— a duração do período menstrual, usual- tica, a avaliação faz-se, pois, de forma muito
mente referida sem hesitações; subjectiva e numa primeira abordagem pela
— o número de pensos ou tampões utiliza- impressão que a própria mulher tem do seu
dos em cada dia; fluxo, a qual resulta da comparação que efec-
— a avaliação subjectiva por parte da própria; tua com as pessoas das suas relações (mãe,
— a coloração; familiares, vizinhas, amigas). De facto, quan-
— a fluidez do fluxo. do inquiridas respondem que o fluxo é “o

Semiologia Ginecológica 85
normal”, “muito” ou “pouco” numa proporção levou a que se considerasse o sangue mens-
relativa ao que é referido pelas outras. trual como incoagulável, o que, como se vê,
Se se quiser dar maior precisão à avaliação do não corresponde à verdade, já que, provenha

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fluxo poder-se-á então fazê-lo pela quantida- donde provier, o sangue apenas coagula uma
de de pensos ou tampões higiénicos que tem vez. O facto é que quando a perda hemorrági-
necessidade de utilizar. Em condições normais ca ultrapassa a capacidade da cavidade uteri-
uma mulher com bons hábitos higiénicos uti- na, tem de a abandonar esteja como estiver, o
liza 2 ou 3 pensos por dia ou 1 ou 2 tampões que faz com que seja expulsa sob a forma de
de absorção normal, os quais se saturam com coágulos. Por esta razão, a presença e o nú-
30 a 50 ml de líquido7. Como se compreen- mero de coágulos são um indicador razoável
de, esta forma é igualmente muito impreci- e, dentre os descritos, o melhor, da quantida-
sa, uma vez que uma mulher mais sensível de de fluxo menstrual.
muda de penso à mais pequena acumulação Em termos de registo expressaremos a quan-
de fluxo, para se sentir seca, enquanto outra, tidade pelo sistema de cruzes. Uma perda
em condições opostas, pode apenas mudar escassa corresponde a +, uma moderada
quando excedida a capacidade de absorção a ++ e se abundante +++, guardando-se
do material protector que utiliza. ++++ para as perdas muito abundantes, já
À hemorragia genital pode aplicar-se, tal exageradas, e +/- para as diminutas.
como para o tubo digestivo, o mesmo prin- Uma vez definidos todos estes padrões e
cípio de avaliação que se baseia no facto de valores, descreve-se então o ciclo menstru-
que, quanto mais baixos forem os pontos de al sob a forma de fracção no qual o nume-
origem ou maiores as quantidades perdidas, rador corresponde à duração do ciclo e o
tanto mais clara é a coloração do fluxo hemá- denominador à do período menstrual, com-
tico. De facto, uma hemorragia de proveni- plementada pela avaliação da quantidade
ência vaginal ou cervical uterina tende a ter pelo sistema de cruzes. Assim, uma mulher
cor vermelha viva, dada a rapidez com que com ciclos de 28 a 30 dias e períodos de 4 a
chega ao exterior. Porém, quando originária 5 em quantidade moderada, descrever-se-ia
da cavidade corporal sofre certa “estase” por como Ciclo = 28-30/4-5++.
retenção a nível do esfíncter cervical inter- Relembre-se agora que os dados anterior-
no (ístmico) e durante este tempo o sangue mente colhidos devem ser confirmados pela
degrada-se, para se exteriorizar como fluxo determinação da DUM = Data da última
castanho, com aspecto de “borra de café” ou menstruação, por vezes necessitando-
de “água de lavar carne” segundo tenha me- se ainda da DPUM = Data da penúltima
nor ou maior percentagem hídrica. menstruação e quando possível ainda a
Por outro lado, a partir duma certa quanti- DAPUM = Data da antepenúltima mens-
dade, mesmo que provenha do endométrio, truação. Para além de confirmar ou permitir
o fluxo hemático é claro, pois ultrapassa fa- o cálculo da duração do último ciclo, a data
cilmente a capacidade da cavidade corporal da última menstruação é ainda importante
e tem necessariamente de ser expulso sem para se saber em que fase do ciclo genital se
demora. O aspecto dos coágulos tem, para vai proceder ao exame da mulher, uma vez
este fim, de ser considerado à parte. Se em que alguns dados que são normais numa
condições normais o sangue derramado na determinada fase, já o não são numa outra.
cavidade endometrial sofre coagulação e lise (SPO) = Síndrome periovulatório / (SPM) =
quase imediata pela extraordinária riqueza Síndrome pré-menstrual / (SM) = Síndro-
em substâncias fibrinolíticas do endométrio me menstrual. As síndromes funcionais do
descamado, quando se exterioriza pelo canal ciclo genital não são inquiridas obrigatoria-
cervical fá-lo sob a forma líquida. Este facto, mente, por resultarem num prolongamento do

86 Capítulo 5
tempo de consulta, e tem interesse clínico facilmente se apercebe da existência de algo
apenas nalguns casos. Nestes a sua investi- que a senhora tem dificuldade em explicitar.
gação será então detalhada, muitas vezes já Com delicadeza deve incutir-se a confiança

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após haver sido realizada uma parte da reco- imprescindível para que se sinta à vontade
lha da história clínica, momento no qual se para expressar os seus problemas.
considerou útil retroceder à colheita deste Três aspectos muito particulares da história
tipo de antecedentes. sexual serão ocasionalmente indagados mas
A propósito convém chamar a atenção para a com especial cuidado. Em consultas de Pla-
correcta expressão em português destes com- neamento Familiar motivadas por situações
plexos sintomatológicos que definem entida- de esterilidade é importante conhecer-se a
des clínicas e que podem ser indistintamente frequência coital e a regularidade ao longo
referidos como síndromes ou síndromas, no da semana, por óbvias razões de probabili-
feminino, ou síndromos, no masculino. dade de coincidência com o período fértil.
AS = Antecedentes sexuais. Por sistema Também em contracepção pode ser im-
apenas a primeira destas questões é inqui- portante para a opção técnica conhecer-se
rida: a que se refere à idade das primeiras o grau de risco de engravidar em casos em
relações sexuais (IPRS). Com esta pergunta que é baixo o número de relações sexuais.
passa a saber-se se já houve ou não relação Um segundo ponto, que se prende com as
sexual e de forma indirecta qual a duração do situações de coito difícil ou doloroso (dispa-
período de actividade sexual. Como se verá reunia) há interesse em conhecer os hábitos
existe patologia que está relacionada com a posicionais e a sua relação com a sintomato-
frequência de relações sexuais ou evidencia logia. Dada a falta de divulgação do vocabu-
prevalência inversamente proporcional. Em lário apropriado com frequência devemos
casos especiais pode haver interesse em preocupar-nos em auxiliar as consulentes
conhecer-se a idade das últimas relações se- nas suas descrições evitando-lhes a habitual
xuais (IURS), pergunta com mais frequência retracção de expressão, quantas vezes com
empregue nas consulentes mais idosas. Este termos que consideram embaraçosos.
dado é importante na opção do material e Por último, o conhecimento do número de
modo de realização do exame ginecológico. interlocutores sexuais tem cada vez mais im-
portância, dada a elevada prevalência neles
1.4. HISTORIA SEXUAL e nelas de pelo menos algumas das infec-
ções transmissíveis sexualmente (ITSs).
HS= História Sexual. Salvo quando se cons- AC = História Anticoncepcional. Neste ca-
titui em motivo específico da consulta, os de- pítulo interessa saber se está em uso alguma
talhes referentes aos hábitos e experiências técnica anticoncepcional no ciclo em que se
sexuais não são abordados de forma directa, vai realizar a observação e se afirmativo qual
pelo menos numa primeira consulta. De fac- deles, bem como recolher as informações
to, este é um dos pontos que as pessoas têm referentes a experiência anterior com estas
alguma relutância em expor de forma aberta técnicas, seus efeitos positivos e negativos,
sem estabelecerem previamente um elo de razões de mudança e opção e preferências.
confiança. Habitualmente, quando se per-
cebe que haverá interesse em abordar estas 1.5. ANTECEDENTES OBSTÉTRICOS
questões para esclarecer aspectos importan-
tes do quadro nosológico, a história sexual AO = Antecedentes Obstétricos. Exis-
é abordada de modo indirecto, através de tem várias formas de realizar a descrição
perguntas como “tem dores ou dificuldades dos antecedentes obstétricos. A mais sim-
na relação sexual?”. Olhando a consulente ples, mas menos informativa, é a francesa

Semiologia Ginecológica 87
que define o número total de gravidezes, A minúcia que se dedicará à recolha dos
incluindo a actual quando presente, e o restantes antecedentes obstétricos é muito
número de partos por via vaginal. Faz-se variável, de acordo com as situações, inte-

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então (recorrendo a numeração romana) a ressando numa perspectiva clínica gineco-
evidenciação dos seus valores da seguinte lógica fundamentalmente as situações ditas
forma: #G #P, correspondendo o primeiro de insucesso reprodutivo e os quadros pa-
valor ao número de gravidezes (dito Gesta) tológicos ou de distocia, em que possa ter
e o segundo ao de partos por via vaginal existido traumatismo do aparelho genital. É
(referido como Para). Assim, se uma senho- assim útil conhecer-se o peso ao nascimento
ra está grávida e teve dois abortamentos e do filho mais volumoso.
um parto a termo por cesariana com filho Convém nesta altura clarificar o que se en-
viável e actualmente vivo dir-se-á que é tende por parto eutócico e distócico. Quan-
uma IV Gesta 0 Para (nulípara), descrição do a fisiologia é por si só capaz de levar à
que seria idêntica à de uma outra que não total expulsão do feto, ainda que com ajuda
está grávida e tem três abortamentos ante- médica (necessariamente menor) ou com-
riores e uma gravidez ectópica. plicações traumáticas para os tecidos da mu-
Por esta razão, e dada a importância obsté- lher o parto é considerado normal ou eutó-
trica dos partos pré-termo e do número de cico. Em oposição, a exteriorização fetal por
filhos vivos dum casal, a escola americana orifício artificial (cesariana) ou com recurso
utiliza uma fórmula de 4 posições (TPAL a manobras extractivas é classificado como
formula7: Term pregnancies, Premature de- distócico. Assim, podem ocorrer partos eutó-
liveries, Abortion, Living Children), na qual cico simples e complicados, existindo ainda
o primeiro número corresponde ao núme- uma variedade mista, em gravidezes geme-
ro de partos a termo (não de gravidezes), lares: os partos complexos, isto é, eutócico(s)
o segundo ao total de partos pré-termo, o para um(ns) feto(s) e distócico(s) para o(s)
terceiro ao de abortamentos e outras gra- outro(s). Não são considerados para efeitos
videzes patológicas e o último ao de filhos de definição de eutocia e distocia os outros
vivos à data da consulta. Segundo esta períodos do parto.
descrição o primeiro dos casos atrás refe-
ridos seria expresso pela sequência 1.0.2.1 1.6. ANTECEDENTES PESSOAIS
enquanto a segunda corresponderia a esta
outra 0.0.4.0. AP = Antecedentes Pessoais. Espoliado de
De forma a tornar mais objectiva a informa- grande parte do seu conteúdo pela necessi-
ção, embora naturalmente algo mais com- dade de pormenorização dos dados referen-
plexa, o modelo que se propõe e se tem tes ao ciclo genital, as questões que se foca-
mostrado mais prático é o da descrição em rão no capítulo dos antecedentes pessoais,
6 posições, que correspondem referem-se não só aos hábitos (alimentares,
— número total de partos higiénicos, medicamentosos e actividade físi-
— número de partos distócicos ca) como aos patológicos, quer médicos quer
— número de partos prétermo operatórios. Na maioria das vezes são apenas
— número de abortamentos importantes os dados referentes a afecções
— número de outras gravidezes patológi- havidas ao nível dos genitais, pormenorizan-
cas (ectópicas, tumores do trofoblasto) do-se os diagnósticos e os tratamentos efec-
— número de filhos vivos actualmente. tuados, e a cirurgia abdominal, sobretudo a
Assim, utilizando os dois exemplos atrás ex- do andar inferior. Porém, muitos outros qua-
postos o primeiro definir-se-ia pela fórmula dros médicos e cirúrgicos não relacionados
1.1.0.2.0.1 e o segundo por 0.0.0.3.1.0. com o aparelho genital, assumem importância

88 Capítulo 5
quando se pensa instituir uma terapêutica ideia geral da natureza do padecimento.
curativa ou preventiva de tipo hormonal, a Entretanto vão-se anotando os elementos
qual pode ser contra-indicada ou condicio- importantes da história clínica que a consu-

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nada pela presença de determinado tipo de lente espontaneamente expõe, para poste-
patologias ou de factores de risco. riormente a interrogar sobre os pontos que
pareçam essenciais para a postura do diag-
1.7. ANTECEDENTES FAMILIARES nóstico. Dada a morosidade dum interro-
gatório exaustivo, que o torna impraticável
AF = Antecedentes Familiares. O conhe- na prática clínica, há por vezes necessidade
cimento duma susceptibilidade especial a de o completar após a realização do exame,
um determinado tipo de patologia, frequen- para clarificar alguns aspectos que este pos-
temente indiciada pela existência frequen- sa suscitar.
te nos seus antecessores, permite incluir a Uma vez terminada a exposição espontânea
consulente num grupo de risco particular por parte da doente, dever-se-á inquirir so-
para determinado tipo de afecções e con- bre a existência de outros sintomas que às
sequentemente orientar o clínico para um vezes são colocados em lugar secundário e
rastreio mais rigoroso ou para uma prescri- por tal, facilmente são esquecidos.
ção de determinado tipo de terapêuticas Assim, confirmar-se-á se existem:
profilácticas da doença em causa. Para além — alterações do ciclo ou do fluxo menstruais;
das doenças neoplásicas, genéticas e endó- — hemorragias não menstruais;
crinas, a patologia vascular assume muita — corrimentos genitais;
importância, tendo em atenção o emprego — dor, ardor, prurido genitais;
muito frequente de terapêutica hormonal — modificações ou perturbações mamá-
em Ginecologia. rias, subjectivas ou objectivas;
Em alguns casos é ainda importante definir — dificuldades coitais;
a existência de problemas semelhantes ou — perturbações miccionais e/ou perda in-
afins em: (CF = Colaterais Familiares), como voluntária de urina;
em casos de malformações genitais que jus- — alteração dos hábitos intestinais e defe-
tificam algumas situações de esterilidade e catórios.
noutros do foro oncológico, em que convém Para cada anomalia haverá que indagar em
ter uma ideia da frequência da afecção atra- termos gerais sobre o seu início, duração,
vés do conhecimento da sua prevalência em intensidade, persistência e relação com as
irmãos e primos. outras. Assim:
— haverá em primeiro lugar que caracte-
1.8. HISTÓRIA DA DOENÇA rizar o tipo de modificação do perfil do
ciclo (encurtamento - polimenorreia e
HD = História da doença. Uma vez colhida polimenorreia relativa - ou alongamen-
toda a informação considerada útil através to - oligomenorreia ou oligomenorreia
do inquérito dos pontos anteriores passar- relativa - ou ausência - amenorreia) e ao
se-á então à auscultação das queixas que fluxo menstrual (diminuição - hipome-
constituem a razão de ser da consulta. norreia - ou aumento - hipermenorreia
Deixar-se-á que a senhora faça a exposição ou menorragia);
dos sintomas que a trazem à consulta, pro- — no que se refere às hemorragias extra-
curando interrompê-la o menos possível, menstruais é importante saber-se se são
sobretudo de início e até à percepção do espontâneas ou pelo contrário provoca-
tipo e importância atribuída a cada queixa, das, e neste caso se o são pelo esforço ou
ao mesmo tempo que se vai formando uma pelo coito ou por outro qualquer factor;

Semiologia Ginecológica 89
se é uma perda ocasional, irregular, espo- do acto (iniciais ou protocoitais, intra ou
rádica, ou frequente, periódica, sistemá- mesocoitais, terminais ou telecoitais e
tica (como a metrorragia periovulatória, pós-coitais) bem como da sua duração

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por exemplo); (limitadas se apenas presentes quando
— o esclarecimento dos corrimentos ge- do coito ou prolongadas, se persistem
nitais envolve a definição do seu início, para além dele);
factores eventualmente desencadeantes — perturbações miccionais, muito co-
(coito, antibioterapia), relação das suas muns nas senhoras, referem-se a altera-
características com o ciclo, associação a ções da frequência, da diurese, do jacto
outros sintomas como dor, ardor, prurido, ou à percepção de sintomas associados;
afectação ou não do cônjuge; alguns flu- — alteração dos hábitos intestinais e de-
xos são fisiológicos e consequentemente fecatórios, uma das disfunções mais fre-
relacionam-se temporalmente com os quentes nos nossos dias, fruto das incor-
fenómenos que os justificam (mucorreia recções dietéticas, do sedentarismo e da
pré-ovulatória ou hidrorreia sexual, por irregularidade dos hábitos quotidianos.
exemplo); outros, embora patológicos,
evidenciam clara relação com a fase do 1.9. MEDICAÇÃO EM CURSO
ciclo em termos de aparecimento, recru- E REACÇÕES ALÉRGICAS
descimento ou regressão;
— em relação à dor, interessa indagar sobre: MED_C = Medicação em Curso.
início (súbito ou progressivo, relação ou REAC = Reacções alérgicas e de intolerân-
não com o ciclo); tipo (em moedeira, cóli- cia, são dados de conhecimento obrigatória
ca, queimadura, lancinante, perfurante); para a boa interpretação das queixas e do
intensidade e grau de interferência nas quadro clínico, bem como para prevenir evo-
actividades quotidianas; localização e luções desfavoráveis, eventualmente fatais.
irradiação; se é espontânea ou provoca-
da. Interessa ainda averiguar sua relação
com a posição; a mobilização; a micção 2. EXAME CLÍNICO EM GINECOLOGIA
e a defecação; a relação sexual (coitalgia
ou dispareunia); e o ciclo genital; 2.1. INSTRUMENTOS
— a percepção de aumento de volume li-
geiro, de peso e de tensão mamárias Antes de tomar contacto com a técnica do
são comuns na segunda fase do ciclo ge- exame ginecológico requer-se um bom co-
nital, e são considerados consequência nhecimento do material, pelo menos do bá-
da proliferação glandular acinar e ductal, sico, necessário à sua execução.
bem como de retenção hídrica; existe
assim aumento da densidade e de gra- 2.1.1. ILUMINAÇÃO: FONTES DE LUZ
nulações glandulares à palpação; a pato-
logia mamária funcional ou disfuncional Não sendo, naturalmente, equipamento es-
apresenta-se com quadro similar embora pecífico da Ginecologia, a variedade de fon-
mais agravado; tes de iluminação merece desde já alguns
— as dificuldades coitais podem ser ligei- comentários.
ras ou impedir mesmo a consumação O exame clínico deve ser realizado em am-
do coito (apareunia); dever-se-á inquirir biente bem iluminado, sempre que possível
sobre a localização dos sintomas (su- com luz natural. A apreciação da cor e das
perficiais ou vestibulares e profundos, tonalidades sofre com a variação qualitativa
e sobre o seu aparecimento em função do tipo de iluminação, sendo particularmente

90 Capítulo 5
afectada pela luz fluorescente, a qual, por ra- ópticas flexíveis para os locais de observa-
zões económicas, é das mais divulgadas. ção, evitando-se desta forma as frequentes
Mais especificamente para o exame genital queimaduras acidentais de outrora, que

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recorre-se a dispositivos variados de ilumina- ocorriam quando as lâmpadas eram in-
ção, sendo o mais difundido o foco com lâm- troduzidas no corpo da examinanda. Mais
pada de halogéneo. A luz que proporciona é recentemente existem lâmpadas de boa
de intensidade regulável e de características potência com baixa capacidade de aqueci-
próximas das do espectro natural, pelo que mento, que constituem uma boa alternati-
este constitui o equipamento actualmente va, e menos dispendiosa.
mais divulgado nos gabinetes de consulta. Com excelente capacidade de iluminação
Para a inspecção da pele em geral, e da vul- mas algo incómodo para o examinador é o
va em particular, pode e deve utilizar-se uma foco frontal, versão recente do espelho de
lupa, seja um modelo simples portátil ou Clar dos otorrinolaringologistas e que existe
mais frequentemente o usado nos centros também com sistema de “luz fria”.
de estética e cosmética, no qual a lente se en-
contra complementada por uma fonte de luz, 2.1.2. ESPÉCULOS VAGINAIS
circular. A este aparelho, que em Ginecologia
é quase exclusivamente utilizado no exame A vagina, embora sendo órgão tubular, oco,
da vulva, dá-se o nome de vulvoscópio. apresenta uma cavidade que em condições
Se para a inspecção da vulva em exames de normais é apenas virtual, dada a usual apo-
rotina não se recomenda, por ser pouco prá- sição das suas paredes anterior e posterior.
tico, o uso do “colposcópio”, dada a extensão Desta forma, para que se possa examinar a
da superfície a examinar, em casos particu- sua luz torna-se necessário recorrer a instru-
lares recorre-se à “colposcopia” vulvar para mento apropriado.
clarificação de lesões predeterminadas. Esta Em regra emprega-se para o efeito o es-
designação está etimologicamente errada, péculo vaginal, equipamento cujo nome
mas dada a sua difusão é hoje técnica e uni- deriva, na literatura contemporânea, da ne-
versalmente aceite. Quando disponível, e cessidade que havia de se ter de usar um
mesmo que não seja empregue para exame espelho para reflectir a luz para a cavidade a
ampliado dos genitais, o colposcópio pode examinar, o que não sendo já o caso na actu-
funcionar como fonte de luz, proporcionan- alidade fez com que conservasse a designa-
do iluminação de boa qualidade e intensida- ção. Talvez mais acertadamente Auvard1 faz
de ainda que evidencia um campo de obser- derivar espéculo de specere, olhar.
vação relativamente limitado em extensão. Os modelos actualmente disponíveis estão
Com uma fonte externa usam-se em regra constituídos basicamente por duas valvas
espéculos desprovidos de qualquer siste- ligadas por articulação estabilizável que per-
ma intrínseco de iluminação, mas existem mite realizar de forma simples uma adequa-
modelos que aceitam o encaixe dum gera- da exposição da cavidade vaginal. O estatis-
dor de luz de halogéneo ou que incorporam mo próprio deste instrumento, que permite
um sistema de difusão luminosa adaptável a que se mantenha espontaneamente aberto
uma fonte exterior, sendo a transmissão rea- uma vez colocado na sua posição final, e em
lizada por condutores ópticos. regra imobilizado pela pressão que as pare-
Por último, os equipamentos ópticos mais des vaginais exercem sobre as suas valvas,
sofisticados, englobados no conceito de torna dispensável o recurso a ajudante, o
endoscópios, funcionam actualmente com qual é imprescindível quando se usam val-
luz fria. Tal significa que a fonte geradora é vas vaginais individualizadas, como é caso
extrínseca e que a luz é conduzida por fibras corrente em cirurgia ginecológica.

Semiologia Ginecológica 91
Espéculos semelhantes aos vaginais são sos uterinos. Assim, pode considerar-se este
empregues para observação das cavidades modelo como o de emprego mais amplo, e
nasal, ótica e recto-anal, naturalmente adap- quando tenha de existir apenas um, reco-

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tados à anatomia dos segmentos que são menda-se que seja este o adoptado.
objecto de exame. O espéculo de Cusco tem um sistema de arti-
Existem espéculos vaginais articulados e fi- culação que permite manobrá-lo facilmente
xos (tubulares), metálicos e plásticos, e den- por simples pressão, fixando-lhe a abertura
tre estes transparentes e opacos. Estão aban- só quando já devidamente colocado, en-
donados, por razões de higiene os modelos quanto o de Graves, com articulação dupla,
clássicos em madeira, osso ou marfim, de permite uma exposição ainda mais individu-
que se podem encontrar exemplares belíssi- alizada pela combinação de diferentes tipos
mos nos museus de História da Medicina. de abertura. Qualquer um destes dois últi-
Uma vez que a parede vaginal posterior é mos modelos permite pois um manejo fácil
mais longa do que a anterior, alguns modelos e total com uma só mão, o que não sucede
como o de Collin, em particular nas variantes com o de Collin. Porém, à medida que os
de maiores dimensões, possuem valvas de- modelos se tornam mais complexos, passam
siguais (espéculo de Collin-Landau). Nestes igualmente a ser mais frágeis e caros.
casos, a mais longa corresponde obrigatoria- Para além dos modelos descritos, que devem
mente à parede vaginal posterior. ser considerados como os de referência, por
Os protótipos metálicos, por serem reutilizá- mais divulgados, muitas outras variantes,
veis, resultam mais económicos desde que como a de Pedersen, por exemplo, são utili-
se tenha acesso aos meios requeridos para a zados. Cada um dos modelos referidos existe
sua esterilização. Os plásticos, descartáveis, ainda em vários tamanhos, sendo regra que se
tornam-se mais dispendiosos nos países em deve sempre optar pela variedade maior, mas
que a produção não é suficiente para per- que não seja desconfortável para a senhora.
mitir preços aceitáveis, mas têm vantagens Sublinhe-se, o que parecendo uma negação
adicionais: são mais leves e não condutores, do anterior o não é, que na dúvida é preferí-
nem térmicos nem eléctricos, o que os torna vel experimentar o mais pequeno4 o qual, se
mais confortáveis para a examinanda. O fac- se mostrar insuficiente se substituirá por um
to de serem transparentes não constitui, em maior, em lugar de começar por este e correr o
oposição ao que poderia parecer, vantagem risco de provocar incómodo e mesmo dor.
prática, uma vez que a compressão que efec- Dito por outras palavras, o espéculo deve ser
tuam sobre as paredes vaginais induz nestas suficientemente grande mas não demasiado,
alterações da forma e da coloração que tor- realizando-se a escolha segundo critérios prá-
nam difícil o seu estudo correcto. São prefe- ticos, dos quais se salientam a idade, a prévia
rencialmente usados nos casos em que há existência (ou não) de actividade sexual e/ou
risco particular de transmissão infecciosa. partos por via vaginal, o estado trófico vagi-
Dentre os distintos modelos o de Collin, nal, a história actual e os dados da inspecção.
mais simples, é o mais resistente, embora Estas variáveis são dificilmente tidas em con-
mais grosseiro e de regulação manual mais ta de forma isolada, mas antes consideradas
complexa, por possuir articulação mediada globalmente. Assim, por exemplo, a idade
por parafuso. Contudo, o facto de esta ser tem ligações naturalmente com a actividade
unilateral constitui uma vantagem impor- sexual, com o trofismo (atrofia vaginal pós-
tante quando se pretende retirar o espéculo menopausa) mas também com o tipo de
deixando colocados outros instrumentos, patologia (história compatível com laceração
como sucede na realização de histerografia ou prolapso). Em caso de dúvida a considera-
ou nas provas de tracção cervical nos prolap- ção definitiva deve ser formulada tendo em

92 Capítulo 5
atenção a avaliação objectiva do orifício do em fase precoce ou preliminar, pelo que se
intróito da vagina, suas dimensões e disten- considera curável. Dentre os métodos empre-
sibilidade. Este parâmetro é, sem dúvida, o gues para este fim o mais importante é, sem

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mais importante na observação da criança, dúvida, a citologia de rastreio.
na qual a compatibilidade entre o diâmetro Teremos pois, dois tipos de observação:
do espéculo e o do orifício himeneal tem de uma fundamentalmente orientada para a
ser previamente garantida. vagina e apenas acessoriamente para o colo
Refira-se que em ginecologia pediátrica o (a citologia vaginal ou exame do conteúdo
tipo de instrumento a utilizar é naturalmen- vaginal) e outra, ao contrário, dirigida quase
te diverso do da adulta, podendo mesmo exclusivamente ao colo do útero, a citologia
recorrer-se extemporaneamente a equipa- de rastreio de Papanicolaou.
mento endoscópico. Pela sua facilidade e Relembre-se que o colo do útero está re-
segurança de manejo, serão de preferir os vestido por dois tipos de epitélio, um pavi-
espéculos tubulares, semelhantes aos de mentoso, malpighiano dito exocervical e
exame ótico, disponíveis em vários diâme- outro cilíndrico simples, mucossecretor, en-
tros e comercializados em França segundo docervical. Os processos malignos mais co-
os desenhos de Denys Sersiron. O modelo muns originam-se na zona de transição dos
brasileiro, o colpovirgoscópio de Bicalho, dois epitélios, na chamada junção escamo-
também conhecido pelo nome do seu fabri- colunar, a qual dum ponto de vista teórico
cante (da Greco), estruturalmente idêntico a corresponderia ao orifício externo do colo.
um proctoscópio, é o de mais fácil manejo e Porém, fruto do diferente grau de estimula-
dispensa recurso a fonte de luz exterior, por ção hormonal existente ao longo da vida da
se encontrar incorporada. mulher o seu posicionamento topográfico é
Em conclusão: a colocação do espéculo va- variável. Pode localizar-se em pleno exoco-
ginal é imprescindível ao exame do segmen- lo, como sucede vulgarmente na mulher em
to cervico-vaginal e constitui passo prévio idade reprodutora, particularmente quan-
a quase todas as explorações e manobras do sob contracepção hormonal ou grávida,
transvaginais. ou pelo contrário em pleno canal cervical,
como é habitual após a menopausa. Assim,
2.1.3. MATERIAL PARA COLHEITA de forma a estandardizar o exame propôs
CITOLÓGICA CERVICO-VAGINAL Wied um método dito tríplice de colheita de
células cervicais, cujas siglas devem ser indi-
Um dos exames mais praticados em Gineco- cadas nas correspondentes lâminas:
logia é a análise citológica. Ela pode revestir- V = colheita no fundo-de-saco vaginal,
se de cariz diagnóstico (citologia vaginal) ou onde à mistura com as células próprias
ser paradigma da postura preventiva (a cito- da vagina se irão depositar as que desca-
logia de rastreio oncológico cervical uterino, mam do colo uterino
chamada cervico-citologia, citologia cervi- C = colheita no colo (exocolo), que será
cal de Papanicolaou ou teste de Papanico- a mais importante nos casos em que a
laou). De facto, o segmento cervico-vaginal é transição epitelial se verifica neste ponto
terreno propício ao desenvolvimento de alte- E = colheita no endocolo, fundamental
rações inflamatórias e/ou infecciosas, sendo quando a junção se situa no canal.
o colo do útero sede da lesão maligna entre A colheita tríplice, advogada por várias Es-
nós ainda a mais frequente na mulher, logo colas, foi a melhor por ser estandardizada,
após o cancro da mama. Ora ele é acessível à completa e cobrir as diversas variabilidades
observação e sofre um processo de maligni- anatómicas dos epitélios do colo uterino.
zação que pode, em regra, ser diagnosticado Contudo, em termos de eficácia e sua relação

Semiologia Ginecológica 93
com os inerentes custos, o panorama é-lhe são da lâmina. A forma mais prática de se re-
actualmente desfavorável, tendo-se evolu- alizar o transporte é o envio das lâminas para
ído, nos programas de rastreio, para a co- o laboratório em porta-lâminas de cartão ou

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lheita exo e endocervical, de início em se- plástico que impedem que possam ser frag-
parado e mais recentemente em bloco com mentadas acidentalmente. Recorde-se que
esfregaço agora único numa só lâmina. Os as lâminas correspondentes a cada uma das
benefícios desta “simplificação” resultam da três colheitas citológicas devem ser devida-
poupança em termos de material e tempo mente identificadas com as siglas VCE, sen-
de execução e, sobretudo, de leitura e arma- do prática corrente associar numa mesma
zenamento do produto. lâmina os produtos vaginal e exocervical,
Diferentes instrumentos podem ser empre- realizando-se, por exemplo, o esfregaço do
gues para as referidas colheitas. Assim, para primeiro em sentido transversal e do segun-
a (V) vaginal pode colher-se o material or- do longitudinalmente.
gânico do fundo-de-saco posterior usando Como já referido, mais recentemente foram
uma espátula vulgar de exame da orofarin- introduzidas modificações sucessivas visan-
ge, o extremo rombo da espátula de Ayre ou do poupanças de fundos e de mão-de-obra
mais classicamente uma pipeta de aspiração sem significativa perda de acuidade diagnós-
tipo Papanicolaou ou Pasteur; para a (C) cer- tica. De início, as lâminas eram três (V+C+E)
vical ou, melhor dito, exocervical aconselha- e passaram a ser apenas duas por redistribui-
se o uso sistemático da espátula desenhada ção do produto. Assim, mantendo a colheita
por Ayre, ou uma das variantes mais recen- tríplice faziam-se apenas dois esfregaços, as-
tes e para a endocervical utilizava-se - uma sociando-se no primeiro V+C ou no segundo
zaragatoa de algodão, seca ou embebida em C+E de acordo com o instrumento utilizado
soro e actualmente um escovilhão cervical. para a colheita. Por exemplo, usando espá-
A espátula de Ayre apresenta um extremo tula de Ayre e escovilhão realizam-se V+C e
com uma forma recortada que se adapta E. Posteriormente, dada a relativa e teórica
perfeitamente à superfície do focinho de inespecificidade da colheita vaginal para
tenca, permitindo realizar um raspado do rastreio de lesões do colo, muitas escolas
epitélio ao imprimir um movimento de ro- abandonaram esta participação e reduziram
tação de 360º àquele instrumento, tomando as colheitas a duas apenas, C+E. Procurando
como fulcro a zona mais proeminente que se simplificar ainda mais a técnica de colheita
insinua no orifício externo do colo. Existem foram finalmente introduzidos novos dispo-
modelos de madeira ou de plástico, deven- sitivos, com o objectivo de realizar as duas
do preferir-se estes últimos por não serem colheitas em simultâneo. Surgiram assim,
absorventes, o que facilita a distribuição do as espátulas de Aylesbury, a “Multispatula” e
produto sobre a lâmina. Nas colheitas en- mais tarde o sistema “Acellon”, o “Cytobrush”
docervicais a zaragatoa foi quase completa- e o “Cervex”. A importância histórica e técnica
mente abandonada, dando-se preferência da espátula de Ayre é notória quando se exa-
ao escovilhão, que é bem mais eficaz. minam os restantes que são afinal o resulta-
Uma vez colhido o produto deve ser imedia- do de modificações nela introduzidas mas
tamente distribuído em camada fina sobre que mantêm quase sempre a traça original
lâmina de vidro bem limpa e desengordura- definida por aquele autor. Contudo, quando
da, procedendo-se à sua fixação sem perda não existam disponíveis espátulas especiais,
de tempo. Como fixadores podem utilizar-se tal não constitui óbice à realização da citolo-
quer produtos específicos alcoólicos em ato- gia, uma vez que em situações esporádicas
mizador (spray) ou uma mistura álcool-éter podem ser empregues as usadas vulgarmen-
em partes iguais na qual se procede à imer- te para exame da boca e orofaringe. Por seu

94 Capítulo 5
turno, os dispositivos mais recentes, destina- grosseira e traumatizante, para as fortes pre-
dos a colheita combinada, são já mais so- ensões/tracções da cirurgia. Com a mesma
fisticados, integrando elementos maleáveis finalidade podem empregar-se as pinças di-

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e visando uma função logicamente distinta. tas de 9 dentes de Allis ou, como paradigma
Alguns destes sistemas, como o Cervex são de instrumento não perfurante, o chamado
ainda passíveis de uso em novas metodo- estabilizador cervical.
logias de preparação citológica, como a As pinças de preensão cervical são necessá-
citologia em meio líquido, que é a mais rias: à estabilização do colo uterino sempre
recente inovação. que se realizam manobras instrumentais
Uma palavra ainda sobre a qualidade de sobre este órgão com alguma pressão (bi-
fixação citológica, hoje claramente expres- ópsia, dilatação forçada do orifício interno);
sa, segundo a nomenclatura de Bethesda, à mobilização do colo para exame dos fun-
no relatório final do exame. Ter-se-ão de dos-de-saco vaginais, por exemplo; à trac-
respeitar as contra-indicações, executar as ção do colo quer para estudo da mobilidade
colheitas de forma correcta e proceder de do órgão, como nos casos de prolapso, quer
imediato a um esfregaço fino prontamente para a rectificação do eixo uterino, proce-
fixado, para que a leitura possa ser comple- dimento que deve anteceder a maioria das
tamente satisfatória. manobras a efectuar nesta cavidade, de que
Alguns dispositivos propostos para colheita são exemplo a sondagem uterina, a biopsia
citológica são hoje preferencialmente em- do endométrio, a introdução de dispositivo
pregues para outras finalidades. Por exem- intra-uterino anticoncepcional (DIU), a his-
plo, o escovilhão cervical (Cytobrush), é o terossalpingografia e a histeroscopia, na sua
meio mais prático de remoção do muco cer- execução clássica.
vical, desde que se evite o contacto do ins- Recorde-se, a este propósito, que o útero se
trumento com o colo, que por vezes faz san- insere na cúpula vaginal, não na sua parte
grar. Um outro sistema, o MiMark, proposto central, mas num ponto situado já em plena
por Milan e Markley, com duas variedades parede anterior, de modo que o eixo uterino
de colheita, endocervical e endometrial, é, faz com o vaginal um ângulo quase recto de
nesta segunda versão, o mais eficaz e menos abertura anterior. Além disso, o canal uteri-
incómodo meio de captação de fios-guia de no não é rectilíneo mas curvilíneo, suceden-
dispositivos (DIUs) que hajam sido deslo- do que o eixo do colo e o do corpo definem
cados para a cavidade uterina. Provocando entre si um outro ângulo, este obtuso, de
ligeiro incómodo hipogástrico, devem cons- cerca de 110º. Esta configuração uterina
tituir a primeira tentativa de remoção de Diu denomina-se anteversoflexão fisiológica e
nestas circunstâncias. mercê da grande mobilidade do útero, com
facilidade se altera quando se faz tracção
2.1.4. PINÇAS DE PREENSÃO sobre o colo em direcção à fenda vulvar, ou
E MOBILIZAÇÃO DO COLO UTERINO seja ao longo do eixo vaginal. Ao executar-
se esta manobra não só se verifica uma des-
Pinças de preensão e tracção do colo uterino locação do corpo do útero para trás como
existem em vários modelos. Podem classifi- se atenuam as angulações atrás referidas,
car-se em penetrantes ou não, segundo haja tornando-se o canal cervical apenas leve-
ou não perfuração do epitélio quando da mente curvo e quase que alinhado ou seja
preensão. O grau de penetração pode ainda no prolongamento do vaginal, o que, como
ser maior ou menor, de acordo com o calibre se compreende, facilita extraordinariamen-
das hastes fixadoras. Usualmente utiliza-se te toda e qualquer manobra que se realize
a de Pozzi, deixando-se a de Museux, mais para cima do orifício cervical externo.

Semiologia Ginecológica 95
Um outro aspecto merece neste momento vo que não apenas fornece os dados da histe-
ser referido: o da sensibilidade do colo ute- rometria total como, por abertura de sistema
rino. É uma regra geral dos órgãos ocos que que realiza uma estabilização da haste men-

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estes são particularmente sensíveis à disten- suradora ao nível do OCI, permite determinar
são, que constitui habitualmente o factor que o valor correspondente ao comprimento do
lhes desencadeia dor mais violenta. O colo canal cervical. A subtracção deste em relação
uterino não é excepção. De facto a aplicação ao anterior dá a medida da cavidade corporal.
das pinças puncionantes, habitualmente no Estes aparelhos, como outros que permitem
seu lábio anterior, é praticamente indolor se medir a largura da cavidade são conhecidos
efectuada com suavidade e lentidão, haven- por cavímetros e à técnica de mensuração
do contudo situações, em particular quando cavimetria (de cavum, cavidade).
há atrofia, em que esta manobra é claramen-
te dolorosa. Igualmente indolores ou pouco 2.1.6. INSTRUMENTOS
incomodativas são as manobras destrutivas DE COLHEITA ENDOMETRIAL
efectuadas no colo, como as electrocoagula-
ções e mesmo as biópsias, enquanto que, ao A biópsia de endométrio pode realizar-se
invés, a dilatação forçada do esfíncter cervical com duas finalidades fundamentais, uma
interno induz sensação muito desagradável. visando o conhecimento da sua resposta
funcional e outra o esclarecimento duma
2.1.5. SONDAS UTERINAS patologia supostamente orgânica. Os ob-
OU HISTERÓMETROS: jectivos em qualquer dos casos passam
pela recolha de mucosa uterina, mas o grau
As sondas uterinas, rígidas ou flexíveis, metáli- de amostragem é diferente. Nas situações
cas ou plásticas, por serem quase sempre gra- funcionais ou disfuncionais bem como nas
duadas, são indistintamente denominadas de infecciosas é de esperar que a resposta en-
histerómetros, e permitem assim realizar son- dometrial seja global e uniforme, enquanto
dagem a par da medição da profundidade que existe forte probabilidade em patolo-
da cavidade uterina (histerometria), que em gia tumoral de que hajam áreas afectadas
condições normais varia entre 6 e 8 cm. ao lado de outras sãs. Assim, os instrumen-
As sondas maleáveis são menos traumati- tos a utilizar para estas finalidades serão
zantes, e acompanham na sua excursão o distintos e diferenciar-se-ão sobretudo em
trajecto do canal sem induzirem grandes termos de quantidade de produto colhido.
pressões. Porém, quando há necessidade de Deve salientar-se que, de qualquer modo,
dilatação do orifício cervical interno (OCI) a extracção da mucosa uterina não é nunca
contra resistência, elas não são adequadas. completa, o que além do mais acarretaria
Na sequência do anteriormente descrito a uma impossibilidade de reposição.
propósito da sensibilidade do colo, recorde- Para as simples biópsias utilizaram-se classi-
se que a sondagem uterina é mais fácil de camente as pinças de Novak e de Randall,
realizar e provoca menos incómodo quando ambas de diâmetro relativamente amplo,
efectuada nos períodos pré-ovulatório ou que explica o desconforto que provoca às
menstrual, nos quais se encontra fisiologica- doentes. Mais recentemente, sondas finas
mente aberto o orifício cervical interno. descartáveis, como a pioneira pipelle de
Entre os histerómetros rígidos o modelo mais Cornier vieram permitir uma maior difusão
utilizado entre nós é o de Sims. Alguns mo- da sua execução sem prejuízo da qualidade
delos de sondas permitem realizar medições e com desconforto relativamente ligeiro.
diferenciais. Assim, por exemplo, o histeró- Em situações em que há suspeita ou se
metro de Hasson está munido dum dispositi- pretende excluir a presença de patologia

96 Capítulo 5
oncológica recorria-se outrora sistematica- diagnóstico e, nalguns casos, terapêutico. Na
mente à curetagem biopsia uterina raspa- lista dos aparelhos considerados praticamen-
gem uterina fraccionada, a qual visava colher te indispensáveis contam-se os seguintes:

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uma amostragem das diferentes topografias
endocavitárias (paredes anterior e posterior Microscópio de luz
e bordos laterais da cavidade uterina e ca- Imprescindível para a avaliação do ecossis-
nal cervical). Mais recentemente o recurso a tema vaginal, a que Blanchard chamava de
forte sistema de aspiração como a do equi- bacterioscopia8 pode ainda ser empregue
pamento Vabra, mesmo que utilizando son- para a realização de testes de compatibilidade
da fina, veio permitir uma simplificação do mucoespermática pós-coital (prova de Sims
método, sendo exequível em ambulatório, e e Huhner). Assim, a observação imediata
ainda que desconfortável substitui com van- permite ao examinador uma avaliação: hor-
tagem os inconvenientes dum acto cirúrgico monal, pelo estudo das células descamadas;
mais agressivo. O desenvolvimento da histe- microbiológica, pela análise da população mi-
roscopia veio então tornar habituais as bióp- crobiana; e reprodutiva, pela observação do
sias dirigidas sob controlo visual. número e mobilidade dos espermatozóides.
O uso de contraste de fase ou de interfe-
2.1.7. PINÇAS AUXILIARES rência de fase (segundo Nomarski) facilitam
muito o trabalho de identificação celular e
Menos específicas em termos de aplicação, microrgânica.
mas de uso frequente são as pinças de Ché-
ron, porta-compressas, auxiliares inequívo- Colposcópio
cos do exame. Para além da finalidade que Em 1924 Hinselmann idealizou um aparelho
melhor as define, estas pinças servem mui- constituído por um sistema de lentes que lhe
tas outras funções, como a remoção de DIUs, permitiam ver com considerável ampliação
ou a aplicação de produtos hemostáticos no as lesões cervicais uterinas e detectar mais
colo uterino, como barras de nitrato de pra- precocemente o carcinoma do colo uterino.
to, por exemplo. O colposcópio, que é nada mais do que um
Finalidade idêntica pode ser dada às pinças microscópio com características particulares,
tipo Doyen, as quais, porque possuem tér- isto é com longa distância focal, permite a
mino em anel de pequenas dimensões, são realização dum exame de execução simples
muito úteis para a remoção de pólipos cer- e rápida, que possibilita a inspecção pano-
vicais. São por esta razão vulgarmente co- râmica e em detalhe do exocolo e da parte
nhecidas como pinças de anel ou mesmo de distal do endocolo.
polipectomia. Embora etimologicamente se encontre re-
As pinças de dissecção, com ou sem dente ferido ao exame endoscópico da vagina (do
de rato, são também usadas como aces- grego colpos) é todavia mais utilizado para
sórios na exploração genital. De menores a avaliação morfológica do colo uterino. De-
dimensões e bem mais delicadas as pinças veria pois ser chamado preferencialmente
de dissecção de Adson são particularmente de traqueloscópio, mas a prática consagrou
empregues na manipulação dos fragmentos o termo pelo qual é mais conhecido. Hoje
de biópsia. em dia colposcopia significa pura e sim-
plesmente realizar uma técnica de exame
2.1.8. INSTRUMENTOS ÓPTICOS com recurso ao colposcópio. Fala-se então
de colposcopia vulvar, colposcopia cervical,
Recorre-se actualmente cada vez mais ao au- colposcopia vaginal ou mesmo de colposco-
xílio de equipamento óptico como auxiliar pia do pénis (peniscopia).

Semiologia Ginecológica 97
Histeroscópio os passos usuais do exame médico geral, em-
O exame endoscópico da cavidade uterina bora, na prática, reduzidos aos considerados
é hoje facilmente realizável mercê da evolu- estritamente indicados sob a orientação da

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ção verificada na tecnologia óptica. De facto história e do juízo diagnóstico previamente
dispõe-se actualmente de instrumentos de formulado. Assim, por exemplo, as disfunções
calibre suficientemente baixo de modo a endócrinas ligadas à reprodução devem obri-
permitir a sua introdução na cavidade ute- gar à busca de sinais devidos a perturbações
rina sem necessidade de significativa dilata- de outras glândulas com aquelas conotadas
ção e mesmo analgesia. (tiróide, supra-renal), como pode suceder em
Os histeroscópios podem ser diagnósticos casos de alterações genitais e perturbações
ou cirúrgicos. Os primeiros têm menor ca- do crescimento. Por outro lado, em oncologia
libre e dispõem de canal acessório apenas ginecológica, a pesquisa ou exclusão de lesões
para a passagem do agente de dilatação da metastáticas ou mesmo a avaliação das possi-
cavidade, enquanto o mesmo canal permite bilidades de terapêutica cirúrgica obrigam à
nos segundos o uso de instrumentos de cor- execução de pormenorizado exame clínico.
te, biópsia ou electro-cirurgia. Vulgarmente, porém, o termo exame gi-
A inclusão de sistemas de ampliação de necológico significa apenas a observação
alta-fidelidade e considerável capacidade dos órgãos genitais e da região onde se in-
de aumento permite mesmo a prática de serem e nele se incluem quatro fases: geral;
microcolpohisteroscopia, técnica desen- mamário (inspecção, palpação); abdominal
volvida e divulgada a partir da França por (inspecção, palpação, percussão, ausculta-
Jacques Hamou. ção); e ginecológica ou vulvoperineopélvica
(inspecção da vulva, exame ao espéculo, pal-
Ecógrafo pação e toques).
O recurso à ultrasonografia é hoje pela sua Por motivos de simplificação, não se fará
qualidade, simplicidade e comodidade, cada descrição da semiologia geral, mamária e
vez mais amplo, não sendo o exame conside- abdominal, o que não significa que não cons-
rado obrigatório apenas pelo custo do equi- tituam parte importante, integrante e obriga-
pamento. De acordo com as características tória do exame da consulente ginecológica2.
da sonda e do respectivo feixe ultrassónico Relembre-se, para exemplificar, a importân-
podem abordar-se os órgãos genitais por via cia que a percussão tem na destrinça entre
abdominal, através da parede ventral, ou por tumor volumoso e ascite, ao evidenciar a
via vaginal. No primeiro caso a frequência presença de som timpânico nos flancos e ma-
necessária é da ordem dos 3,5 MHz, e requer cissez na área proeminente no primeiro caso,
ainda um meio de facilitação da condução em oposição ao que se observa no segundo.
dos ultra-sons, representado pela bexiga dis- Por sua vez, as tumorações com origem pélvi-
tendida pelo seu conteúdo líquido. A ultraso- ca, incluindo o útero grávido, caracterizam-se
nografia transvaginal usa sonda de 7,5 MHz por uma configuração curva de convexidade
de frequência e ganha em definição de ima- superior pelo seu crescimento ascendente.
gem o que perde em profundidade, mas be- O exame dos segmentos genitais deve ser
neficia do facto de ser praticamente directo o executado em ambiente calmo e repousan-
contacto daquela com o órgão a estudar. te e sempre com muita suavidade. Ter sem-
pre presente que o objecto da exploração
2.2. METODOLOGIA ginecológica é um conjunto de estruturas
particularmente sensíveis em todos os as-
Exame ginecológico não é sinónimo de ob- pectos, pelo que se devem evitar, dentro
servação clínica em ginecologia: esta inclui do possível, todas as manobras que possam

98 Capítulo 5
despertar dor e consequentemente induzir joelho, sendo este o modelo mais frequente,
defesa por parte da examinanda. embora o primeiro seja mais cómodo9. Tem
No exame ginecológico corrente a bexiga como vantagens permitir bom relaxamento

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deve estar bem vazia, solicitando-se para isso abdominal, facultar uma óptima exposição
micção prévia. Casos há, contudo, em que é dos genitais externos e facilitar ao máximo a
conveniente examinar com algum ou mesmo realização do exame ao examinador e como
acentuado preenchimento vesical (suspeita inconvenientes requerer mesa apropriada e
de perda involuntária de urina, por exemplo). dificuldade na acomodação da examinanda
Se a micção é facilmente controlável e existe quando com problemas de mobilização.
possibilidade de opção na prática por exame
com ou sem preenchimento, o mesmo não Decúbito dorsal com joelhos flectidos
sucede já para o conteúdo intestinal. Numa Posição que mais se aproxima da ginecoló-
sociedade que não dispõe de tempo para gica, não é mais do que um decúbito dorsal,
nada, em que os hábitos alimentares se mo- com flexão máxima dos joelhos e sua abdu-
dificam em desfavor dos alimentos ricos em ção posterior, mantendo a examinanda os
resíduos e na qual a actividade física se veri- pés unidos e em contacto com as nádegas.
fica ser cada vez mais reduzida, os casos de Constitui a posição de recurso para exame de
trânsito intestinal lento ou mesmo de obsti- uma doente acamada ou em locais onde se
pação são cada vez mais frequentes. Nestas não disponha de mesa ginecológica, apresen-
circunstâncias, e em caso de dúvida, deve tando as vantagens, ainda que não totalmen-
recorrer-se à administração de laxantes ou à te, da posição anterior. Como inconvenien-
realização de clisteres sempre que o detalhe tes há que entender que de todo o modo, é
do exame clínico pelvigenital tal imponha. menor a exposição dos genitais obtida com
Antes de se iniciar a observação é importan- esta posição, perturbada ainda correntemen-
te confirmar que todo o material suposta- te pela depressão que o leito permite sob o
mente necessário para o exame esteja pre- peso do corpo; que o plano do leito impede
viamente preparado e acessível, de modo a ainda o uso de instrumentos que requeiram
não perturbar a evolução do mesmo. espaço de manobra posterior (instrumentos
com cabo ou mango), podendo utilizar-se
2.2.1. POSIÇÕES DE EXAME material em colocação invertida (ramo poste-
rior para diante), com resultados satisfatórios;
Para a execução do exame ginecológico (em e é menos cómoda para o examinador.
sentido restrito) coloca-se a examinanda em
posição adequada, que descreveremos em Decúbito lateral
dois grupos, as usuais e as especiais Posição de Sims, de utilização pouco fre-
quente entre nós, constitui posicionamento
Posições usuais de recurso quando de doentes com patologia
São as que se utilizam para a prática do exa- articular da anca ou da bacia, impeditiva de
me ginecológico corrente. colocação daquela em qualquer das anterio-
res. Defendida pelas escolas anglo-saxónicas
Posição Ginecológica (também denomina- particularmente no ensino (aulas práticas),
da de Litotomia ou Vulvar1) por ser mais cómoda para a doente que se en-
Corresponde ao decúbito dorsal com flexão contra de costas para o(s) médico(s) e útil para
das coxas a 90º e abdução máxima destas, o exame da mulher obesa, por permitir o afas-
o que se consegue graças à utilização de tamento do omento para o lado do decúbito.
mesas ou marquesas ginecológicas. Estas São seus inconvenientes ser incómoda para
podem ter apoio para pé (estribos) ou para o examinador e muito limitativa no que se

Semiologia Ginecológica 99
refere à inspecção ginecológica, quer com A observação rápida mas atenta da superfí-
espéculo, quer, e muito particularmente, ao cie corporal permite ainda colher informa-
exame dos genitais externos. As vantagens ções sobre as características da pele, da pilo-

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referidas acima não parecem ser suficien- sidade e das mucosas (PPM), sobre o estado
tes para contrabalançar os seus defeitos. circulatório e em particular sobre veias e te-
Efectivamente não parece conveniente ensi- langiectasias, concluindo-se esta fase semio-
narem-se os exames em colocações que não lógica com a auscultação cardíaca (AuscC) e,
correspondem às de uso prático, uma vez que menos frequentemente, pulmonar (AuscP).
tal obriga a um esforço suplementar de adap- Evolui-se então para uma fase de maior minú-
tação às novas condições de exame. Por outro cia semiótica, quando se inicia o exame ma-
lado o exame da mulher obesa é sistematica- mário. A mama é examinada por inspecção e
mente difícil, não parecendo que resulte qual- palpação segundo etapas sucessivas, com a
quer simplificação da adopção desta ou outra senhora em pé, sentada, com as mãos nas an-
especial postura para o efeito. cas, com os membros superiores em extensão
(manobra de Paulig) e em decúbito dorsal. De
Posições especiais todas estas fase se obtêm dados (MAMAS) des-
Não são úteis para a execução do exame critos em capítulos do volume II, dimensões e
ginecológico de rotina, por não permitirem especificidades dos mamilos (mam), inexistên-
uma inspecção e palpação satisfatórias dos cia ou presença de corrimento mamilar e suas
órgãos a examinar, mas apenas em situações características (secr) e padrão palpatório com
particulares. ou sem nodularidades anómalas (nod).
Genupeitoral: útil no estudo das lesões da O exame abdominal (ABD) faz parte inte-
parede vaginal anterior (fístulas, por exem- grante da observação clínica ginecológica,
plo) ou da região anal, tem emprego particu- embora usualmente confinado à inspecção
lar para a execução da culdoscopia. e à palpação, e deve anteceder o exame
Em pé: para esclarecimento de situações de pélvico7, sequência que não tem acordo
prolapso (condições de gravidade normais) unânime6. A percussão é hoje em dia pou-
ou de incontinência urinária. co praticada, sendo a auscultação manobra
aplicável em situações particulares, e com
2.3. EXAME FÍSICO regularidade apenas na mulher grávida.

Uma sumária observação geral deve in- 2.3.1. OBSERVAÇÃO GENITOPERIANAL


tegrar por princípio o exame clínico em
Ginecologia. Ocasionalmente ela será omiti- Para que se possa realizar o exame dos geni-
da, quando o motivo da entrevista a orienta tais externos em boas condições requerem-
já para algum capítulo específico. Porém, na se posicionamento adequado da examinan-
consulta ginecológica há necessidade de da e examinador e uma boa iluminação. Para
se conhecerem alguns dados semiológicos este efeito recorre-se entre nós ao uso de
simples, como sejam a pressão arterial (TA), focos sendo em alguns países, França por
o PESO e a ESTATura. A partir destes dois úl- exemplo, usual utilizar-se um espelho de
timos pode determinar-se facilmente o IMC Clar, de uso corrente em ORL, o qual permite
(índice de massa corporal) boa iluminação e liberdade de movimentos
Duma forma sumária observa-se ainda a ao examinador. Para o exame vulvo-perineal
POSTURA, quantas vezes anómala e que o mais apropriado é o “vulvoscópio”, que não
explica uma infinidade de queixas álgicas in- é mais do que um sistema utilizado frequen-
suspeitadamente não relacionáveis com as temente em depilação e que consiste numa
anomalias posicionais. lente de aumento com lâmpada fluorescente

100 Capítulo 5
em redor. Muito embora esta altere um pou- No monte de Vénus interessa observar as ca-
co a coloração cutânea, mostra-se de uso fá- racterísticas quantitativas e qualitativas da
cil e cómodo. Eventualmente poderá usar-se pilosidade. Pode haver escassez, como quan-

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o colposcópio para estudo de pormenor. do de algumas insuficiências hormonais ou
O exame deve iniciar-se com a observação na velhice, ou pelo contrário exagero como
das estruturas genitais externas (vulva), in- quando existe tumor produtor de androgé-
cluindo o ânus e a região perianal. nios. A distribuição pilosa também é impor-
O primeiro contacto físico com a consulente tante. Habitualmente na mulher a pilosidade
deve ser realizado na face interna das coxas, púbica termina bruscamente por uma linha
o que permitirá verificar de qualquer ten- horizontal que dá à pilosidade a configura-
dência à hiperreactividade motora sinal de ção de um triângulo de base superior. Nos
necessidade de actuação complementar de casos de virilização a distribuição tende a ser
relaxamento e de cuidado para não magoar de tipo masculino, em losango com o vértice
em caso de reacção de defesa9. Não esque- superior a atingir o umbigo, havendo ainda
cer que se a doente for alérgica ao látex de- frequente extensão para as coxas.
vem usar-se luvas de vinilo9. Devem, de seguida, observar-se as distintas
Para a observação mesmo sumária das for- formações vulvares, em regra de forma rápi-
mações vulvares requer-se afastamento, para da, começando pelo clítoris, grandes e peque-
o que se aconselha a utilização da mão (não nos lábios, fúrcula, períneo, meato e hímen.
dominante) enluvada, sendo altamente reco- Os grandes lábios são pregas cutaneoadipo-
mendável utilizar ambas as mãos sempre que sas de cor castanha escura. Podem estar alte-
a exploração deva ser mais pormenorizada rados na sua morfologia (tumores) ou na sua
(figura 1). É então fácil inspeccionar cuida- textura (dermatoses). Os pequenos lábios têm
dosamente as ninfas e as formações menos dimensões muito variáveis de uma mulher a
expostas, como o clítoris, o meato uretral, os outra, não tendo esta variação usualmente
orifícios das glândulas periuretrais, as paredes qualquer significado. Sofrem usualmente pro-
do vestíbulo, o rebordo himeneal, a fossa na- cesso de atrofia após a menopausa.
vicular, a fúrcula, sendo ainda o afastamento A fenda vulvar encontra-se habitualmen-
essencial para a boa visualização do ânus, re- te encerrada por aposição dos lábios, mas
gião perianal e sulco internadegueiro. pode mostrar-se aberta nos casos de hipo-
tonicidade do esfíncter vulvar (como ocorre
com frequência na multípara) ou de defici-
ência anatómica (laceração perineal).
Terminada a inspecção simples, deve prati-
car-se observação sob esforço (manobra de
Valsalva ou tosse provocada) no intuito de
descobrir eventual prolapso e/ou incontinên-
cia urinária (neste caso sendo útil repetir o
exame com repleção vesical). A exposição do
intróito é agora uma vez mais imprescindível.

2.3.2. ESPECULOSCOPIA
- EXAME COM ESPÉCULO

Figura 1. Inspecção vulvo-perineal: recomenda-se o Se existe unanimidade em relação à execução


uso de ambas as mãos para melhor exposição das es- da inspecção simples antes de qualquer ou-
truturas a observar. tro passo do exame dos genitais femininos, o

Semiologia Ginecológica 101


mesmo não sucede em relação à ordenação consulente o seu aquecimento ligeiro, por
dos restantes. Em princípio o exame com es- manutenção na mão enluvada durante al-
péculo deve anteceder, por rotina, a execução guns segundos ou por humidificação com

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do toque. Isto porque com frequência se vai soro quente.
ter necessidade de realizar colheitas para dife- Muito embora a fenda vulvar se oriente no
rentes tipos de exame, umas vezes já previstas sentido antero-poterior, a verdadeira con-
quando do inicio da observação, outras, to- formação do orifício do intróito tem maior
davia, apenas consideradas durante a sua re- dimensão latero-lateral, pela presença das
alização. Ora, quer pelo simples traumatismo estruturas anteriores (meato, clítoris), que
dos dedos sobre as estruturas cervico-vagi- são ainda as mais sensíveis. É, pois, impor-
nais, que pode induzir hemorragias em lesões tante evitar todo o traumatismo a este ní-
friáveis destes segmentos, quer consequência vel pelo que se aconselha a introdução do
do uso habitual de lubrificantes, que torna espéculo em posição horizontal5, com leve
eventualmente mais cómoda a introdução pressão no sentido posterior para aumen-
dos dedos enluvados, altera-se o “meio” geni- to do orifício vulvar pela retropulsão da
tal, podendo levar-se à negativação de estu- fúrcula. A passagem do intróito vence-se
dos culturais (particularmente para Neisseria facilmente por afastamento das estruturas
gonorrhoea), bem como à invalidação de co- labiais com a mão não dominante enluva-
lheitas para exames a fresco ou citológicas, da10, a qual dá assim acesso quase directo à
pela presença de sangue. Assim sendo, pro- cavidade vaginal (Figura 2).
põe-se como norma a execução do exame
com espéculo precedendo o toque. Situações
há, porém, em que é aconselhável a inversão
desta ordem. Sê-lo-ão casos de suspeita de
deformações da cavidade vaginal (septo va-
ginal, por exemplo) ou de dificuldade na pre-
sunção das verdadeiras dimensões desta.
A escolha do tamanho apropriado de espé-
culo faz-se correntemente com base no co-
nhecimento dos antecedentes sexuais (de
menores dimensões nas mulheres que nun-
ca tiveram relações) e obstétricos (maiores
na multípara), bem como tendo em atenção
a idade (menores dimensões após a meno-
pausa). Contudo, particularmente quando Figura 2. Afastamento bidigital das formações labiais
existe suspeita de intensa atrofia ou de mal- para exposição do vestíbulo e introdução horizontal do
formação vaginal, o receio de poder provo- espéculo. O polegar da mão auxiliar é particularmente
car laceração da parede por hiperdistensão útil para a manutenção do espéculo no local enquanto
quando da abertura do espéculo (o que de ajusta o mecanismo automático.
facilmente ocorre nestes casos) leva a que
se avalie inicialmente a capacidade vaginal
através do toque. Com experiência pode introduzir-se o espé-
Não existe usualmente qualquer necessida- culo apenas com recurso a uma das mãos,
de de lubrificação do espéculo, já que a vagi- sendo então preferível realizar a transposição
na é um órgão fisiologicamente lubrificado. do vestíbulo com as valvas bem fechadas e
Quando em climas frios se usam espéculos obliquadas6 segundo Auvard1, de modo a evi-
metálicos é um acto de consideração para a tar as estruturas de localização anterior10.

102 Capítulo 5
Deve ter-se igualmente em consideração o patologia cervico-vaginal presente (se exis-
facto de ser o canal vaginal na posição gine- tir); a data do inicio da última menstruação
cológica levemente oblíquo (eixo a 45º, em di- (DUM); o tipo de contracepção em uso (hor-

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recção ao sacro) e a necessidade de introduzir monal, local, DIU); bem como eventuais tra-
o espéculo fechado, de molde a evitar toda e tamentos locais efectuados recentemente.
qualquer preensão de pregas vaginais.
Uma vez colocado o espéculo avaliar-se-ão 2.3.3. TOQUE VAGINAL – TOQUE COMBINADO
então as características macroscópicas do
fluido vaginal, das paredes da vagina e do A palpação endocavitária ou toque cons-
colo uterino. titui parte importante do exame ginecoló-
Ao realizar colheita para citologia de ras- gico. Ao contrário, porém, da observação
treio o primeiro cuidado a ter é respeitar as visual, requer experiência para que se con-
contra-indicações. siga a necessária confiança e segurança no
As lâminas devem estar bem limpas: imersão método. Alguns dos parâmetros são tão
em álcool seguida de secagem suave com subjectivos que é corrente aperceberem-se
pano seco, sem friccionar, para não produzir consideráveis disparidades entre observa-
electricidade estática indutora de modifica- dores e até no mesmo examinador em dife-
ções morfológicas celulares. Para a colheita rentes momentos.
prefere-se a escova Cervex, realizando uma É aconselhável cumprir uma sequência siste-
ou duas rotações completas, sempre para o mática do exame, que iniciado pela palpação
mesmo lado. Se se não utilizar o transporte da parede vaginal posterior, se continua pela
em meio líquido, faz-se o esfregaço por pas- exploração do colo uterino, do corpo, de um
sagem da espátula ou do Cervex sobre a lâ- e outro anexo para terminar com a pesquisa
mina, sempre no mesmo sentido (para não de sensibilidade vesical (a bexiga está dese-
plicaturar as células), tendo o cuidado de javelmente vazia).
evitar os acúmulos de material que corres- Uma forma prática de descrever o volume
ponderão a espessa sobreposição de células uterino é a de o fazer corresponder à evo-
que dificultará a leitura ao microscópio. A fi- lução do mesmo numa gravidez em primi-
xação pode fazer-se com aerossóis, o usual gesta. Dito de outra forma, uma vez que
por mais cómodo, ou por imersão em álcool “útero normal” varia de acordo com a idade
a 70º ou mistura álcool/acetona. No primei- e a paridade, em consequência da chamada
ro caso podem as lâminas ser enviadas para hipertrofia benigna, em termos absolutos
o laboratório, mesmo por correio, graças à quando se diz normal para uma determina-
sua embalagem em recipientes próprios, da mulher não se sabe exactamente qual o
de cartão ou plástico, rígidos que impedem volume inicial correspondente. É preferível,
que estas se partam durante o transporte; assim, definir aquele que corresponderia ao
no segundo por envio em frascos contendo da evolução de gravidez unifetal normal em
o fixador, separando-se aquelas por aplica- primigesta, critério segundo o qual o útero
ção dos vulgares “clips” metálicos, que im- de 4 semanas corresponde ao de nuligesta,
pedirão que se encostem umas às outras e o de 6 semanas ao de primípara e o de 8 se-
adiram entre si. manas ao de multípara, ainda que se saiba
Para além da correcção da técnica é ain- que não será assim necessariamente, crité-
da necessário informar o citopatologista, rio que justifica aliás o seu interesse.
a quem se devem fornecer todos os dados O fácil acesso a meios de imagem dispensa
considerados úteis para uma correcta avalia- hoje a preocupação de outrora de identifica-
ção dos casos. Dentro destes se incluem-se: ção dos ovários, sendo princípio prático que
a intenção do exame; a descrição sumária da se após um cuidadosa mas suave palpação, no

Semiologia Ginecológica 103


qual a mão colocada na parede abdominal tem avaliação dos paramétrios nomeadamente
função primordial na aproximação dos anexos a sua espessura (exemplos: parametrites,
aos dedos intravaginais, se não conseguem os invasão tumoral); palpação anexial, quando

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mesmos sentir, não deverão ser os mesmos vo- não se conseguem tocar os anexos por via
lumosos (exclusão de tumoração). vaginal, por vezes devido a colocações re-
Antes de remover os dedos da vagina é con- tro-uterinas (exemplo: retroversão uterina);
veniente explorar a sensibilidade da vagina, palpação muscular e osteo-articular pélvica,
em toque combinado com a palpação abdo- imprescindível nas doentes com processos
minal e depois realizar uma avaliação da ca- dolorosos (exemplos: coccigodínia, nevral-
pacidade clónica da musculatura peri-vagi- gia do pudendo, mialgia dos elevadores).
nal, para o que se coloca(m) o(s) dedo(s) no Detalhe relevante é o da técnica de introdu-
eixo da cavidade e se solicita à examinanda ção do dedo para o toque rectal7,11. Para que
que contraia os elevadores do ânus com a seja o menos desconfortável possível há ne-
máxima intensidade possível, como se qui- cessidade de se avisar sempre quando do seu
sesse interromper bruscamente a micção. início, e após solicitar descontracção e apoiar
Se o examinador sentir pressão sobre o(s) a polpa do dedo no orifício anal, aguardar até
dedo(s), que os empurra para dentro e para à percepção de relaxamento esfincteriano. É
cima durante pelo menos 3 segundos consi- então que é o dedo introduzido, não por pro-
dera-se existir uma boa resposta10. gressão directa, mas por rotação das falanges
distais, exercendo leve pressão no bordo pos-
2.3.4. TOQUE RECTAL terior para facilitar o acesso.
Terminado o exame físico ou objectivo deve
Definido como obrigatório pela escola ame- realizar-se uma listagem dos exames auxi-
ricana é o toque rectal, em geral, menos liares realizados, requisitados ou a pedir, no
informativo do que o vaginal, quer por ser capítulo da Ox (orientação clínica), que se
mais incómodo, pela dilatação anal, quer por propõe. Finalmente, é da maior importância a
ser mais restritivo em termos de espaço de conclusão deste resumo clínico com a explici-
manobra para o examinador. Efectivamente tação dum Dx (diagnóstico), quando muito
não só é sistematicamente unidigital, como provável, ou de outros com que haja necessi-
ainda a tonicidade do esfíncter anal impe- dade de diferençar, descrevendo-se, quando
de uma certa profundização do dedo que for caso disso a Tx (terapêutica) prescrita.
toca. Porém, situações há em que este está Em alguns casos dever-se-á ainda incluir uma
indicado, e que são: impossibilidade de re- descrição do Px (prognóstico) que foi dado à
alização do toque vaginal (exemplos: age- doente e/ou aos seus familiares.
nesia ou diafragma vaginais); exploração do
septo recto-vaginal, por vezes associando
toque vaginal ao toque rectal, por introdu- Bibliografia
ção do dedo médio no recto e do indicador
na vagina - toque vagino-rectal combinado 1. Auvard A (1892) - Traité Pratique de Gynécologie.
Octave Doin Éditeur, Paris
de Récamier1- (exemplo: pesquisa de ente- 2. Berek JS, Hillard PJA (2003) – Initial Assessment and
rocelo); confirmação de retrodesvio uterino Communication. In Berek JS – Novak’s Gynecology
13th Ed. Lippincott Williams & Wilkins, Philadelphia
em que nestas situações, ao contrário do Chap. 1 pg. 3-20
normal, não se perde contacto com o útero 3. Sproul K (2007) – Approach to the Patient. In DeCherney
AH, Nathan l, Goodwin TM, Laufer N, McGraw-Hill Co
acima do colo; palpação da face posterior do Inc,New York, 10th Ed, Chap. 1, pg. 1-4
útero que pode ser facilitada se, quando do 4. Kawada C (2007) – Gynecologic History, Examination
& Diagnostic Procedures. In DeCherney AH, Nathan l,
toque rectal, induzirmos com a mão abdo- Goodwin TM, Laufer N, McGraw-Hill Co Inc,New York,
minal um desvio posterior do corpo do útero; 10th Ed, Chap. 33, pg. 519-539

104 Capítulo 5
5. Jeffcoate TNA (1967) - Principles of Gynaecology. 9. Novey DW (1999) - Manual de exame objectivo – Guia
Butterworth & Co Publ Ltd, London de acesso rápido. 2ª Ed. Portuguesa. Euromédica,
6. Da Silva MO (2007) - Aparelho Genital Feminino. Ed.Méd Lda, Algés
In Semiologia Médica – Princípios, Métodos e 10. Bickley LS e Szilagyl PG – 2003. Female Genitalia in

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
Interpretação. Ed. JÁ Ducla Soares, Lidel Ed. Técnicas Bates’s Guide to Physical Examnationand History
Lda, Lisboa, pg.211-217 Taking. 8th Ed Lippincott Williams & Wilkins,
7. DeGowin RL – 1996. Exame Clínico, Ed. McGraw-Hill Philadelphia Chap. 11 pg. 383-408
Portugal Ltd, Alfragide,. 6ª Ed. 11. Clain A (1973) - Hamilton Bailey’s Demonstration of
8. Blanchard O (1966) - Ginecologia Práctica. Intermédica Physical Signs in Clinical Surgery, 15th Ed.John Wright
Ed., Buenos Aires & Sons Ltd, Bristol

Semiologia Ginecológica 105


106
Capítulo 5
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6 Malformações do aparelho
genital feminino

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Isabel Torgal e Maria João Carvalho

1. INTRODUÇÃO 2. Os canais de Müller e de Wolff estão estreita-


mente relacionados, outra razão pela qual se
As malformações uterinas constituem um associam malformações urinárias e uterinas.
verdadeiro desafio para os ginecologistas que 3. São três os mecanismos que podem pertur-
tratam mulheres em idade reprodutiva, pois bar a embriogénese uterina normal: a apla-
são situações habitualmente assintomáticas sia dos canais de Müller, as perturbações da
quer na infância, quer na adolescência. fusão destes canais e as anomalias da reab-
Embora se estime entre 0,004 e 3,8%, a verda- sorção do septo intermülleriano1,4. Por este
deira incidência é desconhecida pois só são motivo, embora existam muitas classifica-
relatadas malformações quando acompa- ções propostas para as malformações uteri-
nhadas de sintomatologia, quando causam nas, umas muito confusas, outras demasia-
esterilidade ou infertilidade ou ainda quan- do complexas, continua a controvérsia em
do causam complicações obstétricas1. Como relação às possíveis implicações clínicas de
grande parte do desenvolvimento embrioná- cada anomalia. Como cada malformação é
rio do aparelho genital e urinário são simul- única na forma de apresentação e terapêuti-
tâneos podem interferir um no outro. Assim, ca, a classificação mais atractiva e proposta é
qualquer desvio na embriogénese normal de a classificação embrioclínica das várias clas-
um destes sistemas pode actuar em ambos ses de anomalias que agrupa as malforma-
causando as clássicas malformações associa- ções segundo os mecanismos embriológi-
das do aparelho genital e urinário. cos comuns, com o objectivo de uniformizar
A conduta prática no estudo de uma malfor- e enfatizar a individualidade de cada uma e
mação do aparelho genital deve ter em linha a necessidade de serem analisadas separa-
de conta três factores2,3: damente (Musset, et al.)5,6 (Quadro 1).
1. O desenvolvimento do ovário é total-
mente independente do desenvolvimen-
to das estruturas de origem mülleriana. 2. CLASSIFICAÇÃO

Quadro 1. Classificação das malformações


Classificações propostas:
Buttram e Gibbons – EUA ➞ Musset e Muller – França
Agenesias Aplasias
Útero unicórneo Hemi-úteros
Útero didelfos Úteros septados
Útero bicórneo Úteros comunicantes

109
A classificação por nós adoptada foi a de 2.1.1. TIPOS DE APLASIA
Musset e Muller1,6 por satisfazer os critérios,
por nós julgados essenciais, para uma me- Aplasia uterina bilateral completa

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lhor compreensão da etiopatogenia de cada Esta malformação é rara, incompatível com a
tipo de malformação. vida porque se associa a aplasia renal bilateral.

2.1. APLASIA Aplasia uterina bilateral incompleta


Situação vulgarmente designada por síndro-
Este mecanismo produz cerca de 38% das me de Rokitansky-Kuster-Hauser (S. RKH), é
anomalias uterinas3,6. A aplasia resulta de caracterizada por ausência de vagina, pre-
uma ausência ou de uma interrupção, do sença de uma cúpula supra-himenial, vestí-
desenvolvimento destes canais e pode con- gios de canais de Müller que se apresentam
duzir a quatro tipos de malformações mülle- como nódulos maciços. As trompas e os
rianas7 (Figs. 1 e 2). ovários são normais e em 15% associam-se
anomalias renais8 (Fig. 1).

Aplasias bilaterais

Completa Incompleta (S. RKH)


(incompatível com vida)

Anomalias renais 15%

Figura 1. Aplasias. Aplasias bilaterais.

Aplasia uterina unilateral completa Aplasia uterina unilateral incompleta


Esta situação, clinicamente designada por Caracteriza o útero pseudo-unicórnio e
útero unicórnio verdadeiro, constitui apenas constitui 9-12% das malformações uterinas.
1% das malformações uterinas e está asso- Em 36% das situações associa-se uma ano-
ciada a agenesia renal contralateral em 70% malia renal9 (Fig. 2).
das vezes7.

110 Capítulo 6
Aplasias unilaterais

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Completa Incompleta
(unicórnio verdadeiro) (pseudo-unicórnio)

Anomalias urinárias em 70% Anomalias urinárias em 36%

Figura 2. Aplasias. Aplasias unilaterais.

2.1.2. ACÇÃO TERATOGÉNICA NO Antes da 3.a semana


DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO

A associação das malformações uterinas Esboço dos canais de Wolff


com malformações urinárias é facilmente Ausência dos canais de Müller
explicada pelas estreitas relações anató-
micas consequentes ao desenvolvimento
embrionário simultâneo de muitas estru-
turas que constituem ambos os aparelhos. Aplasia bilateral
Esta associação depende da etapa do de- completa
senvolvimento em que o agente teratogé-
nico actue. Figura 3.

Antes da 3.a semana da embriogénese na, na mesma altura que em que os canais
Como o canal de Wolff está apenas esboça- de Müller iniciam a sua diferenciação7,10. Um
do e o canal de Müller ainda não existe, a in- agente teratogénico que actue nesta fase
terrupção do primeiro conduzirá a uma age- conduzirá a uma agenesia ureteral antes da
nesia renal, e a ausência dos canais de Müller 4.a semana, uma agenesia renal entre a 4.a e
a uma aplasia completa do útero (aplasia bi- a 6.a semana com possível reliquat ureteral11.
lateral completa), que é incompatível com a Em ambos os casos, a agenesia mülleriana
vida10,11 (Fig. 3). será total, salvo nos casos de acção tardia, no
final da semana, quando os canais de Mül-
Entre a 3.a e a 6.a semana ler tendo já iniciado o seu desenvolvimento,
da embriogénese poderão prosseguir até ao nível dos canais
Nesta etapa do desenvolvimento, já há dife- de Wolff, explicando-se assim poder haver
renciação dos canais de Wolff. À 4.a semana, situações em que existe um esboço uteri-
o esboço ureteral já está formado, embora só no mais ou menos desenvolvido associado
se ligue ao esboço renal no fim da 6.a sema- a agenesia renal, como acontece na aplasia

Malformações do aparelho genital feminino 111


bilateral incompleta (S. RKH), na aplasia uni- ro) e na aplasia unilateral incompleta (útero
lateral completa (útero unicórnio verdadei- pseudo-unicórnio)3,10,13 (Fig. 4).

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Entre a 3.a e a 6.a semana

Os canais de Wolff estão formados


Esboço ureteral não ligado ao renal
Esboço dos canais de Müller

Antes da 4.a semana


Agenesia ureteral
Entre a 4.a-6.a semana
Agenesia mülleriana Final da 6.a semana
Agenesia renal
Agenesia mülleriana Agenesia renal
Agenesia mülleriana
Figura 4.

Entre a 6.a e a 9.a semana do rim. São assim explicadas as ectopias


da embriogénese renais isoladas sem malformação genital.
Nesta fase, o desenvolvimento do canal de 2. Acção mülleriana pura: em que apenas
Wolff está completo, o canal de Müller pode haverá aplasia mülleriana incompleta
desenvolver-se normalmente pelo que po- sem anomalia urinária (útero pseudo-
derá haver três possibilidades de acção tera- unicórnio ou um S. RKH sem malforma-
togénica7,13: ção urinária).
1. Acção wolffiana pura: em que apenas vai 3. Acção mista sobre os dois sistemas: expli-
ser afectada a última etapa do desenvol- ca a formação de úteros pseudo-unicór-
vimento embrionário que é a migração nios ou S. RKH com ectopia renal (Fig. 5).

Entre a 6.a e a 9.a semana

Os canais de Wolff estão formados


Canais de Müller podem evoluir

Acção wolffiana pura


Ectopia renal
Acção mülleriana pura
Sem malformação genital Acção mista
Sem anomalia urinária
Aplasia incompleta Ectopia renal
Aplasia incompleta
Figura 5.

112 Capítulo 6
A teoria mista da participação sinusal e mül- Também nalgumas situações de S. RKH em
leriana e a teoria da participação wolffiana na que é observado um desenvolvimento va-
embriogénese vaginal explica os mecanismos ginal importante, embora a vagina seja sub-

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da embriologia da vagina apenas nalgumas normal, esta pode ser explicada pela partici-
situações. No entanto, não explica a cúpula pação wolffiana na embriogénese da porção
vaginal que podemos observar nalgumas superior da vagina10. Nesta situação, o agen-
S RKH, quando o agente teratogénico actua te teratogénico actua entre o início da 7.a e
no início da 6.a semana14. Nesta altura, os ca- 9.a semana, e impede a formação do canal
nais de Müller ainda não estão diferenciados útero-vaginal. A lâmina epitelial vaginal não
pelo que exclui, à partida, a sua participação é induzida, mas os canais de Wolff já estão
na embriogénese da vagina. Por outro lado, incorporados no seio urogenital, e podem in-
os canais de Wolff ainda não estão incorpora- duzir a formação dos bolbos seiovaginais. Do
dos no seio urogenital, pelo que também não mesmo modo que no testículo feminizante
poderão ser implicados na sua embriologia4. podem contribuir para a formação de parte
Como nesta situação não podemos implicar da porção superior da vagina4,10.
a teoria mista nem a teoria da participação
wolffiana, exclusiva, na embriogénese da va- 2.2. PERTURBAÇÕES DA FUSÃO
gina, teremos de admitir, nesta situação, uma
origem puramente sinusal. HEMIÚTEROS
O mesmo acontece nas situações de síndro-
me de Morris ou vulgarmente designado por Entre a 9.a e a 10.a semana
testículo feminizante, em que a vagina é pra- da embriogénese
ticamente normal, embora ligeiramente mais Durante a 9.a e 10.a semana, o agente teratogé-
curta14. Nesta entidade não existem canais nico vai impedir a fusão dos canais de Müller
de Müller mas existem canais de Wolff que dando origem a um acidente embriológico
induzem a formação dos bolbos seiovaginais. tardio que constitui um segundo grupo de
Após formação da placa vaginal é iniciada a ca- malformações uterinas, os hemiúteros que
vitação de baixo para cima15. Nestas situações têm um risco urinário baixo, salvo se o agen-
termos que admitir, como origem embriológi- te teratogénico actua no início da 9ª semana,
ca da porção superior da vagina, para além do uma vez que o desenvolvimento dos canais de
seio urogenital uma participação wolffiana. Wolff está praticamente completo3,10 (Fig. 6).

Entre a 9.a e 10.a semana


Desenvolvimento mülleriano completo

Fusão dos canais de Müller


ausente ou incompleta

HEMIÚTEROS
(risco urinário baixo – apenas no início
da 9.a semana

Figura 6.

Malformações do aparelho genital feminino 113


Esta malformação resulta de uma ausência ção é baseada na extensão e perturbação da
de fusão ou fusão incompleta, constituindo fusão7 (Fig. 7).
26% das malformações uterinas. A classifica-

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Hemiúteros
Bicórneo
Bicórneo Bicórneo
Unicervical
Bicervical Bicervical
com retenção sem retenção

24%
anomalias
urinárias

Figura 7. Hemiúteros.

Útero bicórneo bicervical com retenção são proximal. Em 25% associa-se uma apla-
menstrual unilateral sia reno-ureteral9.
O primum movens desta situação é uma
aplasia mülleriana distal unilateral sendo Entre a 11.a e a 12.a semana
a perturbação da fusão um mecanismo se- da embriogénese
cundário. O agente teratogénico interfere com a reab-
sorção do septo e origina os úteros septados
Útero bicórneo bicervical e os úteros comunicantes. Conforme a etapa
com vagina permeável do bloqueio, haverá diferentes formas ana-
Neste caso há uma ausência total da fusão. tómicas da malformação13. Pode não haver
reabsorção, pode ter sido apenas iniciada e
Útero bicórneo unicervical haver uma interrupção formando-se os úte-
O istmo é normal e só há perturbação da fu- ros septados e os comunicantes (Fig. 8).

Entre a 11.a e 12.a semana


Canais de Müller estão fundidos

Ausência ou paragem da
reabsorção do septo

Úteros septados
Úteros comunicantes

Figura 8.

114 Capítulo 6
2.3. PERTURBAÇÕES DA ou reabsorção incompleta do septo inter-
REABSORÇÃO DO SEPTO mülleriano10. Os úteros septados são clas-
sificados consoante a extensão do septo

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ÚTERO SEPTADO E COMUNICANTE (Fig. 9).

Este mecanismo dá origem a 36% das mal-


formações uterinas e pode haver ausência

Úteros septados

Total Subtotal Corporal Cervical

Figura 9. Úteros septados.

Útero septado total Útero septado cervical


O septo prolonga-se até à vagina. Resulta, habitualmente, de septo vaginal
que confere ao colo um falso aspecto de
Útero septado subtotal duplicidade.
O septo estende-se do fundo até ao orifício Os úteros comunicantes resultam ou de uma
interno do colo. paragem da reabsorção do septo ou então
este mecanismo é secundário a uma pertur-
Útero septado corporal bação da fusão (Fig. 10).
O septo não atinge o istmo.

Úteros comunicantes
Septado total bicórnio bicervical Comunicante bicórnio
Comunicante Comunicante septado Comunicante
com hemivagina cega corporal septado
bicervical cervical

Figura 10. Úteros comunicantes.

Malformações do aparelho genital feminino 115


Útero septado total comunicante Para explicar a agenesia renal temos que ad-
Trata-se de uma situação em que a vagina mitir que a interrupção do canal de Wolff, à
também é septada e existe a nível do istmo, 7.a semana, na porção subureteral, quando o

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nesse mesmo septo, um orifício oval com cer- ureter está prestes a ser incorporado no seio
ca de 5 mm de diâmetro. Nesta situação hou- urogenital, ser o ponto de partida desta mal-
ve paragem, após o início, da reabsorção. formação.
Para compreendermos esta embriogénese
Útero bicórneo bicervical comunicante atípica temos que acreditar que o agente
com hemivagina cega teratogénico vai impedir que a porção dis-
São várias as perturbações da embriogénese tal do canal de Wolff abra no seio urogeni-
que interferem nesta anomalia. A inicial é a tal. Assim, a porção subureteral em vez de
aplasia mülleriana distal unilateral seguida se incorporar na parede vaginal vai sofrer
de uma perturbação da fusão associada a uma dilatação e formar um divertículo cego,
uma paragem da reabsorção7. A agenesia no qual desembocam o ureter e o canal de
renal homolateral à hemivagina cega acon- Wolff. Secundariamente, o canal de Müller
tece sempre. cruza este canal e interrompe o seu desen-
volvimento. Foi demonstrado que toda a in-
Útero septado comunicante terrupção dos canais de Wolff antes da sua
corporal bicervical desembocadura no seio urogenital, conduz
A perturbação da fusão é secundária a uma a uma interrupção dos canais de Müller ao
perturbação da fusão distal. mesmo nível, pelo que terão que desembo-
car numa cavidade cega de origem wolffia-
Útero bicórneo comunicante na, o divertículo de Wolff10. O esboço renal,
septado cervical que entretanto continua a sua embriogéne-
Os dois istmos de cada um dos cornos fun- se normal, não tendo continuidade com o
dem-se num colo único septado abaixo do esboço ureteral sofrerá uma degenerescên-
orifício de comunicação. A perturbação da cia secundária que explica a agenesia renal
reabsorção é secundária a uma perturbação (Figs. 11 e 12).
da fusão proximal13. A participação wolffiana na embriogénese
Feita uma revisão sobre os mecanismos pa- vaginal é evidenciada, nesta situação, por
tológicos da embriogénese, ficam por expli- duas observações muito válidas: a primeira é
car duas situações: a malformação urinária e o tipo de epitélio de revestimento observa-
a anomalia vaginal observada nos úteros bi- do na bolsa de retenção ser cilíndrico, muito
córneos com hemivagina cega que conduz a diferente do epitélio de uma vagina normal
retenção menstrual unilateral. e, portanto, compatível com um epitélio de
À primeira vista, a malformação urinária as- origem wolffiana. Esta situação não poderá
socia uma perturbação da fusão com uma ser explicada pelas teorias mista ou sinusal
anomalia vaginal, dois acontecimentos pos- na embriogénese da vagina. A segunda é a
teriores à embriogénese urinária. No entan- existência, com muita frequência, de um re-
to, a aplasia renal homolateral à bolsa de re- liquat ureteral, de origem wolffiana, encosta-
tenção é constante. do à bolsa de retenção.
Foram postas várias hipóteses para explicar Para suporte da teoria da participação wol-
esta malformação sendo a mais convin- ffiana na embriogénese da vagina é, vulgar-
cente a teoria do divertículo de Wolff, que mente, utilizada esta malformação, porque
também reforça a teoria da participação toda a interrupção dos canais de Wolff con-
wolffiana na embriogénese vaginal desta duz a uma interrupção dos canais de Müller
entidade clínica. ao mesmo nível, permitindo que o canal de

116 Capítulo 6
Wolff seja o responsável pela formação da menstruais unilaterais que estão sempre
bolsa paravaginal presente nas retenções presentes nos úteros bicórnios7,16.

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Normal Patológico

Canal de Müller
Canal de Müller
Canal de Wolff
Canal de Wolff
Ureter
Ureter
Seio urogenital Seio urogenital

Canal de Müller Canal de Müller


Canal de Wolff Canal de Wolff

Ureter Ureter
Seio urogenital Parte Wolfiana do Seio urogenital
Seio urogenital

Figura 11. Divertículo de Wolff (I).

Normal Patológico

Canal de Müller
Canal de Wolff
Canal de Müller
Canal de Wolff Ureter

Ureter Divertículo de Wolff


Seio urogenital

Figura 12. Divertículo de Wolff (II).

As malformações uterinas irão continuar a Do mesmo modo na etiopatogenia das mal-


ser um desafio para o ginecologista e a em- formações têm que ser admitidos outros
briologia para o embriologista. A embriogé- factores para além da interrupção pura e
nese de certas malformações e a da vagina simples da cronologia do processo embrio-
continuam por esclarecer. Provavelmente to- lógico normal. É evidente que para além de
das as teorias têm pontos que as suportam e possíveis agentes teratogénicos têm que
outros que as contrariam e, muito provavel- existir factores genéticos, cromossómicos,
mente, todas as estruturas implicadas pode- familiares, ambientais e multifactoriais, já
rão dar a sua contribuição para a embriogé- que estas malformações são frequentes em
nese de uma vagina normal. diversos membros da mesma família e por
Malformações do aparelho genital feminino 117
vezes fazem parte do quadro característico peculiarities in the light of 141 cases. Gynecol Obstet.
1967;66(2):145-66.
de determinados síndromes polimalformati- 7. Folch M, Pigem I, Konje J. Müllerian agenesis: etiology,
vos, como frequentemente ocorre na S. RKH diagnosis, and management. Obstet Gynecol Surv.

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
2000;55(10):644-9.
que em 12% apresenta anomalias ósseas as- 8. Guerrier D, Mouchel T, Pasquier L, Pellerin I. The May-
sociadas podendo apresentar ainda outras er-Rokitansky-Küster-Hauser syndrome (congenital
absence of uterus and vagina)-phenotypic manifesta-
malformações13. tions and genetic approaches. J Negat Results Biomed.
2006;27(5):1.
9. Jayasinghe Y, Rane A, Stalewski H, Grover S. The pres-
entation and early diagnosis of the rudimentary uter-
ine horn. Obstet Gynecol. 2005;105(6):1456-67.
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2. Roura LC. Tratado de Ginecologia, Obstetricia e Me- 2004.
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3. Gell J. Müllerian anomalies. Semin Reprod Med. tract. Curr Opin Obstet Gynecol. 1989;1(2):238-41.
2003;21(4):375-88. 13. Berek J. Berek & Novak´s Gynecology. 14.a ed. Lippin-
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sociated urinary malformations. Interest of certain reproductive tract. J Reprod Med. 1999;44(3):233-40.

118 Capítulo 6
7 A disfunção sexual na mulher

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Ana Alexandra Carvalheira e Francisco Allen Gomes

1. INTRODUÇÃO masculina do que a feminina. Assim, a clas-


sificação das disfunções femininas foi feita
De uma forma geral, disfunção sexual englo- com base neste modelo linear e sequencial,
ba todas as formas de vivências insatisfató- que contemplava três fases na resposta se-
rias no relacionamento sexual, desde a difi- xual: o desejo, a excitação e o orgasmo. Ao
culdade em sentir prazer ou satisfação até à longo de três décadas (70, 80 e 90), a sexu-
incapacidade em satisfazer o(a) parceiro(a). alidade feminina foi sendo analisada através
Nem todas as dificuldades e insatisfações são de inferências do conhecimento da resposta
verdadeiras disfunções. Há alturas da vida em masculina, por conseguinte, o seu estudo foi
que o ajustamento sexual entre duas pessoas negligenciado.
é mais difícil por factores circunstanciais ou Em 1998, realizou-se em Boston a primeira
individuais. O stress profissional e o stress da reunião de consenso para discussão da de-
vida quotidiana nos tempos actuais podem, finição e classificação das DSF, que contou
por exemplo, criar dificuldades a um relacio- com um grupo multidisciplinar de 19 espe-
namento sexual satisfatório. Assim deve-se cialistas4.
reservar o termo disfunção para quando há O esquema classificativo que aqui se apre-
uma situação concreta, física ou psíquica, senta é a classificação norte-americana – a
que torna impossível a função sexual. DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual
Problemas e dificuldades no relacionamen- of Mental Disorders - Fourth Edition) na sua
to sexual são situações frequentes ao longo edição de texto revisto5, com as modificações
da nossa vida. As disfunções, pelo contrário, introduzidas pelo consenso de 1998. Depois
são mais raras, estando ligadas a um estado deste, foram realizadas mais duas reuniões
de saúde deficiente a nível físico ou mental. internacionais de consenso de onde resul-
tou uma proposta de alterações no sistema
de classificação das DSF6, no sentido de me-
2. CLASSIFICAÇÃO lhor reflectir a realidade clínica da sexualida-
de das mulheres.
A classificação das disfunções sexuais femi- Disfunção sexual é uma forma apropriada e
ninas (DSF) esteve até há 10 anos atrás ba- heuristicamente útil de descrever um pro-
seada no modelo da resposta sexual huma- blema sexual que resulta, quer de um padrão
na de Masters e Johnson1, posteriormente mal adaptativo de resposta psicofisiológica,
emendado ou reformulado por Kaplan com ou das consequências de um processo pato-
a introdução da fase do desejo sexual2,3. lógico, hormonal ou provocado por drogas
Trata-se dum modelo resultante de uma que interferem com o sistema de resposta
extensa observação clínica bem como de sexual7.Há critérios indispensáveis para que
rigorosa investigação psicofisiológica, mas uma alteração da resposta sexual, seja consi-
que reflecte muito mais a resposta sexual derada uma disfunção:
119
— Ser persistente ou recorrente. Assim, faz pouco sentido que as fantasias
— Causar sofrimento interpessoal (DSM-IV-TR)5. sexuais sejam um critério de diagnóstico.
— Causar sofrimento pessoal4. Na prática clínica, podemos observar que as

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Os diagnósticos de disfunção sexual devem mulheres têm um amplo espectro de desen-
ainda incluir indicações relativamente ao iní- cadeantes da actividade sexual muito para
cio (primária/secundária), contexto (gene- além das fantasias sexuais, e que não são
ralizado/situacional) e factores etiológicos contemplados pela DSM-IV-TR. A literatura e a
associados (orgânicos, psicológicos, combi- experiência clínica mostram uma diversidade
nados ou desconhecidos) (Quadro 1). de razões e motivações para o envolvimento
das mulheres na actividade sexual8-12, tais
como fortalecer o vínculo emocional, senti-
3. DEFINIÇÕES rem-se desejadas ou atraentes, entre muitas
outras. Por outro lado, a clínica também nos
3.1. DESEJO SEXUAL HIPOACTIVO mostra que muitas vezes as mulheres iniciam
actividade sexual sem desejo, e muitas vezes
Definido como uma deficiência (ou ausên- a excitação sexual antecede o desejo. Assim,
cia) persistente ou recorrente de fantasias a mulher pode não sentir desejo sexual para
sexuais e/ou do desejo para ter actividade iniciar actividade sexual, mas se for abordada
sexual ou para a sua receptividade, que cau- pelo parceiro, poderá estar receptiva e envol-
sa perturbação pessoal ou interpessoal. O ver-se, e o desejo só surge posteriormente.
julgamento da diminuição ou ausência de Trata-se da distinção proposta por Basson13
desejo é feito pelo clínico, que deve ter em entre desejo espontâneo (pensamentos se-
consideração uma diversidade de factores xuais e fantasias, a consciência de querer
que afectam o desejo sexual como, a idade sensações sexuais per se, antes de haver qual-
e o contexto da vida pessoal. quer actividade sexual) e desejo reactivo (em
Uma primeira crítica do painel de peritos do resposta a estímulos).
consenso acima referido é relativa às fanta- Segundo Basson14, as mulheres estão mais
sias sexuais como principais desencadeantes conscientes do desejo sexual espontâneo no
do comportamento sexual. A investigação e a início das relações, sobretudo no estado de
prática clínica mostram que os pensamentos paixão, e a maioria das mulheres em relações
sexuais espontâneos e as fantasias são muito de longa duração não experienciam desejo
menos frequentes nas mulheres em relações sem haver estimulação sexual, não deixando
de longa duração e sexualmente saudáveis. por isso de serem sexualmente saudáveis.

Quadro 1. Classificação das disfunções sexuais femininas

D. do desejo Desejo sexual hipoactivo

Aversão sexual

D. da excitação Disfunção da excitação

D. do orgasmo Disfunção do orgasmo

D. da dor Dispareunia

Vaginismo

Dor sexual não-coital

120 Capítulo 7
A observação clínica mostra que as mulheres gravidez, lactação e menopausa; e ainda é
que estão em relações novas ou de curta du- afectada pela fadiga e pelas vicissitudes do
ração, relatam maior frequência de fantasias e quotidiano15.

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pensamentos sexuais, do que as que estão em
relações de longa duração. As mulheres em 3.2. AVERSÃO SEXUAL
relações de compromissos longos apresen-
tam maior diversidade de razões ou motiva- É definida como sendo uma persistente ou
ções para se envolverem na actividade sexual, recorrente aversão fóbica e evitamento de
sendo que muitas delas não são motivações todo (ou quase todo) o contacto sexual ge-
sexuais, como por exemplo, o carinho ou o nital com um parceiro sexual, que causa mal-
vínculo emocional ou mesmo a necessidade estar pessoal ou dificuldade interpessoal.
de confirmar que é desejada pelo parceiro14. O diagnóstico de aversão sexual distingue-
A qualidade dos estímulos é igualmente se do desejo sexual hipoactivo pela existên-
importante. Assim, deve ser avaliada a pos- cia de uma resposta emocional negativa in-
sibilidade da mulher não estar a receber a tensa que está na origem do evitamento das
estimulação sexual adequada e suficiente situações de contacto sexual, sendo o medo
por parte do parceiro. O problema do de- e a repulsa as emoções mais comuns16.
sejo ou a falta de entusiasmo para o sexo A aversão sexual implica uma situação dis-
deve ser sempre analisada no contexto da funcional que traduz vivências conflituais
relação com o parceiro. Dificuldades com a e traumáticas da sexualidade e que, muitas
intimidade emocional, conflitos relacionais, vezes, se acompanha de sintomatologia físi-
contextos de hostilidade, ou mesmo a falta ca (náuseas, cefaleias) quando o contacto se-
de atracção pelo parceiro, poderão ser res- xual está eminente17-19. Pensamos que pode,
ponsáveis pela diminuição do interesse se- de facto, traduzir aspectos mais peculiares
xual. Alguns estudos mostram que o desejo de um desejo sexual perturbado20.
sexual feminino diminui com o aumento da
duração das relações10 e é favorecido pela 3.3. DISFUNÇÃO DA EXCITAÇÃO
existência de um novo parceiro. SEXUAL FEMININA
Um cenário menos frequente mas que deve
ser considerado, é o problema surgir como Definida como a incapacidade persistente
consequência de uma disfunção sexual do ou recorrente para atingir ou manter uma
parceiro. O clínico deve ainda avaliar os fac- excitação sexual suficiente, causando per-
tores psicológicos e socioculturais na etiolo- turbação pessoal ou interpessoal. Pode ser
gia do problema. A socialização repressiva expressa por uma ausência subjectiva de ex-
não favorece a vivência livre do prazer se- citação ou por uma falta de lubrificação ge-
xual. Em consequência do duplo padrão de nital. Esta definição não foca exclusivamente
moral sexual, a mulher pode facilmente in- a resposta genital, tendo em conta outra
ternalizar um papel passivo e atitudes nega- componente da resposta de excitação, que é
tivas face à sexualidade, que posteriormente a excitação sexual subjectiva. De facto, a ex-
dificultam a vivência do prazer livre da culpa citação sexual feminina não é um processo
ou da vergonha ou ansiedade. linear ou simplista e contém dois aspectos: a
A diminuição do desejo sexual surge nas excitação genital e a excitação subjectiva.
mulheres como a queixa mais comum, mas A excitação genital é a resposta fisiológica
com a etiologia mais complexa. O desejo se- de vasocongestão genital.
xual feminino é flutuante e contextual. Flu- A excitação subjectiva é uma sensação men-
tua de acordo com a saúde física, emocional tal de excitação, desencadeada pela avalia-
e relacional; em resposta ao ciclo menstrual, ção cognitiva dos estímulos.

A disfunção sexual na mulher 121


Não basta ocorrer a lubrificação, a mulher perturbação da excitação sexual21. O orgas-
tem que ser capaz de sentir essa excitação. mo não é possível sem a excitação, e o de-
Assim, se por um lado a excitação sexual das sejo sexual fica diminuído se não existir uma

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mulheres não se reduz à vasocongestão ge- resposta de excitação suficiente para permi-
nital, por outro, é já sabido que a lubrificação tir uma actividade sexual satisfatória.
não é um bom indicador da excitação sexu-
al feminina. A lubrificação vaginal é uma 3.4. DISFUNÇÃO DO ORGASMO FEMININO
resposta reflexa a qualquer estímulo sexual
– seja ou não desejado e apreciado – e nem Atraso ou ausência de orgasmo persistente
sempre se correlaciona com a experiência da ou recorrente, após uma estimulação e exci-
sensação de excitação21. tação sexual suficientes, causando dificulda-
Há mulheres que lubrificam quando são des pessoais ou interpessoais.
violadas e outras que ficam excitadas sem Uma vez mais o diagnóstico deve basear-se
lubrificação – o que acontece quando há no julgamento clínico acerca da capacidade
deficiência de estrogénios20. Não aparecem orgástica da mulher tendo em conta a idade,
mulheres a queixar-se de falta de lubrifica- a experiência sexual e a qualidade da esti-
ção vaginal, excepto na pós-menopausa. mulação sexual que recebe do parceiro.
Os investigadores têm consistentemente de- É muito importante avaliar se a dificuldade
monstrado pobres correlações entre medidas é primária (existindo desde sempre) ou se
objectivas da vasocongestão genital (com a ocorre apenas em determinados contextos,
pletismografia vaginal) e a excitação subjec- como seja nas interacções sexuais com o
tiva, em mulheres com queixas de disfunção parceiro, mas não na masturbação. Esta situ-
da excitação22-25. Na prática clínica, as mulhe- ação aponta para a possibilidade da mulher
res apresentam com frequência queixas de não estar a receber estimulação adequada e
falta de excitação do tipo «Não sinto nada (…) suficiente para atingir o orgasmo.
Não me sinto excitada e não me dá prazer», A resposta sexual feminina tem sido fonte
mesmo quando se verifica a lubrificação. Por de polémicas, sobretudo no que diz respei-
conseguinte, é a nível subjectivo que se de- to ao orgasmo. Antigamente, havia tendên-
tecta se uma mulher se excita ou não20. cia a considerar-se tipos diferentes de or-
Outro aspecto importante a ter em conta na gasmo de acordo com os vários estímulos
avaliação desta perturbação é a dificuldade utilizados. Deve-se a Freud a divisão entre
de muitas mulheres em se concentrarem orgasmos clitoridianos e vaginais. Os or-
nos estímulos sexuais. É comum as mulheres gasmos vaginais chegaram a ser o paradig-
referirem falta de concentração no contexto ma da normalidade em mulheres adultas e
sexual em que estão envolvidas, em relatos «normais». Actualmente esta dualidade não
do tipo «estou distraída», ou «a cabeça foge- faz sentido. Em 1974, Kaplan26 foi decisiva
me para outras coisas». As mulheres, mais ao afirmar que o orgasmo é um fenómeno
do que os homens, têm a capacidade de total, desencadeado por estimulação direc-
realizarem multitarefas, o que obriga a uma ta ou indirecta do clítoris e vivenciado na
dispersão da atenção, o que pode explicar a vagina através de contracções rítmicas do
dificuldade de concentração. seu terço externo – a plataforma orgástica.
A disfunção da excitação sexual apresenta A prática clínica e a literatura oferecem clara
uma co-morbilidade frequente com o dese- evidência à afirmação de Kaplan, apesar da
jo sexual hipoactivo e com a disfunção do proposta de Brody, pouco interessante no
orgasmo, o que não é surpreendente. Mui- nosso entender, que considera diferentes
tos teóricos consideram que a maioria das orgasmos com diversas consequências27-29
dificuldades sexuais femininas reflecte uma e que associa o orgasmo coital a diversas

122 Capítulo 7
medidas fisiológicas30,31, bem como a ma- uma idade média de 32 anos. Nesta amostra,
greza à frequência do coito32. 30% tinham um claro substrato orgânico.
Nos anos 80, novas controvérsias surgem Das restantes 70%, constataram que 34%

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com a «descoberta» do ponto «G» e a sua apresentavam o problema desde a primeira
suposta relação com a também suposta relação sexual. Os autores identificaram os
«ejaculação feminina»33. Para uma discussão seguintes mecanismos patogénicos:
esclarecedora sobre esta temática, consultar — Dispareunias inicialmente orgânicas em
a revisão de Fonseca34. que a dor, por condicionamento clássico,
A apresentação clínica de uma mulher com fica associada à penetração.
disfunção orgástica oferece alguma diversi- — Mulheres que viveram a primeira relação
dade e reflecte um pouco as polémicas cien- sexual de forma assustadora, tendo a dor
tíficas. Assim teremos: mulheres sós ou com persistido, por condicionamento clássico.
parceiro, absolutamente anorgásmicas, mu- — Mulheres que, por excitação/lubrificação
lheres com parceiro e sem orgasmo no coito deficientes, têm dor na relação.
(pseudodisfunções) e mulheres com pouca — Pacientes com personalidade histérica,
consistência orgásmica20. em que a dor é um sintoma conversivo
Também é habitual considerar as mulheres que lhes permite o escape a conflitos com
como sendo multiorgásticas. Isto é e não é a sua sexualidade, ou com o seu parceiro.
verdade, ou seja, há um número limitado de Por seu turno, Meana, et al.36, verificaram que
mulheres (não mais de 25%) que, de facto, é as mulheres com dispareunia têm mais pro-
multiorgástica. Daí não se poder generalizar blemas físicos, psicológicos, disfunção sexu-
esta capacidade a todas as mulheres. A se- al e problemas da relação.
xualidade humana é caracterizada pela sua
imensa diversidade. Variações são isto mes- 3.6. VAGINISMO
mo: variações! Não são regras!
Espasmo involuntário persistente e recorren-
3.5. DISPAREUNIA te da musculatura do terço externo da vagina
que interfere com a penetração vaginal, provo-
Dor genital persistente ou recorrente asso- cando sofrimento pessoal e/ou interpessoal.
ciada à penetração vaginal (coito), causando O diagnóstico faz-se sem dificuldades quando
acentuada perturbação pessoal ou dificul- o clínico constata a existência do espasmo ao
dades interpessoais. tocar a doente. Na maioria dos casos, a situa-
Alguma controvérsia tem rodeado a questão ção clínica é primária e aparece, sobretudo,
do diagnóstico diferencial da dispareunia num quadro de casamento não consumado37.
com o vaginismo. É habitualmente descrita A presença deste espasmo está muito longe
como superficial (associada à vulva e/ou en- de ser uma constante nas situações de vaginis-
trada da vagina) ou profunda (percebida no mo38. De facto, na maior parte dos casos o que
abdómen ou órgãos internos).A dificuldade se constata é uma reacção de evitamento à dor
reside em diferenciar a dor genital durante o que, na prática, tem a mesma consequência:
o coito provocada por um factor orgânico a impossibilidade destas mulheres serem pe-
(sintoma) daquela que acontece sem um netradas. Em relação ao diagnóstico, há uma
substrato orgânico que o justifique (situação tendência em muitos centros em estabelecer
disfuncional). Podem, pois, verificar-se várias um diagnóstico diferencial entre vaginismo
formas de apresentação. Gomes, et al.35 estu- (ausência de componentes orgânicos locais) e
daram 42 mulheres com dispareunia que fre- a síndrome de vulvovestibulite ou vestibulite
quentavam a consulta de sexologia dos HUC, vulvar, em que existirão componentes infla-
(Hospitais da Universidade de Coimbra) com matórios locais. Embora alguns investigadores

A disfunção sexual na mulher 123


se inclinem para um mecanismo de dor neuro- trofiar a prevalência das DSF41. As frequências
pática nas vulvodinias, acabam por reconhecer variam de estudo para estudo, dependendo
a sua co-morbilidade com factores psicológi- não só das amostras e de possíveis factores

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cos38. Devido à alta prevalência destes quadros de ordem cultural, mas também do conceito
clínicos (15 a 18%), os investigadores sugerem de disfunção e dos instrumentos utilizados
uma revisão das definições e subgrupos das pelos investigadores para a avaliar. As tenta-
disfunções ligadas à dor (designação global tivas de revisão feitas provam a diversidade
de dispareunias) e clarificação das vulvodinias: dos estudos e a impossibilidade de realizar
vaginismo e vestibulite vulvar39. Quando o es- metanálises43-45. Hayes, et al.46 demonstram,
pasmo está presente, o vaginismo pode ser claramente, como determinados instrumen-
considerado como uma resposta condicionada tos de avaliação da DSF podem inflacionar as
resultante da associação da dor ou medo liga- prevalências quando comparados com o que
dos à penetração vaginal26. Mas também nesta elas consideram o gold standard da avaliação
situação as respostas não são lineares. Muitas de uma DSF: o Sexual Function Questionnaire
vezes, neste desafiante quadro clínico, não se combinado com a Female Sexual Distress Scale
encontra qualquer acontecimento no passado (SFQ-FSDS). O estudo de Laumann, et al.47 é
destas mulheres que justifique o espasmo ou um marco na prevalência das DSF. Publicado
o evitamento. A nível psicopatológico estas no JAMA, com uma amostra representativa
mulheres distribuem-se num espectro que norte-americana, aponta para uma prevalên-
se estende da normalidade às estruturas cla- cia global das DSF de 43%. O desejo sexual
ramente fóbicas. Mas o grande paradoxo ain- hipoactivo foi a mais frequente (33%). Como
da é a nível sexual: estas mulheres que tanto se esta frequência não fosse suficientemen-
medo têm da relação coital são, na maioria das te elevada, ainda há autores, que baseados
vezes, facilmente excitáveis e orgásticas, o que neste estudo, concluem por uma prevalên-
nos pode levar a uma dúvida interessante: em cia global entre os 30 e 50%48. Mas o estudo
situações não-orgânicas, serão as vulvodinias de Laumann, et al.47 recebeu muitas críticas.
perturbações da sexualidade ou perturbações De facto, as disfunções não são definidas de
da dor psicogénica40? acordo com os critérios diagnósticos mais
utilizados (DSM-IV) e a maioria corresponde
3.7. DOR SEXUAL NÃOCOITAL a dificuldades sexuais provocadas por dificul-
dades afectivas e de uma vida socioprofissio-
Dor genital persistente e recorrente, indu- nal insatisfatória. Um dos critérios fundamen-
zida por uma estimulação sexual não-coital tais para definir uma situação disfuncional – a
provocando perturbação pessoal. perturbação emocional que ela acarreta – não
Esta categoria foi introduzida em 1998 na foi investigado. Bancroft49, um dos autores
reunião de consenso a que já nos referimos. mais críticos em relação aos estudos de pre-
Pretende directamente traduzir que algu- valência referidos, dirige uma investigação à
mas mulheres sentem dor genital sem rela- escala nacional norte-americana, concluindo
ção sexual e, indirectamente, que nem todas que a percentagem de mulheres com dificul-
as mulheres são heterossexuais. dades sexuais geradoras de sofrimento emo-
cional se cifrava à volta das 24%. Os estudos
de prevalência que surgem a partir de então
4. PREVALÊNCIA averiguam sempre o sofrimento emocional
ligado às dificuldades sexuais, o que se traduz
A prevalência das DSF é um tema polémico por prevalências altas mas não epidémicas.
que merece uma análise detalhada. Na última Citemos, a título de exemplo, um estudo da
década, tem havido uma tendência em hiper- Austrália50 com mulheres de meia-idade, com

124 Capítulo 7
uma prevalência global de 17% de disfun- Uma revisão muito completa sobre a sexu-
ções e um outro na Finlândia51, com uma pre- alidade e menopausa, onde estão incluídos
valência de 7 a 23%, dependendo das várias estudos prospectivos, mostra um acréscimo

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categorias de disfunções. O próprio Laumann significativo de dificuldades sexuais no pe-
reconhece implicitamente as críticas e, em ríodo pós-menopausa58. No entanto, tudo
estudos posteriores, passa a utilizar sempre a indica que o envelhecimento, por si só, não
designação de problema sexual52,53. é o responsável pela diminuição da função
Em Portugal, numa investigação patrocinada sexual. Laumann, et al.52, num excelente es-
pela Sociedade Portuguesa de Andrologia54 tudo sobre a sexualidade e envelhecimen-
e com uma amostra representativa de 1.250 to com uma amostra representativa nor-
mulheres maiores entre os 18 e 75 anos (ida- te-americana, concluem que o importante
de média de 44), registou-se uma prevalên- na manutenção da função sexual feminina
cia global de 56% de disfunções sexuais. Só através dos anos é ter um bom estado de
que esta prevalência global incluía três níveis saúde físico e mental e um envolvimento
de alterações classificados como leve, mode- afectivo harmonioso, o que confirma as con-
rado e grave. Como as dificuldades conside- clusões de Clayton numa revisão publicada
radas ligeiras são meras variações do normal, em 200759. Relembremos que, em 2003, Ban-
a nossa leitura levou a considerar como pos- croft9 tinha afirmado que os melhores facto-
síveis estados disfuncionais as moderadas e res preditivos de perturbação sexual são os
graves que, no seu conjunto, representavam marcadores do bem-estar emocional geral
19% das queixas o que está de acordo com e do envolvimento sexual com o parceiro
os estudos atrás referidos. Deve ainda subli- emocional durante a actividade sexual. Nes-
nhar-se que, apenas 8,5% das mulheres por- ta linha de pensamento, Mitchell e Graham60
tuguesas inquiridas, referiram insatisfação lançam um desafio às futuras revisões da
sexual, o que nos confere toda a legitimidade DSM, sugerindo uma maior precaução para
em excluir da patologia os estados ligeiros. não transformar em patologias meras varia-
Estudos mais recentes55 mostram que há ções do normal e a introdução do contexto
correlações positivas entre o desejo sexual, a relacional nos critérios diagnósticos da DSF.
excitação sexual e o orgasmo, confirmando Finalmente, ter sempre presente que um
a circularidade da resposta sexual feminina. dos melhores factores preditivos da função
Contudo, a haver uma categorização, o de- sexual duma mulher depois dos 50 anos é o
sejo sexual hipoactivo será a disfunção mais seu funcionamento sexual anterior61.
frequente, seguindo-se-lhe a disfunção or-
gástica. A persistência dos estados disfuncio-
nais mostra que apenas 1/3 persiste durante 5. ETIOLOGIA E AVALIAÇÃO DAS
mais de seis meses50. Devemos também real- DISFUNÇÕES SEXUAIS FEMININAS
çar que os modernos estudos de prevalência
pretendem, para além de calcular a frequên- Embora a sexualidade seja uma componente
cia das disfunções, avaliar os factores físicos importante da qualidade de vida e da satis-
e psicossociais que lhe estão associados de fação individual e relacional, as queixas se-
forma a ter-se uma ideia de possíveis facto- xuais são extremamente difíceis de admitir
res preditivos das disfunções sexuais. e articular. A consulta de ginecologia cons-
A maior parte dos estudos sugere que a fun- titui um espaço privilegiado e único, que a
ção sexual feminina vai diminuindo com a mulher procura para a expressão das suas
idade56,57. Mas, em compensação, o grau de dificuldades mais íntimas. O médico gineco-
perturbação associado também se vai esba- logista tem um papel essencial, ao permitir e
tendo, o que mantém um certo equilíbrio. facilitar a comunicação das dificuldades no

A disfunção sexual na mulher 125


contexto de uma relação de confiança, se- situacional ou generalizado, bem como se é
gurança e contenção, que deve caracterizar primário ou secundário, e ainda a frequência
uma relação terapêutica. (quantas vezes ocorre e como tem evoluído

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A etiologia das DSF é frequentemente mul- ao longo do tempo).
tifactorial, sendo que, muitas vezes, não é
possível identificar uma causa específica 5.2. HISTÓRIA PSICOSSEXUAL
isolada para a dificuldade sexual. Os médi-
cos especialistas estão familiarizados com as A história psicossexual inclui aspectos do
possíveis causas orgânicas das DSF. Contu- desenvolvimento como as primeiras experi-
do, as vivências sexuais não ocorrem no va- ências sexuais, comportamentos masturba-
zio. São protagonizadas por dois indivíduos, tórios, fontes de educação sexual e atitudes
cada um com a sua história de vida e diferen- da família face ao sexo. O tipo de socialização
tes backgrounds. pode revelar factores que contribuíram para
Os comportamentos sexuais estão extra- o desenvolvimento de crenças sexuais mal-
ordinariamente interligados com factores adaptativas. Por exemplo, uma educação/so-
emocionais, psicológicos e culturais. Por cialização repressiva pode ter um impacto ne-
conseguinte, a avaliação deve consistir gativo na visão da sexualidade e na vivência
numa abordagem biopsicossocial, que in- do sexo63. Nas culturas ocidentais, herdeiras
clua a saúde física e psicológica da mulher, da tradição judaico-cristã, ainda persistem
bem como a sua imagem corporal, relação o duplo padrão de moral sexual – permissi-
com o parceiro, intimidade emocional e mui- vo e exigente para os homens e repressivo
to importante, os factores socioculturais e o para as mulheres – que pode ser responsável
contexto sexual62. Assim, uma avaliação mul- por mitos ou crenças sexuais disfuncionais64.
tifacetada é essencial para desenhar a estra- Por exemplo, a crença de que «a mulher não
tégia de intervenção mais adequada. deve tomar a iniciativa sexual», ou «de que a
O diagnóstico é essencialmente clínico e a vagina é suja e não se deve tocar».
entrevista clínica é o principal instrumento A influência do duplo padrão de moral sexual
de avaliação. Assim, a avaliação diagnóstica pode estar na origem de muitas dificuldades
deve incluir: sexuais. Nas mulheres, o conflito diz sobretu-
— A descrição do problema. do respeito à legitimidade do prazer. É difícil
— A história psicossexual. para muitas mulheres permitirem-se ter pra-
— Factores psicológicos. zer ou mesmo perseguir o prazer sexual como
— Factores relacionais ou interpessoais. algo que merecem e a que têm direito.
— O contexto.
— História médica. 5.3. FACTORES PSICOLÓGICOS
— Factores predisponentes, precipitantes e
de manutenção. Os factores psicológicos incluem aspectos
emocionais e cognitivos associados à expe-
5.1. DESCRIÇÃO DO PROBLEMA riência sexual. Emoções negativas como a
culpa, a vergonha ou a raiva podem destruir
A descrição do problema implica recolher os sentimentos de prazer. Algumas mulhe-
informação sobre o início e duração do pro- res referem o medo de «perder o controlo»,
blema, e encorajar a descrição das queixas outras referem o medo da «entrega» na acti-
sexuais pela própria mulher. A avaliação vidade sexual.
subjectiva da mulher sobre o que está a cau- Os factores cognitivos também incluem a
sar o problema pode dar informação signifi- capacidade de manter a concentração nos
cativa. É necessário avaliar se o problema é estímulos sexuais. As mulheres demonstram

126 Capítulo 7
muita dificuldade em manter o foco e a aten- sexual de um modo directo, mas também
ção nos estímulos eróticos sem se distraírem pode ao mesmo tempo constituir um factor
da actividade sexual. de stress que interfere negativamente com a

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A imagem corporal e a auto-estima também vivência sexual.
devem ser avaliadas, na medida em que são Um bom exemplo de factores psicossociais
aspectos centrais na sexualidade feminina. em consequência de factores biológicos a
perturbar a resposta sexual, é o que aconte-
5.4. FACTORES RELACIONAIS ce no cancro da mama. Para além dos trata-
OU INTERPESSOAIS mentos tão invasivos fisicamente, a vivência
psicológica e social pode ser altamente per-
A qualidade da relação em geral é um aspec- turbadora da sexualidade62.
to central a ser avaliado. As dificuldades sexu- Tratamentos farmacológicos de diversos
ais podem ser um sintoma ou o resultado de tipos que podem afectar vários neurotrans-
uma relação insatisfatória. Os factores relacio- missores e níveis hormonais podem estar
nais ou interpessoais incluem a qualidade da associados a problemas do desejo e da exci-
intimidade e da comunicação, o vínculo emo- tação. Uma breve história psiquiátrica deve
cional, a estabilidade da relação, bem como incluir as co-morbilidades psiquiátricas. A de-
a existência de possíveis conflitos ou de um pressão é um quadro clínico com um impac-
contexto de hostilidade. O grau de atracção to muito negativo na sexualidade64. A disfun-
pelo parceiro também deve ser avaliado, bem ção sexual tem sido diagnosticada como um
como o nível de erotismo na relação. sintoma da depressão bem como um efeito
colateral de alguns fármacos usados no tra-
5.5. CONTEXTO tamento da depressão, sobretudo os SSRI65
(Selective Serotonin Reuptake Inhibitors - Ini-
A sexualidade feminina é fortemente con- bidores selectivos da recaptação da serotoni-
textual, ou seja, é influenciada pelo contexto na). Tem sido geralmente aceite que a relação
em que o sexo acontece. entre humor depressivo e disfunção sexual é
As variáveis de contexto incluem o ambien- bidireccional e adicionalmente agravada pe-
te físico onde a actividade sexual ocorre, os los efeitos colaterais dos antidepressivos66.
acontecimentos que antecederam a opor- Perturbações da função do ovário ou do
tunidade sexual, o momento do dia, o tem- eixo hipotálamo-hipófise-córtex supra-renal
po desde o último contacto sexual, a rotina interferem com a produção de androgénios
sexual, a qualidade da estimulação genital e e estrogénios e têm sido associadas com a
não-genital. diminuição do desejo e da excitação sexual.
Factores de stress também devem ser consi- A questão da associação entre o desejo sexu-
derados como constrangimentos de tempo, al hipoactivo e a diminuição de androgénios
ou o cansaço, bem como acontecimentos de será discutida mais adiante neste capítulo.
vida negativos como por exemplo problemas Para além da condição de doença e tratamen-
financeiros ou uma situação de desemprego. tos, o clínico deve ter em conta o ciclo de vida
da mulher. A situação de gravidez, pós-parto
5.6. HISTÓRIA MÉDICA e menopausa, constituem marcos da vida re-
produtiva da mulher, que podem implicar al-
A história médica inclui informação relativa terações da função sexual. A transição para a
aos factores biológicos. Abrange a história menopausa tem sido a fase reprodutiva mais
de doença, física ou mental, terapêutica far- estudada, mas com alguns problemas me-
macológica e uso de substâncias. todológicos. A revisão de estudos recentes
A doença médica pode perturbar a resposta mostra evidência do efeito da menopausa em

A disfunção sexual na mulher 127


vários domínios da função sexual58. Um estu- ponente para um problema ou disfunção
do longitudinal, com mulheres australianas sexual na vida adulta73.
(Melbourne Women’s Midlife Health Project), Os factores precipitantes são os que desen-

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revelou uma diminuição do desejo, excitação, cadeiam o problema sexual. Geralmente, um
orgasmo e frequência de actividade sexual na acontecimento específico como o nascimen-
transição para a menopausa67. Estas mudan- to de uma criança ou uma doença.
ças foram significativamente relacionadas Os factores de manutenção são aqueles que
com o declínio do estradiol68, mas o funciona- contribuem para que o problema se mante-
mento prévio e os factores relacionais tiveram nha ou se agrave. Podem incluir conflitos na
um efeito superior aos factores hormonais69. relação, ansiedade, estimulação sexual ina-
As alterações não estiveram associadas ao ní- dequada ou insuficiente, medo da intimida-
vel de testosterona68. de ou problemas de auto-imagem.
Um estudo recente com 2.467 mulheres, dos Idealmente, o processo de avaliação deve
20 aos 70 anos de quatro países da Europa incluir o parceiro numa sessão conjunta,
Ocidental, mostrou uma diminuição do de- visto que o comportamento sexual ocorre
sejo em mulheres de todos os grupos repro- entre duas pessoas, cada uma com o seu
dutivos, sendo as mulheres com menopausa background, inibições e motivações absolu-
cirúrgica as que tinham maior probabilidade tamente únicos.
de ter o desejo diminuído70. Outros aspectos que devem ser considera-
Vários investigadores defendem que a auto- dos são as estratégias de coping usadas, ou
determinação sexual, a proximidade física e seja, o que a mulher está a fazer para lidar
emocional ao parceiro, comunicação satis- com o problema, bem como as expectativas
fatória e uma relação positiva com o corpo, sobre o tratamento.
são factores preditivos mais importantes Finalmente, é importante avaliar até que
para a satisfação sexual do que a situação de ponto a dificuldade sexual é perturbadora
menopausa71,72. para a mulher, a nível individual e relacional.

5.7. FACTORES PRECIPITANTES, A estrutura do processo de avaliação que


PREDISPONENTES OU DE MANUTENÇÃO aqui apresentamos, mostra bem a diversida-
de de factores determinantes da saúde sexu-
Há tantas coisas que podem interferir no pra- al das mulheres. Assim, uma boa avaliação é
zer e na função sexual feminina que comum- fundamental para a definição da melhor es-
mente as dificuldades sexuais resultam da tratégia de intervenção terapêutica.
combinação de diversos elementos. Todos os
factores previamente mencionados podem
influenciar a função sexual feminina e actuar 6. INTERVENÇÃO TERAPÊUTICA
como factores precipitantes, predisponentes
ou de manutenção do problema sexual. 6.1. FARMACOTERAPIA
Os factores predisponentes estão relacio-
nados com as experiências precoces que Até à data ainda não foi autorizada, pela FDA
influenciam as crenças face à sexualidade. (Food and Drug Administration) (norte-ameri-
Por exemplo, uma educação conservado- cana), qualquer terapêutica medicamentosa
ra/restritiva, crenças sexuais problemáticas para a disfunção sexual feminina. Contudo,
(e.g. «Só os orgasmos vaginais são aceitá- a EMA (European Medicines Agency) aprovou,
veis»). A ocorrência de abuso sexual nalgum e a Comissão Europeia concedeu, em 28 de
momento do desenvolvimento psicossexual Julho de 2006, à Procter & Gamble Pharmaceu-
também pode constituir um factor predis- ticals UK Ltd. uma autorização de introdução

128 Capítulo 7
no mercado, válida para toda a União Euro- Os efeitos secundários mais frequentes foram
peia, para o medicamento Intrinsa (sistema os resultantes da masculinização induzida
transdérmico de 28 cm2 contendo 8,4 mg de pelo androgénio. No entanto, detectaram-se

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testosterona e fornecendo 300 μg de testos- nos dois grupos terapêuticos, três cancros da
terona por 24 horas). Esta autorização tem mama, embora um deles já existisse antes da
limitações à sua utilização: mulheres com um inclusão no estudo, mas que não foi detecta-
baixo desejo sexual (perturbador para elas), do por a mulher não ter apresentado queixas
que tenham sofrido ooforectomia ou histerec- que, de facto, já existiam (corrimento hemor-
tomia e que estejam a tomar estrogénios74. rágico mamilar). Isto implica que a prescrição
De facto, desde há umas duas décadas que da testosterona transdérmica obriga a uma
se associa o desejo sexual hipoactivo a uma cuidadosa avaliação médica da mulher a
baixa de androgénios circulantes75-82. Mas quem se destina. Quer em eficácia, quer em
esta associação é muito variável: 2577 a 75%76. efeitos adversos, estamos muito longe de es-
Por outro lado, alguns estudos, embora com tar em presença de uma terapêutica que tem
amostras pouco significativas, mostraram não sido publicitada como o «viagra feminino».
só um efeito positivo sobre o desejo sexual Aproveitamos para abrir um parêntesis devi-
em mulheres pós-menopáusicas fazendo THS do ao facto de o sildenafil ter sido utilizado
(Terapêutica Hormonal de Substituição) com na disfunção sexual feminina. Apesar de um
estrogénios80,81,83,84 como em mulheres pré- claro efeito vasodilatador nos genitais femi-
menopáusicas20,85,86. Estudos muito recentes, ninos, não se obtiveram melhorias significati-
controlados e randomizados e com uma ex- vas90,91, o que levou ao abandono dos estudos
tensão até dois anos, confirmam a eficácia da dos PDE5 Fosfodiesterase Tipo 5 (phospho-
administração da testosterona transdérmica diesterase type 5 ) na função sexual feminina.
a mulheres pós-menopáusicas87, assim como Estes modestos resultados (com a testoste-
a sua segurança, pelo menos durante dois rona transdérmica) não devem ser motivos
anos88. O passo seguinte foi a utilização do de grande surpresa. De facto, há muitas difi-
mesmo produto a mulheres pós-menopáu- culdades em estabelecer relações de causa/
sicas não tomando estrogénios. Este estudo, efeito em relação ao papel dos androgénios
denominado Afrodite, de Davis, et al. (2008)89 na função sexual. Alguns são problemas de
comparou 277 mulheres com placebo com ordem técnica e metodológica: as determi-
um grupo de 267 com um sistema transdér- nações dos níveis sanguíneos de testoste-
mico (libertando 150 μg de testosterona id) rona variam de laboratório para laboratório
e ainda com um terceiro grupo com 267 mu- e os valores de referência são estabelecidos
lheres com uma dose de libertação diária de sem terem em consideração a clínica92,93. Por
300 μg de testosterona. A idade média dos outro lado, não há uma relação linear entre
três grupos cifrou-se à volta dos 54 anos. Os os níveis de androgénios e o desejo sexual
resultados mostram uma diferença signifi- hipoactivo94. Num estudo prospectivo recen-
cativa a favor do grupo de maior dosagem, te realizado em Melbourne sobre a transição
em termos de episódios sexuais satisfatórios menopáusica, Burger95 afirma que o declínio
(50% à partida). O grupo de maior dosagem, significativo da função sexual constatado,
às 24 semanas, apresentava um aumento de não só não se correlaciona com os níveis
2,1 episódios satisfatórios contra 0,7 com o de testosterona circulante, como se corre-
placebo e 1,2 com a dosagem de 150 μg. Os laciona com o declínio do estradiol. Não se
autores consideram estes aumento da fre- podem ignorar os factores psicossociais que
quência «modest but appeared to be clinically acompanham qualquer período de transição
meaningful» (p:2015). Por outro lado, a taxa na esfera reprodutiva feminina. Stuckey92 é
de descontinuidade foi alta (superior a 1/3). concludente ao afirmar que o desinteresse

A disfunção sexual na mulher 129


sexual é prevalente na mulher antes da me- nal de tais exercícios, e coloca grande ênfase
nopausa «despite being hormone repletes» na masturbação feminina como um aspecto
(p:2.288). Assim, as hormonas sexuais têm fundamental para a relação da mulher com o

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um efeito transformador da função sexu- corpo e o prazer.
al, mas as influências sociais e as respostas A intervenção terapêutica nas disfunções se-
aprendidas são igualmente importantes92. xuais femininas é principalmente psicológica.
Não desvalorizando a importância terapêu- Privilegia-se o trabalho com o casal, mas a in-
tica da testosterona transdérmica, esta só tervenção também é possível na ausência do
deve ser utilizada após serem descartadas parceiro. Actualmente a intervenção é mais
as outras causas de um desejo sexual hipo- holística no sentido de integrar a terapia se-
activo: problemas de saúde física e mental e xual num contexto psicoterapêutico mais
dificuldades relacionais75. alargado, em que se podem trabalhar outros
aspectos para além dos estritamente sexuais,
6.2. TERAPIA SEXUAL como por exemplo a auto-estima, as crenças
disfuncionais ou a imagem corporal. Consi-
Em 1970, Masters e Johnson96 propõem um derando o carácter multifactorial da resposta
modelo de terapia sexual que permitiu a sexual feminina, não podemos simplesmente
abordagem clínica das disfunções sexuais e identificar o sintoma e fazer uma intervenção
abriu caminho a novos modelos para a com- isolada e alheada da pessoa e dos seus con-
preensão da sexualidade humana. textos (psicológico, social, cultural, relacional).
A terapia sexual de Masters e Johnson é di- Devemos ainda notar que por vezes há in-
rectiva, breve e implica o envolvimento de dicações para uma psicoterapia individual.
ambos os membros do casal. O protocolo Quadros de instabilidade do humor, pertur-
terapêutico é estruturado num conjunto de bação da imagem corporal, ou história de
sessões com o casal para avaliação e pres- abuso sexual podem constituir indicação
crição de técnicas comportamentais que o para um trabalho psicoterapêutico individu-
casal realiza na intimidade: os exercícios de al, prévio à terapia sexual.
foco sensorial. A análise do comportamen- Poderá ainda ser necessário um encaminha-
to e das vivências do casal nestes exercícios mento para terapia de casal, quando cons-
permite aos terapeutas avaliar o tipo de inte- tatamos que existe uma insatisfação rela-
racção do casal, sugerindo as modificações cional, situações de conflito que o casal não
comportamentais necessárias com vista à consegue superar ou contextos de hostilida-
satisfação sexual do casal. É pois, basicamen- de que impedem a intimidade emocional e a
te, uma terapia comportamental e de comu- satisfação sexual.
nicação em que, progressivamente, se vai re- Muitas técnicas terapêuticas não são espe-
duzindo a ansiedade, o temor e as inibições cíficas para determinada disfunção, outras
da actividade sexual, de forma a permitir-se sim. A intervenção terapêutica consiste na
uma vivência erótica satisfatória20,97-99. combinação mais adequada das técnicas
Nos 10 anos seguintes, o protocolo terapêu- para cada caso.
tico de Masters e Johnson foi modificado e
enriquecido de forma a tornar-se mais fle-
xível e eficiente100,101. Kaplan2,26 valoriza as 6.2.1. INTERVENÇÃO NAS DISFUNÇÕES DO
reacções emocionais e os conflitos intrapsí- DESEJO SEXUAL HIPOACTIVO E DA EXCITAÇÃO
quicos e introduz técnicas psicodinâmicas às
comportamentais já existentes. A terapia se- A falta de interesse pelo sexo, a diminuição
xual de Kaplan integra exercícios eróticos es- do desejo ou a dificuldade na excitação po-
truturados, mas também o impacto emocio- dem requerer abordagens e procedimentos

130 Capítulo 7
diversos. Com frequência, a intervenção é no parece particularmente interessante, mas
sentido de explorar inibições, desmistificar e está aprovado pela FDA.
derrubar crenças disfuncionais perpetuadas Não raras vezes é absolutamente necessária

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ao longo da vida, resultantes de uma sociali- uma intervenção no sentido de melhorar a
zação mais repressiva que impede a vivência capacidade de concentração nos estímulos
livre do prazer sexual e, ao mesmo tempo, sexuais. Técnicas de focagem da atenção
tratar de questionar e modificar atitudes são particularmente úteis. A técnica de min-
negativas face à sexualidade através da rees- dfulness tem sido usada com sucesso com o
truturação cognitiva102. objectivo de melhorar a capacidade de fo-
Tomar conhecimento de pensamentos, cagem nos estímulos sexuais e aumentar a
emoções e comportamentos negativos em excitação sexual104.
relação à sexualidade, procurando focar as
características não desejadas da relação ou 6.2.2. DISFUNÇÃO DO ORGASMO
do companheiro é o primeiro passo na abor-
dagem terapêutica103. A maior parte das vezes verifica-se uma co-
Por vezes, é necessária a intervenção nalgu- morbilidade da disfunção do orgasmo com
mas dinâmicas da relação, nomeadamente a disfunção da excitação sexual, por conse-
para melhorar padrões de comunicação e guinte, a intervenção terapêutica não difere.
promover a comunicação sexual, no sen- Também neste quadro diagnóstico se verifi-
tido da mulher dar a conhecer ao outro os ca com frequência a necessidade de desmis-
estímulos para ela mais adequados e prefe- tificar crenças e atitudes. A reestruturação
ridos. No quadro de disfunção da excitação cognitiva permite identificar pensamentos
procura-se criar situações não exigentes nas automáticos disfuncionais e desafiar crenças
quais possa ocorrer a excitação sexual num perturbadoras.
contexto mais livre de pressão (desaconse- Uma intervenção psicoeducacional com o
lhando o coito, por exemplo). É também útil objectivo de facilitar informação específica
prescrever o uso de material erótico e a ela- sobre a resposta sexual feminina pode ser
boração de fantasias (muitas vezes conside- muito útil.
radas como «maus pensamentos» ou «ideias As técnicas auto-eróticas nas disfunções
de pecado»). orgásticas têm-se revelado particularmen-
Podem ainda ser interessantes os exercícios te úteis26,105. Com a prática da masturba-
de auto-estimulação ou masturbação, com ção, pretende-se que a mulher conheça a
o objectivo de exploração e descoberta do estimulação que necessita para aumentar
corpo e do prazer num contexto individual. a excitação sexual necessária para atingir
Nalguns casos, poderá justificar-se a psicote- o orgasmo.
rapia individual, por exemplo quando se ve- Kaplan106 sugere a «manobra da ponte» para
rificam determinadas inibições resultantes maximizar a estimulação do clítoris durante
do medo do abandono, medo de perder o o coito, através de uma postura que favore-
controlo, personalidades altamente contro- ce o contacto directo da base do pénis com
ladoras ou obsessivas, ou sentimentos de o clítoris. Os exercícios musculares, vulgar-
não ser merecedora de prazer. mente conhecidos como treino de Kegel,
Não podemos deixar de referir um instru- de fácil execução, também se têm mostrado
mento de seu nome Eros CTD concebido muito úteis na melhoria da consistência or-
para o tratamento desta disfunção. Trata-se gástica feminina107,108.
de um instrumento que se coloca sobre o clí- Muitas mulheres referem medo «de perder
toris para aumentar a vasocongestão através o controlo», o que as faz bloquear exacta-
de um mecanismo de vácuo, que não nos mente no momento em que devem «perder

A disfunção sexual na mulher 131


o controlo» que a experiência do orgasmo Bibliografia
exige. Nestes casos, poderá estar também
1. Masters WH, Johnson VE. The human sexual response.
indicada uma psicoterapia individual breve.

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132 Capítulo 7
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A disfunção sexual na mulher 133


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134 Capítulo 7
8 Hemorragias uterinas anormais

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
Margarida Martinho e Anabela Melo

1. INTRODUÇÃO mulher2. No caso particular da mulher na


pós-menopausa (ausência de menstruação
As hemorragias uterinas anormais (HUA) ≥ 1 ano) incluem as hemorragias uterinas
são uma das queixas mais frequentes que recorrentes ou as hemorragias irregulares
motivam a consulta a clínicos gerais e gine- em mulheres sob terapêutica hormonal de
cologistas, sendo neste caso responsáveis substituição (THS) há pelo menos um ano3.
por cerca de 1/3 de todas as consultas1. Ao Podem assumir diversas formas (Quadro 1) a
longo do tempo têm vindo a ser usadas que habitualmente correspondem também
diferentes nomenclaturas e terminologias diferentes designações.
para designar situações de hemorragias As causas responsáveis pelas HUA são múl-
uterinas. Mais recentemente, na sequência tiplas e variadas, mas podem dividir-se em
de reuniões de consenso realizadas com a dois grandes grupos: as hemorragias dis-
intenção de uniformizar essa terminologia, funcionais (ovulatórias e anovulatórias),
passaram a designar-se como HUA todas as cuja fisiopatologia se relaciona com uma
situações de hemorragia genital com ori- alteração na fisiologia normal dos ciclos
gem intra-uterina que diferem em regulari- menstruais; e as hemorragias causadas por
dade, quantidade, frequência, duração e vo- doenças orgânicas de natureza sistémica
lume, do padrão menstrual habitual de cada ou ginecológica4.

Quadro 1. Termos usados para descrever padrões de hemorragia uterina anormal

Termos Definições

Menorragia Hemorragia uterina regular mas prolongada (> 7 dias) e/ou excessiva (> 80 ml)

Metrorragia Hemorragia uterina que ocorre de forma irregular e ou intermenstrual

Menometrorragia Hemorragia uterina ocorrendo de forma irregular com menstruações excessivas


(> 80 ml) e prolongadas (> 7 dias)

Polimenorreia Hemorragia uterina ocorrendo de forma regular com intervalos <21 dias

Oligomenorreia Hemorragia uterina ocorrendo de forma regular com intervalos >35 dias

Amenorreia Ausência de menstruação por um período ≥ 6 meses numa mulher não-menopáusica

Hemorragia na Hemorragia uterina recorrente em mulher pós-menopáusica (ausência de menstruação


pós-menopausa ≥ 1 ano) ou hemorragia irregular em mulher sob THS há pelo menos um ano

135
2. CICLO MENSTRUAL NORMAL Nos extremos da idade reprodutiva da mulher
podem ocorrer com frequência alterações do
O ciclo menstrual, na maioria das mulheres, ciclo menstrual em função da prevalência dos

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é caracterizado por uma ovulação regular e ciclos anovulatórios. A menarca é geralmen-
uma sequência ordenada de sinais endócri- te seguida por um período variável de irre-
nos que se traduzem na previsibilidade, regu- gularidades menstruais habitualmente com
laridade e consistência das menstruações5,10. interlúnios longos, que progressivamente se
Resumidamente, na fase folicular do ciclo, vão encurtando e se tornam mais regulares à
os estrogénios aumentam progressivamen- medida que o funcionamento do eixo hipo-
te à medida que o folículo dominante se tálamo-hipofisário atinge a maturidade5,7,10.
desenvolve. Em resposta a esse aumento de No período da perimenopausa, também a
estrogénios e após o cataménio, o endomé- regularidade das ovulações sofre alterações e
trio regenera-se e prolifera a partir da sua estas tornam-se menos frequentes e os ciclos
camada funcional. Os estrogénios têm a ca- menstruais mais irregulares, com uma dura-
pacidade de induzir o aparecimento de re- ção média dos ciclos superior a 35 dias8.
ceptores endometriais para os estrogénios O ciclo menstrual normal tem uma duração
mas também para a progesterona. Após a de quatro a seis dias, um intervalo médio de
ovulação, que ocorre por acção do pico de 28 dias (± 7 dias) e a perda de sangue mens-
Luteinizing Hormone (LH), o corpo amarelo trual é em média de 30 ml6. Embora o inter-
mantém a produção de estradiol, mas inicia valo intermenstrual médio seja considerado
a produção de progesterona que se torna de 28 dias, só cerca de 15% dos ciclos mens-
preponderante. Por acção destas duas hor- truais em mulheres com idade reprodutora
monas, e durante a fase luteínica, o endo- têm essa duração e menos de 1% das mulhe-
métrio sofre uma transformação secretora e res referem ciclos menstruais regulares com
prepara-se para a implantação. menos de 21 dias ou mais de 35 dias9,10.
Quando não ocorre uma gravidez, o cor- Padrões menstruais com fluxos menstruais
po lúteo regride e ocorre uma diminuição excessivos (> 80 ml), prolongados (> 7 dias)
abrupta da produção de estrogénios e pro- ou frequentes (< 21 dias) associam-se ao apa-
gesterona, causando a nível endometrial al- recimento de anemia em 66% das mulheres.
terações vasculares e hemostáticas que têm
as prostaglandinas como um dos principais
mediadores e das quais resulta a desagrega- 3. HEMORRAGIAS DISFUNCIONAIS
ção e descamação endometrial que se tra-
duz objectivamente na menstruação. As hemorragias disfuncionais são um diag-
Este ciclo de acontecimentos é responsá- nóstico de exclusão e pressupõem a au-
vel por um padrão menstrual previsível e sência de patologia orgânica sistémica ou
consistente em termos de volume, fluxo e ginecológica ou outra causa iatrogénica que
intervalo6. Assim, menstruações regulares justifique as HUA. Classificam-se em ano-
reflectem a ocorrência regular de ovulação vulatórias ou ovulatórias. As hemorragias
e ao contrário, ciclos menstruais com inter- disfuncionais anovulatórias surgem num
valos irregulares e com uma variação na sua contexto de anovulação crónica. Nestas cir-
duração de mais de 10 dias entre ciclos são cunstâncias, ocorre uma produção contínua
habitualmente anovulatórios. Aumento da de estrogénios mas na ausência de ovulação
sensibilidade e tensão mamária, desconfor- não se forma corpo amarelo e não se pro-
to e distensão abdominal, alterações do hu- duz progesterona4. Os níveis de estrogénios
mor e corrimento vaginal mucoso são sinais variam em função do crescimento dos folí-
clínicos sugestivos de ovulação. culos recrutados e da sua regressão sem que

136 Capítulo 8
no entanto ocorra ovulação e produção de 23% em função da presença de critérios eco-
progesterona. Apesar da variação nos ní- gráficos. A incidência das hemorragias disfun-
veis de estrogénios, o resultado final é um cionais nas pacientes com SOP é de 29%14,15.

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aumento do seu valor e deste desequilíbrio Esta síndrome, assim como as situações asso-
hormonal resulta uma proliferação exage- ciadas à anovulação crónica, pela exposição
rada do endométrio e dilatação das artérias continuada a um ambiente de hiperestroge-
espiraladas sem o correspondente suporte nismo sem o efeito complementar da proges-
estrutural em termos de vascularização en- terona, condicionam um risco aumentado de
dometrial e fornecimento de nutrientes por aparecimento de hiperplasia do endométrio
acção da progesterona, ocorrendo graus va- ou mesmo adenocarcinoma do endométrio.
riáveis de necrose7. As hemorragias disfuncionais ovulatórias,
Em contraste com as situações de ciclo por vezes também designadas por menor-
menstrual normal, não ocorre uma desca- ragias ou hemorragias disfuncionais idiopá-
mação uniforme da camada funcional do ticas, diferem das anteriores pela regulari-
endométrio, o que condiciona um padrão ir- dade do aparecimento da hemorragia que
regular de hemorragia uterina habitualmen- frequentemente se associa a sintomas pré-
te com oligomenorreia ou hemorragia irre- menstruais sugestivos de ovulação. Esta
gular escassa e recorrente5. Eventualmente, hemorragia menstrual excessiva não é expli-
em função de um nível de estrogénios con- cada por doenças orgânicas (ginecológicas
tinuadamente elevados e por um mecanis- ou sistémicas) e não se associa a nenhuma
mo de retrocontrolo negativo hipotalâmico, situação iatrogénica nomeadamente rela-
pode ocorrer uma diminuição da produção cionada com medicações que aumentam o
de Follicule-Stimulating Hormone (FSH) e risco de hemorragia uterina (Quadro 2).
LH e de estrogénios11,12. Este facto condicio- O mecanismo fisiopatológico deste tipo de
na uma vasoconstrição e desagregação en- hemorragia uterina anormal não é ainda to-
dometrial com uma hemorragia uterina ex- talmente conhecido, mas diversos estudos
cessiva. Assim, com um nível continuamente sugerem que podem estar envolvidas alte-
elevado de estrogénios ocorrem intermiten- rações dos mecanismos de regulação dos
temente hemorragias uterinas excessivas e mediadores locais endometriais do ciclo
um nível mais baixo mas contínuo de estro- menstrual. Assim, embora histologicamente
génios é responsável por hemorragias uteri- o endométrio e o miométrio e a concentra-
nas intermitentes mas escassas13. ção de receptores para as hormonas sexuais
As hemorragias uterinas disfuncionais ano- sejam semelhantes em mulheres com pa-
vulatórias são comuns nos extremos da ida- drão menstrual normal e com hemorragia
de reprodutora e responsáveis pela maioria disfuncional ovulatória16,17, alterações de
das situações de HUA na adolescência e na diversos factores locais, nomeadamente da-
perimenopausa. queles envolvidos na vasculogénese (como
Situações de hiperandrogenismo, como a sín- a proliferação das células endoteliais e alte-
drome dos ovários poliquísticos (SOP), tumo- rações na composição e estrutura dos vasos
res produtores de androgénios e hiperplasia sanguíneos endometriais)18, alterações na
congénita da supra-renal e as situações de síntese e produção de prostaglandinas com
anovulação por falência ovárica prematura efeito vasodilatador19, alterações a nível
e por disfunção hipotalâmica por anorexia endometrial dos factores endoteliais como
são também causa de hemorragias uterinas a diminuição do Vascular Endothelial Gro-
disfuncionais anovulatórias. A SOP tem uma wth Factor-A (VEGF-A) e a redução da ex-
prevalência de 3% se basearmos o diagnós- pressão da endotelina19,20 e o aumento da
tico em critérios endocrinológicos e de 17 a expressão do factor associado à hemorragia

Hemorragias uterinas anormais 137


Quadro 2. Medicações que podem causar hemorragia uterina anormal

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— Anticoagulantes
— Ácido acetilsalicílico
— Antidepressivos (inibidores selectivos da serotonina, antidepressivos tricíclicos)
— THS
— Tamoxifeno
— Corticosteróides
— Plantas: ginseng, gingko, derivados da soja

endometrial (também conhecido por LEF- ou oligomenorreia), os tumores da hipófise


TY-A), estão presentes nas mulheres com e hipotálamo e a disfunção hipotalâmica por
hemorragia disfuncional ovulatória suge- stress ou alterações alimentares ou exercício
rindo uma desregulação dos factores locais excessivo, condicionam directa ou indirecta-
endometriais como causa mais provável mente alterações do equilíbrio hormonal do
para este tipo de HUA. ciclo menstrual normal e podem também
ser responsáveis por quadros de HUA.

4. HEMORRAGIAS DE CAUSA ORGÂNICA 4.2. CAUSAS IATROGÉNICAS

4.1. DOENÇAS SISTÉMICAS Os contraceptivos orais e os implantes


subcutâneos associam-se com frequência
Algumas coagulopatias, como a deficiência a perdas intermenstruais tipo spotting por
e a doença de Von Willebrand, podem mani- atrofia endometrial associada a carência
festar-se inicialmente sob a forma de HUA, e de estrogénios. O uso de dispositivo intra-
no caso da doença de Von Willebrand, a sua uterino (DIU) de cobre pode causar menor-
prevalência neste contexto pode variar de 5,3 ragias por inflamação local e endometrite
a 24% segundo diferentes estudos prospecti- crónica27. O aumento do fluxo menstrual é
vos e de caso-controlo21-24. As situações que estimado em 18-48 ml por menstruação em
condicionam trombocitopenia como a leuce- três estudos prospectivos28-30.
mia, sépsis grave, púrpura trombocitopénica O sistema intra-uterino (SIU) com levonor-
idiopática e hiperesplenismo podem tam- gestrel reduz as perdas menstruais em cerca
bém causar HUA. A insuficiência renal crónica de 54-98%27 mas pode causar spotting.
pode causar HUA por alterações da agregação As terapêuticas anticoagulantes estão fre-
plaquetária25. Nas situações de insuficiência quentemente associadas a menometrorra-
hepática, as alterações hemorrágicas podem gias. Van Eijkeren31, numa série prospectiva
surgir por alterações da metabolização dos de 11 doentes, sob terapêutica com antico-
estrogénios, mas também por alterações da agulantes orais, constatou uma perda mens-
hemostase secundárias a trombocitopenia trual superior a 45 ml em 45% das pacientes.
ou défices de factores da coagulação26. Outro estudo prospectivo32 com 90 mulheres
As doenças sistémicas do foro endocrinoló- encontrou 70,8% de pacientes com menor-
gico como o hipotiroidismo e mais raramen- ragias em comparação com 44,2% antes do
te o hipertiroidismo (que causam mais fre- início da terapêutica anticoagulante. Neste
quentemente amenorreia, hipomenorreia estudo também se constatou um aumento

138 Capítulo 8
significativo da duração da menstruação (5,6- peças de histerectomia35 realizadas em pa-
6,1) com o início do tratamento. cientes sintomáticas. Nas pacientes sinto-
Outras medicações podem ser responsáveis máticas com adenomiose a menorragia é o

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por perdas sanguíneas anormais (Quadro 2). sintoma mais frequente, afectando cerca de
50% das pacientes. A sintomatologia não se
4.3. DOENÇAS DO APARELHO GENITAL correlaciona com a profundidade de «inva-
são» do miométrio36,37.
Excluindo a patologia da gravidez nas mu- As hiperplasias endometriais classificam-se
lheres em idade reprodutora, as causas or- em quatro classes (OMS) em função da sua
gânicas mais frequentes são as anomalias complexidade arquitectural e da presença
anatómicas, as situações neoplásicas ou de atipias celulares38. Esta classificação cor-
pré-neoplásicas do endométrio e mais rara- relaciona-se com a probabilidade de evo-
mente as infecções genitais altas, tumores lução para adenocarcinoma do endomé-
produtores de estrogénios e malformações trio39,40 (Quadro 3).
arteriovenosas uterinas. As hiperplasias endometriais encontram-se
As causas anatómicas como os miomas sub- em 0,7% de 1.702 biopsias do endométrio
mucosos, os pólipos endometriais e a ade- realizadas por menometrorragias41 e em
nomiose são com frequência responsáveis 7,2% (80/1.120) das biopsias realizadas por
por sintomas de perda menstrual excessiva histeroscopia. A prevalência da hiperplasia
ou prolongada e mais raramente causam aumenta com a idade e pode atingir 18,2%
perda hemorrágica uterina irregular. das causas de menometrorragias após os 50
Os miomas são a causa principal de menorra- anos35. O adenocarcinoma do endométrio é
gia em mulheres antes dos 40 anos33. A per- responsável por 0,5% dos casos de meno-
da menstrual seria explicada neste contexto metrorragias em mulheres em idade fértil. O
por alterações no desenvolvimento normal quadro 4 apresenta os factores de risco para
do endométrio, pelo aumento da superfície adenocarcinoma do endométrio.
endometrial e por alteração da contractilida- Os quadros infecciosos do aparelho genital
de miometrial34. superior, nomeadamente a endometrite,
Os pólipos endometriais representam a podem ser responsáveis por menometrorra-
causa principal de menometrorragias após gias42 embora a prevalência desta patologia
os 40 anos33. neste contexto seja desconhecida.
A adenomiose define-se pela presença de Os tumores tubários e os tumores ováricos
glândulas e estroma endometrial na espes- secretores de estrogénios são uma causa
sura do miométrio em exames histológicos. rara43-45 de menometrorragias e associam-se
A sua prevalência exacta na população é ao aparecimento de hiperplasia/adenocarci-
desconhecida mas detecta-se em 5-70% das noma do endométrio.

Quadro 3. Hiperplasias endometriais

Classificação das hiperplasias (OMS) Progressão para neoplasia (%)

Hiperplasia simples sem atipia 01

Hiperplasia simples com atipia 08

Hiperplasia complexa sem atipia 03

Hiperplasia complexa com atipia 29

Hemorragias uterinas anormais 139


Quadro 4. Factores de risco para adenocarcinoma do endométrio

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— Idade > 40 anos
— Ciclos anovulatórios
— Nuliparidade
— Infertilidade
— Tamoxifeno
— História familiar de cancro do endométrio e do cólon

Adaptado de: Vilos, et al.2

As malformações arteriovenosas uterinas são anormais que sugerem uma infecção


situações raras mas que podem estar na ori- genital, ou com sintomas urinários ou
gem de situações de menorragias graves e gastrointestinais que se associam mais
potencialmente fatais. Estas malformações po- frequentemente a tumefacções pélvicas
dem ser de natureza congénita ou adquiridas. ou doenças não ginecológicas ou ainda
As malformações adquiridas podem ser secun- cefaleias, galactorreia, hirsutismo, acne,
dárias a cirurgias uterinas, curetagens uterinas perda de cabelo, variações no peso, ou
ou infecções46. Surgem geralmente após situa- outros sintomas gerais sugestivos de do-
ções de abortamento ou no pós-parto47. enças do foro endócrino e associação a
anovulação.
— Pesquisar sinais sugestivos de uma ano-
5. AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DAS malia da hemostase (Quadro 5). A asso-
HEMORRAGIAS UTERINAS ANORMAIS ciação de um interrogatório deste tipo
à avaliação de pictogramas de perda
No estudo das situações de HUA uma histó- hemática permitem identificar pacientes
ria clínica pormenorizada é um passo fun- com distúrbios da coagulação com uma
damental e inicial contribuindo de forma sensibilidade de 95%48.
determinante para o diagnóstico diferencial — Documentar os padrões de hemorragia
e orientando as investigações laboratoriais e e avaliar sinais de anemia. O padrão da
de imagem a realizar. hemorragia e uma história menstrual
detalhada são o instrumento mais útil
5.1. HISTÓRIA DA DOENÇA ACTUAL no diagnóstico diferencial entre hemor-
E ANTECEDENTES ragias de causa anovulatória e outras
causas de HUA. A avaliação da frequên-
Neste contexto é fundamental: cia e duração da perda menstrual pode
— Caracterizar pormenorizadamente as ser facilmente documentada com o re-
perdas hemáticas uterinas precisando o curso ao registo de calendários mens-
seu início, pesquisar sintomas sugestivos truais, mais difícil, é a tarefa de quanti-
de ovulação, identificar factores associa- ficar essa perda. A avaliação subjectiva
dos ou precipitantes como por exem- da perda sanguínea menstrual (PSM)
plo, traumatismos genitais ou a relação é pouco fiável e comporta um risco de
com início de medicação, a associação subestimação49, mas a avaliação objec-
com hipertermia, dor pélvica abdomi- tiva da PSM realizada com métodos
nal e presença de corrimentos vaginais químicos (marcação por radioisótopos

140 Capítulo 8
Quadro 5. Sinais clínicos a pesquisar em situações de hemorragias uterinas anormais

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— Antecedentes familiares de doença hemorrágica
— Hemorragia excessiva após extracção dentária
— Hemorragia excessiva após cirurgias
— Hemorragia excessiva após pequeno ferimento
— Hemorragia excessiva após o pós-parto
— Antecedentes de tratamento com ferro
— Antecedentes de transfusões
— Epistaxes frequentes e prolongadas (> 30 minutos)
— Gengivorragias frequentes e abundantes (várias por mês)
— Equimoses > 5 cm espontâneas e frequentes

dos glóbulos vermelhos da mulher e a cluir as situações de neoplasias malignas


avaliação fotométrica da quantidade de do corpo uterino.
hematina nos pensos higiénicos) é difí- — Identificar antecedentes familiares de
cil de efectuar por rotina. Finalmente, o patologia tiroideia e sobretudo de ne-
recurso ao preenchimento de cartas de oplasia endometrial e cólica (hereditary
registo visual da perda menstrual (picto- non polypoid colic cancer [HNPCC]).
rial blood loss assesement chart [PBAC]),
apesar de ser uma forma simples, repro- 5.2. EXAME FÍSICO
dutível e objectiva de avaliação das per-
das hemáticas, tem uma má correlação O exame objectivo geral serve para identifi-
com os métodos químicos4. Em função car sinais de doença sistémica como hiper-
das dificuldades na avaliação das per- termia, equimoses, aumento de volume da
das menstruais, na sua prática clínica os tiróide, sinais de hiperandrogenismo ou pre-
clínicos tentam estimar a quantidade da sença de galactorreia.
perda hemática recorrendo a um inqué- No exame ginecológico a avaliação dos
rito do tipo apresentado no quadro 6 e genitais externos e internos é crucial para
valorizam as perdas menstruais em fun- confirmar a origem intra-uterina da perda
ção da interferência das mesmas nas ac- hemática, excluir lesões cervicais ou vagi-
tividades diárias das pacientes realçan- nais e diagnosticar causas anatómicas de
do-se assim a importância de pesquisar HUA como miomas uterinos ou tumefac-
sinais de anemia. ções anexiais.
— Documentar a história menstrual, a
data da última menstruação, método 5.3. EXAMES LABORATORIAIS
contraceptivo e doenças associadas e
medicação habitual. Nas mulheres em 5.3.1. TESTE DE GRAVIDEZ
idade reprodutora assume particular
importância a exclusão de gravidez. As O teste de gravidez é especialmente impor-
situações de HUA nos extremos da idade tante em mulheres sexualmente activas em
reprodutora estão mais frequentemente função do interrogatório e especialmente
associadas a situações de anovulação e nas que apresentam um quadro de início re-
na pós-menopausa é fundamental ex- cente e dores pélvicas associadas.

Hemorragias uterinas anormais 141


5.3.2. HEMOGRAMA COMPLETO contexto de suspeita de doença da tiróide
COM PLAQUETAS ou em presença de galactorreia. Nas situa-
ções de anovulação os doseamentos devem

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O hemograma completo com plaquetas, em incluir a determinação da progesterona na
função da intensidade das perdas hemáticas, fase luteínica, prolactina, testosterona livre e
duração e associação a sinais de anemia, é 17-hidroxiprogesterona50.
fundamental para avaliar a existência de ane-
mia ou trombocitopenia. No contexto de ane- 5.4. EXAMES DE IMAGEM
mia grave pode ter interesse complementar
este exame com determinação da ferritina de A ultra-sonografia pélvica, em especial a re-
forma a confirmar a carência de ferro. alizada por via transvaginal (USV), é o exa-
me imagiológico recomendado na avaliação
5.3.3. ESTUDO DA COAGULAÇÃO inicial das HUA complementando e exame
OU TESTES ESPECÍFICOS DE HEMOSTASE ginecológico e orientando a realização de
outros exames complementares de diagnós-
O estudo da coagulação ou testes específi- tico, nomeadamente a realização de biopsia
cos da hemostase (tempo de tromboplasti- de endométrio (BE). Esta só deverá ser reali-
na parcial activado, tempo de protrombina, zada «às cegas» na ausência de suspeita de
factor VIII, antigénio e actividade do factor lesões intracavitárias de natureza focal.
de Von Willebrand) podem ser necessários A USV assume particular relevo nas mulhe-
em mulheres com história sugestiva de de- res com HUA depois dos 40 anos, sobretudo
feitos da coagulação (Quadro 6). naquelas que apresentam factores de risco
para carcinoma do endométrio e é um exa-
5.3.4. ESTUDOS HORMONAIS me mandatório na avaliação das mulheres
pós-menopáusicas com hemorragia uterina.
Estudos hormonais específicos devem reali- No passado, e mesmo actualmente, a maioria
zar-se somente num contexto de anovulação dos protocolos clínicos defendiam a realiza-
crónica sobretudo na suspeita de SOP e no ção de BE na avaliação inicial das HUA, mas a

Quadro 6. Inquérito a efectuar para quantificar a perda sanguínea menstrual

Com que frequência muda de pensos higiénicos/tampões nos dias de fluxo mais abundante?
Quantos pensos higiénicos/tampões usa durante em cada período menstrual?
Tem necessidade de mudar de penso higiénico durante a noite?
De que tamanho são os coágulos eliminados durante o período menstrual?
Foi informada por algum médico sobre se tem anemia?
Mulheres com uma perda menstrual normal tendem a:
Mudar os pensos higiénicos/tampões em intervalos de 3 h
Usar < que 21 pensos higiénicos/tampões por ciclo
Raramente necessitam de mudar pensos higiénicos durante a noite
Referem coágulos com < de 2 cm de diâmetro
Nega anemia

Adaptado de: Warner PE, Critchley HD, Lumsden MA, et al. Am J Obstet Gynecol. 2004;190:1216.

142 Capítulo 8
acuidade diagnóstica dos métodos ecográfi- gica ou sistémica. Factores como a idade,
cos e a possibilidade de avaliação adicional hábitos, patologia associada e desejo de fer-
das regiões anexiais permitem recomendar tilidade devem também ser considerados.

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este exame na avaliação inicial 51. Nas situações de hemorragia disfuncional a
A histerossonografia tem vindo a assumir um abordagem inicial é o tratamento médico e
papel de maior relevo sobretudo ao detectar a abordagem cirúrgica pode justificar-se nas
com maior acuidade lesões focais, em que a hemorragias disfuncionais ovulatórias no
histeroscopia se assume como método de caso de fracasso do tratamento médico.
eleição possibilitando um diagnóstico mais
preciso mas também, em muitas circunstân- 6.1. HEMORRAGIAS DISFUNCIONAIS
cias, tratamento imediato em ambulatório, ANOVULATÓRIAS
sem necessidade de recurso a anestesia ge-
ral e internamento, de forma simples segura Os anticoncepcionais orais estroprogestati-
e bem tolerada. Nas mulheres pré-menopáu- vos (ACO) são usados para regularizar o ciclo
sicas o exame deve realizar-se na fase inicial menstrual, controlar as HUA e como contra-
do ciclo (4-6.o dia). ceptivos se necessário, sendo a terapêutica
de 1.a linha.
5.5. BIOPSIA ENDOMETRIAL Nas mulheres com anovulação crónica, os
ACO servem também para prevenir os riscos
A BE está recomendada nas mulheres >35-40 endometriais de uma estimulação estrogé-
anos e com factores de risco para cancro do nica persistente sem oposição da progeste-
endométrio (Quadro 5) e nas HUA na pós- rona. Nas situações de contra-indicação dos
-menopausa. Esta biopsia pode realizar-se «às ACO, o tratamento cíclico com progestativos
cegas» ou sob controlo ecográfico ou histe- é também uma alternativa a considerar54 e o
roscópico. Considerando a taxa de 18% de fal- SIU com levonorgestrel tem vindo a assumir
sos negativos 53 da biopsia não orientada es- um papel cada vez mais importante, pela sua
tas só deve realizar-se se não houver suspeita eficácia na redução das perdas hemáticas e
de patologia focal da cavidade uterina e nes- acção local protectora a nível endometrial.
sas circunstâncias a pippelle é o método mais
testado e com uma sensibilidade de 97% e 6.2. HEMORRAGIAS DISFUNCIONAIS
especificidade de 100% nas situações de ade- OVULATÓRIAS
nocarcinoma do endométrio52. Nas situações
de hiperplasia com atipia a sua sensibilidade O tratamento médico assume papel pre-
pode baixar para os 81%52, pelo que se hou- ponderante e neste momento a utilização
ver persistência de sintomas e ausência de do SIU com levonorgestrel é considerada a
um diagnóstico é recomendada a realização abordagem de eleição com resultados su-
de histeroscopia e biopsia selectiva. periores aos da utilização de ACO e proges-
A utilização da biopsia ecoguiada em compa- tativos cíclicos55,56.
ração com a realizada sob controlo histeros- A utilização de anti-inflamatórios não-este-
cópico não apresenta nenhuma vantagem53. róides, nomeadamente o acido mefenâmico,
é uma alternativa eficaz e com resultados se-
melhantes aos dos ACO e danazol.
6. TRATAMENTO Quando o tratamento médico não é efi-
caz, a alternativa é a abordagem cirúrgica
O tratamento é individualizado e adaptado e a histerectomia é a opção mais eficaz mas
a cada situação específica, em especial nas também aquela que se associa a maior mor-
situações de patologia orgânica ginecoló- bilidade e tempo de recuperação. A ablação

Hemorragias uterinas anormais 143


endometrial sobretudo, com recurso aos necológica, em especial o carcinoma do en-
métodos globais de 3.a geração, é uma al- dométrio que pode ser detectado em 10%
ternativa também eficaz e menos invasiva a desta mulheres61,62.

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considerar nas mulheres que privilegiem um A avaliação inicial do primeiro episódio de
procedimento com menores riscos e uma re- metrorragias pós-menopausa envolve a rea-
cuperação mais rápida56. lização de BE, no entanto estudos recentes
e envolvendo análise de custo-benefício fa-
6.3. CASOS PARTICULARES vorecem a abordagem inicial por USV63,64 e
a realização e escolha do método de biopsia
6.3.1. HEMORRAGIAS UTERINAS ANORMAIS em função dos achados, valorizando-se uma
NA ADOLESCÊNCIA espessura endometrial superior a 4-5 mm ou
a suspeita de patologia intra-uterina focal63.
As alterações menstruais são frequentes A histeroscopia está indicada nas mulheres
na adolescência em função da maturação com suspeita de patologia intracavitária fo-
lenta do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, cal, na persistência dos sintomas e eventu-
que se pode manter por 2-5 anos após a almente nas mulheres com factores de risco
menarca. Nesta faixa etária a anovulação fi- de carcinoma do endométrio52,53.
siológica é a causa mais frequente de HUA
com uma prevalência de 74% no estudo de
Claessens57, mas não é uma causa exclusiva Bibliografia
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144 Capítulo 8
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Hemorragias uterinas anormais 145


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146 Capítulo 8
9 Massa pélvica
(massas uterinas e anexiais benignas)

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Ana Rosa Costa

Quando no exame ginecológico encontra- 1.1.1 CLASSIFICAÇÃO


mos uma massa pélvica é importante fazer
a distinção entre a origem uterina – leio- Os leiomiomas podem localizar-se a qual-
miomas – ou anexial e, neste caso, fazer o quer nível do músculo uterino e são habitu-
diagnóstico de provável benignidade e da almente classificados segundo a sua locali-
origem ovárica ou tubária. A orientação te- zação anatómica (Fig. 1):
rapêutica depende do diagnóstico, da sin- — Submucosos: localizados por baixo do en-
tomatologia e da idade da mulher e do seu dométrio, crescem para o lúmen uterino,
desejo de preservar a fertilidade. podendo exteriorizar-se pelo canal cervi-
cal ou pela vagina (abortamento de mio-
ma), associados a subsequente ulceração
1. MASSAS UTERINAS BENIGNAS e infecção e, em situações raras, podem
provocar inversão uterina (Fig. 2).
1.1. LEIOMIOMAS — Intramurais ou intersticiais: situados na
espessura do miométrio.
Os leiomiomas, também designados por — Subserosos: localizados por baixo da se-
«fibromas» ou «miomas», são os tumores be- rosa podendo tornar-se pediculados e
nignos mais frequentes do aparelho genital confundir-se com tumor do ovário (Fig.
feminino, podendo estar presentes em 20 a 3). Quando este adquire irrigação de ou-
25% das mulheres em idade fértil, sendo três tros órgãos intra-abdominais, mais fre-
vezes mais frequentes na raça negra1,4. quentemente do omento ou mesentério,
A incidência varia com a idade, sendo que perdendo a irrigação sanguínea prove-
a probabilidade de ser diagnosticado um niente do útero, ocorre atrofia e reabsor-
leiomioma aumenta até aos 50 anos e de- ção do pedículo e passa a designar-se
pois diminui1,7. por mioma parasita1.
São neoplasias benignas desenvolvidas a Os miomas subserosos laterais que se de-
partir de uma única célula muscular lisa (ori- senvolvem entre os folhetos anterior e pos-
gem monoclonal), contendo também tecido terior do ligamento largo são designados
conjuntivo, estando bem circunscrito no miomas intraligamentares1. Estes podem
miométrio apesar de não possuírem cápsula comprimir o uréter ou comprometer a irri-
(pseudocápsula). gação sanguínea pélvica.
Em geral são múltiplos, cada um com origem
monoclonal independente, e as suas dimen- 1.1.2. PATOGENIA
sões variam de poucos milímetros a grandes
massas, provocando distorção da superfície Os leiomiomas são tumores hormonodepen-
ou da cavidade uterina. dentes, sendo os estrogénios o maior estímulo

147
Mioma subseroso

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Mioma submucoso

Mioma intramural

Figura 1. Classificação anatómica.

ao seu crescimento, facto este demonstrado ligeiro aumento de risco com o consumo
pelo seu aparecimento após a puberdade, de bebidas alcoólicas. A dieta rica em vege-
crescimento durante a gravidez (a gonado- tais verdes parece protectora e a dieta com
tropina coriónica humana [HCG] pode ser grande quantidade de carne foi associada
responsável pelo rápido crescimento na gra- a aumento de incidência de miomas. Dado
videz) e regredirem na pós-menopausa. Fac- que a dieta é um componente essencial do
tores de risco como a obesidade e menarca estilo de vida, pode haver contudo outros
precoce também suportam o papel dos estro- factores implicados.
génios no desenvolvimento dos miomas1,4,7. A maior incidência que se verifica na raça
Os estrogénios actuam directamente estimu- negra sugere um componente genético na
lando a proliferação celular e indirectamente patogénese dos miomas4.
promovendo a acção da progesterona, pro- Estudos em gémeos também sugerem uma
vavelmente pelo aumento da expressão de predisposição genética para os leiomiomas,
citocinas mitogénicas e factores de cresci- sendo duas vezes maior a correlação no gé-
mento nos leiomiomas2,3. meos monozigóticos do que nos dizigóticos5.
Os hábitos tabágicos parecem diminuir o ris- Foi demonstrada uma associação entre a
co de aparecimento de miomas pela associa- tensão arterial diastólica e a incidência de
ção com baixos níveis de estrogénios4. miomas. O aumento da tensão arterial dias-
Não foi demonstrada associação com o tólica pode provocar alterações ou aumen-
consumo de cafeína, mas verificou-se um to de citocinas no músculo liso promovendo

148 Capítulo 9
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Área de degenerescência quística

Figura 2. Inversão uterina. Figura 3. Leiomioma subseroso pediculado.

o crescimento dos miomas, sendo tanto tamanho ou alterações degenerativas con-


maior o risco quanto mais elevada a tensão comitantes1,8 (Quadro 1).
arterial6.
Antecedentes de doença inflamatória pél- Sintomatologia
vica aumentam o risco de miomas, sendo Os sintomas mais frequentes são as altera-
este tanto maior quanto maior o número de ções menstruais. A hemorragia menstrual
episódios infecciosos. A irritação intra-ute- excessiva é frequentemente o único sinto-
rina parece contribuir para o aparecimen- ma, apresentando-se como menorragia ou
to e crescimento dos miomas. Doenças de hipermenorreia. A metrorragia não é carac-
transmissão sexual que afectam sobretudo terística dos miomas e deve fazer-nos pensar
os genitais externos (condilomas vulvares e em patologia do endométrio. A hemorragia
herpes) não mostraram qualquer associação excessiva pode eventualmente causar ane-
com os leiomiomas7. mia por deficiência em ferro. As mulheres
com hemorragia anormal têm mais provavel-
1.1.3. CLÍNICA mente miomas intramurais ou submucosos.
A causa da hemorragia excessiva foi relacio-
A maioria dos miomas é assintomática, cerca nada com alterações vasculares do endomé-
de 62% de mulheres com miomas sintomáti- trio por efeito obstrutivo da vascularização
cos têm múltiplos sintomas que usualmente uterina com ectasia das vénulas no caso dos
se correlacionam com a localização, número, miomas intramurais. Outro factor implica-

Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 149


Quadro 1. Sintomatologia consequente de leiomiomas

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Assintomáticos

Hemorragia uterina anormal

Menorragia/hipermenorreia

Anemia

Massa pélvica

Pressão pélvica

Polaquiúria

Incontinência urinária

Dificuldade na micção

Hidronefrose

Obstipação

Tenesmo

Pressão rectal

Algias pélvicas

Disfunção reprodutiva

Infertilidade

Alterações relacionadas com a gravidez

Crescimento dos miomas

Degenerescência vermelha e dor

Abortamento

Associações raras

Ascite

Policitemia

Síndrome familiar com ca. renal

Metastização benigna

Leiomiomatose endovenosa

do parece ser o aumento do tamanho da coso pediculado pode parir através do colo
cavidade uterina e da área do endométrio. resultando em hemorragia e necrose.
A hipermenorreia pode ser agravada pela O tamanho do útero miomatoso é descrito
presença de endometrite que é um achado em semanas como no útero gravídico, por
histológico frequente no endométrio subja- exemplo mais de 12 semanas. Útero maior
cente aos miomas submucosos. Apesar de que 12 semanas pode ser palpado no exame
ser uma ocorrência rara, um mioma submu- abdominal, exercendo um efeito de massa,

150 Capítulo 9
com pressão sobre os órgãos adjacentes, es- volumosos miomas intramurais, pode inter-
pecialmente o aparelho urinário e rectossig- ferir com o transporte de esperma e implan-
móide. As manifestações associadas incluem tação embrionária. Os miomas intramurais

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aumento da frequência miccional, obstrução podem também obstruir os óstia tubares ou
ureteral com hidronefrose, dificuldade na o segmento intramural das trompas9,10.
micção, obstipação ou tenesmo no caso de Efeito da gravidez nos miomas: quando se
miomas da parede posterior e pressão rectal observa um aumento no tamanho, o cresci-
por encarceramento do útero miomatoso no mento ocorre na gravidez precoce e depois
fundo de saco ou pela presença de volumo- permanecem estáveis ou diminuem. O maior
so mioma da face posterior. aumento ocorre antes da 10.a semana de
A dismenorreia pode estar presente quando o gestação. Numa série de 113 grávidas mio-
fluxo menstrual aumenta, mas a dor não é um mas menores que 5 cm mostraram aumento
sintoma frequente. A dor pode associar-se à de tamanho e os maiores diminuição, duran-
torção no caso de miomas pediculados (Fig. 4), te o segundo trimestre, e todos diminuíram
dilatação cervical provocada por mioma sub- no terceiro trimestre11. A maioria dos mio-
mucoso, degenerescência vermelha (maioria mas maiores que 5 cm tende a permanecer
associada a gravidez). Nestas situações, a dor estável ou a diminuir durante a gravidez12.
é usualmente aguda sendo necessário o diag- Degenerescência vermelha e dor: a ne-
nóstico diferencial com outras situações como crobiose pode provocar dor, que também
por exemplo gravidez ectópica, apendicite, pode resultar da torção ou impactação do
torção ovárica ou doença inflamatória pélvica mioma (Figs. 4 e 5).
aguda. Miomas do ligamento largo podem Complicações obstétricas: a localização dos
provocar dor pélvica unilateral ou ciatalgia. miomas pode ser importante pelo seu efeito
Actualmente nos países industrializados, a na gravidez. Aqueles localizados adjacen-
idade de planeamento da primeira gravidez tes à placenta associam-se a maior risco de
está a aumentar para idades entre os 30 e os metrorragia do primeiro trimestre, desco-
40 anos, pelo que a existência de miomas é lamento precoce da placenta normalmen-
provável nestas mulheres que pretendem te inserida (DPPNI) e rotura prematura de
engravidar e o papel dos miomas como cau- membranas (RPM)13. Apresentação pélvica,
sa de infertilidade é ainda matéria de debate. trabalho de parto prolongado e aumento da
Os potenciais mecanismos envolvidos são: taxa de cesarianas estão também associados
— Alterações endometriais interferindo com à presença de miomas.
a implantação. A transformação maligna é extremamente
— Alterações do fluxo sanguíneo subendo- rara, deverá ser considerada esta hipótese
metrial provocada pelos miomas afec- na mulher pós menopausa com massa pélvi-
tando negativamente a receptividade do ca, metrorragia e algias pélvicas, sendo mui-
endométrio. to importante a realização de RM.
— Deformidade e aumento da cavidade Ligação ao omento: mioma parasita, com
uterina interferindo com o transporte do possibilidade de torção e obstrução dos va-
esperma. sos do omento, transudação de fluido e de-
— Contractilidade uterina disfuncional e al- senvolvimento de ascite.
terada interferindo com o transporte dos Policitemia secundária relacionada com ní-
gâmetas e implantação embrionária. veis elevados de eritropoietina e que resolve
— Obstrução dos óstia tubares por efeito com a histerectomia.
de massa. Metastização benigna dos miomas com leio-
A presença de miomas submucosos ou a dis- miomatose endovenosa que se pode esten-
torção da cavidade endometrial induzida por der até ao coração.

Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 151


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Face posterior do útero,
histerorrafia de cesariana

Mioma pediculado do
corno uterino direito

Figura 4. Torção uterina na gravidez provocada por mioma.

Histerorrafia pós
miomectomia

Histerorrafia de cesariana, Anexo


Anexo parede posterior direito
esquerdo

Figura 5. Cicatriz de cesariana e miomectomia.

152 Capítulo 9
1.1.4. DIAGNÓSTICO 1.1.5. TRATAMENTO

A anamnese é sugestiva da existência de O tratamento depende do número, tamanho

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mioma, mas o exame ginecológico com o e localização dos leiomiomas, bem como da
toque bimanual permite identificar o au- idade da mulher, do seu estado de saúde,
mento do volume uterino ou a existência desejo de preservar a fertilidade e dos sinto-
de tumefacção no hipogastro de consis- mas associados. A atitude poderá ser expec-
tência dura, geralmente indolor, muitas tante no caso de pequenos miomas assinto-
vezes de contornos irregulares, e a mobili- máticos, com vigilância periódica.
zação do colo uterino transmite-se a toda
a massa (o que nem sempre sucede nos Tratamento médico
quistos do ovário). Existem várias opções de tratamento médi-
A ecografia transvaginal14 é o gold standard co cujo principal objectivo é a redução tem-
para avaliação da cavidade pélvica. A eficá- porária do volume uterino e tamanho dos
cia depende do operador e é imprecisa no miomas, já que é frequentemente ineficaz
diagnóstico diferencial entre leiomiomas, na eliminação dos miomas e na prevenção
leiomiossarcomas e adenomiose. A histe- das recorrências. O tratamento médico ba-
rossonografia melhora a sensibilidade na seia-se no facto de a concentração de recep-
detecção dos miomas submucosos15 e a tores de estrogénios e progestagénios ser
ecografia abdominal pode ser útil nas situ- maior nos miomas do que no miométrio, e
ações de úteros volumosos. A histerosco- também no facto de a actividade prolifera-
pia é uma técnica diagnóstica e terapêutica tiva e mitótica nos miomas ser superior na
particularmente útil nos casos de miomas fase secretora16.
submucosos.
A RM tornou-se um meio complementar da Tratamento com estrogénios
ecografia superando algumas limitações e progestativo
técnicas desta, dando informação precisa Estroprogestativos em combinação ou os
dos subtipos, sendo a modalidade mais progestativos isoladamente, são frequen-
precisa no diagnóstico, mapeamento e ca- temente a primeira linha de tratamento de
racterização dos leiomiomas usando as se- mulheres com miomas e hemorragia uteri-
quências T2 (Fig. 6). na anormal, pela atrofia e estabilização do
endométrio. Esta é uma medida temporária
que não reduz o tamanho dos miomas. Os
anticoncepcionais orais melhoram a menor-
ragia e não provocando crescimento dos
miomas. Estudos com progestativos mostra-
ram resultados variáveis com amenorreia, re-
solução ou melhoria da hemorragia, aumen-
to dos níveis de hemoglobina e diminuição
do volume dos miomas17.

Agonistas GnRH
(Gonadotropin-releasing hormone)
Provocam um estado de hipoestimulação
resultando em amenorreia e diminuição do
tamanho do útero e miomas, mais pronun-
Figura 6. RM: volumoso mioma intramural. ciado ao fim de três meses1,18. A desconti-

Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 153


nuidade na administração frequentemente Inibidores da aromatase
resulta no crescimento dos miomas para o É uma terapêutica promissora para mio-
seu volume original. Após terminar o trata- mas pelo seu efeito hipoestrogénico rápi-

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mento com agonistas GnRH a menstruação do, e a possibilidade de iniciar o tratamen-
recomeça em 4 a 10 semanas e o tamanho to em qualquer altura do ciclo menstrual.
do útero aumenta para níveis pré trata- Pelo efeito diferenciado na produção de
mento em três a quatro semanas. O rápido estrogénios pelo ovário e pelos miomas,
crescimento é consistente com o facto de a os inibidores da aromatase podem actuar
diminuição do tamanho não ser por efeito preferencialmente provocando diminuição
citotóxico. Também suprimem a expressão do volume dos miomas sem causar hipo-
da aromatase P450 nas células dos miomas, estrogenismo e os consequentes efeitos
diminuindo a produção de estrogénios in adversos21.
situ, contribuindo assim para a diminuição
do volume dos miomas. Moduladores dos receptores
Os sintomas provocados pelos miomas, de esteróides
como hemorragia, pressão e dor pélvica, Os moduladores selectivos dos receptores
melhoram com a terapêutica com agonistas de estrogénios (SERM) são agentes não-es-
GnRH, contudo os efeitos secundários re- teróides que se ligam aos receptores de es-
sultantes do hipoestrogenismo (sintomato- trogénio e têm efeito agonista ou antagonis-
logia vasomotora, cefaleias, secura vaginal, ta dependendo do tecido-alvo. O raloxifeno
depressão e desmineralização óssea) tor- não tem actividade agonista no endométrio.
nam esta terapêutica inapropriada para uso Na dose de 60 mg/dia associada a agonistas
prolongado, sendo um tratamento preferen- da GnRH, mostrou diminuição significativa
cial para mulheres na perimenopausa ou no no volume do útero e miomas, com melho-
período pré-operatório, no caso de anemia, ria de todos os sintomas relacionados com
para melhorar o hematócrito e diminuição estes, não havendo alteração na densidade
do volume uterino tornando assim possível mineral óssea, parecendo assim um trata-
o uso de incisão cutânea transversal, em vez mento promissor nas mulheres na pré-me-
da incisão vertical, ou permitindo a aborda- nopausa. Os sintomas mais frequentes fo-
gem por via vaginal e reduzindo a perda he- ram os afrontamentos22.
mática intra-operatória.
Moduladores dos receptores
Antagonistas da GnRH de progesterona
Bloqueiam os receptores hipofisários da O mifepristone, antiprogestativo (na dose
GnRH provocando um declínio imediato da de 25 a 50 mg/dia), reduz o número de re-
FSH (Follicle-stimulating hormone) e LH (lu- ceptores de progesterona nos miomas e no
teinizing hormone). Foram estudados dois miométrio, inibindo o ciclo ovárico, manten-
antagonistas (ganirelix e cetrorelix), mas do um estado hormonal similar ao da fase
são necessários mais estudos para avaliar folicular precoce e afectando a vascularização
o uso pré-operatório e o comportamento dos miomas. A hiperplasia endometrial pode
dos miomas após descontinuidade no tra- limitar o seu uso prolongado23.
tamento. É necessário também, nos mio-
mas, comparar a resposta dos antagonistas Moduladores selectivos
versus agonistas19,20. dos receptores de progesterona
Os efeitos secundários mais frequentes são Os SPRM exibem actividade agonista e anta-
as cefaleias e afrontamentos, que melhoram gonista com uma alta especificidade para os
após descontinuidade da medicação. receptores de progesterona e selectividade

154 Capítulo 9
tecidual. Asoprisnil é capaz de suprimir a Embolização das artérias uterinas
hemorragia uterina, inibindo o crescimento A embolização das artérias uterinas é uma
dos miomas, sem afectar a produção de es- alternativa terapêutica à cirurgia no trata-

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teróides ováricos24. mento dos miomas. Os seus resultados a
curto prazo são encorajadores. Deve ser
Terapêutica androgénica considerada em mulheres com miomas sin-
Dois medicamentos, danazol e gestrino- tomáticos a quem de outra forma seria acon-
na, foram estudados para o tratamento de selhada cirurgia mas que não são candidatas
miomas. O danazol é um derivado da 19- a cirurgia por condições médicas associadas
nortestosterona que inibe a secreção hi- ou que não aceitam a cirurgia.
pofisária de gonadotrofinas e a produção É particularmente útil no tratamento de mio-
de esteróides ováricos. O seu efeito é pre- mas intramurais27. Produz alterações isquémi-
dominantemente androgénico, com mo- cas nos miomas com consequente redução
derado efeito progestativo, e propriedades do volume uterino do mioma e melhoria sig-
antiprogestativas e antiestrogénicas. A sua nificativa dos sintomas e qualidade de vida.
eficácia no tratamento dos miomas deve-se A melhoria sintomática pode ser importan-
ao seu efeito hormonal e vascular, persis- te sem alterações marcadas no tamanho do
tindo o efeito após terminar o tratamento. mioma. Pode ser realizada sob analgesia ev.
Os efeitos androgénicos, como aumento ou epidural. Através da cateterização de uma
de peso, edemas, diminuição do volume artéria femoral, realiza-se uma arteriografia
mamário, acne, oleosidade da pele, cãibras, pélvica para definir a árvore vascular (Fig. 7).
afrontamentos e disfunção hepática, são Alterações anatómicas, espasmo arterial ou
efeitos secundários que limitam o seu uso o uso de agonistas GnRH podem dificultar a
terapêutico25. A gestrinona é um derivado cateterização das artérias. Também podem
da etinil-nortestosterona, com proprieda- ocorrer falhas pela perfusão uterina através
des antiestrogénicas e antiprogestagéni- da circulação colateral ovárica. Mesmo a em-
cas. É empregue por via oral ou vaginal nas bolização incompleta pode produzir enfarte
doses de 2,5 a 5 mg duas a três vezes por eficaz dos miomas com menos dor após o
semana, durante 4 a 24 meses. O seu uso procedimento. O procedimento demora cer-
associa-se a aumento de peso, seborreia, ca de uma hora, sendo a quantidade de radia-
acne, mialgias e artralgias. ção idêntica à de dois enemas com bário.

Sistema intra-uterino com levonorgestrel


é eficaz no tratamento da menorragia com
poucos efeitos colaterais e alta satisfação
das utilizadoras. Os efeitos colaterais do-
cumentados são hemorragia irregular, ce-
faleias, náuseas, mastalgia, acne, quistos
funcionais do ovário, depressão, aumento
de peso e algias pélvicas. Tem indicação se
o útero não tiver um tamanho superior a 12
semanas de gravidez (inferior a 11 cm de
histerometria). O efeito benéfico do levo-
norgestrel (LNG) intra-uterino é inexplicado
contrastando com os estudos que indicam
um efeito promotor de crescimento com os Figura 7. Angiografia pélvica para embolização das
progestativos26. artérias uterinas.

Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 155


As cólicas uterinas podem ser intensas, mas Tratamento cirúrgico
habitualmente melhoram com anti-inflama- Existe a possibilidade de novo crescimen-
tórios não-esteróides (AINE). to dos miomas após tratamento médico. A

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A «síndrome pós-embolização» com febre, leu- cirurgia permanece como tratamento stan-
cocitose por necrose do mioma, associado a dard para os grandes miomas sintomáticos.
náuseas, vómitos e anorexia, pode ocorrer em
até 15% das mulheres submetidas à técnica. Tratamento cirúrgico conservador
A RM é a técnica de imagem de escolha na A miomectomia é o tratamento cirúrgico de
avaliação dos miomas antes e após emboli- eleição em mulheres que desejam preservar
zação, para comparação do tamanho pré e a fertilidade ou que desejam conservar o
pós-tratamento, podendo identificar a exis- útero. A miomectomia por via abdominal é
tência de outras patologias que podem in- o procedimento de escolha no caso de mio-
fluenciar ou contra-indicar esta modalidade mas volumosos (> 10 cm) (Fig. 8), quando é
terapêutica28,29. necessária a remoção de vários miomas ou
As contra-indicações absolutas para o pro- quando existe patologia concomitante que
cedimento são: gravidez, infecção pélvica e envolva cirurgia major. A incisão transversa é
suspeita de cancro uterino ou ovárico. Como frequentemente satisfatória, podendo tentar-
contra-indicações relativas temos: coagulo- se pequenas incisões se o útero miomatoso
patias, radioterapia pélvica prévia, desejo de não está aderente às estruturas adjacentes
preservar fertilidade, pelo facto da função e pode ser facilmente mobilizado e extraído
ovárica poder ficar comprometida, e imu- através da incisão abdominal. A mulher deve
nossupressão. ser informada da possibilidade de conversão

Figura 8. Miomectomia.

156 Capítulo 9
do procedimento para histerectomia no caso triomas e abcessos tubo-ováricos são tam-
de complicações intra-operatórias. Em alguns bém massas anexiais benignas de origem
casos, a miomectomia pode ser realizada por não neoplásica31,32 (Quadro 2).

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via laparoscópica (celioscópica), tendo como A maioria dos tumores benignos do ovário
vantagem a recuperação mais rápida. A re- é assintomática e consequentemente são
moção do mioma da cavidade peritoneal é detectados como massa pélvica num exame
realizada através da morcelação electromecâ- ginecológico de rotina ou por ecografia re-
nica do mioma. A morbilidade pós-operatória alizada por outros motivos (sendo frequen-
é menor e a taxa de gravidez e recorrência são temente achados incidentais). Ocasional-
idênticas à da miomectomia por laparotomia. mente podem causar sintomas pelo efeito
Se o mioma é predominantemente submu- de massa, compressão vesical ou rectal, por
coso pode ser abordado por via vaginal e complicações (rotura ou torção) ou, no caso
deverá ser removido por histeroscopia. Mio- de tumores funcionais, pela produção hor-
mas muito volumosos (> 4-5 cm) e aqueles monal, podendo provocar metrorragias pós-
que não têm mais de 50% de protusão para menopausa ou irregularidades menstruais
a cavidade, não são bons candidatos para re- ou mesmo sinais sistémicos.
moção histeroscópica. O risco de recorrência Podem confundir-se com tumores malignos,
após miomectomia é substancial, sendo fac- e apesar de a ecografia ser a primeira técnica
tores preditivos de recorrência a existência de de imagem para investigar massas pélvicas,
miomas múltiplos e a nuliparidade30. a RM é capaz de identificar diferentes tipos
A histerectomia é o tratamento cirúrgico de- de tecidos existentes, ajudando no diagnós-
finitivo para miomas uterinos sintomáticos, tico diferencial entre massa anexial benigna
indicada nos casos de úteros volumosos com e maligna com uma sensibilidade de 88 a
múltiplos miomas, em que a mulher já não 93% no diagnóstico de malignidade33,34.
deseja preservar a fertilidade. A histerectomia A idade é provavelmente o factor mais impor-
elimina os sintomas e o risco de recorrência. tante para determinar o potencial de malig-
A indicação para histerectomia abdominal é nidade. Na pré-menarca e pós-menopausa,
primariamente a presença de outra patolo- qualquer massa anexial deve ser considerada
gia pélvica. A histerectomia vaginal está in- anormal e prontamente investigada.
dicada no caso de miomas sintomáticos em O doseamento do CA125 para avaliação pré-
úteros móveis que descem facilmente e não operatória e diagnóstico diferencial entre
são muito volumosos, depende da experiên- massas anexiais benignas e malignas é con-
cia do cirurgião e deve ser tida em atenção troverso. Depende do valor e da idade da
a eventual necessidade de morcelação/enu- mulher, sendo que em mulheres jovens (<
cleação dos miomas mais volumosos. 50 anos) pode estar aumentado nos casos de
endometriose. Um valor superior a 300 U/ml
está habitualmente associado a malignidade
2. MASSAS OVÁRICAS BENIGNAS mesmo em mulheres jovens35.
O conhecimento da causa, apresentação e
Cerca de 80% das massas anexiais são be- história natural ajuda no aconselhamento e
nignas. A maioria é de causa fisiológica, tratamento apropriado destas doentes.
por alterações no crescimento e maturação
folicular – quistos funcionais. Outras têm 2.1. QUISTOS FUNCIONAIS
origem no epitélio da superfície do ovário
(tumores epiteliais), nas células do estroma Os quistos funcionais são muito frequen-
ou nas células germinativas. Os endome- tes nas mulheres em idade reprodutiva, a

Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 157


Quadro 2. Massas anexiais benignas

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Quistos funcionais

Folicular

Corpo amarelo

Teca-luteínico

Neoplasias benignas

Epiteliais:

Cistadenoma seroso

Cistadenoma mucinoso

Tumor de Brenner (células de transição)

Células germinativas:

Teratoma quístico maduro ou quisto dermóide

Struma ovarii

Células do estroma:

Tecomas

Fibromas

Outras lesões

Endometrioma

Hidrossalpinge

Abcesso tubo-ovárico

Quistos do para-ovário

maioria não é detectada, alguns são diag- ria desaparece em 60 dias sem qualquer
nosticados quando se tornam sintomáticos, tratamento. Têm diâmetro variável entre 3
por torção, hemorragia ou num exame físi- e 8 cm, podendo ser múltiplos e aparecer
co de rotina. em ambos os ovários. São mais frequentes
em mulheres portadoras de implante con-
2.2.1. QUISTOS FOLICULARES traceptivo com etonogestrel e de sistemas
intra-uterinos com LNG.
Os quistos foliculares são consequência do Os quistos foliculares aparecem em mulhe-
desenvolvimento exagerado de um folículo res em idade fértil, com actividade ovárica.
e reflexo das alterações na produção e actu- A maioria é assintomática e são detectados
ação das gonadotrofinas resultando da au- ocasionalmente num exame de rotina. Os de
sência de ovulação e continuação do cresci- maiores dimensões podem manifestar-se por
mento folicular. Dependem da estimulação dor pélvica ou dispareunia profunda, geral-
gonadotrófica e por isso devem regredir es- mente localizada à região anatómica do ová-
pontaneamente após o cataménio. A maio- rio afectado. Podem sofrer rotura sintomática

158 Capítulo 9
ou torção. O diagnóstico confirma-se com blasto), o corpo amarelo continua a crescer
ecografia ginecológica que permite avaliar nas primeiras semanas de gravidez, poden-
as dimensões, superfície, conteúdo e vascu- do atingir dimensões que variam entre 3 e

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larização. Em casos sintomáticos, sobretudo 11 cm. A maioria dos luteomas da gravidez
quando se tem de fazer o diagnóstico dife- é um achado incidental durante a realização
rencial com gravidez ectópica, endometrio- de uma cesariana. São provavelmente uma
ma ou abcesso tubo-ovárico, a laparoscopia hiperplasia não-neoplásica dependente da
permite o diagnóstico definitivo. estimulação da gonadotrofina coriónica e
Pelo facto de ocorrer resolução espontânea há, habitualmente, regressão após o parto,
na maioria dos casos é de considerar uma ati- pelo que a excisão cirúrgica durante a cesa-
tude expectante com controlo da evolução riana não é necessária35.
cerca de oito semanas após o diagnóstico, Podem associar-se a torção do ovário cau-
para constatar se houve ou não regressão. sando dor no hipogastro e fossa ilíaca cor-
O uso de anticoncepcionais orais é frequen- respondente. A rotura de um quisto hemor-
temente recomendado mas os estudos mais rágico pode provocar um hemoperitoneu e
recentes não demonstram uma resolução irritação peritoneal, mimetizando a rotura
mais rápida quando comparado com a atitu- de uma gravidez ectópica. Tal como os quis-
de expectante36. tos foliculares, habitualmente regridem em
A aspiração de quistos do ovário tem sido cerca de dois meses. No caso de torção ou
proposta por investigadores em casos selec- rotura com hemoperitoneu, tem indicação
cionados de quistos simples e persistentes, para laparoscopia/laparotomia exploradora.
com valores de CA125 normal e sem história
familiar de cancro do ovário. 2.2.3. QUISTOS TECALUTEÍNICOS
O tratamento cirúrgico está indicado no caso
de dúvida diagnóstica, na persistência do Aparecem no caso de níveis elevados de
quisto, na torção ovárica ou se a mulher estiver gonadotrofina coriónica, por exemplo, no
sintomática. Os quistos devem ser excisados caso de mola hidatiforme e coriocarcinoma,
preservando o restante ovário com dissecção e em mulheres a fazer tratamento com HCG
cuidadosa. A via laparoscópica pode ser uma ou citrato de clomifeno. Ocorrem raramen-
opção com a vantagem cosmética e de rápida te no caso de gravidez normal. Usualmente
recuperação pós-operatória da cirurgia mini- são bilaterais. Os sintomas abdominais são
mamente invasiva, aspectos muito importan- mínimos, podendo ser descrita uma sensa-
tes, principalmente nestas mulheres jovens37. ção de peso pélvico, e a rotura de um quisto
pode provocar hemorragia intraperitoneal.
2.2.2. QUISTO DO CORPO Desaparecem espontaneamente com a ter-
AMARELO/LUTEOMA GRAVÍDICO minação da gravidez molar, tratamento do
coriocarcinoma ou paragem do tratamen-
Só aparecem em mulheres que ovulam. For- to da infertilidade, contudo esta resolução
mam-se quando a regressão das células luteí- pode demorar meses.
nicas do corpo amarelo está atrasada. Têm am- A cirurgia está indicada no caso de ocorrer
bos o mesmo significado clínico. Pode ocorrer torção ou hemorragia.
hemorragia intraquística – corpo amarelo
hemorrágico ou hematoma do corpo amarelo 2.3. TUMORES EPITELIAIS
– (podendo confundir-se com um endome-
trioma) ou rotura para a cavidade pélvica. São as neoplasias benignas mais frequentes.
Em caso de gravidez (pelo estímulo da go- Derivam da superfície do ovário que tem
nadotrofina coriónica produzida no trofo- origem no epitélio celómico (mesotélio) da

Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 159


gónada embrionária. Classificam-se em vá- 2.3.3. TUMOR DAS CÉLULAS DE TRANSIÇÃO
rios grupos com padrões histológicos especí- OU TUMOR DE BRENNER
ficos (serosos, mucinosos, tumor de Brenner,

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entre outros), de acordo com o tipo celular São muito raros; a maioria é benigna mas
predominante, e subclassificam-se quanto à existe também a possibilidade de serem ma-
benignidade de acordo com a sua arquitectu- lignos. Têm um pico de incidência entre os
ra, grau e carácter de proliferação das células 40 e 50 anos. O tratamento é cirúrgico, sen-
neoplásicas. do frequentemente um achado fortuito em
ovários extirpados por outros motivos.
2.3.1. CISTADENOMA SEROSO
2.4. TUMORES DAS CÉLULAS
São lesões benignas que ocorrem geral- GERMINATIVAS
mente entre os 20 e 30 anos. São bilaterais
em aproximadamente 10 a 15% dos casos. 2.4.1. TERATOMA QUÍSTICO MADURO
As dimensões são variáveis, usualmente
são pequenos mas podem atingir grandes Também é designado por quisto dermóide
dimensões, ocupando toda a cavidade pél- e é o tipo mais frequente. É quase sempre
vica. Frequentemente são uniloculados con- benigno, podendo sofrer transformação ma-
tendo um líquido seroso, têm superfície lisa ligna em 1 a 2% dos casos. É composto ex-
mas em certas ocasiões apresentam prolife- clusivamente por tecidos bem diferenciados
rações papilares na sua superfície, externa sem actividade mitótica.
ou interna, e não há invasão do estroma. São A forma mais frequente de apresentação é a
habitualmente assintomáticos e achados variedade quística, histologicamente predo-
acidentalmente durante o exame gineco- minando os elementos de origem ectodér-
lógico ou ecografia pélvica. O tratamento é mica, podendo conter no seu interior mate-
cirúrgico com excisão e dissecção cuidadosa rial sebáceo e pêlos (Fig. 9). Pode também
para preservação do restante ovário. encontrar-se dentes e fragmentos de osso.
São habitualmente assintomáticos excepto
2.3.2. CISTADENOMA MUCINOSO no caso de complicação como torção ou ro-
tura. A ecografia é muito precisa no diagnós-
São quistos multiloculados, geralmente uni- tico de quistos dermóides.
laterais e com conteúdo semelhante a mu-
cina, podendo alcançar grandes dimensões,
sendo os maiores tumores encontrados no
corpo humano, pelo que quanto maior o
tumor maior a probabilidade de se tratar de
um quisto mucinoso. São bilaterais em cerca
de 10% dos casos.
Geralmente são assintomáticos, apresentan-
do-se como massa abdominal, podendo as
mulheres referir desconforto. Nas mulheres
pós-menopausa, a luteinização do estroma
pode resultar em produção hormonal (usu-
almente de estrogénios) com consequente
hiperplasia endometrial e metrorragia. O
tratamento é cirúrgico, preferencialmente
por via laparoscópica. Figura 9. Quisto dermóide.

160 Capítulo 9
O tratamento é cirúrgico, quistectomia com síndrome de Meigs (massa pélvica, ascite e
cuidado para remover a cápsula para evitar a derrame pleural).
recorrência, com exploração do ovário con-

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tra-lateral pelo facto de serem bilaterais em 2.6. ENDOMETRIOMA
15% dos casos. A via preferencial de aborda-
gem é a laparoscópica. A endometriose é uma condição na qual
A rotura acidental pode provocar uma peri- glândula e estroma endometrial são encon-
tonite química. trados fora da sua localização normal na ca-
vidade uterina. A localização mais frequente
2.4.2.STRUMA OVARII é nos ovários levando à formação de quistos
(endometriomas) com diâmetro variável,
São tumores de células germinativas com- desde poucos milímetros até mais de 10 cm.
postos inteiramente ou na maioria por teci- Habitualmente estão aderentes às estruturas
do tiroideu. Em cerca de 5% dos casos pro- adjacentes e no seu interior contêm sangue
duz sintomas de tireotoxicose. com diferente coloração, dependendo do
volume e momento da hemorragia, sendo a
2.5. TUMORES DE CÉLULAS DO ESTROMA coloração castanha no caso de hemorragia
antiga – «quisto de chocolate». São mais fre-
Representam 6% das neoplasias ováricas. quentes entre os 35 e 45 anos, em nulíparas
Muitos destes tumores produzem hormonas e na raça branca35. Em mais de 50% dos ca-
excepto o mais frequente, o fibroma, que sos há envolvimento dos dois ovários.
não tem actividade hormonal. A dor pélvica é o sintoma mais frequente,
quer sob a forma de dismenorreia secundá-
2.5.1. TECOMA ria ou dispareunia profunda, mas a extensão
da endometriose não parece correlacionar-
Pode ocorrer em qualquer idade mas é mais se com a intensidade dos sintomas.
frequente na pós-menopausa. São tumores A ecografia transvaginal permite o diagnós-
produtores de estrogénios, pelo que a mani- tico (Fig. 11) e em casos seleccionados pode
festação mais frequente é a metrorragia pós- optar-se pela aspiração dos endometriomas
menopausa por hiperplasia do endométrio sob controlo ecográfico (Fig. 12), com exa-
ou metrorragia disfuncional nas mulheres me citológico do líquido aspirado, que pode
em idade reprodutora. Ocasionalmente pode levar à resolução em cerca de 84,6% dos
ocorrer adenocarcinoma do endométrio. casos38, podendo ser usados agentes escle-
Podem ser de pequenas dimensões mas po- rosantes como o álcool, a tetraciclina ou a in-
dem também atingir dimensões superiores jecção de metotrexato39,40. A exérese cirúrgi-
a 20 cm. Raramente são bilaterais. ca, preferencialmente por via laparoscópica,
O tratamento é sempre cirúrgico. deve ser o procedimento de escolha.

2.5.2. FIBROMA
3. MASSAS TUBARES
Não é produtor de hormonas. Pode ocorrer
em qualquer idade mas é mais frequente nos A distinção entre massa ovárica ou tubar,
anos que precedem a menopausa. Podem com base apenas no exame físico, é difícil.
ser achados acidentais, de pequenas dimen- Na maioria dos casos trata-se de processos
sões, mas também podem atingir grandes inflamatórios. As neoplasias com origem nas
dimensões (Fig. 10), tal como os tecomas. trompas são raras e é importante o diagnós-
São multinodulares e podem associar-se à tico diferencial com gravidez ectópica.

Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 161


162
Figura–11. Endometrioma.
Figura 10. Fibroma do ovário.

Quisto
funcional

Endometrioma

Capítulo 9
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Aspiração de
endometrioma

Figura–12. Aspiração de endometrioma sob controlo ecográfico.

3.1. HIDROSSALPINGE 3.2. ABCESSO TUBOOVÁRICO

É o resultado de salpingites de repetição Pode ocorrer a seguir ao primeiro episódio de


com oclusão do óstio tubar ou aderências uma salpingite, mas é usualmente uma con-
da extremidade distal da trompa ao ovário sequência de infecções recorrentes sobre um
adjacente, ficando o lúmen da trompa pre- tecido anexial com lesões crónicas, favoráveis
enchido por um fluido claro que vai disten- à invasão e crescimento de anaeróbios. Pode
dendo a trompa com aparecimento de uma ser secundário a gonorreia ou outros organis-
massa difícil de distinguir, no exame físico, mos, incluindo os anaeróbios, sendo habitu-
de uma massa ovárica. almente polimicrobianos. À medida que a sal-
A fluxometria Doppler ajuda a caracterizar o pingite progride, o ovário pode ser envolvido
tipo de lesão tubar, detectando uma vascu- criando um abcesso tubo-ovárico.
larização mais exuberante e de baixa resis- Os sintomas típicos são: dores pélvicas e ab-
tência no caso de abcesso tubo-ovárico, em dominais, febre, náuseas e vómitos. O exame
comparação com a do hidrossalpinge41. ginecológico pode ser extremamente dolo-
Os sintomas são frustres e o diagnóstico é fre- roso, podendo palpar-se uma massa anexial.
quentemente acidental. No caso de dúvida A rotura do abcesso provoca um abdómen
diagnóstica ou torção, o tratamento de eleição agudo. Habitualmente existe leucocitose e
é a exérese cirúrgica por via laparoscópica42. aumento da proteína C reactiva.

Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 163


A ecografia é o exame imagiológico de escolha Bibliografia
na avaliação desta situação (sendo útil a fluxo-
1. Drinville JS, Memarzadeh S. Benign disorders of the
metria Doppler)42 e também no seguimento

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
uterine corpus. Em: DeCherney AH, et al., eds. Current
da evolução (progressão, regressão, rotura). Obstetric and Gynecologic Diagnosis and Treatment.
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pecificidade (100%) mas uma sensibilidade 19. Felderbaum RE, Germer V, Ludwig M, et al. Treatment
relativamente baixa (47%) no diagnóstico of uterine fibroids with a slow-release formulation of
the gonadotrophin-releasing hormone antagonist Ce-
destes quistos35,42,44. São frequentemente trorelix. Hum Reprod. 1998;13(6):1660-8.
assintomáticos mas em situações raras a tor- 20. Flierman PA, Oberyé JJ, Van der Hulst VP, et al. Rapid reduc-
tion of leiomyoma volumen Turing treatment with the
ção pode provocar um ventre agudo com GnRH antagonista ganinelix. BJOG. 2005;112(5):638-42.
necessidade de intervenção cirúrgica. 21. Shozu M, Murakami K, Inoue M. Aromatase and leiomyo-
ma of the uterus. Semin Reprod Med. 2004;22(1):51-60.
Em casos seleccionados pode optar-se tam- 22. Palomba S, Orio Jr F, Russo T, et al. Long-term effective-
bém pela aspiração ecoguiada, com envio ness and safety of GnRH agonist plus raloxifene ad-
ministration in women with uterine leiomyomas. Hum
do líquido aspirado para exame citológico45. Reprod. 2004;19(6):1308-14.

164 Capítulo 9
23. Steinauer J, Pritts EA, Jackson R, et al. Systematic re- 36. Grimes DA, Jones LB, Lopez LM, Schulz KF. Oral contra-
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Massa pélvica (massas uterinas e anexiais benignas) 165


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10 Dor pélvica e dismenorreia

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João Bernardes

1. INTRODUÇÃO Disestesia é a percepção de uma sensação


dolorosa, que não corresponde à dor habi-
Neste capítulo, faz-se a apresentação geral tual, que pode ser descrita como uma sen-
do tema dor pélvica. Dá-se especial atenção sação de queimadura ou aperto2. Alodinia
às dismenorreias, deixando as patologias es- é a percepção de uma sensação dolorosa
pecíficas subjacentes às dores pélvicas, tais causada por um estímulo, que normalmente
como a endometriose, para capítulos pró- não produz dor, tal como o contacto com a
prios. Sendo diversas as conceptualizações, roupa ou o toque2. Hiperalgesia e hipoalge-
definições, classificações e abordagens do sia são a percepção exageradamente alta ou
tema, tratá-lo-emos da forma mais didácti- baixa da sensação de dor, respectivamente2.
ca, clínica e consensual possível, a partir de A nocicepção inicia-se nos sensores da dor,
publicações de referência. ou nociceptores, e prossegue pelas vias da
dor, que correspondem a neurónios mielini-
zados, tipo A-$, e não-mielinizados, tipo C,
2. CONCEITOS GERAIS mais finos e de condução mais lenta, no caso
da dor somática e da dor visceral, respectiva-
2.1. FISIOPATOLOGIA E TERMINOLOGIA mente1. As vias da dor viscerais e somáticas
de um mesmo dermátomo convergem para
Nocicepção é a activação das vias e dos pontos vizinhos dos cornos posteriores da
centros da dor, sendo a dor a percepção do medula espinal onde se sinapsam com os
processo nociceptivo1,2. Por isso se diz que neurónios do feixe espinotalâmico que cru-
nocicepção é sensação e que dor é sensa- zam para a região ântero-lateral da medula
ção e/ou emoção1,2. Dor e algia utilizam-se para atingirem o tálamo onde se sinapsam
normalmente de forma indistinta, embora a com o terceiro e último neurónio que atinge
palavra algia, mais associada às publicações o córtex sensorial1. A convergência de neu-
francesas, se deva aplicar preferencialmen- rónios sensoriais viscerais e somáticos, na
te nos casos em que não há causa orgâni- medula espinal, explica a dor referida, isto
ca aparente3,4. No mesmo sentido, a Direc- é a percepção de dor somática, sem causa
ção-Geral da Saúde de Portugal define dor orgânica somática, induzida por uma dor
«como uma experiência multidimensional visceral oriunda de um mesmo dermátomo1.
desagradável, que envolve não só a com- Tal convergência explica também a fisiopa-
ponente sensorial como uma componente tologia dos «pontos-gatilho» (trigger points)
emocional da pessoa que a sofre», consi- típicos da síndrome miofascial, isto é, pon-
derando-a o quinto sinal vital, que, como tos de hipersensibilidade dolorosa somática
tal, deve ser avaliada e registada de forma que ao serem tocados despertam dor visce-
apropriada (Fig. 1)5,6. ral7. As vísceras não são normalmente sede

167
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Sem Dor Dor Máxima

A Escala Visual Analógica consiste numa linha horizontal, ou vertical, com 10 centímetros de
comprimento, que tem assinalada numa extremidade a classificação “Sem Dor” e, na outra, a
classificação “Dor Máxima”.
O doente terá que fazer uma cruz, ou um traço perpendicular à linha, no ponto que representa
a intensidade da sua Dor. Há, por isso, uma equivalência entre a intensidade da Dor e a
posição assinalada na linha recta.
Mede-se, posteriormente e em centímetros, a distância entre o início da linha, que corresponde
a zero e o local assinalado, obtendo-se, assim, uma classificação numérica que será
assinalada na folha de registo.

Sem Dor Dor Ligeira Dor Moderada Dor Intensa Dor Máxima

Na Escala Qualitativa solicita-se ao doente que classifique a intensidade da sua Dor de acordo
com os seguintes adjectivos: “Sem Dor”, “Dor Ligeira”, “Dor Moderada”, “Dor Intensa” ou “Dor
Máxima”. Estes adjectivos devem ser registados na folha de registo.

0 1 2 3 4 5
(Sem Dor) (Dor Máxima)

Na Escala de Faces é solicitado ao doente que classifique a intensidade da sua Dor de acordo
com a mímica representada em cada face desenhada, sendo que à expressão de felicidade
corresponde a classificação “Sem Dor” e à expressão de máxima tristeza corresponde a
classificação “Dor Máxima”.

Figura 1. Algumas das escalas de avaliação da dor propostas pela Direcção Direcção-Geral da Saúde, Portugal.

de processos dolorosos intensos, excepto diminuir ou anular1,7,8. Este processo está for-
nos casos de distensão de vísceras ocas, mas temente relacionado com o estado físico e
podem incorrer no chamado processo de psíquico do indivíduo, onde avultam as emo-
sensibilização, num contexto inflamatório ções, a memória e outras dimensões psicoló-
ou nociceptivo repetido, tornando-se extre- gicas, mediadas por processos psicofarmaco-
mamente susceptíveis à dor1. lógicos e neuroinflamatórios, que predispõem
A percepção final da dor depende de com- à hiperalgesia, disestesia e alodinia, em que
plexos processos de modulação nociceptiva se destacam a substância P e os sistemas
e antinociceptiva, centrais e periféricos, que serotoninérgico, dopaminérgico, gabaérgico
a podem encurtar ou perpetuar, amplificar, e endorfínico, complexamente interligados

168 Capítulo 10
entre si e com as actividades nervosas corti- 2.2. EPIDEMIOLOGIA
cais, simpáticas e parassimpáticas1,7,8.
A dor aguda tem habitualmente um início A dor é o sintoma que mais frequentemente

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rápido e uma duração curta. Associa-se leva o doente ao médico, nomeadamente a
normalmente a processos fisiopatológi- dor aguda2,6. Em Portugal, a dor crónica tem
cos e etiológicos específicos, limitados uma prevalência da ordem dos 12% no ho-
no tempo, que habitualmente cedem aos mem e dos 19% na mulher, aumenta com a
analgésicos e ao respectivo tratamento idade, é maior nos casos em que a escolari-
etiológico1,7. dade é menor e é mais prevalente na região
A dor crónica envolve persistência de meca- de Lisboa e Vale do Tejo, onde poderá atin-
nismos fisiopatológicos e neuroinflamatórios gir valores médios para o homem e mulher
complexos que a perpetuam, mesmo nos da ordem dos 20%, representando as dores
casos em que aparentemente são curadas as lombares baixas 36% das causas12.
lesões que lhe deram origem, transforman- Nos quadros 2 e 3, apresentam-se as princi-
do-se em si mesma numa doença1,6. Este pais causas de dor pélvica, aguda, cíclica e
tipo de dor pode não ser susceptível de tra- crónica7,9,13.
tamento etiológico, uma vez que a sua cau-
sa é, frequentemente, desconhecida. Além 2.3. DIAGNÓSTICO
disso, são dores que cedem muitas vezes
mal, ou incompletamente, aos analgésicos A história clínica, em geral, e a anamnese,
comuns e que necessitam de uma aborda- em particular, realizadas com ênfase na em-
gem terapêutica multidisciplinar continua- patia, são o principal meio de avaliação e
da, interferindo frequentemente com a vida diagnóstico das dores pélvicas7,9,13. No qua-
pessoal, familiar e profissional1,6. dro 4, apresentam-se os principais elemen-
As dores pélvicas definem-se habitualmen- tos a colher na avaliação clínica das dores
te como dores localizadas ou referidas à pélvicas e, nas figuras 2 a 4, apresentam-se
região inferior do abdómen, pelve ou pe- propostas da International Pelvic Pain Socie-
ríneo e podem ser agudas, cíclicas ou cró- ty e da Direcção-Geral da Saúde de Portugal
nicas9-11. A nocicepção pélvica é veiculada para quantificar, qualificar e registar dados,
até aos segmentos T10-L1, L2-L5 e S2-S4 da incluindo o respectivo mapeamento em fi-
medula espinal, quando provenientes da guras destinadas a esse fim (Figs. 2 e 3)5,6,13.
regiões ovárico-uterina, vaginal ou perine- O estudo clínico deve incluir os meios ha-
al, respectivamente, pelos nervos ilio…., na bituais de exploração semiológica, meios
vertente somática, e pelos plexos hipogás- de avaliação psicológica e de qualidade
tricos superior, médio e inferiores e plexos de vida, e meios auxiliares de diagnóstico
ováricos, peri e recto-uterinos e vesical, na apropriados, sempre que necessário, desig-
vertente visceral.7. nadamente análises sanguíneas e urinárias,
Dispareunia é a dor ou desconforto com o ecografia, TC e/ou RM, cistoscopia, histeros-
coito. Vulvodinia e vestibulodinia são alo- copia, laparoscopia ou laparotomia e exa-
dinias da vulva e do vestíbulo, respectiva- mes citológicos e/ou histológicos7,9,13.
mente. Disúria e disquesia, respectivamente,
dificuldade ou desconforto ao urinar e ao 2.4. TRATAMENTO
defecar, são também sintomas frequente-
mente associados à dor pélvica4,7-11. O tratamento deve ser etiológico e sinto-
No quadro 1 apresenta-se uma classificação mático, médico e/ou cirúrgico. O tratamen-
genérica e integradora das dores pélvicas, to da dor crónica é especialmente com-
baseada na literatura4,7,9. plexo, exigindo equipas multidisciplinares

Dor pélvica e dismenorreia 169


Quadro 1. Classificação esquemática das dores pélvicas, pondo em evidência os três grupos
habitualmente considerados e a possibilidade das dores pélvicas cíclicas poderem ser agudas

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ou crónicas

Dores pélvicas agudas


Dores pélvicas cíclicas
Dores pélvicas crónicas

Quadro 2. Causas de dor pélvica aguda e cíclica, de acordo com Rapkin7

Obstétricas Ginecológicas intermitentes Ginecológicas cíclicas

Doença inflamatória pélvica aguda


Endometriose
Hemorragia ovárica intraquística

Gravidez ectópica Rotura de quisto ovárico Dismenorreia primária


Abortamento Torção anexial Dismenorreia
Síndrome de hiperestimulação ovárica secundária
Doença do trofoblasto
gestacional Torção ou degenerescência de mioma Mittelschemerz

Síndromes malformativos obstrutivos


Traumatismo pélvico
Vulvovaginite, bartholinite, vulvodinia

Urológicas Gastrointestinais Musculoesqueléticas Outras

Gastroenterite
Apendicite
Porfiria aguda
Cistite Diverticulite
Hematoma da parede
Tromboflebite aguda
Pielonefrite Doença inflamatória abdominal
intestinal Aneurisma aórtico
Litíase Hérnia
Síndrome do cólon Angina abdominal
irritável
Oclusão intestinal

especialmente preparadas para esse fim. No quadro 5, resumem-se os principais meios


Todas as possibilidades terapêuticas deve- de tratamento sintomático da dor pélvica
rão ser consideradas, incluindo as práticas e no quadro 6 os diversos patamares de
das chamadas medicinas alternativas, des- analgesia, propostos pela OMS para a abor-
de que devidamente fundamentadas6,7,9. dagem da dor crónica7,9,14. Quanto às in-
O tratamento etiológico visa a erradicação tervenções do foro psicológico e físico, há
da causa de dor e o tratamento sintomático a considerar uma vasta gama de técnicas,
a abolição ou alívio da mesma, utilizando-se que vão da intervenção psicoterapêutica
para esses fins meios farmacológicos, psico- mais simples às mais complexas interven-
lógicos, físicos e/ou cirúrgicos. ções conduzidas por equipas de psicólogos,

170 Capítulo 10
Quadro 3. Causas de dor pélvica crónica de acordo com os níveis de evidência A, B e C

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Nível de
Ginecológica Urológica Gastrointestinal Musculoesquelética Outras
evidência

Dor miofascial
Endometriose
Dor lombar ou
Tumores malignos coccígea
em estádio
Carcinoma do Defeitos posturais
avançado Neoplasia Aprisionamento
cólon
vesical Neuralgia dos de nervo
Síndrome do ová-
Obstipação ilio-hipogástricos, em cicatriz
rio remanescente Cistite
ilio-inguinais e/ou abdominal
A intersticial Doença
Síndrome de re- ilio-fémurais
inflamatória Anomalias de
tenção do ovário Cistite rádica
crónica Mialgia dos somatização
residual
Síndrome elevadores do ânus
Síndrome do Doença celíaca
Síndrome de uretral (síndrome dos
cólon irritável
congestão pélvica elevadores do ânus
e dos piriformes)
Salpingite
tuberculosa Síndrome da dor
pélvica periparto

Bridas
Hérnia do núcleo Disfunção
Mesotelioma pulposo neurológica
Dissinergia
cístico benigno
do detrusor Lombalgia Porfiria
B Leiomiomas
Divertículo Neoplasia da Herpes
Quistos uretral medula espinal ou Perturbações do
peritoneais pós- nervo sagrado sono
operatórios

Adenomiose
Dismenorreia
atípica ou dor
ovulatória
Quistos
anexiais não-
Infecção Compressão das Epilepsia
endometriósicos
urinária vértebras lombares abdominal
Estenose do colo crónica Colite
Doença articular Enxaqueca
Gravidez ectópica Cistite ou Obstrução degenerativa abdominal
crónica uretrite intestinal
Hérnias inguinais, Anomalias de
C aguda crónica
Endometrite femurais ou personalidade
recorrentes intermitente
crónica spigelianas bipolar
Litíase Doença
Pólipos Distensões Febre
diverticular
endometriais ou Carúncula musculares mediterrânica
endocervicais uretral familiar
Espondilose
Endossalpingeose
DIU
Ovário acessório
residual
Prolapso genital

Adaptado a partir da referência 9.

Dor pélvica e dismenorreia 171


Quadro 4. Aspectos a considerar na avaliação da dor pélvica, aguda e crónica

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— Anamnese
u Início e cronologia da dor, localização, irradiação, duração, tipo, intensidade, factores de alívio e
agravamento (designadamente digestivos, urinários e musculoesqueléticos)

— Antecedentes pessoais e familiares


u Médicos, cirúrgicos, ginecológicos, obstétricos, abuso físico e sexual

— Avaliação psicológica e de qualidade de vida (dor crónica)


— Exame físico completo, incluindo mapeamento de pontos-gatilho e pontos dolorosos
— Exames laboratoriais
— Ecografia
— Tomografia axial computorizada (TC) ou ressonância magnética nuclear (RM)
— Urografia intra-venosa (UIV)
— Exames endoscópicos
u Designadamente, colonoscopia, cistoscopia, histeroscopia e laparoscopia

Adaptado a partir da referência 9.

Quadro 5. Tratamentos a considerar na abordagem das dores pélvicas

— Tratamento etiológico
u Médico
u Cirúrgico

— Tratamento sintomático
u Analgésicos AINE, opióides
u Antidepressivos
u Antiepilépticos reguladores do humor
u Anovulatórios (contraceptivos orais, agonistas da GnRH, outros)
u Progestativos
u DIU com levonorgestrel (adenomiose)
u Anestésicos locais (em trajectos nervosos e pontos gatilho)
u Cirurgia de interrupção das vias da dor (neurectomia pré-sagrada e ablação dos nervos uterinos)
u Exercício
u Psicoterapia
u Terapia nutricional (vitamina B1, magnésio)
u Medicina física (exercício, massagem, estimulação nervosa transcutânea)
u Medicinas alternativas (acupunctura, aromaterapia, ervanária, campos magnéticos)

172 Capítulo 10
Quadro 6. Fármacos mais frequentemente utilizados, em dor crónica, de acordo com a escala
analgésica da OMS

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Primeiro patamar Segundo patamar Terceiro patamar

Morfina

Codeína
Di-hidrocodeína
Tramadol

Paracetamol
Aspirina
AINE

psiquiatras e especialistas em Medicina Fí- logia urinária e avaliada a possível etiolo-


sica e de Reabilitação. Em termos cirúrgi- gia obstétrica7,13.
cos, dispomos essencialmente de técnicas
de interrupção das vias da dor, tais como 3.1. PATOLOGIA OBSTÉTRICA
a ablação dos nervos uterossagrados e/ou
pré-sagrados com alguns efeitos demons- São causas frequentes de dor pélvica aguda
trados em casos de dismenorreia de locali- de causa obstétrica a patologia do aborta-
zação central7,9. mento, a gravidez ectópica e a neoplasia do
Dada a necessidade de descondicionar trofoblasto gestacional, durante o primeiro
automatismos próprios da dor crónica, os trimestre da gravidez, e o descolamento
profissionais de saúde não devem ceder à prematuro de placenta normalmente inse-
tentação de atender as doentes, em SOS, rida e a pré-eclampsia, durante o terceiro
de forma não programada e improvisada. trimestre da gravidez. O diagnóstico destas
Da mesma forma, os profissionais de saúde situações assenta essencialmente na avalia-
devem abster-se de desvalorizar futilmen- ção clínica e ecográfica e no doseamento
te as queixas das doentes e de as submeter da B-HCG plasmática7,16,17.
a intervenções cirúrgicas mutilantes mal
ponderadas, que normalmente agravam 3.2. PATOLOGIA GINECOLÓGICA
as situações de dor crónica de causa não-
cirúrgica, sabendo-se que em cerca de um 3.2.1.DOENÇA INFLAMATÓRIA
terço dos casos estas situações são de etio- PÉLVICA AGUDA
logia desconhecida4,15.
A doença inflamatória pélvica aguda provoca
algias hipogástricas e dispareunia, algias à pal-
3. DOR PÉLVICA AGUDA pação abdominal, à mobilização do colo uteri-
no e à palpação bimanual dos órgãos pélvicos,
As dores pélvicas agudas não cíclicas ou acompanhando-se frequentemente de febre,
intermitentes exigem diagnóstico e trata- aumento da velocidade de sedimentação e
mento rápido, dada a morbimortalidade PCR e/ou leucocitose. O quadro clínico instala-
potencial de muitas das situações que as se normalmente de forma súbita, sobretudo
provocam (Quadro 2)7. Na mulher em ida- quando a etiologia é gonocócica, podendo
de reprodutora deve ser sempre realizada associar-se a náuseas e vómitos. Quando cau-
uma análise de urina para rastreio de pato- sada por Chlamydia, as queixas poderão ser

Dor pélvica e dismenorreia 173


Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
Pelvic Pain Assessment Form
Physician:

Initial History and Physical Exam Date:

Contact Information
Name: Birth Date: Chart Number:
Phone: Work: Home:
Is there an alternate contact if we cannot reach you?
Alternate contact phone number:

Information About Your Pain


Please describe your pain problem:
What do you think is causing your pain?
What does your family think is causing your pain?
Do you think anyone is to blame for your pain?  Yes  No If so, who?
Do you think surgery will be necessary?  Yes  No
Is there an event that you associate with the onset of pain?  Yes  No If so, what?
How long have you had this pain?  < 6 months  6 months – 1 year  1 – 2 years  > 2 years

For each of the symptoms listed below, please “bubble in” your level of pain over the last month using a 10-point scale:
0 – no pain 10 – the worst pain imaginable

How would you rate your present pain? 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10


Pain at ovulation (mid-cycle)           
Pain level just before period           
Pain (not cramps) with period           
Deep pain with intercourse           
Pain in groin when lifting           
Pelvic pain lasting hours or days after intercourse           
Pain when bladder is full           
Muscle/joint pain           
Ovarian pain           
Level of cramps with period           
Pain after period is over           
Burning vaginal pain with sex           
Pain with urination           
Backache           
Migraine headache           

What would be an acceptable level of pain?           

What is the worst type of pain  Kidney stone  Bowel obstruction  Migraine headache
that you have ever experienced?  Labor & delivery  Current pelvic pain  Backache
 Broken bone  Surgery
 Other

© November 1999, The International Pelvic Pain Society


This document may be freely reproduced and distributed as long as this copyright notice remains intact

(205) 877-2950 www.pelvicpain.org (800) 624-9676 (if in the U.S.)

Figura 2. Primeira página do formulário para avaliação da dor pélvica preconizado e livremente distribuído pela Interna-
tional Pelvic Pain Society, onde se destacam os dados iniciais a colher na história clínica.

174 Capítulo 10
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Have you ever been hospitalized for anything besides surgery or childbirth?  Yes  No If yes, explain:

Have you had major accidents such as falls or back injury?  Yes  No
Have you ever been treated for depression?  Yes  No Treatments:  Medication  Hospitalization  Psychotherapy

Birth control method:  Nothing  Pill  Vasectomy  Hysterectomy


 IUD  Rhythm  Diaphragm  Tubal Ligation
 Condom  Other:
Is future fertility desired?  Yes  No

How many pregnancies have you had?


Resulting in (#): Full 9 month Premature Abortions (miscarriage) # living children
Any complications during pregnancy, labor, delivery, or post partum period?
 4º Episiotomy  C-section  Post-partum hemorrhaging
 Vaginal lacerations  Forceps  Medication for bleeding
 Other:

Has anyone in your family ever had:  Fibromyalgia  Chronic pelvic pain  Scleroderma
 Endometriosis  Lupus  Interstitial cystitis
 Cancer  Depression  Irritable Bowel Syndrome
 Recurrent Urinary Tract Infections

Place an “X” at the point of your most intense pain.


Shade in all other painful areas.

© 1999, The International Pelvic Pain Society

Figura 3. Destaque para folha de registo com desenho para a doente assinalar da localização das dores, incluída no formulário,
para avaliação da dor pélvica, preconizado e livremente distribuído pela International Pelvic Pain Society, referido na figura 2.

Dor pélvica e dismenorreia 175


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Physical Examination – For Physician Use Only

Name: Chart Number:

Height: Weight: BP: LMP: Temp: Resp:

ROS, PFSH Reviewed:  Yes  No Physician Signature

General:  WNL  Walk  Facial expression


 Color  Alterations in posture  Other

NOTE: Mark “Not Examined” as N/E

HEENT  WNL Chest  WNL Heart  WNL Breasts  WNL

Abdomen
 Non-tender  Incisions  Trigger Points  Ovarian point tenderness
 Inguinal tenderness  Inguinal bulge  Suprapubic tenderness  Other

Back
 Non-tender  Tenderness  Altered ROM  Alterations in posture

Extremities
 WNL  Edema  Varicosities  Neuropathy  Range of motion

Neuropathy
 Iliohypogastric  Ilioinguinal  Genitofemoral  Pudendal  Altered sensation

EGBUS/Vagina
 WNL  Lesions
 Wet prep:
 Local tenderness:
 Vaginal mucosa:
 Posterior fourchette:
 Discharge:
Cultures:
 GC  Chlamydia  Fungal  Herpes

Unimanual pelvic exam


 WNL  Cervix
 Introitus  Cervical motion
 Uterine-cervical junction  Parametrium
 Urethra  Vaginal cuff
 Bladder  Cul de sac
 R ureter  L ureter
Patient rates allodynia produced
 R inguinal  L inguinal
by Q-tip for each circle (0-4).
 Muscle awareness  Clitoral tenderness
Total Score:
Rank muscle tenderness on 0-4 scale
 R obturator
 L obturator
 R piriformis
 L piriformis
 R pubococcygeus
 L pubococcygeus
 Total pelvic floor score

© 1999, The International Pelvic Pain Society

Figura 4. Destaque para folhas de registo do exame físico incluídas no formulário, para avaliação da dor pélvica, preco-
nizado e livremente distribuído pela International Pelvic Pain Society, referido nas figuras 2 e 3.

176 Capítulo 10
mais insidiosas e mimetizar uma situação de mento das técnicas endoscópicas, continua
cólon irritável. O diagnóstico é normalmente a ser preconizada por vários autores, sendo
clínico, laboratorial e ecográfico, podendo ser tranquilizadores fluidos intraperitoneais com

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ainda necessária a laparoscopia, que terá a hematócrito inferior a 16% em situações clí-
vantagem de poder ser terapêutica. Os com- nicas estáveis. A laparoscopia justifica-se pe-
plexos tubo-ováricos, isto é, massas que en- rante dúvidas de diagnóstico clinicamente
globam trompas e ovários, sem pus colectado, relevantes ou sempre que exista indicação
têm indicação para tratamento conservador, para realização de cirurgia7.
médico e/ou cirúrgico, enquanto os abcessos
tubo-ováricos têm indicação para tratamento 3.2.4. TORÇÃO ANEXIAL
médico e cirúrgico mais radical7.
A torção anexial, com comprometimento
3.2.2. ENDOMETRIOSE vascular isquémico, provoca dor muito inten-
sa e súbita, normalmente localizada do lado
A endometriose é uma causa de dores pél- em que ocorre, com agravamento progressi-
vicas agudas, frequentemente associadas a vo, sem posição antálgica, acompanhada de
dispareunia, dismenorreia secundária e dis- náuseas e vómitos. Quadros de subtorção po-
quesia, num contexto estabelecido ou não derão ser menos exuberantes e intermiten-
de tumefacção anexial, com discreto aumen- tes, dificultando o diagnóstico e atrasando a
to do Ca-125, dores pélvicas crónicas e infer- terapêutica. As torções são normalmente
tilidade. A história clínica, que deverá incluir causadas por patologia quística ovárica e po-
a avaliação da resposta a uma terapêutica ini- dem ser desencadeadas pelo exercício físico
cial anovulatória, o exame físico, a ecografia e e pelo coito, sendo a causa mais frequente o
a laparoscopia são normalmente necessários teratoma quístico benigno, embora possam
para se estabelecer o diagnóstico. Contudo, também associar-se a ovários poliquísticos.
o diagnóstico definitivo é histológico7. Com o comprometimento vascular, a tume-
facção torna-se progressivamente maior e
3.2.3. HEMORRAGIAS INTRAQUÍSTICAS mais dolorosa. Para além da avaliação clíni-
E ROTURA DE QUISTO DO OVÁRIO ca e ecográfica convencional, poderá ser útil
estudo por ECO-Doppler para caracterização
A hemorragia intraquística e a rotura de quis- do comprometimento vascular. A laparos-
to do ovário provocam dor pélvica aguda, copia ou a laparotomia, dependendo das
por vezes muito intensa, normalmente em dimensões da massa e do contexto clínico,
mulheres ovulatórias, do lado em que ocor- justificam-se em caso de dúvida, sendo o
rem, sem febre. Estas situações podem evo- tratamento cirúrgico obrigatório perante a
luir para um quadro de hemoperitoneu e/ou confirmação do diagnóstico. Na maior parte
ventre agudo, associado ou não a síncope. dos casos é possível o tratamento cirúrgico
Os quistos funcionais foliculares ou do cor- conservador, podendo deixar-se o anexo to-
po amarelo são as causas mais frequentes, tal ou parcialmente íntegro, mesmo quando
podendo, contudo, constituírem-se como já se possam constatar aspectos sugestivos,
causas quistos orgânicos, tais como endo- mas não conclusivos, de necrose7.
metriomas, cistadenomas ou teratomas.
Excluídas as causas obstétricas, chega-se 3.2.5. SÍNDROME DE
ao diagnóstico normalmente pela avaliação HIPERESTIMULAÇÃO OVÁRICA
clínica e laboratorial, com realização de he-
mograma, PCR e ecografia. A culdocentese, A síndrome de hiperestimulação ovárica,
embora mais em desuso, com o desenvolvi- que normalmente ocorre na sequência de

Dor pélvica e dismenorreia 177


tratamentos de estimulação ovárica, pode como as causas obstétricas, devem ser sem-
originar quadros de dor aguda, hipotensão, pre também excluídas nas situações de dor
alterações hidroelectrolíticas, distensão abdo- pélvica aguda, devendo realizar-se, para tal,

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minal, aumento acentuado dos ovários, com pelo menos uma análise sumária de urina
múltiplos quistos, ascite e ventre agudo7. ou com tiras-teste a todas as mulheres com
este tipo de queixas álgicas. A cistite pro-
3.2.6. DEGENERESCÊNCIA DE MIOMAS voca algias hipogástricas que se agravam
com a palpação, associadas a disúria, sem
Os fibromiomas não provocam normalmen- febre e, por vezes, hematúria. A pielonefri-
te dores pélvicas. Contudo, a torção e/ou te associa-se frequentemente a quadros de
degenerescência de miomas, mais frequen- cistite e de litíase, mas a dor lombar é mais
te nos tumores pediculados, pode provocar persistente e acompanha-se normalmente
dispareunia, dor intensa, com agravamento de febre, arrepios, anorexia e hipersudore-
progressivo, ventre agudo, anemia, leucoci- se. A litíase urinária pode originar cólicas
tose e febre. O diagnóstico é clínico, labo- renais intensas, exacerbadas pela percus-
ratorial e ecográfico, coadjuvado, sempre são da área renal correspondente (sinal de
que necessário, pela histeroscopia e/ou la- Murphy), com irradiação para o quadrante
paroscopia. O tratamento é normalmente inferior homolateral, hipogastro e pelve,
conservador, consistindo em analgesia e acompanhando-se frequentemente de he-
observação ou cirurgia7. matúria. O diagnóstico destas situações é
clínico e laboratorial, com destaque para
3.2.7.SÍNDROMES MALFORMATIVAS a necessidade de se realizarem análises
OBSTRUTIVAS de urina (sumária, sedimento, pesquisa de
cristais e bacteriológica), justificando-se a
As síndromes malformativas obstrutivas ecografia pélvica e renovesical ou mesmo a
ocorrem normalmente em jovens e podem TC ou RM e urografia intra-venosa (UIV), em
originar criptomenorreia total ou parcial as- caso de dúvida ou persistência dos sinto-
sociada a tumefacção pélvica e/ou vaginal, mas. O tratamento destas situações é nor-
tensa e dolorosa. A avaliação clínica e eco- malmente médico, com analgesia, fluido e
gráfica é fundamental, devendo ser comple- antibioterapia7.
mentada sempre que necessário por TC ou
idealmente RM e por laparoscopia, vaginos- 3.4. PATOLOGIA GASTROINTESTINAL
copia e histeroscopia7,18.
3.4.1. APENDICITE AGUDA
3.2.8. TRAUMATISMOS ABDOMINOPÉLVICOS
A apendicite aguda é a patologia intestinal
Diversos tipos de traumatismo abdomino- que causa mais frequentemente dores pél-
pélvicos podem causar dor secundária a frac- vicas agudas na mulher. As dores começam
turas dos ossos da bacia, lesões equimóticas, por ser periumbilicais difusas, acompanha-
lacerações ou hematomas vulvoperineais e das de anorexia, náuseas e vómitos, passan-
abdominais. O diagnóstico destas situações do, mais tarde, a localizar-se na fossa ilíaca
é normalmente clínico e radiológico7. direita, com febre, arrepios e, por vezes,
obstipação. Em casos de localização menos
3.3. PATOLOGIA UROLÓGICA usual do apêndice, designadamente em
situação retrocecal, o quadro clínico pode
A cistite, pielonefrite e litíase, são causas tornar-se atípico. A dissociação térmica axi-
frequentes de dores pélvicas agudas e, tal lar-rectal, favorável à última, era tida como

178 Capítulo 10
um sinal importante, não sendo tal, contudo, RM, sem esquecer que a colonoscopia está
hoje valorizado. As algias acentuam-se com contra-indicada em caso de suspeita de per-
a palpação do ponto de McBurney e a mobi- furação intestinal7.

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lização do membro inferior homolateral. O
diagnóstico baseia-se nos achados clínicos, 3.4.5. OCLUSÕES INTESTINAIS
na detecção de desvio da fórmula leuco-
citária para a esquerda, na constatação de As oclusões intestinais causam dor e dis-
neutrofilia, com ou sem leucocitose, e na tensão abdominal difusa, precedidas nor-
ecografia pélvica, justificando-se, na dúvida, malmente de dores intensas tipo cólicas,
a realização de TC, laparoscopia ou laparo- referidas ao local de obstrução, associadas
tomia. O tratamento é cirúrgico7. a vómitos, paragem da emissão de gases e
fezes e diminuição ou abolição dos ruídos in-
3.4.2. DIVERTICULITE AGUDA testinais. Podem ser causadas por múltiplas
patologias, merecendo destaque as bridas
A diverticulite aguda é uma causa de dores intestinais pós-operatórias. A avaliação clíni-
pélvicas agudas que surgem normalmente ca deve ser complementada com a realiza-
no quadrante inferior esquerdo, num con- ção de raios X (RX) abdominal simples de pé,
texto de doença diverticular do sigmóide, onde se poderão visualizar níveis hidroaére-
mais frequente em mulheres pós-menopáu- os. Para se chegar ao diagnóstico etiológico
sicas, obstipadas ou com longa história de pode ser necessária a realização de TC ou RM
cólon irritável. Tal como acontece na apen- e laparotomia exploradora7.
dicite aguda, as dores podem associar-se a
febre, arrepios e obstipação, mas a anorexia
e os vómitos são mais raros. O diagnóstico é 4. DOR PÉLVICA CÍCLICA
clínico, laboratorial e imagiológico por TC ou
RM. O tratamento inicial é conservador, com As dores pélvicas cíclicas (Quadro 1) estão
fluidoterapia, dieta zero e antibióticos. A ci- intimamente relacionadas com o ciclo mens-
rurgia é obrigatória em caso de perfuração, trual e cedem habitualmente às terapêuticas
formação de abcesso ou fistulização7. analgésicas, ao tratamento etiológico e às
terapêuticas que interferem com o ciclo7,8,11.
3.4.3. GASTROENTERITES
4.1. MITTELSCHMERZ
As gastroenterites causam dores abdomino-
pélvicas normalmente difusas e em cólica, É a dor cíclica associada à ovulação. O
associadas a vómito e diarreia, com ou sem diagnóstico é clínico, podendo por vezes
febre. O tratamento é normalmente médico. verificar-se tradução ecográfica com vi-
sualização de líquido pélvico. Raramente
3.4.4. DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL necessita de tratamento, com analgésicos
anti-inflamatórios não-esteróides (AINE) e
A doença inflamatória intestinal pode oca- anovulatórios7,8,11.
sionar episódios de dor pélvica aguda e
crónica, associadas a quadros oclusivos ou 4.2. DISMENORREIA
suboclusivos ou à ocorrência de abcessos
ou fístulas, mais comuns na doença de Cro- Dismenorreia é a dor cíclica associada ao ca-
hn do que na colite ulcerosa. O diagnóstico taménio. É uma dor do tipo agudo que, quan-
final implica a realização de colonoscopia, do persiste por mais de seis meses, se passa a
estudos radiológicos digestivos e/ou TC ou comportar e considerar como crónica8,9.

Dor pélvica e dismenorreia 179


4.2.1. DISMENORREIA PRIMÁRIA a piorar com a idade. As dores iniciam-se
tipicamente uma a duas semanas antes do
Na dismenorreia primária, as dores pélvicas cataménio e persistem durante alguns dias,

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iniciam-se algumas horas antes ou imedia- sendo, por vezes mais intensas nos dias de
tamente depois do início do cataménio, maior fluxo menstrual. A abordagem diag-
prolongando-se por 24 a 72 horas. As dores nóstica e terapêutica visa o tratamento sin-
são hipogástricas, do tipo cólica e irradiam tomático e etiológico, exigindo a realização
para a região lombar e raiz das coxas, asso- de exames clínicos, laboratoriais e imagioló-
ciando-se muitas vezes a náuseas, vómitos, gicos adequados, incluindo a histeroscopia
hipersudorese e lipotimia, podendo fazer e a laparoscopia, sempre que necessárias,
lembrar as dores do trabalho de aborta- bem como o tratamento médico e cirúrgi-
mento ou parto. Ao contrário das dores as- co especifico apropriado. A endometriose,
sociadas aos quadros de irritação peritone- a adenomiose e os DIU (com cobre), estão
al, podem melhorar com a pressão e com o entre as causas mais frequentes de disme-
movimento. A dismenorreia primária é típica norreia secundária7,19.
das adolescentes ou mulheres ovulatórias
jovens, surgindo na altura da menarca, e
tende a melhorar com a idade. Associa-se a 5. DOR PÉLVICA CRÓNICA
um aumento relativo da produção de ácidos
gordos W-6/W-3 a nível do endométrio, após As dores pélvicas crónicas definem-se como
a ovulação, que se libertam com a descida dores pélvicas não cíclicas com duração su-
de produção da progesterona imediatamen- perior a três meses ou dores pélvicas cíclicas
te antes do cataménio, dando origem a vá- com duração superior a seis meses. Têm uma
rios tipos de leucotrienos e prostaglandinas, prevalência da ordem dos 15 a 20%, na mu-
nomeadamente PGF2-α (Prostaglandinas F2 lher adulta, representando cerca de 10% das
alga). Estas substâncias provocam contrac- consultas de ginecologia, 30 a 40% das lapa-
ção miometrial e vasoconstrição levando a roscopias (celioscopias) e 10 a 20% das his-
isquemia tecidual local associada a dor tipo terectomias. Colocam-nos perante o proble-
cólica, tipicamente mais intensa no primeiro ma do diagnóstico e tratamento das dores
dia do cataménio. O diagnóstico é essencial- crónicas em geral, que são frequentemente
mente clínico, depois de excluídas, clínica, persistentes, mesmo quando identificadas e
laboratorial e ecograficamente, causas orgâ- tratadas as situações em que as causas são
nicas que possam provocar dores do mes- conhecidas, interferem com a actividade
mo tipo. Poderá registar-se dor à palpação pessoal, familiar e profissional da doente e
hipogástrica, mas a mobilização bimanual exigem uma abordagem multidisciplinar
do útero não deverá ser significativamente prolongada4-11.
dolorosa. O tratamento a curto prazo assen-
ta na utilização de AINE associados ou não à 5.1. PATOLOGIA GINECOLÓGICA
prescrição a médio e longo prazo de anovu-
latórios7,8,15,19,20. 5.1.1. ENDOMETRIOSE

4.2.2. DISMENORREIA SECUNDÁRIA A endometriose, já referida a propósito das


dores pélvicas agudas, encontra-se em 15 a
A dismenorreia secundária é provocada por 40% das doentes que realizam laparoscopia
patologia diversa, tal como pólipos, fibromio- por dor pélvica crónica, sendo a endome-
mas submucosos, endometriose, adenomio- triose profunda e infiltrativa, que envolve
se e anomalias uterinas obstrutivas e tende o septo rectovaginal e os ureteres, a causa

180 Capítulo 10
mais frequente de dor. Contudo, não há cor- lação. O tratamento cirúrgico é frequente-
relação entre o estádio da doença e as quei- mente necessário7.
xas álgicas, que não ocorrem em 30 a 50 %

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das doentes com endometriose7-9. 5.1.4. SÍNDROME DE RETENÇÃO
DO OVÁRIO RESIDUAL
5.1.2. BRIDAS PÉLVICAS ADERÊNCIAS
A síndrome de retenção do ovário residual
A seguir à endometriose, as bridas pélvicas resulta de uma histerectomia com conserva-
são a segunda observação mais frequen- ção de anexos, em que os ovários são bem
te nas doentes em que se realiza uma la- identificados. As dores pélvicas crónicas, po-
paroscopia para estudo de dores pélvicas dem acompanhar-se de dispareunia e têm
crónicas, sendo, contudo, controversa a sua normalmente um agravamento cíclico, asso-
aceitação como causa desencadeante, que ciado à ovulação, localizando-se do lado em
deverá ser considerada apenas depois de que se situa o tecido ovárico. O diagnóstico
excluídas outras situações. A sintomatologia é clínico e ecográfico.
dolorosa pode ser atípica e inconsistente,
parecendo relacionar-se com problemas de 5.1.5. DOENÇA INFLAMATÓRIA
motilidade e distensão intestinal associada a PÉLVICA SUBAGUDA OU CRÓNICA
bridas fibrosas densas. Os antecedentes de
laparotomia e a diminuição da mobilidade A doença inflamatória pélvica subaguda ou
dos órgãos pélvicos ao exame ginecológico crónica é uma causa de dores pélvicas cró-
são a favor do diagnóstico. A laparoscopia, nicas, que ocorre normalmente num contex-
convencional, ou a microlaparoscopia, sob to de antecedentes de doença inflamatória
anestesia local, para eventual mapeamento pélvica aguda, associando-se normalmente
da dor, são necessárias quando não é possí- a dispareunia e dor à mobilização dos ór-
vel excluir o diagnóstico7-9. gãos pélvicos. O diagnóstico e o tratamento
baseiam-se na avaliação clínica, ecográfica e
5.1.3. SÍNDROME DO OVÁRIO laparoscópica ou laparotómica7-10.
REMANESCENTE
5.1.6. SÍNDROME DE CONGESTÃO PÉLVICA
A síndrome do ovário remanescente resul-
ta de uma ressecção ovárica incompleta, A síndrome de congestão pélvica carac-
normalmente num contexto de ooforecto- teriza-se por dor pélvica crónica, após a
mia difícil, que origina retenção de tecido ovulação, e para além desta, dispareunia,
ovárico remanescente entre bridas com dismenorreia secundária, fadiga crónica,
ou sem a formação de quistos de retenção síndrome do cólon irritável, aumento do
dolorosos. volume e da sensibilidade uterina, hiper-
No caso de síndrome de ovário remanescen- menorreia e, por vezes, ovários multiquís-
te, os doseamentos de FSH (Follicle-Stimula- ticos e dolorosos. Para confirmação do
ting Hormone ou Hormona Folículo-Estimu- diagnóstico pode recorrer-se à venografia
lante) e estradiol podem ajudar a esclarecer transuterina, ecografia com fluxometria,
o diagnóstico, bem como o tratamento com RM e laparoscopia, devendo notar-se que
100 mg/dia durante cinco dias com citrato o simples achado de varicosidades pélvi-
de clomifeno pode facilitar a visualização cas assintomáticas é frequente não sendo
ecográfica, laparoscópica ou laparotómica suficiente para estabelecer o diagnóstico.
do tecido ovárico. Também podem ser úteis O tratamento deve iniciar-se pela tentativa
provas terapêuticas com inibidores da ovu- de supressão hormonal, designadamente

Dor pélvica e dismenorreia 181


com estroprogestativos de baixa dosagem, anestesia. A abordagem terapêutica passa
30 mg/dia de acetato de medroxiprogeste- pela utilização de anti-espasmódicos, anti-
rona ou agonistas da GnRH (gonadotrophic inflamatórios, antidepressivos tricíclicos,

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releasing hormone ou factor de libertação hiperdistensão vesical ou instilações intra-
gonadotrófico). Como segunda linha, deve vesical repetidas com heparina e lidocaína,
considerar-se a embolização das veias pél- biofeedback e terapia comportamental7-10.
vicas e a histerectomia, quando não houver
outra alternativa e não existir o desejo de 5.3. PATOLOGIA GASTROINTESTINAL
ter mais filhos7-9.
A síndrome do cólon irritável é uma pato-
5.2. PATOLOGIA UROLÓGICA logia funcional que causa frequentemente
dores pélvicas crónicas, podendo ocasionar
5.2.1. SÍNDROME URETRAL também episódios de dor aguda e mesmo
dispareunia. O diagnóstico baseia-se na ex-
A síndrome uretral caracteriza-se por des- clusão de patologia orgânica e na presença
conforto suprapúbico, disúria, polaquiúria, de dor ou desconforto abdominal durante
urgência miccional, e por vezes dispareunia, pelo menos 12 semanas, não necessariamen-
na ausência de patologia urológica subjacen- te consecutivas, nos 12 meses precedentes e
te óbvia, associando-se e/ou confundindo-se pelo menos dois dos três critérios seguintes:
frequentemente com situações de patologia alívio com as dejecções, início associado a
do pavimento pélvico, vulvovaginites infec- alteração da frequência das dejecções, início
ciosas, atróficas ou irritativas. O diagnóstico, associado a alteração de aspecto das dejec-
de exclusão, é clínico, laboratorial e cistoscó- ções (Quadro 7). O tratamento é médico7,9,15.
pico. Esgotados os tratamentos de situações
concomitantes óbvias, infecciosas, irritativas 5.4. PATOLOGIA NEUROLÓGICA
ou atróficas, deve tentar-se um ciclo de an- E MUSCULOESQUELÉTICA
tibioterapia com doxiciclina ou eritromicina,
seguido ou não de antibioterapia profilácti- 5.4.1. APRISIONAMENTO
ca de longa duração e estrogenioterapia du- DE TRAJECTOS NERVOSOS
rante pelo menos dois meses. Como último
recurso, restam as dilatações uretrais e as O aprisionamento de trajectos nervosos, de-
técnicas de biofeedback7-10. signadamente por cicatrizes, pode provocar
dor crónica tipo queimadura e parestesias
5.2.2. CISTITE INTERSTICIAL nos territórios por eles inervados. Os nervos
mais frequentemente envolvidos são os ilio-
A cistite intersticial é uma entidade clínica hipogástricos e ilio-inguinais, nas cicatrizes
de etiologia desconhecida que pode ser de laparotomia e laparoscopia, os genitofe-
responsável por dor suprapúbica, uretral e murais e femurais, nas cirurgias pélvicas pro-
perineal, polaquiúria, noctúria e síndrome longadas e mais radicais e os pudendos, nas
uretral. O diagnóstico é clínico, laboratorial cirurgias do pavimento pélvico7,9,13.
e cistoscópico. São a favor do diagnóstico a
hipersensibilidade à repleção vesical e a po- 5.4.2. SÍNDROME MIOFASCIAL
sitividade do teste intravesical do potássio,
registadas sem anestesia, e o aparecimento A síndrome miofascial caracteriza-se pela exis-
de hemorragias submucosas, glomerulações tência de pontos-gatilho (trigger points) que
e úlceras de Hunner secundárias à hiperdis- correspondem a zonas estreitas de dor referi-
tensão vesical cistoscópica, realizada sob da e hiperirritabilidade muscular esquelética

182 Capítulo 10
Quadro 7. Critérios Roma II de diagnóstico da síndrome do cólon irritável

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— Dor ou desconforto abdominal durante pelo menos 12 semanas, não necessariamente consecutivas,
nos 12 meses precedentes e pelo menos dois dos três3 critérios seguintes :
u Alívio com as dejecções.
u Início associado a alteração da frequência das dejecções.
u Início associado a alteração da forma (aspecto) das dejecções.

dolorosas à palpação, desencadeadas por re- dor pélvica, pelo que devem ser sistematica-
flexos patogénicos originados em vísceras ou mente rastreados9.
músculos situados nos mesmos dermátomos. O teste de Carnett consiste em avaliar a dor
A pressão dos pontos-gatilho dolorosos, que após contracção dos músculos abdomi-
podem ser abolidos pela injecção de anestési- nais, despertada pela elevação da cabeça
cos locais, desencadeia os sintomas dolorosos ou dos membros inferiores, em posição su-
viscerais referidos pelos doentes7,9,13. pina. Se a dor aumentar o teste é a favor de
dor de causa musculoesquelética ou neu-
5.4.3. FIBROMIALGIA rogénica7,13,22.

A fibromialgia caracteriza-se por dor mio- 5.5. FACTORES PSICOLÓGICOS


fascial difusa, fadiga generalizada e sono
não reparador, associada à presença de A dor pélvica crónica associa-se a anteceden-
pontos dolorosos nos quatro quadrantes, tes de abuso físico ou sexual e a depressão,
parecendo corresponder a um processo de melhorando normalmente com psicoterapia
sensibilização do sistema nervoso central à e tratamento com antidepressivos7,9.
dor crónica. O diagnóstico destas síndromes
é essencialmente clínico e o tratamento ba-
seia-se em terapias comportamentais, utili- 6. SUMÁRIO E CONCLUSÕES
zação de AINE, antidepressivos e benzodia-
zepinas7,9,13. As dores pélvicas podem ser divididas em
três entidades clínicas distintas: as dores pél-
5.4.4. LOMBALGIAS vicas agudas não cíclicas ou intermitentes,
as dores pélvicas cíclicas e as dores pélvicas
As lombalgias, quando isoladas, raramente crónicas.
resultam de patologia ginecológica, embora As dores pélvicas agudas, não cíclicas ou
se possam a ela associar. São normalmente intermitentes, são normalmente sintomas
de etiologia musculoesquelética e agravam- de processos fisiopatológicos e etiológicos
se com a fadiga, o esforço e o trauma. A ava- específicos, que cedem aos analgésicos e
liação diagnóstica destas situações obriga ao respectivo tratamento etiológico. A reali-
a uma exploração cuidadosa de aspectos zação de um teste imunológico de gravidez
relacionados com a postura e com a possi- deve ser considerada sempre que faça sen-
bilidade de patologia ortopédica ou reuma- tido o diagnóstico diferencial entre causa
tológica7,9,13. obstétrica ou não-obstétrica.
As hérnias da parede abdominal e os pro- As dores pélvicas cíclicas estão intimamente
lapsos urogenitais também podem causar relacionados com o ciclo menstrual, cedem

Dor pélvica e dismenorreia 183


habitualmente às terapêuticas analgésicas, 3. Instituto Antônio Houaiss de Lexicografia Portugal. Di-
cionário Houaiss da língua portuguesa. Lisboa : Círculo
ao tratamento etiológico e a fármacos que de Leitores ; 2002.
interfiram com o ciclo, tais como anovulató- 4. Fritel X, Fauconnier A, Chapron C. Algies pelviennes

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
chroniques de la femme. Orientation diagnostique et
rios e agonistas da GnRH. conduite à tenir. Encyclopédie Médico-Chirurgicale
As dores pélvicas crónicas envolvem meca- (Elsevier SAS, Paris). 2006;162-A-10:1-8.
5. Direcção-Geral da Saúde. A Dor como 5.o sinal vital.
nismos fisiopatológicos complexos e persis- Registo sistemático da intensidade da Dor. Circular
tentes de reacção a dores de causa frequen- Normativa N.o 09/DGCG; 14/06/2003.
6. Direcção-Geral da Saúde. Programa Nacional de Controlo
temente desconhecida, podendo não ser, por da Dor. Circular Normativa N.o 11/DSCS/DPCD; 18/06/08.
isso, susceptíveis de tratamento etiológico. As 7. Rapkin AJ, Howe CN. Pelvic Pain and Dysmenorrhea.
Em: Novak E, Hillard PA, Berek JS, eds. Novak’s Gynecol-
dores pélvicas crónicas são debilitantes, po- ogy. Lippincott, Williams & Wilkins; 2002.
dem afectar todos os aspectos físicos, psíqui- 8. Gunter J. Chronic pelvic pain: an integrated approach
to diagnosis and treatment. Obstet Gynecol Surv.
cos e sociais da vida das doentes e cedem fre- 2003;58:615-23.
quentemente mal ou incompletamente aos 9. ACOG Practice Bulletin. Chronic pelvic pain. Obstet
Gynecol. 2004;103:589-605.
analgésicos comuns, necessitando habitual- 10. http://www.acog.org/publications/patient_educa-
mente de uma abordagem terapêutica mul- tion/bp099.cfm [acesso em 1 de Julho de 2009].
11. Steege JF. Chronic pelvic pain and dyspareunia. Em:
tidisciplinar continuada. Dada a necessidade Seltzer VL, Pearse WH, eds. Women’s Primary Health
de descondicionar automatismos próprios da Care: Office Practice & Procedures. International Edi-
tion. Nova Iorque: McGraw-Hill; 1995.
dor crónica, os profissionais de saúde não de- 12. Paixão E, Dias CM. Dor crónica na população portu-
vem ceder à tentação de atender as doentes, guesa: alguns resultados do 4.o Inquérito Nacional de
Saúde. Observações. Instituto Nacional de Saúde Dr.
em SOS, de forma não programada e impro- Ricardo Jorge; 2008. p. 41.
visada. Da mesma forma, os profissionais de 13. Howard F. Evaluation of chronic pelvic pain in women.
Em: Barbieri RL, Barss VA, eds. www.uptodate.com
saúde devem abster-se de desvalorizar futil- [acesso em 17 de Janeiro de 2009].
mente as queixas das doentes e de as subme- 14. Agustin LC. Cuidados Paliativos y manejo del dolor en
ginecología oncológica. Em : Sociedad Española de
ter a intervenções cirúrgicas mutilantes que Ginecología y Obstetricia, eds. Tratado de Ginecolo-
podem agravar as situações de dor crónica de gia, Obstetrícia y Medicina de la Reprodución. Madrid:
Médica Panamericana; 2003. p. 1662-9.
causa não cirúrgica. 15. Dysmenorrhea and chronic pelvic pain. Em: Beckmann
O diagnóstico diferencial das dores pélvicas CRB, Ling F, Smith RP, Barzansky BM, Herbert WNP,
Laube DW, eds. Obstetrics and Gynecology. Baltimore:
implica a consideração obrigatória de situa- Lippincott Williams & Wilkins; 2006. p. 407-16.
ções do foro obstétrico, ginecológico, diges- 16. Ayres-de-Campos D. Gravidez ectópica não rota
– diagnóstico e orientação terapêutica. Em: Ayres-de-
tivo, urológico, osteoarticular, neurogénico e Campos D, Montenegro N, Rodrigues T, eds. Protocolos
psicogénico. de Medicina Materno-Fetal. Porto: Lidel; 2008. p. 50-1.
17. Ayres-de-Campos D, Loureiro T, Montenegro N. Placenta
A dor psicogénica é um diagnóstico de exclu- prévia – diagnóstico e tratamento. Em: Ayres-de-Cam-
são. Implica que todas as outras possíveis cau- pos D, Montenegro N, Rodrigues T, eds. Protocolos de
Medicina Materno-Fetal. Porto: Lidel; 2008. p. 129-30.
sas tenham sido devidamente escrutinadas. 18. Madureira AJ, Mariz CM, Bernardes J, Ramos IM. Case 94:
Uterus didelphys with obstructing hemivaginal septum
and ipsilateral renal agenesis. Radiology. 2006;239:602-6.
19. Smith RP, Kaunitz AM. Pathogenesis, clinical manifesta-
Bibliografia tions and diagnosis of primary dysmenorrheal in adult
women. Em: Barbieri RL, Barss VA, eds. www.uptodate.
1. Fields HL, Martin JB. Pain: pathophysiology and man- com [acesso em 30 de Janeiro de 2009].
agement. Em: Howard L, Kasper DL, Braunwald E, et 20. Sanfilippo J, Erb T. Evaluation and management of
al., eds. Harrison’s Principles of Internal Medicine. Nova dysmenorrhea in adolescents. Clin Obstet Gynecol.
Iorque: McGraw-Hill; 2005. 2008;51:257-67.
2. Kanner R. Office assessment and management of 21. Bernardes J, Martinho M. Isteroscopia e adenomiosi.
pain. Em: Seltzer VL, Pearse WH, eds. Women’s Primary Giorn It Ost e Gin. 2002;24:14-5.
Health Care: Office Practice & Procedures. International 22. Calado E, Martinez-de-Oliveira J. A manobra de Car-
Edition. Nova Iorque: McGraw-Hill; 1995. nett: simples e clarificadora. Arq Med. 2005;19:203-5.

184 Capítulo 10
11 Doença inflamatória pélvica

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Ondina Campos

1. INTRODUÇÃO se diagnostica apenas um em cada três ca-


sos. Por outro lado, quando a sintomatologia
Doença inflamatória pélvica (DIP) é a desig- existe mas não é muito exuberante, grande
nação habitualmente utilizada para descre- parte das doentes são assistidas no âmbito
ver um quadro clínico caracterizado pela dos cuidados primários de saúde ou mesmo
existência de um processo inflamatório dos no sector privado; nesses casos, há maior
órgãos genitais internos da mulher. dificuldade em serem realizados os exames
Na maior parte dos casos existe um quadro laboratoriais em que se apoia a pesquisa de
infeccioso, ascendente, que ao avançar para doenças sexualmente transmissíveis, e daí a
além do endocolo, pode ficar confinado falha na completa caracterização de um caso.
apenas a um órgão (endometrite, salpingite, Contudo, a DIP continua a ser uma doença
ooforite), às estruturas ligamentosas de su- frequente e com consequências graves na
porte (parametrite) ou ter um envolvimento mulher em idade reprodutiva19. Apesar dos
múltiplo em simultâneo. dados mais recentes demonstrarem que a
A DIP é uma inflamação aguda ou cróni- sua incidência está em declínio nos países
ca que representa, muitas vezes, uma das mais desenvolvidos, as suas sequelas na fer-
complicações das doenças de transmissão tilidade não diminuíram.
sexual, nomeadamente as causadas por No Reino Unido, cerca de uma em cada 50
Chlamydia trachomatis e a Neisseria gonor- mulheres sexualmente activas terão uma
rhoeae14. Poderão estar em causa outros DIP por ano. Nos EUA, segundo os dados
agentes como sejam os provenientes da do CDC (Centers for Disease Control and Pre-
flora vaginal endógena (aeróbica e anaeró- vention), mais de um milhão de mulheres é
bica como o Bacteroides fragilis), agentes as- tratada anualmente por DIP e pressupõem
sociados à vaginose bacteriana (Gardnerella que o mesmo número terá a doença sem o
vaginalis, Mycoplasma hominis, etc.) e, ainda, saber15,19 (Fig. 1).
o Mycobacterium tuberculosis. A Chlamydia trachomatis é sem dúvida o agen-
te causal mais frequente na DIP, calculando-
se que esteja presente em cerca de 85% dos
2. EPIDEMIOLOGIA casos tratados. Alguns autores8 calcularam
a probabilidade de contágio entre parceiros
A incidência da DIP é muito difícil de deter- sexuais, referindo ser de 45% da mulher para
minar. Por um lado, muitos casos decorrem homem e de 56% do homem para mulher.
de forma insidiosa ou mesmo assintomática Outros, como Quinn TC, et al., afirmam poder
e só se detectam mais tarde pelas sequelas atingir 68% em ambos os casos14.
que ocasionam, principalmente a esterilida- Em 2006, o CDC nos EUA (incluindo os 50
de; Larissa Hirsch chega mesmo a afirmar que estados e o distrito da Columbia), registou

185
Rate (per 100,000 population)

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
600
Men
Women
480 Total

360

240

120

Figura 1. Chlamydia – taxa de incidência total e por sexo: EUA, 1987-200619.


Department of Health and Human Services – Centers for Disease Control and Prevention National Center for HIV, Viral
Hepatitis, STD, and TB Prevention Division of STD Prevention Atlanta, Georgia 30333 http://www.cdc.gov/std.

1.030.911 infecções por Chlamydia tracho- responsável por 20-35% das infecções pel-
matis, e 358.366 casos de Neisseria Gonor- vigenitais. O grupo etário onde a infecção é
rhoeae. No entanto, a sua prevalência tem mais prevalente é a dos 20 aos 24 anos19.
vindo a diminuir nas regiões em que foram
instalados programas de rastreio. As hospi-
talizações por DIP diminuíram de cerca de 3. FACTORES DE RISCO
200.000 em 1982 para 28.000 em 200119.
Também no Canadá, entre 1984 e 1994, a A maioria dos casos de DIP é o resultado de in-
taxa de incidência diminuiu de 386 para 125, fecções ascendentes, do tracto genital inferior
por 100.000 mulheres em idade reprodutiva. para o superior. Contudo, algumas circunstân-
Na Suécia, o registo de infecções por Chla- cias podem facilitar o seu aparecimento5.
mydia trachomatis diminuiu de 28,4% em
1985 para 7,7% em 1994. Também se veri- 3.1. IDADE
ficou uma redução significativa da Neisseria
Gonorrhoeae neste mesmo período10. A idade constitui o maior factor de risco para
A doença causada por Neisseria Gonorrho- uma DIP. Nas mulheres jovens, entre os 15 e
eae localiza-se principalmente no tracto os 25 anos, o risco é tanto maior quanto mais
genital inferior, sendo por vezes a infecção precoce o início da actividade sexual5,14. Cal-
inicial subclínica ou mesmo assintomática cula-se que uma em cada oito adolescentes
até surgirem as complicações. Quando tra- irá desenvolver uma DIP, por diversas causas:
tada atempadamente, podem prevenir-se imaturidade do epitélio cervical, frequência
sequelas resultantes de uma salpingite que e número de parceiros sexuais, a não utiliza-
tem um grave prognóstico para a fertilidade ção de preservativos, a toma de contracepti-
futura. Nos EUA, as autoridades sanitárias vos orais (CO). Também a mulher cujo parcei-
acreditam que este agente infeccioso atinge ro tenha mais que uma parceira sexual está
mais de 700.000 pessoas por ano e possa ser mais sujeita às infecções (Fig. 2).

186 Capítulo 11
Men Rate (per 100,000 population) Women

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3000 2400 1800 1200 600 0 Age 0 600 1200 1800 2400 3000

11.6 10-14 121.5


545.1 15-19 2862.7
856.9 20-24 2797.0
480.8 25-29 1141.2
222.2 30-34 415.7
120.8 35-39 174.2
65.1 40-44 69.0
27.8 45-54 25.6
9.1 55-64 6.8
2.8 65+ 2.2
173.4 Total 517.0

Figura 2. Chlamydia – taxa de incidência por idades e sexo: EUA, 200619.


Department of Health and Human Services Centers for Disease Control and Prevention National Center for HIV, Viral Hepa-
titis, STD, and TB Prevention Division of STD Prevention . Atlanta, Georgia 30333 .http://www.cdc.gov/std.

A mulher jovem com infecções do tracto ge- higiene e, obviamente, a uma maior incidên-
nital inferior tem mais probabilidades de de- cia de DST. Com alguma frequência encon-
senvolver uma DIP pelo tempo de possível ex- tram-se trabalhos publicados (principalmente
posição e reinfecção. Alguns autores indicam nos EUA) referindo diferentes incidências de
ainda uma causa hormonal, especialmente DIP provocadas por Chlamydia trachomatis
nas adolescentes, porque apresentam ciclos nas mulheres de várias raças19 (Fig. 3).
anovulatórios frequentes14. A progesterona, O estudo aprofundado dessas diferenças
com a sua função de espessamento do muco mostra, no entanto, que elas são mais provo-
cervical, dificultaria a ascensão das bactérias. cadas pelos diferentes níveis socioeconómi-
A utilização dos contraceptivos orais (CO) é cos das diferentes raças do que pela cor da
um tanto controversa pois, se por um lado pele propriamente dita.
parecem favorecer a transmissão das doen-
ças sexualmente transmissíveis (DST), o mes- 3.3. ANTECEDENTES GINECOLÓGICOS
mo não acontece com a DIP. As mulheres que E OBSTÉTRICOS
tomam CO apresentam alterações do muco
cervical que tem importância na difusão dos Este é um grupo heterogéneo e onde se
agentes infecciosos para o tracto genital su- encontram situações que vão desde ma-
perior – apesar dessa difusão ser possível, nipulações uterinas recentes (aplicação de
ela é substancialmente menos grave. dispositivo intra-uterino [DIU], histeroscopia,
curetagem, etc.) a partos recentes, interrup-
3.2. NÍVEL SOCIOECONÓMICO ções de gravidez e até à utilização de duches
vaginais. Neste último caso é frequente a des-
As mulheres com baixo nível socioeconómico truição da flora normal da vagina com o favo-
estão mais frequentemente associadas a com- recimento da progressão de outras bactérias
portamentos de promiscuidade, menor aces- até ao tracto genital superior. Nestas mulhe-
so a cuidados médicos, deficientes hábitos de res, Ness, et al., encontraram mesmo uma

Doença inflamatória pélvica 187


Rate (per 100,000 population)

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1700
American Indian/AK Native
Asian/Pacific Islander
Black
1360 Hispanic
White

1020

680

340

Figura 3. Chlamydia – taxa de incidência por raças e etnias: EUA, 1997-200619. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN
SERVICES Centers for Disease Control and Prevention National Center for HIV, Viral Hepatitis, STD, and TB Prevention Division of
STD Prevention . Atlanta, Georgia 30333. http://www.cdc.gov/std.

maior incidência de endometrites por Chla- bicos e cocos anaeróbicos que se encontram
mydia Trachomatis e Neisseria Gonorrhoeae17. principalmente nas infecções tardias e na
formação de abcessos.
O Bacterioides fragilis é o agente mais frequen-
4. ETIOPATOGENIA temente encontrado nos abcessos tubo-ová-
ricos, nas infecções pélvicas pós-operatórias
A ocorrência de uma DIP pode processar-se e nas infecções pós-parto11. O abcesso pél-
de três modos1: vico constitui um mecanismo de defesa do
— Via linfática: típica do pós-parto, pós- hospedeiro de modo a controlar a dissemina-
aborto e, por vezes, após aplicação de ção da infecção. Nestes casos é fundamental
DIU. Ocasiona frequentemente uma ce- a identificação dos agentes patogénicos em
lulite parametrial. causa para uma terapêutica correcta.
— Via hematogénea: rara, podendo ser uma
das vias na tuberculose (TB) genital.
— Via ascendente: é a mais frequente, assim 5. QUADRO CLÍNICO
como a origem de endometrites, salpin-
gites, salpingo-ooforites e peritonites. O Geralmente os sintomas e sinais ocorrem
intervalo de tempo entre a contamina- durante ou após a menstruação, mas po-
ção e o aparecimento dos sintomas vai dem surgir alguns dias ou semanas após
geralmente de dois a quatro dias mas o contágio duma DST. Para além das situa-
pode chegar a um mês. ções referidas em 3 (via ascendente) e pelo
A maioria destas infecções são polimicrobia- facto de a DIP ter um carácter recidivante,
nas, com associação de bactérias aeróbicas é sempre necessário fazer uma história
e/ou anaeróbicas, presentes na flora vaginal clínica pormenorizada para averiguar a
normal. Entre elas incluem-se Bacterioides existência de possíveis episódios prévios
fragilis, Escherichia coli, estreptococos aeró- semelhantes4,13.

188 Capítulo 11
5.1. SINTOMAS dispareunia. Pode suspeitar-se de recorrên-
cia ou reinfecção se os sintomas e sinais sur-
— Dor pélvica: com início agudo ou insidio- gem antes de seis semanas após tratamento

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so é, na maior parte das vezes, bilateral. inicial de uma DIP. Nestes casos, a tensão
Aumenta durante as relações sexuais e abdominal da pélvis e a dor ocasionada com
pode traduzir-se por uma sensação de o exame ginecológico não são tão intensas
peso na pélvis ou dor forte, posterior, como na infecção aguda. Podem palpar-se
que por vezes irradia aos membros infe- formações anexiais (salpinge) ou espessa-
riores. O começo da dor durante ou logo mentos parametriais.
após a menstruação, é característico des- O abcesso tubo-ovárico pode ser uma com-
te quadro clínico. plicação precoce ou sequela de uma DIP.
— Corrimento vaginal, tipo purulento, com Surge em cerca de 10-15% dos casos hospi-
ou sem cheiro: que acompanha a maioria talizados, apesar de nem todas as doentes
das infecções. referirem uma história de infecção genital.
— Disúria e dispareunia: sintomas frequen- Embora mais frequente na jovem, pode sur-
tes, sobretudo nos casos mais insidiosos gir em qualquer idade. O quadro clínico pode
ou crónicos. variar desde a mulher assintomática em que
— Náusea e/ou vómitos: podem surgir o abcesso se descobre num exame de rotina,
sempre que há envolvimento peritoneal, à doente com ventre agudo ou choque sép-
como nos abcessos tubo-ováricos. tico (geralmente por ruptura do abcesso). O
— Febre e arrepios: podem ou não estar início dos sintomas pode ser tardio (duas ou
presentes nas infecções pelvigenitais, mais semanas após o fluxo menstrual)1,15.
embora a sua ausência possa levar à sus- Outra complicação menos frequente é o ab-
peição de gravidez ectópica. Decherney, cesso pélvico, no fundo de saco de Douglas1.
et al. calculam que a febre está presente Para além doutros sintomas, as doentes
apenas em 30% das mulheres cujo diag- queixam-se de dores posteriores ao defecar,
nóstico de salpingite é confirmado por e o exame ginecológico revela tensão, dor e
laparoscopia. abaulamento do fundo de saco. Estes abces-
— Metrorragias: podem ser escassas mas sos podem surgir ainda em associação com
são um sinal presente em cerca de um o uso de DIU (provocado pelo Actinomyces)
terço das doentes, especialmente jovens ou por uma infecção granulomatosa, como
e, em particular, nas endometrites. a TB. O toque rectal, frequente em qualquer
— Astenia: por vezes marcada. história clínica é, nesta situação, obrigatório.
A peri-hepatite ou síndrome de Fitz-Hugh
5.2. SINAIS Curtis é outra complicação possível embo-
ra tenha sido também descrita em associa-
O exame ginecológico é fundamental para o ção à apendicite4. Trata-se da infecção da
diagnóstico. Nas formas agudas, para além do cápsula hepática e da serosa peritoneal ao
corrimento vaginal e da dor provocada pela nível do hipocôndrio direito, com envolvi-
mobilização uterina ou palpação dos anexos, mento mínimo do parênquima hepático (os
é comum encontrar-se uma tensão abdomi- enzimas hepáticos podem estar normais).
nal nos quadrantes inferiores do abdómen, Apresenta-se como um exsudado seropuru-
por vezes mesmo com defesa peritoneal. Pode lento que ocasiona fortes aderências entre a
ainda existir distensão abdominal com ausên- superfície hepática e o peritoneu. Inicia-se
cia ou diminuição dos ruídos intestinais. com uma dor forte, tipo pleurítica, que pode
A infecção crónica pode ser relativamente irradiar ao ombro ou permanecer no hipo-
assintomática ou decorrer com dor pélvica e côndrio direito, sugerindo uma colecistite

Doença inflamatória pélvica 189


aguda. O tratamento da DIP também resol- mas uma contagem normal de leucócitos
ve a peri-hepatite. não permite excluir uma DIP. Também a velo-
Se uma infecção por Chlamydia trachoma- cidade de sedimentação (VS) e a proteína C

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tis está presente na grávida, esta pode ser reactiva podem estar aumentadas, mas com
transmitida ao filho e ocasionar otites, con- a sua baixa especificidade retira-lhes valor
juntivites e mesmo pneumonites. Constituiu no exercício do diagnóstico.
ainda um factor de risco para abortamento Nas mulheres jovens é muitas vezes impor-
ou parto prematuro e está associada a endo- tante, e absolutamente necessário, realizar o
metrites pós-parto15. teste de gravidez para excluir uma gravidez
ectópica.
Na área laboratorial, no entanto, os elemen-
6. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL tos mais importantes para o diagnóstico são
os que podemos obter na microbiologia e na
Nas formas agudas, o diagnóstico diferen- anatomia patológica.
cial coloca-se com apendicite aguda, gra-
videz ectópica, aborto séptico, ruptura de 7.1.2. EXAMES MICROBIOLÓGICOS
corpo amarelo, torção de quisto anexial,
endometriose, infecção urinária aguda, di- Podem fornecer ajudas importantes ao clí-
verticulite e crise inflamatória aguda de co- nico para caracterizar os agentes infecciosos
lite ulcerosa. em causa e, ainda, para confirmar a presença
Nas formas recorrentes ou crónicas, especial- de uma provável sépsis7.
mente se decorrem sem febre, é necessário Para cada doente, e de acordo com a respec-
excluir gravidez ectópica, abcesso periapen- tiva história clínica, podem ser efectuados os
dicular, leiomioma uterino (especialmente seguintes exames:
se ocorre degenerescência ou torção), neo- — Exame microbiológico de urina:
plasia do ovário e endometriose. u Exame bacteriológico directo e cultural.
u PCR (para diagnóstico da Chlamydia
trachomatis).
7. EXAMES COMPLEMENTARES — Exame microbiológico do exsudado va-
ginal ou endocervical:
O quadro clínico, embora por vezes com u Exame bacteriológico directo e cultural.
bastantes dificuldades nas formas insidiosas, u PCR.
é o elemento principal para chegar ao diag- — Hemoculturas: em casos de suspeita de
nóstico de DIP. Existem, no entanto, exames sépsis.
complementares que podem permitir uma
melhor caracterização da doença, seja na 7.1.3. BIOPSIA DO ENDOMÉTRIO
sua etiologia seja na extensão fora e dentro
da pélvis. Pode ser um exame muito útil, na fase cró-
nica, em doentes com suspeita de endome-
7.1. LABORATÓRIO trite para obter a confirmação histológica. A
colheita deve ser realizada em período pré-
7.1.1.EXAMES LABORATORIAIS DE ROTINA menstrual.

Através do laboratório podem obter-se algu- 7.2. IMAGIOLOGIA


mas informações complementares para o es-
tudo das doentes e da doença. O hemogra- Embora a clínica continue a ter o papel pre-
ma revela, habitualmente, uma leucocitose, ponderante para se chegar ao diagnóstico de

190 Capítulo 11
DIP, existem métodos imagiológicos que per- 8. TRATAMENTO
mitem caracterizá-la com grande pormenor1.
— Raio X simples do abdómen: é um exa- O tratamento das doentes com DIP deve ini-

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me útil nos casos de ventre agudo, reve- ciar-se tão precocemente quanto se tenha,
lando um íleo paralítico, ou mostrando com alta probabilidade, o diagnóstico clíni-
uma camada de ar subdiafragmática co, uma vez que a rapidez de resposta e um
que pode ocorrer nos casos de ruptura prognóstico favorável estão directamente re-
de abcesso. lacionados com a prontidão terapêutica13. As
— Ecografia pélvica transvaginal: constitui sequelas na fertilidade estão directamente
um importante auxiliar de diagnóstico relacionadas com a gravidade das lesões tu-
de fácil acesso e muito útil nestas circuns- bares, ainda que não seja possível confirmar
tâncias, permitindo não só o diagnóstico que esse tratamento iniciado precocemente
diferencial, nomeadamente com a gravi- evite as sequelas à distância, nomeadamen-
dez ectópica, como a identificação das te a infertilidade e a gravidez ectópica. No
complicações a nível tubar (presença de entanto, sempre que as doentes estejam a
abcessos). A presença de um derrame no ser tratadas em instituições hospitalares ou
fundo de saco de Douglas, numa doente outras em que seja possível, é aconselhável
jovem com clínica de DIP, é muito suges- fazer colheitas de sangue, exsudado vaginal
tiva do diagnóstico. Finalmente, é ainda e endocervical e de urina, previamente à ad-
um auxiliar importante para a avaliação ministração dos antibióticos.
da evolução e controlo terapêutico. Se houver agravamento, a doente deve ser
— Tomografia axial pélvica: também usada reavaliada 72 horas depois do início da tera-
frequentemente, pode revelar-se com pêutica, para que se possa fazer a confirma-
interesse superior ao da ecografia para ção do diagnóstico ou estabelecer um novo
o diagnóstico de abcessos intra-abdo- protocolo terapêutico12.
minais, com uma sensibilidade entre 78- A maioria das situações são tratadas em re-
100% (demonstrada em vários estudos gime ambulatório mas o internamento im-
comparativos por Jasinski, Moir e Robins, põe-se nas mulheres que apresentam febre,
entre outros)1. Torna-se contudo um exa- um quadro de ventre agudo, ou cujo diag-
me mais dispendioso e deve ser reserva- nóstico é duvidoso. Também a grávida e a
do para os casos em que a ecografia não doente demasiado jovem, a que apresenta
é suficiente. intolerância medicamentosa ou na que se
tem suspeita de abcesso tubo-ovárico, deve
7.3. LAPAROSCOPIA iniciar-se terapêutica endovenosa. Ainda
devem ser incluídas as doentes que não res-
É um exame importante no estudo das com- pondem ao tratamento após 72 horas e nas
plicações e dos casos de infertilidade, para doentes com imunossupressão1,13,15.
um diagnóstico correcto da situação clínica. Em casos de hospitalização, a doente deve
Simultaneamente, permite uma atitude ci- permanecer em repouso, com restrição ali-
rúrgica sempre que necessária1,4. mentar, administração endovenosa de soros
A laparoscopia diagnóstica deve reservar-se para prevenir a desidratação e a acidose, son-
para os casos em que haja grande suspei- da nasogástrica para a distensão abdominal
ção de outro diagnóstico clínico, quando o ou íleo e iniciar antibioterapia recomendada
tratamento ambulatório de uma provável para a DIP.
DIP tenha falhado, ou em doentes interna- Porque a resposta sintomática e as seque-
das que não mostrem resposta terapêutica las na fertilidade estão relacionadas com
às 72 horas. a gravidade da salpingite e formação de

Doença inflamatória pélvica 191


abcessos, devem utilizar-se antibióticos de ença sexualmente transmitida, é importan-
largo espectro associados a metronidazol te tratar, o(s) parceiro(s) envolvido(s), a fim
ou clindamicina para uma cobertura dos de prevenir a difusão da doença. É aconse-

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agentes anaeróbios. lhável a utilização de preservativo durante
A laparoscopia ou mesmo a laparotomia, todo o tratamento e até ser considerada a
podem ser necessárias em presença de um cura clínica.
abcesso com ou sem ruptura. A laparoscopia Após a cura clínica, a doente deve ser reava-
pode ser utilizada para drenagem dum abces- liada às quatro semanas, com a finalidade de
so, aumentando a eficácia à terapêutica antibi- confirmar a eficácia da terapêutica (repetin-
ótica. Mas a mesma atitude pode ser realizada do os exames laboratoriais para confirmar a
por via percutânea (com ecografia ou TC)1. cura bacteriológica) e para a informar dos
A terapêutica médica mais aconselhada factores de risco para a recorrência da doen-
inclui antibióticos de largo espectro, para ça e instruí-la acerca das formas para a res-
além de antipiréticos e anti-inflamatórios, pectiva prevenção.
salientam-se as associações, de acordo com
o «Consenso sobre Infecções Sexualmente
Transmissíveis – SPG 2007»12: 9. PREVENÇÃO
— Nos casos em que a situação clínica não
exige internamento, o tratamento por As medidas preventivas a utilizar para evi-
via oral pode fazer-se com as seguintes tar uma DIP são as preconizadas para a
associações: prevenção das DST (eficácia entre 65-75%),
z Cefoxitina 2 g, im., em dose única + doxi- e o objectivo principal é evitar as complica-
cilina 100 mg, per os, 2/dia, 14 dias + me- ções a nível da fertilidade. Para alcançar este
tronidazol 500 mg, per os, 2/dia, 14 dias. objectivo há dois pontos fundamentais de
z Substituir a cefoxitina por ceftriaxona actuação: a nível dos factores de risco e do
250 mg, im., em dose única. tratamento13,15.
z Ofloxacina 400 mg, per os, 2/dia, 14 Como medidas a nível de uma prevenção pri-
dias + metronidazol 500 mg, per os, mária, estão as relacionadas com o compor-
2/dia, 14 dias. tamento sexual do indivíduo – o início mais
z Amoxicilina + ácido clavulânico 1 g, tardio da actividade sexual, manter relações
per os, 8-8 horas, 14 dias + doxicilina sexuais apenas com um(a) parceiro(a) saudá-
100 mg, per os, 2/dia, 14 dias. vel, sendo este(esta) também monogâmico(a)
— Nas situações clínicas que necessitem de e a utilização de preservativos (a utilização de
internamento, aconselham-se: preservativos, masculino ou feminino, mas
z Cefoxitina 2 g, ev., cada 6 h + doxicilina em especial o masculino quando correcta e
100 mg, ev./per os, cada 12 h. atempadamente utilizado, proporciona uma
z Clindamicina 900 mg, ev., cada 8 h + redução significativa no risco de DIP)17. Até ao
gentamicina 2 mg/kg (1.a dose), segui- presente, todos os ensaios e estudos para a
da de 1,5 mg/kg, ev./im., cada 8 h. obtenção de vacinas específicas para a Chla-
z Ofloxacina 400 mg, ev., cada 12 h + mydia trachomatis e a Neisseria Gonorrhoeae
metronidazol 500 mg, ev., cada 8 h. não se mostraram eficazes.
Quando após 24-72 horas a doente se en- A prevenção secundária está relacionada não
contra apirética e em resposta clínica ao só com a detecção precoce da infecção, mas
tratamento, este pode ser completado com também com o seu tratamento atempado e
doxicilina 100 mg, per os, 2/dia, 14 dias. com o tratamento do(as) parceiros(as) sexuais.
Em todas as situações de DIP em que se sus- Há estudos prospectivos que demonstram a
peite e/ou confirme a presença de uma do- eficácia do rastreio da infecção por Chlamydia

192 Capítulo 11
trachomatis em mulheres de risco. Alguns au- se e espirro, dos indivíduos doentes e com
tores16 encontraram uma diminuição de risco formas abertas. Nem todas as pessoas que
relativo para DIP de 0,44 (56%) num grupo de contraem a infecção têm, clinicamente, do-

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mulheres de risco que foram tratadas para a ença. Esta pode permanecer como infecção
infecção após detectada a presença da bac- latente ou como doença activa. Ambas são
téria. Na Suécia10, também demonstraram o preveníveis e tratáveis2,20.
benefício deste rastreio, tratando não só as
infecções como reduzindo a aplicação de 10.1. EPIDEMIOLOGIA
DIU em mulheres jovens e nulíparas.
Os programas de detecção precoce das infec- A TB continua a ser um problema de saúde
ções por Chlamydia trachomatis, já hoje possí- pública na maioria dos países e, nos últimos
veis em vários países, utilizando as modernas 15 anos tem-se assistido a um recrudesci-
tecnologias de amplificação de ADN, quer em mento em regiões onde a doença estava em
colheitas de urina, quer nas colheitas vagi- declínio, principalmente pelo aumento dos
nais (que podem ser efectuadas pela própria indivíduos infectados com VIH, nos quais a
mulher), vêm-se traduzindo numa baixa sig- TB ainda é uma causa de morte significativa.
nificativa dos internamentos e complicações Concomitantemente, existe o aparecimento
por DIP8,10. Estes testes são recomendados de estirpes resistentes à terapêutica tuber-
a todas as jovens sexualmente activas com culostática – estirpes multirresistentes2.
idade inferior a 25 anos, sempre que existe Nos últimos anos existe uma tendência
um risco aumentado de contaminação e em de estabilização nas taxas de incidência na
todas as mulheres grávidas16. Porque o risco maioria dos países, mas em África observa-se
de reinfecção é elevado e pode surgir duran- um crescimento devido à alta infecção pelo
te alguns meses, as mulheres que tiverem um VIH. Segundo a OMS, em 2003 registaram-se
rastreio positivo devem ser novamente ras- 8,8 milhões de casos em todo o mundo e 1,7
treadas quatro a seis meses após o 1.o exame milhões de mortes por TB.
e os seus parceiros igualmente tratados. Qualquer das formas clínicas pode dissemi-
Um tratamento atempado e correcto é a me- nar, especialmente em doentes imunodepri-
lhor medida preventiva das complicações. midos, ocorrendo a TB genital em cerca de
Assim, sempre que clinicamente existam 10% dos casos de TB pulmonar20. A difusão
suspeitas de DIP, é boa prática clínica iniciar- faz-se por via hematogénea e entre os órgãos
se o tratamento nas primeiras 48/72 horas, pélvicos, as trompas de Falópio são atingi-
mesmo não havendo possibilidade de ras- das entre 50-100%, o útero de 50-60% e os
trear uma DST13. ovários de 20-30%. A TB é uma das causas de
Como em qualquer rastreio, o sucesso das infertilidade – 5 a 10% dos casos6, atingindo
medidas preventivas está relacionado com a sobretudo a mulher antes dos 40 anos, mas
adesão populacional e o seu esclarecimento podendo surgir na pós-menopausa.
sobre estas situações. O contágio pode também ser feito por ino-
culação directa na vulva ou na vagina duran-
te uma relação sexual com um parceiro que
10. TUBERCULOSE GENITAL apresente TB nos seus genitais externos.

A TB causada pelo Mycobacterium tuberculo- 10.2. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS


sis, atinge mais frequentemente os pulmões,
mas pode encontrar-se em qualquer local do O diagnóstico de TB genital é difícil e muitas
organismo. O contágio é, geralmente por via vezes surge no decurso do estudo de uma
aérea, sendo a bactéria libertada pela tos- infertilidade, pois o quadro clínico é muito

Doença inflamatória pélvica 193


variável e na maioria das vezes decorre si- „ Contorno irregular e divertículos: ao
lenciosamente – a dor pélvica crónica, o longo da parede; quando dispostos
mal-estar geral, as alterações menstruais e em redor da ampola causam um as-

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a amenorreia são os sintomas mais comuns, pecto típico de «tufo».
podendo surgir ainda febrícula vespertina. „ Aspecto rígido, em «rosário» ou «ca-
O exame objectivo pode ser normal ou reve- chimbo»: resultantes das diferentes
lar dor à palpação profunda do hipogastro estenoses e bridas cicatriciais.
e fossas ilíacas e o abdómen apresentar-se „ Oclusão: é o achado mais comum,
tenso e aumentado de volume. sendo frequente a nível do corno
A trompa é o órgão mais atingido e, na maio- uterino, seguida pela obstrução am-
ria dos casos, bilateralmente2. A infertilidade polar, com ou sem hidrossalpinge.
ocorre entre 45 a 55% dos casos de TB genital6 z A nível da cavidade uterina – não estão
e, deve-se à fibrose cicatricial que surge após referidas imagens específicas, poden-
a terapêutica, à destruição da parede tubar do encontrar-se:
por ulceração do granuloma tuberculostático „ Sinequias: são imagens irregulares,
e à obstrução do lúmen pelo caseum. anguladas e em forma estrelada.
As alterações menstruais são atribuídas à en- „ Contorno irregular, cavidade em
dometrite tuberculosa que, pelos mesmos «dedo de luva» ou «T»: resultantes
mecanismos descritos ao nível da trompa, das adesões endometriais.
também contribui para a infertilidade. „ «Passagem» vascular (venosa e lin-
fática): embora não específico, cons-
10.3. DIAGNÓSTICO titui um bom indicador de lesão tu-
berculosa.
Como em todos os casos de TB existe, ha- — Laparoscopia: permite a visualização
bitualmente, um aumento na VS e a prova directa das lesões, permitindo colheitas para
de Mantoux é positiva. O Rx tórax pode ser exame histológico e bacteriológico.
normal20.
Os exames mais úteis para o diagnóstico são: 10.4. TRATAMENTO
— PCR positiva (polymerase chain reaction):
54 a 65%. O tratamento da TB genital é o mesmo dos ca-
— Biopsia endometrial – para diagnóstico sos de TB pulmonar, ou seja, uma terapêutica
histológico do granuloma tuberculoso combinada e prolongada pelo menos por seis
(22,8%) – com colheita de sangue mens- meses. A cirurgia, quando indicada, e sempre
trual para identificação do bacilo de depois do tratamento com tuberculostáticos
Koch (2,8%). q 6 meses, pode melhorar as complicações da
— Histerossalpingografia: capaz de detectar doença, reduzindo as aderências e diminuin-
lesões que penetrem no miométrio para do a taxa de infertilidade.
além das que ocupam a cavidade uterina,
permite uma visualização do trajecto das
trompas e das suas anomalias. É preferível Bibliografia
à histeroscopia no estudo de infertilidade.
1. Decherney AH, Nathan L, Goodwin TM, Laufer N. Cur-
Das imagens mais sugestivas de lesões de rent Diagnosis and Treatment – Obstetrics and Gyne-
tuberculose genital destacam-se3,9,18: cology. Em: Ainbinder SW, Ramin Sm, DeCherney AH,
eds. Sexually Transmitted Diseases & Pelvic Infec-
z A nível tubar – algumas imagens são
tions. 10.a ed. EUA: The McGraw Hill Companies; 2003.
muito sugestivas: p. 673-89.
2. Aliyu MH, Aliyu SH, Salihu HM. Female genital tu-
„ Microcalcificações: dispostas de for-
berculosis: a global review. Int J Fertil Womens Med.
ma linear ao longo da trompa. 2004;49:123-36.

194 Capítulo 11
3. Barbot J. Hysteroscopy and Hysterography. Obstet Gy- 12. Protocolo de orientação terapêutica: Consenso sobre
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5. Livengood CH. Pathogenesis of and risk factors for hola). 2001;1:104-7.
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Doença inflamatória pélvica 195


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12 Infecções Ginecológicas
do Tracto Genital Inferior

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José Martinez de Oliveira

1. INTRODUÇÃO lábios, por exemplo, até à mais interna (ves-


tíbulo) verifica-se uma progressiva diminui-
As modificações, patológicas mas até mes- ção na sua espessura com adelgaçamento
mo funcionais, do tracto genital inferior da camada córnea, que desaparece a partir
(TGI) feminino são responsáveis por gran- da linha de Hart. Não são, porém, conheci-
de parte das consultas em ginecologia, em das grandes diferenças de comportamen-
geral, e em medicina familiar, chegando a to para além das usualmente descritas em
justificar 20% delas. A informação hoje dis- dermatologia e que explicam fenómenos
ponibilizada à população por meios varia- tão interessantes como as erupções fixas a
dos e em particular pela Internet promove medicamentos.
o conhecimento detalhado da fisiologia e Por seu turno, a vagina desempenha, como
dos problemas genitais que afectam este segmento de ligação entre os genitais ex-
segmento. Dois pormenores são, porém, ternos e os internos variadas e relevantes
relevantes; os conteúdos estão frequente- funções:
mente orientados para a promoção do con- — Desde logo, é o «órgão de cópula», que
sumo de serviços, e a existência de um nú- explica o seu étimo (bainha), com capa-
mero crescente de medicamentos de venda cidades específicas como sejam o papel
livre facilita a automedicação com as suas lubrificante por modificação da sua per-
vantagens e inconvenientes. meabilização e vascularização, e a siner-
Definido o TGI como o segmento distal em gia com a musculatura que a envolve.
relação à junção escamocolunar, engloba as- — Ao permitir que o esperma seja depo-
sim parte do colo uterino, a vagina e a vulva. sitado em contacto com o colo uterino,
As características do exocolo são, estrutural cumpre mediação indispensável à repro-
e funcionalmente, idênticas às da vagina, dução, em condições naturais.
razão pela qual se aglutinam num comparti- — Servindo de canal do parto, via de exterio-
mento único, dito cervico-vaginal. rização do ovo (feto, líquidos e dequite).
— Via de evacuação para o exterior de flui-
dos genitais.
2. BASES ANATOMOFISIOLÓGICAS — Sistema protector do tracto superior, já
que sendo acessível e rica em microrga-
A vulva, com todas as estruturas que a in- nismos, tem de impedir a multiplicação
tegram, sistematizadas ou não, tem como anormal dos que são potencialmente pa-
revestimento pele, ainda que com variações togénicos.
estruturais e funcionais importantes. Assim, Para o efeito, a estrutura da vagina está ade-
quando se analisa o epitélio desde a sua par- quada à função, já que revestida por um epi-
te mais externa, monte de Vénus ou grandes télio malpighiano e aglandular que confere

197
resistência à agressão. Porém, por não ser Na manutenção da sua homeostasia, po-
ceratinizado, tem necessidade de humidifica- dem sistematizar-se assim os meios de de-
ção permanente, a qual lhe é assegurada por fesa vulvovaginal contra as infecções, na

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um fluido composto por serosidade (transu- mulher adulta:
dato), muco do endocolo e, em menor grau, — Anatómicos:
secreções e líquidos dos segmentos acima u Oclusão natural do intróito vulvar pe-
dele, para além de células, de descamação las formações labiais.
epitelial e outros elementos crepusculares u Revestimento vaginal por epitélio pa-
(leucócitos, sobretudo). Numa perspectiva vimentoso estratificado de tipo malpi-
clínica consideram-se existir na vagina qua- ghiano.
tro camadas: a germinativa ou basal, a ime- u Sobreposição das paredes vaginais
diatamente adjacente, parabasal, uma outra anterior e posterior e das respectivas
intermédia, e finalmente a camada superfi- colunas rugosas.
cial. Nesta descrição, que reproduz a evolu- — Fisiológicos:
ção maturativa, as células vão aumentando u Descamação contínua das células su-
de volume ao mesmo tempo que diminuem perficiais.
as dimensões das suas estruturas nucleares. u Autólise das células vaginais esfolia-
Juntando as duas perspectivas poder-se-ão das, ricas em glicogénio, polissacárido
então descrever as células matriciais como que é cindido pelas enzimas liberta-
esféricas de núcleo volumoso e citoplasma das neste processo, originando mono
escasso (nível 1) que contrastam com as su- e dissacáridos que são fermentados
perficiais, poligonais de citoplasma abun- pelos bacilos de Doderlein com pro-
dante e núcleo picnótico (nível 4). dução de ácido láctico, estabilizando o
A panorâmica global do equilíbrio fisiológi- pH em valores inferiores a 4,7.
co do sistema ecológico vaginal na mulher u Presença de uma população micro-
adulta em idade reprodutiva é, desde há biana mista e saprófita da vagina, com
muito conhecida, e pode ser descrita es- predomínio de lactobacilos, produtora
quematicamente da seguinte forma segun- de factores inibitórios (peróxido de hi-
do Blanchard1: drogénio, bacteriocinas) de microrga-
Estrogénios => epitélio vaginal => glicogénio nismos potencialmente patogénicos.
+ fermentos celulares => glicose + bacilos de Definimos como bacilos de Doderlein a po-
Doderlein => ácido láctico = pH 4 a 4,5 pulação bacteriana sacarolítica que elabora
Os processos de indução da proliferação e da ácido láctico a partir dos produtos de de-
maturação do epitélio vaginal são diferentes gradação do glicogénio contido nas células
mas, naturalmente, interligados. Uma ade- descamadas do epitélio vaginal, o qual é li-
quada estimulação estrogénica é necessária bertado por citólise e actuado pelas enzimas
para o desenvolvimento de todas as cama- líticas da própria célula, que o convertem em
das vaginais, mas factores diversos como os monossacáridos os quais são desdobrados
mecânicos e a influência de outras hormo- em ácido pela flora saprófita do meio vaginal.
nas como os progestativos, são capazes de Assim, bacilo de Doderlein é mais do que uma
promover a troficidade da vagina embora de definição morfológica, um conceito funcional
modo menos intenso. que agrupa bactérias do género Lactobacillus
Enquanto o tracto genital superior é, ha- mas também Corynebacterium, Propionobac-
bitualmente, estéril na mulher saudável, a terium e Bifidobacterium, sendo os primeiros
vagina contém 109 CFU/g (Colony Forming os mais conhecidos e divulgados.
Units) de secreção2, e inclui microrganismos Os efeitos protectores dos lactobacilos en-
potencialmente patogénicos. volvidos são3:

198 Capítulo 12
— Acidificação da vagina. Compreende-se pois que são factores que
— Bloqueio dos receptores celulares (ou podem favorecer o aparecimento de uma
maior afinidade para este receptores vulvovaginite pela perturbação na ecologia

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deslocando microrganismos patogéni- que induzem a existência de secreção cer-
cos a eles ligados). vical abundante (ectopia, por exemplo) que
— Produção de peróxido, directamente ou alcaliniza o meio, a interferência de produtos
por meio da peroxidase. anticoncepcionais, o uso de vestuário inade-
— Secreção de bacteriocinas. quado, que impede o arejamento e aumenta
— Produção de biossurfactantes. a temperatura local, a promiscuidade sexual,
— Estimulação do sistema imunológico. a gravidez, o uso de antibióticos, corticóides
Alguns pontos estão longe de ser claramen- ou imunossupressores, o abuso de irriga-
te entendíveis3: se por um lado existe aci- ções vaginais e a utilização prolongada de
dificação na ausência de lactobacilos, o pH tampões ou pessários vaginais.
vaginal não se relaciona directamente com
o número destes; a afinidade dos lactobaci-
los para as células vaginais não parece ser 3. MEIOS DE DIAGNÓSTICO
maior do que a de alguns microrganismos
estudados (G. vaginalis e Candida spp); po- A conduta diagnóstica faz-se em dois pas-
rém, a competição dependerá da propor- sos sucessivos e complementares: o exame
ção; finalmente animais alimentados com clínico e o estudo laboratorial. Se o primei-
produtos lácteos fermentados pelos L. casei, ro é importante para a orientação para um
sobretudo, mas também pelos L. acidophilus diagnóstico, ele não é por si só suficiente
evidenciam uma resposta imunológica mais para a postura definitiva do mesmo. Assim, é
intensa, sublinhando a relevância probióti- incorrecto dispensarem-se os meios de con-
ca do factor sistémico. firmação mesmo quando em presença dum
O fluido que reveste o segmento cervico- quadro considerado «característico», uma
vaginal tem composição complexa, com- vez que não só este o não é efectivamente,
preendendo o líquido de transudação vagi- como ainda tal conduta impede a verificação
nal e as células resultantes da descamação da existência de infecções concomitantes.
dos estratos superficiais da vagina, mas A semiologia vulvar é idêntica à praticada
também a secreção glandular mucosa cer- em dermatologia, e tem como base funda-
vical e os elementos celulares provenientes mental o exame clínico (abordado em capí-
do colo uterino, para além de teoricamen- tulo específico), havendo apenas a referir a
te existirem contributos de origem vulvar utilidade do recurso a sistemas de ampliação
(glândulas de Bartholin e vestibulares me- (vulvoscópio ou colposcópio) e a necessida-
nores). Até agora constituindo campo de de de confirmação do diagnóstico clínico,
difícil estudo, esperam-se rápidos desen- quer por metodologia laboratorial quer por
volvimentos a curto prazo mercê da aplica- citologia e estudo histológico.
ção de novas metodologias. Recentemente, Na investigação dos problemas vaginais, a
Zegels, et al.4 identificaram um conjunto de observação é muito útil nos casos agudos,
cerca de 130 proteínas fixas que constitui- mas com frequência ajuda pouco nas situa-
rão o proteoma nuclear a que se associam ções recorrentes e nos casos não-floridos.
muitas outras que variam de uma mulher Como auxiliares da avaliação puramente clí-
para outra. Entre os seus constituintes con- nica, e antes ainda do recurso ao estudo labo-
tam-se os péptidos antimicrobianos (PAM), ratorial especializado, algumas técnicas, ditas
de que são exemplo moléculas como a lac- de cabeceira, podem e devem ser empregues.
toferrina, a lisozima e as defensinas. Destacam-se entre elas a medição do pH do

Infecções Ginecológicas do Tracto Genital Inferior 199


fluido vaginal, os testes bioquímicos sumá- nas ou «teste do cheiro». Consiste na adi-
rios e o exame microscópico a fresco ou com ção numa lâmina de vidro a uma amostra
coloração monocromática ou de Gram. de duas gotas de hidróxido de potássio a

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O pH é um marcador global do estado de 10%, que vai permitir uma alcalinização
saúde vaginal, naturalmente inespecífico. súbita da mistura que liberta aminas volá-
Utilizando equipamento de rigor Peeters, et teis (trimetilamina, putrescina, cadaverina)
al.5 verificaram que o pH vaginal tem valor características do metabolismo bacteriano
médio 4,4, oscilando entre 3,9 e 5,8 (média anaeróbico. A prova é positiva na bacterio-
4,7) nas mulheres não-grávidas e entre 3,5 e se clássica e na tricomoníase.
4,4 (média 3,9) nas grávidas. Método insubstituível da investigação vagi-
Em termos correntes a medição do pH do nal é o seu exame ao microscópio. Pode ser
fluido vaginal faz-se com recurso a indica- imediato ou directo (chamado a fresco) com
dores impregnados em papel, por exem- soro salino, por vezes com hidróxido de po-
plo nitrazina, vermelho do Congo1 ou tássio usado como diluente para lisar as célu-
tornesol. Este, igualmente referido como las vaginais e permitir identificar as resisten-
litmus, tem composição variável na versão tes fúngicas e ocasionalmente com corantes
comercializada, mas depende essencial- ditos vitais, para mais fácil visualização pelo
mente do corante azolitmina, mistura de contraste que promovem. A observação mi-
sais do ácido azolítmico, e tem uso difun- croscópica permite realizar uma avaliação
dido por cobrir o espectro de variações de global do meio, a análise da sua composição
interesse clínico. celular (registável sob forma numérica pela
A determinação do pH com papéis indicado- referência aos elementos identificados das
res tem várias causas de erro6: diferentes camadas vaginais), a importân-
— Acuidade visual e cromática do observador. cia do componente leucocitário e o tipo de
— Intensidade e tipo da luz ambiente. agentes microbianos.
— Presença de sangue. Para além de permitir a identificação do agen-
— Interferências químicas. te causal correspondente (Trichomonas, por
— Reacção das proteínas com o papel indi- exemplo), a observação dos tipos celulares
cador. descamados é muito importante, sendo ha-
A medição do pH do fluido vaginal tem apli- bitual nos processos inflamatórios vaginais a
cação como técnica básica de rastreio, por presença de elementos da camada parabasal
exemplo na grávida, e na orientação do es- (nível 2) com ou sem leucócitos, estando es-
tudo de situações infecciosas. Assim, um pH tes igualmente presentes nas infecções cervi-
normal, em termos correntes definido por cais mas com elementos celulares vaginais in-
ser inferior a 4,57, é compatível com infecção termédios (nível 3) e/ou superficiais (nível 4)
fúngica, enquanto um menos ácido (5,5 a 7) apenas, isto na mulher em idade reprodutora.
sugere outro tipo de infecções com tricomo- O exame a fresco é de execução imediata e de
níase ou vaginose bacteriana8. O princípio e baixo custo, requerendo apenas a existência
o interesse desta simples e acessível técnica de um microscópio. Podem utilizar-se diver-
foram aproveitados pela indústria para a in- sas soluções diluentes, sendo universalmente
trodução de sistemas de autodiagnóstico, mais empregues: a solução salina ou soro fi-
como o Confidence kit, mas certamente que siológico para qualquer dos tipos de fluxo, e
as causas de erro devidas aos cuidados de hi- o hidróxido de potássio a 10% indicado para
giene lhe perturbarão o perfil de eficácia. a pesquisa de fungos. A componente infla-
Para a avaliação sumária das proprieda- matória é definida de acordo com Monif pelo
des químicas do fluido vaginal, recorre-se número de leucócitos por campo de 400 X,
correntemente à chamada prova das ami- sendo referida como ausente se existirem me-

200 Capítulo 12
nos de três, e se forem mais de 10 será intensa. — Grau III: as células vaginais são raras tal
Várias técnicas de coloração foram propos- como os lactobacilos, numerosos os leu-
tas para uso nos esfregaços vaginais, sendo cócitos e abundantes as bactérias coco-

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as mais importantes as de Papanicolaou e bacilares; confere cor amarela ao fluido
a de Gram. vaginal sendo o pH superior a 4,5.
Estudando esfregaços vaginais corados — Grau IV: não há células descamadas nem
pelo Gram, descreveram Schröder (1913) e lactobacilos, observam-se muitos piócitos
Hunter (1945) três tipos de estado ecológi- e bactérias gram-positivas e gram-nega-
co vaginal9. Estes estádios, dada a evolução tivas em grande quantidade, conferindo
tecnológica verificada e a descrição de no- cor amarela ou esverdeada ao produto va-
vos agentes, tem vindo a ser actualizada. Os ginal e pH menos ácido que os anteriores.
seus graus de pureza vaginal esquematizou- Nesta descrição, os graus I e II correspon-
os Doderlein assim: dem a exsudados vaginais sãos, e os de
— Grau I: constituído exclusivamente por grau III e IV traduzem infecção da cavidade
células vaginais e lactobacilos de Do- vaginal. Esta classificação é didáctica e útil
derlein e filamentos de muco, corres- em termos de compreensão da fisiopatolo-
ponde a um fluido de cor branca e pH gia das infecções vaginais, mas não é apli-
rondando 4. cável a alguns dos quadros que actualmen-
— Grau II: com número significativo de cé- te se descrevem.
lulas vaginais descamadas, alguns leu- Hoje, dada a necessidade de estandardização,
cócitos, lactobacilos predominantes e está enraizado o recurso à observação de es-
alguns cocos, corresponde igualmente a fregaços corados como meio de diagnóstico
um conteúdo branco sendo o pH normal e de rastreio, recorrendo a critérios atribuídos
mas próximo dos 4,5 (Fig. 1). a Nugent e col10 e a Spiegel e col11.

Figura 1. Células intermediária e superficial, neutrófilos, população microbiana pouco abundante (grau II de Doderlein).

Infecções Ginecológicas do Tracto Genital Inferior 201


Em certos casos, o apoio laboratorial es- „ Staphylococcus aureus.
pecializado é conveniente e noutros in- „ Staphylococcus epidermidis.
dispensável, quando se requer acesso a „ Enterococos.

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exames culturais, os microbiológicos clás- „ Lactobacilose.
sicos (para Candida spp e estreptococos u Vaginite por corpo estranho.
do grupo B, por exemplo), hoje frequente- — Víricas ou virais:
mente complementados ou mesmo subs- u Condilomatose e outros quadros
tituídos por técnicas de biologia molecular causados por human papillomavirus
(Polymerase Chain Reaction [PCR] e Ligase (HPV).
Chain Reaction LCR), eventualmente estu- u Herpes (HSV).
dos de citologia e histologia (Molluscum u Infecção por CMV.
contagiosum e condilomas, por exemplo). u Molluscum contagiosum.
O diagnóstico etiológico tem que ser feito
com precisão, de forma a permitir um trata-
4. ABORDAGEM CLÍNICA mento correcto, única forma de se evitarem
as recidivas.
A classificação dos quadros infecciosos do tra-
to genital inferior feminino pode fazer-se de 4.1. ABORDAGEM SINTOMATOLÓGICA
variadas formas, todas elas com interesse prá-
tico: etiológica, sintomatológica e sindrómica. Em clínica, a consideração do número,
Infecções: classificação etiológica tipo e intensidade dos sintomas existen-
— Parasitárias: tes é muito importante para a orientação
u Escabiose, causada pelo Sarcoptes sca- a tomar, muito embora não seja senão ra-
biei. ramente diagnóstica. Dir-se-á, então, que
u Pediculose, tendo como agente o existe clara conotação entre o sintoma/sinal
Phtirius pubis. e algumas das possíveis causas infecciosas,
u Tricomoníase, da responsabilidade do esquematicamente:
Trichomonas vaginalis (Tv). — Tumorações e tumescências: abcessos
u Oxiuríase (na criança). (das glândulas de Bartholin, mais rara-
— Fúngicas: mente das de Skene ou outras vestibu-
u Candidose (Candida spp). lares), foliculites, furúnculos e celulites
u Dermatofitoses. vulvares e condilomas acuminados.
u Malassezia furfur. — Ulceração: sífilis, HSV, cancróide (doença
— Bacterianas: de Ducreyi), infecções que em conjunto
u Sífilis (Treponema pallidum). são consideradas favorecedoras da aqui-
u Úlcera mole ou cancróide (Haemophilus sição do VIH por facilitação do acesso.
ducreyi). — Prurido: candidose e tricomoníase (não
u Síndromes bacterióticas idiopáticas, esquecendo naturalmente causas não-
outrora ditas a Gardnerella vaginalis: infecciosas).
„ Bacteriose vaginal anaeróbica. — Ardor: candidose, tricomoníase, disbac-
„ Bacteriose vaginal aeróbica. terioses, HSV não-agudo.
„ Disbacteriose vaginal («flora») inter- — Inflamação e edema: candidose, trico-
média. moníase.
u Quadros bacterianos isolados – raros, — Dor: HSV.
os principais são: — Algúria vulvar: dos quadros escoriados
„ estreptococos do grupo B EGB: (candidose, tricomoníase).
Streptococcus pyogenes do grupo B. — Dispareunia: candidose.

202 Capítulo 12
— Fluxo: tricomoníase, disbacterioses, vagi- situação corresponda a cada uma delas, em
nite por corpo estranho. alguns, como nas infestações fúngicas, por
— Disodia (do grego, dysodia, mau cheiro das exemplo, pode ocorrer inflamação sem flu-

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secreções): tricomoníase, disbacterioses. xo, enquanto noutros a infecção decorre sem
O prurido é sintoma de difícil definição, feita sinais inflamatórios, como quando o agente
necessariamente pela sua consequência ou etiológico é a Gardnerella vaginalis. Já será de
seja como sensação desagradável de ori- aceitar como correcta a utilização do termo
gem sensorial periférica que desencadeia infecção para designar genericamente os
o desejo de coçar12. Esta imperiosidade13 processos causados por agentes animados,
parece expressar a sua finalidade biológica, independentemente de estes serem causa
presumindo-se que se destinaria a remover de infestação ou invasão tecidular.
da superfície cutânea agentes agressores No quotidiano clínico, há que diferenciar o
do tipo parasitário. corrimento expresso como sintoma do cor-
A vulva tem um baixo limiar de sensibili- respondente sinal, variantes que na maioria
dade devido à sua extrema riqueza em dos casos se encontram associados. Certo
terminações nervosas14-16, o que explica é que são comuns descrições de sensação
que lesões que não dão sintomas noutros de humidificação exagerada dos órgãos
locais o possam dar quando nela sedia- genitais (corrimento como sintoma), sem
dos17. De facto, a «comichão», denomina- que tal seja observável, enquanto que, em
ção como é chamado popularmente, é em oposição, outras mulheres não manifestam
regra percebida a nível do vestíbulo vulvar, qualquer sintomatologia quando é evidente
raramente dentro da vagina onde se sente ao exame a existência de fluxo. Para evitar
como ardor. Resulta da estimulação dos confusão, dever-se-ão utilizar os termos cor-
nervos sensitivos quer mecânica (como na rimento para o sinal e sensação de corrimen-
tricomoníase), quer química, mediada por to para o sintoma.
álcoois ou citocinas. Define-se, então, corrimento genital como o
O ardor, queimor ou ardência é uma variante aumento objectivo, temporário ou não, nor-
atenuada de dor, que surge quando existem mal ou patológico, dos fluidos com origem
modificações do epitélio que o tornam hipe- no aparelho reprodutor.
restésico ou na presença de irritantes. A presença dissociada do sintoma «corri-
Percepções disestéticas como formigamen- mento» surge em casos de:
tos e reptações não têm em regra origem — Focalização genital em mulheres que
infecciosa, enquanto a sensação de picada tendem ao exagerado recurso à higiene
resulta nalguns casos de processos inflama- vulvar.
tórios de origem variada. — Stress.
Em português, corrimento, escorrência e flu- — Hiperestesia por maceração dos genitais
xo são descritos como sinónimos nos dicioná- externos.
rios de língua portuguesa e podem por isso — Incontinência urinária.
ser usados indistintamente. Pelo contrário, o Esta última situação, ainda que se verifique
uso do termo leucorreia, ainda defendido18, é existir uma humidade exagerada, a sua cau-
desaconselhado, já que por um lado implica sa não tem origem no aparelho reprodutor.
características que frequentemente não tem O corrimento é um sintoma inespecífico
e por outro dele não existe necessidade. comum a muitas situações do aparelho
Um foco de confusão é o que resulta da utili- genital da mulher, que pode ter origem em
zação, como se sinónimas fossem, das desig- vários sectores deste aparelho, mas que
nações vaginite, corrimento e infecção vagi- só se torna perceptível pela sensação de
nal19. Ainda que em muitos casos a mesma humidade vulvar ou pela impregnação do

Infecções Ginecológicas do Tracto Genital Inferior 203


vestuário íntimo. Para a sua caracterização, promoção dos cuidados individuais numa
importa indagar data da sua aparição, pos- filosofia de autonomia e do «Cuide-se a si
síveis factores desencadeantes (contacto própria»20, o que nos parece já criticável.

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sexual, por exemplo) e sua relação com o Dum ponto de vista técnico e científico,
período menstrual, e analisar as suas carac- esta abordagem deve constituir mais a ex-
terísticas físicas que permitem suspeitar da cepção do que a regra. Mas na prática não é
sua etiologia. As mucorreias têm origem o que se verifica.
cervical, as hidrorreias (perdas serosas, Citam-se, em seguida, os principais quadros.
aquosas) raramente poderão ter proveni-
ência tubária ou endocervical e são em re- 4.2.1. CANDIDOSE
gra transudativas vaginais; os corrimentos
fétidos são habituais nas infecções secun- Descrita pela primeira vez em 1849 por
dárias por corpos estranhos, na tricomon- Wilkinson e com a etiologia confirmada ex-
íase e na bacteriose vaginal. perimentalmente por Hausmann (1871),
Existem fluxos que são fisiológicos: a mu- Plass, et al. (1931) e Hesseltine, et al. (1934)19,
correia de origem cervical que se observa a infecção atribuível a Candida spp deno-
no período periovulatório, a hidrorreia da mina-se candidose. O termo candidíase é
estimulação sexual, a transudação pré- inadequado, já que as infecções por fungos
menstrual e o corrimento característico da adoptam em geral o sufixo -ose, resultando
gravidez. Outros, como já referido, podem a incorrecção de uma persistência histórica
ser originários dos segmentos supracervi- como tantas vezes acontece em Medicina.
cais, pouco comuns, sendo pelo contrário Na sua forma típica, aguda, ocasiona como
frequentes e geradores de dificuldades os sintomas fundamentalmente o prurido, que
corrimentos provenientes do colo uterino, é intenso e se exacerba à noite e na fase
cujo diagnóstico se efectua primariamente pré-menstrual, a sensação de secura vagi-
pela história e pelo exame clínico, apenas nal, a percepção dum fluxo de odor lácteo
complementados por estudo microbioló- espesso, branco ou amarelado, grumoso, em
gico. Podem ser fisiológicos, corresponde- pequenos retalhos como «leite estragado»
rem apenas a uma exagerada produção associados a ardor, algúria vulvar, edemacia-
de muco doutra forma normal (ectopia ção e dispareunia.
ou ectrópio), ou patológicos, nos quais o Ao exame observam-se eritema moderado
muco apresenta aspecto mais ou menos a intenso, difuso, com escoriações e confir-
purulento (cervicite mucopurulenta). A sua mam-se o edema e as características do flui-
abordagem neste momento deriva do fac- do vaginal.
to de explicarem a presença de numerosos O pH é em regra normal e no exame micros-
elementos inflamatórios quando da obser- cópico identificam-se elementos isolados
vação microscópica vaginal. (blastoconídeas) e filamentares agrupados
(pseudomicélio) (Fig. 2). A cultura, usual-
4.2. ABORDAGEM SINDROMÁTICA mente em meio de Sabouraud adicionado
de antibióticos (Fig. 3), está indicada quan-
O princípio de realizar provas terapêuticas do o exame microscópico não é conclusivo
quando na presença de complexos sinto- ou sempre que há interesse em conhecer
máticos e clínicos correlacionáveis com semiquantitativamente o número de blasto-
algumas infecções é justificável em áreas conídeas presente ou se requerem testes de
de baixos recursos de apoio médico e sani- identificação de espécie e de resistência aos
tário. Curiosamente, na época da comuni- antifúngicos, o que é importante quando há
cação surgem igualmente como fontes de antecedentes de recorrência.

204 Capítulo 12
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Figura 2. Células superficiais aglutinadas, pseudo-hifas aderentes escassa resposta inflamatória e reduzida popula-
ção microbiana (grau II de Doderlein, candidose).

A presença de blastoconídeas no fluido va- A correcção destes factores é desejável para


ginal não é necessariamente indicativo da o bom êxito da terapêutica.
presença de Candida spp, já que leveduras O tratamento dos episódios agudos faz-se em
como os Saccharomyces e os Cryptococcus termos gerais com mais de 85% de hipóteses
podem ser isoladas da vagina e não são de êxito com recurso aos derivados do imi-
patogénicas21. No exame a fresco, as leve- dazol, que apresentam acção rápida, grande
duras podem ainda ser confundidas com19 eficácia, efeito concomitante sobre bactérias
núcleos nus, piócitos, grãos de pó e outros gram-positivas associadas, menor duração
artefactos. Por seu turno, o pseudomicélio do período terapêutico, menor percentagem
pode confundir-se com21 os bordos celula- de recidivas e baixa toxicidade. Nas situações
res dobrados, fibras, nomeadamente de al- esporádicas, a terapêutica local é suficiente
godão, Leptothrix spp e fracturas da lâmina e beneficia ainda dos efeitos tópicos, emo-
ou da lamela. lientes dos preparados usados em creme. Os
Consideram-se ser factores predisponentes azóis miconazol, econazol, clotrimazol ou ter-
para candidose a gravidez, alguns tipos de conazol, para citar apenas alguns, permitem
contracepção hormonal, disfunções endó- obter resultados idênticos e a adição de der-
crinas como a diabetes, o hipoparatiroidis- mocorticóide ou o complemento com apósi-
mo e a insuficiência supra-renal, o uso de tos de anti-sépticos anti-inflamatórios como
certos medicamentos como antibióticos, a benzidamina é útil sempre que o epitélio
tricomonicidas, corticosteróides e citostáti- vulvar está intensamente inflamado. A toma
cos, e estado geral e imunitário deficitários. única oral de 150 mg de fluconazol ou por

Infecções Ginecológicas do Tracto Genital Inferior 205


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Figura 3. Colónias de Candida albicans em Sabouraud: aspecto típico.

duas vezes de 100 mg de itraconazol pode ser Situações bem diferentes da descrita são
alternativa, mas a administração sistémica é a as representadas pelas ditas crónicas, fre-
preferencial apenas nos casos recorrentes. quentemente recorrentes. Com Burnhill22,
Dois aspectos particulares desta infecção são assim considerados como reinfecção os
merecem ser referidos: quadros que surgem de novo após um mês
— A vulvite candidótica deve ser diferen- sem queixas e persistentes as situações em
ciada de intertrigo, dermite de contacto, que se não chega a verificar total regressão
dermatoses, distrofias e doença de Paget, sintomatológica ou microbiológica com um
com as quais se confunde. tratamento correcto realizado. A cronicidade
— A candidose do casal, em que ambos estão é então definida pela existência de pelo me-
sintomáticos e apresentam quadros carac- nos três episódios num ano, com diagnósti-
terísticos na qual o recurso a tópicos per- co confirmado e após terapêutica suposta-
mite o tratamento simultâneo dos dois. A mente adequada.
transmissão sexual ao parceiro masculino Do ponto de vista microbiológico sabe-se
é conhecida mas a importância da mesma que a antibioterapia, tantas vezes desneces-
em sentido inverso é motivo de debate. sária, pode explicar algumas das recidivas

206 Capítulo 12
pois ao faltar a habitual população microbia- da por produção excessiva de prostaglandina
na da cavidade vaginal, proliferam os fungos E2 (PgE2) e bloqueio da interleucina 2 (IL-2)
desde que exista substrato nutricional. A ac- resultando a sintomatologia duma reacção de

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ção promotora dos antibióticos é geralmente hipersensibilidade com a intervenção de eosi-
atribuída à inibição da competição bacteriana nófilos e libertação de histamina25.
para os nutrientes vaginais, presunção, que A recorrência pode ainda ser o resultado de
embora lógica, parece não ser verdadeira já um tratamento inadequado, o que pode ser
que Dukes e Tettenbaum19 em 1955 mostra- consequência da opção por fármaco inapro-
ram que ratos injectados subperitonealmen- priado (avaliável através de provas de sensi-
te com C. albicans sobreviviam, enquanto que bilidade aos antifúngicos26) ou pela existência
se o inóculo fosse misturado com tetraciclina de uma farmacocinética perturbada por inac-
os ratos morriam de candidose. Talvez, então, tivação enzimática do fármaco ou por dimi-
o efeito resulte do antibiótico destruir bacté- nuição significativa da relação entre a capta-
rias que segregam factores antifúngicos ou ção (diminuída) e a expulsão (aumentada) do
de que eles mesmos estimulem directamente quimioterápico pelas células fúngicas27.
o crescimento dos fungos21. Assim, nas situações ditas crónicas é imprescin-
Também a riqueza em hidratos de carbono dível que por um lado se recorra a exames cul-
nos fluidos da diabética, mas também de turais, com o cuidado de, antes de se proceder
origem alimentar, e a imunossupressão são à colheita da amostra, confirmar que a doente
considerados importantes no estabelecimen- não se encontra submetida a terapêutica anti-
to das candidoses ditas complicadas23. Aqui fúngica, o que obriga à interrupção do seu uso
o exame cultural é fundamental não só para pelo período mínimo de 48 horas, melhor ain-
possibilitar os estudos atrás indicados como da seis dias28. E por outro, se realizar um esque-
para confirmar a cura, uma vez que tendo a ma de tratamento a longo prazo, denominado
doença como base a existência de sintomas supressivo, com vários esquemas possíveis, em
e sinais atribuíveis à presença de fungos do regra por via oral e em tomas semanais, quin-
género Candida ambos deverão regredir com zenais ou mensais, durante alguns meses.
a destruição do agente. Assim, a resposta à
terapêutica faz parte da definição, até porque 4.2.2. TRICOMONÍASE
nem sempre a persistência de queixas se rela-
ciona com a presença de microrganismos. Causada pelo flagelado Tv, identificado e
Outros factores serão igualmente importantes. pela primeira vez descrito por Alfred Don-
Assim, a prevalência da chamada colonização né em 1836, a tricomoníase é uma infecção
vaginal em 1.004 mulheres saudáveis que foi transmissível sexualmente (ITS), ou seja é
em média de 10,4% estava diminuída (6,8%) propagável por esta via, mas admite-se que
nas que tomavam contraceptivos orais com- possa não o ser exclusivamente.
binados e aumentada (13%) nas portadoras Parasita sensível às condições ambientais,
de dispositivo intra-uterino (DIU) com cobre24. sobrevive em meios com pH entre 4,8 e 8,5,
Também não existe consenso sobre a impor- preferencialmente entre 5,5 e 6,4, e tem me-
tância da estirpe que motiva a recidiva, já que tabolismo essencialmente anaeróbio, de-
a Candida albicans é a causa da maioria delas, compondo os glícidos, para originar dióxido
embora outras espécies se mostrem mais de carbono e ácidos láctico e, em menor
resistentes à terapêutica. Crê-se que sejam quantidade, pirúvico e succínico. Favorecem
factores locais os que justificarão a receptivi- assim o aparecimento da infecção os estádios
dade à colonização e a relativa permissividade vaginais nos quais se encontram alterados o
imunológica, existindo uma falta de resposta pH (> 5) e a população microbiana vaginal.
das células mononucleadas linfóides traduzi- Uma vez que aquela condição se verifica na

Infecções Ginecológicas do Tracto Genital Inferior 207


fase pós-menstrual quando a passagem do Os objectivos do tratamento são destruir o
sangue acarreta uma redução da acidez, os parasita e normalizar o ambiente biológico
sintomas da tricomoníase agravam-se carac- da vagina para assim evitar recidivas. Uma

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teristicamente a seguir à menstruação29. vez que este flagelado atinge não apenas a
Nas situações agudas, observam-se rube- cavidade vaginal mas também outras estru-
facção da vulva e edema dos pequenos turas da vizinhança (tracto urinário baixo), o
e grandes lábios e a vagina apresenta-se tratamento local não resolve o problema. Os
difusamente avermelhada, com manchas agentes tricomonicidas hoje empregues são
petequiais dispersas (a chamada cervico- derivados do imidazol (metronidazol: dois
vaginite em framboesa) e abundante cor- comprimidos de 250 mg por via oral durante
rimento fluido, amarelado ou esverdeado, 10 dias), preferencialmente ministrados em
arejado (espumoso), com cheiro fétido. O dose única (2 g). Os comprimidos devem
pH é superior a 4,5 e o teste das aminas ser tomados após as refeições e a ingestão
positivo, já que a perturbação ecológica concomitante de bebidas alcoólicas agrava
que o parasita induz favorece a população substancialmente a intensidade dos efeitos
microbiana anaeróbica. O diagnóstico tem secundários. Outros fármacos do mesmo
necessariamente de ser confirmado com a grupo já estiveram ou existem ainda no mer-
identificação do flagelado, observável em cado português (ornidazol, tinidazol, secni-
exame a fresco pelos seus característicos dazol), sendo os resultados com eles obtidos
movimentos (Fig. 4). sobreponíveis.

Figura 4. Trichomonas vaginalis (no centro): de configuração ovóide e frequentemente ancorada nas células pelo seu
axóstilo é dificilmente identificada se se não observarem os seus diversos tipos de movimentos.

208 Capítulo 12
É obrigatória a identificação dos parceiros etiologia: as que resultam da redução dos
sexuais envolvidos já que todos terão de ser meios de defesa vaginal em presença de ino-
tratados, princípio que a não ser cumprido culo significativo (vaginite atrófica) e as que

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explica a fácil disseminação do agente e o compreendem resposta à existência de factor
aparecimento de recidivas. irritativo, particularmente corpo estranho in-
O restabelecimento das condições de defesa travaginal. O diagnóstico duma e doutra são
biológica da vagina é feito fundamentalmen- fundamentalmente clínicos, complementa-
te de forma indirecta pela estrogenoterapia dos com avaliação do pH (que está elevado)
local ou sistémica, cuja finalidade é aumen- e da confirmação microscópica (grau III/IV de
tar a quantidade de glicogénio no epitélio pureza). O seu tratamento primário consiste
vaginal e assim auxiliar à recolonização por na estimulação do crescimento epitelial com
agentes comensais. estrogenoterapia, em princípio tópica, even-
Quando o Tv não provoca sintomas (o que tualmente associada a anti-sépticos para a
pode ocorrer em até 50% das mulheres in- obtenção de mais rápida recuperação, tera-
fectadas), ou os que surgem são pouco tí- pêutica que poderá ser igualmente aplicada
picos (ardor persistente, por exemplo), o às vaginites por corpo estranho da mulher
diagnóstico é frequentemente difícil. Nestes adulto, após remoção do factor causal, em
casos o escasso número de parasitas, pou- regra tampões ou preservativos retidos.
co móveis, dificulta muito a sua identifica- Outras síndromes bacterióticas são idiopáti-
ção no exame microscópico a fresco. A sua cas, no sentido em que se não sabe se o que
visualização em esfregaços corados (Gram inicia o processo é a diminuição das bactérias
ou Papanicolaou) ou o seu isolamento em protectoras, se a proliferação das associadas
cultura (meio de Diamond, por exemplo) à doença, se a subida do pH30. Não sendo
podem e devem ser realizados. doença degenerativa da vagina (que o ter-
Tratando-se de uma infecção transmissível mo vaginose faz crer), mas distúrbio caracte-
sexualmente, a sua identificação implica a rizado principalmente pela presença de um
busca das outras deste mesmo grupo. número exagerado de bactérias (bacteriose)
predominantemente anaeróbias, sem sinais
4.2.3. SÍNDROMES BACTERIÓTICAS VAGINAIS inflamatórios da parede vaginal (portanto
não sendo vaginite), a designação correcta
Outrora os quadros infecciosos vulvova- será bacteriose vaginal31,32,e não vaginose
ginais que não eram identificados como bacteriana como é usualmente conhecida.
parasitários ou fúngicos agrupavam-se na Os sintomas que motivam a consulta, quan-
definição de «vaginite inespecífica». Hoje do presentes, são fundamentalmente o fluxo,
estaremos num segundo patamar de indefi- abundante, cremoso, associado a forte odor
nição, já que a introdução de critérios para a desagradável e tipicamente agravado ao la-
caracterização da bacteriose vaginal se apre- var com sabonetes alcalinos ou na presença
senta claramente insuficiente. de fluxo menstrual ou esperma. O pH alcalino
Neste sentido, chamaremos síndromes bac- que estes produtos induzem promove a vola-
terióticas vaginais a um conjunto de quadros tilização de aminas resultantes do metabolis-
infecciosos caracterizados pelo aumento mo bacteriano, as quais são responsáveis por
exagerado e polimórfico da população bac- «cheiro a peixe podre» que é quase um mar-
teriana potencialmente patogénica com cador desta infecção. Não existe prurido, mas
redução da lactobacilar, com ou sem sinais o ardor e/ou queimor são frequentes.
inflamatórios associados. Alguns deles repre- O diagnóstico é sindromático e faz-se pela
sentam infecções vaginais polimicrobianas presença de pelo menos três dos seguintes
secundárias que se individualizam pela sua quatro elementos:

Infecções Ginecológicas do Tracto Genital Inferior 209


— Corrimento vaginal branco acinzentado, vaginalis ou ainda Corynebacterium vaginalis,
fino e homogéneo, aderente à parede e as espécies do género Mobiluncus, mais
vaginal. exactamente M. mulieris e M. curtisii. A sua

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— Valor aumentado do pH vaginal (pH > 4,5). responsabilidade etiológica nunca foi con-
— Teste para aminas no fluido vaginal po- firmada e entretanto outros microrganismos
sitivo (adição de hidróxido de potássio têm vindo a ser apontados como dominantes,
[KOH] a 10%, revelado pelo odor a peixe Atopobium spp, Megasphaera spp e Leptotri-
podre). chia spp34. Por esta razão os exames culturais
— presença de clue cells (células-chave). não têm interesse clínico. Fácil é, porém, en-
Quando em trabalhos de pesquisa, considera- tender-se porque é que a presença de tantos
se positivo para células-chave a observação microrganismos potencialmente patogénicos
dum número destas células (que se mostram explica a incidência aumentada de complica-
crivadas de bactérias de tal forma que não se ções infecciosas na gravidez (rotura prematu-
consegue visualizar o seu bordo) em quantida- ra de membranas, por exemplo) e fora dela
de superior a 20% do total, em exame a fresco (endometrite, por exemplo), cujo tratamento
em soro salino em pelo menos 10 campos de preventivo, contudo, nem sempre tem dado
400x, ou em esfregaço corado pelo Gram33. os resultados que seriam de esperar.
Usando estes critérios quando apenas alguns O perfil da população lactobacilar é, claramen-
deles estão presentes cria-se uma situação te relevante, mas não se sabe se é na bacterio-
algo indefinida, o que motivou que, princi- se causa ou consequência. De facto a quase
palmente quando em investigação clínica se totalidade das amostras vaginais de mulheres
tenham adoptado índices variados, os quais normais contêm lactobacilos produtores de
se baseiam sobretudo na observação micros- peróxido mas na bacteriose estes apenas se
cópica de esfregaços vaginais corados pelo identificam num terço delas e só em uma de
Gram. O de Nugent, por exemplo, de longe cada 10 são produtores de peróxido.
de momento ainda o mais utilizado, permite O tratamento pretende em primeira instân-
classificar a amostra pelo somatório da pon- cia reduzir o número de bactérias presente,
tuação, de 0 a 10, do quantitativo de obser- em particular das anaeróbias, recorrendo
vado de células bacterianas de Lactobacillus em regra ao metronidazol (500 mg por via
spp, Mobiluncus spp e G. vaginalis (0-3 pon- oral duas vezes por dia durante sete dias ou
tos – predominância lactobacilar normal; 4-6 óvulos vaginais numa aplicação diária pelo
pontos – flora intermediária; mais de 7 pontos mesmo período) ou à clindamicina (creme
– diagnóstico positivo de bacteriose vaginal). a 2%, uma aplicação diária [5 g] intravaginal
Para além de constituir em si mesmo um exa- durante sete dias) e depois tentar restabele-
me especializado, a necessidade de coloração cer o equilíbrio ecológico vaginal, já que a
e o tempo que requer afastam o seu uso da população lactobacilar foi, por assim dizer,
clínica, mas transformaram-no na técnica dir- totalmente destruída. Resultados de cerca
se-ia de referência para rastreio. Por isso, têm de 90% com tratamentos tópicos tornam
surgindo «testes de cabeceira» que preten- desnecessário o recurso à via sistémica até
dem identificar através de reacções rápidas pelo menor número de efeitos acessórios.
a presença de produtos específicos da bacte- Não se tratando de doença transmissível sexu-
riose vaginal, como as aminas ou os níveis de almente, não há necessidade de investigar ou
succinato e lactato. tratar os contactos sexuais, embora este último
Outrora adimitiu-se que a bacteriose vaginal e o uso de preservativos possam ter interesse
tivessem agentes primários responsáveis, ten- quando de recidivas, que são frequentes.
do sido apontados como tal a Gardnerella va- Até há pouco a vaginose bacteriana era enti-
ginalis, anteriormente chamada Haemophilus dade hegemónica dentro deste grupo, mas

210 Capítulo 12
já não é mais assim. Outras entidades foram atribuída à presença de Tv ou de estreptococos
entretanto definidas por Donders, et al.32 na do grupo A ou B, situações em que tratamen-
sequência da dificuldade sentida em classi- tos idênticos aos da bacteriose dão pelo me-

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ficar casos em que os critérios da bacteriose nos algum resultado, terá causa não infecciosa
não eram satisfeitos. Assim, a vaginite aeró- noutras em que apenas a corticoterapia tópica
bica define-se pela redução ou ausência de promove algum alívio36.
elementos lactobacilares e pela presença de A vaginite citolítica definir-se-á pela exis-
cocos, células vaginais dos estratos basais tência de sintomatologia (ardor) resultan-
e leucócitos alguns dos quais ditos tóxicos, te dum exagero dum fenómeno normal. A
com aspecto granular. Em cerca de um quinto descamação vaginal fisiológica não deter-
tem cheiro fétido, diferente do da bacteriose mina fluxo patológico mas ocasionalmente,
e não é agravado ou desencadeado pelo hi- se intenso, estabelece-se um fluido pastoso,
dróxido de potássio. Os esfregaços corados esbranquiçado, aderente ao epitélio mais
pelo Gram correspondem ao grau IV de pure- abundante no terço superior da vagina, de
za com uma flora microbiana polimorfa. odor lácteo. Carece em regra de significado
A sensibilidade aos quimioterápicos dos mi- patológico, mas pode requerer, se sintomá-
crorganismos presentes, estreptococos do tica, a aplicação de formulações alcalinizan-
grupo B e a E. coli por exemplo, é diferen- tes vulvovaginais.
te da da bacteriose e acredita-se que este Horowitz, et al.37 descreveram a lactobacilo-
facto possa explicar a divergência de resul- se como entidade caracterizada por quadro
tados clínicos obtida com os tratamentos a citolítico associada a lactobacilos anormal-
esta dirigida. mente longos, supostamente interferidos
Às situações mal definidas que não cum- metabolicamente em particular por algum
prem os critérios nem de bacteriose vaginal tipo de antibióticos. Dada a possibilidade
nem de vaginite aeróbica chamam Donders, desta situação fazer persistir ardor após tra-
et al.32 flora intermédia, sendo de preferir tamento de infecções, fúngicas, por exem-
disbacteriose. plo, pode haver necessidade de tratamento
Sendo de algum modo próximos, quando com associação de amoxicilina e ácido cla-
não típicos, os quadros da tricomoníase e da vulâmico. Os alcalinizantes em gel, porém,
bacteriose vaginal, o diagnóstico desta resul- são suficientes na maioria dos casos.
ta necessariamente da exclusão da primeira. O uso por períodos de tempo demasiado
prolongados de tampões, particularmente
4.2.4. OUTROS QUADROS se muito absorventes, que acabam por ab-
sorver não apenas o sangue mas também
Haverá que referir a possibilidade de surgi- o fluido cervico-vaginal protector, provo-
rem infecções combinadas, sendo curioso cam exsicação e descamação do epitélio no
notar, porém, que parece existir algum anta- qual surgem micro-ulceraçöes e fissurações.
gonismo já que as aminas associadas à bac- Nestas circunstâncias, na presença de Sta-
teriose vaginal parecem inibir o crescimento phylococcus aureus pode estabelecer-se no
de fungos do género Candida35. término do período menstrual uma síndro-
Um outro quadro de difícil caracterização e me de choque tóxico que inclui hipertermia,
manejo é a chamada vaginite inflamatória des- cefalalgias, mialgias, vómitos, diarreia e flu-
camativa, na qual se observa elevado número xo purulento encontrando-se à observação
de células dos estratos parabasal e basal (níveis a vagina avermelhada com micro-ulcerações
2 e 1), num fluido purulento proveniente de va- visíveis por colposcopia, quadro que se deve
gina de epitélio hiperémico, fragilizado e exul- à absorção, facilitada pela quebra da barreira
cerado. De etiologia ignorada, ocasionalmente vaginal protectora, de exotoxinas.

Infecções Ginecológicas do Tracto Genital Inferior 211


Dentre as infecções que se expressam mais As infecções por Molluscum contagiosum
significativamente a nível vulvar merecem raramente provocam sintomatologia para
uma referência, as ectoparasitoses, os condi- além das pápulas exuberantes e tipicamen-

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lomas, as lesões de Molluscum contagiosum e te umbilicadas que as caracterizam (Fig. 6).
as que se apresentam sob a forma ulcerativa. Porém, como se propagam por auto-inocu-
Sobre a escabiose e a pediculose púbica, será lação, a sua remoção por curetagem deve
importante sublinhar a necessidade de ter ser considerada obrigatória.
sobretudo elevado nível de suspeição e o As lesões ulcerosas do tracto genital inferior
cuidado de realizar uma observação porme- podem ter variadas causas e dentre estas
norizada das áreas focais de prurido, sendo algumas, como a tuberculose, são extrema-
recomendado o uso de algum tipo de am- mente raras. Três agentes devem ser siste-
pliação (lupa, colposcópio). A confirmação do maticamente considerados.
diagnóstico faz-se por observação directa ao A sífilis primária, traduzida por uma ulcera-
microscópio do parasita colocado entre lâmi- ção indolor de bordos duros («cancro duro»
na e lamela e o tratamento com soluções der- em regra única, que pode ser confirmada
matológicas de piretrinas e lindanos. por microscopia de fundo escuro, a qual se
Os condilomas acuminados (Fig. 5) repre- refere mas praticamente se não usa, obriga
sentam uma das doenças venéreas clássicas à avaliação serológica (usualmente VDRL ou
e ainda que assumindo gravidade clínica se- RPR, TPHA ou FTA-ABS) e se trata no estádio
não quando localizadas na árvore respirató- inicial com dose única de 2,4 milhões de pe-
ria, têm relevância clínica pela morbilidade nicilina benzatínica.
associada. São causados por variantes ditas
«benignas» do HPV, nomeadamente 6 e 11,
e para o seu tratamento podem utilizar-se
tratamentos destrutivos com meios físicos
(electrofulguração, criocoagulação ou laser),
químicos (ácido tricloroacético), quimioterá-
picos (derivados do Podophyllum) ou imuno-
estimulantes (imiquimod). A opção terapêu-
tica vai depender do número de lesões e da
sua localização.

Figura 6. Molluscum contagiosum (colecção do autor).

Em Portugal o diagnóstico da cancróide é


quase exclusivamente clínico (ulceração
genital única ou não, dolorosa, de bordos
moles associada a adenomegalia inguinal
inflamatória e supurativa) e feito em doen-
tes provenientes de áreas em que a afecção
é prevalente ou tenham tido contactos de
Figura 5. Condilomatose naviculoperineal (colecção do risco aumentado e que apresentam estudos
autor). negativos para sífilis e herpes. O tratamen-

Capítulo 12
212
to preferencial faz-se hoje com azitromicina exemplo) sendo de crer que a ineficácia desta
(1 g por via oral em dose única). modalidade terapêutica possa estar relacio-
Por último, as infecções herpéticas (Fig. 7) nada com a opção por estirpes que não terão

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muito esquecidas e sempre relembradas sido as mais indicadas para o efeito, uma vez
para as quais a confirmação do diagnóstico que ao contrário do divulgado não é L. acido-
por meios laboratoriais (hoje fundamental- philus a espécie mais prevalente na vagina da
mente por técnicas de biologia molecular) mulher normal, onde L. jensenii e L. crispatus,
está longe de estar acessível. Felizmente entre outras, assumem a primazia38.
que a inocuidade dos agentes terapêuticos Mas também as formulações até há pou-
utilizados (aciclovir, valaciclovir, por exem- co utilizadas não estão adequadas às exi-
plo) explica que à falta dum diagnóstico de gências dos microrganismos empregues,
certeza e suas consequências, nada mais se problema que poderá ser resolvido a curto
adicione como risco do largamente utilizado prazo graças às técnicas de particulação.
tratamento empírico. Objectivamente, porém, são ainda muitas as
dificuldades colocadas à recolonização pro-
biótica do meio vaginal39.

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214 Capítulo 12
13 Human papillomavirus
e lesões intra-epiteliais do tracto

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genital inferior
José Alberto Fonseca Moutinho

1. INTRODUÇÃO 200 diferentes PV, sendo cada um específico


de espécie que infecta, do tipo de epitélio
As lesões intra-epiteliais do tracto genital in- para o qual tem tropismo e da doença a que
ferior estão fortemente associadas à infecção está associado12.
pelo human papillomavirus (HPV). Os primei- A classificação taxonómica dos PV baseia-se
ros estudos sobre a carcinogénese induzida na homologia do gene que codifica a prote-
pelos papilomavírus (PV) foram efectuados ína L1 (a maior proteína da estrutura viral).
com o PV bovino tipo 1 (BPV-1)1. No fim da dé- Os PV que compartilham pelo menos 60%
cada de 70, foi verificado que a infecção pelo de analogia do gene L1 são agrupados no
HPV constituía um importante factor de risco mesmo género. Existem 12 géneros diferen-
para o cancro do colo do útero2. A determina- tes, designados pelas primeiras 12 letras do
ção de que algumas proteínas não-estruturais alfabeto grego. Há cinco géneros que infec-
do HPV eram diferentes das do BPV13,4 e que tam a espécie humana e sete géneros que
na maioria dos cancros do colo do útero era infectam exclusivamente animais. Todos os
possível detectar o genoma de determinados HPV de alto risco oncológico pertencem ao
tipos de HPV5,6, conduziu ao estabelecimento género A. Os PV com 60-70% de analogia
do HPV como o actual modelo para o estudo para o gene L1 estão englobados na mes-
da carcinogénese viral nas células epiteliais ma espécie. Os PV com 70-90% de analogia
genitais. A descrição da função das oncopro- para o gene L1 são incluídos no mesmo tipo.
teínas virais E7 e E6 apenas surgiu em 1989 Por questão de comodidade taxonómica, in-
e 19907-9, e veio permitir compreender os clui-se a sigla da espécie que o vírus infecta.
mecanismos moleculares da carcinogénese Considerando o HPV tipo 16, este pertence
induzida pelo HPV. O reconhecimento da im- à espécie 9 do género A. Considera-se que
portância imunológica no controlo da infec- os PV pertencem ao mesmo subtipo quan-
ção pelo HPV, incentivou o desenvolvimento do compartilham 90-98% de analogia do
das actuais vacinas profilácticas contra o HPV, gene L1, e que pertencem à mesma variante
aprovadas para uso clínico nos EUA em 2006 quando compartilham menos de 2%. Assim,
e em Portugal em 200810. o tipo 16 do HPV é constituído por um grupo
de vírus de diferente estrutura cujo compor-
tamento biológico e clínico ainda estão por
2. CLASSIFICAÇÃO DOS PAPILOMAVÍRUS esclarecer.
Com interesse para a prática clínica gineco-
Em 2004, o Comité Internacional para a Ta- lógica, os cerca de 20 tipos diferentes de HPV
xonomia dos Vírus reconheceu formalmente que afectam o tracto genital inferior, podem
a família dos papilomaviridae, que inclui a ser classificados em função do seu potencial
totalidade dos PV11. Estão descritos cerca de oncológico13:

215
— Baixo risco: 6, 11, 40, 42, 43, 44, 54, 61, 70, maturação da célula, o vírus inicia também a
72, 81, 88. sua replicação. Nas lesões intra-epiteliais, o
— Risco intermédio: 26, 55, 66. genoma do HPV pode ser encontrado na for-

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— Alto risco: 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, ma episomal, integrada ou em ambas as for-
56, 58, 59, 68, 73, 82. mas. Acredita-se que a integração do geno-
Os tipos de HPV considerados de baixo risco ma do HPV no genoma da célula hospedeira
estão geralmente associados aos condilomas ocorre precocemente, provavelmente em
acuminados e às lesões intra-epiteliais de bai- locais de maior fragilidade do genoma17-19 ou
xo grau. No entanto, para o colo do útero, os de melhor acessibilidade20-22. No cancro do
tipos de HPV de alto risco estão implicados colo do útero, o local de integração foi des-
frequentemente na génese deste tipo de le- crito em cerca de 10% dos casos no locus 24
sões. A infecção persistente pelo HPV de alto do braço curto do cromossoma 8 (8q24)23. Os
risco constitui o principal factor epidemioló- transcritos derivados do genoma integrado
gico para as neoplasias intra-epiteliais de alto são mais estáveis e menos sensíveis ao con-
grau e para o carcinoma invasivo14. trolo negativo das citocinas inflamatórias24,25.

2.1. CARACTERÍSTICAS MOLECULARES


DOS PAPILOMAVÍRUS HUMANOS 3. CARCINOGÉNESE

Os HPV são pequenos vírus que medem 3.1. MECANISMOS MOLECULARES DA


aproximadamente 55 nm, constituídos por CARCINOGÉNESE PELO HUMAN
um núcleo central que contem um genoma PAPILLOMAVIRUS
circular de ADN de dupla cadeia, e por uma
cápside icosaédrica com 72 pentâmeros15,16. A carcinogénese induzida pelo HPV tem sido
O genoma do HPV é composto por cerca de estudada intensivamente no cancro do colo
8.000 pares de bases e pode ser subdividido do útero. O processo de carcinogénese tem
em três regiões funcionais: que ultrapassar três importantes «barreiras»
— Região reguladora (upper regulatory region para que as células epiteliais infectadas pelo
[URR]), onde estão localizados os recepto- HPV de alto risco (HR-HPV) culminem no
res para as proteínas que regulam a expres- cancro invasivo. Este é um longo «caminho»
são génica e a replicação do ADN viral. que pode durar entre 15 a 25 anos.
— Região inicial (early region [ER]) que codi- A primeira barreira é o sistema imunológico.
fica as proteínas que regulam a transcri- As células infectadas pelo HPV desenvol-
ção viral (E2), a replicação do ADN viral vem epítopos que são reconhecidos como
(E1 e E2), a proliferação celular (E5, E6 e estranhos pelas células de Langherans, via
E7) e a libertação dos viriões (E4). sistema HLA classe 1. Em cerca de 10% das
— Região terminal (late region [LR]), que mulheres infectadas pelo HR-HPV, o sistema
codifica as duas proteínas que formam a imunológico é incapaz de combater a infec-
cápside viral. ção, e ficam criadas as condições para a in-
O HPV infecta as células basais dos epitélios fecção subclínica persistente26.
queratinizados, provavelmente em conse- A segunda barreira é o normal controlo da
quência de microtraumatismos que «frac- proliferação celular. A proteína E6 do HR-
turam» os tecidos. Nestas células, em fase HPV promove a degradação da p53 celu-
G0 do ciclo celular, o genoma do vírus pode lar, enquanto que a proteína viral E7 inibe a
manter-se latente por longos anos, em esta- pRb (proteína supressora tumoral) celular. A
do episomal, circular, e em limitado número inibição da acção destas proteínas celulares
de cópias. Com o início da diferenciação e a liberta o ciclo celular da acção inibidora das

216 Capítulo 13
cinases ciclinodependentes, especialmente uso de contraceptivos orais40, o tabagismo41,
da p16INK4 e da p14ARF27,28. A perda desta as doenças sexualmente transmissíveis42,43 e
2.a barreira tem sido associada à «imortaliza- estados de carência nutricional44 têm sido as-

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ção» em cultura das células infectadas pelo sociados à carcinogénese pelo HPV.
HPV e às lesões escamosas intra-epiteliais de
baixo grau (LSIL).
A terceira barreira é constituída pelas cito- 4. NEOPLASIA INTRAEPITELIAL
cinas específicas, especialmente o factor de DO COLO DO ÚTERO
necrose tumoral A (TNF A) que silenciam a
maioria dos transcritos virais29,30. A falência Das lesões intra-epiteliais que afectam o
desse efeito inibidor, especialmente por me- aparelho genital feminino, as neoplasias
tilação aberrante31,32, tem sido associada ao intra-epiteliais do colo do útero (CIN), con-
desenvolvimento de lesões escamosas de sideradas lesões precursoras do cancro in-
alto grau (HSIL) e ao carcinoma in situ. vasivo, têm sido as mais intensivamente es-
Provavelmente, mutações genómicas adi- tudadas. Em Portugal e em 2005, 10,5% da
cionais, não esclarecidas, conduzem ao car- mortalidade feminina por cancro no grupo
cinoma invasivo e ao estabelecimento de etário dos 35-44 anos deveu-se ao cancro
metástases. do colo do útero10. Segundo as previsões
As proteínas E6 e E7 do HPV são assim funda- de 2004 da Organização Mundial de Saúde,
mentais não só para a indução da carcinogé- vai-se registar a nível mundial um sempre
nese como para a progressão oncológica. A crescente aumento do número de novos
inibição da expressão génica dessas proteí- casos de cancro do colo do útero, que po-
nas virais resulta na apoptose e na senescên- derá atingir um milhão de novos casos pelo
cia das células malignas do colo do útero33. ano 2050, com especial incidência nos pa-
Os HR-HPV parecem apresentar maior capa- íses subdesenvolvidos45, situação que não
cidade para a integração do genoma viral, deixa de ser preocupante.
para sintetizarem maior número de trans- Geralmente, a infecção do colo do útero pelo
critos estáveis e de induzir de forma mais HPV manifesta-se por alterações no esfrega-
sustentada a metilação do ADN dos genes ço citológico. O diagnóstico citológico está
supressores tumorais celulares34. uniformizado através do sistema classifica-
tivo de Bethesda46, consensual para a quase
3.2. COFACTORES NA CARCINOGÉNESE totalidade dos citopatologistas.
DO HUMAN PAPILLOMAVIRUS O diagnóstico citológico de células escamo-
sas atípicas (ASC) é dos mais frequentemen-
Raramente a infecção pelo HPV anogenital re- te encontrados na clínica, no entanto é o
sulta em neoplasia intra-epitelial e carcinoma menos reprodutível. Inclui duas categorias:
invasivo. Calcula-se que das 630 milhões de células escamosas atípicas de significado
pessoas que em todo o mundo são infectadas indeterminado (ASC-US); células escamosas
anualmente pelo HPV, pouco mais de 500.000 atípicas, mas não se podendo excluir a pre-
vêem a desenvolver um cancro anogenital35. sença de alterações citológicas de alto grau
A infecção pelo HPV parece ser necessária, (HSIL) (ASC-H). Esta segunda categoria está
mas não o suficiente para o desenvolvimento mais associada à infecção pelos HR-HPV (40-
das lesões intra-epiteliais do trato genital in- 51% versus 74-88%)47-52.
ferior36. Para além da persistência do HPV de As alterações citológicas de baixo grau
alto risco, outros co-factores, tais como a he- (LSIL) estão muito associadas à infecção
reditariedade37, a infecção pelo vírus da imu- produtiva pelo HPV. No entanto, a preva-
nodeficiência adquirida38, a alta paridade39, o lência de CIN2 e CIN3 nas mulheres com

Human papillomavirus e lesões intra-epiteliais do tracto genital inferior 217


estas alterações citológicas situa-se entre (displasia ligeira); CIN 2 (displasia modera-
os 12 e 17%53,54. da) CIN3/carcinoma in situ (displasia grave).
As HSIL nem sempre correspondem a lesões Mais tarde, e mais de acordo com o seu

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de CIN2 e CIN3, mas a prevalência de CIN2, comportamento biológico, a classificação
CIN3 e carcinoma invasivo é alta, em 53 a 66% histológica foi modificada e equiparada à
das biopsias efectuadas nestas doentes54-56. classificação citológica de Bethesda: neo-
Nas alterações citológicas das células glan- plasia escamosa intra-epitelial cervical de
dulares podem ser consideradas três catego- baixo grau (LGCIN), que engloba os con-
rias: células glandulares atípicas (AGC); AGC dilomas acuminados e as lesões de CIN1;
que sugerem a presença de neoplasia intra- neoplasia escamosa intra-epitelial de alto
epitelial (AGC favor neoplasia); AGC muito grau (HGCIN), que inclui as CIN2, CIN3 e o
sugestivas de adenocarcinoma in situ (AIS). carcinoma in situ63. Esta divisão histológica
As alterações citológicas glandulares com- da doença tem-se mostrado muito útil na
portam elevado risco de cancro subjacente. orientação das estratégias terapêuticas.
Mesmo as AGC, que se têm associado a al- Não é aceitável a realização de qualquer tipo
terações reactivas do epitélio glandular, têm de biopsia dirigida ao colo do útero sem pré-
um risco de cancro invasivo de 3 a 17%57-60. via realização de colposcopia, excepto na
Embora o diagnóstico citológico não seja um presença de tumor exofítico.
diagnóstico definitivo, e não seja adequado O estudo ALTS64 veio demonstrar que o risco
para a orientação da terapêutica definitiva, de uma mulher vir a desenvolver uma lesão
está associado a morbilidade psicossocial de CIN2 ou de CIN3, num período de dois
significativa. Mesmo para as mulheres com anos, após ter sido submetida a um estudo
alterações citológicas de baixo grau foi esti- colposcópico negativo ou positivo, mas com
mada uma morbilidade de 59%61, relaciona- biopsia negativa para CIN, é semelhante ao
da com o receio de virem a contrair cancro, de uma mulher com um diagnóstico histo-
com possíveis efeitos negativos na sua sexu- lógico de CIN1 (12-13%, respectivamente),
alidade e com eventual comprometimento comprovando a inespecificidade patológica
da sua fertilidade. das lesões de CIN1.
Toda a alteração citológica do colo do úte- As lesões de CIN 2 constituem um grupo
ro deve merecer atenção. Os métodos de heterogéneo, quer na sua caracterização,
diagnóstico que são utilizados para o seu es- quer no seu comportamento biológico. No
clarecimento são a pesquisa de HPV de alto estudo ALTS apenas 43% dos diagnósticos
risco, a colposcopia e a biopsia. No sentido de CIN2 foram consensuais para um grupo
de minorar a morbilidade, melhor a eficiên- de especialistas65. Numa revisão da literatura
cia diagnóstica e reduzir os custos, tem-se foi observado que 43% das lesões de CIN2
procurado padronizar a sua metodologia não tratadas regrediram, 35% persistiram,
de investigação. A Sociedade Portuguesa 22% progrediram para carcinoma in situ e
de Ginecologia, tal como outras sociedades 5% para carcinoma invasivo66.
científicas internacionais, disponibiliza no As lesões de CIN3/carcinoma in situ são con-
seu site da Internet guidelines actualizadas sideradas as verdadeiras lesões precursoras
de consenso. do carcinoma epidermóide do colo do úte-
A CIN é um diagnóstico histológico, cujo ro. As taxas de regressão, persistência e pro-
termo foi proposto inicialmente por Ri- gressão para cancro invasivo situam-se nos
chart em 196862 e ainda hoje se mantém 32, 56 e 14%66.
actual. As lesões foram divididas em três O AIS é considerado a lesão precursora do
categorias histológicas, representando um adenocarcinoma invasivo do colo do útero58.
contínuo de progressão oncológica: CIN 1 Não existe terapêutica médica comprovada

218 Capítulo 13
para a neoplasia intra-epitelial do colo do útero. vo como método anticonceptivo, são medi-
O tratamento das lesões de CIN1, em função das que devem ser incentivadas.
da sua heterogeneidade e do seu baixo risco Duas vacinas profilácticas contra a infecção

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de progressão, deve ser conservador, espe- pelo HPV, já se encontram comercializadas:
cialmente em mulheres com idade inferior a Gardasil (HPV6, 11, 16 e 18) e Cervarix
25 anos. Pode ser considerada a destruição (HPV16 e 18). Ambas as vacinas têm demons-
da lesão, preferencialmente por vaporização trada alta eficácia na prevenção da infecção
LASER CO2. pelo HPV, no desenvolvimento da neoplasia
Todas as lesões de CIN2 e de CIN3/carcino- intra-epitelial e do cancro invasivo67-69.
ma in situ devem ser tratadas. O principal Prevê-se que a implementação universal
objectivo do tratamento é evitar a progres- das vacinas profilácticas contra o HPV se vai
são das lesões para carcinoma invasivo. Os manifestar numa redução significativa das
métodos de tratamento podem ser destruti- lesões de CIN3 e de carcinoma invasivo, mas
vos, excisionais ou mistos. São pré-requisitos parece vir a ter pouco impacto nas incidên-
para os tratamentos destrutivos: ausência de cia das alterações citológicas de baixo grau70.
lesão visível no canal cervical; lesão comple- A infecção pelo HPV16 está associada a uma
tamente visível à colposcopia; concordân- maior incidência de alterações citológicas e
cia entre o estudo citológico e histológico; colposcópicas, e é o tipo de vírus com maior
ausência de presunção de neoplasia invasi- importância na positividade do teste para os
va. Os métodos destrutivos validados são a HR-HPV34. A longo prazo, a vacinação profi-
criocirurgia e a destruição com LASER CO2. láctica contra o HPV pode-se traduzir numa
Os métodos excisionais têm a vantagem diminuição da sensibilidade da citologia e
da obtenção de material para estudo histo- da colposcopia e numa modificação na uti-
lógico, e consistem na conização com ansa lidade do teste para os HR-HPV71.
diatérmica, com LASER CO2 ou «a frio». A uti-
lização da histerectomia para o tratamento
da neoplasia intra-epitelial do colo do útero 5. NEOPLASIA INTRAEPITELIAL
deve ser evitada, excepto na presença de ou- DA VULVA
tras patologias uterinas e depois de obser-
vados os pré-requisitos delineados para os A denominação de neoplasia intra-epitelial
tratamentos destrutivos. da vulva (VIN) foi introduzida em 1986 pela
Também para o tratamento da neoplasia in- Society for Study of Vulvo-vaginal Diseases
tra-epitelial do colo do útero foram elabora- (ISSVD)72. Inicialmente, as lesões de VIN,
das guidelines de consenso disponíveis nos por analogia à CIN, foram divididas em três
sites de várias sociedades científicas inter- graus: VIN I, VIN II e VIN III.
nacionais dedicadas ao estudo da patologia O diagnóstico de VIN é histológico e a realiza-
cervical. ção de estudo por biopsia é obrigatório.A ISS-
A prevenção da neoplasia intra-epitelial do VD, no seu congresso de 200473, com base na
colo do útero consiste na modificação dos fraca reprodutibilidade das lesões de VIN I, que
hábitos de vida e na administração da vacina em geral correspondem a reacções inflamató-
profiláctica contra o HPV. rias do epitélio vulvar desencadeadas por es-
Tendo em conta os factores epidemiológicos tímulos diversos, e na raridade das lesões de
para a infecção pelo HPV, a educação das jo- VIN II, actualizou a classificação da VIN, que
vens para evitarem o início precoce da sua deixou de ser considerada em graus, para:
actividade sexual, para limitarem o número — VIN de tipo usual, dividido em: verrucoso;
de parceiros sexuais, para a abstenção tabá- basalióide; misto (verrucoso/basalióide).
gica, e para favorecerem o uso do preservati- — VIN de tipo diferenciado.

Human papillomavirus e lesões intra-epiteliais do tracto genital inferior 219


— VIN de tipo não classificado (se não clas- no epitélio desprovido de pêlos, incluindo
sificável nas duas categorias anteriores). o clítoris e o períneo, embora possam afec-
Em 66 a 100% dos casos de VIN de tipo usu- tar qualquer parte da vulva77-91,93,94. As lesões

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al tem sido possível detectar o genoma do de VIN, de forma independente do seu tipo
HR-HPV, especialmente do HPV1674,75, e a morfológico, tendem a envolver as unidades
doença é multifocal e/ou multicêntrica em pilossebáceas do epitélio vulvar em 30 a 50%
cerca de 60% dos casos76. As lesões de VIN dos casos95,96, e podem-se estender em pro-
diferenciado tendem a ser unifocais e a loca- fundidade até de 3,5 mm, desde a superfície
lizarem-se na proximidade de um carcinoma do epitélio, aspecto que deve ser valorizado
escamoso invasivo77. no planeamento das terapêuticas a instituir.
A taxa de incidência das VIN tem aumen- Não existem sinais vulvoscópicos específicos
tado de forma gradual e progressiva, espe- das lesões de VIN. No entanto, a utilização da
cialmente em mulheres mais jovens78, pro- vulvoscopia permite a melhor demarcação
vavelmente em relação com a modificação das lesões e facilita a identificação da mul-
dos seus hábitos sexuais, o tabagismo e o tifocalidade da doença97, devendo ser valori-
aumento da incidência das infecções pelo zadas as áreas hiperqueratósicas, ulceradas,
HPV. O antecedente de condilomas vulva- pigmentadas e com padrões vasculares. De-
res foi relacionado com um risco relativo vem ser efectuadas múltiplas biopsias, em
(RR) de 15,8 a 18,5 de contrair uma lesão de todas as lesões suspeitas, após infiltração
VIN III79,80, enquanto que a seropositividade anestésica local e preferencialmente com
para o HPV16 foi associada a um RR entre punch dermatológico de Keyes (4-6 mm).
3,6 e 13,481,82. Foi determinado que em 2/3 O tratamento da VIN é fundamentalmente
dos casos as lesões de VIN III surgiram asso- cirúrgico. Pode ser excisional, destrutivo ou
ciadas à neoplasia intra-epitelial do colo do misto. Os métodos excisionais consistem na
útero e/ou da vagina (VaIN), das quais 43% excisão alargada das lesões98 e da excisão da
eram de alto grau83. As mulheres infectadas pele da vulva seguida de enxerto cutâneo
pelo VIH têm uma incidência de lesões de (skinning vulvectomy)99. Dos métodos des-
VIN III, em geral associada à neoplasia intra- trutivos, a vaporização LASER das lesões foi
epitelial cervical, vaginal e anal, quatro a seis o que adquiriu maior popularidade porque
vezes superior84,85, incidência essa que tende permite o controlo colposcópico da profun-
a diminuir por acção da medicação anti-re- didade da destruição epitelial, e com taxas
troviral. Parece existir consenso sobre a influ- de recidiva semelhantes às obtidas pelos
ência negativa do tabagismo na incidência métodos excisionais90. A combinação de am-
das VIN84,85. Tem-se especulado que o efeito bos os métodos (excisionais e destrutivos)
imunossupressor local do tabagismo pode pode facilitar o tratamento das lesões muito
contribuir para a persistência do HPV nas cé- extensas. Os principais factores de risco para
lulas epiteliais, constituindo assim importan- a recidiva, independentemente do método
te factor para a carcinogénese86. de tratamento utilizado, são a multicentrici-
As lesões de VIN III comportam elevado risco dade, a multifocalidade, a presença de HPV
de progressão para cancro invasivo, embora de alto risco, a infecção por VIH e a margem
raramente possam regredir87-89. de ressecção inferior a 5 mm77,90,100.
Não existem sintomas ou sinais clínicos espe- A terapêutica local com imiquimod parece
cíficos das lesões de VIN. O seu aspecto ma- abrir uma porta de esperança para o trata-
croscópico pode ser muito variado, mas são mento médico das lesões multifocais de VIN
sempre lesões elevadas, papulares90. Podem ou para a sua redução dimensional, com vis-
ser hiperqueratósicas, ulceradas ou pigmen- ta a uma terapêutica excisional ou destrutiva
tadas91-92, e localizam-se preferencialmente definitiva101.

220 Capítulo 13
A vacina quadrivalente profiláctica contra os útero. A biopsia orientada através do exame
tipos de HPV6, 11, 16 e 18 demonstrou uma colposcópico é fundamental para o diagnós-
eficácia de 100% na prevenção da VIN, quan- tico. Todas as lesões vaginais que não coram

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do ensaiada em mulheres antes do início da após a aplicação de soluto de Lugol devem
sua actividade sexual e uma eficácia de 71% ser submetidas a biopsia.
quando administrada à população feminina O objectivo do tratamento das lesões de
em geral102. Ainda não existem resultados VaIN é evitar a progressão oncológica da do-
publicados da vacina profiláctica bivalente ença. A maioria das lesões de VaIN1 é regres-
contra os tipos de HPV16 e 18 sobre a pre- siva. Apenas as lesões de VaIN2 e de VaIN3
venção das VIN, mas é previsível que sejam comportam risco acrescido de progressão
sobreponíveis aos da vacina quadrivalente. para carcinoma invasivo da vagina104,105,111 e
devem ser tratadas de forma agressiva.
As modalidades terapêuticas para o tra-
6. NEOPLASIA INTRAEPITELIAL tamento da VaIN incluem a abstenção te-
DA VAGINA rapêutica para as VaIN1, e a vaginectomia
parcial e a vaporização LASER das lesões de
A VaIN é muito mais rara que as lesões de CIN VaIN1 persistentes, VaIN2 e VaIN3. Excepcio-
e VIN, no entanto a sua incidência tem vin- nalmente, pode ser utilizada a aplicação tó-
do a aumentar progressivamente, talvez em pica de 5-fluorouracilo112.
consequência da sensibilização dos médicos Independentemente do método terapêuti-
para esta doença como pela prática mais ge- co utilizado, as recorrências são frequentes
neralizada da colposcopia103. pelo que a vigilância da doente deve ser
O diagnóstico das lesões de VaIN é histológi- efectuada por períodos prolongados.
co e por analogia à CIN em lesões são dividi- A vacina profiláctica contra o HPV (Gardasil®)
das em VaIN1, VaIN2 e VaIN3. Num grupo de conferiu, num período de três anos, uma
76 doentes, em 53% foi diagnosticado VaIN1; protecção de 100% em população de jovens
em 19% VaIN2; e em 29% VaIN3103. sem prévia infecção pelo HPV16 e 18, e de
Mais de 80% das lesões de VaIN localizam- 49% nos restantes casos112.
se no 1/3 superior da vagina104,105, e em 75%
das doentes estão associadas à CIN, 8% dos
casos por extensão directa106. Em mulhe- Bibliografia
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224 Capítulo 13
14 Puberdade e seus distúrbios

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Ana Aguiar e C. Calhaz Jorge

1. INTRODUÇÃO ável com o método usado (apenas inspecção


ou também palpação) e que essa identifica-
A puberdade é o período de transição da ção se pode tornar difícil na presença de obe-
infância para a adolescência, marcado pelo sidade. Os estudos populacionais baseiam-se
desenvolvimento de caracteres sexuais se- habitualmente na idade da menarca, mas
cundários, surto de crescimento acelerado, mesmo esse episódio tem registo mais fiável
alterações comportamentais e aquisição da quando é efectuado de modo prospectivo.
capacidade reprodutiva. É um período dinâ- Estudos vários, na Europa e EUA, mostraram
mico e complexo de alterações endócrinas uma diminuição progressiva da idade da me-
várias que irão ser abordadas neste capítulo narca desde o final do século XIX até meio do
apenas na perspectiva do sexo feminino. século XX4,5. Essa evolução tem sido atribuída
A idade da puberdade normal tem uma gran- a melhorias na saúde, na alimentação e nas
de variação considerando-se, de um modo condições de vida em geral. Não existe con-
geral, que ela tem o seu início entre os 8 e os cordância sobre se tal tendência se manteve
13 anos com a média em torno dos 10,5 anos. entre meados e o final do século XX6.
Parte desta variação fisiológica está relacio- O factor iniciador da puberdade permanece
nada com factores genéticos e ambientais. É um mistério embora se considere que resul-
aceite a importância da raça neste domínio, ta de uma complexa inter-relação entre fac-
tal como é reconhecido que a puberdade tores genéticos e nutricionais, com repercus-
ocorre mais cedo em raparigas cuja mãe teve são sobre neurotransmissores e hormonas.
a menarca em idades precoces e em raparigas
que nasceram com baixo peso ou que tiveram
excesso de ganho de peso ou obesidade nos 2. ASPECTOS NEUROENDÓCRINOS
primeiros anos de vida1. O uso de diferentes
marcos para a definição temporal da puber- Em termos endócrinos, a puberdade na
dade é também um factor que justifica algu- nossa espécie é caracterizada por dois pro-
ma da variação apontada2. Os mais utilizados cessos: a produção de androgénios pelas
desses marcos são os estádios de Tanner3 e a glândulas supra-renais (adrenarca) e a reac-
idade da menarca. No primeiro caso, aceita- tivação do eixo hipotálamo-hipófise-góna-
se que o estádio 2 (aparecimento do botão da (HHG) (gonadarca).
mamário) corresponde ao início do processo São numerosas as evidências que apoiam
pubertário e, de acordo com os dados publi- que se trata de dois fenómenos indepen-
cados por Marshall e Tanner (1969), 95% das dentes: em casos de aparecimento de pêlos
raparigas atingem aquele estádio entre os 8 e púbicos e axilares antes dos oito anos (adre-
os 13 anos. Há que ter presente que a acuida- narca prematura), não existe precocidade da
de da identificação do botão mamário é vari- gonadarca; em caso de hipogonadismo, seja

227
hipergonadotrófico (como a disgenesia go- período de quiescência do eixo gonado-
nadal) seja hipogonadotrófico (por exemplo, trófico durante a infância está ligado a uma
síndrome de Kallmann), não há gonadarca inibição central da secreção de GnRH. Os

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mas a adrenarca ocorre como habitualmente; mecanismos que levam à libertação dessa
em casos de puberdade precoce (PP) verda- inibição, e consequente efeito estimulante
deira a adrenarca ocorre depois da gonadarca. sobre o eixo HHG por ocasião do início da
Adrenarca é, portanto, a designação atribuí- puberdade, continuam a ser desconheci-
da ao aumento da secreção de androgénios a dos embora tenham sido apontados alguns
partir da zona reticular do córtex supra-renal. dos intervenientes.
É acompanhada por alterações nas estruturas Assim, há dados que indicam que a activa-
pilossebáceas (associadas a desenvolvimento ção da secreção de GnRH possa ser regulada
de acne e de odor corporal), por um surto de por vias inibidoras e estimuladoras onde se
crescimento transitório e pelo aparecimento incluem vias de comunicação transinápticas
de pêlos axilares e púbicos, mas sem desen- e glianeuronais8. À medida que são activadas
volvimento sexual. Chegou a ser sugerido redes neuronais que usam aminoácidos ex-
que a activação da secreção de androgénios citatórios ou o péptido kisspeptina há redu-
pelas supra-renais pudesse constituir o fenó- ção da actividade dos neurónios que usam
meno responsável pelo despoletar da puber- neurotransmissores inibitórios como o ácido
dade. No entanto, as informações disponíveis G-aminobutírico9 (GABA) ou o neuropéptido
são mais no sentido de que a activação das Y10. Estudos recentes sugerem que remode-
supra-renais é um fenómeno progressivo, lações estruturais dos neurónios produtores
com início anos antes, e que a adrenarca clíni- de GnRH podem ter um papel importante
ca apenas reflecte o facto de os androgénios no início da puberdade11.
terem atingido níveis suficientes para produ- Por outro lado, péptidos produzidos por te-
zirem alterações somáticas7. cidos periféricos, como a hormona leptina,
A primeira evidência química da puberda- derivada dos adipócitos, parecem integrar
de é, compreensivelmente, um aumento na este processo complexo, actuando, even-
produção e libertação de desidroepiandros- tualmente, como sinal de que as reservas
terona (DHEA) e respectivo sulfato (DHEA-S) energéticas são adequadas para manter,
pelas glândulas supra-renais. Esse aumento completar e possivelmente mesmo iniciar
inicial é detectado habitualmente entre os a puberdade. A leptina aumenta durante
sete e nove anos de idade, seguindo-se um a infância até ao início da puberdade e há
aumento progressivo para os níveis adultos. uma relação directa entre os seus níveis
Não se conhecem os factores que regulam a e a idade da menarca12. A relação entre a
adrenarca mas ela não parece estar sob con- maturação pubertária e a massa adiposa é
trolo directo de hormona adreno-corticotró- posta em evidência não só pelo reconhe-
fica (ACTH) ou gonadotrofinas. cimento generalizado de que as crianças
A gonadarca, que ocorre anos mais tarde, obesas iniciam a puberdade mais cedo do
relaciona-se com a activação da produção que as magras, mas também pelos estudos
de hormonas esteróides sexuais. Na segun- de Frisch que teorizam que é indispensável
da metade da vida fetal e logo após o nas- uma massa adiposa crítica (cerca de 17%
cimento a secreção de hormona libertadora do peso corporal) para que ocorra a menar-
das gonadotrofinas (GnRH) mantém-se ele- ca sendo necessária uma proporção ainda
vada mas diminui durante a primeira infân- maior (22% do peso corporal) para a manu-
cia e é praticamente ausente até à puber- tenção da capacidade reprodutiva13.
dade, apesar da inexistência de qualquer Foram também encontrados novos genes
retrocontrolo por esteróides sexuais. Este envolvidos na migração dos neurónios de

228 Capítulo 14
GnRH e genes envolvidos na regulação do dócrinos de regulação a nível hipotalâmico.
eixo HHG, realçando-se a importância do Distinguem-se vários tipos:
sistema de hormonas kisspeptinas/Gpr-54 — O sistema glutaminérgico que funciona

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no controlo modulador do eixo gonadotró- como estimulador das células produto-
fico na puberdade tendo-lhe sido atribuído ras de GnRH a nível hipotalâmico. Du-
um papel directo na síntese e libertação rante a puberdade foi demonstrada uma
de GnRH14. Mutações do gene Gpr-54 (no neurotransmissão de tipo glutaminérgi-
cromossoma 19p13.3) causam no modelo co aumentada indutora da estimulação
em cobaia e no humano uma situação de da produção de GnRH.
ausência de puberdade (hipogonadismo — O sistema GABAminérgico (GABA) que
hipogonadotrófico [HH]), de transmissão intervém através da activação de recep-
autossómica recessiva, havendo evidências tores específicos (receptor GABAa). Tem
da necessidade da sua normalidade para o um papel inibitório sobre os neurónios
processamento e secreção de GnRH15. secretores de GnRH durante o período
Sejam quais forem os mecanismos subja- pré-pubertário. Na altura da puberdade
centes, o aumento na frequência e ampli- essa acção inibitória diminui.
tude dos pulsos de GnRH e um aparente — As células gliais regulam a secreção de
aumento da sensibilidade hipofisária a este GnRH por intermédio dos factores de
péptido levam a um incremento da produ- crescimento transformador (TGF) tipo
ção de hormona folículo-estimulante (FSH) α e β, factor de crescimento epidérmico
e hormona luteino-estimulante (LH) pela hi- (EGF) e neuregulina (NRG).
pófise anterior. Inicialmente, os pulsos mais — Na regulação neuroendócrina também
intensos de GnRH ocorrem durante a noite. intervêm outros sinais estimulatórios ou
Também os pulsos de LH e FSH do início da inibitórios como o neuropéptido Y, a me-
puberdade são apenas durante o sono não- latonina, as catecolaminas, a serotonina,
REM mas, com o tempo, progridem para a a galanina.
existência ao longo de todo o dia. A LH é a Durante a puberdade a concentração de
gonadotrofina predominante na puberda- hormona do crescimento (GH) circulante au-
de. E não aumenta apenas pelo seu nível menta de forma muito intensa. Por estimula-
imunologicamente mensurável; há tam- ção pela GH, por volta dos 10 anos de idade,
bém um aumento proporcionalmente su- os níveis circulantes de factor de crescimen-
perior da LH biologicamente mais potente, to «insulina-like» (IGF-I) começam a elevar-se
por alteração no padrão de glicosilação da e atingem um pico aquando da velocidade
molécula16. A LH estimula a produção de máxima de crescimento durante a puberda-
androstenediona e testosterona pelas célu- de. A diminuição dos níveis da proteína 1 de
las da teca. A FSH estimula a aromatização transporte de IGF-I (IGFBP-1) durante a pu-
dos androgénios pelas células da granulosa berdade, contribui para uma maior fracção
com a consequente síntese de estrogénios metabolicamente activa de IGF-I.
e a foliculogénese. Os ciclos menstruais
pós-menarca são inicialmente anovulató-
rios; os picos ovulatórios de LH em resposta 3. ASPECTOS CLÍNICOS
aos níveis de estradiol surgem mais tarde na DA PUBERDADE NORMAL
puberdade.
Os mecanismos exactos da reactivação do As alterações físicas seguem-se às modificações
eixo gonadotrófico permanecem impreci- hormonais. Sob o ponto de vista do biótipo, a
sos, tendo sido recentemente postos em puberdade normal consiste numa progressão,
evidência numerosos mecanismos neuroen- em sequência ordenada, de processos que se

Puberdade e seus distúrbios 229


prolonga, em média, por um período de 4,5 é habitual definir níveis ou estádios na sua
anos (entre 1,5 e 6 anos)17: evolução. O sistema habitualmente utiliza-
— Crescimento somático acelerado. do é o proposto por Marshall e Tanner3 e a

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— Maturação dos caracteres sexuais primá- sequência de modificações é comummente
rios (gónadas e genitais). referida como os «estádios de Tanner». Estes,
— Aparecimento dos caracteres sexuais se- no sexo feminino, baseiam-se na avaliação
cundários. do desenvolvimento mamário ou telarca (di-
— Menarca. mensões mamárias e contornos areolares) e
Embora não sejam as alterações que ocor- da pilosidade púbica (muitas vezes designa-
rem em primeiro lugar, são os caracteres da por pubarca). Trata-se de uma escala de
sexuais secundários que marcam clinica- cinco estádios em que o estádio 1 é o pré-
mente o início da puberdade. Se bem que pubertário, o estádio 2 representa o início da
a sua progressão constitua um contínuo e puberdade e o estádio 5 é o de desenvolvi-
não uma sucessão de surtos ou degraus, mento adulto (Fig. 1).

1 1

2 2

3 3

4 4

5 5

Figura 1. Estádios de Tanner.

230 Capítulo 14
O primeiro sinal da puberdade é, em cerca metade das jovens irá ovular regularmente
de 80% das raparigas, o aparecimento de nos 4,5 anos seguintes23. Nas adolescentes, a
tecido mamário palpável subareolar. Para as anovulação é responsável por cerca de 80%

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restantes, o primeiro sinal é o surgimento de das hemorragias uterinas disfuncionais.
pêlos púbicos. Embora estejam descritos casos de gravidez
antes da menarca, a capacidade reprodu-
3.1. CRESCIMENTO tiva correspondente à da fase reprodutiva
da vida habitualmente só é atingida após o
O surto de crescimento nas raparigas atinge completar do desenvolvimento dos caracte-
o seu pico cerca de dois anos após o apareci- res sexuais secundários.
mento do botão mamário e entre 0,5 e 1 ano
antes da menarca18. Traduz-se num aumento
de 6 a 11 cm na altura. Resulta da acção con- 4. PUBERDADE ANORMAL
certada de hormona de crescimento, IGF-I e
esteróides sexuais. Os androgénios supra-re- Várias entidades patológicas podem resultar
nais não estão envolvidos (doentes com do- em desenvolvimento pubertário precoce,
ença de Addison têm um padrão normal de tardio ou ausente. Embora muitos casos de
crescimento pubertário). O factor primordial precocidade sexual e alguns de puberdade
parece ser o IGF-I19 mas as hormonas sexuais tardia possam ser constitucionais, é indis-
têm também acção directa positiva sobre pensável excluir situações patológicas sub-
o crescimento ósseo. E são também estas jacentes, eventualmente corrigíveis.
hormonas que, contribuindo para o encerra-
mento das cartilagens de conjugação, limi- 4.1. PUBERDADE PRECOCE
tam a altura final atingida. Aparentemente,
os estrogénios são o esteróide sexual mais É definida como o desenvolvimento dos ca-
importante no crescimento pubertário, quer racteres sexuais secundários antes dos oito
em raparigas quer em rapazes20. anos de idade nas raparigas, o que corres-
Aproximadamente 17-18% da altura em adul- ponde a mais de dois desvios-padrão abaixo
to deve-se ao crescimento na puberdade21. da média. Tem uma prevalência estimada de
cerca de 0,2%24,25.
3.2. MENARCA A PP pode classificar-se conforme se indica
no quadro 1.
A menarca ocorre tipicamente durante a fase O desenvolvimento sexual precoce resulta de
de desaceleração do crescimento linear, isto uma exposição prematura dos tecidos aos es-
é, 6 a 12 meses após o pico máximo de cresci- teróides sexuais seja qual for a sua fonte. Em
mento, e em média 2,5 anos após o início da pelo menos 50% dos casos as manifestações
puberdade3,18,22, usualmente entre os estádios de precocidade sexual regridem ou deixam
3-4 do desenvolvimento dos pêlos púbicos e de progredir não sendo necessária qualquer
4-5 do desenvolvimento mamário. terapêutica26. A probabilidade de se estar pe-
Os períodos menstruais são geralmente rante uma situação patológica aumenta se
irregulares, assim como a ovulação duran- houver desenvolvimento sexual em crianças
te os primeiros 12 a 18 meses e ocasional- muito novas ou se houver um desenvolvi-
mente até três a quatro anos. A progressão mento contra-sexual, isto é, virilização.
para ciclos ovulatórios é temporalmente O mecanismo mais comum da PP progressi-
mais longa quando a idade da menarca é va é a activação precoce da secreção pulsátil
mais avançada; de facto, quando a menarca de GnRH (dependente das gonadotrofinas
ocorre depois dos 13 anos, apenas cerca de ou PP central) que pode resultar de tumores

Puberdade e seus distúrbios 231


Quadro 1. Classificação da puberdade precoce

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— Dependente das gonadotrofinas – central (verdadeira)
u Estimulação precoce do eixo HHG
„ Idiopática – a mais frequente.

„ Associada a lesão do sistema nervoso central (SNC).

— Independente das gonadotrofinas – periférica (pseudopuberdade precoce)


u A fonte de esteróides sexuais pode ser
„ Endógena ou exógena

„ Gonadal ou extragonadal

— Puberdade precoce incompleta – variantes benignas de desenvolvimento pubertário precoce


„ Telarca prematura

„ Adrenarca prematura

„ Menarca prematura

ou lesões hipotalâmicas mas que em grande bém relevante comparar o rácio LH/FSH após o
parte dos casos permanece inexplicada (74% teste de estimulação, sendo uma resposta com
segundo Stein27). As situações de PP periféri- predomínio de LH (LH/FSH > 2) indicadora de
ca (PPP) têm sempre patologia subjacente e puberdade central32,33. Doseamentos ao acaso
tendem a condicionar uma puberdade atípica de níveis LH através de metodologias ultra-
com perda da sincronização dos aconteci- sensíveis podem constituir um instrumento de
mentos pubertários. As variantes benignas rastreio útil para detectar PPC. Assim, níveis de
de PP são relativamente comuns. LH ≥ 0,3 IU/l determinados recorrendo a LH-
Nas raparigas, é mais difícil fazer a destrinça ICMA (immunochemiluminometric assay) são
das categorias de PP pelo exame físico. O tes- fortemente sugestivos de PPC31,34.
te inicial para avaliação da PP é a avaliação da
idade óssea através de radiografia da mão e 4.1.1. PUBERDADE PRECOCE CENTRAL
punho esquerdos. Na PP central (PPC), a ida-  DEPENDENTE DAS GONADOTROFINAS
de óssea será invariavelmente avançada; na
apresentação inicial da PPP pode ser normal. A PP verdadeira é sempre uma precocidade
O exame gold standard para o diagnóstico de isossexual, isto é, o desenvolvimento é ade-
PPC é o teste de estimulação com GnRH. O tes- quado ao sexo e a idade óssea está acelerada.
te de estimulação com GnRH é realizado atra- Pode ocorrer em associação com uma diversi-
vés da administração de 2,5 μg/kg de peso (até dade de lesões do SNC mas 80-90% das crian-
um máximo de 100 μg) de GnRH, ev. ou sc.; os ças não terão uma causa identificável35,36. O
níveis séricos de FSH e LH são medidos antes e predomínio feminino de PPC é sobretudo es-
20 (ou 30) e 60 minutos após a injecção. A inter- pecífico para a categoria idiopática37. A exclu-
pretação dos resultados deste teste não é line- são de neoplasia do SNC por método de ima-
ar mas, se a criança tem uma PP central, o eixo gem é obrigatória em todas as crianças com
HH estará activado e constatar-se-ão níveis de PPC mesmo na ausência de sinais neurológi-
FSH e LH duas a três vezes superiores aos de cos36,38,39. A RM cerebral é o método de eleição
base28. Para outros autores, valores de pico de já que as lesões poderão ser de dimensões
LH > 8 IU/l são diagnósticos de PPC29-31. É tam- extremamente reduzidas33.

232 Capítulo 14
No quadro 2 apresentam-se as causas da PPC. tumores da glândula pineal e gliomas ópticos
e hipotalâmicos. A irradiação do SNC pode
Puberdade precoce central idiopática associar-se a PPC com défice de GH. Outras

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Quase sempre esporádica, raramente autossó- lesões do SNC como traumatismos, hidroce-
mica recessiva. Mais frequente nas raparigas. falia, quistos, doença inflamatória do SNC e
PP com desenvolvimento pubertário normal defeitos da linha média, como a displasia sep-
mas com progressão da maturação dos carac- to-óptica, são também causas raras de PPC.
teres sexuais secundários geralmente mais rá-
pida. Idade óssea superior à cronológica com Puberdade precoce central – terapêutica
encerramento precoce das epífises dando Para além das importantes consequências
origem a baixa estatura na idade adulta. Há psicológicas, incluindo muitas vezes dificul-
indícios que apontam para risco aumentado dades de inserção junto das outras crianças
de desenvolvimento de síndroma metabólica do mesmo grupo etário, a única consequên-
e carcinoma da mama em adulto40. cia da PPC idiopática não tratada é o com-
promisso potencial e significativo da esta-
Lesões hipofisárias e/ou do SNC tura na idade adulta devido à fusão precoce
Quadro clínico semelhante ao de uma PP das zonas de crescimento epifisárias.
idiopática mas associado a problemas neu- A decisão de quem deve ser tratado não é
rológicos (por ex. defeito campos visuais). sempre consensual. A maioria dos endocrino-
A RM de alta resolução permite a identifica- logistas concorda que crianças com evidência
ção de lesões que anteriormente passavam bioquímica de PPC e sem causa identificável
indetectáveis resultando num declínio dos para a situação, que apresentam uma idade
casos considerados idiopáticos. óssea muito avançada e uma altura estima-
Os hamartomas do tuber cinereum são tumo- da para a idade adulta baixa, devem ser tra-
res raros mas os que mais vezes estão associa- tadas. A maturidade esquelética da criança
dos a PPC, contêm neurónios de GnRH e actu- pode ser estimada pela comparação da ida-
am como tecido hipotalâmico ectópico com de óssea com medidas-padrão estabelecidas
produção autónoma de GnRH; podem tam- por Greulich e Pyle41,42. A altura previsível em
bém produzir TGF-α que modula a libertação adulto pode então ser calculada pelo método
de GnRH. Outros tumores do SNC associados de Bayley-Pinneau que utiliza quadros de pre-
com PPC são o astrocitoma, ependimoma, dição de altura no atlas da idade óssea. Nas

Quadro 2. Causas da PPC ou dependente das gonadotrofinas

— Idiopática
— Alterações do SNC
u Genéticas: neurofibromatose tipo 1
u Congénitas: hidrocefalia; quistos araquidónicos
u Patologia adquirida: radiação; pós-traumática; infecções (meningite/encefalite); acontecimento
hipóxico-isquémico
u Tumores: hamartoma hipotalâmico; astrocitoma; ependimoma; microadenoma hipofisário secretor
LH; glioma
u Defeitos estruturais: displasia septo-óptica; hipoplasia hipofisária
u Formas reversíveis (lesão ocupando espaço ou associada a pressão) – Abcesso; Hidrocefalia

Puberdade e seus distúrbios 233


crianças com PPC em que a puberdade pro- na puberdade, após avaliação da maturida-
grida a um ritmo lento pode não ser neces- de esquelética e do potencial de crescimen-
sário qualquer tratamento. Por isso, crianças to em altura. Em média, a menarca ocorre 18

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com diagnóstico precoce de PPC idiopática meses após a suspensão do tratamento.
devem ter o crescimento e a progressão pu- O uso prolongado de agonistas de GnRH
bertal avaliados durante um período de pelo nestes casos não parece ter efeitos significa-
menos seis meses no sentido de decisão de tivos a longo prazo no eixo HHG embora seja
instituição ou não de terapêutica. Claro que necessário não esquecer eventual repercus-
se for identificável uma lesão do SNC a tera- são sobre a massa óssea.
pêutica deve ser, sempre que possível, dirigi-
da à causa patológica subjacente. 4.1.2. PUBERDADE PRECOCE PERIFÉRICA
São indicações para instituição de terapêuti-  INDEPENDENTE DAS GONADOTROFINAS
ca na PPC sem causa identificada: PSEUDOPUBERDADE PRECOCE
— Rápida progressão dos acontecimentos
endócrinos num período de seis meses A PPP é mais rara que a PPC. Ocorre em me-
a um ano. nos de 1/5 das raparigas com desenvolvi-
— Menarca nas raparigas com menos de mento sexual precoce. O quadro clínico é de
nove anos de idade. uma puberdade em que a consonância dos
Na PPC idiopática, o objectivo da terapêuti- acontecimentos pubertários muitas vezes
ca é interromper a progressão ou, desejavel- não se verifica. O desenvolvimento ocorre
mente, conseguir a regressão do desenvol- apesar de níveis de FSH e LH pré-púberes.
vimento pubertário. A terapêutica baseia-se Na PPP existe também uma aceleração da
na administração de um agonista de GnRH idade óssea mas as gonadotrofinas estão
(injectável, de longa acção, ou intranasal, de baixas após a estimulação com GnRH. Os
curta acção), que, após um período transitó- estrogénios estão elevados. Os androgénios
rio de estimulação da secreção de gonado- ováricos ou supra-renais podem originar viri-
trofinas, provoca uma dessensibilização da lização. O tratamento depende da etiologia.
hipófise anterior à estimulação pulsátil pela Consideram-se no quadro 3 as causas da PPP.
GnRH hipotalâmica com consequente hipo-
estrogenismo. O regime terapêutico usual Síndrome de McCune-Albright (MAS)
é a administração mensal de um agonista Doença rara caracterizada pela tríada clássi-
depot (por exemplo, acetato de leuprolide, ca de displasia poliostótica fibrosa, manchas
injectável, numa dose inicial de 0,3 mg/kg). café au lait e PPP. É uma síndrome heterogé-
O regime de administração trimestral de leu- nea com múltiplos tipos de padrão de trans-
prolide depot 11,25 mg, apesar de inibir efi- missão hereditária. Está associado a muta-
cazmente o eixo HHG em 95% das crianças ções pós-zigóticas somáticas esporádicas
com PPC aos seis meses43, apresenta resul- activadoras do gene que codifica a α-subuni-
tados subóptimos na supressão da secreção dade da proteína G3 que activa a adenilcicla-
de gonadotrofinas quando comparado com se o que conduz a uma estimulação contínua
o regime mensal de 7,5 mg44. Um novo e da função endócrina. Pode estar associado
promissor implante subcutâneo, de liberta- a hipertiroidismo, síndrome de Cushing, ex-
ção contínua, do agonista de GnRH, histreli- cesso de hormona do crescimento, hiper-
na (actualmente apenas disponível nos EUA) prolactinemia e raquitismo hipofosfatémico.
demonstrou uma supressão mantida e con- A PP afecta mais as raparigas que os rapa-
sistente durante pelo menos um ano45. zes. A sua forma de apresentação clássica é
A terapêutica é interrompida na época em desenvolvimento mamário acelerado e início
que as crianças devem entrar normalmente súbito da menarca. A razão para o início súbito

234 Capítulo 14
Quadro 3. Causas da PPP ou independente das gonadotrofinas

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— Activação gonadal autónoma
u Síndrome de McCune-Albright
u Quistos ováricos recorrentes autónomos

— Tumores
— Alterações supra-renais
— Exposição a agentes exógenos
— Hipotiroidismo primário grave, não tratado – síndrome de van Wyk-Grumbach

e evolução rápida dos acontecimentos pu- clássica e formas não clássicas. A causa mais
bertários é a existência de quistos dos ovários frequente é a deficiência de 21-hidroxilase.
produtores de estrogénios. Tal torna possível Na forma clássica, os fetos do sexo feminino
um diagnóstico fácil através de exame eco- estão expostos in utero a níveis elevados de
gráfico. Dado que existe uma hiperactividade androgénios o que resulta em virilização e
ovárica não controlada a produção de estro- ambiguidade genital externa à nascença. A
génios é acentuada, resultando níveis de es- forma não clássica, também denominada de
tradiol até 500 pg/ml e superiores. manifestação tardia, pode tornar-se clinica-
mente evidente na infância com sinais de
Tumores dos ovários androgenecidade (pilosidade púbica, odor
Os quistos foliculares dos ovários produtores corporal, acne) ou mesmo virilização. Se os
de estrogénios são a causa mais frequente de níveis basais de 17-OH progesterona não se
PPP isossexual nas raparigas. Se isolados são apresentarem claramente anormais, deverá
autolimitados e regridem espontaneamente. ser realizado um teste de estimulação com
Os tumores ováricos como os das células gra- ACTH para um diagnóstico definitivo.
nulosas, os tumores das células de Leydig e
os gonadoblastoma são causas raras de PP. Hormonas sexuais exógenas
(disruptores endócrinos)
Outros tumores Químicos ambientais, naturais ou sintéti-
Tumores das supra-renais, que podem ser cos, podem perturbar o funcionamento
malignos, associados em 85% dos casos com endócrino normal por uma acção agonista
virilização, têm como idade média de diag- ou antagonista, assim como interferir na si-
nóstico os cinco anos de idade. Tumores se- nalização celular ou expressão dos recepto-
cretores de HCG, como os coriocarcinomas res. Várias substâncias têm sido implicadas
e os germinomas, podem causar PPP dado como factores potenciais neste processo,
que a HCG é estruturalmente semelhante à como é o caso de fitoestrogénios, estrogé-
LH e estabelece ligações de alta afinidade nios tópicos e naturais, pesticidas, químicos
com os receptores de LH. industriais e ftalatos. A ingestão de hormo-
nas esteróides sexuais por crianças pré-pú-
Hiperplasia congénita beres condiciona o desenvolvimento de
da glândula supra--renal (CAH) caracteres sexuais secundários associado
É devida a um de vários defeitos enzimáti- a níveis suprimidos de gonadotrofinas. Os
cos que resultam na síntese diminuída de metabolitos das hormonas exógenas po-
cortisol. O seu espectro clínico inclui a forma dem ser identificados na urina.

Puberdade e seus distúrbios 235


Síndrome de van Wyk-Grumbach A activação secundária de PPC pode ocorrer
Raramente, crianças com hipotiroidismo em raparigas com PPP e, nessas situações,
primário grave podem ter precocidade pu- pode ser necessária uma terapêutica adju-

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bertária (desenvolvimento mamário, hemor- vante com agonista de GnRH.
ragia vaginal e quistos nos ovários) embora
nestes casos a idade óssea esteja significati- 4.1.3. PUBERDADE PRECOCE INCOMPLETA
vamente atrasada e as crianças apresentem  VARIANTES DE PUBERDADE PRECOCE
baixa estatura e crescimento lento. A situ-
ação resulta da capacidade da THS activar Na terminologia geral classifica-se a PP
directamente os receptores da FSH dada a em incompleta na presença de um sinal
similaridade estrutural de ambas46. pré-pubertário isolado. Assim, neste grupo
estão incluídas a telarca prematura, a adre-
Puberdade precoce narca prematura e a menarca prematura.
periférica – terapêutica A determinação radiológica da idade ós-
A terapêutica é dirigida à causa subjacente. sea deve ser realizada para confirmar que
As crianças com tumores das supra-renais ou o crescimento não se encontra acelerado.
do ovário são tratadas com cirurgia. As porta- Se estiver normal, serão desnecessários ou-
doras de tumores produtores de HCG podem tros exames.
necessitar de terapêutica combinada cirúrgi-
ca, radioterapia e quimioterapia dependendo Telarca prematura
da localização e do tipo histológico. Crianças Caracteriza-se por desenvolvimento ma-
com alterações na esteroidogénese supra-re- mário prematuro mas limitado, sem pro-
nal devem ser tratadas com glucocorticóides. gressão para a maturação, não associado
Nos casos de hipotiroidismo, os sinais de de- a outros sinais pubertários e por idade ós-
senvolvimento pubertário regridem a com a sea adequada à cronológica. Pode ser uni
terapêutica com tiroxina. As raparigas com ou bilateral. A maioria das raparigas tem o
MAS devem ser fazer terapêutica médica con- diagnóstico aos dois anos de idade poden-
ducente a inibição da esteroidogénese go- do estar já presente à nascença. Os níveis
nadal e não terapêutica cirúrgica, no sentido de gonadotrofinas e estradiol são normais.
de preservar a sua fertilidade. Foi proposto o O curso é variável, resolve espontaneamen-
uso de testolactona, que inibe a aromatização te em 1/3 das raparigas, em 1/3 permane-
dos androgénios em estrogénios, com algum ce constante e 1/3 progride não passando
sucesso no atraso da progressão pubertária normalmente o estádio 3 de Tanner. A cau-
apesar de se verificar uma perda da eficácia da sa exacta é desconhecida. A vigilância deve
sua acção com o tempo47. O tratamento com ser mantida já que uma pequena percenta-
inibidores da aromatase como o fadrozole, gem (18%) das raparigas desenvolve uma
o anastrozole e letrozole parece ser ineficaz verdadeira PP (central).
para um tratamento prolongado. A terapêu-
tica com tamoxifeno nestas raparigas é eficaz Adrenarca prematura
em relação às hemorragias vaginais mas não Refere-se ao desenvolvimento de pilosidade
existem estudos sobre o seu efeito no cresci- púbica e/ou axilar antes dos oito anos, mais
mento ósseo. Outros fármacos como o fulves- frequentemente entre os seis e os oito. Mais
tranto, que é um antagonista puro e potente frequente no sexo feminino, em crianças
dos receptores de estrogénios, demonstra- obesas e de raça negra. Entidade benigna
ram eficácia efectiva na atenuação da acção rara, de etiologia desconhecida, apresenta
estrogénica sobre a maturação esquelética em cerca de 73% casos uma distribuição di-
em estudos realizados em cobaias48. ferente da que ocorre na puberdade normal

236 Capítulo 14
cuja distribuição se inicia ao longo da super- genismo na adolescência o que sugere que
fície interna dos grandes lábios. Nesta situa- as alterações metabólicas destas podem
ção localiza-se nos grandes lábios e monte ser devidas a uma predisposição genética49.

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de Vénus. Sem sinais de puberdade central Cerca de 20% das raparigas com adrenarca
associada como o desenvolvimento mamá- prematura progride para uma puberdade
rio, nem evidência de excesso patológico de precoce central49.
androgénios como clitoromegalia. Pode ha-
ver aceleração ligeira do crescimento e avan- Menarca prematura
ço mínimo, mas não significativo, da idade Define-se como a ocorrência de um ou mais
óssea. Laboratorialmente há níveis séricos episódios de hemorragia vaginal ainda sem
de sulfato de DHEA apropriados para o es- desenvolvimento mamário e sem altera-
tádio de pubarca e concentrações séricas de ções físicas, hormonais ou imagiológicas.
LH, FSH e de esteróides sexuais a níveis pré- É uma condição rara, devida a actividade
pubertário. A resolução espontânea ocorre ovárica transitória e autolimitada, por even-
na grande maioria dos casos até aos 12 me- tual exposição a estrogénios exógenos. Em
ses. Há um risco aumentado de desenvolver cerca de 25% dos casos não se estabelece
na adolescência e idade adulta síndrome de uma causa.
ovários poliquísticos, hiperinsulinismo, dis-
lipidemia, doença cardiovascular precoce e Pontos a realçar na marcha diagnóstica
síndrome metabólica49. Constatou-se que as em casos de PP
raparigas com baixo peso à nascença desen- No quadro 4 sumariza-se a marcha de diag-
volvem adrenarca prematura e hiperandro- nóstico em casos de PP.

Quadro 4. Exames auxiliares de diagnóstico em casos de PP

— Uma história clínica bem estruturada e um exame objectivo meticuloso são elementos fundamentais a
permitir:
u A confirmação de que se trata de uma situação de PP.
u A definição da velocidade de evolução do processo.
u A valorização de uma história familiar relevante.
u A identificação das características da criança (altura, peso, estádios de Tanner, sinais de androgenização,
alterações neurológicas, presença de achados específicos de entidades particulares).
u A exclusão de causas não-endócrinas para perdas de sangue por via vaginal (traumatismos, corpos
estranhos, vaginites, neoplasias genitais).

— O recurso coerente a exames auxiliares de diagnóstico é fundamental:


u Determinação da idade óssea.
u Doseamentos de FSH, LH (basais e/ou após administração de GnRH).
u Doseamentos de TSH e T4 livre.
u Doseamentos de DHEA-S, testosterona, estradiol, 17-OHProgesterona.
u Ecografia pélvica.
u RM da hipófise e hipotálamo.
u Fundoscopia e avaliação dos campos visuais.
u TC abdominal, orientada para avaliação das supra-renais.

Puberdade e seus distúrbios 237


4.2. PUBERDADE RETARDADA excepcionais a procriação é possível. Para
as mulheres com hipogonadismo hipergo-
A puberdade retardada (PR) é definida como nadotrófico, técnicas de procriação medi-

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a ausência ou falência da progressão apro- camente assistida com recurso a doação de
priada dos caracteres sexuais secundários ovócitos poderão ser uma opção no contex-
numa idade correspondente a dois desvios- to de um desenvolvimento uterino normal.
padrão acima da média da idade de início Um passo importante na avaliação da
da maturação sexual para o mesmo sexo e criança com atraso pubertário é a avalia-
cultura. Na prática clínica define-se como a ção radiológica da idade óssea. A avaliação
ausência de desenvolvimento mamário nas diagnóstica complementar pode incluir o
raparigas após os 13 anos e ausência de me- doseamento de gonadotrofinas, hormonas
narca após os 16 anos. É uma situação muito tiroideias (T4 e TSH), prolactina e determi-
rara. A maioria dos casos é funcional (53% no nação do cariótipo.
global, 30% nas raparigas)50 com um atraso Não existe um teste diagnóstico fiável que
pubertário simples e de bom prognóstico. permita a distinção das doentes com atraso
As situações patológicas da puberdade re- constitucional da puberdade das que têm
tardada podem ser divididas em duas cate- outras causas subjacentes para o atraso pu-
gorias: a disfunção hipotalâmica-hipofisária bertário, particularmente na deficiência con-
que implica um defeito central a nível hipo- génita de GnRH51.
talâmico ou hipofisário (HH); e o hipogona-
dismo primário que implica uma disfunção 4.2.1. ATRASO CONSTITUCIONAL
ovárica intrínseca (hipogonadismo hipergo- DO CRESCIMENTO E DA PUBERDADE
nadotrófico).
No quadro 5 resumem-se as principais cau- É uma variante benigna da PR, mais frequen-
sas de PR. te nos rapazes. O padrão de desenvolvimento
Em termos de fertilidade futura, nas alte- pubertário é normal apesar de o seu início
rações hipotalâmico-hipofisárias ela é teo- ser tardio. Associada a história familiar pelo
ricamente possível com administração de que na sua origem pode estar uma causa
gonadotrofinas exógenas. Nas alterações genética, contudo o gene ou genes exactos
gonadais primárias só em situações muito envolvidos são ainda desconhecidos. Estas

Quadro 5. Causas de PR

— Constitucional
—Hipogonadismo hipogonadotrófico
u Deficiência isolada de gonadotrofinas
u S. Kallman e variantes
u Deficiência funcional de gonadotrofinas – doença sistémica crónica e má nutrição; anorexia
nervosa; amenorreia induzida pelo exercício
u Alterações SNC – tumores; radioterapia; defeitos anatómicos (displasia septo-óptica)

—Hipogonadismo hipergonadotrófico
u Disgenesia gonadal e variantes
u Falência ovárica primária

238 Capítulo 14
crianças apresentam estatura pequena (dois A síndrome de Kallman, definida como a
a três desvios-padrão abaixo da média de combinação de HH e anosmia, é a causa
altura para a idade)52 e idade óssea atrasada mais comum de deficiência isolada de go-

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o que reflecte um atraso na maturação ós- nadotrofinas. Tem uma incidência de 1 em
sea (dois a três anos abaixo da idade crono- 10.000 homens sendo menos frequente nas
lógica), atraso na adrenarca e imaturidade mulheres (1 em cada 50.000), pode ocor-
sexual. Trata-se de um diagnóstico de ex- rer de forma esporádica ou num padrão de
clusão devendo ser investigadas eventuais transmissão familiar. A síndrome de Kallman
situações patológicas. É, contudo, por vezes ligada ao X resulta de uma mutação no gene
difícil distinguir entre causas hipotalâmico- KAL1 que codifica a proteína anosmina-1,
hipofisárias de PR e o atraso constitucional. como resultado desta mutação há uma defi-
Um tratamento de curto prazo com baixas ciente migração e interacção dos neurónios
doses de esteróides sexuais pode ser útil do centro olfactivo, assim como um desen-
para o desenvolvimento sexual secundário volvimento anómalo dos neurónios hipo-
e aumento do crescimento linear. A grande talâmicos secretores de GnRH56. A anosmia
maioria das crianças com atraso constitucio- é um dado importante na história clínica e
nal atinge a altura final em adulto para a qual exame objectivo de uma doente com PR.
apresentava potencial genético mas, por ve- Outros achados associados são a agenesia
zes podem ficar abaixo da altura alvo. A mo- renal unilateral (40%) e a hipoacusia neu-
nitorização do crescimento e do desenvolvi- rossensorial. A aplasia dos bolbos olfactivos
mento são importantes para assegurar que a pode ser por vezes identificada na RM. As ra-
progressão pubertária ocorre normalmente parigas podem apresentar defeitos parciais
à medida que a idade óssea avança. ou completos com infantilismo e anosmia
ou diminuição do olfacto, atraso da menar-
4.2.2. HIPOGONADISMO ca ou irregularidades menstruais. Também
HIPOGONADOTRÓFICO existem formas autossómicas recessivas ou
esporádicas da doença. Mutações no gene
O defeito na libertação pulsátil de gonado- FGFR1 foram também associadas a forma
trofinas pode resultar de uma variedade de autossómica dominante da síndrome57.
entidades patológicas hipotalâmicas ou hi- Mutações no receptor nuclear DAX1 associa-
pofisárias. O padrão bioquímico das formas das ao X dão origem a uma síntese e liberta-
de PR hipotalâmico-hipofisárias é níveis bai- ção alterada de gonadotrofinas, assim como
xos de LH e FSH em medições ao acaso e após a hipoplasia supra-renal58.
estimulação com GnRH53. Têm sido descritas Outras causas de HH incluem mutações nos
mutações em genes específicos que resultam genes para a β-subunidade quer da FSH
num atraso ou ausência de puberdade como quer da LH56. Têm sido também descritas
consequência de disfunção HH. Deficiência mutações no gene do receptor da GnRH
combinada HH pode resultar de várias muta- mas não no gene da própria GnRH56. Ou-
ções nos factores de transcrição que são im- tras causas raras de HH são as mutações na
portantes no desenvolvimento hipotalâmico leptina ou no seu receptor, o que reforça a
e hipofisário. A mutação mais frequentemen- noção de que a leptina é um factor impor-
te identificada é a PROP-1 que pode condu- tante para a puberdade.
zir a uma deficiência de GH, TSH, prolactina, Mas a maioria dos casos de HH mantém-se
ACTH e deficiência parcial ou completa de idiopática. Estudos recentes demonstraram
gonadotrofinas54. Outra causa rara de defici- que a ausência do gene Gpr54 resulta na
ência hormonal combinada HH é a mutação deficiente produção de gonadotrofinas
dos factores de transcrição HESX-1 e LHX-355. apesar de níveis de GnRH no hipotálamo

Puberdade e seus distúrbios 239


normais15. Contudo com a administração de nadal nas raparigas e pelo menos 90% das
GnRH exógena há libertação de gonadotro- raparigas com síndrome de Turner necessi-
finas metabolicamente activas. tam de compensação hormonal para iniciar

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Qualquer doença sistémica grave, doença cró- e completar a puberdade.
nica ou malnutrição significativas pode pro- A síndrome de insensibilidade completa aos
vocar uma disfunção HH que resulta em PR androgénios, que resulta de uma mutação do
e em crescimento deficiente. Quando o peso receptor de androgénios no cromossoma X,
corporal é inferior a 80% do ideal para a altura ocorre em 1 em cada 20.000 raparigas e está
pode ocorrer deficiência funcional de gona- associada a um cariótipo 46,XY. Fenotipica-
dotrofinas como a que se associa à anorexia mente caracteriza-se, na adolescente, por
nervosa e à amenorreia induzida pelo exercí- amenorreia primária na presença de desen-
cio52. O tratamento adequado da doença cró- volvimento mamário normal e ausência de
nica subjacente pode resolver a disfunção HH pilosidade corporal. Há ausência das estrutu-
e a puberdade progredir normalmente. ras müllerianas que regridem por influência
Certas síndromes como a de Prader-Willi e a da hormona anti-mülleriana; assim como as
de Bardet-Biedl podem estar associadas a PR de Wolff, que não se desenvolvem na ausên-
hipogonadotrófica. Na primeira há evidên- cia de receptores funcionantes para androgé-
cias recentes que sugerem que o atraso pu- nios. O desenvolvimento mamário é normal
bertário resulta da combinação da disfunção ou aumentado por aromatização da testoste-
HH com um defeito periférico no desenvolvi- rona em estrogénios pelos testículos. Os tes-
mento gonadal na puberdade59. tículos encontram-se quer intra-abdominais
Lesões do SNC como os tumores selares ou su- quer no canal inguinal sendo responsáveis
pra-selares (craniofaringeoma, p. ex.) podem por 2% das hérnias inguinais da infância.
interferir na função hipofisária ou hipotalâmi- Há também casos de PR ou ausente asso-
ca condicionando um atraso pubertário. ciados a disgenesia gonadal XY. Estas ra-
parigas parecem completamente normais
4.2.3. HIPOGONADISMO com genitais externos femininos pré-pu-
HIPERGONADOTRÓFICO bertário, mas internamente apresentam
gónadas em fita. Apresentam um cariótipo
Se for realizado um doseamento de go- 46,XY e são tipicamente mais altas quando
nadotrofinas ao acaso na idade em que a comparadas com as raparigas do mesmo
puberdade normal deveria ocorrer, a LH grupo etário. São exemplos de disgenesia
e a FSH estarão elevadas dada a ausência gonadal XY a síndrome de Swyer, também
de retrocontrolo negativo pelos esterói- denominada disgenesia gonadal XY pura, e
des sexuais. Muitas situações resultam de a síndrome de Frasier, associado a nefropa-
anomalias genéticas ou congénitas mas é tia lentamente progressiva.
também importante considerar causas ad- Há outras causas de disgenesia gonadal em
quiridas. O cariótipo é fundamental como raparigas fenotipicamente normais incluin-
parte da avaliação. do a disgenesia gonadal XX pura. Um dos
A síndroma de Turner, com uma incidência exemplos é a síndrome de Perrault, doença
de 1 em 2.000 nados vivos do sexo femi- autossómica recessiva associada a disgene-
nino, resulta da perda parcial ou completa sia ovárica e surdez neurossensorial. Outras
do cromossoma X. Fenotipicamente apre- causas cromossómicas que frequentemente
sentam baixa estatura, hábito feminino e causam paragem pubertária como resultado
desenvolvimento pubertário ausente ou de uma falência ovárica prematura e ausên-
retardado e achados fenotípicos variados. cia de desenvolvimento pubertário incluem
É a causa mais frequente de disgenesia go- o cariótipo 47,XXX e deleções Xq.

240 Capítulo 14
Crianças submetidas a quimioterapia ou ra- No hipogonadismo permanente, que resul-
diação como parte de tratamento oncológi- ta numa puberdade ausente ou retardada,
co estão em particular risco de desenvolver é necessário o tratamento com estrogénios

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um hipogonadismo primário. Crianças sub- para induzir e suportar a puberdade. Pontos
metidas a tratamento oncológico têm fre- a considerar no início da compensação hor-
quentemente um início de puberdade tem- monal são a idade da doente, a dose, forma
poralmente alterado e pode desenvolver-se e via de administração e a fase de desenvol-
um quadro parcial ou misto de disfunção HH vimento da puberdade. A monitorização do
e hipogonadismo primário. crescimento linear e do desenvolvimento
Há causas raras de hipogonadismo primário dos caracteres sexuais secundários são im-
adquirido incluindo erros inatos do metabo- portantes assim que iniciada a terapêutica.
lismo, doenças auto-imunes e formas pouco A terapêutica deve iniciar-se quando é feito
frequentes de CAH. Uma doença metabóli- o diagnóstico. Dependendo da formulação
ca que resulta em hipogonadismo primário, a administração pode ser oral, injectável ou
sobretudo nas raparigas é a galactosemia em aplicadores transdérmicos. Como sempre
dado que os metabolitos da galactose pare- que se administram estrogénios, em presença
cem ser tóxicos para os ovários. Condições de um útero funcional, é obrigatório associar
auto-imunes associadas a falência gonadal progesterona ou um progestagénio durante
são provocadas por mutações no gene AIRE pelo menos 10 dias em cada ciclo. A adição
que resulta na síndrome auto-imune poli- desta hormona deve ser feita 12 meses após
glandular tipo 1 (APECED – autoimmune o início dos estrogénios ou logo após a pri-
polyendocrinopathy (APE), candidiasis (C), meira hemorragia menstrual de privação61.
and ectodermal dystrophy (ED)). Os acha- Após pelo menos seis meses de terapêutica
dos incluem doença de Addison, candidíase com estrogénios e progesterona, pode passar
crónica mucocutânea e hipoparatiroidismo. a usar-se um contraceptivo combinado estro-
Várias doenças auto-imunes podem ocorrer progestativo oral mas, apesar da manutenção
na APECED mas 17 a 50% dos casos estão as- do desenvolvimento dos caracteres sexuais
sociados a falência gonadal primária. secundários estudos revelam que as raparigas
A CAH está mais comummente associada com síndrome de Turner tratadas com contra-
a produção excessiva de androgénios mas ceptivo oral combinado apresentam um de-
situações extremamente raras de defeitos senvolvimento uterino fraco e imaturo62.
enzimáticos partilhados pelas gónadas e Assim como a PP interfere negativamente
supra-renais podem resultar em ausência ou com a altura final, a PR (na presença de GH
deficiência de androgénios e/ou produção normal e eixo IGF-I) conduz a uma altura
de estrogénios com eventual puberdade re- total acima da previsível pelo valor médio
tardada ou ausente. Exemplo de tais defeitos parental, com membros longos e uma altura
é a deficiência da proteína reguladora este- relativamente inferior do tronco.
roidogénica aguda (StAR) que é necessária
para o transporte de colesterol do exterior
para o interior da membrana mitocondrial60. Bibliografia

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Puberdade e seus distúrbios 243


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15 Amenorreias

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Pedro Alexandre Fernandes Xavier

1. INTRODUÇÃO É precisamente o aparecimento da amenor-


reia após a menarca que permite classificá-la
Na presença de uma amenorreia, desde que como secundária em contraponto à amenor-
não associada à gravidez, o ginecologista reia primária que na prática se observa quan-
pode ser colocado perante um desafio do não se dá a menarca nas condições acima
diagnóstico importante dada a diversidade apontadas. A prevalência da amenorreia não
de situações que a podem originar, obri- associada à gravidez, lactação ou menopausa
gando por vezes a uma intervenção médica está estimada em cerca de 3 a 4%3,4. De acordo
multidisciplinar. No entanto, esta complexi- com a Organização Mundial da Saúde (OMS/
dade diagnóstica não é a norma, uma vez WHO) podemos classificar a anovulação/ame-
que na maioria dos casos está associada a norreia em três grupos: no grupo WHO I esta-
situações de simples identificação e trata- rão as doentes que não apresentam evidência
mento que dispensam uma intervenção de produção endógena de estrogénios, os
médica mais exaustiva. seus níveis de hormona foliculo-estimulante
A definição da amenorreia assenta funda- (FSH) estão normais ou diminuídos, a prolacti-
mentalmente na ausência ou cessação na (PRL) está normal e não há evidência de
anómala do período menstrual1. De uma lesões da região hipotálamo-hipofisária. É o
forma mais objectiva, poderemos identifi- hipogonadismo hipogonadotrófico habitual-
car uma amenorreia numa das três seguin- mente observado na amenorreia hipotalâmi-
tes situações: ca. No grupo WHO II incluir-se-ão as doentes
— Na ausência da menarca até aos 14 anos que apresentam normal produção endógena
de idade, associada à inexistência do de estrogénios com níveis adequados de PRL
surto de crescimento ou ao não de- e FSH, tipicamente observado na síndrome
senvolvimento dos caracteres sexuais dos ovários poliquísticos (SOP). Finalmente no
secundários. grupo WHO III classificar-se-ão as doentes com
— Na ausência da menarca até aos 16 hipogonadismo hipergonadotrófico, ou seja
anos de idade, mesmo na presença do baixos níveis de produção endógena de estro-
surto de crescimento e/ou do de- génios associados a uma FSH elevada, o que
senvolvimento dos caracteres sexuais indica uma falência ovárica5.
secundários.
— Numa mulher após a menarca na qual
não se verifique a ocorrência do perío- 2. ABORDAGEM CLÍNICA
do menstrual durante um intervalo de
tempo superior a seis meses ou equiva- A abordagem de uma doente com amenor-
lente ao total da duração média de três reia deverá ser sistematizada e assentar
ciclos prévios2. numa primeira fase na história clínica, no

245
exame físico, na exclusão de gravidez e, se génita da cavidade uterina ou do próprio
necessário, no doseamento de três hormo- endométrio2. As anomalias müllerianas es-
nas, a saber, FSH, hormona tireo-estimulante tão por vezes associadas à presença de dor

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(TSH) e PRL6. Com esta estratégia é possível cíclica por acumulação de sangue mens-
identificar as principais causas deste distúr- trual a montante do local da obstrução, po-
bio sem que haja necessidade de uma gran- dendo levar à formação de aderências pél-
de intervenção médica. A associação da vicas ou endometriose. A associação com
amenorreia com a evidência de ambiguida- malformações do tracto urinário em cerca
de sexual ou virilização implica uma aborda- de um terço dos casos e a anomalias es-
gem algo diferente, prioritariamente direc- queléticas em cerca de 12% dos casos,
cionada para a exclusão das causas aconselha a realização de um estudo ima-
destas últimas, uma vez que a amenorreia giológico complementar8.
nestes casos é geralmente uma queixa Apesar da insensibilidade completa aos an-
secundária. drogénios (previamente designada por femi-
A história clínica e o exame físico devem pro- nização testicular) ser relativamente rara,
curar excluir de uma forma exaustiva as cau- deve ser considerada nos casos de amenor-
sas psicológicas ou emocionais, as doenças reia primária, obrigando ao diagnóstico dife-
crónicas, com especial ênfase para o sistema rencial com as anomalias müllerianas, uma
nervoso central e para o estado nutricional vez que constitui a terceira causa mais co-
da doente, os distúrbios do crescimento e/ mum deste tipo de amenorreia e também
ou desenvolvimento e, finalmente, as altera- pode cursar com hipoplasia ou mesmo age-
ções anatómicas do aparelho genital, nome- nesia da vagina9. Trata-se de uma situação de
adamente as anomalias müllerianas. Um pseudo-hermafroditismo masculino na qual
outro sinal de importância clínica neste con- o indivíduo é portador de um fenótipo femi-
texto é a galactorreia. Quando surge em as- nino normal, gónadas masculinas e cariótipo
sociação com a amenorreia tem uma abor- 46,XY. O diagnóstico diferencial pode basear-
dagem clínica semelhante, pelo que não se apenas no exame físico uma vez que estas
será neste capítulo considerada de uma for- pacientes apresentam frequentemente mas-
ma independente. sas inguinais devidas à presença de testícu-
Na maior parte dos casos, o exame físico de los no canal inguinal, ausência de pêlo púbi-
uma doente com amenorreia não apresen- co e hipoplasia ou agenesia vaginal associada
tará alterações. No entanto, em cerca de à ausência de útero10. No caso do exame físi-
10% dos casos das situações de amenor- co não ser suficiente para diferenciar as
reia primária poderá revelar uma anomalia situações de insensibilidade completa aos
mülleriana, tal como o hímen imperfurado, androgénios das anomalias müllerianas, o
um septo vaginal transverso ou a ausência doseamento da testosterona sérica pode ser
do colo uterino ou de todo o útero6. A sín- útil, uma vez que os valores estarão elevados
drome de Mayer-Rokitansky-Küster-Hauser na primeira entidade, em contraponto a va-
é a segunda causa mais comum de ame- lores normais encontrados na segunda10. Ob-
norreia primária, só ultrapassada pela dis- viamente que nestas circunstâncias a identi-
genesia gonádica, constituindo uma forma ficação de um cariótipo 46,XY confirma o
de anomalia mülleriana caracterizada por diagnóstico de insensibilidade completa aos
uma agenesia ou hipoplasia da vagina por androgénios10. O risco de ocorrência de tu-
vezes associada a uma agenesia ou hipo- mores gonádicos nestas doentes situa-se nos
plasia do útero e das trompas uterinas7. Em 5 a 10% mas raramente ocorrem antes dos
situações mais raras, a causa da amenorreia 20 anos de idade11,12. Deste modo, e porque
pode ser secundária a uma ausência con- a gónada se mantém activa podendo ser

246 Capítulo 15
importante para o desenvolvimento puber- 2.1. TESTE PROGESTATIVO
tário, a sua remoção só está indicada quando
a doente atinge a puberdade11,12. Esta situa- Antes de prosseguirmos com a descrição do

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ção contrasta com a da disgenesia gonádica plano de estudo da doente com amenorreia,
com cromossoma Y presente, situação na será importante fazer uma referência a um
qual, como veremos adiante, a gónada é teste funcional vulgarmente utilizado nesta
inactiva e apresenta um risco de aparecimen- situação clínica e que se designa por teste
to de um tumor da ordem dos 25%, motivo progestativo. O seu objectivo é o de avaliar de
pelo qual a sua remoção está aconselhada uma forma simples os níveis endógenos de
logo que a situação é identificada11. estrogénios e a normalidade anatómica do
Se após esta primeira linha de abordagem tracto genital. A ocorrência de uma hemorra-
clínica, a causa de amenorreia não estiver es- gia de privação entre dois a sete dias após a
clarecida, haverá a necessidade de prosse- interrupção de um progestativo (habitual-
guir com o estudo da paciente, nomeada- mente o acetato de medroxiprogesterona ad-
mente com recurso aos doseamentos da ministrado na dose de 10 mg por via oral/dia
FSH, TSH e PRL. Esta estratégia permite iden- durante cinco dias), é interpretada como tra-
tificar, de uma forma simples, as hipóteses duzindo uma adequada preparação endome-
de diagnóstico mais comuns conforme é trial pelos estrogénios endógenos bem como
possível observar na figura 1. uma normal permeabilidade do tracto geni-
Deve no entanto fazer-se uma chamada de tal. Nessas circunstâncias o teste é tido como
atenção para o facto de a lista de potenciais positivo e o diagnóstico de anovulação pode
causas de amenorreia ser consideravelmen- ser considerado como o mais provável. No
te mais extensa do que a apresentada na fi- caso da não ocorrência de qualquer hemorra-
gura 1, motivo pelo qual é por vezes neces- gia de privação, o teste é classificado como
sária a realização de exames complementares negativo traduzindo um inadequado am-
mais específicos e complexos para a sua cor- biente estrogénico ou uma anomalia do trac-
recta caracterização. O quadro 1 sistematiza to genital. Apesar da facilidade de execução e
os seis grandes grupos de causas de ame- da grande frequência com que é utilizado,
norreia que podemos considerar de acordo deve ser feita uma ressalva para a hipótese da
com os diferentes mecanismos etiopatogé- ocorrência de falsos negativos em cerca
nicos que a originam6. de 20% dos testes (ausência de hemorragia

História clínica e exame físico.

Excluir gravidez.

Doseamento de FSH, TSH e PRL.

FSH ou  PRL FSH TSH


Defeito anatómico
Anomalia mülleriana.

Anovulação crónica Prolactinoma Falência ovárica Hipotiroidismo


Síndrome dos ovários (avaliação imagiológica) Disgenesia gonádica.
poliquísticos (SOP)
Amenorreia hipotalâmica

Figura 1. Esquema de primeira linha para abordagem da mulher com amenorreia.

Amenorreias 247
de privação apesar de níveis adequados de escassa. De acordo com a literatura, a taxa de
estrogénios endógenos e da normalidade do falsos positivos pode atingir os 40 a 50% dos
tracto genital)2,6. Essa hipótese está associada casos e ocorrer mesmo em doentes com fa-

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a uma decidualização excessiva do endomé- lência ovárica13,14. Esta possibilidade de falhas
trio (que assim não descama após a cessação do teste levou mesmo alguns autores a reco-
do progestativo), geralmente secundária a mendar o seu abandono6. Neste capítulo o
elevados níveis endógenos de androgénios teste progestativo não é considerado no estu-
ou de progesterona que se verificam em de- do da doente com amenorreia. No entanto, o
terminadas situações de insuficiência da su- facto de ser um teste barato e de fácil utiliza-
pra-renal ou mesmo na SOP2. O teste pode ção justifica que se mantenha bastante popu-
também apresentar falsos positivos (ocorrên- lar entre a classe médica, circunstância que
cia de hemorragia de privação apesar de bai- nos levou a fazer-lhe referência mas, simulta-
xos níveis de estrogénios endógenos), sobre- neamente, a alertar para os cuidados neces-
tudo quando se observa uma hemorragia sários aquando sua interpretação.

Quadro 1. Causas de amenorreia

— Defeitos anatómicos
u Anomalias müllerianas
u Insensibilidade completa aos androgénios (feminização testicular)
u Síndrome de Asherman
u Estenose cervical
— Hipogonadismo primário
u Disgenesia gonádica
u Cariótipo anormal (síndrome de Turner 45, X0, mosaicismos, translocação/deleção)
u Cariótipo normal (disgenesia gonádica pura 46, XX e síndrome de Swyer 46, XY)
u Agenesia gonádica
u Défice enzimático (défice de aromatase, 17,20-liase ou 17α-hidroxilase)
u Falência ovárica precoce (idiopática ou secundária)
— Causas hipotalâmicas
u Disfuncionais (stress, exercício físico, alterações nutritivas, pseudociese)
u Défices isolados de gonadotrofinas (síndrome de Kallman)
u Infecções (tuberculose, sífilis, encefalite, meningite)
u Doenças crónicas debilitantes
u Tumores
u Doenças infiltrativas/inflamatórias (sarcoidose, hemocromatose)
— Causas hipofisárias
4.1. Tumores (prolactinomas ou outros tumores hipofisários produtores hormonais)
4.2. Mutações do receptor da FSH ou LH
4.3. Doenças auto-imunes
4.4. Galactossemia
4.5. Necrose (síndrome de Sheehan, pan-hipopituitarismo)
— Distúrbios de outras glândulas endócrinas
5.1. Distúrbios da supra-renal (hiperplasia da supra-renal, síndrome de Cushing)
5.2. Distúrbios da tiróide (hipotiroidismo, hipertiroidismo)
5.3. Distúrbios do ovário (tumores primários ou metastáticos)
— Causas multifactoriais
u Síndrome dos ovários poliquísticos

248 Capítulo 15
Não estando esclarecida a causa da amenor- correlação entre os níveis de PRL e a presença
reia após a conclusão da colheita da histó- ou não de um tumor hipofisário, bem como
ria clínica e da realização do exame físico, com a estimativa do seu diâmetro. Como re-

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torna-se obrigatória a avaliação hormonal da gra geral estará indicada a realização de estu-
paciente por meio do doseamento da FSH, dos imagiológicos da sela turca, nomeada-
TSH e PRL. mente com a ressonância magnética (RM), na
presença de valores persistentemente eleva-
2.2. HIPERPROLACTINEMIA dos de PRL, de valores esporádicos superiores
a 100 ng/ml, ou na presença de perturbações
A hiperprolactinemia está associada a uma visuais ou cefaleias. No caso de a doente
diminuição das concentrações de estradiol e apresentar valores inferiores a 100 ng/ml,
pode ser causa de oligo ou amenorreia, admi- com imagem normal da sela turca e ausência
tindo-se que o mecanismo que origina estes de sintomas associados, pode prescindir-se
distúrbios menstruais esteja relacionado com de tratamento, excepto no caso de a
a inibição pulsátil da hormona libertadora doente pretender engravidar, recomendan-
das gonadotropinas (GnRH)15. Cerca de um do-se, no entanto, uma vigilância serológica
terço das doentes com amenorreia secundá- regular21. Se a esses valores se associarem sin-
ria apresentam adenomas hipofisários e, se tomas menstruais, galactorreia ou cefaleias, o
apresentarem galactorreia associada, cerca tratamento médico estará indicado21. Final-
de 50% apresentarão anomalias da sela tur- mente, no caso de a doente apresentar valo-
ca16. Apesar dos adenomas hipofisários pro- res superiores a 100 ng/ml, perturbações vi-
dutores de PRL serem os responsáveis pelo suais ou alterações imagiológicas da sela
aumento das concentrações séricas desta turca, uma avaliação multidisciplinar será en-
hormona em cerca de 50 a 60% dos doentes, tão a opção mais correcta21.
aumentos discretos podem ser secundários a Qualquer que seja o tratamento aplicado,
adenomas hipofisários não funcionantes, ao desde que permita normalizar os níveis de
hipotiroidismo primário, à SOP, a lesões orgâ- PRL, possibilita a recuperação das funções
nicas do sistema nervoso central ou ao uso de ovárica e menstrual. A opção terapêutica de
certos fármacos, nomeadamente de antipsi- primeira linha é o tratamento médico, desde
cóticos, antidepressivos ou anti-hipertenso- há vários anos baseado na administração de
res17-19. As doentes com hiperprolactinemia bromocriptina por via oral, em doses que
manifestam frequentemente uma grande va- podem oscilar entre os 2,5 e os 10 mg por
riabilidade de sinais e sintomas, que podem dia. Trata-se de um agonista da dopamina
ir, no caso do ciclo menstrual, desde ciclos re- com efeitos laterais significativos (náuseas,
gulares, até à oligomenorreia ou amenorreia, vómitos, cefaleias, vertigens e desmaios, en-
aparecimento de galactorreia em cerca de tre outros), motivo pelo qual o início da sua
30% das situações, e de cefaleias e amputa- administração deve ser progressivo até se
ção dos campos visuais nas situações mais atingirem doses mínimas eficazes para nor-
graves. Esta variabilidade de manifestações malizar os valores de PRL e restaurar o ciclo
clínicas pode dever-se, não apenas aos dife- menstrual22. No caso da intolerância à admi-
rentes níveis circulantes de PRL exibidos por nistração oral deste fármaco não ser ultra-
cada doente, mas também à heterogeneida- passada, pode tentar-se a administração por
de e diferentes graus de biodisponibilidade via vaginal onde os resultados obtidos têm
dos péptidos da PRL20. Níveis elevados de sido encorajadores. Mais recentemente a
uma forma relativamente inactiva de PRL po- utilização da cabergolina (agonista da dopa-
dem cursar com manifestações clínicas dis- mina derivado da ergotamina), em doses de
cretas20. Este facto também explica a pobre 0,5 a 3 mg por via oral, uma a duas vezes por

Amenorreias 249
semana, tem-se revelado uma alternativa nóstico seja efectuado fora do âmbito da gi-
capaz de vir a substituir a bromocriptina, necologia. O mecanismo pelo qual o hipoti-
tendo em conta a sua eficácia, comodidade roidismo se associa a um distúrbio da função

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posológica e menor número de efeitos late- menstrual pode dever-se a uma sensibiliza-
rais adversos22. É importante referir que a ção das células hipofisárias produtoras de PRL
terapêutica médica é eficaz em cerca de secundário ao aumento da hormona liberta-
80% dos casos, tendo sido calculado que a dora da tirotropina (TRH), com consequente
duração média do intervalo entre o início aumento nos níveis PRL, que apesar de tudo
do tratamento e a normalização da função geralmente não ultrapassam os 100 ng/ml24.
menstrual é da ordem das cinco a seis se- No entanto, podem observar-se situações de
manas23. Após atingida esse objectivo im- amenorreia associadas ao hipotiroidismo sem
porta manter uma vigilância clínica, labora- alterações dos níveis de PRL. Apesar de ser
torial e imagiológica, cuja frequência será improvável o diagnóstico de um hipotiroidis-
mais pontual no caso de se tratar de um mi- mo até então desconhecido numa doente
croadenoma hipofisário (diâmetro inferior a com amenorreia, a determinação da TSH nes-
10 mm) ou mais regular no caso do macroa- tas circunstâncias é aconselhada uma vez que
denoma (diâmetro igual ou superior a 10 se trata de um exame de simples execução e
mm)22. A duração do tratamento também que pode, mesmo que em situações raras,
não é standard e depende da resposta ini- permitir o diagnóstico de um hipotiroidismo
cialmente obtida mas admite-se que se cujo tratamento é extraordinariamente eficaz
deva manter por um período mínimo de a restaurar a normalidade do ciclo menstru-
dois a cinco anos, após o qual, se a situação al24. Para além disso, está actualmente bem
clínica da doente se mantiver estável, pode estabelecida a associação entre o hipotiroi-
ser tentada a redução gradual seguida da dismo e os abortamentos de repetição pelo
interrupção da medicação2. A opção cirúrgi- que também do ponto de vista reprodutivo
ca, nomeadamente por via transesfenoidal, este diagnóstico é importante25.
parece ter o seu benefício máximo nas situ-
ações que cursam com níveis de PRL entre 2.4. FSH AUMENTADA
150 e 500 ng/ml (quanto mais elevada a hi-
perprolactinemia menor a taxa de cura com A ausência de funcionamento dos ovários ori-
a cirurgia) ou nas situações em que, apesar gina uma amenorreia associada a baixos
da normalização dos níveis de PRL com a te- níveis de estrogénios circulantes e FSH au-
rapêutica médica, o tumor hipofisário man- mentada por ausência do correspondente
tém ou aumenta as suas dimensões2. retrocontrolo negativo. São as doentes com
hipogonadismo hipergonadotrófico classifi-
2.3. TSH AUMENTADA cadas no grupo III da WHO/OMS. Quando
ocorre antes dos 40 anos será classificada
São invulgares as situações em que a primeira como falência ovárica precoce e se entre os 40
manifestação clínica do hipotiroidismo é a e os 45 anos considerar-se-á como menopau-
amenorreia, motivo pelo qual esta é uma cau- sa precoce. A elevação dos níveis de gonado-
sa raramente identificada em primeira mão trofinas, sobretudo no caso de se associar a
pelo ginecologista. Habitualmente os sinto- uma amenorreia secundária, deve ser sempre
mas mais comuns de hipotiroidismo, nomea- confirmada com uma segunda determinação
damente a fadiga crónica, perda de memória, após vários meses de intervalo, uma vez que,
obstipação, retenção de líquidos, intolerância após esse aumento pode ocorrer uma norma-
ao frio, sonolência, lentidão psicomotora ou lização desses níveis, facto que pode traduzir
da fala, entre outros, permitem que o diag- uma reactivação da função ovárica26. Esta

250 Capítulo 15
possibilidade reveste-se da maior importân- Causas genéticas também podem estar na
cia quando é dada a informação à doente origem de uma amenorreia secundária por
relativamente ao seu prognóstico futuro, no- falência ovárica precoce. Quando esta ocorre

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meadamente no que diz respeito à sua capa- antes dos 30 anos de idade é obrigatória a ca-
cidade fértil, uma vez que, a foliculogénese racterização cromossómica da doente através
pode ser reactivada espontaneamente, ou do cariótipo para excluir a presença de um
após o início de uma terapêutica estrogénica cromossoma Y oculto, (por exemplo em situa-
capaz de induzir a activação dos receptores ções de mosaicismos), que obrigará à remo-
foliculares para as gonadotrofinas27. Por este ção das gónadas devido ao risco aumentado
motivo, a informação que devemos transmitir de tumores. Após os 30 anos essa remoção
a uma doente que se enquadre neste contex- não parece justificar-se uma vez que não há
to clínico é a de que a ocorrência de uma gra- relatos de aparecimento destes tumores de-
videz espontânea será seguramente muito pois dessa idade11,31. Embora relativamente
improvável mas não impossível27. A falência raros, determinados distúrbios genéticos po-
ovárica precoce ocorre em cerca de 1 a 5% das dem associar-se a uma falência ovárica preco-
mulheres e são múltiplas as causas que po- ce. São exemplos dessa situação a presença
dem estar na origem dessa cessação prema- de mutações dos receptores da FSH ou hor-
tura do funcionamento dos ovários28,29. mona luteo-estimulante (LH), da pré-muta-
Frequentemente a radioterapia e/ou a qui- ção da síndrome do X frágil, da galactossemia
mioterapia, sobretudo se incluírem agen- ou da deficiência congénita das enzimas 17-
tes alquilantes, resultam numa depleção hidroxilase, 17,20-liase ou da aromatase32-36.
significativa de folículos capaz de originar Quando a falência ovárica ocorre antes da
uma falência ovárica precoce, motivo pelo menarca (por vezes ocorre mesmo in utero),
qual, previamente ao início dos tratamen- irá originar uma amenorreia primária asso-
tos, está indicado o aconselhamento, com ciada a distúrbios no desenvolvimento pu-
especialistas na área da reprodução, sobre bertário, sendo a causa mais provável a dis-
as estratégias de preservação da fertilida- genesia ou agenesia gonádica. A disgenesia
de. A cirurgia pélvica, a exposição a certas gonádica é aliás a causa mais comum de
toxinas ambientais, o cigarro ou determi- amenorreia primária7. A caracterização ge-
nadas infecções virais também podem ser nética destas doentes através da determina-
factores etiológicos29,30. ção do cariótipo torna-se então fundamental
Cerca de 40% das doentes com falência ová- para distinguir entre a disgenesia gonádica
rica precoce apresentam distúrbios auto- associada a um cariótipo normal (46, XX ou
imunes capazes de provocar, através de um 46, XY), ou alterado (45, X0, mosaicismos,
mecanismo pouco claro, uma resistência fo- translocações/deleções). Como já foi referi-
licular à acção das gonadotrofinas6,29,30. do anteriormente, a disgenesia gonádica as-
Exemplos dessas situações são as tiroidites sociada ao cariótipo 46, XY, também desig-
auto-imunes, a diabetes mellitus insulinode- nada por síndrome de Swyer, associa-se ao
pendente, a miastenia gravis, a doença das aparecimento de tumores gonádicos em
paratiróides, e a doença de Addison que, em cerca de 25% dos casos11. Por este motivo, e
cerca de 10 a 60% dos casos, se associa a porque a gónada não é funcionante, está in-
uma ooforite linfocítica6. Tendo em conta dicada a sua remoção imediata11. No caso da
este facto, justifica-se nestas doentes um síndrome de Turner (45, X0), a falência ovári-
estudo endócrino mais aprofundado, sobre- ca ocorre devido a um ritmo acelerado de
tudo se a história clínica e o exame físico atresia folicular, de causa desconhecida, mas
também forem sugestivos de alguma destas que se pode iniciar após as 18 semanas de
hipóteses etiológicas. vida intra-uterina37. O diagnóstico é muitas

Amenorreias 251
vezes estabelecido antes da puberdade de- rica do que a biopsia, que já chegou a ser
vido às características muito peculiares do preconizada mas que actualmente está até
fenótipo destas doentes, nomeadamente a contra-indicada para esse efeito2,38. Os trata-

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baixa estatura, o alargamento do pescoço e mentos de procriação medicamente assisti-
a implantação baixa do cabelo37. Nestes ca- da com doação de ovócitos representam
sos a amenorreia primária já não representa- hoje em dia a estratégia que garante a estas
rá um desafio diagnóstico. De maior comple- doentes uma maior probabilidade de obten-
xidade são as situações nas quais se pode ção de uma gravidez.
observar a ocorrência de uma puberdade es-
pontânea (entre 20 a 30% dos casos), ou até 2.5. FSH NORMAL OU DIMINUÍDA
uma gravidez (entre 5 a 10% dos casos), fac-
to que sugere a presença e maturação de fo- Quando os valores de FSH se encontram
lículos até fases mais tardias da adolescên- dentro dos limites normais, a amenorreia po-
cia37. Os casos de mosaicismo (como por derá ter como causa um defeito anatómico
exemplo 46, XX/45, X0), e as deleções/trans- congénito ou adquirido. As anomalias mülle-
locações do braço longo do cromossoma X, rianas estão associadas à amenorreia primá-
explicam o largo espectro de manifestações ria e, como já atrás foi referido, o seu diagnós-
clínicas observadas, onde a infertilidade, tico é geralmente efectuado com base na
apesar de ser um achado comum, pode história clínica e no exame físico, sendo por
diagnosticar-se apenas posteriormente a esta razão desnecessária a realização de do-
uma puberdade, menarca, ou até gravidez seamento hormonais, cujos valores estão por
espontânea, antes de se instalar a falência norma dentro dos limites normais.
ovárica. A criopreservação de tecido ovárico No contexto de um valor de FSH normal, a
em fases precoces da vida pode ser uma es- presença de uma amenorreia secundária
tratégia indicada para preservar a fertilidade obriga-nos também a pensar na hipótese da
destas doentes, apesar das limitações que a síndrome de Asherman, situação caracteriza-
técnica ainda hoje apresenta. da pela presença de sinéquias uterinas
Qualquer que seja a causa da falência ovári- geralmente consequentes a situações de
ca, a terapêutica com suplemento de estro- endometrite, complicações resultantes de
génio e de progesterona deve ser imple- processos de abortamento ou curetagem
mentada não só para reduzir o risco de uterina demasiadamente agressiva, tendo
osteoporose, mas também para promover e recentemente sido descrita como complica-
manter os caracteres sexuais secundários. ção da embolização das artérias uterinas para
No caso das adolescentes, a terapêutica de- tratamento de fibromiomas uterinos26. A es-
verá iniciar-se apenas com estrogénios até tenose do endocolo, iatrogénica ou resultan-
ao aparecimento da aréola e do botão ma- te de processos inflamatórios/infecciosos,
mário e só posteriormente deverá ser incluí- pode igualmente ser causadora de amenor-
do o progestativo. No que diz respeito ao reia. Em qualquer uma destas situações a his-
tratamento da infertilidade o desafio é con- teroscopia permite fazer o diagnóstico e, de-
siderável uma vez que, apesar de por vezes pendendo da situação, pode também ser
se identificarem folículos, na ecografia trans- utilizada como forma de terapêutica.
vaginal, a probabilidade de obtenção de Apesar das situações atrás referidas pode-
uma resposta ovárica, mesmo com doses rem ser observadas em doentes com ame-
elevadas de gonadotrofinas, é diminuta2. A norreia e níveis de FSH inalterados, é impor-
tentativa empírica de estimulação ovárica é, tante referir que as duas causas mais comuns
no entanto, uma alternativa muito mais con- de amenorreia com FSH normal ou diminuí-
sensual para a determinação da reserva ová- da são a amenorreia hipotalâmica e a SOP.

252 Capítulo 15
Embora em ambos os casos a disfunção hor- nóstico pode ser efectuado mediante o do-
monal pareça estar associada a um distúrbio seamento da 17-OH-progesterona matinal
nos pulsos da GnRH, inconsistentes no pri- cujos níveis estarão caracteristicamente aci-

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meiro caso e persistentes ou demasiada- ma de 2 a 3 ng/ml45. Apesar da síndrome de
mente rápidos no segundo, estas duas Cushing não ser uma causa comum de ame-
entidades apresentam características clíni- norreia, deve ser considerada uma possibili-
co-laboratoriais bem distintas6. dade em doentes com sinais de hiperandro-
Quando a amenorreia se associa a uma genismo, sobretudo hirsutismo e virilização46.
evidência de excesso de androgénios o Os testes diagnósticos efectuados no estado
diagnóstico mais provável será o da SOP. basal que maior utilidade apresentam são a
Trata-se de uma entidade muito comum, medição da excreção do cortisol livre na uri-
caracterizada por uma disfunção ovárica na de 24 horas e a determinação do cortisol
com manifestações clínicas que podem in- plasmático ao final do dia47.
cluir irregularidades menstruais, sinais de As causas centrais de amenorreia por disfun-
hiperandrogenismo, obesidade e infertili- ção do eixo hipotâlamo-hipofisário são con-
dade, associadas a uma morfologia ovárica sideradas um diagnóstico de exclusão. No
poliquística39. Apesar de dever ser conside- caso da doente com amenorreia, sem evi-
rada como causa de amenorreia é impor- dência de anomalias do tracto genital ou hi-
tante salientar que cerca de 75% destas do- perandrogenismo, sem alterações da PRL e
entes apresentam oligomenorreia e apenas da TSH e com níveis normais ou diminuídos
25% irão ter amenorreia40,41. Para além des- de FSH, a causa central será a mais provável.
tas manifestações clínicas uma ampla série É o hipogonadismo hipogonadotrófico que
de alterações hormonais pode ser observa- caracteriza o grupo I da WHO5. Apesar de se
da42-44. Os níveis séricos de androgénios va- associar na maior parte das vezes a uma
riam entre o limite superior do normal até amenorreia secundária, cerca de 3% dos
valores duas vezes acima desse limite. Os adolescentes podem apresentar amenorreia
níveis de PRL podem estar ligeiramente au- primária de causa hipotalâmica48. Os distúr-
mentados em 10 a 25% das doentes e a re- bios psicogénicos, as variações extremas do
lação entre os níveis de LH e de FSH é geral- peso, a subnutrição ou a actividade física in-
mente superior a dois. De acordo com o tensa, nomeadamente em atletas de alta
grupo de consenso reunido em Roterdão competição, são causas comuns de amenor-
em 2003, o seu diagnóstico poderá ser rea- reia funcional hipotalâmica, embora com
lizado quando forem detectados pelo me- mecanismos etiopatogénicos pouco claros6.
nos dois dos seguintes três critérios: As doenças crónicas debilitantes, apesar de
— Oligo e/ou anovulação. não serem muito comuns em mulheres em
— Sinais clínicos e/ou bioquímicos de hipe- idade reprodutiva, também podem ser cau-
randrogenismo. sa de amenorreia por um mecanismo cen-
— Evidência ecográfica de ovários poliquís- tral. Quando numa doente é possível excluir
ticos42. uma das causas anteriores de amenorreia hi-
Para além destes critérios torna-se necessá- potalâmica mas apesar de tudo esta persiste,
ria a exclusão de entidades responsáveis está indicada a realização de uma RM cere-
pelo aumento dos níveis de androgénios cir- bral para detectar uma causa central de na-
culantes, nomeadamente a hiperplasia su- tureza orgânica. A amenorreia associada a
pra-renal congénita, a síndrome de Cushing anosmia por distúrbio no desenvolvimento
e os tumores produtores de androgénios42. do bolbo olfactivo caracteriza a síndrome de
No caso da hiperplasia supra-renal congéni- Kallman, causa rara de amenorreia hipotalâ-
ta por deficiência da 21-hidroxilase, o diag- mica secundária a um défice da GnRH49. Mu-

Amenorreias 253
tações nos genes para os receptores da 10. Doody KM, Carr BR. Amenorrhea. Obstet Gynecol Clin
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254 Capítulo 15
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Amenorreias 255
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16 Contracepção

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Maria Gil Varela

1. INTRODUÇÃO e físico da mulher, que se traduz no aumento


da sua eficácia e na diminuição dos efeitos
A ideia de contracepção existe desde a Anti- adversos. Embora a escolha do método deva
guidade. Há registos de várias práticas con- ser da responsabilidade da mulher, o médico
traceptivas em papiros egípcios datados de tem como obrigação informar sobre as van-
2000 a.c. e que se baseavam nos métodos de tagens e inconvenientes, riscos e benefícios
barreira utilizados pela mulher. e contra-indicar quando é o caso. Para uma
A contracepção, no entanto só nas últimas contracepção consciente, todos os esclare-
décadas foi aceite e reconhecida socialmen- cimentos focando a eficácia, a inocuidade, a
te como parte integrante da vida actual. A tolerância e a reversibilidade devem ser da-
contracepção permitiu separar o sexo da dos antes de se iniciar a contracepção.
procriação e teve como consequência uma
diminuição da natalidade, mas também
contribuiu de forma significativa para o 2. EFICÁCIA DOS MÉTODOS
bem-estar e saúde da mulher e da criança, CONTRACEPTIVOS  ÍNDICE DE PEARL
espaçando os nascimentos e diminuindo a
taxa de abortos por gravidezes indesejadas. A eficácia de um método exprime-se em nú-
A multiplicidade de métodos veio permitir mero de gravidezes por 100 mulheres por ano
uma escolha adequada ao perfil psicológico e denomina-se índice de Pearl (Quadro 1).

Quadro 1. Eficácia dos métodos contraceptivos


Método Índice de Pearl (%)
Contraceptivos orais combinados 0,03-0,5
Minipílula 0,4-4,3
Progestativo injectável 0,03-0,9
Implantes 0-0,2
DIU de cobre 0,5-1,0
SIU com levonorgestrel 0,09-0,2
Espermicida 2-30
Preservativo 7-14
Métodos naturais 7-38
Esterilização 0-0,3
Ausência de contracepção > 80

257
3. MÉTODOS CONTRACEPTIVOS o seu desaparecimento. Dada a dificuldade
de avaliação destas alterações, é um método
3.1.MÉTODOS NATURAIS/ABSTINÊNCIA de difícil aceitabilidade e com baixa eficácia.

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PERIÓDICA
3.2. MÉTODOS DE BARREIRA
Os métodos de abstinência periódica estão
relacionados com a fisiologia da reprodução, Os métodos de barreira estão descritos desde
nomeadamente a identificação do dia da ovu- a Antiguidade. Apresentam como vantagem
lação, o tempo de viabilidade do óvulo e dos a protecção contra as doenças de transmissão
espermatozóides e na observância das modi- sexual (em cerca de 50%). Estas incluem in-
ficações hormonais ao longo do ciclo, com as fecções causadas por Chlamydia Trachomatis,
respectivas repercussões a nível do muco e Neisseria Gonorrhoeae, trichomonas, herpes
da temperatura basal. Podem estar indicados, simplex, citomegalovírus e pelo vírus da sín-
por períodos curtos, em mulheres com baixa drome de imunodeficiência adquirida (VIH).
fertilidade e que tenham ciclos regulares. Es- Quanto ao vírus da SIDA, só o preservativo foi
tes métodos têm muito baixa eficácia. aprovado na protecção contra esta doença.
Os métodos de barreira protegem também
3.1.1. MÉTODO DO CALENDÁRIO contra a displasia e o cancro do colo, mas têm
OGINOKNAUS como desvantagem a baixa eficácia e o facto
de interferirem com o acto sexual.
Para a aplicação deste método a mulher deve
fazer o estudo dos ciclos durante um perío- 3.2.1. DIAFRAGMA
do longo para se aperceber do seu período
fértil evitando as relações sexuais durante Os diafragmas são discos fabricados em
esse período, sendo o método contraceptivo látex com o formato de cúpula. Existem
com menor eficácia. em diferentes tamanhos e é necessária a
participação do médico para avaliação do
3.1.2. MÉTODO DAS TEMPERATURAS tamanho adequado para cada caso. A sua
eficácia aumenta com o uso associado de
O método das temperaturas baseia-se nos espermicida. Aplica-se no fundo de saco
dados fornecidos pelo registo da tempera- vaginal ficando apoiado à frente na fosseta
tura rectal em condições basais, de manhã retropúbica e posteriormente no fundo de
antes de qualquer esforço. Este método tem saco de Douglas. Ao ocultar o colo, impede
por base o facto de ocorrer uma subida da o contacto deste com o esperma. Deve ser
temperatura após a ovulação. Assim são per- colocado até quatro horas antes das rela-
mitidas as relações sexuais desprotegidas três ções sexuais, ou imediatamente antes do
dias após essa elevação da temperatura. É um acto sexual, e só pode ser retirado oito ho-
método pouco prático e com baixa eficácia. ras depois. É reutilizável. As vantagens são a
inocuidade e o efeito protector em relação
3.1.3. MUCO CERVICAL BILLINGS a algumas doenças de transmissão sexual.
Está contra-indicado em caso de alergia ao
Ao longo da fase folicular vai sendo produzi- látex ou aos espermicidas, nos casos de in-
do muco que atinge o máximo na altura da fecções urinárias de repetição, em situações
ovulação este método consiste na apreciação anatómicas particulares como prolapso uro-
das modificações do muco ao longo do ciclo genital importante, retroversão uterina fixa
não sendo permitidas as relações no período ou vagina estreita e no caso de dificuldade
em que existe muco e até ao terceiro dia após do seu manuseamento (Fig. 1).

258 Capítulo 16
Fase I Fase II

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Figura 1. Colocação do diafragma (adaptado de Speroff, et al.1).

3.2.2. CAPA CERVICAL 3.2.3. PRESERVATIVO FEMININO

Tal como o diafragma, é fabricada em látex, O preservativo feminino não teve grande
embora mais duro, tem um formato mais aceitabilidade provavelmente pela dificul-
pequeno e coloca-se directamente no colo dade de manuseamento. É fabricado em
(Fig. 2). O seu uso está indicado em substitui- látex ou poliuretano e tem o formato de
ção do diafragma no caso de contra-indica- um cilindro fechado na porção distal e na
ção à utilização deste. Tal como o diafragma porção externa tem um anel flexível, que o
é reutilizável e deve ser utilizada em associa- mantém aberto apoiando-se na vulva. Pos-
ção com espermicida mas é menos eficaz e sui ainda um anel interno destinado a faci-
de maior dificuldade de colocação. litar a introdução (Fig. 3). É pré-lubrificado e
utilizado uma única vez, tendo a vantagem
de proteger em relação às doenças de trans-
missão sexual, concretamente ao VIH. Pode
ser colocado em qualquer altura antes da
penetração.

3.2.4. ESPONJA VAGINAL


CONTRACEPTIVA

A esponja vaginal tem dupla acção, uma


vez que oculta o orifício do colo e é esper-
micida uma vez que está embebida em
cloreto de benzalcónio ou em nonoxinol e
coloca-se no fundo da vagina. O efeito con-
traceptivo é imediato e pode permanecer
na vagina durante 24 horas. Não deve ser
Figura 2. Colocação de capa cervical (adaptado de Spe- retirada antes de duas horas após a relação
roff, et al.1). sexual.

Contracepção 259
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Figura 3. Preservativo feminino e sua colocação (adaptado de Speroff, et al.1).

3.2.5. ESPERMICIDAS substancialmente a sua eficácia. A partir de


1980, com o aparecimento da SIDA, aumen-
Os espermicidas classificam-se em agentes tou o uso do preservativo à escala mundial.
surfactantes que actuam diminuindo a tensão O preservativo é um cilindro estreito com a
superficial dos espermatozóides ou em agen- parte terminal fechada e com um reservató-
tes bactericidas que alteram o seu metabolis- rio, sendo habitualmente lubrificado. Deve
mo. Existem espermicidas à base de cloreto ser colocado antes da penetração e estando o
de benzalcónio ou de nonoxinol, protegendo pénis em erecção. Tem como indicação major
em relação a algumas doenças de transmis- a protecção em relação às doenças de trans-
são sexual e apresentando-se sob a forma de missão sexual, oferecendo protecção contra
óvulos, cápsulas ou creme. Quando utilizados a infecção pelo HPV e consequentemente
isoladamente são pouco eficazes pelo que lesões displásicas e cancro do colo. Está in-
são habitualmente usados em associação dicado nas situações de relações sexuais im-
com os contraceptivos vaginais ou com o pre- previstas ou ocasionais, nos casos de neces-
servativo masculino. Os espermicidas à base sidade de protecção em relação às doenças
de nonoxinol estão contra-indicados durante de transmissão sexual, em particular ao VIH
a amamentação pois este produto pode ser e quando há contra-indicação aos métodos
excretado pelo leite. mais eficazes. É recomendado para a preven-
ção da SIDA, hepatite, Chlamydia Trachomatis,
3.2.6. PRESERVATIVO MASCULINO sífilis, gonococcia e tricomoníase. Em relação
ao herpes e aos condilomas, a sua eficácia é
A primeira descrição data de 1564 e foi utili- menor dada a sua multifocalidade1,3.
zado para protecção em relação a sífilis. Foi
no século XVIII que tomaram o nome de pre- 3.3. CONTRACEPÇÃO HORMONAL
servativos e eram feitos com pele de animais.
Com a vulcanização da borracha, passaram a 3.3.1. HISTÓRIA DA CONTRACEPÇÃO ORAL
ser comercializados preservativos de quali-
dade muito superior e em 1930 surgem os Em 1920 Ludwig Haberlandt, professor de
preservativos em látex, o que veio aumentar fisiologia da Universidade de Innsbruck,

260 Capítulo 16
demonstrou que a administração oral de 3.3.2. COMPOSTOS DA
extractos ováricos impedia a ovulação (nas CONTRACEPÇÃO HORMONAL
ratas)1,2 e em 1931 este investigador e Fell-

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ner, ginecologista vienense, propuseram a Da composição dos contraceptivos hor-
administração de hormonas para contracep- monais fazem parte os estrogénios sinté-
ção, uma vez que demonstraram que a fer- ticos e os progestativos. O estrogénio utili-
tilidade era inibida com estes extractos, em zado é o etinilestradiol que foi obtido por
vários animais. O extracto então produzido modificação da estrutura do estradiol en-
era o etinilestradiol, derivado da etisterona e dógeno com a introdução do grupo etinil
denominava-se «Infecundin» e estava pron- na posição C17 que, retardando a sua de-
to a ser utilizado, mas o desaparecimento gradação no organismo e aumentando a
prematuro destes investigadores veio atra- sua semivida, o tornou activo por via oral.
sar o desenvolvimento nesta área. Só em O mestranol foi também utilizado nos pri-
1951 uma nova descoberta veio contribuir meiros compostos hormonais contracepti-
para o avanço na contracepção hormonal, vos mas acabou por ser abandonado, uma
ao ser demonstrado que ao fazer-se a remo- vez que necessitava ser metabolizado em
ção do carbono 19 da etisterona formando etinilestradiol para ser reconhecido nos
a noretindrona a sua acção androgénica era receptores de estrogénios. O metabolismo
atenuada e passava a ter uma acção proges- do etinilestradiol varia de pessoa para pes-
tagénica. Surgiram assim os derivados da soa, daí que possa causar diferentes efei-
19-nortestosterona. tos secundários.
Após anos de investigação, Pincus, em A dose de estrogénios na contracepção hor-
1960, apresenta a primeira pílula contra- monal é da maior importância clínica uma
ceptiva aprovada pela Food and Drug Ad- vez que um dos efeitos secundários mais
ministration, o «Enovid», contendo 150 μg graves da contracepção oral é o risco trom-
de mestranol e 9,85 mg de noretinodrel. boembólico que está relacionado com o
Em1962 surgiu o «Ortho Novim», cujo pro- componente estrogénico. Por esse motivo,
gestativo era a noretindrona e em 1968 a dosagem tem vindo a reduzir substancial-
foi sintetizado o norgestrel. Desde então mente nos preparados mais recentes, man-
a investigação na contracepção oral tem tendo-se a eficácia.
incidido sobretudo na diminuição da dose Quanto aos progestativos, os primeiros en-
de estrogénios e no aperfeiçoamento da saios da sua síntese foram realizados em
molécula de progestativo, tendo em vista 1951 a partir da testosterona. Eliminando
diminuir o seu efeito androgénico e mine- o carbono da posição 19, reduziram-se as
ralocorticóide, reduzindo assim os efeitos propriedades androgénicas e revelaram-se
secundários. A drospirenona é um novo as propriedades progestativas e ainda uma
progestativo derivado da espironolactona acção estrogénica fraca.
que tem sobretudo um efeito antiminera- Os derivados da 19 nortestosterona são: o
locorticóide. noretinodrel, o acetato de noretindrona, o
A contracepção hormonal, nomeadamente diacetato de etinodiol, o linestrenol, o nor-
os contraceptivos orais, constitui o méto- gestrel e o desogestrel.
do contraceptivo mais utilizado sobretudo Os progestativos de síntese são classifica-
pela sua elevada eficácia e comodidade, dos em derivados da 19-nor-testosterona e
para além de ter efeitos benéficos em vá- os derivados da 17OH-progesterona.
rias situações clínicas. Deve ser avaliada Os progestativos 19-noresteróides cons-
pela eficácia, efeitos secundário, riscos e tituem o grupo estrano (noretisterona,
benefícios. acetato de noretisterona, norgestrinona

Contracepção 261
e linestrenol) e o grupo gonano (levonor- ações de acne e hirsutismo, como veremos
gestrel, gestodeno, norgestimato e deso- adiante. Estas formulações podem ter inte-
gestrel). resse a nível da protecção cardiovascular. Os

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Os progestativos de síntese derivados da progestativos com acção androgénica têm
17-hidroxiprogesterona constituem o grupo efeito sobre a ficha lipídica, nomeadamente
pregnano (o acetato de medroxiprogeste- baixando a fracção HDL do colesterol e dimi-
rona, o acetato de clormadinona e o aceta- nuem os triglicerídeos (na contracepção oral
to de ciproterona) e o grupo norpregnano combinada o efeito é atenuado pela acção
(promegestona). dos estrogénios).
Ainda na tentativa de diminuir o efeito an-
drogénico dos progestativos, responsável 3.3.3. CONTRACEPÇÃO HORMONAL
pelos efeitos secundários a nível cardiovas- E METABOLISMO
cular, sugiram três novos compostos deriva-
dos da 17-hidroxiprogesterona: o desoges- Metabolismo dos hidratos de carbono
trel, o gestodeno e o norgestimato. Assim Nos contraceptivos de alta dosagem, a gli-
podemos classificar os progestativos em de- cemia bem como a insulina sofriam um
rivados da 17OH-progesterona e derivados aumento, sendo essas alterações maiorita-
dos 19-noresteróides. riamente da responsabilidade dos proges-
Os progestativos de síntese derivados da tativos de primeira geração e dependentes
17-hidroxiprogesterona constituem o grupo da dose. Na contracepção hormonal, os
pregnano (o acetato de medroxiprogeste- estrogénios sintéticos e os progestativos al-
rona, o acetato de clormadinona e o aceta- teram a tolerância à glicose. Os estrogénios
to de ciproterona) e o grupo norpregnano de síntese provocam hiperinsulinismo por
(promegestona). aumento da relação insulina/glucagom na
Os progestativos 19-noresteróides consti- veia-porta, por diminuição da neoglicogé-
tuem o grupo estrano (noretisterona, aceta- nese e da glicogenólise, com aumento do
to de noretisterona norgestrinona e linestre- glicogénio hepático.
nol) e o grupo gonano (levonorgestrel, ges- Os progestativos provocam hiperinsulinis-
todeno, norgestimato e desogestrel). mo com insulinorresistência particularmen-
Todos os progestativos de síntese têm uma te quando utilizados em doses elevadas e
acção progestativa, androgénica e ou an- estão implicados nesta alteração os proges-
tiandrogénica, antiestrogénica ou estrogé- tativos com maior actividade androgénica.
nica, glicocorticóide ou antiglicocorticóide e Nos compostos estroprogestativos actuais,
uma acção mineralocorticóide ou antimine- contendo baixas doses de etinilestradiol o
ralocorticóide. A associação de estrogénios impacto é mínimo e com os progestativos
altera estas propriedades, uma vez que estes de segunda ou terceira geração, estes efeitos
provocam uma subida dos valores da proteí- são negligenciáveis.
na de transporte (SHBG). Estas alterações dependem da sensibilida-
Os progestativos de síntese utilizados na de individual e surgem habitualmente nas
contracepção derivados de progestativos mulheres com risco para diabetes. Podemos
com núcleo pregnano têm efeito androgé- afirmar então que as alterações do metabo-
nico nulo ou fraco e os derivados dos no- lismo glicídico verificadas com os estropro-
resteróides têm efeitos androgénicos con- gestativos mini doseados e utilizando as
sideráveis. O menor efeito androgénico dos novas moléculas de progestativos não têm
novos compostos progestativos revelou-se significado clínico nas mulheres sem predis-
de grande interesse a nível das alterações posição para diabetes e que as excepcionais
do perfil lipídico e no tratamento das situ- alterações que possam surgir nos valores da

262 Capítulo 16
glicemia são reversíveis após suspensão da que se manifesta como trombose venosa
contracepção oral. profunda e embolia pulmonar, bem como
Está actualmente estabelecido que os con- tromboembolismo arterial manifestado

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traceptivos orais não condicionam o au- sob a forma de acidentes vasculares cere-
mento de aparecimento de diabetes em brais e enfarte do miocárdio, em mulheres
mulheres saudáveis e em mulheres com an- sob contracepção estroprogestativa5. O TEV
tecedentes de diabetes gestacional não se é raro nas utilizadoras de contraceptivos
provou o aumento de risco de diabetes sob contendo < 50μg, não excedendo 4/10.000/
contracepção hormonal de baixa dosagem1. ano comparativamente com as não-utiliza-
doras com um risco de 0,53/10.000/ano. A
Metabolismo lipídico incidência de TEV na gravidez é contudo
Os estrogénios de síntese actuam a nível muito superior. Este risco está relacionado
do metabolismo lipídico e as alterações de- com a dose de estrogénios e é particular-
pendem da via de administração e da dose. mente relevante nas pílulas contendo 50 μg
Aumentam os triglicerídeos por aumento da ou mais de etinilestradiol. O risco de trom-
síntese da fracção VLDL e diminuição da ac- boembolismo é mais elevado no primeiro
tividade da lipoproteína lipase, aumentam o ano de toma e decresce ao longo do tem-
colesterol HDL, sobretudo do HDL2 e a sín- po. Os progestativos de terceira geração
tese das apolipoproteínas A1e A2 e baixam possibilitaram o uso de doses mais baixas
a Lp(a). de etinilestradiol, de 20 ou 15 μg, o que nos
Os progestativos com acção androgénica faria prever uma diminuição destes aciden-
têm efeito sobre a ficha lipídica, nomeada- tes, mas tal não se veio a confirmar4. Prova-
mente baixando a fracção HDL do colesterol velmente esta associação resulta num clima
e diminuem os triglicerídeos. Na contracep- mais estrogénico induzido pelos progesta-
ção oral combinada, o efeito dos progestati- tivos de terceira geração quando associa-
vos é atenuado pela acção dos estrogénios dos aos estrogénios4.
e a sua acção androgénica é menor nos pro- Alguns estudos demonstraram que o risco
gestativos de segunda e terceira geração. de tromboembolismo se revelou superior
Na contracepção estroprogestativa estes nos compostos de terceira geração, mas a
efeitos variam com a dose de estrogénios, o qualidade destes estudos foi contestada
tipo de progestativo e a sensibilidade indi- uma vez que a selecção das mulheres foi
vidual. Em termos globais há uma elevação menos exigente e foram encontrados fac-
ligeira do colesterol total por aumento da tores de viés que terão contribuído para
fracção LDL e VLDL e aumento dos triglicerí- os resultados que foram inesperados. De
deos, embora na maioria dos casos se man- qualquer forma não há ainda consenso em
tenha dentro dos valores normais. Na micro- relação com o risco aumentado de trom-
pílula progestativa, embora os progestativos boembolismo nos progestativos de ter-
tenham acção androgénica, como são admi- ceira geração5. Não devemos esquecer en-
nistrados em doses baixas, os efeitos sobre a tretanto que os progestativos de segunda
ficha lipídica são pouco relevantes. geração comportam também algum risco
tromboembólico.
3.3.4. CONTRACEPÇÃO HORMONAL, Os estroprogestativos condicionam altera-
DOENÇA CARDIOVASCULAR E FENÓMENOS ções nos factores da coagulação com au-
TROMBOEMBÓLICOS mento do fibrinogénio e dos factores VII, X
e II, e diminuição de alguns factores inibi-
Vários estudos demonstraram um aumento dores da coagulação como a antitrombina
de risco de tromboembolismo venoso (TEV), e a proteína S, e uma resistência alterada à

Contracepção 263
proteína C activada. Quanto à fibrinólise, em cerca de 5% dos casos, mas a diminui-
os estroprogestativos aumentam a taxa de ção da dose de etinilestradiol veio reduzir
plasminogénio e baixam o factor inibidor esse risco. O mecanismo de acção envolve o

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da fibrinólise, o PAI. Assim, os estroproges- sistema renina-angiotensina com aumento
tativos induzem por um lado uma hiperco- do angiotensinogénio e da angiotensina II,
agulabilidade que favorece a formação de desencadeado pelos estrogénios. A via oral
fibrina e por outro lado são responsáveis tem uma acção mais marcada nestas altera-
pelo aumento da fibrinólise. Estes dois me- ções e estas são reversíveis com a suspen-
canismos deverão teoricamente equilibrar- são da pílula. Os progestativos com acção
se e não aumentar o risco tromboembólico estrogénica e mineralocorticóide contri-
na mulher saudável mas na mulher com buem também para a subida dos valores da
alterações da coagulação poderão induzir tensão arterial.
um desequilíbrio no sentido de aumento de Os compostos de baixa dosagem (30 μg
risco de trombose. O valor da antitrombina ou menos de etinilestradiol) não provocam
sob estroprogestativos baixa normalmente habitualmente elevação da tensão arterial.
em cerca de 10%, mantendo-se ainda den- A monitorização deve, no entanto ser feita
tro dos valores normais. com medição anual da tensão arterial, uma
A trombose arterial e venosa são situações clí- vez que uma subida da tensão arterial pode
nicas raras na mulher jovem e quando surgem surgir em qualquer altura da toma.
estão normalmente associadas a factores de Nas situações de hipertensão controlada
risco (obesidade e hábitos tabágicos, para ou ligeira, a contracepção estroprogestati-
além dos antecedentes pessoais ou familiares va de baixa dosagem pode ser instituída,
de tromboembolismo). É por isso imperio- mas com uma vigilância mais cuidada e em
so fazer-se uma avaliação correcta antes da mulheres com menos de 35 anos e sem ou-
administração de estroprogestativos, nome- tros factores de risco, como sejam a obesi-
adamente a história pessoal e familiar. O ta- dade e os antecedentes familiares directos
bagismo agrava o risco de trombose arterial de hipertensão.
pelo que constitui uma contra-indicação em
mulheres a partir dos 35 anos. Na presença de 3.3.6. CONTRACEPÇÃO HORMONAL
deficiência congénita da coagulação, nome- E CANCRO
adamente défices congénitos de antitrombi-
na, proteína C ou S e de resistência à prote- Cancro do endométrio
ína C activada, com mutação do factor V de Os estroprogestativos protegem em 50%
Leiden ou de história pessoal ou familiar de do risco de cancro do endométrio com uma
tromboembolismo venoso idiopático, a con- maior protecção nas utilizadoras por três ou
tracepção hormonal está contra-indicada6. mais anos. A protecção é maior com os es-
Dada, no entanto, a raridade destes defeitos troprogestativos com dose de progestativo
congénitos da coagulação, não se justifica o mais elevada e persiste por 15 anos após
estudo da coagulação prévio à administra- a suspensão. Alguns estudos constataram
ção da contracepção hormonal, em mulheres uma redução de 80% nas utilizadoras por
sem factores de risco. mais de 10 anos.

3.3.5. CONTRACEPÇÃO HORMONAL Cancro do ovário


E TENSÃO ARTERIAL Os contraceptivos orais diminuem em 40%
o risco de cancro do ovário e a protecção
Os estroprogestativos de alta dosagem aumenta com o tempo de utilização. A di-
provocam uma subida da tensão arterial minuição atinge os 80% nas utilizadoras

264 Capítulo 16
por mais de 10 anos e persiste durante lheres numa faixa etária mais alta e muitas
pelo menos 10 a 15 anos após a suspen- tendo já tido filhos. Actualmente as utili-
são, parecendo haver uma maior protec- zadoras de contraceptivos orais são mais

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ção com os compostos de baixa dosagem. jovens, nulíparas e mais tardiamente vão
O estudo da WHO «Collaborative Study on ter o primeiro filho, factores relevantes
Neoplasms and Steroid Contraceptives» su- na incidência de cancro da mama. A aná-
geria que a protecção era maior nos com- lise do estudo do CDC, o maior estudo de
postos contendo dose mais elevadas de caso-controlo realizado, não comprovou
progestativo7. aumento de risco de cancro da mama rela-
cionado com os diferentes tipos de contra-
Cancro do colo ceptivos orais, pílula só com progestativos
Vários estudos comprovaram que os contra- ou pílula combinada, bem como com o
ceptivos orais aumentam o risco de displa- tipo de componentes dos contraceptivos
sia do colo e de carcinoma in situ e que esse hormonais ou com o tempo de uso.
risco aumenta com o tempo de uso. Há, no Podemos afirmar à luz dos conhecimentos
entanto outros factores que podem enviesar actuais que a toma de contraceptivos hor-
os resultados como seja o facto das mulhe- monais em idade reprodutiva por longos
res sob contracepção hormonal não utilizam períodos não aumenta o risco de cancro
habitualmente métodos de barreira o que da mama depois dos 45 anos de idade. Por
as torna mais vulneráveis ao contacto com outro lado, há a possibilidade de o uso de
HPV. Estudos recentes concluíram não ha- contraceptivos orais em idades jovens e
ver aumento de risco de carcinoma invasivo por um período superior a quatro anos po-
malpighiano mas um risco aumentado de der aumentar ligeiramente o risco relativo
adenocarcinoma2. de cancro da mama antes dos 45 anos RR
A realização de citologia do colo faz parte do < 1,51. Alguns estudos demonstraram uma
controlo nas mulheres sob contracepção. maior incidência quando a toma se inicia
antes da primeira gravidez. Da análise dos
Cancro da mama estudos CDC, não há evidência de aumen-
Nos últimos anos, vários estudos epide- to de cancro de mama na pós-menopausa
miológicos têm sido publicados sobre nas antigas utilizadoras. Todos estes estu-
cancro da mama e contracepção hormo- dos foram realizados em utilizadoras de
nal, mas continua em discussão a exis- contraceptivos orais de doses mais eleva-
tência ou não de risco de aumento da sua das por isso devemos ser cautelosos nas
prevalência em mulheres utilizadoras de informações a dar às mulheres até que
contraceptivos hormonais. O risco está re- novos estudos confirmem ou não estes
lacionado com a dosagem e então os es- dados. Sabemos que o uso de contracepti-
troprogestativos de alta dosagem estarão vos hormonais diminui a ocorrência de do-
associados a um maior risco sendo este ença benigna da mama após dois anos de
independente dos compostos progestati- toma. Esta protecção inclui as utilizadoras
vos (derivados da 17-hidroxiprogesterona actuais e as recentes8.
ou dos 19-noresteróides). Serão neces-
sários mais uns anos de recuo e estudos 3.3.7. CONTRACEPÇÃO HORMONAL
realizados em mulheres sob contracepção E TUMORES DO FÍGADO
hormonal com os novos compostos e em
populações diferentes das estudadas. Nos Os esteróides sexuais estrogénicos e an-
estudos existentes a população em estudo drogénicos podem desencadear o apare-
difere da actual uma vez que incluía mu- cimento de adenomas hepáticos e o risco

Contracepção 265
está relacionado com a duração da toma e 3.3.10. CONTRACEPÇÃO HORMONAL
com a dose. São situações raras e o diagnós- ESTROPROGESTATIVA
tico pode ser feito pela palpação hepática e

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pela ecografia. Contracepção estroprogestativa oral
Os compostos estroprogestativos são cons-
3.3.8. OUTROS EFEITOS SECUNDÁRIOS DOS tituídos por etinilestradiol e por diferentes
CONTRACEPTIVOS HORMONAIS progestativos.
A combinação de estrogénios e progesta-
A pílula pode causar em algumas mulhe- tivos actua inibindo a secreção de gonado-
res náuseas, cefaleias ou tensão mamária, trofinas: o progestativo, inibindo a secreção
sendo estes sintomas mais acentuados nos de LH e assim o pico da LH necessário ao
primeiros meses de toma mas, na maioria desencadear ovulação, e os estrogénios, a
dos casos, com tendência para desaparecer secreção de FSH impedindo o crescimento
gradualmente. O aumento de peso, pre- folicular até ao estádio de folículo domi-
sente em alguns casos deve-se ao efeito nante. Para além da inibição da ovulação, a
anabolizante de alguns compostos o que acção progestativa faz-se sentir a nível do
raramente acontece com os contraceptivos muco cervical tornando-o hostil à ascensão
orais de baixa dosagem. dos espermatozóides e provoca atrofia do
Em 5% dos casos pode surgir cloasma, o que endométrio tornando-o impróprio para a ni-
se tem tornado cada vez menos frequente dação, para além disso os progestativos di-
com os compostos de baixa dosagem. minuem a actividade tubar. Os estrogénios
O aparecimento de depressão mental com potencializam o efeito dos progestativos o
os contraceptivos hormonais é muito raro e que permite reduzir a sua dosagem.
deve-se à interferência dos estrogénios com A contracepção estroprogestativa combi-
o metabolismo do triptofano. Quando surge nada consiste na administração oral, diária
deve ser suspensa a sua administração. durante três semanas em cada quatro. Actu-
almente surgiram preparações com 24 com-
3.3.9. CLASSIFICAÇÃO DOS primidos e quatro de placebo, o que faz com
CONTRACEPTIVOS HORMONAIS que a toma seja diária.

Quadro 2. Classificação dos contraceptivos hormonais

— Consoante a sua composição podemos classificar os contraceptivos hormonais em:


u Contraceptivos de baixa dosagem, contendo < 50 μg de etinilestradiol
u Contraceptivos de primeira geração, contendo 50 μg ou mais de etinilestradiol
u Contraceptivos de segunda geração, contendo: levonorgestrel, norgestrel ou outros derivados da
noretindrona e 20, 30 ou 35 μg de etinilestradiol
u Contraceptivos de terceira geração, contendo desogestrel, gestodeno ou norgestimato e 20, 25 ou
30 μg de etinilestradiol

— Os contraceptivos hormonais podem ainda ser classificados em:


u Contraceptivos combinados, contendo estrogénios e progestativos
u Preparações, contendo só progestativos

266 Capítulo 16
Face à indicação de contracepção oral deve níveis constantes. Este sistema tem as mes-
optar-se por uma dose baixa de estrogénios mas indicações da via transdérmica e a sua
20 a 30 μg e pelos progestativos de segunda eficácia é semelhante. A dosagem é menor e

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ou terceira geração que têm menor efeito a os níveis séricos constantes.
nível da ficha lipídica, embora aparentemen- Coloca-se na vagina onde permanecerá du-
te sem grande benefício para o risco trom- rante três semanas, segue-se uma semana
boembólico, nomeadamente os progestati- de intervalo e nova colocação. A primeira
vos de terceira geração. aplicação é feita no primeiro dia do ciclo.

Contracepção estroprogestativa Contra-indicações da


por via transdérmica contracepção hormonal
A via de administração transdérmica tem A contracepção hormonal estroprogestativa
como vantagem eliminar a passagem pelo tem contra-indicações absolutas e relativas
fígado dos esteróides minimizando os efei- que se resumem no quadro 3.
tos a nível dos lípidos e dos hidratos de
carbono bem como de sistema renina-an- 3.3.11. CONTRACEPÇÃO PROGESTATIVA
giotensina, mas tem as mesmas contra-in-
dicações da via oral. Está indicada em situa- Os primeiros ensaios na contracepção com
ções de polimedicação e nas mulheres que progestativos isolados tiveram início nos
não cumprem a toma da pílula e/ou que anos 60. A maioria dos progestativos sinté-
têm spotting com a pílula, uma vez que esta ticos é derivada da 17-hidroxiprogesterona
via de administração confere níveis séricos ou da 19-nortestosterona.
constantes, ao contrário da via oral em que A contracepção progestativa actua pelo
há flutuações ao longo do dia. Pode ser ten- seu efeito antigonadotrófico parcial, mas
tado o seu uso nas mulheres com dislipide- também pela sua acção a nível periférico
mia ou hipertensão ligeira. antiestrogénico, sobre o muco, tornando-o
A contracepção hormonal transdérmica mais espesso o que dificulta a capacitação
consiste na colocação na pele de um patch e ascensão dos espermatozóides, e sobre o
contendo 750 μg de etinilestradiol e 6 mg endométrio, provocando neste uma atrofia
de norelgestromin e que liberta diariamen- impeditiva de uma boa nidação. Consoante a
te 20 μg de etinilestradiol e 150 μg de no- sua composição apresenta também proprie-
relgestromin de forma constante. A eficácia dades androgénicas ou antiandrogénicas e
será semelhante à da via oral mas há ainda efeito estrogénico. Está indicada nas situa-
pouco tempo de recuo. ções de contra-indicação aos estrogénios.
Coloca-se o patch semanalmente, durante Pode ser administrada por via oral, parenté-
três semanas com uma semana de intervalo. rica, subcutânea e intra-uterina.
Quando se inicia o seu uso aplica-se o patch
no primeiro dia do ciclo. Contracepção progestativa oral
Na contracepção com a micropílula proges-
Contracepção estroprogestativa tativa utilizam-se os progestativos derivados
por via vaginal dos noresteróides. O progestativo utilizado
A via vaginal é também utilizada na contra- em Portugal é o desogestrel na dose de 75
cepção hormonal e consta de um anel em μg/dia (Cerazette). Como os derivados dos
polietileno contendo etinilestradiol e eto- noresteróides exercem um efeito antigo-
norgestrel disponível em tamanho único de nadótropo parcial, o pico ovulatório é por
54x4 mm e que liberta diariamente 15 μg de vezes suprimido, mas ocorre maturação fo-
etinilestradiol e 120 mg de etonorgestrel em licular o que provoca perdas hemáticas des-

Contracepção 267
Quadro 3. Contra-indicações aos estroprogestativos

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— Contra-indicações absolutas
u Acidentes tromboembólicos arteriais ou antecedentes destas situações
u Acidentes tromboembólicos venosos ou antecedentes destas situações
u Alteração grave da função hepática
u Cancro de mama ou sua suspeição
u Hemorragia genital anormal não diagnosticada
u Gravidez
u Grandes fumadoras com mais de 35 anos
u Hipercolesterolemia e/ou hipertrigliceridemia severas
u Hipertensão severa

— Contra-indicações relativas
u Enxaqueca
u Hipertensão
u Diabetes mellitus
u Litíase biliar
u Hiperlipidemia
u Doença hepática/icterícia na gravidez
u Epilepsia
u Hábitos tabágicos
u Lúpus eritematoso

contínuas (spotting). A administração tem doses elevadas de 10 mg/dia tem efeito


pois de ser rigorosa a cada 24 horas e a toma antigonadótropo bloqueando a ovulação
de indutores enzimáticos diminui a sua efi- quando administrados do 5.o ao 25.o dia do
cácia por aceleração da degradação hepáti- ciclo, no entanto, têm como desvantagem o
ca dos esteróides. O risco de uma gravidez efeito deletério sobre a fracção HDL do co-
extra-uterina é aumentado uma vez que os lesterol. Os derivados da 19-nortestosterona
progestativos provocam o abrandamento e alguns derivados da 17OH-progesterona
do trânsito tubar. não têm esse efeito metabólico na dose de
Está indicada no período de aleitamento e 5 mg/dia. Quando administrados do 5.o ao
em situações transitórias em mulheres que 25.o dia do ciclo têm boa tolerância e não são
tenham contra-indicação aos estroproges- frequentes as alterações do ciclo.
tativos nas mulheres de mais de 40 anos.
Pode estar indicada nas mulheres hiperten- Contracepção progestativa injectável
sas, diabéticas, dislipidémicas, fumadoras ou O acetato de medroxiprogesterona na dose
com alto risco vascular trombótico. de 150 mg com uma duração de eficácia de
A administração descontinuada de proges- três meses ou enantato de noretisterona na
tativos derivados da 19-nortestosterona em dose de 200 mg, também em administração

268 Capítulo 16
trimestral, actuam como antigonadotróficos. Este implante é colocado na face interna do
Este tipo de contracepção teve uma grande braço (habitualmente o esquerdo) sob anes-
difusão a nível mundial pelas três grandes tesia local no espaço entre o bicípite e o tri-

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vantagens que apresenta: a comodidade cípite 6 a 8 cm acima da prega do cotovelo.
de administração, o efeito prolongado e a Para a sua remoção é necessário realizar sob
ausência teórica de riscos cardiovasculares anestesia local uma pequena incisão na parte
imputados aos estrogénios. Porém, os seus distal do implante através da qual este vai ser
inconvenientes não são desprezíveis e vão retirado. Deve ser colocado entre o 1.o e o 5.o
desde alterações da ficha lipídica e do me- dia do ciclo. Em caso de a mulher estar a tomar
tabolismo dos hidratos de carbono, até ao contraceptivos orais a colocação deve ser feita
aparecimento de amenorreia ou irregulari- no dia seguinte à toma do último comprimi-
dades menstruais. do. Para nova aplicação de implante esta deve
Em 1981 a OMS aprovou-o como método ter lugar no dia da remoção do anterior. Após
contraceptivo aceitável pois os efeitos se- aborto do 1.o trimestre é colocado de imedia-
cundários se revelaram ser menores do que to e, se se trata de um aborto do 2.o trimestre
os observados com alguns outros métodos ou após parto, entre o 21.o e o 28.o dia.
de contracepção hormonal.
Contracepção progestativa intra-uterina
Contracepção progestativa subcutânea O DIU com progesterona –SIU com o nome
O implante subcutâneo é composto por cáp- comercial de Mirena – tem a forma de um T e
sulas de L-norgestrel (Norplant) ou de etono- contém na haste vertical um reservatório de
gestrel (Implanon) dispersos numa matriz de levonorgestrel contendo um total de 52 mg
etileno de acetato de vinil (EVA). Esta mem- e que difunde para o endométrio 20 μg/dia.
brana garante a libertação controlada do A duração de eficácia é de cinco anos.
princípio activo de forma contínua. O etono- Actua por acção local sobre o endométrio
gestrel é o metabólico activo do desogestrel, provocando atrofia deste e diminuição do
que confere efeito contraceptivo durante três desenvolvimento vascular com diminuição
anos. Actua inibindo a ovulação e alterando importante do fluxo menstrual, para além
as características do muco cervical. do efeito sobre o muco tornando-o mais
Apresenta-se sob a forma de um bastone- espesso. Tem como vantagens a diminuição
te cilíndrico com cerca de 4 cm de com- do fluxo menstrual, baixas taxas de expul-
primento e 2 mm de diâmetro. Tem como são, perfuração e infecção (diminui a taxa
vantagem a comodidade para a doente, o de doença inflamatória pélvica). Tem sido
que a faz estar indicada para as mulheres utilizado como terapêutica nas situações
que não cumprem a toma de outros contra- de menorragias.
ceptivos, mas o inconveniente de alterar o Está particularmente indicado como con-
ciclo menstrual com períodos de perdas he- traceptivo em mulheres com anemia, me-
máticas escassas (spotting) e amenorreia e norragias por hiperplasia do endométrio ou
possíveis efeitos indesejáveis tais como: ce- adenomiose e dismenorreia, na doença de
faleias, mastodinia e um aumento de peso Wilson (nos casos de indicação para DIU). É
na ordem dos 1,5 a 2% por ano e em aproxi- actualmente um método muito utilizado na
madamente 14% dos casos o aparecimento mulher no grupo etário mais elevado. Pode
de acne ou o seu agravamento. provocar spotting nos primeiros meses de
As contra-indicações são os antecedentes de utilização e amenorreia ou irregularidades
fenómeno tromboembólico, de doença he- menstruais nos meses seguintes e tem raros
pática severa, hemorragia genital não diag- efeitos sistémicos (tensão mamária, aumen-
nosticada e gravidez. to de peso).

Contracepção 269
3.3.12. VIGILÂNCIA DA Podem surgir perdas hemáticas durante a
CONTRACEPÇÃO HORMONAL toma e as mais frequentes ocorrem nos pri-
meiros três meses (cerca de 10 a 30% no

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Antes da administração de contraceptivos primeiro mês) sendo mais frequentes com
hormonais deve ser feita uma história clíni- os compostos de baixa dosagem. A atitude
ca completa para a avaliação de eventuais correcta é esclarecer a mulher explicando-lhe
contra-indicações ou a presença de facto- que é frequente acontecer este tipo de perda
res de risco para fenómenos tromboem- e que deve aguardar que se normalize a situ-
bólicos, hipertensão ou diabetes. O exame ação. Quando a perda surge mais tarde a as-
ginecológico com exame mamário deve ser sociação de um estrogénio temporariamente
realizado bem como a medição da tensão resolve a maioria dos casos. Se persistir a per-
arterial. Sob o ponto de vista analítico deve da, e excluída patologia, pode suspender-se a
ser determinada a glicemia em jejum e nas toma por um mês e recomeçar. Estas perdas
mulheres de risco de diabetes a prova de hi- são habitualmente por atrofia do endométrio.
perglicemia provocada por via oral com 75 Nos últimos anos, e tendo em atenção os
g de glicose e avaliação duas horas depois. efeitos secundários dos derivados da 19-
Faz parte ainda do estudo analítico a reali- nortestosterona, têm vindo a surgir cada vez
zação de uma ficha lipídica e o estudo da mais novas vias de administração dos con-
função hepática. traceptivos minimizando esses efeitos e tor-
O ideal quando se inicia a toma da pílula se- nando mais fácil o seu uso, o que aumenta a
ria observar a mulher passados três meses aceitabilidade do método.
para consolidar a aceitação do método e es-
clarecer as possíveis dúvidas. 3.3.13. EFEITOS BENÉFICOS DA
O controlo será feito ao fim de um ano, e aos CONTRACEPÇÃO HORMONAL
seis meses nas situações de risco. Inclui a de-
terminação da tensão arterial e a realização Os efeitos benéficos da contracepção hor-
de glicemia e ficha lipídica. O controlo sub- monal têm por base a anovulação, a atrofia
sequente depende da situação clínica. do endométrio e as propriedades antiandro-
A pílula deve ser tomada de forma continu- génicas de alguns destes compostos. Assim
ada não havendo vantagem em fazer para- os estroprogestativos são utilizados como
gens de toma. terapêutica em diferentes situações:

Quadro 4. Efeitos benéficos da contracepção hormonal

— Dismenorreia
— Menorragias e anemia
— Hemorragia disfuncional – regularização dos ciclos
— Melhoria da síndrome pré-menstrual
— Tratamento da acne e do hirsutismo
— Tratamento e prevenção da endometriose
— Tratamento da amenorreia hipotalâmica
— Prevenção e tratamento de quistos funcionais
— Prevenção da doença benigna da mama

270 Capítulo 16
3.4. CONTRACEPÇÃO INTRAUTERINA no endométrio como resposta a corpo estra-
nho, e da acção da progesterona nível do en-
O DIU foi utilizado como método contracep- dométrio, condicionando atrofia, impedindo

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tivo pela primeira vez em 1909 na Polónia, e a nidação, e a nível do muco cervical, tornan-
foi descrito por Richard Richter sob a forma do-o espesso constituindo uma barreira aos
de um anel em crina. espermatozóides.
Na era moderna, em 1960 surgiu o DIU em
polietileno biologicamente inerte e em 1962 3.4.2. DISPOSITIVO INTRAUTERINO ACTIVO
a junção de cobre permitiu reduzir o tama-
nho e aumentar a eficácia. Posteriormente O DIU activo é o segundo método contra-
surgiram os dispositivos com progesterona ceptivo em termos de escolha uma vez que
que passaram a ter indicações, para além de têm uma eficácia elevada.
contraceptivas, também terapêuticas. Os DIU com cobre são classificados em DIU
de 1.a, 2.a e 3.a geração. O DIU de 1.a geração
3.4.1. MECANISMO DE ACÇÃO contém 200 mm2 de cobre. Os de 2.a geração
são de menores dimensões e maior superfí-
Nos DIU inertes, o mecanismo de acção cie de cobre e têm maior eficácia e durabili-
resultava dos efeitos locais de reacção a dade. O DIU com cobre e prata tem a mesma
corpo estranho e inflamação, a nível do eficácia e durabilidade (três anos). Nos DIU
endométrio o que impedia a nidação, mo- de 3.a geração a superfície de cobre é supe-
tivo pelo qual foi considerado abortivo, não rior com maior eficácia e a duração de eficá-
sendo actualmente utilizado. Com este tipo cia de cinco anos (Fig. 4).
de DIU a taxa de infecções era elevada. Com O DIU activo aumenta a actividade fibrinolí-
o aparecimento dos DIU activos (com cobre tica do endométrio tendo como consequên-
e/ou com cobre e prata) o mecanismo de cia um aumento do fluxo menstrual, pelo
acção deve-se à libertação de prostaglan- que está contra-indicado em situações de
dinas e citocinas a nível do endométrio menorragias.
que exercem um efeito citotóxico sobre os O DIU tem contra-indicações absolutas e re-
espermatozóides e até sobre o óvulo impe- lativas (Quadro 5).
dindo a fecundação. A aplicação do DIU deve ser efectuada na
Nos dispositivos com progesterona o me- fase folicular, de preferência durante a
canismo de acção resulta das modificações menstruação ou logo após esta. A técnica

Cu 380 Nova T Multiload 375 Mirena

Figura 4. Tipos de dispositivos intra-uterinos.

Contracepção 271
Quadro 5. Contra-indicações ao dispositivo intra-uterino

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— Contra-indicações absolutas
u Gravidez
u Infecção pélvica aguda recente ou recidivante
u Hemorragias genitais não diagnosticadas
u Malformações uterinas
u Miomas submucosos
u Pólipos endometriais
u Cancro genital ou suspeita
u Valvulopatias com risco de endocardite
u Tratamentos imunossupressores
u Antecedentes de gravidez extra-uterina (não consensual)
u Doença de Wilson (se DIU de cobre) (não consensual)

— Contra-indicações relativas
u Estenose cervical
u Menorragias anemia
u Coagulopatias e tratamento anticoagulante
u Pós-parto
u Alto risco de salpinge (não consensual)
u Antecedentes de salpinge (não consensual)
u Nuliparidade (não consensual)
u Tratamentos anti-inflamatórios a longo prazo (não consensual)

de inserção depende dos modelos e deve contraceptivos. Tem como vantagens a co-
ser precedida de desinfecção do colo e da modidade e a alta eficácia. Como em todos
vagina e da realização de histerometria os métodos deve ser cumprida a vigilância
para orientação da cavidade e verificação adequada. As complicações são raras e são
da permeabilidade do colo. A extracção as seguintes:
deve ser feita durante a menstruação ou — Gravidez intra-uterina.
imediatamente a seguir, bastando puxar — Gravidez extra-uterina.
suavemente os fios do dispositivo. Em caso — Perfuração.
de dificuldade de acesso aos fios, pode re- — Expulsão.
correr-se à histeroscopia. — Infecção.
Os possíveis efeitos indesejáveis são as dores No caso de gravidez intra-uterina impõe-
pélvicas e as hemorragias, que são temporá- se retirar o DIU, quando os fios ainda estão
rias bem como o aumento do fluxo menstrual. acessíveis.
Está indicado nas situações de contra-in- A gravidez extra-uterina é rara mas é mais
dicação à contracepção hormonal, nas frequente nos DIU com progestativo pelo
mulheres que pretendem suspender a con- efeito que estes têm de abrandamento da
tracepção oral ou nos casos de não cum- motilidade tubar. Deve ter-se em atenção as
primento adequado de outros métodos situações predisponentes como é o caso de

272 Capítulo 16
antecedentes de gravidez extra-uterina, an- 3.5.2. PRESERVATIVO
tecedentes de plastias tubares ou de salpin-
ge. A mulher deve estar alertada para essa O preservativo masculino está descrito no

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eventualidade para que se faça o diagnósti- capítulo dos métodos barreira, pág. 188.
co atempadamente.
A perfuração uterina acontece muito rara- 3.5.3. CONTRACEPÇÃO HORMONAL
mente (0,6 a 3,3 por cada 1.000 colocações) MASCULINA
habitualmente na altura da colocação ou
imediatamente a seguir e em situações A contracepção hormonal masculina tem
favorecedoras como desvios uterinos, di- em vista a inibição da espermatogénese
ficuldade de ultrapassar o orifício interno por inibição da FSH e da LH. Esta inibição
do colo ou fixidez uterina. Pode acontecer foi testada com a inibina, a testosterona, e
mais tardiamente por migração transpa- com os análogos da GnRH, sem êxito. Não
rietal. Neste caso a extracção é feita por foi conseguida uma azoospermia mas sim
laparoscopia. uma oligozoospermia e, por outro lado
A expulsão pode passar despercebida por os efeitos secundários imediatos, nome-
ter lugar durante a menstruação e é também adamente a diminuição do desempenho
rara. Caso aconteça deve reavaliar-se a indi- sexual, quando se utilizam os análogos de
cação antes de se colocar novo DIU. GnRH ou a ginecomastia e acne com os an-
Quanto à infecção é uma complicação gra- drogénios, bem como o aumento do risco
ve que pode acarretar consequências para de cancro da próstata, teve como conse-
a saúde da mulher e pôr em risco a fertili- quência não ser aceite qualquer destes
dade futura e está relacionada com os fac- tipos de contracepção hormonal até ao
tores de risco. Quando a selecção é criterio- momento.
sa e são respeitadas as contra-indicações, São prometedoras as associações de pro-
nomeadamente de ordem infecciosa (an- gestativos com androgénios uma vez que
tecedentes de doença inflamatória pélvica, a taxa de azoospermia conseguida é mais
risco de doenças de transmissão sexual e elevada e os efeitos secundários menos re-
nas mulheres imunodeprimidos) e cum- levantes.
pridas as condições de assepsia durante a
colocação, o risco é muito baixo. O risco de 3.6. ESTERILIZAÇÃO
infecção é menor com os dispositivos con-
tendo progestativos. A esterilização distingue-se dos outros mé-
todos contraceptivos no que se refere à re-
3.4.3. DISPOSITIVO INTRAUTERINO versibilidade. Foi durante anos considerado
COM PROGESTERONA um método irreversível mas com as técnicas
de microcirurgia e de procriação assistida a
Este tipo de dispositivo está descrito em sua reversibilidade passou a ser possível.
3.3.11 deste capítulo.
3.6.1. ESTERILIZAÇÃO FEMININA
3.5. CONTRACEPÇÃO MASCULINA
A laqueação tubar pode ser realizada por
3.5.1. COITO INTERROMPIDO laparoscopia, laparotomia ou por via tran-
suterina.
É um método não recomendável pela baixa Por via laparoscópica são utilizadas dife-
eficácia e os aspectos negativos na vida se- rentes técnicas como seja a electrocoagu-
xual do casal. lação, a colocação de anéis de Yoon ou a

Contracepção 273
colocação de clipes, segundo a preferência 3.7. CONTRACEPÇÃO DE URGÊNCIA
do médico. Esta via é a mais vulgarmente
utilizada hoje em dia. Também chamada pílula do dia seguinte ou

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A técnica de Pomeroy é a utilizada habitu- contracepção pós-coital, é utilizada após uma
almente por laparotomia. A eficácia é mais relação sexual presumivelmente fecundante.
elevada quando se opta pela electroco- Pode recorrer-se a compostos hormonais estro-
agulação mas é também menos provável progestativos, progestativo isolado ou ao DIU.
o êxito nas situações em que se pretende A pílula estroprogestativa é constituída por
fazer a repermeabilização tubar. As com- quatro comprimidos contendo 50 μg de
plicações são as inerentes à laparotomia etinilestradiol e 250 μg de levonorgestrel. A
ou laparoscopia. primeira toma deve ser o mais cedo possível
Por via histeroscópica procede-se à colo- em relação ao coito presumivelmente fecun-
cação de uma hélice metálica (essure) na dante e até às 72 horas após este, e a segun-
porção inicial da trompa o que vai condi- da 12 horas mais tarde.
cionar uma reacção local de destruição da Existe uma elevada incidência de vómitos e
trompa. Tem a vantagem de se realizar sem náuseas.
anestesia o que tem indicações precisas, A contracepção de urgência só com proges-
nomeadamente contra-indicação cirúrgica. tativo é composta por dois comprimidos
É uma técnica ainda com pouco tempo de com 75 μg de levonorgestrel. A toma deve
recuo para avaliação da eficácia e complica- ser o mais perto possível da hora do coito e
ções. Obriga a um período de utilização de até 72 horas.
outros métodos associados durante meses, A eficácia da contracepção de urgência não é
uma vez que a obstrução tubar se dá mais habitualmente quantificada, pois atendendo
tardiamente. Há autores que aconselham à particularidade deste tipo de contracep-
a realização de histerossalpingografia para ção, não é possível saber quais as situações
avaliar a oclusão tubar. em que poderia ocorrer gravidez. A eficácia é
A laqueação tubar está indicada na contra- mais elevada quanto mais cedo for instituída.
indicação médica à gravidez ou aos outros Aceita-se, no entanto, que a contracepção só
métodos contraceptivos e quando a mulher com progestativo é superior à contracepção
o deseja. Em Portugal pode ser realizada de urgência estroprogestativa Há referência a
por vontade da mulher depois dos 25 anos taxas de eficácia de 94 a 99%.
de idade. Como contracepção de urgência, o DIU pode
ser colocado até cinco dias depois das rela-
3.6.2. ESTERILIZAÇÃO MASCULINA ções sexuais não protegidas. Embora tenha
uma alta eficácia, na maioria dos casos não
A vasectomia consiste na laqueação dos de- está indicado por se tratar habitualmente
ferentes por via percutânea sob anestesia de jovens que optam preferencialmente por
local. A azoospermia só se obtém passados contracepção hormonal.
quatro a seis meses e deve ser assegurada A contracepção de urgência está indicada
pela realização de espermograma. nos casos de eventual falhanço de outro
As complicações são raras e sem gravida- método, nas situações de violação ou de re-
de e a reversibilidade é baixa. As técnicas lação sexual inesperada ou ocasional poten-
de procriação assistida podem solucionar cialmente fecundantes.
os casos em que se venha a desejar nova A contracepção de urgência estroprogesta-
gravidez. tiva está contra-indicada nos casos de risco
As indicações são habitualmente a contra- tromboembólico e não há contra-indicação
indicação médica à gravidez na mulher. para a utilização dos progestativos isolados.

274 Capítulo 16
Tal como o nome indica é um tipo de contra- 3.8.2. CONTRACEPÇÃO NA PERIMENOPAUSA
cepção a utilizar como método de excepção.
A contracepção nesta faixa etária tem carac-

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3.8. CONTRACEPÇÃO EM terísticas específicas e que se relacionam com
SITUAÇÕES PARTICULARES uma menor taxa de fertilidade e os riscos
inerentes a uma gravidez nesta idade e, por
3.8.1. CONTRACEPÇÃO NA ADOLESCENTE outro lado há uma menor actividade sexual
e eventualmente contra-indicação aos méto-
A contracepção na adolescente reveste-se de dos mais usuais. A partir dos 40 anos a con-
características particulares. A eficácia de todos tracepção deve ser adaptada ao desequilíbrio
os métodos é menor do que na mulher mais hormonal, muitas vezes já presente, e que se
idosa, o que se deve por um lado a uma maior manifesta por irregularidades menstruais.
dificuldade de cumprimento da contracepção A contracepção recomendada será o DIU
e por outro a uma fertilidade mais elevada e a de cobre ou com progestativo consoante o
mais actividade sexual. Há ainda um factor a caso clínico. O DIU com progestativo é uma
ter em consideração que é o risco de contrair boa escolha nas situações de irregularidades
doenças de transmissão sexual, mais elevado menstruais e fluxo abundante pois confere
neste grupo etário, o que pode pôr em risco a uma elevada eficácia e pode continuar para
fertilidade ou a saúde da adolescente. além da menopausa na terapêutica hormo-
Nesta faixa etária são frequentes também nal associado a estrogénios.
situações que podem beneficiar com o uso Com o aparecimento dos estroprogestati-
da contracepção estroprogestativo como vos de baixa dosagem com progestativos de
a dismenorreia, síndrome pré-menstrual, segunda e terceira geração, a contracepção
irregularidades menstruais e o acne que in- oral pode ser utilizada até à menopausa em
terferem com a qualidade de vida da ado- mulheres saudáveis não fumadoras com a
lescente. O método contraceptivo ideal não vantagem de regularização dos ciclos e da
deveria interferir com o acto sexual, deven- prevenção em relação ao cancro do endo-
do manter os ciclos regulares e não provocar métrio e do ovário, que é particularmente
alterações do peso. relevante nesta idade.
A contracepção aconselhada na adolescen- Quando há contra-indicação aos estrogé-
te9 é a pílula de baixa dosagem de 20 ou 30 nios, a micro pílula progestativa ou os pro-
μg de etinilestradiol e com progestativos de gestativos em doses elevadas 20 dias no mês
segunda ou terceira geração, associada ao podem ser a escolha em situações clínicas
preservativo para a prevenção das doenças como a adenomiose e menorragias.
de transmissão sexual. A escolha do tipo de Os métodos de barreira podem ser uma ou-
pílula depende do perfil da jovem nomea- tra opção quando correctamente utilizados.
damente de situações clínicas que possam A esterilização é um método aconselhado
beneficiar de um tipo específico de compos- para esta faixa etária.
tos. O anel vaginal e o patch são boas opções
para as adolescentes que têm dificuldade 3.8.3. CONTRACEPÇÃO NA MULHER DIABÉTICA
em cumprir a toma diária da pílula.
Nas adolescentes com alto risco de não cum- A contracepção na mulher diabética deve
primento do método pode optar-se pelo im- ser eficaz, uma vez que nestes casos a gravi-
plante de progestativo ou pelo progestativo dez deve ser programada.
injectável, embora com o inconveniente da Como se sabe, os contraceptivos hormonais
perda de regularidade dos ciclos o que pode interferem com o metabolismo dos hidratos
levar a sua suspensão. de carbono podendo provocar aumento da

Contracepção 275
glicemia e da insulinemia e que é dependen- Bibliografia
te da dose.
Quando se coloca o problema da contracepção 1. Speroff L, Darney PD. A Clinical Guide for Contracep-

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tion. 4.a ed. Lippincott Williams & Wilkins; 2005.
nestas mulheres é fundamental ter em atenção 2. Speroff L, Fritz M. Clinical Gynecologic Endocrinol-
o tipo de diabetes, se insulinodependente ou ogy and Infertility. 7.a ed. Lippincott Williams &
Wilkins; 2004.
não, os anos de doença e os eventuais riscos 3. Serfaty D. Contracepção. Fundação Calouste Gulben-
associados, como a obesidade, a hipertensão kian; 2002.
4. Jick SS, Kaye JA. Risk of nonfatal venous thromboem-
e a presença ou não de retinopatia. Na mulher bolism with oral contraceptives containing norges-
jovem diabética insulinodependente, o risco timate or desogestrel compared with oral contra-
ceptives containing levonorgestrel. Contraception.
da contracepção hormonal é menor do que na 2006;73:566-70.
mulher mais velha e com diabetes tipo II que 5. Middledorp S, et al. Effects on coagulation of lev-
onorgestrel and desogestrel-containing low dose oral
habitualmente é também obesa. contraceptives: across-over study. Tromb Haemost.
A contracepção com o DIU será o mais indi- 2000;84:4-8.
6. Battaglioli T, Martinell I. Hormone therapy and throm-
cado na diabética e em situações de contra- boembolic disease. Current Opinion Hematology.
indicação ao DIU pode optar-se pela micro- 2007;14:488-93.
7. Cosmi B, Legnani C, Bernardi F, Coccheri S, Palareti G.
pílula progestativa ou pelos estroprogesta- Value of Family History in Identifying Women With
tivos de terceira geração por apresentarem Thrombophilia and Higher Risk of Venous Throm-
boembolism During Oral Contraception. Arch Intern
dose mais baixa. Este tipo de contracepção Med. 2003;163:1105-9.
idealmente deve ser utilizada por períodos 8. Vessey M, Yeates D. Oral contraceptives and benign
breast disease: an update of findings in a large cohort
curtos e sob vigilância mais estreita. study. Contraception. 2007;76:418-24.
O preservativo é inócuo, mas pouco eficaz. 9. Serfaty D. Contraception des adolescentes. EMC; 2009.

276 Capítulo 16
17 Endometriose

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António Pereira Coelho

Dois séculos após a sua descrição inicial, a efectivamente a explicação que de uma for-
endometriose constitui no quadro das pato- ma mais coerente explica um maior número
logias femininas, aquela que continua a de quadros.
apresentar o maior número de enigmas rela- De acordo com esta teoria descrita por
tivamente à quase totalidade dos diferentes Sampson em 19251, a endometriose resulta-
aspectos e enquadramentos sob os quais ria da implantação pélvica de fragmentos de
efectuemos a sua análise. endométrio viável provenientes de uma
Convém recordar que o reconhecimento da menstruação retrógrada.
sua identidade terá sido efectuada no já Os pilares em que assenta esta teoria advêm
longínquo ano de 1860 e que, se a sua defi- da constatação de vários fenómenos que
nição genérica – presença de focos de teci- analisados em simultâneo, lhe conferem uni-
do endometrial fora da sua localização dade e coerência.
normal – é pacificamente aceite, já o mes- O primeiro e, talvez o mais óbvio, resulta da
mo não se pode dizer quanto ao significado verificação efectuada inicialmente por lapa-
das múltiplas formas que esse mesmo con- rotomia e, mais tarde por laparoscopia, da
ceito abarca. presença de sangue de aspecto menstrual,
fluindo através das trompas e acumulando-se
nas regiões mais baixas da cavidade pélvica,
1. ETIOPATOGENIA simultaneamente próximas do pavilhão – fun-
do-de-saco de Douglas, ligamentos útero-sa-
A existência de várias e distintas teorias para grados e fossetas ováricas, bem como nos fo-
tentar explicar o aparecimento da endome- lhetos posteriores dos ligamentos largos.
triose é bem reveladora do nosso insuficien- Paralelamente, a valorização do papel destas
te conhecimento acerca da natureza desta designadas menstruações retrógradas foi
patologia, que muitos admitem que só de estabelecido, porque as localizações perito-
uma forma simplista pode ser considerada neais dos focos de endometriose pélvica
como uma entidade única. coincidem precisamente com as zonas «ba-
Como quer que seja, todas elas têm que ser nhadas» pelo sangue menstrual refluído.
tomadas em consideração, na medida em que Uma outra constatação fundamental é a da
os mecanismos invocados são passíveis de ex- presença quase sistemática de permeabili-
plicar diferentes situações anatomoclínicas. dade tubária, indispensável para o refluxo;
os raros casos de obstrução, melhor dito, de
1.1. TEORIA DA IMPLANTAÇÃO dificuldade de passagem, advêm de distor-
ções anatómicas secundárias aos processos
Pode considerar-se a concepção que reúne inflamatórios que apresentam os estádios
um maior consenso, talvez porque constitui mais graves da doença.

277
Mais tarde, e inspirados por estas constata- de tecido endometrial funcionante em
ções, Te Linde e Scott2 conceberam e execu- locais distantes, localizações essas insus-
taram um trabalho de investigação em fê- ceptíveis de explicação pelas duas teorias

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meas de macacos Rhesus, em que lhes foi anteriores.
possível desencadear processos de endome- Para essas localizações, nomeadamente pul-
triose invertendo o útero e assim drenando monares, nasais, umbilicais, ganglionares,
o sangue menstrual para a cavidade pélvica. torna-se possível invocar a possibilidade de
Uma das reservas postas a esta teoria apon- uma migração ou metastização, tal como o
tava para a dúvida quanto à viabilidade dos propôs Halban4 em 1924.
fragmentos do endométrio menstrual, dú- Os focos à distância são compatíveis com
vida, que de certo modo foi eliminada uma propagação quer por via hemática,
quando em 1958 Ridley3 conseguiu que quer linfática.
fragmentos desse tipo de endométrio des-
sem origem a focos de endometriose ao se- 1.4. TEORIA DAS CÉLULAS PRECURSORAS
rem transplantados para a pele aquando da
realização de laparotomias. Apesar de tudo, Restos embriofetais de origem mal definida,
continuam a surgir dúvidas quanto à con- mas eventualmente genital, poderiam ser
cepção biológica subjacente a esta explica- estimulados pelas hormonas que habitual-
ção o que deu azo ao aparecimento da teo- mente exercem o seu efeito sob o endomé-
ria da metaplasia. trio e levá-los a reagir da mesma forma.

1.2. TEORIA DA METAPLASIA 1.5. TEORIA AUTOIMUNE

Esta teoria propõe como explicação para o Esta concepção é de algum modo abran-
aparecimento da endometriose pélvica a gente, na medida em que assenta num pres-
ocorrência de fenómenos de metaplasia suposto que não exclui qualquer das con-
do mesotélio peritoneal, relacionados com cepções anteriores, mas que ajuda a
a presença de factores irritativos, um dos compreender, porque razão nem todas as
quais podia ser precisamente o sangue mulheres apresentam endometriose, nem
menstrual. as mesmas manifestações clinicopatológi-
Como facilmente se depreende, esta con- cos delas decorrentes. É uma concepção
cepção não só não invalidava a teoria do re- que parte do reconhecimento da existência
fluxo, como pelo contrário a reforçava, ao de alterações fisiopatológicas comuns a
apresentar uma explicação que preenchia a múltiplas doenças auto-imunes, alterações
lacuna que advinha da dúvida quanto à via- essas que permitiriam explicar não apenas a
bilidade do endométrio descamado. ocorrência da doença em si mesma, como
Pode sem grandes reservas afirmar-se que a de algumas das suas frequentes e contro-
conjugação destas duas concepções é sufi- versas consequências, caso da infertilidade
ciente para explicar a maioria, se não mes- por exemplo.
mo a totalidade das situações de endome-
triose peritoneal. 1.6. FACTORES GENÉTICOS

1.3. TEORIA METASTÁTICA Nas diferentes teorias descritas precedente-


mente, fica por explicar a razão pela qual
Para além das formas mais frequentes e co- nem todas as mulheres sofrem de endome-
nhecidas de endometriose pélvica, têm ao triose, mesmo quando sujeitas a circunstân-
longo dos tempos sido encontrados focos cias favorecedoras.

278 Capítulo 17
Parece cada vez mais óbvia a existência 2.1. ASPECTOS MICROSCÓPICOS
de uma predisposição, assente numa base
genética, com um modelo de transmissão O denominador comum às lesões endo-

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de tipo mendeliano, tal como acontece por metriósicas é a presença em todas elas dos
exemplo na diabetes. dois elementos morfológicos que caracte-
A presunção para este conceito assenta num rizam o tecido endometrial: glândulas e
certo número de constatações: estroma. Mas, para que a concepção uni-
— Manifestação preferencial em vários cista possa ser reforçada há que considerar
membros de uma mesma família5. que a identidade não se limita à histologia,
— Aparecimento simultâneo em gémeas exigindo-se para uma mais rigorosa defini-
monozigóticas6. ção e caracterização, um idêntico compor-
— Prevalência da doença nos familiares de tamento funcional, em particular a recep-
1.o grau, seis a nove vezes superior à da tividade aos estímulos hormonais, com
população em geral. destaque para a resposta à estimulação
pelos estrogénios e, em menor grau, pela
progesterona.
2. HISTOPATOLOGIA Contudo, importa acentuar que a similitude
com o tecido endometrial original é incom-
Se considerarmos a adenomiose, em tempos pleta e variável, tal como diferentes são tam-
designada endometriose interna, como uma bém os diversos focos na sua caracterização
patologia diferente da outrora descrita en- morfológica e funcional, alargando-se esta
dometriose externa, devemos ainda assim diversidade ao comportamento variável que
confrontar-nos com formas de apresentação vão apresentando de acordo com a sua lon-
que, possuindo em comum alguns traços gevidade e a idade da mulher.
que permitem considerá-la uma entidade Múltiplos têm sido os trabalhos efectuados
única, divergem em múltiplos aspectos. no sentido de precisar as razões explicativas
Esta diversidade é de tal forma acentuada da heterogeneidade aludida, mas todos os
nos seus aspectos morfológicos, sintomato- esforços efectuados não permitiram até ago-
logia, evolução e resposta à terapêutica, que ra chegar a conclusões irrefutáveis.
muitos autores se interrogam quanto à legiti- Uma das dúvidas que persiste é relativa à
midade de continuar a considerá-la como a manifesta discrepância constatada na trans-
mesma doença, admitindo que possam e de- formação decidual, um fenómeno que como
vam antes ser consideradas entidades distin- é sabido resulta essencialmente da acção da
tas. Reconhecendo embora, que esta pers- progesterona, ou seus derivados sintéticos,
pectiva apresenta muitos argumentos em sobre o componente estroma endometrial;
que possa alicerçar-se, julgamos que, apesar esta decidualização, porque constitui um
de tudo, são mais fortes as razões que nos le- dos mais importantes fundamentos da tera-
vam a considerar a concepção unicista. pêutica médica da endometriose, tem sido
Nesta óptica, consideraremos como uma particularmente estudada.
mesma patologia as diferentes lesões perito- Os resultados apresentam uma extrema va-
neais, as lesões ováricas nomeadamente os riabilidade, qualquer que seja a perspectiva
endometriomas e os focos útero-sagrados sob a qual sejam estudados, embora se
com extensão para os planos profundos, com possa dizer que existe uma tendência mani-
destaque para as lesões infiltrativas rectovagi- festa a destacar o papel dos receptores de
nais; esta opção assenta fundamentalmente estrogénios; uma certa inferioridade dos re-
na existência de aspectos histológicos que no ceptores de progesterona relativamente aos
essencial são comuns às lesões enunciadas. estrogénicos, dos quais dependem, poderia

Endometriose 279
constituir a explicação mais simples e aceitá- menos marcado (Fig. 1), pequenas forma-
vel para os maus resultados terapêuticos ob- ções de aspecto polipóide, vesículas de di-
tidos em muitos casos de utilização de ges- mensão e conteúdo nem sempre semelhan-

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tagénios ou estroprogestativos. te (Figs. 2 e 3), placas esbranquiçadas isoladas
De destacar também relativamente a todos ou incluindo algumas das formas anterior-
os tipos de lesões de endometriose a pre- mente descritas, manchas castanho-amare-
sença de tecido fibroso, envolvendo ou pe- ladas de extensão variável (Fig. 4), acabaram
netrando nos diferentes focos. Esta fibrose, por ser reconhecidas como diferentes ex-
que é quase unanimemente considerada re- pressões de endometriose peritoneal, dado
accional, parece apresentar alguma relação que as biopsias efectuadas nessas zonas
com a longevidade dos focos e poderia tra- apresentavam no essencial o padrão histoló-
duzir uma diminuição significativa da sua gico que descrevemos anteriormente como
actividade. definidor da endometriose8-10.
As lesões infiltrativas ligamentares, particu-
2.2. LESÕES MACROSCÓPICAS larmente dos ligamentos útero-sagrados,
podem ser consideradas como charneira en-
De acordo com a visão mais generalizada e tre as lesões peritoneais e os endometriomas
aceite, devem salientar-se como possuindo de localização extra-ovárica e de transição
características próprias as lesões peritoneais também para as formas infiltrativas profun-
superficiais, quase sempre acompanhadas das, de que se destacam os complexos infil-
de focos ováricos também superficiais, mas trados rectovaginais; não se nos afigura dis-
que frequentemente dão origem a forma- tinta a natureza e comportamento das lesões
ções quísticas, outrora quase sempre desig- profundas genitovesicais, tal como as ante-
nados por «quistos de chocolate» e actual- riores de características nodulares e com
mente mais descritos por endometriomas7, uma tendência invasiva de tal forma marca-
conceito extensivo a qualquer colecção de da, que frequentemente são equiparadas a
sangue hemolisado revestida por tecido lesões cancerosas.
endometrial. Talvez também devam merecer um lugar de
Retomando as lesões peritoneais, represen- destaque as lesões diverticulares localizadas
tativas das formas consideradas menos gra- na junção útero-tubárica (JUT), que muitos
ves de endometriose, o destaque vai para assumem como focos de adenomiose de ca-
aquele que historicamente foi considerado o racterísticas peculiares e que devem ser dis-
aspecto típico, como de queimaduras de tinguidas das classicamente designadas le-
pólvora, de localização preferencial no Dou- sões de salpingite ístmico-nodosa. Com
glas, ligamentos útero-sagrados e folheto efeito, estas entidades têm em comum ape-
posterior do ligamento largo; com o pro- nas a hipertrofia nodular da JUT (Fig. 5) e,
gresso obtido na identificação das variadas distinguindo-se umas pela penetração intra-
formas de apresentação da endometriose muscular do tecido endometrial (ou de re-
conclui-se que estes aspectos tradicionais vestimento do lúmen tubário) e as outras
correspondiam na maioria dos casos a zonas pelo predomínio acentuado do tecido fibro-
antigas, em regressão, provavelmente inacti- so, de origem pouco clara.
vas. Mas em paralelo com elas foram sendo Muito do trabalho executado posteriormen-
caracterizadas outras lesões de aspecto con- te incidiu na tentativa de estabelecer uma
sideravelmente distinto, duvidando-se até relação precisa com a idade das lesões, com
em determinado momento que pudessem o grau de actividade ou a gravidade das
corresponder à mesma entidade. mesmas, com a associação a fenómenos bio-
Assim, lesões tão variadas como zonas ver- químicos tradutores de disfunções como a
melhas com componente vascular mais ou dor ou a infertilidade.
280 Capítulo 17
Apesar do progresso conseguido nesta linha
de actuação, deve reconhecer-se que são
ainda mais as dúvidas que subsistem do que

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as certezas que foram sendo adquiridas.

Figura 4. Aderências laxas de formação recente, ligadas a pro-


cesso inflamatório.

Figura 1. Lesões polimorfas: placas brancas, lesões vasculares,


vesículas citrinas e vesículas azuladas (hemáticas).

Figura 5. Lesões de salpingite ístmica nodosa na junção útero-


-tubar direita.

3. HISTÓRIA NATURAL

À semelhança do que acontece com quase


Figura 2. Zona vermelha com componente vascular. todas as análises efectuadas a respeito dos
diferentes aspectos relativos à endometrio-
se, também no que concerne à sua evolução
existe uma significativa divergência de cons-
tatações e da interpretação das mesmas.
Em condições normais, isto é, fora de uma situ-
ação de gravidez ou de qualquer contexto te-
rapêutico, afigura-se que na maioria dos casos
as lesões de endometriose tendem a persistir
durante o período de vida reprodutiva da
mulher.
Tentando particularizar por tipo de lesões,
poder-se-á dizer que a maioria das lesões
superficiais tendem a manter-se estáveis ou
Figura 3. Lesões vesiculares de conteúdo esbranquiçado, casta- a evoluírem no sentido do agravamento,
nho e hemático na superfície ovárica e ligamento útero-sagrado. embora estejam descritos casos, aparente-

Endometriose 281
mente excepcionais, de regressão dessas Aparentemente inexplicáveis são também
mesmas formas. as situações de mulheres assintomáticas,
Parece também acontecer com alguma fre- que engravidam facilmente, e que mais tar-

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quência um outro tipo de evolução, a passa- de vêm a apresentar lesões exuberantes de
gem de focos considerados mais recentes e localização ovárica, ou de infiltração do sep-
activos (lesões vermelhas, polipóides ou vesi- to rectovaginal.
culares) para as clássicas lesões em queimadu- Teoricamente, com a instalação da menopau-
ra de pólvora o que traduziria uma remissão sa, a endometriose regride de uma forma de-
espontânea do processo, pelo menos na pers- finitiva; mas se alguns casos de persistência
pectiva de atenuação da actividade funcional, perante terapêuticas de substituição são fá-
interferindo com o processo reprodutivo e/ou ceis de entender, mais difíceis de interpretar
causadora de sintomas mais marcados. se tornam as lesões activas por vezes encon-
Particularmente interessante e controversa é tradas na pós-menopausa, eventualmente
a formação dos quistos do ovário, que sur- associadas a produção hormonal endógena,
gindo em condições tão distintas, legitimam para além do que seria legítimo esperar.
todas as especulações acerca dos mecanis-
mos do seu aparecimento11,12.
Contudo, a situação menos clara e consen- 4. DIAGNÓSTICO
sual tem a ver com o papel da gravidez. Clas-
sicamente tem sido admitida como dogma a 4.1. QUADRO CLÍNICO
noção que a gravidez e o clima endócrino
que lhe está associado constituem os facto- Se alguma unanimidade existe relativamente
res mais favoráveis para a contenção, se não à endometriose, ela diz respeito à dor e à sua
mesmo para a remissão duradoura das le- valorização como o elemento clínico mais sig-
sões endometriósicas; daqui nasceu de resto nificativo para a o seu diagnóstico. Ainda
o fundamento para o tratamento médico da assim, também neste aspecto, nem todos os
endometriose, a designada «pseudogravi- casos apresentam um padrão de dor sobre-
dez» assente na abolição da menstruação e ponível, sendo quase consensual porém, que
na criação de um ambiente hormonal favo- a maior discrepância se verifica entre a inten-
rável à decidualização e, consequente reab- sidade da dor e a gravidade das lesões.
sorção dos focos. Natural será referir em primeiro lugar a ocor-
Contudo, esta concepção não reúne um con- rência da dismenorreia, ou dor menstrual,
senso absoluto, havendo casos descritos de embora seja justamente em relação a ela
agravamento nas semanas iniciais, embora que nem sempre existe o paralelismo que
com involução posterior, e outros de ausên- atrás referimos.
cia de efeitos positivos notórios, persistentes, Uma primeira dificuldade reside no facto de
podendo nestes casos dizer-se que eles cor- uma grande maioria de raparigas apresenta-
respondem às situações mencionadas de le- rem uma dismenorreia dita primária, tam-
sões desprovidas de receptores hormonais. bém designada por essencial ou funcional,
Embora não se possa fazer uma extrapola- supostamente não associada a qualquer pa-
ção directa, pode partir-se da situação graví- tologia orgânica. Por outro lado e, por defini-
dica para a consideração acerca do mérito ção, a dismenorreia da endometriose é uma
dos diferentes tipos de tratamento médico dismenorreia dita secundária, progressiva e
propostos, cuja eficácia como veremos pos- total, isto é, abrangendo grande parte ou
teriormente, apresenta uma extrema diversi- mesmo a totalidade dos dias da menstrua-
dade consoante as metodologias e o tipo de ção, por contraponto à inicial. Sucede que a
pacientes analisadas. evolução de uma forma para a outra pode ser

282 Capítulo 17
progressiva o que tornaria a sua valorização cedendo a menstruação (a verdadeira expli-
mais difícil, embora com alguma frequência cação para os spottings?) não sendo muito
ela venha a manifestar-se apenas após um frequentes, estão quase sistematicamente

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intervalo livre, de duração variável. associados a outros elementos diagnósticos.
Fugindo um pouco ao conceito dor, conside- Patognomónicos, consideramos nós os nó-
ramos apesar de tudo vantajoso abordar dulos visíveis no fundo-de-saco posterior,
desde já uma manifestação menstrual que particularmente quando assumem um as-
pela sua especificidade se pode considerar pecto polipóide, frequentemente vasculari-
quase patognomónica da endometriose: zado; correspondem obviamente a proces-
trata-se do que em linguagem anglo-saxóni- sos infiltrativos graves.
ca se designa por spotting pré-menstrual e No toque ginecológico tem sido historica-
que se refere ao aparecimento de pequenas mente referida a ocorrência de um útero em
perdas tipo borra de café, com a duração de retroversão como um dos mais valiosos indí-
3-4 dias. Menos específicas, mas também co- cios da existência de endometriose. Não pre-
muns são manifestações como diarreia e vó- tendendo negar esta realidade, afigura-se-
mitos, traduzindo uma aceleração do trânsi- nos porém, que mais do que uma simples
to intestinal, associado presumivelmente à variação anatómica como esta, são de valori-
libertação de prostaglandinas. zar as profundas distorções anatómicas asso-
Retomando o sintoma dor, dever-se-á talvez ciadas aos processos graves: hipertrofias no-
colocar em segundo lugar numa escala de va- dulares e encurtamentos por vezes unilaterais
lorização, tomando por critério a incapacida- dos ligamentos útero-sagrados, nódulos qua-
de que determina, a dispareunia, assumindo se sempre múltiplos e irregulares, palpação
esta mais comummente uma localização pro- de massas mais ou menos volumosas, corres-
funda, simples ou com irradiação. São as for- pondendo eventualmente a endometriomas
mas infiltrativas as mais frequentemente im- ováricos, tendo por denominador comum a
putáveis pela dispareunia, bem como pela dor dor intensa que desperta a sua palpação.
espontânea de localização lombossagrada;
também nestes casos podem manifestar-se 4.3. EXAMES COMPLEMENTARES
aquando da defecação dores com irradiação
rectal. Disúria ou cólicas renais acompanham Historicamente e durante largos anos, a his-
frequentemente as formas com compromisso terossalpingografia (HSG) foi o exame auxi-
ureteral ou vesical, podendo acompanhar-se liar de diagnóstico que mais contribuiu para
de hematúria durante as menstruações, tal confirmar uma suspeita de endometriose
como ocorrem por vezes rectorragias nas baseada na história clínica e no exame gine-
mesmas circunstâncias. cológico da doente; por vezes, embora me-
nos frequentemente, foram as imagens ra-
4.2. EXAME OBJECTIVO diológicas que alertaram para a possibilidade
da doença, aquando da investigação de um
Na nossa experiência pessoal, tem sido possí- processo de infertilidade em que as manifes-
vel desde o exame ginecológico com espé- tações álgicas não eram muito chamativas e
culo, iniciar a confirmação da suspeita de a observação nada revelava de específico.
uma endometriose sugerida pela história clí- Destaque então nestas circunstâncias para
nica. Com efeito, quer o aparecimento de as clássicas imagens de um útero em baio-
manchas azuladas cervicais, presumíveis neta, de longas trompas permeáveis, apre-
equivalentes das lesões em queimadura de sentando um perfeito desenho das pregas
pólvora, quer sobretudo a constatação de numa região ampolar anormalmente disten-
pequenos sangramentos peri-orificiais, pre- dida, ou para um esvaziamento revelando os

Endometriose 283
contornos de um ovário, cuja imagem se tor- Se quase se torna desnecessário destacar a im-
nava perceptível pelas aderências que o fixa- portância da imagem, para nós inconfundível,
vam à parede pélvica. dos endometriomas ováricos com a sua fina

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Em situações bem mais raras a imagem de ecogenicidade, parece-nos igualmente impor-
bago de azevinho, reveladoras de uma en- tante, sobretudo na interpretação do papel da
dossalpingiose, com os clássicos divertículos endometriose na infertilidade, reter a imagem
semelhantes aos da tuberculose genital, dela de um ovário retro-uterino, fixado (Fig. 6), que
se distinguindo pela ausência da obstrução dispensa qualquer outro elemento adicional
distal que esta quase sempre apresentava. para assumir uma atitude terapêutica numa
O uso generalizado da laparoscopia nos anos mulher de idade reprodutiva avançada.
80 foi decisivo para o correcto conhecimento
dos aspectos morfológicos já descritos, para a
determinação da sua real incidência e evolu-
ção, para precisar o verdadeiro significado
das lesões então consideradas atípicas e que
as múltiplas biopsias efectuadas revelaram de
uma forma algo surpreendente serem outras
faces de um mesmo processo13.
Ainda no plano diagnóstico, mas numa pers-
pectiva que entroncava no conhecimento
da fisiopatologia, a possibilidade de analisar
o líquido peritoneal, a sua composição celu-
lar e bioquímica foram essenciais; mas es- Figura 6. Ovários retro-uterinos, fixados, típicos de endometriose.
sencial também para melhor compreender a
evolução natural da doença e a sua resposta
aos diferentes tipos de tratamento. CA 125 é a designação abreviada de um an-
Sem desprezar a correlação das imagens his- tigénio (uma glicoproteína de alto peso mo-
terossalpingográficas com os aspectos das lecular com origem nas células superficiais
alterações morfológicas a que essas imagens de estruturas derivadas de restos embrioná-
correspondiam. rios do epitélio celómico), considerado um
Também no plano da imagem e, coincidindo marcador importante de tumores não-muci-
com a fase áurea da laparoscopia emerge nosos do ovário14. Constatou-se que os valo-
em toda a sua pujança a ecografia, em parti- res plasmáticos do CA 125 também se en-
cular a ecografia vaginal, que possibilitou as- contram elevados na maioria dos casos de
sociar o uso de um método não-invasivo de endometriose moderada ou grave e particu-
utilização simples à caracterização dos qua- larmente na fase menstrual15,16.
dros morfológicos suspeitados pela HSG e Não havendo dúvidas quanto à ocorrência
corroborados, por vezes é certo também de uma correlação positiva com os proces-
desmentidos, pela laparoscopia. sos graves de endometriose, traduzida numa
Para um observador que tenha tido a opor- especificidade superior a 80%, o problema
tunidade de durante um tempo suficiente- põe-se na sua falta de sensibilidade (varia-
mente longo ser o executante único dos três ções de 20 a 50%) e associação com outros
exames, HSG, ecografia (ECO) e laparoscopia, processos patológicos, nomeadamente do-
pode com segurança afirmar-se que só não ença inflamatória pélvica17. Outra limitação
será feito o diagnóstico com a utilização de deriva da grande variabilidade dos valores
dois deles (a ECO e a HSG) nos casos de le- encontrados – 8-22 U/ml na menstruação de
sões mínimas. mulheres sem endometriose, 14-31 U/ml

284 Capítulo 17
nos estádios mínimo e ligeiro e 13-95 U/ml efectuada em 1996 e está essencialmente
nas situações moderadas e graves. dirigida para o papel da endometriose na
Também tem sido tentada através do CA 125 infertilidade.

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a avaliação da resposta à terapêutica médica Nesta última classificação, assente num so-
e/ou cirúrgica. Nestes casos as variações matório de pontos decorrentes de lesões de
deste parâmetro de avaliação têm permitido endometriose peritoneais e ováricas discri-
detectar respostas positivas aos tratamentos minando as lesões vermelhas, brancas e es-
instituídos, tal como prever a falência dos curas, eventual obliteração do fundo-de-
mesmos, ou a recorrência após períodos saco e de aderências ováricas e tubáricas são
mais ou menos prolongados de remissão18. estabelecidos quatro estádios (Quadro 1):
— Estádio I (mínimo): 1–5.
— Estádio II (ligeiro): 6–15.
5. ESTADIAMENTO — Estádio III (moderado): 16–40.
— Estádio IV (grave ou severo) > 40.
Desde sempre foi sentida a necessidade de Deste modo se explica a valorização atribuí-
estabelecer uma classificação da endome- da às novas formas de expressão da endo-
triose, que permitisse estabelecer um prog- metriose peritoneal, que podendo não ter
nóstico e, particularmente a eficácia das va- grande repercussão clínica, nomeadamente
riadas formas de tratamento médico e através do sintoma dor, interferem no pro-
cirúrgico, particularmente nas situações de cesso reprodutivo através de mecanismos
infertilidade. essencialmente bioquímicos.
Também neste aspecto os trabalhos de Samp-
son em 1921 foram pioneiros, embora limi-
tando as suas avaliações ao tratamento cirúr- 6. ENDOMETRIOSE E INFERTILIDADE
gico conservador dos «quistos de chocolate»;
desde então múltiplas foram as tentativas re- A relação entre a endometriose e a infertili-
alizadas com este objectivo, mas por insufi- dade é um dado adquirido desde há muito
ciente conhecimento dos aspectos morfoló- tempo e demonstrado por inúmeros traba-
gicos quase todas votadas ao insucesso. lhos de investigação e publicações relacio-
Foi contudo a utilização corrente da laparos- nadas com o tema; contudo, nem sempre é
copia, particularmente na investigação da fácil ou possível estabelecer uma relação
infertilidade, que forneceu a base para o causal, ou precisar os mecanismos a ela
reconhecimento das múltiplas formas de subjacentes.
apresentação e a eficácia dos diferentes ti- É óbvio e consensual que os estádios mais
pos de tratamento médico e cirúrgico na graves e avançados da doença podem ser
eventual redução ou mesmo eliminação das facilmente implicados na infertilidade femi-
lesões pré-existentes e, consequente reper- nina através das profundas distorções anató-
cussão no aspecto reprodutivo. micas que determinam, independentemen-
Pode dizer-se que foi com Acosta19, et al. em te da sua associação a outros mecanismos
1973 que se estabeleceram as bases que fisiopatológicos mais subtis.
permitiram após múltiplas correcções e Que esta asserção é correcta, comprovam-
aperfeiçoamentos criar o esqueleto daquela no os múltiplos casos em que a destruição
que é actualmente a classificação quase de focos, a eliminação de aderências, a exé-
universalmente aceite e utilizada – a classifi- rese de endometriomas ováricos, associados
cação da American Fertility Society (actual- ou não a terapêutica médica transitória, pos-
mente American Society for Reproductive Me- sibilitam a ocorrência de uma gravidez sub-
dicine), cuja última versão data da revisão sequente a mais ou menos curto prazo.

Endometriose 285
Quadro 1. Classificação da endometriose da Sociedade Americana de Medicina da Reprodução

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Lesões peritoneais (considerar apenas a lesão mais grave superficial ou profunda)

Peritoneu Superficiais Profundas


<1 1 2
1-3 cm 2 4
> 3 cm 4 6
Lesões ováricas (considerar apenas a lesão mais grave e adicionar os scores dos ovários direito e esquerdo)

Ovário direito Superficiais Profundas


<1 1 2
1-3 cm 2 16
> 3 cm 4 20
Ovário esquerdo Superficiais Profundas
< 1 cm 1 4
1-3 cm 2 16
> 2/3 4 20
Aderências anexiais (adicionar os scores dos ovários direito e esquerdo e das trompas direita e esquerda)

Ovário direito Finas Densas


< 1/3 1 4
1/3-2/3 2 8
> 2/3 4 16
Ovário esquerdo Finas Densas
< 1/3 1 4
1/3-2/3 2 8
> 2/3 4 16
Trompa direita Finas Densas
< 1/3 1 4
1/3-2/3 2 8
> 2/3 4 16
Trompa esquerda Finas Densas
< 1/3 1 4
1/3-2/3 2 8
> 2/3 4 16
Pavilhão tubar englobado em aderências = 16
Obliteração do fundo-de-saco de Douglas

Parcial 4
Total 40

286 Capítulo 17
Dentro deste grupo deve destacar-se o caso Também outras fases do processo reproduti-
peculiar da endossalpingiose, ou salpingite vo foram consideradas afectadas pela endo-
ístmica nodosa de natureza endometriósica, metriose, nomeadamente a fecundação,

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a qual deve ser considerada na prática como quer através do comprometimento da mobi-
uma situação de obstrução tubária proximal lidade e capacidade fecundante dos esper-
definitiva e irreversível. matozóides pelo líquido peritoneal, quer por
Bastante mais complexa é a situação dos es- uma eventual perda da qualidade dos ovóci-
tádios I e II, em que não só se torna difícil tos, ou ainda alterações da captação e do
afirmar de uma forma indubitável a relação transporte tubário.
causal endometriose/infertilidade, como Mais importantes, porque poderiam eventu-
precisar qual ou quais dos mecanismos invo- almente interferir com a utilização das técni-
cados estão envolvidos no processo, ou ain- cas de fertilização extracorporal, foram as
da se se justifica a realização de uma tera- dúvidas quanto à qualidade dos embriões25,
pêutica específica. o processo de implantação dos mesmos26 e
Existe um reconhecimento quase consensual ainda uma eventual maior incidência de
da importância da composição do líquido peri- abortos precoces27.
toneal na perturbação dos mecanismos da
captação ovular e fecundação, destacando-se
de entre eles quer elementos celulares como 7. TERAPÊUTICA
os macrófagos20, quer factores bioquímicos as-
sociados a processos inflamatórios em geral21, Muitas das formas de endometriose não justifi-
quer ainda substâncias mais especificamente cam a realização de qualquer terapêutica, mé-
relacionadas com problemas auto-imunes. dica ou cirúrgica; genericamente pode dizer-se
O reconhecimento através da laparoscopia, que os casos que impõem uma terapêutica
do significado das lesões «jovens» estrutural- são os que têm subjacente uma situação de in-
mente diferente das clássicas lesões em quei- fertilidade arrastada, os que estão associados a
madura de pólvora, veio permitir atribuir a problemas de dor incontrolável, e eventual-
estas lesões um papel mais activo na síntese mente os que apresentam massas pélvicas.
dos factores mediadores da infertilidade. A decisão quanto à necessidade ou à utilida-
Mas se esta constatação pode esclarecer pelo de da terapêutica passa também pelo seu
menos parcialmente o problema da relação valor profiláctico, isto é pela sua capacidade
causa-efeito, muito resta ainda por definir de prevenir o aparecimento de novas lesões,
quanto à sua evolução e à sua sensibilidade de evitar sintomatologia incapacitante, ou
aos diferentes agentes terapêuticos e quais. possibilitar a manutenção de um potencial
Uma perspectiva muito considerada e valo- reprodutivo.
rizada há algumas décadas atrás e que actu-
almente tende a ser desvalorizada, ou pelo 7.1. ATITUDE EXPECTANTE
menos subalternizada, tem a ver com as pos-
síveis disfunções ováricas e/ou tubáricas22. São sobretudo as situações de endometriose
Desde alterações da foliculogénese, à tão pouco grave (estádios I e II, por vezes também
discutida insuficiência luteal nas suas múlti- alguns casos de estádio III) associadas a infer-
plas expressões23, passando pela designada tilidade, que podem permitir a opção de não
luteinização sem ruptura folicular24, várias realizar qualquer forma de tratamento dirigi-
foram as hipóteses postuladas, tendo sem- da especificamente às lesões existentes.
pre presentes alterações esteroidogénicas São múltiplos os factores intervenientes nesta
condicionadas ou condicionantes do anor- opção, mas como acontece frequentemente
mal processo reprodutivo. com os problemas de infertilidade, a idade da

Endometriose 287
mulher acaba por ser um factor decisivo. Dada Como quer que seja, a fundamentação para
a inconstante eficácia dos diferentes tipos de o recurso às diferentes armas terapêuticas
tratamento na correcção de uma incapacida- reside na necessidade de contrariar o efeito

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de reprodutiva, afigura-se legítimo ponderar estimulante, proliferativo, dos estrogénios
de imediato o recurso a formas agressivas de sobre os dois principais componentes endo-
terapêutica, v.g. técnicas de procriação medi- metriais, com o objectivo de obter a sua
camente assistida (PMA), em idades iguais ou atrofia e/ou transformação decidual.
superiores a 37 anos. No outro extremo, ida- Já noutro local tivemos oportunidade de
des inferiores a 35 anos podem ser compatí- referir que, após o abandono do uso obso-
veis com uma atitude expectante, ou com o leto de testosterona e estilbestrol, coube a
recurso a terapêuticas médicas e/ou cirúrgi- Kistner o mérito de conceber a noção de
cas. São os múltiplos os estudos realizados «pseudogravidez»29 assente na deciduali-
que pretendem fundamentar e justificar quer zação do tecido endometriósico, com a
a atitude intervencionista, quer a abstencio- previsível atrofia e reabsorção, conduzin-
nista; esse facto, juntamente com as experiên- do a uma ulterior fibrose e cura. O essen-
cias muitas vezes contraditórias observadas cial da actividade farmacológica derivava
na prática clínica, não permitem definir uma da acção dos progestativos de síntese, uti-
linha de actuação incontroversa28. lizados isoladamente ou em associação
Há que ter em conta que, apesar de se admitir com o etinil-estradiol na composição de
uma idêntica eficácia de ambas as atitudes, os pílulas monofásicas30.
casais inférteis aceitam quase sempre mal
uma postura não-intervencionista, quando 7.2.1. ESTROPROGESTATIVOS
está diagnosticado um problema que pode
legitimamente ser responsabilizado pela sua Utilizados de uma forma contínua começam
infertilidade. por induzir uma amenorreia e, consequente
Naturalmente que nas situações de infertili- eliminação das menstruações retrógradas,
dade a ocorrência simultânea de outro, ou que como já foi dito constitui um dos meca-
outros factores associados obrigam a ree- nismos fisiopatológicos indutores da doença
quacionar a situação em termos distintos. e da sua perpetuação.
Mas para além deste efeito, exercem o tam-
7.2. TRATAMENTO MÉDICO bém já referido papel de agentes de decidu-
alização atribuível na sua essência ao com-
Os fundamentos da terapêutica médica as- ponente gestagénico do medicamento.
sentam na extrapolação para os focos de en- A resultante mais óbvia e mais imediata da
dometriose, dos dados conhecidos acerca eficácia terapêutica é comprovada pelo rápi-
do comportamento do endométrio funcio- do desaparecimento, ou no mínimo atenua-
nal normal, quando submetido a acções far- ção, da dor menstrual e de uma forma talvez
macológicas exógenas, predominantemente menos exuberante dos outros tipos de dor,
de tipo hormonal. nomeadamente a dispareunia.
Este raciocínio, embora genericamente ver- Mais questionável é o seu papel na resolu-
dadeiro, não é passível de uma transposição ção das situações de infertilidade, repor-
completa, dado que, apesar da existência de tando-nos naturalmente às formas míni-
identidade em muitos aspectos, ocorrem mas ou ligeiras, já que no que concerne aos
também diferenças significativas não ape- endometriomas ováricos será previsível
nas na estrutura, como ainda no comporta- apenas uma redução do volume decorren-
mento funcional do endométrio normal e do te da redução da componente líquida do
endométrio ectópico. seu conteúdo.

288 Capítulo 17
Desta opção terapêutica possuímos uma ex- corrente com resultados positivos quer a ní-
periência francamente positiva com o seu vel da dor, quer no tratamento da infertilida-
emprego no pós-operatório de processos de; resultados positivos minimizados porém,

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em que predominam os endometriomas pelos manifestações colaterais decorrentes
ováricos, associados no seu início a pílula a da sua acção simultaneamente androgénica
um análogo de GnRH por um período não e anabolizante, como pele oleosa, acne, alte-
superior a um mês. rações da voz, associados a problemas meta-
bólicos incidindo particularmente na altera-
7.2.2. PROGESTATIVOS ção do perfil lipídico.
Mais tarde e, coincidindo temporalmente
Assentando o seu uso em mecanismos de com um melhor conhecimento das altera-
acção que têm subjacente a transformação ções imunológicas associadas à endome-
decidual dos focos de endometriose, são nis- triose, veio a constatar-se também um pa-
so comparáveis aos estroprogestativos. Con- pel importante do danazol a este nível, o
tudo, quer efeitos colaterais quase irrelevan- que veio reacender o interesse potencial do
tes como as hemorragias endometriais por seu uso terapêutico32,33 não apenas na en-
disrupção, quer outras manifestações sub- dometriose, mas também numa série de
jectivas e objectivais menos bem toleradas doenças auto-imunes.
como problemas digestivos, o aumento de De entre os efeitos relacionados com a en-
peso, retenção hídrica, associadas à necessi- dometriose podem destacar-se a diminui-
dade de altas doses para conseguir a manu- ção dos níveis séricos de imunoglobulinas,
tenção da amenorreia, tornam menos acon- de C3, C4, de auto-anticorpos antifosfolípi-
selhável o seu uso. dos e ainda das concentrações de CA 12534,
Dos vários tipos de gestagénios disponíveis, bem como interleucina-1 e factor de necro-
terá sido o acetato de medroxiprogesterona, se tumoral (TNF)35, além da supressão da ci-
particularmente a sua forma de administra- totoxicidade mediada pelos macrófagos e
ção injectável, de efeito prolongado, a mais monócitos em pacientes com endometrio-
utilizada. Se é certo que nestas situações se se mínima ou ligeira36.
conseguia uma efectiva e duradoura ame- Pessoalmente, tivemos uma longa e satisfa-
norreia, também não podem ser ignorados, tória experiência com o danazol durante
a par dos aspectos clínicos negativos já refe- uma década, iniciando quase sempre a tera-
ridos, as alterações metabólicas graves nos pêutica com doses de 600 mg/dia até asse-
tratamentos de longa duração. gurar a instalação da amenorreia e, prosse-
guindo depois com 400 mg e por vezes até
7.2.3. DANAZOL com 200 mg/dia durante períodos de seis ou
nove meses, em doentes jovens. Raros foram
Trata-se de um derivado da 17-A-etiniltes- os casos com este esquema, que apresenta-
tosterona introduzido na prática clínica por ram manifestações colaterais, que obrigas-
Greenblatt31, e que historicamente é aponta- sem à suspensão do tratamento.
do como possuindo uma acção indutora de
uma pseudomenopausa, concepção só acei- 7.2.4. GESTRINONA
tável pela comprovada acção inibitória da
esteroidogénese ovárica, já que em simultâ- É um derivado da 19-nortestosterona com
neo inibe também por acção hipotálamo-hi- propriedades androgénicas e simultanea-
pofisária a secreção de LH e FSH. mente antigonadotróficas, antiestrogénicas
Nos primórdios foram os efeitos endócrinos e antiprogesterónicas, que acabam por de-
do danazol aqueles que conduziram a um uso terminar em função da dose utilizada, uma

Endometriose 289
amenorreia em 50-100% dos casos; para 7.3. TRATAMENTO CIRÚRGICO
além deste efeito parece actuar directamen-
te a nível celular com inactivação e degene- O tratamento cirúrgico modificou-se natu-

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rescência dos focos de endometriose. ralmente ao longo dos tempos em função
Dada a sua natureza, tem naturalmente de um melhor conhecimento do significado
efeitos colaterais sobreponíveis, embora dos diferentes tipos de lesões e sua evolu-
aparentemente menos intensos, do que ção, bem como também dos recursos técni-
os do danazol e uma semivida mais longa cos disponíveis, em particular nas últimas
o que possibilita a utilização em doses décadas com a generalização da cirurgia la-
mais espaçadas37. paroscópica, devendo nesta destacar-se as
A nossa experiência pessoal com a gestrino- diferentes formas de energia que lhe estão
na tem sido muito escassa, pelo que não associadas.
possuímos uma opinião formada acerca dos Antes da era laparoscópica, a cirurgia era es-
seus méritos e/ou deméritos. sencialmente uma cirurgia amputadora: his-
terectomia mais ou menos alargada quando
7.2.5. AGONISTAS DA GNRH já não estava em causa o potencial reproduti-
vo, anexectomias, ooforectomias ou quistec-
Abstemo-nos de evocar os mecanismos pe- tomias quando se tornava necessário preser-
los quais os agonistas conduzem a um esta- var a fertilidade da mulher. Frequentemente
do de hipoestrogenismo de que decorre o também lise de aderências, quando o objecti-
seu efeito terapêutico. vo era precisamente corrigir uma infertilidade
Embora seja referida na literatura uma tole- em que o processo de endometriose desem-
rância comparável à do danazol ou dos pro- penhava um papel preponderante.
gestativos, quando administrados isolada- O conceito de que lesões mínimas ou ligeiras
mente, não é essa a nossa experiência, pelo podem por um lado ser reversíveis e não
que desde há muito os utilizamos exclusiva- evoluir obrigatoriamente para lesões mais
mente em associação com estroprogestati- graves39,40, e que por outro podem estar asso-
vos e, exclusivamente para favorecer a insta- ciadas às formas infiltrativas profundas essen-
lação da amenorreia. cialmente ligadas à dor, representam um
Parece-nos particularmente útil, quando ponto de viragem nas opções terapêuticas41.
este esquema é instituído cerca de duas Assim, nas formas mínimas e ligeiras, poden-
semanas antes de uma planeada interven- do não ser indispensável tratar cirurgica-
ção cirúrgica destinada à realização de mente dado o seu carácter potencialmente
quistectomia(s) de endometriomas ovári- reversível, não deixa de ser aconselhável
cos. Não só é possível nestas condições destruir as lesões superficiais, se no decurso
efectuar o estadiamento da doença, como de uma laparoscopia diagnóstica é possível
ainda não se estabeleceu a fibrose que po- o recurso a uma vaporização laser, particu-
deria dificultar a dissecção. larmente do tipo CO2. Trata-se de uma cirur-
Utilizando apenas uma injecção de uma das gia «limpa», precisa, com limitada criação de
diferentes apresentações de agonistas depot zonas de necrose e de potencial formação
consegue-se prosseguir a terapêutica com de aderências; o mesmo não se poderá afir-
estroprogestativos isoladamente com uma mar em rigor da coagulação mono ou mes-
redução significativa das hemorragias de mo bipolar. Ademais, foi possível demonstrar
disrupção durante um período de mais 3-4 que este tipo de actuação permitia melhorar
meses e sem o risco de provocar uma osteo- a fertilidade da mulher42.
porose inicial como vimos acontecer em ca- Mais controverso é o papel destas lesões
sos de agonistas utilizados isoladamente38. no desencadear da dor, quando não estão

290 Capítulo 17
associadas a formas profundas. Assumindo tantes está hoje bem estabelecido que não
que pelo menos certas mulheres poderiam apenas se deve operar, como essa cirurgia
apresentar um quadro álgico essencialmen- deve ser efectuada exclusivamente em cen-

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te ligado à inflamação, também essas situa- tros possuindo equipas altamente diferen-
ções poderiam justificar a opção cirúrgica, ciadas e dotadas da mais sofisticada tecno-
embora controversa. logia. Admitir sempre nestes casos a eventual
Controverso também é o tratamento cirúr- necessidade de estender a cirurgia aos apa-
gico dos endometriomas ováricos, particu- relhos urinário e digestivo.
larmente quando o objectivo principal da
terapêutica é resolver um problema de in- 7.4. ENDOMETRIOSE E TÉCNICAS DE PRO
fertilidade e mais ainda quando se admite CRIAÇÃO MEDICAMENTE ASSISTIDA
como muito provável o recurso a uma téc-
nica de PMA. É que os resultados da cirurgia Existe uma controvérsia aparentemente in-
laparoscópica dos endometriomas variam findável sobre este tema, a que na nossa
entre os 23 e 67% de taxa de gravidez43, po- perspectiva tem faltado um pouco de saudá-
dendo uma tão grande discrepância ser ex- vel pragmatismo, que permita decidir tam-
plicada entre outras razões, pelas diferentes bém à margem das conclusões exclusiva-
características das pacientes, os critérios de mente baseadas na evidência.
selecção, a duração do follow-up e a técnica Afigura-se-nos que nos casos de endome-
cirúrgica utilizada. triose mínima ou ligeira em que não foi
Um dado pode ser considerado adquirido possível conseguir obter gravidez após te-
neste momento, salvo se tecnicamente for rapêutica médica, complementada eventu-
inexequível: a quistectomia, pressupondo a almente com o recurso a inseminação intra-
execução do designado stripping é o méto- uterina, se deve recorrer a FIV; por maioria
do de eleição, relegando definitivamente de razão, idêntica conduta deve ser preco-
para segundo plano a simples drenagem nizada, se a idade da mulher aquando do
com coagulação subsequente do leito44; esta estabelecimento do diagnóstico de inferti-
última ficaria reservada para os casos de pe- lidade não é compatível com delongas que
quenos endometriomas, muito aderentes e, inviabilizem em definitivo a resolução do
com elevado componente de fibrose. problema reprodutivo.
Em que circunstâncias se pode considerar Nas formas moderadas e graves, o problema
indispensável o recurso à cirurgia? deve equacionar-se de forma diferente e não
Nas situações de infertilidade em que não estaremos deslocados, se dissermos que a
existam outros factores que levem a pensar questão nuclear nestes estádios se centra
na necessidade de recurso à PMA e a idade da primordial, para não dizer exclusivamente,
doente o permitir, a opção cirúrgica parece na conduta a assumir perante os endome-
óbvia e os resultados compensadores (40- triomas ováricos com a tentativa de encon-
50% de gravidezes em doentes jovens); a trar uma resposta satisfatória para o grande
grande polémica põe-se quando é forte a dilema: má qualidade eventual dos ovócitos
probabilidade de recurso ulterior à PMA, tema versus diminuição da resposta ovárica.
que abordaremos num capítulo específico. Duas publicações recentes abordam de uma
Fora das situações de infertilidade e, sobre- forma muito clara e interessante este tema,
tudo se foi ultrapassada a idade reprodutiva, pelo que ousamos fazer uma reprodução qua-
é inquestionável a indicação operatória, as- se literal dos seus pressupostos e conclusões.
sociada ou não a histerectomia. Assim, na primeira45 são citados os prós e os
Quanto à abordagem cirúrgica das formas contras da abordagem cirúrgica prévia dos
profundas, infiltrativas, fortemente incapaci- endometriomas nos seguintes termos:

Endometriose 291
— A favor: risco de abcesso pélvico, conta- 10. Moen MH, Halvorsen TB. Histologic confirmation of en-
dometriosis in different peritoneal lesions. Acta Obstet
minação do conteúdo hemático, dificul- Gynecol Scand. 1992;71:337.
dades na aspiração folicular, prevenção 11. Donnez J, Nisolle M, Gillet N, Smets M, Bassil S, Casa-

Sem o consentimento prévio por escrito do editor, não se pode reproduzir nem fotocopiar nenhuma parte desta publicação   © Permanyer Portugal 2011
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ção de degenerescência maligna. 12. Nezhat F, Nezhat C, Allan C, et al. Clinical and histologic
classification of endometriomas. J Reprod Med.
— Contra: riscos cirúrgicos genéricos e es- 1992;37:771-6.
pecíficos, diminuição significativa da re- 13. Ranney B. Laparoscopic findings in endometriosis. Clin
Obst Gynec. 1980;3:881.
serva ovárica, acréscimo considerável 14. Bast RC, Klug TL, St John E, et al. A radio-imunoassay
dos custos, falta de evidência de uma using a monoclonal antibody to monitor the course of
epithelial ovarian cancer. N Engl J Med. 1983;309:883-7.
melhoria dos resultados da FIV/ICSI. 15. Pittaway DE, Fayez J. The use of CA 125 in the diagnosis
Concluem os autores que se torna impossí- and management of endometriosis. Fertil Steril.
1986;46:790-5.
vel no momento presente afirmar de uma 16. Barbieri RL, Niloff JM, Bast RC Jr, et al. Elevated serum
forma insofismável qual a melhor atitude, concentrations of CA 125 in patients with advanced
endometriosis. Fertil Steril. 1986;45:630-4.
embora admitam que não existem dados 17. Haney AF, Jenkins S, Weinberg JB. The stimulus respon-
que suportem a abordagem cirúrgica siste- sible for the peritoneal fluid inflamation observed in
infertile women with endometriosis. Fertil Steril. 1991;
mática, prévia à fertilização extracorporal. 56:408.
A outra publicação a que aludimos46 não se 18. Nagamani M, Kelver ME, Smith ER. CA 125 levels in mo-
nitoring therapy for endometriosis and in prediction of
afasta muito dos pressupostos referidos no recurrence. Int J Fertil. 1992;37:227-31.
trabalho precedente e conclui sob uma forma 19. Acosta, AA, Buttram, VC, Besch, PK, Malinak, LR, Franklin,
RR, Vanderheyden, JD. A proposed classification of pel-
afirmativa/interrogativa: há uma premência vic endometriosis. Obstet. Gynecol.. 1973;42:19-23.
desesperada (sic) de estudos randomizados 20. Halme J, White C, Kauma S, et al. Peritoneal macropha-
ges from patients with endometriosis release growth
que respondam às seguintes questões: factor activity in vitro. J Clin Endocrinol Metab. 1988;
— O tratamento cirúrgico prévio aumenta o 66:1044.
21. Haney AF, Jenkins S, Weinberg JB. The stimulus respon-
sucesso das técnicas de PMA? sible for the peritoneal fluid inflammation observed in
— Qual regime de estimulação faz correr o infertile women with endometriosis. Fertil Steril.
1991;56:408-13.
menor risco de recorrência e/ou agrava- 22. Cahill DJ, Wardle PG, Maile LA, Harlow CR, Hull MGR. Pi-
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292 Capítulo 17
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Endometriose 293
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18 Menopausa

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Fernanda Águas

1. INTRODUÇÃO Os médicos que acompanham a mulher nes-


ta etapa da vida têm todas as vantagens em
Por volta dos 50 anos, um órgão fundamental dispor de elementos de compreensão da fi-
para a mulher, o ovário, deixa de funcionar e siologia das mudanças ocorridas e adquirir a
a produção de hormonas que, por natureza, sensibilidade necessária para enquadrá-las
lhe está atribuída, é abruptamente reduzida numa perspectiva abrangente de medicina
provocando na maioria das mulheres o apare- preventiva.
cimento de alterações físicas e psíquicas, fenó-
meno conhecido como síndrome climatérico.
O aumento da esperança de vida em geral, 2. ESPECIFICAÇÕES TERMINOLÓGICAS
nos países ocidentais, tem por efeito que as
mulheres possam viver mais de 30 anos após Menopausa é o termo que designa a última
a menopausa, ou seja, 1/3 da sua vida. menstruação, confirmada após 12 meses su-
No final de 2007, a população estimada para cessivos de amenorreia, resultante da cessa-
Portugal, com base nos números do último re- ção definitiva da actividade folicular ovárica.
censeamento, era de 10.617.575 habitantes1, Perimenopausa ou climatério é um termo
dos quais 51,6% eram mulheres. A proporção utilizado para descrever o período em que se
da população com idade superior a 65 anos manifestam os primeiros sintomas ou indica-
em relação à população total também tem dores da proximidade da menopausa e que
vindo a aumentar, representando em 2007, termina 12 meses após a última menstruação.
cerca de 17,4%1. Os dados permitem concluir Este período de transição tem duração variá-
por uma maior longevidade feminina, com vel de mulher para mulher, caracterizando-se
uma esperança de vida ao nascer de 81 anos, por alterações dos níveis das hormonas es-
em relação ao sexo masculino para o qual teróides ováricas que se exprimem, por um
essa esperança de vida se situa nos 74 anos. lado, por alterações do ciclo menstrual2,3 e,
O fenómeno do envelhecimento é, portanto, por outro, pelo aparecimento de sintomato-
mais sentido no sexo feminino. logia típica, sobretudo vasomotora.
Daí decorre a necessidade de protecção da Pós-menopausa é o termo que designa o con-
saúde na mulher na fase da vida após os 50 junto dos anos que se seguem à menopausa.
anos, em que o seu papel na sociedade se Pré-menopausa, termo ambíguo e gerador
desdobra entre o exercício de uma profissão de alguma confusão, designa mais pro-
a tempo inteiro, as funções de esposa e de priamente, todo o período de vida fértil da
mãe, enfrentando muitas vezes, os proble- mulher anterior à menopausa. É, por vezes,
mas de primeiro emprego dos filhos que utilizado como sinónimo da fase imediata-
sentem dificuldades em conseguir um modo mente anterior a menopausa, daí que possa
de vida independente. ser confundido com a perimenopausa.

295
Há vários tipos de menopausa, apresentan- vida fetal, vai progressivamente diminuindo
do cada um desses tipos particularidades e ao longo dos anos, independentemente da
questões próprias com reflexos na escolha idade da menarca, do número de gestações

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das orientações terapêuticas. ou do tipo de contracepção utilizado. Foi
Assim, a expressão menopausa espontânea demonstrada uma relação entre o número
ou natural utiliza-se sempre que a falên- de folículos primordiais e a regularidade do
cia ovárica ocorre de forma gradual e sem ciclo menstrual, tendo-se concluído que um
intervenção médica ou de qualquer outro declínio marcado no número de folículos
agente externo. Ao contrário do que acon- ováricos constitui a base morfológica que
tece com a idade da menarca, apesar da me- explica as alterações ocorridas no climatério.
lhoria das condições de vida e de saúde das A menopausa dá-se quando o número de fo-
populações, a idade média a que ocorre a lículos se situa abaixo dum limiar crítico, cer-
menopausa não se tem alterado. Nos países ca de 1.000, independentemente da idade5.
ocidentais, na maioria das mulheres a meno- No que se refere à fisiologia do aparelho re-
pausa ocorre entre os 45 e os 56 anos de ida- produtor feminino, é útil recordar que o ciclo
de, situando-se a média nos 51 anos4. menstrual da mulher resulta da interacção
Menopausa cirúrgica é a expressão que de- cíclica da hormona hipotalâmica GnRH com
signa a situação decorrente de uma interven- os péptidos hipofisários FSH e LH e os este-
ção cirúrgica em que são removidos ambos róides ováricos, estradiol e progesterona.
os ovários, habitualmente em conjunto com Todo o processo de alterações hormonais
o útero. Nas mulheres com idade inferior a do climatério tem a sua origem no ovário.
50 anos é frequente realizar-se a histerecto- Assim, do ponto de vista histológico, há alte-
mia isolada, com conservação dos ovários e rações a nível folicular, entre as quais a dimi-
sem que daí resulte um estado de menopau- nuição do número de células da teca interna
sa. Ao contrário da menopausa espontânea, e da granulosa e um aumento do número de
a menopausa cirúrgica acontece de forma células intersticiais, local de produção dos
inesperada e habitualmente associa-se a um androgénios.
quadro sintomático mais exuberante. O primeiro sinal biológico de falência ová-
Menopausa precoce é a expressão utilizada rica é o aumento de FSH, reflexo da dimi-
para designar a situação de ocorrência da me- nuição da qualidade folicular que tem por
nopausa, segundo a maioria dos autores, antes consequência a redução da síntese e secre-
dos 40 anos. Importa contudo salientar que, ção do estradiol. Ao contrário do que an-
sempre que a menopausa ocorre antes dos teriormente se dizia, os níveis de estradiol
45 anos, as suas consequências para a saúde diminuem progressivamente nos anos que
da mulher levam a considerá-la como precoce precedem a menopausa, permanecendo, no
em termos de intervenção terapêutica. entanto, mais ou menos estáveis até aproxi-
madamente ao ano anterior à cessação do
desenvolvimento folicular5. Por outro lado,
3. FISIOLOGIA  ALTERAÇÕES as células da granulosa sintetizam cada vez
HORMONAIS menos inibina, glicoproteína que, tal como
o estradiol, exerce um efeito inibidor sobre
A falência ovárica é um processo que se ini- a secreção de FSH pela hipófise. É possível
cia muitos anos antes da menopausa e está que tanto a inibina-A como a B estejam en-
directamente relacionada com a redução do volvidas6, a primeira na fase luteínica, e a
capital folicular dos ovários, que começa com segunda na fase folicular. Os valores de FSH
o nascimento. O número de folículos primor- doseados no sangue são geralmente supe-
diais, que atinge o seu máximo durante a riores a 30 mUI/ml.

296 Capítulo 18
Numa fase posterior, assiste-se a um aumen- poral dado que o tecido adiposo é o grande
to da LH, em média, três vezes superior aos responsável por aquela actividade.
valores da pré-menopausa. A produção de Na mulher ooforectomizada, para além da

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LH está sujeita ao controlo hipotalâmico, privação em estrogénios, verifica-se igual-
através da GnRH que é segregada de forma mente a ausência dos androgénios produzi-
pulsátil, e também ao efeito de feedback ne- dos pelo ovário.
gativo do estradiol e da progesterona, cujos
níveis estão francamente reduzidos devido à
diminuição do número e da actividade dos 4. CLÍNICA
folículos. A relação FSH/LH, quase sempre
superior à unidade, mantém-se elevada ao Durante o período do climatério, um núme-
longo de todo o período pós-menopausa, ro significativo de mulheres experimenta
atingindo o máximo nos primeiros três anos. múltiplos e intensos sintomas, enquanto
Com o desaparecimento dos folículos, os outras apenas dão conta de perturbações
níveis elevados de gonadotrofinas levam o mínimas ou nem sequer apresentam qual-
tecido ovárico remanescente a produzir an- quer tipo de queixa. As diferenças socio-
drogénios, essencialmente, androstenedio- culturais têm reconhecidamente influência
na e testosterona. Apesar desta situação, os sobre a expressão clínica das alterações
níveis séricos de testosterona são inferiores biológicas e podem explicar algumas das
aos encontrados na pré-menopausa. diferenças encontradas entre as mulheres
Como foi anteriormente referido, a produ- ocidentais e as orientais, ou entre outros
ção de estrogénios pelos ovários cessa com grupos étnicos, no que respeita à vivência
a menopausa. Contudo os níveis desta hor- da menopausa.
mona podem, nalgumas mulheres, ser sig- A tradução da clínica associada à falência
nificativos graças à aromatização extraglan- ovárica é em termos didácticos descrita
dular da androstenediona e testosterona. O numa série de acontecimentos que se mani-
grau de conversão está directamente rela- festam por etapas, conforme se pode verifi-
cionado com a percentagem de gordura cor- car no quadro 1.

Quadro 1. Consequências da falência ovárica

Duração Sistema Sintoma/doença

Agudos Neuroendócrino Afrontamentos


Suores nocturnos
Insónia
Ansiedade/irritabilidade
Alterações da memória
Perturbações da concentração

Intermédios Tracto urogenital Atrofia urogenital


Incontinência urinária/prolapso
Dispareunia/síndrome uretral
Diminuição da libido
Tecido conjuntivo Atrofia da pele

Crónicos Esquelético Osteoporose


Arterial Doença cardiovascular

Menopausa 297
Os sintomas vasomotores são a imagem da guns casos, apresentam-se mesmo quadros
menopausa que cerca de 70 a 80% das mu- de humor depressivo, embora não existam
lheres experimentam e cuja intensidade e provas científicas de que a menopausa, por

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duração variam de mulher para mulher. Em si só, origine depressões severas ou mesmo
muitos casos, os sintomas iniciam-se pre- alterações significativas do comportamento.
cocemente na perimenopausa, ao mesmo No estudo SWAN (Study of Women’s Health
tempo que começam a manifestar-se as pri- Across the Nation), a prevalência de alterações
meiras irregularidades do ciclo menstrual. Os do humor aumentou da fase da pré para a
afrontamentos são descritos como uma súbi- fase de perimenopausa de 10 para 16,5%10,11.
ta sensação de calor da extremidade superior Tanto a memória como as capacidades cog-
do corpo, associada à vermelhidão da face, nitivas vão-se modificando ao longo da vida.
pescoço e tórax, que podem ser seguidos O avanço na idade é geralmente associado
de sudorese. A sua duração pode variar de a um desempenho intelectual mais fraco. Os
segundos a longos minutos, podendo tratar- efeitos dos estrogénios são especialmente
se de episódios esporádicos ou de múltiplos notórios na memória verbal. Embora nem
episódios por dia, agravados por situações todos os estudos consigam demonstrá-lo,
de stress. Habitualmente os afrontamentos há que observar que as dificuldades cogni-
manifestam-se também durante a noite e tivas e de concentração bem como as per-
estão associados a suores nocturnos que turbações de memória são comuns após a
perturbam o sono e, naturalmente, o repou- menopausa, podendo mesmo, nalguns ca-
so nocturno7. Na maioria das mulheres, estes sos, constituir o primeiro sinal de um proces-
sintomas persistem por períodos de um a so de demência. A doença de Alzheimer é o
dois anos, havendo embora casos em que as quadro de demência mais frequente e atin-
queixas existem durante cinco ou mais anos. ge preferencialmente o sexo feminino12. Não
Aproximadamente 3% das mulheres des- se conhece com exactidão a dimensão dos
crevem afrontamentos muito frequentes 15 efeitos dos estrogénios sobre o sistema ner-
anos depois da menopausa, 12% dos quais voso central, embora lhe sejam atribuídos
são de intensidade moderada a severa8. efeitos anti-oxidantes contra a toxicidade
No estudo PEPI (Postmenopausal Estrogen/ neuronal, a redução dos depósitos celulares
Progestin Interventions Trial), a percentagem do componente P amilóide, que mais não é
de mulheres do grupo de placebo que apre- que a proteína acumulada na doença de Al-
sentava sintomas vasomotores diminuiu de zheimer, o aumento das sinapses e do cresci-
56% na avaliação basal para 30% após três mento neuronal com especial incidência na
anos9. O alívio rápido da sintomatologia va- densidade das dendrites espinais.
somotora pela terapêutica hormonal (TH) foi O estado de hipoestrogenismo é causa de
também comprovado por este estudo9. alterações tróficas dos tecidos de revestimen-
Na fase de flutuações hormonais da perime- to do aparelho urogenital que consistem em
nopausa, com impacto em neuromediadores diminuição da espessura do epitélio, dos te-
cerebrais, catecolaminas e B-endorfinas, sur- cidos de suporte e do colagénio, bem como
gem alterações do humor com níveis mais redução da vascularização local13. A falta de
elevados de ansiedade e irritabilidade, dimi- lubrificação vaginal é indicada habitualmente
nuindo a capacidade de lidar com os proble- pela mulher após a menopausa e associa-se à
mas diários. Estas perturbações psicológicas perda da elasticidade da vagina. Como conse-
associam-se normalmente aos sintomas va- quência destas alterações, surgem as queixas
somotores, afectando a qualidade do sono de dispareunia a que muitas vezes se juntam
e causando instabilidade emocional, quadro uma sensação de prurido e um ardor vulvo-
clínico conhecido como «efeito dominó». Nal- vaginal. Estas consequências constituem um

298 Capítulo 18
obstáculo, entre outros, a uma sexualidade nível dos sistemas esquelético e arterial, tra-
satisfatória. A disfunção sexual pode afectar duzidas na clínica por complicações impor-
os dois membros do casal e está associada so- tantes para a saúde da mulher: osteoporose

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bretudo ao estado geral de saúde de ambos, e doenças cardiovasculares.
com especial relevância para as terapêuticas
utilizadas no tratamento de doenças cróni- 4.1. OSTEOPOROSE
cas. Também a uretra e a bexiga são afectadas
pela fragilidade dos tecidos, epitelial, conjun- Osteoporose, palavra derivada do grego «os-
tivo e muscular. A disúria, a polaquiúria e a teo» (osso) e «poros» (buraco), designa uma
urgência miccional surgem em consequência doença esquelética caracterizada por uma
da atrofia da mucosa urogenital. O facto de diminuição da massa óssea que comprome-
o pH da vagina se tornar mais alcalino13 po- te a resistência desse tecido e predispõe para
derá impedir o normal desenvolvimento dos um aumento do risco de fracturas16,17. Desde
lactobacilos e aumentar a susceptibilidade às 1940, com Fuller Albright, que esta situação
infecções por agentes patogénicos fecais. Es- foi associada à carência estrogénica, embora
tes microrganismos podem causar infecções inicialmente fosse considerada como uma
urinárias, cistite e uretrite, difundidas por via consequência natural do envelhecimento.
ascendente. A incontinência urinária agrava- Só em 1994 foi reconhecida como doença
se com a idade e as alterações anteriormente pela Organização Mundial da Saúde (OMS)16.
descritas criam condições propícias para que A osteoporose pode ocorrer em ambos os
falhem os mecanismos de contenção. Os es- sexos mas é mais frequente na mulher após
tudos relativos aos efeitos dos estrogénios na a menopausa, atingindo, nesta fase da vida,
incontinência urinária não são esclarecedo- 50% das mulheres.
res, havendo autores que chegam a conclu- O pico de massa óssea é alcançado por volta
sões diametralmente opostas. Foram publi- dos 35 anos, havendo autores que afirmam
cadas metanálises que descrevem melhoria não existir ganhos de massa óssea a par-
daqueles sintomas14 e estudos randomizados tir dos 20 anos18, e é determinado por uma
em que não foram encontrados benefícios, combinação de factores, sendo os principais
pelo contrário, concluem pelo agravamento os genéticos, os hormonais e os ambientais.
da sintomatologia15. A perda de massa óssea na mulher inicia-se
Os efeitos da redução dos estrogénios fa- após os 40 anos e acentua-se cerca de 1,5
zem-se sentir também na pele que perde anos antes da última menstruação. A taxa
colagénio e elasticidade, alterando o seu de reabsorção aumenta para 2 a 3% após a
aspecto e tornando-se mais espessa, seca e menopausa e mantém-se constante durante
enrugada. Estas alterações podem ser agra- aproximadamente 8 a 10 anos, resultando
vadas por factores ambientais tais como, por numa perda de massa óssea total que pode
exemplo, a exposição solar e o consumo de atingir os 40% nos casos mais graves.
tabaco. As marcadas alterações dos níveis Fisiologicamente, a massa óssea mantém-se
séricos de estrogénios e de androgénios e constante, devido ao fenómeno cíclico da
do respectivo coeficiente, agravado pela re- remodelação que mais não é que uma suces-
dução da proteína transportadora (SHBG), são de fases de reabsorção e formação, a car-
provocam também o aumento do desenvol- go de unidades estruturais que funcionam
vimento piloso, que pode atingir um grau de em sincronismo, influenciadas por citocinas
hirsutismo moderado. e esteróides sexuais19. Os osteoclastos são as
Na etapa mais tardia da pós-menopausa, células responsáveis pela reabsorção óssea e
manifestam-se as consequências mais gra- os osteoblastos são células que asseguram a
ves decorrentes da carência estrogénica a síntese dos diferentes constituintes da matriz

Menopausa 299
óssea, cuja mineralização controlam. Nu- trica e maior dinamismo metabólico, que
merosos factores intervêm na regulação do as consequências mais se fazem sentir, ha-
metabolismo ósseo, discutindo-se ainda os vendo um aumento do risco de fracturas ao

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seus exactos mecanismos de funcionamento mínimo traumatismo a nível das vértebras e
e a importância relativa de cada um deles no extremidades distais dos ossos longos. A im-
decurso do processo. A perda de massa óssea portância da osteoporose está directamente
associada à menopausa e ao envelhecimento relacionada com a gravidade dos seus efei-
é devida a um excesso de actividade dos os- tos: fracturas osteoporóticas, suas conse-
teoclastos, prevalecendo a reabsorção sobre quências a nível de mortalidade, morbilida-
a formação. Pensa-se que os mecanismos de de e os custos directos e indirectos inerentes
acção dos estrogénios sobre o osso podem ao respectivo tratamento20.
ter uma acção genómica mediada por recep- Um milhão e seiscentas e seis mil fracturas da
tores e não genómica que inibe a apoptose. A anca ocorreram em todo o mundo em 1990,
sua redução afecta também indirectamente calculando-se que este número aumente ex-
o tecido ósseo, através de uma diminuição ponencialmente e atinja os seis milhões em
da absorção intestinal do cálcio e aumento 205021. A mortalidade associada às fracturas
da sua excreção urinária. Os níveis séricos da anca pode aproximar-se dos 20%, sendo
dos metabolitos da vitamina D também di- ainda relevante que 50% das mulheres que
minuem com a idade. A isto acresce ainda o sobrevivem ao episódio inicial ficam com in-
fraco consumo de cálcio na alimentação das capacidades que as tornam funcionalmente
mulheres após a menopausa, sendo normal- dependentes. Prevenir a osteoporose atra-
mente insuficiente para suprir as suas ne- vés de medidas higienodietéticas aplicadas
cessidades. A redução da calcemia estimula à população desde as fases mais precoces da
a hormona paratiroideia que mobiliza cálcio vida será a fórmula mais eficaz.
do osso, agravando a perda de massa óssea. Nas mulheres após a menopausa, importa
Embora a aceleração da perda de massa ós- identificar os grupos de risco e seleccionar
sea afecte todo o esqueleto, é sobre o osso criteriosamente as situações que requerem
trabecular, com maior exposição volumé- intervenção farmacológica (Quadro 2).

Quadro 2. Factores de risco de osteoporose

Major Minor

Idade > 65 anos


Artrite reumatóide
Fractura vertebral por compressão
Hipertiroidismo
Antecedentes familiares de fractura osteoporótica
Tratamento crónico com anticonvulsivantes
Tratamento com corticóides sistémicos com duração—
Baixo aporte de cálcio
> 3 meses
Tabagismo
Síndrome de má absorção
Consumo excessivo de álcool
Hiperparatiroidismo primário
Consumo excessivo de cafeína
Tendência para quedas
Peso < 57 kg
Osteopenia aparente em Rx
Perda de peso > 10% do peso aos 25 anos
Hipogonadismo
Tratamento crónico com heparina
Menopausa precoce (< 45 anos)

300 Capítulo 18
Estes factores têm um papel importante na tação, revelou uma redução global de fractu-
avaliação e orientação da população que ras osteoporóticas de 24%, correspondente a
está exposta ao risco de fractura16,17. Contu- 35% de fracturas vertebrais e 33% de fractu-

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do, a determinação da densidade mineral ras da anca24. O facto mais notável é que estes
óssea (DMO) através da densitometria bifo- resultados foram obtidos numa população de
tónica por Rx continua a ser o exame com- mulheres não seleccionadas em função desta
plementar considerado como gold standard doença e, portanto, com baixo risco de fractu-
para o diagnóstico da osteoporose. Nela se ra. Contudo, quando o tratamento é suspen-
baseiam os critérios da OMS16 (Quadro 3). so nota-se rapidamente perda dos efeitos be-
O risco de fractura duplica por cada descida de néficos dos estrogénios no osso, como pode
um desvio-padrão no valor da DMO, sendo o ser comprovado pelo aumento de incidência
valor preditivo da medição efectuada no colo de fracturas que se seguiu ao decréscimo de
do fémur o mais exacto. Apesar disso, não se utilização da TH na pós-menopausa, em con-
provou que este exame complementar seja sequência dos resultados do WHI25.
aplicável para rastreio generalizado de osteo-
porose em mulheres pós-menopausa com me- 4.1.1. TERAPÊUTICA DA OSTEOPOROSE
nos de 65 anos de idade. Em 2008, um grupo
de trabalho da OMS utilizou a conjugação dos Bisfosfonatos
factores de risco clínico, que pode ser acrescido Os bisfosfonatos são quimicamente análo-
ao valor obtido pela medição da DMO do colo gos ao pirofosfato (P-O-P) em que a subs-
do fémur, para construir um modelo de cálculo tituição do átomo de oxigénio por um áto-
de probabilidade de fractura num horizonte mo de carbono conduz a um aumento da
temporal de 10 anos22. Este algoritmo denomi- ligação óssea e da resistência à hidrólise
nado FRAX (Fracture Risk Assessment Tool)23, en- enzimática. Os seus efeitos na prevenção da
contra-se disponível online e apresenta opções reabsorção óssea traduzem-se pela redução
de cálculo adaptadas à realidade de cada po- da actividade dos osteoclastos e o aumento
pulação, constituindo uma importante ajuda da respectiva apoptose. A retenção no esque-
na decisão terapêutica, permitindo maximizar leto é prolongada, o que pode favorecer a
a relação custo-eficácia dos tratamentos20. longa duração dos efeitos ósseos. O etidrona-
Em conformidade com os conhecimentos to foi o primeiro fármaco do grupo a ser utili-
existentes acerca da fisiopatologia da doença, zado na osteoporose, seguiram-se-lhe o alen-
a TH tem comprovado em todos os estudos, dronato e risedronato e, mais recentemente,
tanto observacionais como randomizados, o ibandronato e o zoledronato. Diferem na
aumentar a densidade mineral óssea e redu- estrutura, o que modifica a ligação aos recep-
zir o risco de fracturas. O WHI (Women’s Heal- tores e condiciona a sua potência de acção.
th Initiative), estudo de grandes dimensões, As alternativas posológicas são variadas: diá-
prospectivo, randomizado e com dupla ocul- rias, semanais, mensais e até anuais.

Quadro 3. Critérios de diagnóstico da osteoporose

Classificação Valor de DMO – T Score*


Normal >a – 1 DP
Osteopenia –1 a –2,5 DP
Osteoporose < –2,5 DP
*
O T Score representa o número de desvios-padrão (DP) relativamente ao osso do adulto jovem.

Menopausa 301
Os bisfosfonatos administrados via oral re- com duração de 15 minutos com um segui-
querem que o estômago esteja vazio e que mento de três anos, o grupo submetido a
a toma se faça com um copo cheio de água terapêutica activa registou uma redução

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pelo menos 30 minutos antes da ingestão de de 70% de fracturas vertebrais e de 41% de
alimentos. fracturas da anca32.
Os efeitos adversos mais comuns com eles
relacionados são as erosões gastroesofági- Cálcio e vitamina D
cas. Estão descritos raros casos de osteone- Um equilíbrio na ingestão de cálcio é fun-
crose da mandíbula26, sobretudo em doen- damental para complementar os efeitos de
tes oncológicos, e também existem estudos qualquer das terapêuticas utilizadas para a
que associam o uso de bisfosfonatos a um osteoporose. A ingestão diária de cálcio da
aumento de risco de incidência de fibrilha- maioria das mulheres pós-menopausa não
ção auricular27. ultrapassa os 500 mg, pelo que para atingir
A eficácia destes fármacos na redução do a dose diária recomendada de 1.500 mg é
risco de fracturas osteoporóticas foi com- necessário administrar cerca de 1.000 mg.
provada em múltiplos ensaios clínicos ran- Em mulheres mais velhas, o suplemento de
domizados. No estudo FIT (Fracture Inter- cálcio pode ter, por si só, efeitos benéficos
vention Trial), o alendronato administrado no osso. Também com a idade surgem al-
diariamente na dose de 5 mg nos primeiros terações no metabolismo da vitamina D
dois anos seguido de 10 mg durante o ter- devido à progressiva perda da capacidade
ceiro ano, reduziu em 50% o risco de fractu- da pele e do rim de sintetizarem a sua for-
ras vertebrais, do punho e da anca em com- ma activa. A tudo isto acresce o facto de a
paração com o placebo28. O risedronato absorção intestinal da vitamina D diminuir
reduziu, no estudo VERT (Vertebral Efficacy com a idade e ainda a redução do tempo de
with Risedronate Therapy), o risco cumulati- exposição solar e a utilização de protecto-
vo de novas fracturas vertebrais em 45% ao res solares. É, portanto, recomendável que
fim de três anos, em 65% ao fim do primeiro as mulheres com risco de deficiência, sejam
ano29. Num grupo de mulheres mais velhas, igualmente suplementadas com vitamina
o risedronato reduziu a incidência de frac- D, na dose diária de 800 UI.
tura da anca em 40%; nos casos com preva-
lência de fracturas vertebrais, essa redução Calcitonina
aumentou para 60%30. A eficácia do iban- A calcitonina é uma hormona peptídica que
dronato administrado por via oral de modo actua contrariando os efeitos osteolíticos da
contínuo ou intermitente foi verificada no hormona paratiroideia, vitamina D e outras
estudo BONE (Bonviva Osteoporosis Trial in substâncias. Funciona também como inibi-
North America and Europe) e foi da ordem dor da reabsorção óssea, reduzindo a acti-
dos 52% nas fracturas vertebrais morfomé- vidade e o número de osteoclastos. Os seus
tricas, ao fim de cinco anos de avaliação31. efeitos são mais marcados no osso trabecular
A incidência de fracturas não-vertebrais das vértebras onde previne a perda de mas-
foi semelhante à do placebo na população sa óssea e reduz o risco de fracturas. Num
global do estudo, tendo-se verificado redu- estudo clínico randomizado, em que foi ad-
ção dessa incidência apenas numa análise ministrada calcitonina, 200 UI diárias por via
post hoc de um grupo de doentes de alto intranasal durante cinco anos, verificou-se
risco. O zoledronato foi tratado no estudo a redução apenas de fracturas vertebrais33.
HORIZON (Health Outcomes and Reduced Têm-lhe sido atribuídos efeitos analgésicos
Incidence With Zoledronic Acid Once Yearly) por diminuição central da sensação de dor,
para uma administração endovenosa anual devido ao aumento das endorfinas, inibição

302 Capítulo 18
da síntese de prostaglandinas e ainda por in- diarreia, náuseas e irritação cutânea. Por
terferência nos fluxos de cálcio. precaução, não deve ser administrado a mu-
lheres com antecedentes de tromboembo-

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Ranelato de estrôncio lismo, embora não tenha sido provado que
O ranelato de estrôncio é um produto para cause alterações na coagulação.
administração oral constituído por dois áto-
mos de estrôncio e uma molécula de ácido Teriparatide
ranélico. O seu mecanismo de acção dissocia Foi demonstrado por experiências laborato-
as fases de formação e reabsorção óssea, via riais e estudos de investigação clínica que a
osteoproteogina, estimulando a primeira e paratormona tem acções anabólicas sobre
inibindo a segunda. Os ensaios laboratoriais o esqueleto. O teriparatide é um fragmento
demonstraram que o ranelato de estrôncio recombinante da paratormona que aumen-
melhora as propriedades biomecânicas do ta a massa óssea e melhora a sua microes-
osso e aumenta a sua resistência. A sua eficá- trutura. O seu efeito sobre a prevenção de
cia a nível de risco de fracturas foi comprova- fracturas foi testado no FTP (Fracture Pre-
da em estudos randomizados que testaram vention Trial)36 com dosagens de 20 e 40 μg
um grupo de mulheres pós-menopausa com administradas diariamente por via subcutâ-
osteoporose a tomar o medicamento na nea. Verificou-se, ao fim de 18 meses, uma
dose diária de 2 g. redução do risco de fracturas vertebrais de
O estudo SOTI34 (Spinal Osteoporosis The- cerca de 70% e de fracturas não-vertebrais
rapeutic Intervention) teve como principal de 60%. Os ensaios clínicos foram posterior-
objectivo a avaliação da eficácia a nível de mente suspensos devido à ocorrência, em
fracturas vertebrais e o estudo TROPOS35 ratos, de osteossarcoma associados à admi-
(Treatment of Peripheral Osteoporosis) foi di- nistração de altas doses do medicamento.
reccionado para as fracturas não-vertebrais. Tal efeito nunca se verificou em seres hu-
Após três anos de terapêutica, verificou-se manos. O teriparatide é bem tolerado e es-
uma redução do risco de novas fracturas tão descritas reacções adversas minor que
vertebrais de 41% e uma redução de fractu- incluem náuseas e vómitos. As indicações
ra do colo de fémur de 36%, num subgrupo para o seu uso limitam-se a situações de os-
de mulheres considerado de alto risco. Uma teoporose grave com alto risco de fractura
extensão dos estudos até cinco anos com- e por períodos de tempo que não devem
provou a sustentabilidade dos resultados ultrapassar os 18 a 24 meses.
obtidos, com reduções de fracturas de 31 e
27%, para fracturas vertebrais e não-verte- 4.2. DOENÇA CARDIOVASCULAR
brais respectivamente. Ambos os estudos re-
velaram aumentos da DMO correlacionados As doenças cardiovasculares são a principal
com a redução do risco de fractura. causa de mortalidade em ambos os sexos,
Na interpretação da densitometria em mu- como é bem expresso no relatório da OMS
lheres a tomar ranelato de estrôncio, impor- para a Europa em 2004, em que lhe são atri-
ta ter presente que cerca de 50% do aumen- buídas 43 e 55% das mortes ocorridas, res-
to da DMO se deve à retenção da radiação pectivamente nos sexos masculino e femi-
emitida, pelo estrôncio. nino. Desde 1984 que o número de mortes
A absorção do medicamento é prejudicada por doença cardiovascular nas mulheres ul-
pelos alimentos, especialmente leite e seus de- trapassa o dos homens e é cerca de 10 vezes
rivados, pelo que se recomenda um intervalo superior ao número de mortes causadas por
de duas horas entre a toma e as refeições. cancro da mama. Constata-se que existe um
Os efeitos adversos mais comuns foram a atraso, em média de 10 anos, entre a idade a

Menopausa 303
que se manifesta a doença coronária na mu- reactiva pode funcionar, nesta fase, como
lher comparativamente ao que se passa no marcador não-específico da resposta infla-
homem. Depois dos 50 anos, idade em que matória vascular. Os estrogénios, no início

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habitualmente ocorre a menopausa, uma de todo o processo, são susceptíveis de
mulher tem 65% de probabilidade de vir a prevenir a formação da placa de ateroma,
desenvolver hipertensão arterial, 46% de hi- promover a vasodilatação e desempenhar
póteses de vir a sofrer de doença coronária e um papel protector a nível vascular. Mais
31% de probabilidades de morrer de doença tarde, a vasoconstrição e os fenómenos de
cardiovascular37. trombose levam à instabilidade da placa de
Existem numerosos estudos epidemioló- ateroma. Neste processo, intervêm as enzi-
gicos que demonstram claramente que, na mas metaloproteinases de matriz, produzi-
mulher, o risco de doença cardiovascular das pelas células inflamatórias e induzidas
aumenta, não só com a idade, mas também pelos estrogénios, que, nesta fase, apresen-
com a menopausa37,38. Ainda recentemen- tam efeitos pró-trombóticos41.
te foi concluído num estudo de corte, com A maioria das doenças cardiovasculares sur-
grandes dimensões e follow-up de longa ge em consequência da aterosclerose e os
duração, que a ooforectomia bilateral antes principais factores de risco são a hiperten-
dos 45 anos de idade estava associada a au- são arterial, o tabagismo, a diabetes melli-
mento da mortalidade cardiovascular39. tus, a obesidade e as dislipidemias. Muitos
Na verdade, os efeitos das hormonas este- desses factores podem ser neutralizados
róides não se limitam ao aparelho reprodu- pelos hábitos de vida, nomeadamente pela
tor e estendem-se a quase todos os outros dieta e pelo exercício físico. As alterações
órgãos e sistemas. Assim, no que respeita do perfil lipídico consequentes à menopau-
ao aparelho cardiovascular, o papel dos sa podem ser revertidas com a estrogenio-
estrogénios sente-se sobretudo a dois ní- terapia42,43.
veis: o perfil lipídico e a acção directa a ní- A presença da mulher nas consultas de gine-
vel da parede vascular. Após a menopausa, cologia deve ser encarada como uma opor-
o colesterol total aumenta cerca de 6%, o tunidade para associar aos rastreios oncoló-
colesterol das LDL 11% e os triglicerídeos gicos dos cancros da mama e colo do útero,
9%. Concomitantemente, verifica-se um a avaliação da pressão arterial e do perfil li-
decréscimo de 6% do colesterol das HDL40. pídico, com vista à adopção das respectivas
Por outro lado, há um aumento da oxidação medidas correctivas.
da LDL, produzindo uma LDL modificada Quanto à influência da TH da pós-meno-
que causa os primeiros depósitos de gor- pausa no risco de doença cardiovascular,
dura no endotélio. Essa alteração origina nas últimas décadas, tem-se assistido a uma
disfunção endotelial e afecta a produção de mudança nas correntes de opinião e nas
óxido nítrico e de prostaciclinas, elementos recomendações emanadas de diversos or-
importantes que intervêm nos mecanismos ganismos oficiais perante os resultados dos
de vasodilatação. A proliferação e migra- estudos randomizados publicados a partir
ção de células musculares lisas, também de 1998. Com efeito, nos anos 80-90 os es-
influenciada por factores de crescimento tudos observacionais como, por exemplo,
e citocinas, dá início à lesão aterosclerótica o NHS (Nurses’s Health Study)44 revelavam
formando uma placa fibrosa. Contribuem uma redução do risco de doença coronária,
ainda para danificar o endotélio, alterações situado entre 30-50%, nas mulheres que
inflamatórias e deposição de células de mo- utilizavam TH, quer com estrogénios isola-
nócitos circulantes, que posteriormente se dos, quer com a associação de estrogénios
convertem em macrófagos41. A proteína C e progestativos. Alguns estudos chegaram

304 Capítulo 18
a apontar para uma protecção do cardio- Com a finalidade de conseguir explicações
vascular superior nas mulheres com doen- para os resultados obtidos, o estudo WHI
ça coronária já diagnosticada. No sentido foi alvo de várias reanálises. No que respei-

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de confirmar estes resultados e justificar a ta à doença cardiovascular, os autores veri-
prescrição da TH na prevenção primária e ficaram que não existia qualquer aumento
secundária da doença cardiovascular, sur- de risco associado à TH, no subgrupo de
giram os ensaios clínicos randomizados. mulheres com idades compreendidas entre
Em 1998, o HERS (The Heart and Estrogen/ os 50-59 anos (HR (hazard ratio) – 0,70) 48,49.
progestin Replacement Study)45, estudo de Contudo, esse risco aumentava progres-
prevenção secundária, encontrou um ines- sivamente nos subgrupos de 60-69 anos
perado aumento de eventos cardiovascula- (HR – 1,05) e 70-79 anos (HR – 1,14)48,49. Veri-
res no grupo da TH em comparação com o ficou-se ainda que, à data do início da tera-
grupo placebo. Quatro anos mais tarde, são pêutica, o facto de ter decorrido um maior
divulgados os primeiros resultados do WHI, número de anos a partir da menopausa es-
estudo que foi concebido com o objectivo tava associado à ocorrência de um aumento
principal de avaliar o efeito da terapêutica de eventos cardiovasculares48,49. Com base
hormonal na prevenção primária da doen- nestes elementos e de acordo com a fisio-
ça cardiovascular. Ao fim de 5,2 anos de ad- patologia da doença, aventou-se a hipóte-
ministração da associação de estrogénios se de os estrogénios poderem prevenir o
e progestativos, o risco de eventos cardio- desenvolvimento da placa ateromatosa em
vasculares foi de 1,29, o que em números mulheres com menopausa recente ou pelo
absolutos significa mais sete casos por cada contrário agravar lesões vasculares presen-
10.000 mulheres que durante um ano utili- tes em mulheres mais velhas.
zaram a TH24. Posteriormente, foram conhe- À luz dos conhecimentos actuais, continua
cidos os resultados do braço do WHI refe- a não ser recomendada a utilização da TH
rente a mulheres histerectomizadas a fazer na prevenção, primária ou secundária, da
estrogénios isolados e, neste caso, o efeito doença cardiovascular. Admite-se porém
foi neutro, com um risco relativo (RR) de do- que existe uma «janela de oportunidade»
ença cardiovascular de 0,91 para o grupo para o uso desta terapêutica em mulheres
de tratamento46. com menopausa recente e idade inferior a
É importante salientar as discrepâncias entre 60 anos50, sendo provável que nestes anos
estes dois tipos de estudos47, observacionais possa proteger quanto à morbilidade e
e randomizados, pois se atendermos as estas mortalidade decorrentes de doenças car-
diferenças, conclui-se que os resultados de diovasculares.
ambos não são tão díspares como à primei-
ra vista poderia parecer. Assim, nos estudos
observacionais, as hormonas foram prescri- 5. TERAPÊUTICA HORMONAL
tas de forma individualizada a mulheres na
fase do climatério, a maioria apresentando A TH foi, a partir dos anos 60, utilizada com
sintomatologia vasomotora, com idades sucesso para tratar os sintomas associados
que variavam entre os 50 e 55 anos, quando ao estado de deficiência em estrogénios,
iniciaram o tratamento. Pelo contrário, nos sendo os mais representativos os vasomoto-
estudos randomizados, uma TH padrão foi res e urogenitais. Nos anos 90, a filosofia de
administrada a mulheres assintomáticas, na prescrição da TH alterou-se e, a partir de um
sua maioria com idades superiores a 60 anos mero tratamento sintomático, criaram-se
e decorridos vários anos sobre a data da últi- grandes expectativas quanto à prevenção
ma menstruação. de complicações tardias da menopausa que

Menopausa 305
implicavam tratamentos de longa duração. os sintomas do climatério, e contribuir para
Com a sua crescente utilização, por parte a melhoria da qualidade de vida da mulher.
das mulheres, começaram a surgir estudos Para atingir este objectivo, é recomendado

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científicos que permitiram alargar os conhe- o uso da menor dose de medicamento ne-
cimentos acerca destas terapêuticas. Conco- cessária para obter os efeitos pretendidos
mitantemente, os temas da menopausa e da durante um espaço temporal limitado. No
TH passaram a ser alvo de interesse da comu- entanto, a persistência da sintomatologia
nicação social e a Internet abriu janelas para poderá exigir o prolongamento do seu uso.
informação fácil, mas por vezes de qualidade As alternativas não-hormonais preconizadas
duvidosa. Os médicos e as mulheres ficaram para o tratamento dos sintomas vasomoto-
então expostos a opiniões completamente res apresentam uma eficácia claramente in-
diferentes sobre assuntos complexos e con- ferior à da TH (Quadro 4).
troversos, factos que tornaram extremamen- Ainda que não constituam indicações espe-
te difícil tomar decisões. cíficas para iniciar ou manter um tratamento
É, pois, fundamental que, com base numa hormonal, afigura-se como um dado adqui-
interpretação séria e actualizada de toda a rido que, enquanto a mulher o faz, previne
informação divulgada nos últimos anos, se a perda de massa óssea e reduz o risco de
estabeleçam normas de actuação transver- fracturas. Também há indícios de que o tra-
sais e se melhore a comunicação entre os tamento hormonal pode proporcionar à mu-
profissionais e entre estes e as mulheres na lher protecção contra as doenças cardiovas-
pós-menopausa. culares, se iniciado nos primeiros anos após
a menopausa.
5.1. INDICAÇÕES E CONTRAINDICAÇÕES As contra-indicações absolutas para TH re-
sumem-se a situações graves como cancros
Os benefícios da TH são os decorrentes da hormonodependentes, doenças trombo-
acção dos estrogénios nos órgãos e sistemas embólicas, cardiovasculares e hepáticas. Por
onde se faz sentir a sua privação. A decisão de seu lado, as contra-indicações relativas são
iniciar a terapêutica deve ser individualizada representadas por situações clínicas que re-
e partilhada, tendo sempre em consideração querem uma rigorosa selecção de entre as
o binómio risco/benefício, não perdendo de várias opções terapêuticas e um cuidadoso
vista que a sua principal finalidade é tratar acompanhamento (Quadro 5).

Quadro 4. Terapêuticas não-hormonais dos sintomas vasomotores

Fármaco Dose Eficácia

Fluoxetina51 20 mg m 50%

12,5 mg m 62%
Paroxetina52
25 mg m 65%

37,5 mg m 37%
Venlafaxina53 75 mg m 61%
150 mg m 61%

Gabapentina54 900 mg m 50%

306 Capítulo 18
Quadro 5. Indicações e contra-indicações da TH

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Indicações Contra-indicações

Confirmadas Absolutas

Sintomas vasomotores Tumores hormonodependentes

Atrofia urogenital Doença tromboembólica

Prevenção e tratamento da osteoporose Doença cardiovascular grave

Acidente cerebrovascular

Doença hepática grave

Porfiria

Meningioma (apenas ao progestativo)

Hemorragia uterina de causa desconhecida

Potenciais Relativas

Prevenção da doença cardiovascular Prolactinoma

Prevenção da doença de Alzheimer Litíase biliar

Prevenção do cancro colorrectal Adenoma hepático

Tromboflebite superficial

Endometriose

Mioma uterino

5.2. HORMONAS ESTERÓIDES tradiol, de que não é conhecida nenhuma


E REGIMES DE ADMINISTRAÇÃO utilização em TH. Dos naturais há a conside-
rar os humanos (estradiol, estriol, estrona), os
Para efectuar a TH, existem diversos tipos de ésteres (valerianato de estradiol) e os equi-
compostos que se podem subdividir em dois noconjugados. O 17-β estradiol é o princípio
grandes grupos: estrogénios e progestero- activo natural e o valerianato de estradiol é
na ou seus derivados sintéticos. Enquanto os uma pró-hormona, que depois de hidrolisa-
primeiros são responsáveis pela supressão do se transforma em estradiol. Os estrogé-
dos sintomas decorrentes da falência ovári- nios equinoconjugados são compostos es-
ca, os segundos apenas são importantes na sencialmente por estrona e equilina, embora
medida em que asseguram a protecção do contenham ainda outras substâncias com
endométrio face à estimulação estrogénica. actividade estrogénica. O estriol é um meta-
Daí decorre que, salvo raríssimas excepções, bolito com fraca afinidade para o receptor de
os progestativos não devem fazer parte da TH estrogénio e rapidamente eliminado da célu-
das mulheres histerectomizadas, situação em la o que limita a sua actividade sistémica.
que está indicada a estrogenioterapia isolada. Os progestativos56,57 são moléculas que têm
Os estrogénios55 são fundamentalmente de a capacidade de transformar um endométrio
dois tipos: os naturais e os sintéticos, dos estimulado por estrogénios numa fase secre-
quais o principal representante é o etiniles- tora; actuam por diminuição dos receptores

Menopausa 307
de estrogénios e da actividade mitótica ce- ção via transdérmica59. Ao evitar o efeito de
lular. A maioria dos progestativos sintéticos primeira passagem hepática, a via transdér-
disponíveis para uso clínico é derivada da mica origina uma relação estrona/estradiol

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progesterona natural ou da testosterona. A mais fisiológica e apresenta menor impacto
progesterona natural possui uma biodispo- metabólico. Por estas razões esta deverá ser
nibilidade oral fraca que aumenta quando a via preferencial em situações de patologia
metabolizada em 17-β hidroxiprogesterona hepatobiliar e de hipertrigliceridemia, bem
ou nos derivados em 19-norprogesterona. como quando se pretende evitar as altera-
A testosterona e os seus análogos possuem ções no sistema de coagulação e nos meca-
propriedades androgénicas e anabólicas; a nismos de controlo da pressão arterial liga-
remoção dos constituintes na posição C19 dos ao sistema renina-angiotensina.
da testosterona origina a 19-nortestoste- A aplicação de estrogénios por via vaginal é
rona que pode ser utilizada como um pro- especialmente útil no tratamento da atrofia
gestativo. Consoante o seu perfil específico, urogenital, há, no entanto, que não menos-
os progestativos interagem com outros re- prezar a absorção sistémica especialmente
ceptores de esteróides como os de andro- quando se utiliza o estradiol numa vagina
génios, estrogénios, mineralocorticóides e com epitélio atrófico.
glucocorticóides. Destas diferenças resulta O dispositivo intra-uterino com libertação
que os progestativos derivados da proges- de levonorgestrel tem sido utilizado de for-
terona natural têm um perfil mais favorável ma eficaz na protecção local do endométrio
ao aparelho cardiovascular e os derivados da contra a estimulação causada pela estroge-
testosterona têm efeitos mais marcados no nioterapia isolada, minimizando os efeitos
sistema esquelético. sistémicos dos progestativos60.
Para além dos estrogénios e da progestero- A dose convencional de administração oral
na, a testosterona e seus análogos podem de estrogénios é de 2 mg de estradiol ou do
ter indicações muito específicas no decurso seu éster e de 0,625 mg para os estrogénios
de uma TH, especialmente se houver uma conjugados equinos. Seguindo a recomen-
predominância de sintomas relacionados dação de utilizar a menor dose possível de
com humor depressivo e desejo sexual hi- estrogénios para obter os efeitos pretendi-
poactivo. Como estes produtos nem sempre dos, foram disponibilizadas as baixas dosa-
se encontram disponíveis em formulações gens, 1 mg de estradiol e 0,375 mg de estro-
adequadas para a mulher, a solução é adap- génios conjugados equinos, e prevê-se que
tá-los, através da redução da dose, como no futuro se possa caminhar em direcção às
por exemplo, no caso do gel para aplicação dosagens ultrabaixas.
transdérmica de testosterona58. Também é Na via transdérmica a dose padrão é de 50 μg
aconselhável nestes casos monitorizar a tes- e a baixa dosagem é 25 μg de 17β estradiol.
tosterona total sérica e manter os seus níveis Os regimes terapêuticos combinados variam
entre os 20 e os 80 ng/dl. sobretudo devido às diferentes dosagens e
Os medicamentos utilizados em TH podem duração de administração do progestati-
ser administrados por diferentes vias e se- vo56,57,61. Quando o progestativo é utilizado
gundo vários esquemas posológicos. A via durante 10 a 14 dias por mês, o regime po-
oral é a mais utilizada quer para os estrogé- sológico é combinado sequencial, havendo
nios quer para os progestativos. As vias per- lugar a uma hemorragia de privação cícli-
cutânea e transdérmica podem ser utilizadas ca. Se o progestativo for administrado dia-
para o estradiol, enquanto para os proges- riamente em conjunto com o estrogénio,
tativos apenas os compostos derivados da então trata-se de um esquema combinado
noretisterona são passíveis de administra- contínuo (Quadro 6).

308 Capítulo 18
Quadro 6. Doses de progestativos segundo o esquema de administração

Dose

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Progestativo
Sequencial Combinado contínuo

Progesterona natural 200 mg 100 mg

Acetato

Dihidrogesterona 10 mg 5 mg

Medroxiprogesterona 10 mg 5 mg

Acetato noretisterona 1 mg 0,5 mg

Acetato ciproterona 1 mg

Levonorgestrel 0,075 mg

Gestodeno 0,02 mg

Dienogeste 2,0 mg

Drospirenona 2,0 mg

Estrogénios e progestativos são susceptíveis cancro. As mulheres que se submetem à TH


de causarem efeitos secundários, muitos dos não têm um risco acrescido de desenvolver
quais podem ser atribuídos apenas a um dos cancros em órgãos que não pertençam ao
tipos de hormonas em questão. Sabe-se, no aparelho genital. Há inclusivamente estu-
entanto, que a maior parte dos problemas dos que revelam uma redução da incidência
de tolerância são originados pelo progesta- e da mortalidade do cancro colorrectal nas
tivo e se traduzem por queixas de retenção mulheres que utilizam este tipo de terapêu-
hídrica, deterioração do humor e mastalgia. ticas24,62. Quanto aos cancros ginecológicos,
Relativamente aos estrogénios estão descri- sabe-se que representam perto de meta-
tas reacções de hipersensibilidade mamária, de dos cancros femininos e surgem na sua
náuseas, cefaleias, cãibras musculares e ede- maioria em mulheres menopáusicas.
mas. Saliente-se que, na sua maioria, estas O adenocarcinoma do endométrio é o can-
reacções indesejáveis regridem espontane- cro genital mais frequente, sendo, antes da
amente com a continuação do tratamento. menopausa, uma doença rara; só 7,5% dos
Podem ainda ser adoptadas medidas sim- casos são diagnosticados antes dos 50 anos.
ples, tais como: diminuir a dose, administrar A partir dos 40 e até aos 65 anos, a incidên-
o medicamento ao deitar, alterar a via de ad- cia aumenta rapidamente para, a partir daí,
ministração ou o tipo de progestativo. se manter constante. Com base em estudos
experimentais e clínicos pôde concluir-se
5.3. RISCO ONCOLÓGICO que os estrogénios endógenos e exógenos
estão associados a um aumento do risco de
Um dos maiores obstáculos ao uso da TH é hiperplasia e cancro do endométrio. O au-
a preocupação tanto do médico como da mento de incidência de cancro do endomé-
mulher de que as hormonas possam causar trio aconteceu nos anos 70 e coincidiu com a

Menopausa 309
utilização de estrogénios isolados em TH63. O dade, menopausa tardia, consumo de álcool,
RR de contrair cancro do endométrio devido dieta com excesso de gorduras e obesidade.
ao uso de estrogénios isolados varia de 2,8 a Muitos destes factores de risco sugerem uma

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8,0. Esse risco está relacionado com a duração relação entre as hormonas esteróides ovári-
do tratamento, a dose utilizada e o esque- cas e o risco de cancro da mama, já que são
ma de administração. Doses mais elevadas e situações que apresentam uma exposição
tratamentos prolongados com estrogénios prolongada aos estrogénios. Apesar duma
isolados estão associados a um aumento do experiência de mais de seis décadas com a
risco de adenocarcinoma do endométrio, que TH, e não obstante a falta de prova directa,
pode persistir durante 10 anos após a suspen- nem tudo está esclarecido sobre o papel que
são da terapêutica. Contudo, os cancros que este tipo de terapêutica pode desempenhar
ocorrem devido aos estrogénios têm habitu- na génese e evolução do cancro da mama.
almente uma maior diferenciação celular e Desde há muitos anos que os estudos ob-
são diagnosticados em estádios mais preco- servacionais apontavam para um aumento
ces, verificando-se menor grau de invasão do do risco de cancro da mama associado à
miométrio e consequentemente uma maior utilização da TH, sobretudo em tratamentos
sobrevivência aos cinco anos. Demonstrou- com duração superior a cinco anos. De todos
se que, a associação de um progestativo ao eles o mais representativo foi efectuado pelo
estrogénio utilizado na TH reduz o risco de Grupo Colaborativo sobre Factores Hormo-
neoplasia para valores semelhantes aos en- nais no Cancro da Mama, uma metanálise de
contrados na população em geral, ou mesmo, 51 estudos, publicada em 199766. Os autores
para valores ainda mais baixos64. Quando o apuraram que o risco de cancro da mama es-
progestativo é administrado ciclicamente no tava relacionado com a duração terapêutica
intuito de prevenir o aparecimento de pato- e só era significativo a partir dos cinco anos
logia endometrial, a duração do tratamento de uso (RR 1,19). Em números absolutos, o
é mais importante do que a dose utilizada. uso de TH levaria a um acréscimo de dois ca-
Preconiza-se um período mínimo de 10 a 14 sos aos cinco anos, seis aos 10 anos e 12 aos
dias de progestativo por cada ciclo mensal de 15 anos, em cada 1.000 mulheres que duran-
TH, ao qual os autores atribuíram um RR de te um ano a utilizaram. O aumento anual, de
cancro do endométrio de 0,964. 2,3%, no risco de cancro da mama com TH
O cancro da mama é a neoplasia mais fre- seria idêntico ao adiar um ano a data da me-
quente na mulher nos países industrializados. nopausa. Não se verificaram diferenças en-
Aproximadamente uma em cada 12 mulhe- tre os estrogénios isolados e associados ao
res vai ter um cancro da mama durante a sua progestativo, nem entre os diversos regimes
vida. Em 2005, nos EUA, foram diagnostica- terapêuticos. Após a suspensão da TH o risco
dos 186.467 novos casos de cancro da mama, diminuiu gradualmente regressando aos va-
a taxa de incidência foi de 117,7/100.000 lores basais passados cinco anos.
mulheres por ano; morreram nesse ano No anteriormente mencionado estudo WHI,
41.116 mulheres devido à doença65. foi encontrado, no braço referente à associa-
O cancro da mama difere do cancro do endo- ção de estrogénios e progestativos, um au-
métrio no que se refere à sua etiologia mul- mento do risco de cancro invasivo da mama
tifactorial e ao seu tempo de latência que se de 26% após 5,2 anos de tratamento, o que,
situa na ordem dos 10 a 20 anos. Têm sido em números absolutos, corresponde a um
referidos muitos factores de risco de cancro acréscimo de oito casos por 10.000 mulhe-
da mama entre os quais: idade superior a 50 res/ano a efectuar terapêutica24. Este ensaio
anos, menarca precoce, primeira gravidez a incluía mulheres que tinham feito TH vários
termo depois dos 30 anos de idade, nulipari- anos a seguir à menopausa previamente

310 Capítulo 18
à sua inclusão nos grupos de estudo. Na estabelecer correlação entre o uso de TH e o
reanálise dos dados, verificou-se que o au- risco de desenvolver cancro do ovário, por-
mento de risco de cancro da mama aos 5,2 que os estudos, ainda que detalhados quan-

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anos não se aplicava às mulheres que esta- to ao tipo de estrogénios usados, associação
vam a fazer TH pela primeira vez em toda com progestativos e análise dos subtipos his-
a sua vida, mas precisamente às que já an- tológicos, limitam-se a um escasso número
teriormente o tinham feito67. Com alguma de casos. A maioria dos estudos observacio-
surpresa, no braço do estudo que avaliava nais aponta para um aumento do risco des-
a terapêutica com estrogénios isolados em tes tumores associados ao uso de TH, sobre-
mulheres histerectomizadas, verificou-se tudo aos estrogénios isolados, em casos de
uma redução do risco de cancro da mama administração prolongada70. Pelo contrário,
nas mulheres, menos sete casos por 10.000 na maioria dos estudos caso-controlo não se
mulheres tratadas por ano, o que correspon- apurou aumento de risco de cancro do ová-
de a um RR de 0,7746. A situação de meno- rio, independentemente do tipo de terapêu-
pausa cirúrgica pode no entanto introduzir tica utilizado71. Até à publicação do WHI não
um factor de enviesamento no estudo, dado estava determinado o risco da associação de
que a influência da ooforectomia não é pos- estrogénios e progestativos com o cancro
sível completamente determinar. Na análise do ovário. No entanto, neste estudo esse ris-
de publicações sobre o assunto, devemos co foi de 1,58, que correspondeu a 20 casos
ter em conta que os autores são unânimes diagnosticados no grupo de tratamento e 12
em referir que estas mulheres, a fazer TH, casos no grupo placebo72. Atendendo à rari-
realizam mais 31% de mamografias do que dade desta patologia, podemos concluir que
os grupos sem terapêuticas e que os cancros não existe prova suficiente para que estes re-
diagnosticados quase sempre se detectam sultados demovam do uso de TH.
em fase mais precoce, com uma percenta-
gem significativamente inferior de invasão
ganglionar68. Foi recentemente relatada a 6. OUTRAS TERAPÊUTICAS
redução da incidência de cancro da mama, COM MEDIAÇÃO HORMONAL
nos EUA, que segundo alguns autores é pa-
ralela à diminuição de utilização de TH pela 6.1. FITOESTROGÉNIOS
população feminina verificada após a publi-
cação do WHI, facto que naturalmente leva Os fitoestrogénios são componentes vegetais
a que se tente estabelecer uma relação cau- estruturais e funcionalmente similares aos es-
sa-efeito69. Esta situação carece, no entanto, trogénios ováricos e placentários e também
de uma análise mais profunda uma vez que aos seus metabolitos activos. Estão classifica-
a incidência de cancro da mama nos EUA já dos em três grandes grupos: isoflavonas, li-
revelava uma tendência para a diminuição nhanos e coumestranos. Os mais conhecidos
antes de 2002, data da publicação do WHI, e estudados são as isoflavonas de soja cujos
e por outro lado o mesmo fenómeno não ter principais componentes são a genisteína e a
sido verificado noutros países onde também daidzeína. Ambos são biologicamente inacti-
foram registados decréscimos significativos vos necessitando de serem transformados no
de utilização de TH na pós-menopausa. seu metabolito bacteriológico, o equol, pela
O cancro do ovário representa 4 a 5% dos flora intestinal. Estes compostos actuam atra-
cancros da mulher, e embora corresponda a vés de ligação aos receptores de estrogénios
28% de todos os cancros genitais, causa mais α e B, com predominância dos últimos, embo-
mortes do que todas as outras doenças pél- ra a sua capacidade de ligação seja mais fraca
vicas malignas em conjunto. Tem sido difícil do que as das hormonas naturais.

Menopausa 311
A sua utilização expandiu-se, nos últimos anos, o fármaco mais representativo desta família
no mundo ocidental onde são habitualmente é o raloxifeno que tem efeitos semelhantes
prescritos para o tratamento dos sintomas va- aos estrogénios no osso e lípidos, mas não

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somotores73. Os estudos que defendem a sua estimula o endométrio nem tem efeitos pro-
aplicação clínica não são consistentes, por liferativos na mama.
um lado, porque as casuísticas não são repre- O aumento da densidade mineral óssea e a
sentativas e, por outro, têm curta duração. Na redução de fracturas vertebrais foram des-
sua maioria, aqueles estudos revelaram uma critos na publicação do estudo MORE (Mul-
diminuição da sintomatologia vasomotora tiple Outcomes of Raloxifene Evaluation), em
que estatisticamente não é significativa rela- que um grupo de mulheres a tomar raloxife-
tivamente ao placebo (45 versus 30%). no durante quatro anos foi comparado com
Embora alguns dados sugiram que as isoflavo- um grupo de placebo77. Foi verificada uma
nas possam ter um efeito benéfico a nível da redução de 49% no risco de fracturas verte-
perda de massa óssea, escasseiam os estudos brais com o raloxifeno, em mulheres com os-
nos seres humanos e os que existem, mais teoporose, ao passo que, no grupo em que
uma vez têm por base números pouco signifi- existiam fracturas prévias, essa redução foi
cativos e períodos de avaliação insuficiente74. de 34%. A redução de fracturas vertebrais foi
Contrariamente ao que acontece com os ali- equivalente à encontrada com a TH ou com
mentos ricos em soja, não foi demonstrada os bisfosfonatos apesar dos aumentos de
redução nos níveis séricos de colesterol com massa óssea terem sido inferiores, 2,6 e 2,1%
a utilização de isoflavonas75. Alguns suple- para a coluna lombar e colo do fémur, respec-
mentos de fitoestrogénios são susceptíveis tivamente. Não foi comprovada redução de
de causar aumento das HDL-C (high density fracturas periféricas, quer do colo do fémur
lipoprotein cholesterol) e da distensibilidade quer do rádio distal. O efeito adverso mais
arterial. Assim, não existe base científica que importante neste estudo foi um aumento
suporte a utilização dos fitoestrogénios na de risco de tromboembolismo venoso de
prevenção de doença cardiovascular. magnitude comparável ao que acontece
Também não há provas de que as isoflavonas durante a terapêutica com estrogénios.
confiram algum grau de protecção contra o Também se registou um aumento dos afron-
cancro da mama. Estudos observacionais tamentos sem significado estatístico rela-
realizados em mulheres orientais mostram tivamente ao grupo de placebo e que não
que, para a baixa prevalência da doença na- motivou abandonos da terapêutica.
quelas regiões, é necessária a exposição pré- O raloxifeno demonstrou ainda reduzir o ris-
pubertal à soja e respectivos componentes76. co de cancro da mama. Segundo o estudo
Também não há estudos que garantam a se- MORE, ao fim de quatro anos, houve uma
gurança da sua utilização nas mulheres ope- redução de 72% na incidência de cancro da
radas a cancro da mama ou outros tumores mama invasivo, e de 84% na incidência dos
hormonodependentes. tumores com receptores de estrogénio posi-
tivos77. Quando comparado com o tamoxife-
6.2. MODULADORES SELECTIVOS DOS no na prevenção do cancro da mama invasi-
RECEPTORES DE ESTROGÉNIOS vo em mulheres de risco, o raloxifeno revelou
eficácia idêntica à daquele fármaco78.
Os moduladores selectivos dos receptores Apesar do impacto positivo nos lípidos com
de estrogénios (SERMs) actuam de modo redução das LDL, aumento das HDL, o estu-
selectivo nos receptores de estrogénios dis- do RUTH (Raloxifene Use for The Heart) não
tribuídos pelos diversos tecidos, com efeitos conseguiu demonstrar benefícios na redu-
agonistas ou antagonistas. Na actualidade ção do risco de doença cardiovascular79.

312 Capítulo 18
Actualmente são objecto de investigação no- ram dúvidas quanto à neutralidade da tibo-
vas moléculas de SERM, de actividade mais lona em relação ao risco de cancro da mama.
selectiva, e que, no futuro, poderão trazer Os resultados publicados recentemente de

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novas avaliações no binómio risco/benefício um estudo de não-inferioridade em que a
do tratamento da mulher pós-menopausa. tibolona foi utilizada durante 3,1 anos em
doentes tratadas por cancro da mama de-
6.3. TIBOLONA monstraram um aumento de 40% do risco
de recorrência da doença, em comparação
A tibolona é uma molécula semi-sintética com as doentes que receberam placebo84.
de estrutura química relacionada com os
progestativos noresteróides cuja actividade
depende dos seus metabolitos (3 α-OH, 3 7. CONCLUSÃO
β-OH, Δ-4 isómero) e da respectiva ligação
aos receptores de estrogénios, progesterona A compreensão da menopausa e da sua
e testosterona. A tibolona tem efeitos seme- orientação passa não só pela competência
lhantes aos dos estrogénios relativamente do médico, mas também pela dedicação de
aos afrontamentos e à atrofia vaginal. Tem todos os outros profissionais com respon-
ainda a vantagem de melhorar a libido e ou- sabilidades na área da saúde da mulher. O
tros aspectos da resposta sexual. envolvimento da mulher num modelo pre-
Relativamente à prevenção da perda de mas- ventivo em que sejam identificados factores
sa óssea os seus efeitos são semelhantes aos de risco susceptíveis de ser contornados por
dos estrogénios, conseguindo obter ganhos hábitos de vida saudáveis pode contribuir
significativos de massa óssea tanto na coluna positivamente para melhorar a qualidade de
vertebral como no colo do fémur, tendo sido vida após a menopausa. A todas as mulheres
já comprovados efeitos de redução no risco deve ser aconselhada uma dieta que mante-
de fracturas vertebrais e não-vertebrais80. As nha o balanço calórico e pobre em gorduras;
suas acções no aparelho cardiovascular são adequado consumo de cálcio e vitamina D;
neutras no que concerne à doença coronária e actividade física regular; não fumar e não in-
tromboembólica, contudo foi descrito um au- gerir bebidas alcoólicas em excesso. A deci-
mento do risco de acidente cerebrovascular80. são de realizar ou não TH deve ser individual,
O endométrio não é estimulado pela tibo- de acordo com as recomendações vigentes
lona81, embora já tenham sido publicados e periodicamente reavaliada.
estudos sobre casos de patologia maligna
em mulheres a fazer esta terapêutica82, pelo
que se aconselha a investigação sempre Bibliografia
que se registe a ocorrência de metrorragias
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Menopausa 313
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314 Capítulo 18
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Menopausa 315
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19 Prevenção do cancro ginecológico

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Daniel Pereira da Silva

1. Introdução momento para fazer um exame completo


e proceder a uma revisão dos seus hábitos,
A prevenção e o diagnóstico precoce das história pessoal e familiar, bem como solici-
neoplasias malignas, estão na primeira li- tar a realização dos exames mais ajustados à
nha das estratégias de saúde das sociedades sua idade, história, sinais e sintomas, numa
desenvolvidas. O aumento de incidência e perspectiva de saúde global e não apenas
mortalidade por cancro justifica essa preo- genital.
cupação. Os cuidados de saúde podem in- Os tumores malignos são a principal causa
tervir a vários níveis na prevenção primária de morte até aos 64 anos – 26,1% do total de
e prevenção secundária. óbitos em 2002, em Portugal.
A eficácia dessa estratégia depende do co- O cancro da mama é o mais frequente na
nhecimento da epidemiologia e história na- mulher, sendo responsável por cerca de 1/5
tural das lesões. dos óbitos por tumores neste sexo (1.550
O ginecologista é o único médico que mui- óbitos em 2002), seguido dos tumores dos
tas mulheres consultam com regularidade. A órgãos genito-urinários onde se inclui o car-
realização de uma consulta é um excelente cinoma do colo do útero (Fig. 1)1.

21,9

16,9
Mama

11,6 Org. Gen. Urin.

11,8 Estômago

Cólon
11,5
Out. Localização
10,6
T. Linf.+O. Hemat.
7,8 Traq.+Brônq.+Pulmão

/1000 000 hab.

Figura 1. Taxas de mortalidade padronizadas para a idade por tumores malignos no sexo feminino, em 2002.

319
As medidas gerais de prevenção passam por 2003 e 2004. Em 2004 verificou-se uma taxa
promover a adopção de estilos de vida sau- de mortalidade bruta em todas as idades de
dáveis, com o objectivo de diminuir a expo- 3,81/100.000 mulheres4.

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sição aos factores de risco. É aconselhável: Estes valores podem estar subavaliados por
— Não fumar. não incluírem possíveis CCU que foram re-
— Ingestão limitada de gorduras (não ultra- gistados como «neoplasias malignas do úte-
passar mais de 30% do total de calorias) ro, porção não especificada» (CID-10) que
e proteínas. corresponderam a 232, 218 e 228 mortes em
— Dieta rica em fibras (frutas, legumes e ve- 2002, 2003 e 2004, respectivamente4.
getais). Em Portugal, o número total de anos de vida
— Actividade física regular (30 minutos por potencialmente perdidos em 2004, por CCU,
dia). até aos 70 anos de idade, foi de 2.292,5, com
— Primeiro parto entre os 20-30 anos. uma taxa de 49,0/100.000 habitantes e mais
— Exposição solar limitada. de metade das mortes atingiu mulheres
— Atenção às mudanças do corpo. abaixo dos 60 anos3,4.
— Limitar o número de parceiros sexuais. A persistência de taxas elevadas de incidên-
— Limitar a ingestão de bebidas alcoólicas. cia e de mortalidade ao longo do ciclo de
— Exame médico anual. vida da mulher sugere uma insuficiência de
— Fazer os testes de rastreio quando reco- rastreio que, se colmatada, permitiria conter
mendados. a doença em fases mais precoces e em ida-
— Protecção contra as doenças de trans- des progressivamente mais jovens.
missão sexual.
A prevenção/diagnóstico precoce do cancro 2.1. HISTÓRIA NATURAL
do colo é possível. A estratégia para as outras
localizações passa pela observação regular, A infecção pelo human papillomavirus (HPV)
com ponderação correcta do potencial de de alto risco é condição necessária, embora
risco e recurso adequado aos meios comple- não suficiente, para a sua carcinogénese. A
mentares, com vista ao diagnóstico precoce. transmissão do HPV genital ocorre geralmen-
te com as relações/contactos sexuais. Não é
necessário haver penetração, nem compor-
2. CANCRO DO COLO tamentos de risco, mas a multiplicidade de
companheiros aumenta significativamente a
Em Portugal são registados cerca de 1.000 exposição5. A infecção assintomática por HPV
novos casos de cancro do colo do útero é encontrada em 5 a 40% das mulheres em
(CCU) por ano (1.090 casos em 2005 – GDH, idade reprodutora e na maioria das mulheres
2005), com uma taxa de incidência bruta sexualmente activas. Os homens são infecta-
estimada entre 13,4/100.000 em 2002 (Glo- dos com pelo menos um tipo de HPV durante
bocan, 2002)2 e de 20,95/100.000 mulheres a vida6,7. O pico de prevalência atinge-se logo
em 2004, para todas as idades, a que corres- após o início da actividade sexual e perma-
ponde uma taxa de incidência padronizada nece alta entre 20-29 anos. Os homossexu-
de 17/100.000 mulheres3. ais têm taxas aumentadas de infecção anal
O risco cumulativo (0-74 anos) de uma mu- por HPV e aumento do risco de cancro anal
lher desenvolver CCU é de 1,3% e o risco associado ao HPV8. A infecção é extremamen-
cumulativo de morrer por esta causa (todas te frequente (+70% da população com < 50
as idades) é de 0,7%3. anos), mas em mais de 90% dos casos tem re-
Ocorreram, respectivamente, 220, 220, e 207 solução espontânea sem sequelas6. Em cerca
óbitos por cancro do colo do útero em 2002, de 10% dos casos a infecção persiste por mais

320 Capítulo 19
de 12 meses, criando então condições para 2.2.1. PREVENÇÃO PRIMÁRIA
o aparecimento de uma neoplasia intra-epi-
telial (CIN)9. A maioria das CIN regride espon- A prevenção primária passa por uma estraté-

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taneamente, mas têm potencial de desenvol- gia de educação para a saúde, promovendo
ver cancro invasivo10. As CIN histológicas são a circuncisão masculina, o uso do preservati-
classificadas, segundo os critérios de Richart, vo masculino, a limitação do número de par-
como de «baixo grau» (CIN 1) e de «alto grau» ceiros sexuais e do início precoce das rela-
(CIN 2 e 3), de acordo com as anomalias celu- ções sexuais, de modo a reduzir a exposição
lares encontradas no epitélio do colo do útero. ao HPV21,22. No entanto, a medida mais eficaz
As lesões de CIN1 têm um baixo potencial on- no âmbito da prevenção primária é adminis-
cogénico, porque 60% regride e apenas 10% tração das vacinas contra o HPV.
progride para CIN 2 ou 3, ao passo que cerca O vírus é composto por uma cápside que en-
de 50% das lesões de CIN 3 progridem para cerra no interior o genoma viral, disposto em
carcinoma invasivo10,11. Após uma infecção dupla cadeia circular de ADN. Neles estão
com um HPV de alto risco, são necessários 10 contidos os genes responsáveis pela replica-
a 20 anos para o desenvolvimento de cancro ção, proliferação e potencial oncogénico23.
invasivo12,13. Todo este processo decorre sem A cápside é composta pelos genes L1 e L2.
qualquer sintomatologia. Os HPV de alto risco São as sequências do gene L1 que conferem
(16, 18, 31, 33, 35, 45, 52, 56, 58, 59, 66 e 68) identidade a cada um dos HPV conhecidos
têm potencial oncogénico significativo, dos e são também estas proteínas as mais imu-
quais os HPV 16 e 18 respondem por de 73% nogénicas, cuja identificação foi essencial à
dos casos na Europa14. A interacção de co-fac- criação da vacina23.
tores (precocidade e maior exposição ao vírus, As vacinas disponíveis foram desenvolvidas
outras infecções, tabagismo, contracepção por tecnologia recombinante. Foi possível
hormonal, entre outros), tipo de HPV, carga mimetizar a proteína L1, criando partículas
viral, susceptibilidade individual, ausência ou em tudo semelhantes às virais VLP (virus like
cuidados desadequados de rastreio condicio- particle), mas sem conteúdo genético, não
nam o curso da infecção, criando condições susceptíveis de provocar qualquer tipo de
para que evolua para a malignidade15-20. infecção23-25.
Os HPV de alto risco estão também associa- São conhecidas duas vacinas:
dos a outros cancros anogenitais e a alguns — Quadrivalente (Gardasil®) com VLP para
cancros da orofaringe, em mulheres e ho- os HPV 6, 11, 16 e 18. O esquema de ad-
mens. No entanto, o cancro cervical é de lon- ministração comporta três doses: zero,
ge o mais fortemente associado ao HPV8. dois e seis meses. Foi aprovada, na União
Europeia (UE), em Setembro de 2006
2.2. PREVENÇÃO para adolescentes e mulheres jovens,
dos 9 aos 26 anos26.
Devemos considerar dois tipos de interven- — Bivalente (Cervarix®) com VLP para os HPV
ção possíveis: 16 e 18. O esquema de administração
1. Prevenção primária: impedir a transmis- preconizado inclui também três doses:
são do agente indispensável ao desen- zero, um e seis meses. Está aprovada na
volvimento da doença (HPV). UE para adolescentes e mulheres jovens,
2. Prevenção secundária: aplicação de um dos 9 aos 25 anos27.
teste de rastreio (citologia ou teste HPV), Conforme recomendação da Food and Drug
para detectar as lesões pré-invasivas (CIN Administration (FDA) e da World Health orga-
2-3 e adenocarcinoma in situ [AIS]) e im- nization (WHO), a eficácia das vacinas deve
pedir o aparecimento do cancro. ser avaliada com base na prevenção das

Prevenção do cancro ginecológico 321


lesões de alto grau. Os ensaios com as vacinas ase Control and Prevention [CDC])39. O impacto
estão em diferentes fases de desenvolvimen- das vacinas depende da percentagem de mu-
to. A vacina bivalente (Cervarix®) tem ensaios lheres sexualmente activas vacinadas. Vários

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de fase II com avaliação aos seis anos em que modelos ponderam uma redução de 75% das
se verifica uma eficácia de 100% em mulhe- lesões invasivas, 50% das lesões de alto grau e
res que cumpriram o protocolo, mas a com- 25% das lesões de baixo grau, desde que 90%
provação de eficácia carece dos resultados das mulheres estejam vacinadas40. A vacina
do ensaio de fase III aos 36 meses, já que na quadrivalente trará uma redução de 90% na
avaliação aos 15 meses a protecção contra as incidência dos condilomas acuminados e um
lesões de alto grau relacionadas com o HPV 18 acréscimo de 10% de redução das lesões de
foi de 83,3%, sem significância estatística. A baixo grau, atendendo à protecção que confe-
prevenção das lesões associadas ao HPV 16 foi re contra os HPV 6 e 1141.
de 93,3% (estatisticamente significativo)28,29. A
vacina quadrivalente (Gardasil®) tem ensaios 2.2.2. PREVENÇÃO SECUNDÁRIA
de fase III com resultados aos quatro anos,
onde demonstra uma eficácia de 98-100% Citologia
na prevenção de lesões de alto grau do colo, Na UE o método de rastreio de referência é a
vulva e vagina, bem como na prevenção dos citologia cervical PAP (Teste de Papanicolaou),
condilomas acuminados, nas mulheres que mas o teste HPV está progressivamente a
cumpriram o protocolo30-35. A vacina quadri- ser implementado como teste primário. O
valente demonstrou uma eficácia de 100% na objectivo da citologia é identificar as mu-
prevenção de CIN 2-3 e AIS (Adenocarcinoma lheres portadoras de lesões pré-cancerosas
in situ) induzidos pelos genótipos remanes- (CIN 2-3/AIS), conduzir ao seu tratamento
centes em mulheres com infecção activa por e reduzir a incidência e mortalidade por
outros genótipos (proteína C reactiva [PCR] cancro do colo. Há forte evidência que um
positiva) e igual eficácia nas prevenção dessas programa de base populacional, bem orga-
lesões em mulheres que já tinham tido con- nizado, com controlo de qualidade, é alta-
tacto com o vírus mas não tinham infecção mente eficaz. Países como a Finlândia, Ho-
activa (PCR negativas e seropositivas)36. Am- landa e o Reino Unido conseguiram baixar
bas as vacinas demonstraram ser altamente a taxa de incidência de CCU em 60-80%42-46.
imunogénicas e a quadrivalente já eviden- A região Centro de Portugal tem um pro-
ciou a criação de memória imunológica aos grama de rastreio organizado desde 1990,
60 meses, mas não se sabe, neste momento, onde se tem assistido à quebra progressiva
qual a duração da protecção. Atendendo que da taxa de incidência, o que não acontece
as mulheres vacinadas com qualquer das va- nas outras regiões do país. Apresentou em
cinas mantêm concentrações elevadas de an- 2006 o valor de 8,1/100.000, inferior à mé-
ticorpos aos cinco e seis anos (quadrivalente dia comunitária (Fig. 2).
e bivalente respectivamente) é possível que No final de 2007 tinham feito a primeira ci-
sejam eficazes por longo tempo ou mesmo tologia 651.972 mulheres com os seguintes
por toda a vida, embora não seja possível es- resultados: 3,62% células escamosas atípicas
tabelecer nenhuma relação entre a concentra- de significado indeterminado (ASC-US)/AGS
ção de anticorpos e a eficácia das vacinas37,38. (Células glandulares atípicas); 3,19% lesões
Nos ensaios realizados as vacinas foram muito escamosas intra-epiteliais de baixo grau
bem toleradas e seguras, não tendo efeitos (LSIL); 0,96% alterações citológicas de alto
adversos significativos. A segurança das vaci- grau (HSIL); 0,09% carcinomas; 89,9% negati-
nas tem sido afirmada pelos organismos com- vos e uma taxa de cobertura próxima de 60%;
petentes para o efeito (WHO e Centers for Dise- 83% das mulheres com cancro invasivo não

322 Capítulo 19
invasivos

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in situ

12,19

9,97 8,61
6,41
9,69 6,62 7,59 8,97 7,77
5,90 5,40 5,90
15,85
12,45 11,20 13,14 12,36
9,10 11,06 9,73 10,32 8,40 9,00 8,10

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Figura 2. Taxa de incidência de cancro do colo do útero na região Centro de Portugal, padronizada para a idade pela
população europeia (0/0000).

faziam uma citologia há mais de cinco anos, automatização de leitura da citologia). Em


o que está de acordo com dados de outros termos globais, os estudos randomizados
países em que 50% das mulheres com can- mostram uma menor incidência de colheitas
cro invasivo nunca fizeram citologia, mais de insatisfatórias e um aumento na detecção de
10% fizeram-na há mais de cinco anos e em LSIL com o meio líquido, mas não revelam
cerca de 40% houve citologias falsamente melhoria significativa na identificação das
negativas ou erros de seguimento47. HSIL52-53. A citologia em meio líquido mere-
Tal como outros testes de rastreio, a cito- ce, genericamente, a preferência dos citolo-
logia não é isenta de erros. É altamente gistas e citotécnicos por proporcionar uma
dependente da técnica de colheita e prepa- leitura mais rápida e agradável das lâminas,
ração da amostra, bem como da subjectivi- e por permitir realizar na mesma colheita o
dade da interpretação. A sua sensibilidade teste HPV nas situações de ASC-US, mas é
para a CIN em geral é modesta – 50 a 70% significativamente mais cara.
– mas ronda os 80% para as lesões de alto A citologia continua a merecer maior aceita-
grau48-50. A sua especificidade é boa, muito ção como teste de rastreio primário. Numa
próxima dos 100%. A repetição da citologia perspectiva de saúde pública deve ser rea-
a intervalos regulares (três em três anos) e o lizada dos 25 aos 65 anos e de três em três
controlo de qualidade minimizam o impac- anos54. Fora do contexto de programas de
to dos falsos negativos51. rastreio, recomenda-se que o primeiro teste
As insuficiências da citologia convencional seja realizado dois anos após o início da acti-
(falsos negativos e esfregaços insatisfató- vidade sexual e com a periodicidade de um a
rios) levaram ao desenvolvimento de novas três anos. É fundamental que o rastreio con-
tecnologias, tais como a citologia em meio lí- tinue, independentemente da mulher ser ou
quido ex. Thinprep (Marca registrada de uma não vacinada55.
variante da citologia líquida) e os equipa- As mulheres com citologias anormais devem
mentos para automatização do rastreio ex. ser referenciadas à colposcopia, para identi-
PAPNET (Marca registrada de um método de ficar a lesão mais grave que apresentam.

Prevenção do cancro ginecológico 323


A citologia anormal não é diagnóstica, pelo 24 meses 43-46% regride, 0,6% progride
que obriga à realização de outros exames para CIN 3 e 0,1% para carcinoma; aos
em função da sua gravidade: 10 anos 86-90% regride, 2,5-3,1% evolui

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— ASC-US: os critérios da citologia são sub- para CIN 3 e 0,3-0,5% progride para car-
jectivos e pouco reprodutíveis – uma cinoma59.
revisão da literatura em 2002 encontra u Repetir citologia de quatro a seis meses:
uma sensibilidade de 50-75%56. Na maior não é uma metodologia aceitável pela
parte dos casos correspondem a proces- ansiedade que implica. Atendendo à
sos de reparação benigna, decorrentes taxa de falsos positivos é uma opção
de processos inflamatórios ou atróficos. A legítima, mas temos de considerar a
necessidade de exames complementares hipótese da presença de lesões de alto
depende do grau de ansiedade da mulher grau (12-27%), pelo que se recomenda
e acessibilidade aos exames57: a realização imediata da colposcopia
u Colposcopia: é o exame que mais ra- que é geralmente melhor aceite54-57.
pidamente esclarece a situação, mas u Colposcopia: é a recomendação mais
é também o de custo mais elevado e aceite nos EUA e UE54-57.
acarreta sobrecarga assistencial. — HSIL: a sensibilidade da citologia para as
u Repetir citologia de quatro a seis me- lesões de alto grau é alta, 70-80%, e a es-
ses: os seus proponentes são progres- pecificidade 80-90%, pelo que é manda-
sivamente menos, atendendo que o tório a realização da colposcopia, dada
atraso na nova avaliação é mal aceite a alta probabilidade da doente ter uma
pela mulher e o teste HPV é mais sen- lesão de alto grau48-51,54,57.
sível. No caso de a mulher apresentar — Células glandulares atípicas: a sensi-
atrofia é fundamental repetir a citolo- bilidade e especificidade da citologia
gia após tratamento com estrogénios na identificação das lesões glandula-
locais ou sistémicos. Caso o ASC-US se res não está bem documentada, mas
mantenha na 2.a colheita, é mandató- é genericamente baixa. A presença de
rio realizar a colposcopia. atipia glandular está associada com ele-
u Teste HPV: é o exame de primeira esco- vada frequência às lesões de alto grau
lha caso a citologia tenha sido feita em e cancro. A prevalência de carcinomas
meio líquido, atendendo que se faz a (escamosos, adeno ou endometrióides)
pesquisa do ADN viral nesse material, varia entre < 1 a 8%60. O valor preditivo
evitando, assim nova colheita. Se o tes- da AGC é superior a ASC-US. A idade é
te for positivo segue-se a colposcopia, um indicador importante – a presença
caso seja negativo repete-se o teste de AGC em mulheres na pós-menopáu-
aos 12 meses. No estudo ALTS (Triage sica favorece a presença de carcinoma
Study for Cervical Cancer), a estratégia do endométrio.
mais eficaz foi a realização do teste HPV, A AGC ou AIS requer uma avaliação cuidado-
quando comparada com a colposcopia sa com colposcopia, avaliação do endocolo
imediata ou a repetição da citologia58. e, se necessário, do endométrio60.
— ASC-H: as lesões de alto grau podem
estar presentes em 35 a 55% dos casos, Teste HPV
pelo que a colposcopia é obrigatória54. Atendendo que a infecção pelo HPV de alto
— LSIL: a sensibilidade da citologia para le- risco está na base de praticamente todos os
são de baixo grau é de 38-66% e a espe- CCU, a pesquisa do HPV de alto risco como
cificidade 27-56%. O potencial evoluti- teste primário de rastreio é aceitável. O pri-
vo das lesões de baixo grau é baixo: aos meiro teste a ser introduzido como teste de

324 Capítulo 19
rastreio foi a captura híbrida tipo 2, que de- Colposcopia
tecta os 13 tipos de HPV mais comuns, liga- A colposcopia desempenha um papel fun-
dos ao CCU. A taxa de sensibilidade para CIN damental no diagnóstico precoce das lesões

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2-3 varia entre 84 a 95%61. cervicais. A sua sensibilidade é alta, mas a
Num estudo randomizado em que foi avalia- especificidade é relativamente baixa. O estu-
da a citologia vs teste HPV, em mulheres dos do colposcópico permite a identificação das
30-69 anos, a sensibilidade do teste foi de características subtis dos epitélios, que são
95% e a da citologia de 55%. A combinação expressão de alterações patológicas, não ob-
da citologia com o teste teve uma sensibili- serváveis à vista desarmada. A colposcopia
dade de 100%, com uma taxa de referencia- consolidou-se como passo fundamental do
ção para colposcopia de 7,9%62. protocolo do diagnóstico das lesões intra-epi-
A infecção pelo HPV é muito comum, prin- teliais e do cancro microinvasivo do tracto ge-
cipalmente, nas mulheres mais jovens, mas nital inferior, bem como da sua vigilância54-57.
desaparece espontaneamente em cerca de Na história natural dos tumores epiteliais
90% dos casos ao longo de 12 a 24 meses. malignos há duas fases distintas: primeira
A aplicação do teste em populações jo- fase ou intra-epitelial, na qual as células ne-
vens tem o grave inconveniente de detec- oplásicas mostram um aumento da sua den-
tar um número considerável de infecções sidade nuclear, o crescimento da neoplasia
oportunistas, sem potencial oncogénico. é lento, linear, já que a taxa de proliferação
A especificidade da pesquisa do ADN viral se equilibra com a taxa de morte celular ou
aumenta consideravelmente se aumentar- apoptose, podendo persistir assim duran-
mos a idade de início do rastreio para os 30 te meses ou anos e não têm potencial me-
anos, devido a menor frequência de resolu- tastático; segunda fase, onde predomina a
ção espontânea63. angiogénese, que é provocada pela maior
As mulheres com testes positivos devem expressão dos factores de crescimento do
ser sujeitas a rastreio com citologia ou à endotélio vascular.
colposcopia. O teste da captura híbrida tipo A colposcopia permite diferenciar as duas
2 tem uma sensibilidade superior à citolo- fases. A intra-epitelial traduz-se pela obser-
gia (95 vs 55%), apesar duma especificida- vação de lesões de cor branca, com imagens
de ligeiramente mais baixa (94 vs 97%)57. A de mosaico e/ou pontuado, quando as alte-
alta sensibilidade dos métodos actuais de rações epiteliais se acompanham de papilas
detecção do ADN-HPV conduz a valores vascularizadas do estroma; quando há en-
preditivos muito altos, até dos precurso- volvimento das glândulas, observam-se orifí-
res do adenocarcinoma, que muitas vezes cios glandulares com anéis ou gotas brancas.
escapam à detecção citológica e colposcó- A segunda fase, angiogénica, traduz-se pela
pica57. Estudos de coorte indicam que um observação de uma vascularização irregular
teste negativo significa um valor preditivo ou atípica, que constitui um sinal colposcó-
negativo por 10 anos, embora o consenso pico característico do aparecimento de uma
esteja nos cinco anos64. lesão grave65.
Quando aplicado em determinadas circuns- São indicações para colposcopia as seguin-
tâncias (mulheres com mais de 30 anos, lo- tes57-65:
cais onde não há citotécnicos em número — Estudo diagnóstico de uma citologia
suficiente para a realização da citologia) tem anormal.
mostrado uma boa relação custo/benefício. — Mulheres com teste HPV positivo, com
A introdução da vacina vem reforçar a utili- mais de 30 anos.
zação do teste HPV como metodologia de — Exame ginecológico em rastreio oportu-
rastreio55,57. nista.

Prevenção do cancro ginecológico 325


— Colo clinicamente suspeito, mesmo com É um tumor predominante na pós-menopau-
citologia normal. sa, em particular entre os 55 e os 69 anos. Só
— Avaliação de lesões de vagina, vulva e 5% surgem antes dos 40 anos3.

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ânus. Os factores de risco mais importantes são a
— Vigilância (sem tratamento) de mulheres se- obesidade, dieta rica em gorduras, nulipari-
leccionadas com um diagnóstico de CIN 1. dade, menarca precoce e menopausa tardia,
— Vigilância após tratamento de CIN ou síndrome dos ovários poliquísticos, uso de
cancro. tamoxifeno e estrogénios isolados4.
As mulheres com síndrome de Lynch tipo
2.3. CONCLUSÕES II ou do cancro colorrectal não-polipóide
(HNPCC) tem risco acrescido, com uma inci-
O CCU é o paradigma dos tipos de cancro dência cumulativa entre 20 a 60%5.
onde a prevenção é possível e altamente Os CE podem considerar-se de dois tipos:
eficaz. A educação para a saúde, com a pro- — Tipo I: é o mais comum e está associado
moção de estilos de vida mais saudáveis, é a níveis mais elevados de estrogénios
sempre aconselhável, mas a evolução social circulantes, tem como lesão preliminar a
tem demonstrado que não é muito eficaz. A hiperplasia, é mais frequentemente en-
prevenção primária é possível para os carci- dometrióide e representa entre 75 a 80%
nomas nos quais os HPV 16 e 18 estão en- dos casos.
volvidos (70%), graças à eficácia das vacinas — Tipo II: é mais indiferenciado e agressivo,
disponíveis. Estão em investigação novas do tipo seroso, células claras e adenoesca-
vacinas com um espectro de protecção mais moso, não se conhece a sua história natu-
amplo (nove tipos de HPV). É fundamental ral e tende a surgir espontaneamente6.
que o rastreio se mantenha, na medida em Existem diferenças marcadas nos tipos de
que as vacinas disponíveis não conferem carcinomas de mulheres caucasianas e ne-
100% de protecção e demorará muitos anos gras. Os tumores são mais agressivos e in-
até que a maioria da população esteja vaci- diferenciados nas mulheres negras7. Não se
nada. O teste de referência de rastreio conti- conhecem explicações para estes achados.
nua a ser a citologia, embora o teste HPV te- Alguns factores têm sido associados a baixa
nha uma especificidade significativamente incidência dos CE – multiparidade, lactação,
mais alta e veja reforçada a sua indicação nas pílula, dieta pobre em gorduras e rica em
mulheres vacinadas. A relação custo/benefí- vegetais, actividade física regular, elevada
cio demonstra que o intervalo óptimo para a paridade e lactação6.
realização da citologia é de três anos, a partir
dos 25 anos de idade, e o teste HPV de cinco 3.1.FACTORES DE RISCO
em cinco anos, a partir dos 30 anos.
3.1.1. ESTROGENOTERAPIA

3. CANCRO DO ENDOMÉTRIO Existem muitos estudos a documentar uma


relação de causa-efeito muito marcada entre
A incidência do cancro do endométrio (CE) a administração de estrogénios isolados e o
ultrapassou a do colo nos EUA e países mais CE, com um aumento do risco relativo (RR)
desenvolvidos da UE. Em Portugal, a taxa variável entre 4,5 e 8,08,9.
de incidência anda à volta dos 8,8/100.000 A administração de estrogénios isolados in-
muito, com cerca de 800 a 900 novos casos duz o desenvolvimento de hiperplasias atípi-
por ano1. A taxa de mortalidade ronda os cas, que evoluem para CE, dependendo ape-
1,9/100.0002. nas da dose e tempo de administração – RR

326 Capítulo 19
10 a 30 vezes superior se administrados por mento de risco do CE6. Um estudo realizado
cinco ou mais anos10-12. A interrupção da sua em alguns países europeus estima que entre
administração ou a associação de progeste- 26 a 47% dos CEs podem ser atribuídos ao

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rona nas doses e tempo adequados inibe o excesso de peso18. Numa metanálise publi-
aumento de risco13. cada em 2001, verifica-se que 11 em 12 estu-
No estudo PEPI (Postmenopausal Estrogen/ dos revelam uma associação entre o aumen-
Progestin Interventions Trial), foram avalia- to de peso e o risco de CE19.
das 600 mulheres tendo-se constatado que Um estudo prospectivo realizado pela Uni-
no grupo de mulheres que fez progestativo versidade de Nova Iorque sugere que o au-
associado aos estrogénios equinoconjuga- mento do RR de CE está associado aos níveis
dos, a incidência de patologia do endomé- plasmáticos mais elevados de estradiol, per-
trio foi parecida com a do placebo, ao con- centagem de estradiol livre e estrona, que
trário do que se passou no grupo que fez se encontram nas obesas20. O RR baixa com
estrogénios isolados14. níveis mais elevados de Sex Hormone Binding
No WHI (Women’s Health Initiative), um es- Globulin (SHBG). Foi também encontrada uma
tudo prospectivo, randomizado e com du- associação positiva com o IMC, quando foi
pla ocultação, realizado em 2003, que en- ajustado para as concentrações hormonais, o
volveu 16.609 mulheres, verificou-se que o que parece sugerir que o aumento do RR de
RR de CE no grupo que fez estroprogestati- CE é mediado pelos níveis hormonais21.
vos foi de 0,8115. Vários estudos são consistentes de que há
redução do risco nas mulheres que fazem
3.1.2. TAMOXIFENO regularmente uma dieta pobre em gorduras
saturadas e rica em vegetais e frutas fres-
O tamoxifeno é um modelador selectivo dos cas22-24.
receptores de estrogénios, com actividade
antagonista na mama, mas parcialmente 3.1.4. ACTIVIDADE FÍSICA
agonista no endométrio. Tem sido a tera-
pêutica adjuvante de eleição no carcinoma Não têm sido consistentes os estudos que
da mama hormonodependente. procuram avaliar o impacto da actividade
O ensaio NSABP (National surgical adjuvant física no CE. No Netherlands Cohort Study on
breast and bowel project) Breast Cancer Pre- Diet and Cancer verificou-se uma redução do
vention Trial evidenciou aumento do risco RR de CE de 46% nas mulheres que tinham
de CE nas mulheres que fizeram tamoxi- uma actividade física regular durante 90
feno quando comparadas com placebo. A minutos por dia, comparadas com as que o
incidência anual foi de 2,3 casos por 1.000 faziam durante 30 minutos25.
tratadas com tamoxifeno. O aumento do RR
depende do clima hormonal da mulher: nas 3.1.5. GRAVIDEZ E AMAMENTAÇÃO
pré-menopáusicas com idade igual ou in-
ferior a 49 anos o RR foi 1,21, ao passo que A gravidez e amamentação têm sido asso-
foi de 4,01 nas mulheres na pós-menopausa ciadas à redução do risco de CE. A nulipa-
com mais de 50 anos16. Esses resultados fo- ridade aumenta significativamente o RR.
ram confirmados em sucessivos ensaios17. Um estudo de caso-controlo realizado na
cidade do México revelou uma redução do
3.1.3. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL E DIETA risco de CE de 58 a 72% associado à duração
da lactação. O risco é reduzido em 50% nas
O índice de massa corporal (IMC) elevado mulheres que amamentam pela 1.a vez an-
tem sido tradicionalmente associado ao au- tes dos 30 anos26.

Prevenção do cancro ginecológico 327


No IOWA (Women’s Health study) foram re- As mulheres com anovulação crónica, como
lacionados os factores reprodutivos com o é o caso da síndrome dos ovários poliquís-
CE. As mulheres com filhos tinham um risco ticos, têm risco acrescido de CE, se não fize-

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significativamente inferior às nulíparas (2,6 vs rem contraceptivos orais32.
3,5)27. Num estudo realizado na Itália com 752
doentes com CE e 2.606 controlos, o RR de CE 3.1.8. PREDISPOSIÇÃO GENÉTICA
baixou conforme aumentava o número de
filhos. As mulheres com o último parto há 10- A síndrome de Lynch tipo II ou do HNPCC
19 anos tinham um RR de 0,6 e as que tinham que estão associados a uma série de mu-
tido o parto há menos de 10 anos tinham um tações (MSH2, MLH I, PMS2, MSH6), au-
RR de 0,3, quando comparadas com aquelas mentam significativamente o risco de CE,
que tinham tido filhos há mais de 20 anos28. com uma incidência cumulativa entre 20 a
60%5,33-35.
3.1.6. DIABETES E HIPERTENSÃO A identificação das mulheres predispostas
deve obedecer aos critérios de Amesterdão:
A diabetes, não insulinodependente, está as- — Cancro colorrectal ou outro tumor do
sociada a hiperinsulinemia, que tem relação espectro (vias urinárias altas, estômago,
com o aumento da produção de esteróides e ovário, intestino delgado e sistema hepa-
redução da SHBG. tobiliar) em pelo menos três familiares.
No estudo caso-controlo realizado em Itália — Um doente deve ser familiar em 1.o grau
a incidência de diabetes foi de 17,6% no gru- dos outros dois afectados.
po com CE e 4,5% no grupo controlo29. Estes — Devem existir pelo menos duas gerações
dados não têm sido confirmados em outros consecutivas afectadas.
estudos. No estudo de IOWA não foi encon- — Pelo menos um dos tumores deve ser
trada relação estatisticamente significativa. diagnosticado antes dos 50 anos.
Para Shoff, et al. só foi encontrada relação — A polipose adenomatosa familiar deve
nas mulheres com IMC elevado30. ser excluída.
A hipertensão arterial foi tradicionalmen-
te associada ao CE, mas este resultado não 3.2. FACTORES DE PROTECÇÃO
tem consistência na literatura. Num estudo
realizado na Suécia em 4.000 mulheres veri- 3.2.1. CONTRACEPTIVOS ORAIS
ficou-se associação significativa apenas nas
mulheres com IMC elevado31. O risco de CE baixa aproximadamente 40
% nas mulheres que fizeram contracepti-
3.1.7. FACTORES MENSTRUAIS vos orais combinados (COC), como está de-
monstrado em estudos caso-controlo e co-
A menarca precoce, menopausa tardia e orte prospectivos36-38.
anovulação crónica têm sido associadas ao A redução do risco permanece até pelo
CE. No Women’s Health Study as mulheres menos 15 anos após parar o uso da pílula.
com menarca acima dos 15 anos têm um Alguns estudos sugerem que a redução do
risco três vezes inferior àquelas que tinham risco já se observa após um ano de uso38.
tido a primeira menstruação antes dos 10 Numa metanálise publicada em 1997 pode-
anos. No mesmo estudo as mulheres com mos verificar que o uso de COC por quatro
menopausa acima dos 55 anos tinham um anos está associado a uma redução do RR de
risco RR de 1,87, quando comparadas com 56%, oito anos reduz 67% e 12 anos 80%39.
as que tinham cessado a menstruação antes Num estudo de base populacional realizado
dos 45 anos27. na Suécia encontra-se uma redução de 30%

328 Capítulo 19
no risco de CE nas mulheres que tinham feito aceite como técnica de rastreio de massas
qualquer tipo de COC no passado. O uso de populacional. A avaliação da regularidade
pílula só com progestativos estava associa- da linha endometrial tem sido salientada

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do a uma redução de 60% no RR. Nas mulhe- por alguns autores como elemento impor-
res que tinham tomado os COC durante três tante de avaliação, mas a espessura do en-
ou mais anos, o RR foi de 0,5 e 10 ou mais dométrio é o parâmetro mais utilizado. O
anos 0,2. A redução do RR de carcinoma do limite de 5 mm é o valor mais aceite, com
endométrio foi igual à observada para as hi- um valor preditivo positivo de 87% para a
perplasias atípicas40. detecção de patologia do endométrio, 96%
de especificidade e 100% de sensibilida-
3.2.2. TABAGISMO de44. Há autores que referem os 8 mm, mas
o valor preditivo negativo baixa conside-
Alguns estudos demonstram uma rela- ravelmente45. Os 4 mm tem sido também
ção inversa entre o tabagismo e o risco apontados, com um valor preditivo negati-
de carcinoma do endométrio. O tabaco vo de 100%, mas o valor preditivo positivo
está associado a menor exposição aos fica prejudicado 67%46.
estrogénios: níveis mais baixos de estro-
génios endógenos, possível alteração da 3.4. CONCLUSÕES
sua metabolização hepática, menopausa
mais precoce, etc.6. Newcomer, et al., num Não está demonstrada a eficácia do exame
estudo realizado em 2001, encontram um ginecológico e da ecografia transvaginal
RR de 0,8 para as fumadoras, quando com- (ETV) no rastreio das lesões endometriais
paradas com as que nunca fumaram41. No em mulheres assintomáticas, com vista ao
estudo das enfermeiras dos EUA encon- diagnóstico precoce e redução da mortali-
trou-se uma redução significativa do RR de dade, mas é fundamental o estudo atem-
carcinoma do endométrio nas fumadoras pado das metrorragias da peri e pós-me-
e ex-fumadoras42. nopausa. A vigilância anual, com recurso
à ETV, é recomendada por muitos autores
3.3. RASTREIO e organismos científicos nas mulheres de
alto risco, onde sobressai a importância da
O rastreio não é recomendado à população síndrome de Lynch e do cancro colorrectal
em geral, porque não está demonstrada a não-polipóide.
sua utilidade6. Pode ser útil em mulheres de
risco acrescido, mas não há demonstração 4. CANCRO DO OVÁRIO
do seu impacto na mortalidade.
As mulheres com perdas hemáticas irregu- O cancro do ovário (CO) responde pela cau-
lares devem obrigatoriamente ser objecto sa de morte mais frequente entre os cancros
de estudo do endométrio, com particular genitais. Em Portugal são registados cerca de
cuidado se estiverem na menopausa – cer- 700 novos casos por ano, dos quais 70% na
ca de 20% dos casos das metrorragias na pós-menopausa, em particular entre os 60 e
pós-menopausa são por carcinoma do os 74 anos1. A taxa de incidência estabilizou
endométrio, probabilidade que aumenta à volta dos 6,8/100.000, com mortalidade
com a idade43. alta à volta dos 3,9/100.0002.
A ecografia é o método menos invasivo e Trata-se de um tumor muito pobre em sinto-
tem merecido maior aceitação como pri- matologia, de que se desconhece a história
meiro passo na avaliação do endométrio, natural, o que justifica que o diagnóstico seja,
se a mulher estiver assintomática. Não é na maior parte dos casos, muito tardio3.

Prevenção do cancro ginecológico 329


A ovulação sistemática, níveis elevados de 4.1.2. MENARCA/MENOPAUSA
gonadotrofinas e acção local de agentes
químicos têm sido apontados como agentes A associação com a menarca precoce e a

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etiológicos, mas a etiopatogenia do CO con- menopausa tardia é mais irregular, mas al-
tinua por esclarecer4. guns estudos apontam para um risco signi-
Tende a ser um tumor mais frequente nas ficativo15.
mulheres brancas e nulíparas dos países in-
dustrializados. É reconhecida a importância 4.1.3. TALCO
da história familiar de cancro do ovário e a
presença de mutações nos genes BRCA1 e É controverso o impacto do talco no risco
BRCA25. de CO. Um estudo de coorte não revela au-
mento de risco nas mulheres que usam talco
4.1. FACTORES DE RISCO no períneo (RR 1,09). Uma metanálise de 16
estudos mostrou um aumento de risco (RR =
4.1.1. FERTILIDADE E INDUTORES 1,33), no entanto não se encontrou relação
DA OVULAÇÃO de dose-resposta16.

O CO tem sido associado à baixa paridade e 4.1.4. ÍNDICE DE MASSA CORPORAL


infertilidade. As multíparas têm um risco 30-
40% inferior às nulíparas6,7. O uso de indutores A obesidade está associada ao aumento da
da ovulação tem sido associado ao aumento incidência do CO17. Nos estudos de coorte, o
de risco, sobretudo nas mulheres que não IMC está associado a aumento do risco, par-
engravidaram, mas não há consenso sobre ticularmente para os tumores endometriói-
este tópico. Dois estudos caso-controlo não des, com maior impacto se tem lugar logo
encontram associação, ao passo que estudos na adolescência (RR 1,56)18,19.
retrospectivos revelam um aumento do risco
dos tumores borderline, nas utilizadoras de 4.1.5. MUTAÇÕES GENÉTICAS
clomifeno8,9. Outro estudo retrospectivo com
12.000 mulheres avaliadas por infertilidade re- A predisposição genética é indubitavelmen-
velou um RR de 1,98 em relação à população te o factor de risco de maior peso para CO.
em geral, mas não foi encontrado nenhum A maior parte dos CO são esporádicos, mas
risco acrescido naquelas que fizeram trata- em 5 a 10% há história familiar e padrão de
mento com clomifeno ou gonadotrofinas10. hereditariedade20. Estes casos estão associa-
Vários estudos de coorte em mulheres infér- dos maioritariamente a mutações no gene
teis submetidas a tratamento não revelaram BRCA1, que está localizado no cromossoma
aumento de risco11-13. Numa metanálise de 17 e, uma pequena fracção à mutação do
oito estudos caso-controlo com 5.207 mu- BRCA2, localizado no cromossoma 1321. Es-
lheres com cancro do ovário e 7.705 contro- tas mutações aumentam também o risco de
los, o RR da exposição às drogas usadas em cancro da mama, endométrio e cólon.
tratamentos de infertilidade foi de 0,97. No As portadoras de mutação no BRCA1 e his-
mesmo estudo a nuliparidade comparada tória familiar de alto risco têm uma probabi-
com a multiparidade (> 4) teve um RR de lidade entre 28 a 44% de virem a ter CO ao
2,42, a infertilidade, por cinco ou mais anos longo da vida, ao passo que o risco é de 27%
comparada com um ano, teve um RR de 2,7. para aquelas que têm mutações no BRCA222.
Estes resultados são a favor de que o factor Quando ambos os genes estão mutados o
de risco com relevância é a infertilidade e risco de CO e mama pode atingir 54 e 82%,
não os tratamentos14. respectivamente23.

330 Capítulo 19
4.2. FACTORES PROTECTORES que no grupo de mulheres não submetidas
a castração foram registados 12 casos (5%).
4.2.1. CONTRACEPÇÃO ORAL COMBINADA Estes resultados não se têm repetido em

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outros estudos onde têm sido assinalados
Há forte evidência de que a COC está asso- casos de carcinomas epiteliais do peritoneu
ciada à redução do risco de CO – redução após a oofofrectomia20,28.
de 5 a 10%, por ano de uso, até um máximo Recomenda-se a ooforectomia profiláctica
de 50 a 80%. A protecção permanece até 25 nas mulheres dessas famílias, entre os 30-35
anos após parar o contraceptivo24,25. Uma re- anos de idade, após terem os filhos que dese-
visão da literatura realizada em 1992, reve- jam. O potencial de risco de cancro, a morbi-
lou uma baixa do risco de 10-12% por ano de lidade e mortalidade da cirurgia, bem como
uso, atingindo 50% ao fim de cinco anos, in- as pesadas consequências da menopausa
dependentemente de a mulher ser nulípara precoce (infertilidade, síndrome vasomoto-
ou multípara24. O efeito protector manifesta- ra, perturbações sexuais, aumento do risco
se em todos os grupos de mulheres, mas ir- de doença cardiovascular e fracturas osteo-
regularmente nas que apresentam mutação poróticas) têm de ser ponderadas quando se
do BRCA1 e BRCA226,27. considera a hipótese de castração.

4.2.2. OOFORECTOMIA PROFILÁCTICA 4.2.3. CIRURGIA PÉLVICA

A ovariectomia bilateral está associada à re- Alguns estudos prospectivos revelam uma
dução do risco de CO, embora a carcinoma- baixa de 33% no risco de CO nas mulheres
tose peritoneal seja possível após a ooforec- que fizeram laqueação tubar, ajustando o ris-
tomia20. A castração profiláctica é reservada co ao tempo de uso da pílula, paridade e ou-
às mulheres de alto risco, tais como as que tros factores protectores. Há igual evidência
apresentam mutações do BRCA1 ou BRCA2, nas mulheres que fizeram histerectomia32.
ou cancro colorrectal não-polipóide22,23.
Num estudo em famílias com mutação, 259 4.3. RASTREIO
mulheres foram submetidas a ovariectomia
bilateral e neste grupo foram diagnosticados O diagnóstico precoce é um objectivo sem-
seis casos de CO (2,8%), mas dois desenvol- pre perseguido, com vista a diminuir a mor-
veram carcinomatose peritoneal após a ci- talidade. A ausência de sintomatologia nas
rurgia. O grupo controlo com 292 mulheres fases precoces e o desconhecimento da fi-
que não fizeram castração, teve CO em 20% siopatologia, leva a que o diagnóstico seja
dos casos ao longo dos nove anos de dura- muito tardio. Por outro lado muitos tumores
ção do estudo. A ovariectomia representou avançados são multifocais e têm origem no
uma redução do RR de 90% (RR = 0,04; 95% peritoneu3,20.
intervalo de confiança [IC])29. Estes resulta- A procura de uma estratégia eficaz de rastreio
dos são positivos mas têm de ser avaliados tem sido objecto de vários ensaios. Conhe-
com reservas, atendendo ao viés provocado cem-se três metodologias de rastreio: exame
pela selecção das mulheres30. ginecológico, ETV e CA 125. Nenhuma delas
Num estudo realizado em 315 mulheres com per si ou mesmo em associação comprovou
cancro colorrectal não-polipóide associado a ser eficaz na redução da mortalidade.
mutações de células germinativas encontra- O exame ginecológico é muito pouco sensí-
das no CO não foi registado nenhum caso de vel. Estima-se que a taxa de detecção é de
cancro no grupo de 47 mulheres que fizeram um caso de CO por 10.000 exames33,34. O
salpingo-ooforectomia bilateral, ao passo exame anual continua a ser recomendado,

Prevenção do cancro ginecológico 331


atendendo aos seus amplos benefícios para cado um estudo com resultados animadores
a saúde da mulher. com a associação de três marcadores, que
A ecografia tem sido dos métodos mais importa comprovar em ensaios de maiores

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investigados. A via vaginal permite maior dimensões36.
acuidade diagnóstica para os tumores de Alguns autores têm avaliado o valor da as-
menores dimensões. Num estudo realizado sociação do CA 125 e ETV anual, e outros
em 57.214 mulheres que fizeram ETV, 180 incluem ainda o exame ginecológico. Num
foram submetidas a cirurgia. Foram encon- estudo prospectivo e randomizado, publica-
trados 17 casos de cancro, 11 no estádio I, do em 2005, que envolveu 39.115 mulheres
três no II e três no III. Nesse estudo a ETV que realizaram ETV e CA 125, 1,9% dos exa-
teve 81% de sensibilidade e 98% de espe- mes foram considerados inadequados. Dos
cificidade, com um valor preditivo positivo 28.506 que realizaram ambos os exames,
de 9,4%. A sobrevivência das doentes com 1.703 tinham resultados anormais de um
cancro foi de 93% aos dois anos e 83,6% aos teste e 34 de ambos. Das 30 mulheres que
cinco anos. Esses resultados são satisfató- desenvolveram CO, 22 tinham ETV anormal.
rios, mas têm custos muito elevados34. Nove casos eram borderline e 21 invasivos,
O uso do Doppler no exame ecográfico veio dos quais dois no estádio I. O valor preditivo
melhorar a acuidade do exame, mas ainda positivo foi 1%37.
não é suficiente para tornar aceitável a rela- Num estudo que envolveu 22.000 mulheres
ção custo/benefício34. na pós-menopausa, tendo por base o CA 125,
O CA 125 tem sido avaliado como teste para a que se seguia a ETV, quando o marcador
o rastreio do CO, mas a sua sensibilidade e tumoral estava acima de 30 U/ml, detecta-
especificidade são muito baixas nas fases ram-se 11 dos 19 casos de CO que ocorreram
precoces da doença. Tem níveis elevados durante o estudo, com uma sensibilidade de
em muitas doenças benignas (endometrio- 58% e especificidade de 99,9%38.
se, doença inflamatória pélvica, adenomio- Outro estudo prospectivo, realizado em
se, miomas, entre outros). Está elevado em Estocolmo, revelou uma especificidade de
82% dos casos de cancro avançado e 50% 97,6% para o CA 125 acima de 35 U/ml39.
dos casos no estádio I e II20. Num estudo No Reino Unido, foi realizado um estudo ran-
com 5.550 mulheres acima dos 40 anos, domizado em que 10.958 mulheres fizeram
175 revelaram CA 125 elevado, das quais CA 125, seguida de ETV quando o marcador
seis correspondiam a CO. No grupo das mu- estava elevado, tendo como controlo um
lheres com CA 125 normal, três tinham CO. grupo de 10.977 mulheres. Foram realiza-
Nas mulheres acima dos 50 anos, o CA 125 dos três rastreios anuais durante sete anos,
teve uma especificidade de 99%, ao passo com uma taxa de aderência de 70,7% para
que abaixo dessa idade a especificidade foi as três sessões anuais e 85,5% para uma por
muito pobre, porque as mulheres tinham ano. Foram diagnosticados 20 casos de CO
frequentemente níveis anormais por pato- no grupo controlo e 16 no rastreado. Houve
logia benigna34. Estes resultados corrobo- uma proporção superior de casos no estádio
ram os de outros estudos e não configuram I e II no grupo rastreado (31,3 vs 10%). Regis-
o CA 125 como teste de rotina isolado para taram-se 18 mortes por CO no grupo contro-
o rastreio do CO. lo e nove no grupo rastreio com um RR = 2,0
Outros marcadores têm sido avaliados, iso- (0,78-5,13, IC 95%)40.
ladamente ou em associação com o CA 125 Estão em curso dois grandes estudos de
– ác. lisofosfático, CA15-3, TAG75, CA19-9, fase III, associando o CA 125 à ETV, na po-
NB/70, CA195, CST-1 – mas a sua eficácia pulação em geral, de que se aguardam os
não está demonstrada35. Em 2004 foi publi- resultados35.

332 Capítulo 19
O rastreio dirigido as mulheres de alto risco 5. Burchell AN, Winer RL, de Sanjose S, Franco EL. Chapter
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tem sido foco de algum debate. A associa- HPV infection. Vaccine. 2006;2453:S3/52-61.
ção dos vários métodos – exame ginecológi- 6. Franco EL, Duarte-Franco E, Ferenczy A. Cervical cancer:

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Prevenção do cancro ginecológico 333


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Prevenção do cancro ginecológico 337


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20 Cancro da vulva

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Ana Francisca Jorge

1. INTRODUÇÃO restantes 10% são tumores de diversos ti-


pos histológicos: melanoma, sarcoma, ade-
O cancro da vulva é uma neoplasia relativa- nocarcinoma, carcinoma basocelular, carci-
mente rara, representando 3 a 5% dos can- noma verrucoso e outros tumores raros.
cros ginecológicos, e tem maior incidência Uma vez que a sua localização é acessível
na 7.a década de vida (Fig. 1)1. ao exame directo, é um tumor que deveria
Actualmente, verifica-se um aumento do ser diagnosticado e tratado precocemen-
número de casos em mulheres mais jovens, te. Contudo, acontece frequentemente
principalmente de lesões pré-invasivas. Es- que, à data do diagnóstico, as doentes
tima-se que 5% dos tumores surgem em têm tumores em estádios avançados
mulheres com menos de 40 anos2. (Fig. 2), porque ocultaram a sua situação
O tipo histológico mais frequente é o car- clínica ou porque lhe foram prescritas
cinoma pavimentocelular que corresponde terapêuticas tópicas sem ter sido feito o
a, aproximadamente, 90% dos casos. Os diagnóstico.

Distribuição etária
600

500
N.º de doentes

400

300

200

100

0
15-29 30-39 40-49 50-59 60-69 70-79 80+

Idade

Figura 1. Distribuição etária do cancro da vulva.

339
Tem sido referido na literatura que cerca de
5% das doentes com líquen escleroso desen-
volvem carcinoma pavimentocelular.

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Quando o cancro está associado a infecção
por HPV, surge em mulheres jovens e asso-
cia-se, com frequência, a neoplasia cervi-
cal intra-epitelial. Muitas vezes é multicên-
trico e, histologicamente, corresponde a
formas menos queratinizantes. Tabagismo,
imunossupressão e antecedentes de do-
enças de transmissão sexual são os facto-
res de risco mais frequentes neste grupo
de doentes.
Figura 2. Cancro da vulva com invasão da uretra e mar- Os tumores HPV negativos surgem, sobretu-
gem do ânus. do, em mulheres de idade mais avançada e
estão associados a dermatoses inflamatórias
em 60% dos casos. Nestes tumores têm sido
2. EPIDEMIOLOGIA identificadas mutações do p535.

Estão identificadas duas vias patogénicas


distintas com diferentes mecanismos mo- 3. HISTÓRIA NATURAL E VIAS
leculares (Fig. 3)3,4: uma relaciona-se com DE DISSEMINAÇÃO
a infecção pelo vírus do papiloma humano
(HPV), identificado em 40% dos tumores vul- Na maioria dos casos, os tumores malignos
vares, e a outra, menos bem conhecida, está da vulva desenvolvem-se nos grandes e pe-
associada a dermatoses inflamatórias. quenos lábios, no clítoris (10-20%) e na zona

Mulher jovem Mulher idosa

HPV Liquen escleroso


Tabaco Mutação p53

Condilomatoso
Tumor queratinizante
Basalóide

Pico de incidência Pico de incidência


6ª década de vida 8ª década de vida

Figura 3. Duas vias para o desenvolvimento do carcinoma invasivo da vulva.

340 Capítulo 20
perineal (10-20%). Em cerca de 10% das situ- a quatro gânglios (Fig. 6), situados abaixo da
ações, o tumor é tão volumoso que é difícil faixa cribiforme e em contacto directo com
precisar o local de origem. O tumor é multi- os vasos femorais. Através do canal inguinal,

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focal em 5% dos casos. drenam a linfa para os gânglios pélvicos.
A neoplasia invade, por extensão directa, os
órgãos adjacentes (vagina, uretra e ânus). A
disseminação linfática é para os gânglios lin- 4. HISTOPATOLOGIA
fáticos inguinais, femorais e pélvicos (Fig. 4)6.
A disseminação hematogénea é rara e tardia. A vulva é coberta por epitélio escamoso
Acima da faixa cribiforme e ao longo da veia queratinizante daí a maioria dos tumores
safena e do ligamento inguinal encontram- vulvares, 90 a 95%, serem carcinomas pavi-
se os gânglios inguinais superficiais, 8 a 10 mentocelulares (Fig. 7).
gânglios (Fig. 5). Estes gânglios drenam a lin- A classificação histológica está referida no
fa para os gânglios femorais profundos, dois quadro 17.

Ilíaco

Vesical

Profundo
Obturador

Plexo pré-sinfisário

Superficial
Clítoris

Lábios

Fúrcula

Períneo

Figura 4. Drenagem linfática da vulva.

Cancro da vulva 341


Ligamento inguinal

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Nervo femoral

Artéria femoral

Veia femoral

Veia safena interna

Gânglios femorais profundos

Músculo costureiro

Músculo longo adutor

Figura 5. Gânglios inguinais superficiais.

Gânglios inguinais superficiais

Nervo femoral
Artéria femoral
Veia femoral

Músculo costureiro

Veia safena interna

Músculo longo adutor

Figura 6. Gânglios femorais profundos.

342 Capítulo 20
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Figura 7. Carcinoma pavimentocelular.

Quadro 1. Classificação histológica dos tumores malignos da vulva

— Epiteliais
u Carcinoma pavimentocelular
u Adenocarcinoma
u Carcinoma basocelular
— Mesenquimatosos
u Leiomiossarcoma
u Rabdomiossarcoma embrionário (sarcoma botrióide)
— Tumores melanocíticos
u Melanoma maligno
— Outros tumores
u Tumor do saco vitelino
u Tumor de células de Merkel
— Tumores secundários

Cancro da vulva 343


5. AVALIAÇÃO CLÍNICA, DIAGNÓSTICO invasão possam ser adequadamente avalia-
E ESTADIAMENTO das. Nas lesões inferiores a 1 cm de diâmetro
deve ser efectuada biopsia excisional.

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As doentes, na maioria das vezes, referem Nas lesões precoces, a avaliação da infiltra-
a existência de nódulo vulvar e prurido ção do estroma, medida em milímetros, é
crónico. O prurido, geralmente de longa imprescindível tanto para o estadiamento
duração, está em relação com processos como para a conduta terapêutica.
distróficos prévios. Em muitos casos, existe Nas doentes com gânglios inguinais palpá-
antecedente de líquen escleroso frequen- veis deve ser feita citologia aspirativa e TC
temente encontrado na periferia do tumor. abdomino-pélvica.
Hemorragia e dor ocorrem nas situações Cistoscopia e rectossigmoidoscopia estão
clínicas mais avançadas. indicadas quando os tumores invadem a
O tamanho do tumor, a sua localização, a ex- uretra ou o ânus.
tensão aos órgãos adjacentes (uretra, vagina Dos exames de diagnóstico e estadiamento
e ânus) devem ser avaliados bem como as fazem, também, parte a radiografia do tórax
regiões inguinais. e exames laboratoriais.
A neoplasia do aparelho genital inferior é, Em 1988, a Federação Internacional de Gineco-
muitas vezes, multifocal pelo que deve ser logia e Obstetrícia (FIGO) substituiu o estadia-
feito exame ginecológico com a realização mento clínico por um sistema de estadiamen-
de citologia cervicovaginal para exclusão de to cirúrgico modificado. Em 1994, recomendou
cancro do colo uterino ou da vagina. a subdivisão do estádio I (Quadro 2)1.
O diagnóstico histológico, feito por biopsia Segundo a classificação TNM, para o estadia-
de punção da lesão (punch biopsy), é obri- mento cirúrgico ser considerado completo é
gatório. O tecido biopsado deverá incluir a recomendável excisar seis ou mais gânglios
lesão cutânea suspeita e o estroma adjacen- linfáticos na linfadenectomia inguino-femo-
te, para que a presença e a profundidade da ral unilateral (Quadro 3)8.

Quadro 2. Classificação da FIGO

Estádio Achados clínicos

Estádio 0 Carcinoma in situ, intra-epitelial

Carcinoma limitado à vulva e/ou períneo, ≤ 2 cm na maior dimensão sem metástases


Estádio I
ganglionares

IA Invasão do estroma ≤ 1 mm

IB Invasão do estroma > 1 mm

Carcinoma limitado à vulva e/ou períneo, > 2 cm na maior dimensão, sem metástases
Estádio II
ganglionares

Carcinoma de qualquer dimensão com invasão da uretra distal e/ou da vagina e/ou do
Estádio III
ânus e/ou metástases ganglionares linfáticas regionais unilaterais

Carcinoma com invasão da uretra proximal e/ou a mucosa da bexiga, e/ou da mucosa
Estádio IVA
do recto e/ou do osso pélvico e/ou metástases ganglionares regionais bilaterais

Estádio IVB Carcinoma com metástases à distância (incluindo gânglios linfáticos pélvicos)

344 Capítulo 20
Quadro 3. Classificação TNM

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T Tumor primário

T1 Tumor limitado à vulva e/ou períneo, ≤ 2 cm na maior dimensão

T1a Invasão do estroma ≤ 1 mm

T1b Invasão do estroma > 1 mm

T2 Tumor limitado à vulva e ou períneo, > 2 cm na maior dimensão

T3 Tumor invade a uretra distal, vagina ou ânus

Tumor invade a uretra proximal, a mucosa da bexiga, a mucosa rectal ou está fixado ao osso
T4
púbico

N Gânglios regionais

Nx Gânglios linfáticos regionais não podem ser avaliados

N0 Sem metástases ganglionares

N1 Metástases ganglionares linfáticas regionais unilaterais

N2 Metástases ganglionares linfáticas bilaterais

M Metástases à distância

Mx Metástases à distância não podem ser diagnosticadas

M0 Sem metástases à distância

M1 Metástases à distância incluindo as ganglionares linfáticas pélvicas

6. FACTORES DE PROGNÓSTICO A metastização ganglionar linfática é o fac-


tor de prognóstico isolado mais importante
A dimensão do tumor, a profundidade da para a sobrevivência das doentes, podendo
invasão do estroma e a invasão dos espaços causar uma diminuição de 50% da taxa de
linfovasculares são os principais factores de sobrevivência11,12.
risco para a metastização ganglionar. O número de gânglios linfáticos inguinais
Os estudos de Binder, et al.9 e de Homesley, metastáticos e a extensão extracapsular
et al.10, demonstram que a frequência de me- também estão relacionados com a sobrevi-
tástases ganglionares linfáticas inguinais au- vência e a recidiva local13. No estudo de van
menta com o tamanho tumoral (Quadro 4). der Velden, et al., 28 das 44 doentes (64%)
A profundidade da invasão do estroma e a es- com metástases ganglionares linfáticas
pessura tumoral são factores relevantes para a com extensão extracapsular morreram da
predição de metastização ganglionar linfática. doença versus três das 22 doentes (14%) em
O risco de metástases ganglionares linfáticas que não havia extensão extracapsular.
inguinais é maior quando a invasão do estroma O carcinoma da vulva pode ser curável, num
é superior a 2 mm. Quando a espessura tumo- grande número de casos, quando diagnos-
ral é maior que 4 mm, observa-se um marcado ticado num estádio precoce. Assim, nas do-
aumento do risco de metastização (Quadro 5)9. entes sem metástases ganglionares e com

Cancro da vulva 345


Quadro 4. Relação entre tamanho do tumor e frequência de metástases ganglionares linfáticas
inguinais

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Tamanho do tumor Metástases ganglionares inguinais

Binder, et al.9 Homesley, et al.10

≤ 1,0 cm 0% 18%

1,1-2,0 cm 19% 19,4%

2,1-3,0 cm 44% 31,4%

3,1-4,0 cm 42% 54,3%

> 4,1 cm 44% 47,4%

Quadro 5. Invasão do estroma, espessura tumoral e metastização ganglionar linfática inguinal

Invasão do estroma Espessura tumoral

≤ 1,0 mm 0% 0%

1,1-2,0 mm 0% 0%

2,1-3,0 mm 21% 11%

3,1-4,0 mm 25% 6%

4,1-5,0 mm 22% 42%

> 5,1 mm 56% 57%

p < 0,0001

tumores ≤ 2 cm a sobrevivência, aos cinco ocorreu em 39% das doentes com invasão
anos, é de 98%, enquanto nas doentes com dos espaços linfovasculares e em apenas
tumores de qualquer dimensão, mas com 12% das doentes em que esta invasão não
metástases em três ou mais gânglios unila- se observou.
terais ou em dois ou mais gânglios bilaterais, Não está provado que o grau de diferencia-
a sobrevivência, aos cinco anos, é de 29% ção histológica seja um factor de prognós-
(Quadro 6)11. tico, uma vez que os resultados de diversos
O risco de recidiva tumoral está, também, estudos têm sido contraditórios, provavel-
relacionado com a margem cirúrgica que mente, devido aos diferentes critérios usados
deve ser, macroscopicamente, superior a na avaliação do mesmo.
1 cm em todas direcções14. Heaps, et al. estu- Os tumores aneuplóides parecem ter pior
daram a relação entre as margens cirúrgicas prognóstico do que os tumores diplóides.
e a recidiva local, tendo concluído que com No entanto, a aneuploidia está correlaciona-
margens cirúrgicas, microscópicas, ≥ 8 mm da com outros factores de prognóstico, pelo
não ocorreu recidiva local nas 91 doentes que não pode ser considerada como factor
em estudo14. Neste estudo, a recidiva local preditivo independente15.

346 Capítulo 20
Quadro 6. Sobrevivência em relação à dimensão do tumor e às metástases ganglionares linfáticas
inguinais

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N.o gânglios linfáticos inguinais metastáticos

Nenhum Um Dois unilaterais ≥ 3 ou bilateral Total

Diâmetro Sobre- Sobre- Sobre- Sobre- Sobre-


do tumor N vivência N vivência N vivência N vivência N vivência
(cm) (%) (%) (%) (%) (%)

≤2 154 97,9 18 94,4 9 88,9 9 38,1 190 94,4

2,1-8 214 86,9 61 76,6 18 70,5 72 28,9 365 73,3

>8 13 65,8 3 66,7 3 50,0 3 0,0 22 55,7

Total 381 90,9 82 79,7 30 74,0 84 29,0 577 90,9

7. TRATAMENTO evitar a linfadenectomia nos casos em que o


gânglio sentinela é negativo.
A terapêutica destas neoplasias é preferen- Os estudos efectuados mostram que o gân-
cialmente cirúrgica, complementada ou não glio sentinela é detectado na maioria dos ca-
por radioterapia. sos, com uma sensibilidade e um valor pre-
Nas últimas décadas, o tratamento cirúrgico ditivo negativo de, aproximadamente, 100%
do cancro da vulva é mais conservador, ba- (Quadro 7)20-25.
seado no facto de que as margens cirúrgicas Para aumentar a taxa de detecção, preconi-
são mais importantes do que a remoção to- za-se a combinação das seguintes técnicas:
tal do órgão14. linfocintigrafia com tecnécio-99m (Fig. 9) e
Actualmente, preconiza-se a cirurgia conser- azul patente26.
vadora – radical modificada – pois permite Doentes com doença multifocal e com gân-
o mesmo controlo da doença mas com me- glios inguinais suspeitos à palpação não são
nor morbilidade que a cirurgia clássica16-18. boas candidatas para a realização da pesquisa
A cirurgia conservadora implica incisões do gânglio sentinela, por haver o risco de gân-
separadas, de vulvectomia e de linfadenec- glios volumosos invadidos poderem bloquear
tomia inguino-femoral, quando efectuada. o fluxo linfático e, subsequentemente, não per-
Em simultâneo, e sempre que necessário, é mitir a detecção com o azul patente ou o tec-
recomendada cirurgia reconstrutiva19. nécio-99m, resultando em falsos negativos27.
Apenas 25 a 35% das doentes com doença em O estudo anatomopatológico do gânglio
estádio precoce têm metástases ganglionares sentinela recorrendo a técnicas de cortes se-
linfáticas inguinais, pelo que 65 a 75% não be- riados e de imuno-histoquímica aumenta a
neficiam de linfadenectomia inguino-femoral. sensibilidade para a detecção de metástases
Uma vez que a linfadenectomia inguinal tem ganglionares linfáticas.
um número não desprezível de complica- A técnica e o estudo do gânglio sentinela
ções – linfocelos e linfedema dos membros exigem curva de aprendizagem e execução
inferiores (Fig. 8) – alguns autores estudaram continuada da mesma.
a identificação do gânglio sentinela, para Nos casos em que os tumores são local-
predizer a existência de metástases ganglio- mente avançados, a redução tumoral ob-
nares linfáticas inguinais, com o intuito de tida com a quimiorradioterapia concomi-

Cancro da vulva 347


Gânglio sentinela

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Tumor

Figura 8. Linfedema crónico. Figura 9. Pesquisa do gânglio sentinela por linfocinti-


grafia com tecnécio-99m.

Quadro 7. Identificação do gânglio sentinela

Autor Identificação do gânglio sentinela

N.o doentes %

Barton, et al. 10 90

Decesare, et al. 11 100

Terada, et al. 9 100

De Cicco, et al. 37 100

De Hullu, et al. 59 100

Levenback, et al. 52 88

tante, pode permitir a ulterior realização Os tumores com invasão ≤ 1 mm têm um


de cirurgia conservadora evitando a cirur- risco mínimo de metastização ganglionar.
gia exenterativa28-30. A excisão local com margem cirúrgica ≥ 10
O cancro da vulva é uma patologia relativa- mm é a terapêutica indicada.
mente rara, pelo que é recomendável cen- Os tumores T1 e alguns T2 podem ser contro-
tralizar o tratamento destas doentes. lados localmente com excisão local radical.
Para melhor sistematização do tratamento, po- Esta excisão deve ir, em profundidade, até à
demos considerar dois «estádios» da doença. fáscia perineal profunda e ter uma margem
de pelo menos 20 mm de tecido normal em
7.1. ESTÁDIO PRECOCE DO CANCRO todas as direcções31-34.
DA VULVA A vulvectomia radical modificada deve ser
efectuada nos casos em que o tumor é mul-
A cirurgia é a primeira escolha no tratamen- tifocal ou quando associado a lesões distrófi-
to das doentes com carcinoma pavimento- cas, devendo-se adequar a profundidade da
celular da vulva. excisão a estas.

348 Capítulo 20
Na abordagem cirúrgica das regiões inguinais, A doença localmente avançada corresponde
deve ser feita a pesquisa do gânglio sentine- a cerca de 30% de todos os casos de carcino-
la para definir a extensão da linfadenectomia ma vulvar.

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inguino-femoral35,36. Se no estudo do gânglio Nos carcinomas localmente avançados, a
sentinela não forem detectadas células tumo- quimiorradioterapia é o tratamento de es-
rais, a linfadenectomia inguino-femoral não colha, por poder permitir a execução ulte-
deve ser realizada. Quando a pesquisa do gân- rior de cirurgia conservadora e evitar a ci-
glio sentinela não for efectuada, deve fazer-se rurgia exenterativa.
linfadenectomia inguino-femoral homolateral Os agentes citotóxicos utilizados na quimior-
nos tumores laterais e linfadenectomia ingui- radioterapia incluem fármacos com eficácia
no-femoral bilateral nas lesões medianas37. contra as lesões escamosas e que potenciam
Há controvérsia quanto ao tratamento da o efeito antitumoral das radiações ionizantes
região inguinal contralateral – radioterapia (5-fluoruracilo, cisplatina, mitomicina C).
ou linfadenectomia contralateral – quando Num estudo do grupo de ginecologia oncoló-
um ou mais gânglios metastáticos são iden- gica29, foram tratadas com quimiorradiotera-
tificados na linfadenectomia inguino-femo- pia seguida de cirurgia 71 doentes com carci-
ral homolateral. noma pavimentocelular, no estádio III e IV. Em
A maioria dos estudos sugere que a radio- 33 doentes verificou-se resposta clínica com-
terapia adjuvante é importante para o con- pleta e em 38 doença residual macroscópica.
trolo tumoral do leito e da região inguinal. Apenas duas das 71 doentes (2,8%) tiveram
As indicações para radioterapia pós-ope- doença irressecável após a quimiorradiotera-
ratória são: dois ou mais gânglios inguinais pia e três doentes necessitaram de fazer cirur-
metastáticos, qualquer número de gânglios gia exenterativa. Em 22 das 33 doentes (31%)
inguinais metastáticos com extensão extra- não houve tumor residual microscópico. Com
capsular e margem cirúrgica inferior a 8 mm uma vigilância de 50 meses, 11 doentes (16%)
ou com tecido tumoral. tiveram recidiva local na vulva.
A presença de metástases ganglionares pél- Nos casos em que há resposta clínica com-
vicas é muito rara na ausência de metástases pleta após quimiorradioterapia, é controver-
inguino-femorais12,38. Num estudo randomi- sa a realização da cirurgia do leito tumoral.
zado comparou-se a linfadenectomia pélvi- Nos tumores localmente avançados, quando
ca com radioterapia pélvica em doentes com os gânglios são volumosos e ressecáveis de-
cancro da vulva com metástases ganglio- vem ser excisados antes do tratamento com
nares inguino-femorais, após vulvectomia quimiorradioterapia para reduzir o volume
radical e linfadenectomia inguino-femoral tumoral da região inguinal. Devem ser colo-
bilateral. Concluiu-se que a sobrevivência foi cados clips cirúrgicos para marcar o leito tu-
melhor nas doentes que fizeram radioterapia moral ou o local da doença residual. Quando
pós-operatória, pelo que não está indicada a os gânglios estão fixos ou ulcerados, qual-
realização de linfadenectomia pélvica39. quer terapêutica cirúrgica deve ser evitada.
Montana, et al.28 publicaram os resultados da
7.2. ESTÁDIO AVANÇADO DO CANCRO quimiorradioterapia seguida de cirurgia em
DA VULVA 40 doentes com carcinoma da vulva N2 e N3.
Em 38 das 40 doentes, foi possível ressecar
O estádio avançado engloba todos os casos os gânglios inguinais, e em 15 doentes não
em que a excisão radical não é suficiente para se observou doença residual microscópica.
remover o tumor com margens adequadas Nos casos de doença metastática, não há te-
(T3 e T4) e aqueles com metástases ganglio- rapêutica sistémica com comprovada eficácia.
nares linfáticas inguinais irressecáveis. O tratamento destas situações é paliativo.

Cancro da vulva 349


Devido à raridade deste tumor, os estudos em ressecção com margens cirúrgicas sem te-
doentes com cancro vulvar deverão ser efectu- cido de neoplasia. Se as margens cirúrgicas
ados em grupos cooperativos internacionais. tiverem tecido de neoplasia (microscópica),

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deverá aguardar-se recidiva com evidência
clínica para reexcisão.
8. TUMORES MALIGNOS DA VULVA
MENOS FREQUENTES 8.4. ADENOCARCINOMA DA VULVA

8.1. MELANOMA MALIGNO É um tumor muito raro. A sua baixa inci-


dência implica que seja excluída a hipótese
É um tumor raro, corresponde a 2 a 4% dos tu- de ser uma localização secundária, que é o
mores vulvares, e localiza-se, a maioria das ve- mais frequente.
zes, no grande lábio e clítoris. O estadiamento
e a terapêutica para os melanomas malignos 8.5. CARCINOMA BASOCELULAR
da vulva deverá ser semelhante aos propos-
tos para os melanomas malignos cutâneos. É uma neoplasia rara, mais frequente na sé-
O prognóstico depende do tamanho da le- tima e oitava décadas de vida, e localmente
são e da profundidade da invasão. invasiva. O tratamento deverá ser a excisão
local com margens cirúrgicas livres de tumor
8.2. CARCINOMA VERRUCOSO (≥ 10 mm).

É uma neoplasia pouco frequente, com 8.6. SARCOMA VULVAR


um padrão de crescimento exofítico, local-
mente invasiva. A metastização ganglionar São tumores muito raros nos adultos, sen-
é muito rara. O tratamento é a excisão lo- do os tipos histológicos mais frequentes o
cal com margens cirúrgicas livres de tumor leiomiossarcoma, rabdomiossarcoma e o
(≥ 10 mm). Deverá ser efectuada reexcisão histiocitoma fibroso maligno. O seu trata-
sempre que não forem obtidas margens mento é cirúrgico.
cirúrgicas adequadas. O rabdomiossarcoma é uma neoplasia me-
A combinação de carcinoma verrucoso e senquimatosa mais frequente em crianças.
carcinoma pavimentocelular não é rara, in- O tratamento é quimioterapia seguida de
dicando que o fenótipo do carcinoma ver- ressecção cirúrgica conservadora e radiote-
rucoso pode ser «instável», representando rapia adjuvante.
uma das muitas transições para o carcino-
ma convencional.
Quando existir componente de carcinoma Bibliografia
pavimentocelular associado (tumor híbri-
1. Beller U, Quinn M, Benedet J, Creasman W, Ngan H, Mai-
do), deve ser tratado como um carcinoma sonneuve P, et al. Carcinoma of the Vulva. International
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2. Al-Ghamdi A, Freedman D, Miller D, Poh C, Rosin M,
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É predominantemente uma neoplasia intra- Human Papillomavirus, Lichen Sclerosus, and Sqamous
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invasivo em 15% dos casos. Clinicamente, 4. Hording U, Junge J, Daugaard S, Lundvall F, Poulsen
é uma lesão eritematosa, eczematosa e por H, Bock JE. Vulvar Squamous Cell Carcinoma and Pa-
pillomaviruses: Indications for Two Different Etiologies.
vezes ulcerada. A terapêutica adequada é a Gynecol Oncol. 1994;52:241-246.

350 Capítulo 20
5. Sliutz G, Schmidt W, Tempfer C, Gitsch G, Eder S et al. 24. De Hullu JA, Hollema H, Piers DA, Verheijen RHM, van
Detection of P53 Point Mutations in Primary Human Diest PJ, Mourits MJE, et al. Sentinel Lymph Node Pro-
Vulvar Cancer by PCR and Temperature Gradient Gel cedure Is Highly Accurate in Squamous Cell Carcinoma
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Cancro da vulva 351


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21 Cancros do colo uterino e vagina

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José Cardoso Moutinho

1. CANCRO DO COLO UTERINO entre a infecção persistente pelo papiloma


vírus humano (HPV) de alto risco e o cancro
1.1 INTRODUÇÃO cervical, tornando-se no 1.o cancro que tem
sempre como causa necessária, embora não
Em todo o mundo, o cancro cervical é o 2.o suficiente, um agente infeccioso4.
cancro mais frequente no sexo feminino e Este facto conduziu ao aparecimento recen-
representa cerca de 10% de todos os can- te de vacinas profilácticas, dirigidas contra
cros na mulher. Em 2002 foram estimados a infecção pelos HPV de alto risco 16 e 18,
493.000 novos casos de cancro cervical in- responsáveis por cerca de 70-75% dos car-
vasivo, dos quais 83% foram diagnosticados cinomas cervicais. Os excelentes resultados
em países subdesenvolvidos1. de eficácia obtidos por estas vacinas em en-
As regiões geográficas de mais alto risco in- saios clínicos, trazem a perspectiva de uma
cluem o sudoeste e este de África, América prevenção primária desta doença, que terá
Central e Caraíbas, onde a incidência anual repercussões a médio e longo prazo na in-
excede os 30/100.000 habitantes. Todos os cidência e mortalidade desta doença, caso a
anos se esperam cerca de 273.000 mortes taxa de cobertura da vacina seja adequada
por cancro cervical, das quais aproximada- e se mantenham os métodos de rastreio se-
mente ¾ ocorrem em países em desenvol- cundários já existentes5.
vimento2.
A incidência e mortalidade geralmente es- 1.2. DIAGNÓSTICO
tão correlacionadas. Algumas regiões, como
a África, apresentam níveis de mortalidade O diagnóstico precoce de cancro cervical
anormalmente altas. Menos de 50% das mu- pode ser difícil por três factores: a frequente
lheres diagnosticadas com cancro cervical, natureza assintomática da doença num es-
em países subdesenvolvidos, sobrevivem tádio precoce; a origem de alguns tumores
para além de cinco anos, e muitas vítimas dentro do canal cervical ou por trás do epi-
são multíparas em idade fértil. Em contraste, télio do ectocérvix, tornando a sua visualiza-
a sobrevivência aos cinco anos em países de- ção impossível com o espéculo; e a frequên-
senvolvidos é de cerca de 66%1. cia de citologias falsas negativas, mesmo em
Em Portugal a incidência é de 13 a 14 ca- mulheres regularmente rastreadas.
sos/100.000 mulheres, ocorrendo quase A hemorragia vaginal anormal é o sintoma
1.000 novos casos por ano, sendo que o nú- mais comum de apresentação do cancro
mero de mortos/ano por esta doença é de cervical invasivo. Em mulheres sexualmen-
cerca de 350 casos3. te activas, apresenta-se habitualmente na
Nos anos 90, a epidemiologia e a biologia forma de coitorragias, mas também pode
molecular estabeleceram uma relação causal surgir uma hemorragia intermenstrual ou

353
pós-menopáusica. Ao contrário do carci- A execução sistemática de cistoscopia e
noma do endométrio, onde a hemorragia proctoscopia são necessários para cumprir,
é usualmente um sinal precoce, o cancro de modo exemplar, o estadiamento preco-

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cervical pode permanecer assintomático até nizado pela Federação Internacional de Gi-
um estádio avançado em mulheres sem ac- necologia e Obstetrícia (FIGO), sendo reser-
tividade sexual. Neoplasias volumosas infec- vado, segundo a maioria das escolas, para
tam com frequência e o corrimento vaginal carcinomas superiores a IB1.
com mau cheiro pode ocorrer antes do início
da hemorragia. Em casos avançados, a dor 1.3. ESTADIAMENTO E
pélvica, a sensação de peso hipogástrico ou EXAMES PRÉTERAPÊUTICOS
a sintomatologia urinária e/ou rectal podem
ser os sintomas de apresentação. 1.3.1. ESTADIAMENTO
Muitas vezes as características da citologia
cervical estabelecem o diagnóstico de can- O uso de técnicas de imagem não-invasivas
cro cervical invasivo, e a diferenciação entre no estadiamento do cancro cervical é um as-
carcinoma epidermóide e adenocarcinoma sunto controverso. A FIGO limita os métodos
é quase sempre possível. No entanto, a pre- de imagem ao Rx tórax, urografia endoveno-
sença de uma citologia negativa em mulhe- sa e clister opaco. O estadiamento do carci-
res com carcinoma invasor é superior a 50%. noma do colo assenta fundamentalmente
Deste modo, uma citologia negativa não numa avaliação clínica.
deve excluir um exame clínico minucioso O estadiamento clínico é muitas vezes pou-
numa mulher sintomática6. co adequado no sentido de definir a exten-
O cérvix é um órgão de fácil acessibilidade e, são da doença.
por isso, o primeiro alerta surge muitas vezes O GOG (Gynecologic Oncology Group), num
numa citologia de rotina anormal ou numa estudo de 290 doentes submetidos a esta-
biopsia a uma área suspeita. A colposcopia diamento cirúrgico, mostrou erros no esta-
impõe-se diante de uma citologia anormal, diamento clínico em 24% das doentes classi-
com o objectivo de dirigir a biopsia. Uma ficadas no estádio IB, e em 67% das doentes
conização é recomendada sempre que a classificadas no estádio IVA. Muitas doentes
biopsia não define com precisão a existência foram subestadiadas e os locais mais prová-
ou não de invasão, e quando há suspeita de veis de metástases ocultas foram os gânglios
neoplasia microinvasora. pélvicos e lombo-aórticos. Outros locais foram
Existe controvérsia sobre a aplicação e o os paramétrios, o peritoneu e o omento7. Cer-
valor dos métodos de imagem na avaliação ca de 10% foram hiperestadiadas, usualmente
das doentes com cancro do colo clinica- porque uma patologia benigna ginecológica
mente no estádio IB1 ou inferior, tais como: coexistia com o cancro cervical, como por
a urografia, a TC, a RM e a tomografia por exemplo uma doença inflamatória pélvica,
emissão de positrões (PET). Nestas situa- uma endometriose ou um fibromioma8.
ções clínicas são considerados irrelevantes A classificação adoptada desde 1994 pela
pela maioria dos autores, sendo apenas FIGO é a seguinte:
realizados com carácter opcional na pre- — Estádio 0: carcinoma in situ ou neoplasia
sença de outros sinais ou sintomas que os intra-epitelial cervical de grau III (CINIII).
justifiquem. — Estádio I: carcinoma localizado ao colo.
Os testes de função renal, hepático e a pes- u IA: carcinoma invasor, cujo diagnóstico
quisa de infecção pelo vírus da imunodefici- é microscópico.
ência humana (VIH) são executadas sempre u IA1: invasão do estroma ≤ 3 mm em
que clinicamente indicados. profundidade e extensão ≤ 7 mm.

354 Capítulo 21
u IA2: invasão do estroma > 3 mm e ≤ 5 mm Técnicas usadas no diagnóstico
em profundidade e extensão ≤ 7 mm. Colposcopia, biopsia, curetagem endocervi-
u IB: lesão limitada ao colo clinicamente cal, conização.

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visível ou de tamanho superior a IA.
u IB1: lesão limitada ao colo ≤ 4 cm. Exames auxiliares
u IB2: lesão limitada ao colo > 4 cm. Urografia endovenosa (pode ser substituída
— Estádio II: carcinoma para além do útero, por TC abdomino-pélvica com contraste),
mas não invade a parede pélvica ou o 1/3 cistoscopia (dispensável nos tumores I e II
inferior da vagina. com diâmetro ≤ 4 cm), rectossigmoidosco-
u IIA: paramétrios livres. pia (dispensável nos tumores I e II com diâ-
u IIB: paramétrios invadidos. metro ≤ 4 cm), Rx tórax, análises gerais.
— Estádio III: carcinoma estende-se para a
parede pélvica ou atinge o 1/3 inferior da Exames opcionais
vagina. Todos os casos com hidronefrose Tomografia axial computorizada abdomino-
são incluídos, excepto quando existem pélvica com contraste (obrigatório em todas
outras causas. as doentes candidatas a iniciar terapêutica
u IIIA: invasão do 1/3 inferior da vagina, com quimiorradioterapia), RM (o exame de
sem extensão à parede pélvica. eleição sempre que há dúvidas sobre envol-
u IIIB: extensão à parede pélvica, e/ou hi- vimento parametrial e quando é importante
dronefrose, ou rim não-funcionante. determinar o volume tumoral), PET, ultra-so-
— Estádio IV: invasão para além da pelve ou nografia, cintilograma ósseo, laparoscopia,
invasão da mucosa vesical ou rectal. marcador SCC (squamous cell carcinoma).
u IVA: invasão para órgãos adjacentes.
u IVB: invasão para órgãos distantes. Após o estadiamento clínico é necessário re-
Na sua última reunião o Comité de Estadia- alizar um planeamento terapêutico. Para isso
mento dos Carcinomas Ginecológicos da várias técnicas de imagem têm sido usadas
FIGO estabeleceu que o estádio IIA seria di- no sentido de definir a extensão da doença,
vidido nos estádios IIA1 e IIA2, conforme a sobretudo avaliar o estado ganglionar.
lesão do colo seria ≤ 4 cm ou > 4 cm9. As principais técnicas de imagens usadas
A realização de uma TC e/ou RM pode aju- são as que se referem em seguida.
dar no planeamento do tratamento, mas
não é aceite para propósitos de estadia- Tomografia axial computorizada
mento. Além disso, a FIGO tem sempre abdomino-pélvica
mantido que o estadiamento tem por ob- Para além dos gânglios linfáticos, uma TC per-
jectivo único a comparação de resultados mite avaliar o fígado, o aparelho urinário e a
e não a orientação terapêutica. Assim, o estrutura óssea. A TC detecta apenas altera-
estadiamento FIGO é utilizado para a es- ções no tamanho dos gânglios, consideran-
tratificação das doentes, sendo os achados do-se positivos aqueles que apresentam o
obtidos pela TC, RM, PET, laparotomia e/ou diâmetro superior a 1 cm. Gânglios de tama-
laparoscopia utilizados para subestratificar nho normal podem apresentar metástases
opções terapêuticas. microscópicas, contribuindo para os resulta-
dos falsos negativos, enquanto os gânglios
1.3.2. EXAMES PRÉTERAPÊUTICOS aumentados por alterações inflamatórias ou
hiperplásicas contribuem para os falsos posi-
Exame clínico tivos. Se considerarmos positivos os nódulos
Exame físico e exame ginecológico com ava- com diâmetros iguais ou superiores a 1,5 cm
liação dos paramétrios. melhoramos a sensibilidade da técnica, com

Cancros do colo uterino e vagina 355


uma redução na especificidade. Uma revisão Citologia aspirativa
da literatura revelou que a sensibilidade e Método para ser utilizado quando existe
a especificidade da TC eram comparáveis à uma lesão ou gânglios suspeitos de doença

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da linfografia10. Globalmente a TC tem uma metastática. A acuidade deste método es-
acuidade de 84,4%, com uma taxa de falsos tende-se desde 74 a 95%. Somente um re-
positivos de cerca de 21% e uma frequência sultado positivo deve ser usado como base
de falsos negativos de aproximadamente para uma decisão terapêutica17,18.
13%. Comparada com a linfografia esta téc-
nica é mais rápida, tecnicamente de mais fá- Laparoscopia de estadiamento
cil execução e comporta mais informação11. Apesar das vantagens teóricas do estadia-
mento cirúrgico, não foram provados bene-
Ecografia pélvica fícios para a doente em termos de sobrevi-
Indicada quando há suspeita de patologia vência e intervalo livre de doença, quer por
anexial12. laparoscopia quer por laparotomia. Foi rea-
lizado um estudo randomizado em doentes
Ressonância magnética nuclear com cancro avançado do colo. As doentes
É o método de imagem mais adequado para no braço cirúrgico foram submetidas a la-
determinar o tamanho do tumor, grau de paroscopia ou laparotomia, com avaliação
invasão do estroma, extensão aos paramé- ganglionar por via extraperitoneal. Embora
trios e vagina, e avaliação do estado gan- as metástases ganglionares para aórticas
glionar. É também o método indicado na tenham sido encontradas em 25% das do-
avaliação de uma mulher grávida, dado que entes, o estudo terminou após 61 doentes
não apresenta risco para o feto. Na avaliação porque uma análise interina revelou piores
do estadiamento da doença, a RM tem uma resultados no braço cirúrgico, em termos de
acuidade de 90% comparada com 65% da TC intervalo livre de doença (p = 0,003) e sobre-
(p < 0,005) e apresenta também uma maior vivência global (p = 0,024)19.
acuidade na avaliação dos paramétrios (94
vs 76%; p < 0,005). Ambas as modalidades 1.4. TRATAMENTO PRIMÁRIO
são comparáveis na avaliação das metásta-
ses ganglionares13. O tratamento primário do carcinoma do colo
nos estádios iniciais é feito quer pela cirur-
Tomografia por emissão de positrões gia, quer pela radioterapia.
Depende de alterações metabólicas das célu- Existe hoje consenso, após resultados de
las neoplásicas, em vez de alterações anatómi- vários ensaios clínicos randomizados, que a
cas. Tem o papel de mais adequadamente de- quimiorradioterapia concomitante deve ser
linear a extensão da doença, particularmente o tratamento de escolha para os estádios IIB,
em gânglios que não estão aumentados, e III e IVA19. O mesmo consenso alargado exis-
detectar metástases à distância em locais não te quanto ao emprego da cirurgia, no trata-
detectáveis pelos exames de imagem mais mento dos carcinomas no estádio IA, IB1 e
convencionais. É um exame opcional, dispen- IIA com lesão igual ou inferior a 4 cm.
dioso, que deve ser utilizado principalmente Nas mulheres que pretendem manter a
quando há necessidade de excluir metástases fertilidade, o tratamento poderá consistir
fora da pelve para planear a terapêutica ou, apenas numa conização no estádio IA1 e na
quando na suspeita de recidiva, se coloca a traquelectomia radical com linfadenectomia
hipótese de uma cirurgia radical ou ultra-radi- pélvica no Estádio IA2 e IB1 com lesão ≤ 1
cal, para o que é necessário excluir metastiza- cm. Todos os outros casos com indicação ci-
ção fora da pelve14,-16. rúrgica como tratamento primário devem

356 Capítulo 21
realizar uma histerectomia radical com linfa- vica. No entanto, nas mulheres que preten-
denectomia pélvica. dem manter a fertilidade, a realização de
uma linfadenectomia pélvica após a coni-

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1.4.1.CARCINOMA MICROINVASOR zação, ou uma traquelectomia radical com
 ESTÁDIOS IA1 E IA2 linfadenectomia pélvica parece ser cada vez
mais uma atitude válida23.
O diagnóstico e tratamento do microcarci- Embora o conceito de microcarcinoma esca-
noma do colo do útero têm sido sujeitos a moso do colo seja bem aceite, a microinvasão
intenso debate, desde que o termo foi intro- para o componente glandular é mais contro-
duzido por Mestwerdt em 194720. verso, não só pela falta de dados disponíveis,
Só em 1995 a FIGO estabeleceu de modo mais mas sobretudo pela dificuldade em determi-
preciso os critérios necessários para classificar nar a verdadeira invasão da lesão glandular.
um carcinoma do colo como microinvasor (es- O adenocarcinoma microinvasor do colo é
tádio IA). O estádio IA1 é um tumor cuja inva- uma entidade raramente diagnosticada. Os
são não ultrapassa os 3 mm em profundidade, dados existentes na literatura apontam para
e o estádio IA2 aquele cuja profundidade de que possamos adoptar um protocolo de trata-
invasão é superior a 3 mm mas não ultrapas- mento idêntico ao da variedade escamosa24.
sa os 5 mm. Em ambos os casos a dimensão
horizontal da lesão não deve ultrapassar os 7 1.4.2. CARCINOMA IB2 E IIA
mm. A invasão dos espaços vasculares não foi
incluída como parte da definição. Não existe consenso quanto à abordagem
Embora a invasão do estroma possa ser ob- terapêutica óptima para as doentes com
servada numa biopsia, um diagnóstico defi- carcinomas classificados no estádio IB2 e IIA
nitivo de microinvasão só pode ser estabele- com lesão superior a 4 cm, optando a maio-
cido após um criterioso estudo de uma peça ria dos centros por realizar tratamento com
de conização (ou de histerectomia). quimiorradioterapia, seguindo o mesmo es-
Os dados da literatura apontam para taxas quema terapêutico usado para os estádios
de metastização ganglionar no estádio IA1, mais avançados25. Outros preconizam, des-
inferiores a 1% e casos raros de recidiva in- de que não haja suspeita de metastização
vasora. Assim, este grupo de doentes pode nos gânglios lombo-aórticos ou invasão da
ser tratado com histerectomia simples ou parede vaginal anterior, a realização de uma
apenas conização quando está em causa a histerectomia radical com linfadenectomia
preservação da fertilidade. pélvica e realizar uma terapêutica adjuvan-
No que diz respeito ao estádio IA2, os dados te em função dos achados cirúrgico-patoló-
da literatura são relativamente escassos, refe- gicos. Existem alguns dados científicos que
rindo a maioria dos trabalhos percentagens de revelam que é a abordagem que mostra me-
metastização ganglionar com invasão entre os lhores resultados no tratamento do adeno-
3 e os 5 mm, não tendo em conta a dimensão carcinoma do colo nestes estádios.
horizontal da lesão. Neste grupo de doentes, A histerectomia radical como estratégia tera-
a taxa de metastização é da ordem dos 7% e pêutica primária tem as seguintes vantagens:
a percentagem de recidiva invasora situa-se à permite um estadiamento cirúrgico da doen-
volta dos 3%. Em alguns trabalhos a taxa de ça, o que leva a uma terapêutica complemen-
metastização ganglionar e de recidiva está as- tar mais racional; permite a ressecção de gân-
sociada à invasão dos espaços vasculares21,22. glios metastáticos volumosos, o que melhora
O tratamento preconizado para este gru- significativamente o prognóstico; permite a
po de doentes é uma histerectomia radical remoção da neoplasia primária, evitando as
(tipo II de Piver) com linfadenectomia pél- dificuldades posteriores de saber se há ou

Cancros do colo uterino e vagina 357


não doença viável no colo residual, que fica O estado ganglionar constitui o factor de
após terapêutica com radioterapia. prognóstico mais importante na avaliação
A opção cirúrgica é obrigatória em doentes pós-operatória destas doentes. Muitos estu-

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com doença inflamatória pélvica, problemas dos mostram que o estado ganglionar tem
anatómicos que impeçam a realização de fortes implicações na sobrevivência. No es-
uma radioterapia em condições adequadas, tádio IBI a sobrevivência aos cinco anos é de
e na presença de massa pélvica não diagnos- 85 a 90% quando os gânglios são negativos,
ticada26-29. mas diminui significativamente na presença
Uma outra opção terapêutica consiste na de gânglios positivos. Quando há positivida-
realização de uma quimioterapia neo-adju- de em mais de três gânglios, a recorrência é
vante, seguida de histerectomia radical com de 68% em contraste com uma recorrência
linfadenectomia pélvica e radioterapia com- de 30 a 50% quando menos de três gânglios
plementar, em função dos achados cirúr- estão envolvidos. Quando há apenas um
gico-patológicos. Actualmente esta opção gânglio positivo o prognóstico, após a sua
terapêutica deve apenas ser utilizada dentro excisão, parece ser igual ao das doentes com
de ensaios clínicos30. gânglios negativos.
Em 2003 o GOG publicou os resultados de O tamanho da lesão tem sido considerado
um ensaio com 266 doentes com carcinoma como um factor independente na sobrevi-
do colo no estádio IB2, que foram randomi- vência, com sobrevivências de aproximada-
zados em dois braços: um era tratado exclu- mente 90% em lesões iguais ou inferiores a
sivamente com radioterapia, e o outro com 2 cm, em contraste com sobrevivências de
uma dosagem de radioterapia que permitia 60% para lesões maiores que 2 cm.
realizar a seguir uma histerectomia extra- A profundidade de invasão também influen-
fascial. Cerca de 25% dos tumores eram cia a sobrevivência. Esta diminui significa-
iguais ou superiores a 7 cm. Os resultados tivamente com profundidades de invasão
mostraram uma mais baixa percentagem superiores a 1 cm. Quanto à invasão dos
de recidiva local no grupo da histerectomia paramétrios, a sobrevivência é de 95% com
(27 vs 14% aos cinco anos), embora o resul- paramétrios negativos vs 69% quando os pa-
tado global em termos de sobrevivência ramétrios são positivos.
não fosse estatisticamente significativo31. O significado da invasão dos espaços fibro-
Entre nós, por vezes, é utilizada esta estra- vasculares é mais controverso, e muitos estu-
tégia terapêutica nos chamados carcinomas dos apontam que este factor de prognóstico
barrel-shaped. é mais um indicador preditivo de metástases
ganglionares do que um factor independen-
1.4.3. HISTERECTOMIA RADICAL te preditivo da sobrevivência.
COMO TRATAMENTO PRIMÁRIO. Considera-se uma doente pós-cirúrgica de
FACTORES DE PROGNÓSTICO alto risco, aquela que apresenta uma ou
mais das seguintes características: um ou
Os factores de prognóstico para as doentes mais gânglios positivos, paramétrios posi-
submetidas como terapêutica primária a tivos, margens cirúrgicas positivas ou sem
uma histerectomia radical com linfadenec- segurança (< 5 mm), invasão profunda do
tomia pélvica são os seguintes: estado gan- estroma (≥ 15 mm), invasão vascular.
glionar, tamanho do tumor primário, profun- Existe controvérsia quanto ao tipo histoló-
didade de invasão do estroma, presença ou gico como factor de prognóstico. Neste mo-
não de invasão dos paramétrios, estado das mento, apenas é consensual que o tipo his-
margens vaginais, presença ou não de inva- tológico referido como tumor de pequenas
são linfovascular, tipo histológico. células (neuroendócrino) está associado a

358 Capítulo 21
um pior prognóstico, preconizando algumas glios lombo-aórticos, o melhor método de
escolas a realização de quimioterapia sisté- tratamento consiste na quimiorradioterapia
mica adjuvante, após a cirurgia radical, ou pélvica concomitante25.

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quimioterapia seguida de radioterapia, na O regime óptimo de quimioterapia não está
presença deste tipo de neoplasia32-43. ainda definido, mas o emprego de um único
agente, cisplatina na dose de 40 mg/m2/se-
1.4.4. TRATAMENTO ADJUVANTE APÓS mana durante a radioterapia externa, é o es-
UMA HISTERECTOMIA RADICAL quema empregue pela grande maioria dos
centros48.
A terapêutica adjuvante com radioterapia Sempre que houver gânglios lombo-aórti-
está indicada em duas circunstâncias: do- cos positivos está indicada a exérese desses
entes com gânglios positivos, paramétrios gânglios por via extraperitoneal (ou laparos-
positivos ou margens cirúrgicas positivas cópica), antes de iniciar o tratamento com
ou sem segurança; e doentes com gânglios quimiorradioterapia (radioterapia pélvica e
negativos, mas consideradas de alto risco na lombo-aórtica), caso a TC torácica seja nega-
avaliação dos factores de prognóstico. tiva para metástases27,28.
As doentes que se apresentam com doença
Doentes com gânglios positivos, paramé- no estádio IVA com fístula vesico-vaginal ou
trios positivos ou margens cirúrgicas posi- recto-vaginal e sem sinais de doença fora da
tivas ou sem segurança pelve, são candidatas à realização de alguma
Um ensaio randomizado mostrou que a tera- forma de exenteração pélvica como trata-
pêutica adjuvante com quimiorradioterapia mento primário.
vs radioterapia isolada apresentava uma me-
lhoria na sobrevivência aos três anos. Esta di- 1.5. VIGILÂNCIA APÓS TRATAMENTO
ferença era estatisticamente significativa44.
Estas doentes devem ser avaliadas cada três
Doentes com gânglios negativos mas con- meses ou cada quatro meses no primeiro ano
sideradas de alto risco na avaliação dos após a terapêutica primária; cada seis meses no
factores de prognóstico segundo e terceiro ano, e depois anualmente.
Estas são doentes com gânglios negativos, O papel da vigilância por rotina tem sido mui-
paramétrios negativos e margens cirúrgicas to questionado, porque a maioria das recor-
negativas, que apresentam como factores rências são detectadas em doentes sintomá-
de alto risco apenas invasão profunda do es- ticas. No entanto a vigilância de rotina, para
troma e/ou invasão dos espaços linfovascu- além do suporte psicológico à doente, permi-
lares. Embora estas doentes tenham sobre- te uma melhor avaliação dos tratamentos e
vivências de 85-90%, elas contribuem com suas consequências. Um estudo mostrou que
aproximadamente 50% das recidivas, que 32% de todos os casos de recorrência foram
ocorrem em cerca de 70% ao nível da pel- detectados nestas consultas de rotina49.
ve45-47. São doentes candidatas à realização Na vigilância de rotina para além do exame
de radioterapia pélvica, como terapêutica clínico deverá ser realizada uma citologia
complementar. da cúpula vaginal. Um estudo mostrou que
72% das recorrências vaginais eram assin-
1.4.5. TRATAMENTO DO CANCRO tomáticas, e muitas delas foram detectadas
DO COLO IIB A IVA pela citologia anormal50.
Os exames complementares de diagnóstico
Os trabalhos mais recentes demonstram que devem ser realizados em função da sintoma-
para doentes sem metastização dos gân- tologia e exame clínico da doente.

Cancros do colo uterino e vagina 359


Toda a suspeita de recorrência deverá ter, concomitantes. No caso da TC/RM serem ne-
sempre que possível, uma confirmação his- gativas, a orientação terapêutica é baseada
tológica. no estado das margens: margens positivas

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implicam quimiorradioterapia complemen-
1.6. TRATAMENTO DA RECORRÊNCIA tar; margens negativas requerem a realiza-
ção de radioterapia complementar, ou em
As doentes com doença recorrente localiza- alternativa uma parametrectomia com lin-
da após tratamento primário exclusivo com fadenectomia pélvica e estabelecer terapêu-
cirurgia, devem ser submetidas a quimiorra- tica complementar em função dos achados
dioterapia. Alguns autores apresentam per- cirúrgico-patológicos.
centagens de cura na ordem dos 40%, para
estes casos. 1.8. CANCRO CERVICAL E GRAVIDEZ
As doentes com recorrência limitada à pel-
ve após tratamento com radioterapia, com Não há uma definição clara na literatura
intervalo livre de doença superior a um ano, sobre cancro cervical associado à gravidez.
devem ser avaliadas para a realização de Alguns autores referem somente casos diag-
exenteração pélvica. Em centros especiali- nosticados durante a gravidez, enquanto
zados a mortalidade operatória é de 5% ou outros também incluem casos diagnostica-
inferior, com sobrevivências entre 20 a 80%. dos nos primeiros 12 meses após o parto.
As doentes com recorrências em forma de Numa série da Universidade da Califórnia
nódulo a nível pulmonar ou hepático po- onde são referidos apenas casos diagnos-
dem beneficiar de ressecção cirúrgica. ticados durante a gravidez, a incidência
A terapêutica paliativa na recorrência em lo- de cancro do colo era de 1,2/10.000 gesta-
cais irradiados que não permitem a utilização ções56.
de técnicas de controlo da dor local ou qual- No estádio IA1, diagnosticado em peça de
quer tipo de ressecção cirúrgica, constitui um conização com margens livres, é sensato
problema por resolver. Estas recorrências são seguir a gravidez até ao termo e reavaliar a
habitualmente resistentes à quimioterapia e situação seis semanas após o parto.
o tratamento deve ser individualizado. Em doença mais avançada, o tratamento
Ocasionalmente as doentes podem benefi- é influenciado pelo estádio da doença e o
ciar de radioterapia dirigida à recorrência. tempo de gravidez. Doentes diagnosticadas
A quimioterapia tem um papel ainda pouco antes das 20 semanas, a recomendação será
esclarecido no prolongamento e qualidade tratamento imediato, enquanto os casos
de vida. A monoterapia com cisplatina tem diagnosticados após as 28 semanas deve
sido o tratamento mais usado, embora a ser esperada a viabilidade fetal. O dilema
tendência actual seja para a associar com o surge para as situações de diagnóstico en-
paclitaxel ou topotecano51-55. tre as 20 e as 28 semanas. Parece não haver
agravamento do prognóstico, em mulheres
1.7. CARCINOMA INVASOR DO COLO com cancro do colo no estádio IB1, caso se
EM PEÇA DE HISTERECTOMIA espere até se atingir a viabilidade fetal 56,57.
Nas outras situações está indicado o trata-
Um esquema de tratamento razoável em mento imediato.
tumores IA2 ou estádios mais avançados, é Caso a mulher com carcinoma avançado do
baseado nos dados fornecidos por uma TC/ colo recuse a interrupção da gravidez, de-
RM abdomino-pélvica. Caso haja sinais ima- verá considerar-se a administração de qui-
giológicos da doença fora do útero, o trata- mioterapia neo-adjuvante até ser atingida a
mento preconizado é quimiorradioterapia viabilidade fetal58,59.

360 Capítulo 21
A não ser que toda a lesão tenha sido remo- relativo de desenvolver cancro da vagina,
vida numa peça de conização, classicamente embora o risco absoluto seja baixo65.
recomenda-se realizar o parto por cesariana Cerca de 30% das mulheres com carcinoma

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electiva. No entanto, vários estudos retros- primário da vagina, têm uma história de car-
pectivos mostram que o parto vaginal não cinoma in situ ou carcinoma invasivo do colo
afecta de modo negativo o prognóstico da tratados nos últimos cinco anos.
doença60. Dada a raridade da doença, não existe ne-
Caso o tratamento primário seja uma histe- nhum método de rastreio que apresente
rectomia radical com linfadenectomia pél- uma adequada relação custo-benefício. No
vica, esta deve ser realizada com o feto in entanto, as mulheres tratadas de lesões ne-
situ (antes da viabilidade fetal) ou após uma oplásicas intra-epiteliais cervicais ou cancros
cesariana. invasores do colo devem ser monitorizadas
Caso o tratamento primário escolhido seja a com citologias anuais.
radioterapia antes da viabilidade fetal, esta
deve iniciar-se pela radioterapia externa e 2.1. SINAIS E SINTOMAS
esperar o abortamento espontâneo. Caso
o abortamento não ocorra até à altura de A sintomatologia referida consiste em leu-
iniciar a braquiterapia, deve realizar-se uma correia sanguinolenta e indolor. A hemor-
histerotomia e nessa altura aproveitar para ragia é usualmente pós-menopáusica, mas
realizar uma avaliação ganglionar. pode ser na forma de coitorragias. Por vezes
Recentemente estudos controlados têm de- existe polaquiúria e disúria, e os tumores de
monstrado idênticas sobrevivências nas mu- localização posterior podem provocar tenes-
lheres com carcinoma do colo, quer na gravi- mo. Quando existe dor pélvica associada,
dez, quer na situação de não-grávida61,62. normalmente a neoplasia já invadiu as estru-
turas para fora da vagina. Cerca de 5 a 10%
das neoplasias da vagina são assintomáticas,
2. CANCRO DA VAGINA sendo diagnosticadas no exame físico de
rotina, habitualmente após uma citologia
O cancro da vagina constitui cerca de 2% anormal. Muitas lesões estão situadas no 1/3
das neoplasias do aparelho genital feminino. superior da parede posterior. Macroscopica-
Mais de 50% dos casos são diagnosticados mente são habitualmente lesões exofíticas,
em mulheres com mais de 70 anos63. mas algumas vezes podem ser endofíticas.
As variantes histológicas mais frequentes são No decurso da evolução da doença, pode-se
a escamosa (cerca de 80% casos) e o adeno- apresentar como uma ulceração.
carcinoma, incluindo a variedade de células
claras (cerca de 10% casos). 2.2. DIAGNÓSTICO
Segundo Fu64, 84% dos carcinomas da va-
gina são secundários, usualmente consti- A suspeita diagnóstica é confirmada pelo
tuindo metástases de carcinomas do colo exame histológico da biopsia de uma lesão
(32%), do endométrio (18%), do cólon macroscopicamente visível. Por vezes, es-
e recto (9%), do ovário (6%), ou da vulva pecialmente em mulheres assintomáticas
(6%). Dos 164 carcinomas epidermóides, com citologia anormal, impõe-se a avalia-
44 (27%) foram primários e 120 (73%) fo- ção da vagina por colposcopia e realizar a
ram secundários. exérese de áreas anormais com electroci-
As mulheres tratadas previamente de cancro rurgia ou bisturi clássico. Algumas vezes,
anogenital, particularmente tratadas de can- estas biopsias exigem a realização de uma
cro do colo do útero, têm um elevado risco anestesia geral.

Cancros do colo uterino e vagina 361


2.3. ESTADIAMENTO quimiorradioterapia. A cirurgia poderá estar
indicada nas seguintes circunstâncias: doen-
O estadiamento do carcinoma da vagina é ça no estádio I, limitada ao 1/3 superior da

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clínico, e baseado nos mesmos princípios vagina onde poderá ser considerada a reali-
usados para o estadiamento do carcinoma zação uma histerectomia radical com linfade-
do colo. Segundo a FIGO, o estadiamento nectomia pélvica e vaginectomia parcial; do-
será: ença no estádio IVA, com fístula recto-vaginal
— Estádio 0: carcinoma in situ (VaIN3). ou vesico-vaginal, onde poderá ser realizada
— Estádio I: carcinoma limitado à parede uma exenteração pélvica, seguida ou não de
vaginal. reconstrução vaginal; doentes com recorrên-
— Estádio II: carcinoma atinge o tecido sub- cia central, após tratamento primário com
vaginal, mas não a parede pélvica. radioterapia, onde uma exenteração pélvica
— Estádio III: carcinoma estende-se para a será também uma opção a considerar.
parede pélvica.
— Estádio IVA: invasão da bexiga e/ou recto 2.6. PROGNÓSTICO
e/ou invasão para além da parede pélvica.
— Estádio IVB: invasão para órgãos distantes. No volume XXIV do Annual Report on the Re-
A disseminação do cancro vaginal faz-se: por sults of Treatment in Gynecological Cancer, a
extensão directa, para os tecidos musculares sobrevivência aos cinco anos foi: estádio I
pélvicos, ossos pélvicos e órgãos adjacen- 73,4%; estádio II 51,4%; estádio III 32,5%; es-
tes (bexiga e recto); por via linfática, para os tádio IVA 20,4%; estádio IVB 0%63.
gânglios pélvicos e lombo-aórticos (lesões Esta sobrevivência é pior que a sobrevivên-
no 1/3 inferior da vagina metastizam direc- cia referida para os cancros do colo e vulva
tamente para os gânglios inguinofemorais, e traduz as dificuldades envolvidas no trata-
com os gânglios pélvicos envolvidos secun- mento desta doença.
dariamente); por via hematogénica, para
órgãos distantes incluindo pulmão, fígado
e ossos. A disseminação hematogénica é Bibliografia
habitualmente um acontecimento tardio, e
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casos por ano. Por esse motivo, a maioria das 7. Laggersseld LD, Creasman WT, Shingleton HM, Bless-
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vezes o tratamento é individualizado, tendo in cervical cancer experience of the Gynecology On-
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362 Capítulo 21
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Cancros do colo uterino e vagina 363


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364 Capítulo 21
22 Cancro do endométrio

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Fernando Mota

1. INTRODUÇÃO lheres por ano e para o Registo Oncológico do


Centro essa taxa foi, no mesmo ano, de 8,3.
O carcinoma do endométrio é a neoplasia gi- O carcinoma do endométrio predomina
necológica mais frequente nos países desen- nas mulheres pós-menopáusicas, na sexta
volvidos. De entre todos os cancros que afec- e sétima década de vida, atingindo um pico
tam a mulher é o quarto mais comum, após de incidência por volta dos 62 anos. A sua
os tumores da mama, cólon e pulmão e é o incidência tem vindo a aumentar devido à
décimo cancro mais letal. Duas a três mulhe- obesidade e longevidade crescentes das po-
res em cada 100 irão desenvolver um carcino- pulações. Apesar da agressividade do tumor
ma do endométrio no decurso da sua vida1. aumentar com o avançar da idade, a maioria
O carcinoma do endométrio é, tipicamente, são diagnosticados nos estádios iniciais, vis-
um tumor dos países ricos com a incidência to que as metrorragias são um sinal de alerta
máxima a registar-se nos Estados Unidos e muito frequente. A biopsia do endométrio,
na Europa Ocidental e a mais baixa no Japão orientada por ecografia ou histeroscopia,
e nos países em desenvolvimento de África, continua a ser o meio de diagnóstico indis-
Ásia e América Latina. As taxas de incidên- pensável no esclarecimento das hemorra-
cia apresentam variações regionais conside- gias uterinas anormais ou suspeita de pato-
ráveis e oscilam entre os 24 na população logia endometrial.
branca dos Estados Unidos e os quatro em
Bombaim, na Índia, por 100.000 mulheres e
por ano. As taxas de mortalidade são para- 2. ETIOPATOGENIA
lelas às da incidência, variando entre os 5,7
nos EUA e os 0,6 na Índia por 100.000 mulhe- Existem dois tipos distintos de carcinoma do
res e por ano2. A grande divergência entre endométrio3. O mais comum (tipo I) corres-
as elevadas taxas de incidência e as baixas ponde a 75 a 85% dos casos, surge em mu-
taxas de mortalidade é explicada pelo diag- lheres mais jovens, habitualmente obesas,
nóstico precoce da maioria dos carcinomas com antecedentes de estimulação estrogéni-
do endométrio, razão por que é considerado ca isolada e prolongada – seja endógena ou
um tumor de bom prognóstico. exógena – e associa-se às hiperplasias endo-
Em Portugal a incidência foi estimada, para metriais. São tumores de tipo endometrióide,
1995, de 17,4 novos carcinomas do corpo bem diferenciados, com invasão superficial
uterino e a mortalidade foi de 3,4 óbitos por do miométrio, com receptores para estrogé-
100.000 mulheres e por ano2. Contudo, o Re- nios e melhor prognóstico. As alterações ge-
gisto Oncológico do Norte refere, em relação néticas precoces mais frequentes neste tipo
a 2004, uma taxa de incidência padronizada de carcinomas são as mutações e delecções
para o corpo do útero de 7,7 por 100.000 mu- no gene supressor tumoral PTEN, mutações

365
nos oncogenes K-ras e β-catenina e instabili- (uso de contraceptivos orais) são protecto-
dade dos microssatélites devida a inactivação res para neoplasia endometrial. A progeste-
dos genes de reparação do ADN. rona tem um efeito antiproliferativo sobre o

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O outro tipo de carcinoma do endométrio endométrio e pode induzir a apoptose das
(tipo II) é independente da estimulação estro- células endometriais.
génica, coexiste com um endométrio atrófico, O hiperestrogenismo absoluto ou relativo,
ocorre em mulheres pós-menopáusicas mais por ausência ou insuficiência da progestero-
idosas e magras e corresponde a tumores na, determina uma estimulação contínua do
menos diferenciados ou não endometrióides, endométrio que pode conduzir à hiperplasia
com invasão profunda do miométrio, metás- endometrial. As hiperplasias complexas com
tases ganglionares frequentes, baixa sensibi- atipia celular são verdadeiras lesões pré-ma-
lidade aos progestativos e mau prognóstico. lignas, precursoras do carcinoma do endo-
Estes tumores do tipo II estão habitualmente métrio. No quadro 2 é apresentada a classi-
associados a mutações do importante gene ficação das hiperplasias endometriais e as
supressor tumoral p53, identificadas em respectivas taxas de progressão para carci-
aproximadamente 90% dos casos. noma do endométrio4. Um estudo recente5,
A maioria dos factores de risco para o desen- documentou a coexistência de carcinoma
volvimento de carcinoma do endométrio do endométrio e hiperplasia endometrial
(Quadro 1) está relacionada com estímulos com atipia em 62,5% dos casos estudados.
estrogénicos isolados e actuando de modo
prolongado sobre a mucosa uterina: ciclos
anovulatórios, nuliparidade, menopausa tar- 3. PREVENÇÃO
dia, obesidade (conversão periférica de an-
drogénios endógenos em estrogénios), uso 3.1. PREVENÇÃO PRIMÁRIA
prolongado de tamoxifeno e uso exclusivo
de estrogénios na mulher pós-menopáusi- A prevenção primária do carcinoma do en-
ca. Pelo contrário, factores que diminuam a dométrio assenta no controlo do peso, práti-
exposição aos estrogénios (fumo de tabaco) ca de exercício físico, controlo adequado da
ou aumentem os níveis de progesterona diabetes e hipertensão arterial.

Quadro 1. Factores de risco para o carcinoma do endométrio

Factor Risco relativo

Hereditariedade 3-20

Obesidade 3-10

Estrogénios exógenos exclusivos 4-8

Tamoxifeno 2-4

Nuliparidade 2-3

Diabetes 2,8

Menopausa tardia (> 52 anos) 2,4

Pílula combinada 0,5

Tabagismo ~ 0,5

366 Capítulo 22
Quadro 2. Classificação das hiperplasias do endométrio

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Tipo de hiperplasia Progressão para cancro

Simples (quística sem atipia) 1%

Complexa (adenomatosa sem atipia) 3%

Atípica simples (quística com atipia) 8%

Atípica complexa (adenomatosa com atipia) 29%

A terapêutica hormonal substitutiva na mu- (HNPCC), também conhecido como sín-


lher pós-menopáusica não histerectomizada drome de Lynch II.
deverá incluir, obrigatoriamente, um proges- As mulheres sob terapêutica com tamoxi-
tativo para neutralizar a acção proliferativa feno talvez possam beneficiar de ecografia
dos estrogénios sobre o endométrio. com sonda vaginal. Já a histeroscopia com
biopsia é obrigatória na presença de uma
3.2. PREVENÇÃO SECUNDÁRIA metrorragia. As mulheres com história fami-
liar de HNPCC serão sujeitas a ecografia en-
A prevenção secundária – rastreio – do car- dovaginal e/ou histeroscopia, anualmente,
cinoma do endométrio não é exequível por a partir dos 30 anos. Para estas mulheres, a
não existir um teste aceitável, em termos de histerectomia total e anexectomia bilateral é
custo/benefício e fiabilidade, que permita a recomendada após os 35 anos.
redução da incidência e da mortalidade por
esta neoplasia.
A citologia endometrial tem pouca sensibi- 4. HISTOPATOLOGIA
lidade e especificidade para ser usada como
método de rastreio, mesmo em populações 4.1. CARCINOMAS DO TIPO ENDOMETRIÓIDE
de alto risco.
O teste com progestativo, administrado às Os carcinomas do tipo endometrióide repre-
mulheres pós-menopáusicas, apenas permi- sentam aproximadamente 80% dos cancros
te concluir acerca da estimulação do endo- do endométrio. Estes tumores são constituí-
métrio pelos estrogénios, mas não identifica dos por proliferações celulares com hiperpla-
patologia endometrial. sia e anaplasia dos elementos glandulares e
A ecografia por via vaginal e posterior his- com invasão do estroma subjacente, mio-
teroscopia com biopsia orientada são ex- métrio e espaços linfovasculares. Os tumores
cessivamente dispendiosas e invasivas para bem diferenciados (G1) têm uma arquitectu-
serem empregues como testes de rastreio. ra glandular preservada e evidenciam poucas
Contudo, o rastreio do carcinoma do endo- atipias celulares. Quando são menos diferen-
métrio e das suas lesões precursoras pode ciados, os tumores contêm mais formações
justificar-se num limitado grupo de mulhe- sólidas e menos estruturas glandulares e
res de alto risco, como: apresentam mais atipias citológicas e o seu
— Mulheres submetidas a tratamento pro- grau de diferenciação será G2 ou G3 conso-
longado com tamoxifeno. ante a gravidade destas duas determinantes.
— Mulheres com história familiar de can- Os carcinomas do tipo endometrióide apre-
cro hereditário não-polipóide do cólon sentam algumas variantes. Cerca de 2% são

Cancro do endométrio 367


ditos viloglandulares, quando as células es- O carcinoma de células claras corresponde a
tão dispostas ao longo de eixos fibrovascula- aproximadamente 2% de todos os carcino-
res. São sempre tumores bem diferenciados mas do endométrio e é mais frequente em

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e devem ser distinguidos dos carcinomas mulheres muito idosas. O tumor é constitu-
serosos papilares. ído por células altamente atípicas com cito-
Quinze a vinte e cinco por cento dos carcino- plasma abundante, claro e eosinófilo e tem
mas endometrióides têm áreas de diferen- um prognóstico semelhante ao carcinoma
ciação escamosa. No passado, estes tumores seroso papilar, com o qual frequentemente
eram designados por adenoacantomas e coexiste.
carcinomas adenoescamosos. Actualmente, Os carcinomas mucinosos representam cer-
prefere-se a designação carcinoma do en- ca de 1% dos carcinomas do endométrio.
dométrio com diferenciação escamosa, visto São tumores bem diferenciados, com uma
que o comportamento biológico do tumor arquitectura dominante glandular ou vilo-
depende do grau de diferenciação do com- glandular e onde as células contêm mucina
ponente glandular. intracitoplasmática. É, por vezes, necessário
Finalmente, o carcinoma secretor é uma fazer o diagnóstico diferencial com o carci-
variante rara do carcinoma endometrióide, noma endocervical.
aproximadamente 1% dos casos. Estes tu- O carcinoma escamoso do endométrio é
mores, constituídos por glândulas com va- raro, habitualmente de grau 3 (G3) e de mau
cúolos, são bem diferenciados – arquitectu- prognóstico.
ra glandular uniforme e rara atipia citológica O carcinoma indiferenciado do endométrio
– e devem ser distinguidos do carcinoma apresenta áreas extensas de necrose e hemor-
de células claras. Têm, geralmente, um bom ragia, é monomorfo, sem diferenciação glan-
prognóstico. dular ou escamosa. Corresponde a 10% dos
cancros do endométrio e exige diagnóstico
4.2. CARCINOMAS DO ENDOMÉTRIO diferencial com o sarcoma do estroma endo-
NÃOENDOMETRIÓIDES metrial de baixo grau e o leiomiossarcoma.
Finalmente, os carcinomas mistos são cons-
Os carcinomas do endométrio não-endome- tituídos por dois tipos histológicos associa-
trióides são biologicamente mais agressivos, dos em proporção variável e o prognóstico
independentes dos estrogénios, correspon- depende do componente mais agressivo.
dem a aproximadamente 20% de todos os
cancros do endométrio e subdividem-se nos 5. DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO
tipos histológicos a seguir descritos.
O carcinoma seroso papilar representa 4 a 5% 5.1. SINAIS E SINTOMAS
dos carcinomas do endométrio e assemelha-
se a um carcinoma do ovário ou da trompa. É A maioria das pacientes com carcinoma do
constituído por eixos fibrovasculares circun- endométrio acorre à consulta sem demora
dados por células altamente atípicas. Ao con- no curso do desenvolvimento da neoplasia,
trário dos carcinomas do tipo endometrióide, com sinais e sintomas facilmente reconhecí-
biologicamente mais indolentes, os carcino- veis, que impõem uma avaliação diagnósti-
mas serosos são muito agressivos, estão nor- ca adequada e célere. Os sinais principais de
malmente associados a invasão linfovascular cancro do endométrio são as hemorragias
e invasão profunda do miométrio e exibem genitais anormais e/ou leucorreia, surgindo
metastização intraperitoneal e ganglionar numa mulher peri ou pós-menopáusica. As
frequente, simulando o comportamento de causa destas hemorragias podem ser, contu-
um carcinoma do ovário. do, extragenitais ou genitais e, de entre estas,

368 Capítulo 22
extra-uterinas ou uterinas. Um diagnóstico numa mulher assintomática. Tal facto pode
diferencial é, pois, obrigatório, devendo ser ser sugerido pela presença de células endo-
salientado que, regra geral, não levanta gran- metriais num esfregaço exfoliativo do colo

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des dificuldades. As hemorragias com sede do útero, descoberta do cancro num útero
extragenital serão reconhecidas pela história removido por patologia benigna ou, ainda,
e exame clínico. Os tumores do colo do útero, diagnóstico acidental da neoplasia após rea-
vulva e vagina são evidentes ao exame clínico lização de exame imagiológico pélvico, seja
e deverão ser sujeitos a biopsia. ecografia, TC ou RM.
O sinal predominante e característico do can-
cro do endométrio é a hemorragia uterina 5.2. EXAME CLÍNICO E EXAMES
da mulher pós-menopáusica – metrorragias AUXILIARES DE DIAGNÓSTICO
da pós-menopausa. Aproximadamente 85 a
90% dos cancros do endométrio surgem nes- O exame físico geral da mulher com cancro
te grupo etário e, em 90% das ocasiões, as he- do endométrio é frequentemente normal.
morragias genitais são o motivo da consulta. Contudo, a obesidade, a hipertensão arte-
Numa minoria de pacientes com cancro do rial e a diabetes são morbilidades associadas
endométrio, a hemorragia genital pode não comuns. Muito raramente, metástases num
ocorrer em consequência de estenose do ori- gânglio linfático supraclavicular ou inguinal
fício interno do canal cervical, particularmen- podem ser detectadas.
te em doentes muito idosas. Estas mulheres O exame do abdómen é usualmente normal,
podem referir desconforto e/ou dor pélvica excepto nas situações de doença avançada
devido a contracções uterinas, ou aumento em que a ascite ou massas tumorais abdo-
de volume do corpo uterino e eventual infec- minais podem estar presentes. A vulva, a
ção associada. Raramente, nestas circunstân- vagina e o colo do útero devem ser cuida-
cias, os sinais iniciais de cancro do endomé- dosamente inspeccionados e palpados para
trio consistem num corrimento vaginal fétido excluir doença disseminada. Este exame é
e purulento – piometra, corrimento aquoso habitualmente normal.
– hidrorreia, ou um corrimento vaginal ensan- O toque vaginal bimanual encontra um
guentado – hematometra. corpo uterino geralmente pequeno. Pode,
Felizmente, só 7 a 12% das hemorragias uteri- contudo, estar aumentado por pio-hemato-
nas na pós-menopausa são devidas a cancro metra, miomas associados, ou pelo próprio
do endométrio6, mas a probabilidade aumen- tumor. Na doença avançada, o útero pode
ta com o avançar da idade. A atrofia do en- não só estar aumentado de volume como ter
dométrio é o achado mais frequente, sendo uma forma irregular e estar fixo aos tecidos
responsável por 60 a 80% das hemorragias na adjacentes. As regiões anexiais deverão ser
pós-menopausa. Outras causas possíveis de avaliadas à procura de massas tumorais. Fi-
hemorragia uterina, neste grupo etário, são nalmente, o toque vaginal procurará avaliar
a terapêutica hormonal de substituição, a hi- os fundos-de-saco e o toque rectal os para-
perplasia e os pólipos endometriais. métrios, para a detecção de endurecimento
As mulheres pré-menopáusicas com hemor- ou nódulos suspeitos de invasão neoplásica.
ragias genitais anormais persistentes ou re- A ecografia com sonda vaginal é o meio mais
correntes devem, também, ser submetidas simples de visualizar o endométrio, a cavida-
a avaliação endometrial, visto que 10 a 15% de uterina e o miométrio e, é um exame de
dos cancros do endométrio são diagnostica- rotina, em mulheres pós-menopáusicas que
dos neste grupo etário. apresentam metrorragias. A ecografia pode
O carcinoma do endométrio também pode ser complementada com o exame Doppler
ser diagnosticado, em 1 a 5% dos casos, para estudo da vascularização uterina. Na

Cancro do endométrio 369


presença de um espessamento endometrial
superior a 5 mm, na mulher pós-menopáusi-
ca, retenção de líquido na cavidade uterina,

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ou de um endométrio heterogéneo (Fig 1)
deve realizar-se uma histeroscopia diagnós-
tica (Fig. 2). Este exame permite identificar as
lesões endometriais e realizar uma ou várias
biopsias dirigidas. Alternativas menos fiáveis
à histeroscopia, consistem na colheita de
tecido endometrial «às cegas», através da
biopsia aspirativa executada em ambulató-
rio – aspiração Vabra ou, em meio hospitalar,
com recurso à curetagem endometrial.

5.3. EXAMES COMPLEMENTARES


PRÉTERAPÊUTICOS Figura 2. A histeroscopia correspondente à figura 1 eviden-
cia massa tumoral irregular, com vascularização marcada e
Após a confirmação histopatológica de car- anormal, fortemente sugestiva de corresponder a carcinoma
cinoma do endométrio, vários testes labora- do endométrio, o que foi confirmado por biopsia dirigida.
toriais são requisitados para avaliar o estado
geral da doente, nomeadamente, alterações
metabólicas, renais, hepáticas ou cardiorrespi- A cistoscopia, rectossigmoidoscopia, urogra-
ratórias que possam contra-indicar a cirurgia. fia endovenosa e cintigrama osteo-articular só
O marcador tumoral CA 125 deverá ser obti- serão solicitados se a sintomatologia da doen-
do, apesar do seu valor limitado nos estádios te o justificar, ou os achados do exame físico
iniciais. Contudo, valores elevados correlacio- e os testes laboratoriais o sugerirem. Pacien-
nam-se com doença avançada e metastização tes com antecedentes familiares da síndrome
ganglionar. Quando elevado é útil, também, HNPCC deveriam ser sujeitas a colonoscopia.
na avaliação da resposta à terapêutica. Já o Rx do tórax é um exame requisitado por
rotina, porque útil na avaliação da função car-
diorrespiratória da doente e, na doença avan-
çada, pode revelar metástases pulmonares.
No nosso departamento é requisitada siste-
maticamente uma ressonância magnética
pélvica (RM), o que pode ser controverso
pelos custos que implica. A RM avalia, com
grande fiabilidade, a extensão da doença
(profundidade da invasão do miométrio,
extensão do tumor ao colo, paramétrios ou,
mais raramente, à bexiga e ao recto e, ainda,
sugere a invasão dos gânglios linfáticos regio-
nais) e, deste modo, contribui para a individu-
alização da estratégia terapêutica. A ecografia
endovaginal de alta definição pode substituir,
Figura 1. A ecografia endovaginal com Doppler mostra em mãos experimentadas, a RM na avaliação
cavidade uterina com uma massa heterogénea e muito da profundidade da invasão do miométrio e
vascularizada. extensão do tumor ao colo do útero.

370 Capítulo 22
Na doença avançada, a TC pode identificar Os gânglios linfáticos mais vezes sede de
massas tumorais extra-uterinas, metástases metástases, no carcinoma do endométrio,
hepáticas e pulmonares. são os obturadores.

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5.4. VIAS DE DISSEMINAÇÃO 5.4.4. DISSEMINAÇÃO VASCULAR

5.4.1. INVASÃO DIRECTA É responsável por metástases pulmonares,


hepáticas, ósseas e cerebrais por ordem
É a via mais comum de disseminação tumo- decrescente de frequência. As metástases
ral e resulta na penetração do miométrio e, vaginais ocorrem por disseminação linfática
eventualmente, serosa uterina. O colo do e/ou vascular e são frequentes, mesmo em
útero, as trompas e, de seguida, a vagina e tumores aparentemente limitados ao corpo
os paramétrios podem ser invadidos. uterino.

5.4.2. DISSEMINAÇÃO TRANSTUBAR 5.5. ESTADIAMENTO

Células esfoliadas a partir do tumor primi- Nos anos 80, a FIGO (Federação Internacional
tivo podem ser transportadas através das de Ginecologia e Obstetrícia) substituiu o es-
trompas e levarem ao desenvolvimento de tadiamento clínico (Quadro 3) pelo estadia-
metástases intra-abdominais. mento cirúrgico dos carcinomas do endomé-
trio (Quadro 4), o que permitiu uma melhor
5.4.3. INVASÃO LINFÁTICA individualização da terapêutica adjuvante em
função do risco de recorrência (Quadro 5, ver
No carcinoma do endométrio é frequente a Tratamento). Contudo, o estadiamento clínico
presença simultânea de metastização gan- continua a ser usado nas doentes com contra-
glionar pélvica e para-aórtica. Contudo, e indicação para cirurgia, com doença avançada
apesar da existência de vasos linfáticos que (invasão dos paramétrios, bexiga ou recto) ou
drenam a partir do fundo do útero directa- disseminada. O estadiamento clínico apoia-se
mente para os gânglios para-aórticos, atra- no exame pélvico sob anestesia, histerome-
vés do ligamento infundibulo-pélvico, é raro tria, curetagem fraccionada, histeroscopia,
encontrar gânglios para-aórticos positivos rectossigmoidoscopia e Rx do tórax e esque-
na ausência de gânglios pélvicos invadidos. leto, conforme estipulado pela FIGO.

Quadro 3. Classificação clínica do carcinoma do endométrio (FIGO, 1971)

Estádio I Tumor limitado ao corpo

IA Cavidade uterina < 8 cm

IB Cavidade uterina > 8 cm

Estádio II O tumor atinge o corpo e o colo, mas não se estende para além do útero

Estádio III Extensão para fora do útero, mas limitado à cavidade pélvica

Estádio IV Extensão para além da cavidade pélvica ou invasão da mucosa da bexiga e/ou do recto

IVA Extensão para os órgãos adjacentes

IVB Extensão para órgãos à distância

Cancro do endométrio 371


Quadro 4. Classificação cirúrgica do carcinoma do endométrio (FIGO, 1988)

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Estádio I

IA Tumor limitado ao endométrio

IB Invasão da metade interna do miométrio

IC Invasão da metade externa do miométrio

Estádio II

IIA Extensão à mucosa endocervical

IIB Invasão do estroma do colo do útero

Estádio III

IIIA Invasão da serosa uterina e/ou anexos e/ou citologia peritoneal positiva

IIIB Metástases vaginais

IIIC Metástases em gânglios pélvicos e/ou para-aórticos

Estádio IV

IVA Invasão da mucosa da bexiga e/ou do recto

IVB Metástases à distância incluindo intra-abdominais e/ou gânglios inguinais

6. FACTORES DE PROGNÓSTICO Estas determinantes prognósticas são também


usadas como critérios de selecção terapêutica
O prognóstico da maioria das pacientes com ao identificarem as pacientes que, mais prova-
carcinoma do endométrio é relativamente velmente, poderão beneficiar de tratamento
bom com uma taxa de sobrevivência global adjuvante.
aos cinco anos de 80%7. Este facto é explicado Os principais factores de prognóstico, que
pela precocidade dos sinais clínicos (metror- intimamente se correlacionam entre si, são o
ragias) que alertam para a eventualidade da estádio da doença, idade e raça, tipo e grau
neoplasia e, também, pela circunstância do histológicos, invasão do miométrio, invasão
tumor invadir o miométrio de modo progres- dos espaços linfovasculares e metastiza-
sivo e durante um longo período de tempo e ção ganglionar. O estádio do carcinoma do
só permear os gânglios linfáticos tardiamente. endométrio é o factor de prognóstico mais
Não é, pois, surpreendente que 71% dos carci- significativo. A sobrevivência aos cinco anos
nomas do endométrio sejam diagnosticados para os carcinomas no estádio I cirúrgico é
no estádio I cirúrgico (limitados ao corpo ute- de 85 a 91%, 74 a 83% para o estádio II, 57
rino). Doze por cento encontram-se no estádio a 66% para o estádio III e, por fim, 20 a 26%
II e os restantes 13% e 3% são diagnosticados para as doentes no estádio IV7.
nos estádios III e IV, respectivamente7. Porém, As mulheres mais jovens e de raça branca
como estes tumores são heterogéneos, fac- têm um melhor prognóstico em comparação
tores de prognóstico clínicos, histológicos e com as mais idosas8 e de raça negra9. Os tu-
moleculares têm sido estudados para ajudar mores endometrióides, bem diferenciados,
a determinar as características biológicas do com invasão superficial do miométrio e sem
tumor e tentar prever a evolução da doença. permeação dos espaços linfovasculares têm

372 Capítulo 22
também melhor prognóstico. A profundida- cisivamente a extensão da linfadenectomia
de da invasão do miométrio e o grau histo- ou mesmo a sua realização, compreendem:
lógico estão correlacionados com a metas- tamanho, grau e profundidade do tumor,

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tização ganglionar pélvica e para-aórtica. bem como idade, obesidade e co-morbilida-
Doentes com tumores G3 e com invasão pro- des da paciente.
funda do miométrio apresentam metástases A via abdominal permite realizar o tratamen-
em aproximadamente 35% dos gânglios pél- to cirúrgico padrão do carcinoma do endo-
vicos e 10 a 20% dos para-aórticos10, o que métrio, que consiste numa histerectomia
tem importantes implicações na planificação total extrafascial com anexectomia bilateral
da terapêutica adjuvante, dado o elevado ris- e estadiamento cirúrgico, incluindo a linfa-
co de recorrência. Para concluir, realce-se que denectomia. A linfadenectomia só não está
a metastização ganglionar representa o fac- indicada nos adenocarcinomas endometri-
tor de prognóstico mais importante, quando óides G1 ou G2 intra-endometriais (estádio
considerado individualmente, nos carcino- IA) ou invadindo a metade interna do mio-
mas iniciais do endométrio8,11. métrio (IB). Em todas as outras circunstân-
cias, o estadiamento cirúrgico completo é
necessário: adenocarcinomas do tipo en-
7. TRATAMENTO CIRÚRGICO dometrióide G3, ou invasão profunda do
miométrio, ou invasão do colo do útero, ou
A cirurgia é o tratamento primário recomen- presença de tumor extra-uterino. O estadia-
dado do carcinoma do endométrio. Sempre mento cirúrgico é também obrigatório nos
que possível, as doentes com carcinoma do carcinomas serosos papilares, de células
endométrio deverão ser submetidas a uma claras e escamosos, pela elevada frequên-
laparotomia exploradora que permite um cia de disseminação extra-uterina e invasão
estadiamento cirúrgico, de acordo com a ganglionar, neste grupo de tumores. O com-
classificação da FIGO de 1988. Trata-se de portamento biológico destes tumores exige,
uma laparotomia mediana, infra, para e su- ainda, a realização de citologia das cúpulas
pra-umbilical, que possibilita uma explo- diafragmáticas, biopsias peritoneais múlti-
ração completa da cavidade abdominal. O plas e omentectomia infracólica, como se de
estadiamento cirúrgico inclui a aspiração um cancro do ovário se tratasse.
de líquido peritoneal do fundo-de-saco de A linfadenectomia pélvica e para-aórtica
Douglas ou, na sua ausência, realização de desempenha um importante papel no esta-
um lavado peritoneal com 300 ml de soro fi- diamento cirúrgico do cancro do endomé-
siológico para estudo citológico. De seguida, trio. Contudo, o seu papel terapêutico per-
é feita a inspecção e palpação dos órgãos ge- manece controverso, para além de provocar
nitais internos e paramétrios, bem como de morbilidade não despicienda num grupo
todas as estruturas da cavidade abdominal: de mulheres frequentemente obesas, muito
fundo-de-saco de Douglas, peritoneu vesi- idosas e com várias patologias associadas.
cal, goteiras parieto-cólicas, intestino e seus Nestas circunstâncias, a abstenção cirúrgica
mesos, omento, superfície hepática e dia- ou uma colheita aleatória de alguns gânglios
fragma. Qualquer lesão suspeita deverá ser pélvicos e para-aórticos parece ser a atitude
biopsada ou excisada. Finalmente, é realiza- sensata a tomar. Já a excisão de adenopatias
da a linfadenectomia pélvica e para-aórtica volumosas e suspeitas de invasão neoplásica
sistemática ou, mais vezes e em alternativa, é consensual, se exequível, pela incapacida-
a excisão dos gânglios pélvicos e para-aór- de da radioterapia em as esterilizar.
ticos volumosos ou suspeitos de invasão Nos centros onde não é realizada, por rotina,
tumoral. Factores que podem influenciar de- RM, o útero é aberto no bloco operatório e a

Cancro do endométrio 373


peça é enviada para estudo extemporâneo sença de metástases pulmonares, hepáticas,
(avaliar tamanho do tumor, invasão miometrial ósseas ou invasão da parede pélvica12.
e cervical), que ajudará a decidir sobre a neces- A via vaginal exclusiva no tratamento do

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sidade ou não da linfadenectomia (Fig. 3). carcinoma do endométrio só será realizada
quando se preveja que o estadiamento ci-
rúrgico é dispensável, ou contra-indicado,
como na obesidade mórbida ou na doen-
te com alto risco cirúrgico. Com o desen-
volvimento das técnicas de laparoscopia,
cada vez mais frequentemente é realizada
a histerectomia total e anexectomia bila-
teral por via laparoscópica, ou é utilizada
uma via mista, quando a histerectomia
vaginal é assistida por laparoscopia. Esta
técnica endoscópica permite, também,
a execução de linfadenectomia pélvica e
para-aórtica. Estudos prospectivos iniciais
não mostraram diferenças na sobrevivên-
cia quando a laparotomia era comparada
com a laparoscopia em doentes com car-
cinoma do endométrio. As pacientes sub-
metidas a laparoscopia apresentavam uma
estadia hospitalar de mais curta duração,
menor perda de sangue durante a cirurgia
e menos complicações13. Todavia, ainda se
Figura 3. Carcinoma do endométrio ocupando toda a desconhecem as taxas de sobrevivência a
cavidade uterina, em peça operatória. Havia indicação longo prazo.
para linfadenectomia pélvica e para-aórtica.

8. RADIOTERAPIA
A histerectomia total com anexectomia bi-
lateral exclusiva está indicada nos tumores A radioterapia primária está indicada nas
endometrióides de baixo risco G1 ou G2 pacientes com contra-indicação cirúrgica
no estádio IA ou IB. A histerectomia radical ou com tumor invadindo os paramétrios,
modificada (tipo II de Piver), seguida de lin- vagina, bexiga ou recto. Contudo, a sobre-
fadenectomia pélvica e para-aórtica, está vivência das mulheres tratadas com intuito
indicada nos carcinomas endometrióides no curativo por radioterapia é significativamen-
estádio IIB (invasão do estroma cervical). te inferior à das tratadas por cirurgia, para
Na doença avançada (estádios III e IV), a te- o mesmo estádio da doença. Por exemplo,
rapêutica deve ser individualizada, mas a taxas de sobrevivência 30% inferiores foram
redução tumoral seguida por uma combi- reportadas para a radioterapia quando com-
nação de quimioterapia e radioterapia, pa- parada com a radioterapia e cirurgia, nas
rece melhorar a sobrevivência global e livre doentes com carcinoma do endométrio no
de doença. A exenteração pélvica pode ser estádio II clínico14.
considerada em mulheres com extensão tu- No tratamento do cancro do endométrio, a
moral limitada à bexiga e/ou recto. São, con- radioterapia é predominantemente uma te-
tudo, contra-indicações a esta cirurgia: pre- rapêutica adjuvante pós-cirúrgica e consiste

374 Capítulo 22
na braquiterapia vaginal isolada ou associa- lhorou as taxas de controlo local, nomeada-
da à radioterapia externa. Esta terapêutica mente as recorrências pélvicas e na cúpula
baseia-se nos achados do estadiamento vaginal, mas não aumentou a sobrevivência,

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cirúrgico-patológico e tem por objectivo como demonstrou Creutzberg, et al. num
prevenir as recorrências vaginais e esterilizar estudo randomizado16. Doentes com fac-
tumor pélvico oculto. Assinale-se, porém, tores de alto risco, como sejam carcinomas
que as complicações severas da radioterapia endometrióides com invasão profunda do
adjuvante variam entre 2 e 8% e, são signi- miométrio, grau de diferenciação G3, inva-
ficativamente superiores, quando o esta- são dos espaços linfovasculares, extensão
diamento cirúrgico inclui a linfadenectomia ao colo ou paramétrios, invasão ganglionar,
pélvica e para-aórtica. bem como carcinomas serosos papilares, de
Na doença localizada ao útero e com baixo células claras e escamosos, parecem benefi-
risco de recorrência (tumores endometriói- ciar da radioterapia pós-operatória, tanto em
des nos estádios IA G1 ou G2 e IB G1 ou G2) termos de sobrevivência sem doença como
não há indicação para terapêutica adjuvante sobrevivência global.
pós-operatória e as doentes são mantidas A terapêutica adjuvante, após estadiamento
em controlo clínico15. Na doença localizada cirúrgico, a propor às doentes com carcino-
ao útero e com risco intermédio de recor- ma do endométrio foi discutida na Reunião
rência (para alguns definida como tumores de Consenso Nacional, organizada pela So-
endometrióides IB G2 ou G3 e IC G1 ou G2), ciedade Portuguesa de Ginecologia em 2007
a radioterapia externa pélvica adjuvante me- e é apresentada no quadro 5.

Quadro 5. Modalidades terapêuticas usadas no tratamento adjuvante do carcinoma do endo-


métrio do tipo endometrióide após estadiamento cirúrgico completo

Estádio cirúrgico Terapêutica adjuvante

IA G1 ou G2

IB G1 ou G2 Vigilância

IIIA (só citologia ƒ) G1 ou G2

IA ou IB G3

IC G1 ou G2 (tumor < 2cm) Braquiterapia vaginal

IIA G1 ou G2 (invasão miométrio < 50%)

IC G2 (tumor > 2cm) ou G3

IIA G1 ou G2 (invasão miométrio > 50%) Braquiterapia vaginal +

IIA G3 ou IIB + Radioterapia externa pélvica

IIIA (só citologia ƒ) G3

IIIA, IIIB ou IIIC Braq. vaginal + radiot. externa pélv. ± quimioterapia

IIIC com gânglios para-aórticos ƒ Braq. vaginal + radiot. pélv. e aórtica ± quimioterapia

IV Individualizada

Cancro do endométrio 375


Um estudo clínico randomizado da EOR- e livre de doença, em comparação com o
TC (European Organization for Research and uso exclusivo de radioterapia abdominal18.
Treatment of Cancer), concluído em 2007, A combinação de carboplatina e paclitaxel

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demonstrou que mulheres com carcinomas mostrou um ainda superior índice tera-
do endométrio maioritariamente nos está- pêutico (eficaz – taxas de resposta de 40
dios iniciais I e II e com factores de alto risco, a 60% – e menos tóxica), passando a ser a
apresentavam taxas de sobrevivência livre associação citotóxica adoptada por muitos
de doença e sobrevivência global significa- centros no tratamento médico sistémico
tivamente superiores quando a radioterapia do carcinoma avançado ou recidivante do
adjuvante era associada à quimioterapia, em endométrio19,20.
comparação com o uso exclusivo de radiote-
rapia pós-operatória (Hogberg T, et al.).
Aguardam-se os resultados de vários en- 11. TRATAMENTO DAS RECORRÊNCIAS
saios clínicos randomizados em curso, para
que a quimioterapia passe a ser incluída nos O tratamento cirúrgico pode estar indicado
protocolos da terapêutica adjuvante na do- na presença de metástases hepáticas ou pul-
ença inicial de alto risco e doença avançada. monares isoladas e na obstrução intestinal. A
A quimioterapia, habitualmente carboplati- cirurgia também pode melhorar a qualidade
na e paclitaxel, associada à radioterapia já é de vida de pacientes com fístulas enterocu-
usada como terapêutica adjuvante nas do- tâneas ou com adenopatias volumosas iso-
entes com tumores do endométrio serosos ladas antes da radioterapia. A exenteração
papilares e de células claras. pélvica pode, também, ser considerada nas
Por vezes, a radioterapia com intuito paliati- recorrências pélvicas isoladas.
vo é necessária para controlar uma hemor- Doentes com recorrência vaginal ou pélvi-
ragia uterina aguda e intensa. As metásta- ca isolada, previamente tratadas por cirur-
ses ósseas ou cerebrais também podem ser gia exclusiva, beneficiam da associação da
controladas com recurso a esta modalidade radioterapia externa e braquiterapia com
terapêutica. intuito curativo. As doentes previamente
irradiadas serão sujeitas a uma laparotomia
exploradora com vista a excisão cirúrgica.
10. TRATAMENTO MÉDICO ADJUVANTE O tratamento médico sistémico, habitual-
mente com intuito paliativo, está indicado
O tratamento hormonal adjuvante pós-ope- na doença avançada ou recidivante quando
ratório, com progestativos, mostrou-se ine- a cirurgia e/ou a radioterapia se mostrem ul-
ficaz na doença inicial e não isento de risco trapassadas.
tromboembólico e cardíaco, pelo que não é Os progestativos (medroxiprogesterona e
recomendado17. megestrol) proporcionam taxas de resposta
A quimioterapia adjuvante pós-operatória que rondam os 15 a 30% nas recorrências
exclusiva, seja com o uso isolado da doxor- tardias de carcinomas do endométrio bem
rubicina, como com a associação cisplatina, diferenciados que expressam receptores
doxorrubicina e ciclofosfamida, mostrou-se para os estrogénios ou progesterona. Re-
ineficaz no tratamento do carcinoma do en- sultados similares foram obtidos na doença
dométrio nos estádios I e II com factores de avançada21. Contudo, as respostas são bre-
alto risco. Já na doença avançada (estádios ves com uma sobrevivência global média
III e IV) e após redução tumoral, a associa- de 10 meses. Se uma resposta objectiva for
ção doxorrubicina e cisplatina demonstrou documentada, o progestativo deverá ser
superiores taxas de sobrevivência global mantido até à recorrência. A inexistência de

376 Capítulo 22
resposta à terapêutica hormonal é uma in- Bibliografia
dicação para iniciar quimioterapia. Taxas de
1. Jemal A, Siegel R, Ward F, et al. Cancer statistics. CA
resposta por volta dos 15% foram também

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Cancer J Clin. 2008;58:71-96.
observadas para drogas como o tamoxifeno, 2. Bray F, Sankila R, Ferlay J, Parkin DM. Estimates of can-
cer incidence and mortality in Europe in 1995. Eur J
agonistas da GnRH e mifepristone. Cancer. 2002;38:99-166.
A doxorrubicina, cisplatina, carboplatina 3. Bokhman JV. Two pathogenetic types of endometrial
carcinoma. Gynecol Oncol. 1983;15:10-7.
e paclitaxel são as drogas citotóxicas mais 4. Kurman RJ, Kaminski PF, Norris HJ. The behavior of en-
activas no carcinoma do endométrio recidi- dometrial hiperplasia: a long term study of ”untreated”
hyperplasia in 170 patients. Cancer. 1985;56:403-12.
vante. Contudo, as taxas de resposta de 20 a 5. Karamursel BS. Which surgical procedure for patients
30% são de curta duração (quatro a oito me- with atypical endometrial hyperplasia? Int J Gynecol
ses) e a sobrevivência média é geralmente Cancer. 2005;15:127-31.
6. Lidor A, Ismajovich B, Confino E, et al. Histopathological
inferior a 12 meses22. A combinação carbo- findings in 226 women with post-menopausal uterine
platina e paclitaxel, seja isolada ou associada bleeding. Acta Obstet Gynecol Scand. 1986;65:41-3.
7. Creasman WT, Odicino F, Maisonneuve P, et al. Carci-
à radioterapia, parece proporcionar o melhor noma of the corpus uteri. FIGO Annual Report, volume
índice terapêutico com taxas de resposta 26. Int J Gynecol Obstet. 2006;95(1):S105-43.
8. Lurain JR, Rice BL, Rademaker AW, et al. Prognostic fac-
– maioritariamente parciais – na ordem dos tors associated with recurrence in clinical stage I ad-
50%, mas de curta duração19. Novos agentes enocarcinoma of the endometrium. Obstet Gynecol.
1991;78:63-9.
e suas associações estão a ser testados em 9. Connell PP, Rotmens J, Waggoner SE, Mundt AJ. Race
ensaios clínicos prospectivos. and clinical outcome in endometrial carcinoma. Ob-
stet Gynecol. 1999;94:713-20.
10. Creasman WT, Morrow CP, Bundy BN, et al. Surgical
12. SEGUIMENTO pathologic spread patterns of endometrial cancer.
Cancer. 1987;60:2035-41.
11. Morrow CP, Bundy BN, Kurman RJ, et al. Relationship be-
As recorrências no carcinoma do endomé- tween surgical-pathological risk factors and outcome in
clinical stage I and II carcinoma of the endometrium: a
trio surgem habitualmente nos primeiros GOG study. Gynecol Oncol. 1991;40:55-65.
três anos após o tratamento e interessam a 12. Goff BA, Goodman A, Muntz HG, et al. Surgical stage IV
endometrial carcinoma: a study of 47 cases. Gynecol
vagina, pélvis, pulmão, abdómen, gânglios Oncol. 1994;52:237-40.
(aórticos, supraclaviculares, inguinais), fíga- 13. Zullo F, Palomba S, Russo T, et al. A prospective rand-
omized comparison between laparoscopic and laparo-
do, cérebro e osso11. tomic approaches in women with early stage endome-
No nosso departamento, as doentes as- trial cancer. Am J Obstet Gynecol. 2005;193:1344-52.
14. Grigsby PW, Perez CA, Camel HM, et al. Stage II carcinoma
sintomáticas e de baixo risco (carcinomas of the endometrium: results of therapy and prognostic
endometrióides IA G1 ou G2 e IB G1 ou G2) factors. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1985;11:1915-21.
15. Poulsen HK, Jacobsen M, Bertelsen K, et al. Adjuvant
são examinadas cada seis meses nos dois radiation therapy is not necessary in the management
primeiros anos e, depois, o controlo é anual. of endometrial carcinoma stage I, low-risk cases. Int J
Gynecol Cancer. 1996;6:38-43.
As restantes doentes são sujeitas a vigilân- 16. Creutzberg CL, van Putten WL, Koper PC, et al. Surgery
cia semestral durante os primeiros quatro and postoperative radiotherapy versus surgery alone
for patients with stage-1 endometrial carcinoma: mult-
anos e, depois, anual. As doentes sintomáti- icentre randomised trial. PORTEC Study Group. Lancet.
cas são aconselhadas a acorrer de imediato 2000;355:1404-11.
17. Vergote I, Kjorstad K, Abeler V, Kolstad P. A randomized
ao Serviço. trial of adjuvant progestagen in early endometrial can-
A vigilância apoia-se no interrogatório, exa- cer. Cancer. 1989;64:1011-6.
18. Randall ME, Filiaci VL, Muss H, et al. Randomized phase III
me clínico e exames complementares: ci- trial of whole abdominal irradiation versus doxorubicin
tologia vaginal, CA 125 (que não é consen- and cisplatin chemotherapy in advanced endometrial
carcinoma: a GOG study. J Clin Oncol. 2006;24:36-44.
sual) e imagiologia (adaptada aos achados 19. Hoskins PJ, Swenerton KD, Pike JA, et al. Paclitaxel and
clínicos ou sintomas). Como as mulheres carboplatin, alone or with irradiation, in advanced or
recurrent endometrial cancer: a phase II study. J Clin
com carcinoma do endométrio têm um risco Oncol. 2001;19:4048-53.
acrescido para cancro da mama, ovário e có- 20. Arimoto T, Nakagawa S, Yasugi T, et al. Treatment with
paclitaxel plus carboplatin, alone or with irradiation, of
lon deverão realizar mamografia e colonos- advanced or recurrent endometrial carcinoma. Gyne-
copia anuais. col Oncol. 2007;104:32-5.

Cancro do endométrio 377


21. Thigpen JT, Brady MF, Alvarez RD, et al. Oral medroxy- 22. Elit L, Hirte H. Current status and future innovations of
progesterone acetate in the treatment of advanced hormonal agents, chemotherapy and investigational
or recurrent endometrial carcinoma: a dose-response agents in endometrial cancer. Curr Opin Obstet Gyne-
study by the GOG. J Clin Oncol. 1999;17:1736-44. col. 2002;14:67-73.

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378 Capítulo 22
23 Sarcomas uterinos

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Isabel Botto

1. INTRODUÇÃO capaz de dar origem a tumores de estirpe


epitelial (carcinomas), mesenquimatosa (sar-
Os sarcomas uterinos constituem um grupo comas) ou mistos (müllerianos mistos)7.
heterogéneo de tumores de origem meso- As células que se desenvolvem numa via
dérmica, raros, responsáveis por cerca de 3% não-epitelial podem ainda diferenciar-se em
dos tumores malignos uterinos e aproxima- elementos mesenquimatosos existentes no
damente 1% de todos os tumores malignos útero (elementos homólogos) ou noutros
do aparelho genital feminino1-3 situando-se a elementos não encontrados normalmente
sua incidência em 1,7/100.000 mulheres/ano4. no útero, como osso, cartilagem ou músculo
A sua raridade e diversidade patológica têm estriado (elementos heterólogos).
como consequência um conhecimento limi- Os carcinossarcomas (designação preferida
tado e uma séria dificuldade na avaliação de pela Organização Mundial da Saúde [OMS])
grandes séries destes tumores, com as inevitá- recentemente têm levantado alguma especu-
veis desvantagens sobretudo no que respeita lação e controvérsia sobre a sua histogénese:
às modalidades de tratamento efectuadas. — Se os elementos sarcomatosos serão na
Têm na sua maioria um mau prognóstico, realidade derivados de um precursor co-
caracterizando-se por uma rápida progres- mum das células epiteliais que também
são e uma elevada taxa de metastização à dá origem aos elementos geralmente
distância, com uma sobrevivência global in- mais abundantes de adenocarcinoma?
ferior a 50% aos dois anos, mesmo quando — Se serão verdadeiros sarcomas?
diagnosticados precocemente4-6. Historicamente, os carcinossarcomas têm
Outra questão refere-se às dificuldades diag- sido classificados como sarcomas, contudo
nósticas deste tipo de tumores, sobretudo os estes tumores são agora classificados como
leiomiossarcomas, cujo diagnóstico definiti- carcinomas metaplásicos, defendendo al-
vo é frequentemente fornecido após a pri- guns autores que se originam de uma célula
meira e mais importante atitude terapêutica, monoclonal carcinomatosa (stem-cell) que
a cirurgia, não permitindo programá-la3. exibe metaplasia sarcomatosa. A favor cita-
se o facto de o comportamento biológico e
o prognóstico, parecerem mais dependen-
2. HISTOGÉNESE tes da componente epitelial. As metástases e
as embolias vasculares são frequentemente
Durante a embriogénese, os canais de Mül- sob a forma de carcinoma e estes tumores
ler fundem-se para formar o útero, englo- deveriam ser equiparados no que respeita
bando células do mesênquima celómico. Es- ao tratamento, aos tipos de alto risco de car-
tas stem-cells de origem mülleriana parecem cinomas do endométrio8. Contra esta hipó-
ter um potencial variável de diferenciação, tese, existem vários estudos que confirmam

379
a origem biclonal9. Não há unanimidade no
que respeita à sua histogénese.

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3. HISTOLOGIA

Segundo a classificação da OMS, os sarco-


mas do corpo uterino subdividem-se em10:
— Tumores mesenquimatosos:
u Estroma endometrial:
„ Sarcoma do estroma endometrial, Figura 2. Carcinossarcoma homólogo (amavelmente cedi-
baixo grau (SEE). do pelo Serviço de Anatomia Patológica do Centro do Porto
„ Sarcoma endometrial indiferenciado do Instituto Português de Oncologia Dr. Francisco Gentil).
(SEI).
u Tumores do músculo liso:
„ Leiomiossarcoma (LMS): O componente sarcomatoso é frequente-
 Variante epitelióide. mente o fibrossarcoma ou o SEE.
 Variante mixóide. Padrão mais comum: carcinoma seroso pa-
„ Tumores com potencial de maligni- pilar e SEE11.
dade incerto: Os SEE têm origem no estroma uterino, de
— Tumores mistos epiteliais e mesenqui- lesões de adenomiose ou endometriose e a
matosos: invasão vascular é comum. É importante a
u Carcinossarcoma (CSA) (tumores mül- divisão entre alto e baixo grau. A classifica-
lerianos mistos malignos ou carcinoma ção actual da OMS recomenda que o termo
metaplásico ou sarcomas mesodérmi- SEE de alto grau seja retirado e substituído
cos mistos): por SEI, sendo a variante de baixo grau refe-
„ Homólogos. rida apenas como SEE (Figs. 3 e 4).
„ Heterólogos.
Relativamente aos CSA, os componentes
carcinomatosos mais comuns são o endo-
metrióide, seroso, células claras, escamoso
ou indiferenciado (Figs. 1 e 2).

Figura 3. Útero com SEE.

No quadro 1 apresentam-se os critérios para


Figura 1. Carcinossarcoma heterólogo – com compo- a classificação dos SEE.
nente de cartilagem (amavelmente cedido pelo Serviço Os LMS têm origem no músculo liso do mio-
da Anatomia Patológica do Centro do Porto do IPOFG). métrio. São altamente celulares, com células

380 Capítulo 23
Quadro 1. Sarcomas do estroma endometrial

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Baixo grau Alto grau ou indiferenciado

< 10 mitoses/10 HPF (High Power Field);


> 10 mitoses/10 HPF
menor grau de atipia

Menos agressivos com recorrências tardias Agrupados com os sarcomas indiferenciados

60% têm RE (Receptores de estrogéneos)


É comum a necrose
e RP (Receptores de Progesterona) positivos

Figura 4. Sarcoma endometrial indiferenciado: histologia. Figura 5. Leiomiossarcoma.

fusiformes do músculo liso, possuem > 10 mi- — Carcinossarcomas: desenvolvem-se no


toses por 10 campos de alta potência e apre- endométrio e correspondem a 40 a 50%
sentam necrose de coagulação (fig. 5). Dife- da totalidade.
renciam-se dos tumores do músculo liso com — Leiomiossarcomas: desenvolvem-se no
potencial de malignidade incerto (STUMP), músculo miometrial e correspondem a
cujas características histológicas são as refe- 30% da totalidade dos sarcomas uterinos.
renciadas no quadro 2. — Sarcomas do estroma endometrial e in-
Do ponto de vista prático, quatro diferentes diferenciados desenvolvem-se no estro-
entidades são frequentemente agrupadas ma do endométrio. Cerca de 15%.
como sarcomas uterinos, sendo aceite pelo — Outros (sarcomas indiferenciados; ade-
Gynecologic Oncology Group (GOG): nossarcoma, etc.).

Quadro 2. Tumores do músculo liso com potencial de malignidade incerto

Atipias não totalmente diagnósticas de LMS

> 20 mitoses sem atipia ou necrose

< 10 mitoses e atipias nucleares difusas sem necrose de coagulação

< 10 mitoses e necrose de coagulação sem atipias

Baixo risco de recorrência12,13

Sarcomas uterinos 381


4. EPIDEMIOLOGIA 5. PERFIL CLÍNICO

Os sarcomas uterinos são tumores raros, Afectam predominantemente mulheres entre

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responsáveis por 2 a 5% de todos os tumo- os 40 e os 60 anos de idade, sendo a raça ne-
res malignos uterinos. A incidência anual gra mais atingida. A idade média na data do
destes tumores é de aproximadamente diagnóstico de sarcoma uterino é de 55 anos
1,7/100.000 mulheres. Ocorrem variações para os LMS e 10 anos superior para os restan-
na incidência relativa dos sarcomas uteri- tes dois grupos: CSA e SEE. Existe assim uma
nos em várias séries publicadas6,14, embora distribuição bimodal, sendo o pico mais pre-
no global os LMS e os CSA contribuam com coce devido ao diagnóstico dos LMS e o mais
mais de 80% dos casos, os SEE com 15% e tardio ao dos CSA. Noventa por cento destas
os restantes com 5%. doentes têm idade superior a 45 anos e 70%
A epidemiologia, os factores de risco e o são pós-menopáusicas, sendo o CSA o tumor
comportamento clínico dos CSA sugerem mais comum na mulher pós-menopausa3,4,14.
uma relação mais próxima do carcinoma que Relativamente aos SEE, os de baixo grau sur-
do sarcoma – antecedentes de obesidade, gem em mulheres mais jovens, pré-meno-
hipertensão arterial (HTA), são frequentes páusicas, enquanto os SEI afectam mulheres
(cerca de 1/3) nestes tumores à semelhança numa faixa etária semelhante aos CSA.
do adenocarcinoma do endométrio. A maioria das doentes apresenta hemorragias
O único factor etiológico bem documenta- uterinas anormais, sob a forma de metrorra-
do durante muitos anos foi em cerca de 10 gias ou metrorragias pós-menopausa (> 50%),
a 25% a existência de prévia radioterapia leucorreia fétida, dor pélvica ou distensão ab-
frequentemente administrada para trata- dominal14. Ao exame objectivo, 70 a 80% tem
mento de hemorragias uterinas de causa um útero aumentado de volume. Uma massa
benigna 5 a 25 anos antes, surgindo nestes pélvica ou um rápido aumento do volume
casos tumores extremamente agressivos em uterino, sobretudo na pós-menopausa, deve-
estádios avançados. Tem sido relatado um rão levantar a suspeita diagnóstica de sarco-
aumento da incidência de sarcomas em mu- ma. Este diagnóstico deve ainda considerar-se
lheres com cancro da mama tratadas com em doente com hemorragia uterina anormal
tamoxifeno15-17, daí a importância da vigilân- e uma massa polipóide friável fazendo protu-
cia ginecológica periódica e a realização de são através do colo do útero dilatado4.
biopsia para esclarecer a causa de hemorra- No quadro 3 resumem-se os principais sin-
gia nestas doentes. tomas.

Quadro 3. Sarcomas uterinos: principais sintomas

Sintomas Percentagem

Metrorragia ou MPM (Metrorragia Pós Menopausa) > 50%

Aumento de volume uterino 70-80%

Dor pélvica 30%

Distensão abdominal 10%

Formação polipóide do colo 10-20%

382 Capítulo 23
6. DIAGNÓSTICO centro de ginecologia oncológica, com uma
abordagem multidisciplinar.
A abordagem diagnóstica consta do exame Todas as doentes devem ser submetidas a

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clínico e ginecológico, ecografia transvaginal exames laboratoriais de rotina, Rx de tórax, e
com Doppler eventual e biopsia endometrial. TC abdomino-pélvica ou opcionalmente, RM
A ecografia com Doppler pode mostrar uma pélvica com vista à identificação de dissemi-
arquitectura tumoral bizarra, aumento de nação extra-uterina.
vascularização tumoral, aumento do fluxo O marcador tumoral CA 125 pode encon-
diastólico e índices de resistência baixos. trar-se elevado nos casos de tumores com
A avaliação diagnóstica através da biopsia en- disseminação extra-uterina e com invasão
dometrial ou com alguma frequência de uma peritoneal19.
massa polipóide aflorando ao colo, é necessária. A TC torácica pode ser útil na identificação de
No caso dos LMS, o valor da curetagem-biop- metástases pulmonares, que são frequentes
sia é mais questionável, visto que, estatistica- devido a disseminação hematogénica, so-
mente, apenas 1/3 dos tumores são submu- bretudo nos LMS.
cosos e mesmo nesses nem sempre a biopsia
é diagnóstica. O diagnóstico é pós-operatório
em mais de 50% dos LMS11,14. 9. PROGNÓSTICO

Os sarcomas uterinos são, na sua maioria,


7. ESTADIAMENTO tumores altamente letais, o que tem sido
atribuído a uma rápida disseminação hema-
Na ausência de uma classificação específica togénica das células neoplásicas mesmo em
para o estadiamento dos sarcomas uterinos, o estádios precoces20,21. A sobrevivência global
estadiamento da Fédération Internationale de das doentes com sarcoma uterino é aproxi-
Gynécologie et d’Obstrétrique (FIGO) para o car- madamente 30%, ocorrendo a maioria das
cinoma do corpo uterino tem sido aplicado ao mortes antes dos três anos. Não há diferen-
sarcoma uterino. Segundo vários autores, esta ças na sobrevivência entre os diferentes ti-
não deveria ser aplicada aos sarcomas3,10,14, pos histológicos.
pois embora possa ter validade para tumores O prognóstico está relacionado com o está-
com origem no endométrio, torna-se questio- dio do tumor assim como com factores rela-
nável para os LMS cuja origem é miometrial. cionados com a doente como a idade ou o
A classificação da FIGO18 é a mais frequente- estado hormonal. Doentes mais jovens, pré-
mente usada. O estadiamento baseia-se em menopáusicas, tendem a surgir com tumo-
critérios cirúrgicos e patológicos e não pode res em fases menos avançadas22. Ajustando
ser aplicado se a doente não foi submetida a para o estádio e idade, parece demonstrar-
laparotomia, excepto nos casos inoperáveis. se um efeito da histologia, tendo os LMS pior
Em estudos anteriores de sarcomas uterinos, prognóstico que os CSA23,24.
tornou-se aparente uma grande discrepância
entre a classificação clínica e a classificação ci- 9.1. FACTORES DE PROGNÓSTICO
rúrgica destes tumores.
Como factores de prognóstico clinicopato-
lógicos mais importantes consideram-se:
8. AVALIAÇÃO PRÉTRATAMENTO estádio, tipo histológico, idade, existência
de doença residual após cirurgia, poden-
Se o diagnóstico é conhecido previamen- do considerar-se factores mais específicos
te, estas doentes devem ser avaliadas num em função do tipo histológico (Quadro 4).

Sarcomas uterinos 383


Quadro 4. Sarcoma uterino: factores de prognóstico
Sarcomas do estroma

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Carcinossarcomas Leiomiossarcomas
endometrial

Invasão miometrial ou cervical Tamanho tumoral > 5 cm Grau de diferenciação

Invasão linfovascular Índice mitótico elevado Invasão miometrial

Grau de diferenciação Necrose de coagulação Estado dos RE e RP

Histologia: seroso ou células


Invasão vascular Invasão vascular
claras

Disseminação anexial Estado das margens cirúrgicas

Metástases nos gânglios


Estado dos receptores RE e RP
linfáticos

A extensão tumoral na data do diagnóstico


é o mais importante factor de prognóstico
em relação à sobrevivência. Outros factores
patológicos como os receptores hormonais
têm sido pesquisados como factores de
prognóstico e preditivo da resposta à te-
rapêutica hormonal22. Outros ainda como
a expressão de oncoproteínas (P53), índice
proliferativo (Ki-67), ou a ploidia têm sido
avaliados em diversos estudos22. No entan-
to, excluindo a disseminação extra-uteri-
na, que é comprovadamente o factor com
maior importância na sobrevivência, existe
controvérsia no que respeita ao valor relati-
vo de cada factor. Figura 6. Corte do miométrio mostrando invasão por CSA.
O padrão de disseminação difere com o
tipo histológico:
— Carcinossarcoma (Fig. 6): dissemina de
forma semelhante ao carcinoma, inva-
dindo os gânglios linfáticos em elevada
percentagem de casos. O adenossar-
coma é considerado uma neoplasia de
comportamento menos agressivo, com
recidivas (25-40%) locorregionais.
— Leiomiossarcomas (Fig. 7): tendem a dis-
seminar precocemente para órgãos dis-
tantes (via hematogénea).
— Sarcomas do estroma endometrial: a dis-
seminação locorregional com invasão
dos paramétrios é frequente. Figura 7. Volumoso LMS uterino – aspecto macroscópico.

384 Capítulo 23
10. RECORRÊNCIAS o intervalo livre de doença (ILD) foi de 20,6
meses.
A taxa de recidivas é elevada, afectando

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cerca de metade das doentes que após o 10.2. CARCINOSSARCOMAS
tratamento primário se encontra sem evi-
dência de doença. Os sarcomas uterinos A recorrência nos estádios I e II surge em cer-
tipicamente recidivam à distância numa ca de 50% sendo frequente a metastização
relação 3:1 relativamente às recidivas lo- ganglionar, com valores que variam entre 18
cais. A grande percentagem de metástases e 35% (GOG) na altura da cirurgia. As metás-
à distância, sobretudo no pulmão, e o en- tases à distância constituem 50 a 80% das
volvimento simultâneo da pélvis e órgãos recorrências, sendo os locais mais comuns
distantes, sugerem várias vias de dissemi- o pulmão e o omento. A sobrevivência aos
nação24 (Quadro 5). cinco anos é de apenas 20%23.

10.1. LEIOMIOSSARCOMAS 10.3. SARCOMAS DO ESTROMA


ENDOMETRIAL DE BAIXO GRAU
Embora cerca de 60% das doentes tenham
tumores limitados ao útero, a grande São tumores menos agressivos, que em 30%
maioria (mais de 50%) no estádio I, sendo disseminam para além do útero e as recor-
frequente a ausência de sintomas, a taxa rências são frequentemente locais, com
de recorrências é de 70% nos estádios ini- massas tumorais pélvicas que podem sur-
ciais, I e II. Os gânglios pélvicos não estão gir muitos anos depois do tumor inicial, (10
frequentemente envolvidos e os locais de anos em 30 a 50%) no pulmão e abdómen e
recorrência são tipicamente metastização à ser de evolução arrastada. A sobrevivência é
distância, pulmonar ou abdominal, devido 60% aos cinco anos.
ao padrão de disseminação hematogénica
destes tumores20. 10.4. SARCOMAS ENDOMETRIAIS
Num estudo do GOG, realizado em 477 sar- INDIFERENCIADOS
comas em estádios iniciais, em que foram
avaliados os gânglios pélvicos durante a Constituem menos 5% de todos os sarcomas,
cirurgia, apenas 4% dos LMS tinham me- são muito agressivos com recidivas frequen-
tastização ganglionar; 63% metastizaram, tes locorregionais e à distância e a sobrevi-
a grande maioria para locais à distância e vência aos cinco anos é de apenas 25%20.

Quadro 5. Local de recorrências de acordo com o tipo patológico dos sarcomas (%)25

LMS CSA CSA Total

Pélvis 21 14 0 12,5

Abdómen 7 9 25 12,5

Abdomino-pélvicas 7 18 17 15

Metástases à distância 7 45 0 23

Locorregional + distante 7 4 17 8

Total 50 91 58 71

Sarcomas uterinos 385


11. ASPECTOS GERAIS DO TRATAMENTO pêutica deve ser planeada de acordo com
o comportamento clínico e os padrões de
O tratamento de escolha nos sarcomas ute- disseminação conhecidos para cada tipo

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rinos tem sido a cirurgia isoladamente ou histológico e a diferente sensibilidade aos
associada à radioterapia e/ou quimiotera- tratamentos, de preferência no contexto de
pia adjuvante2,3,10,11,25,39. Várias combinações ensaios clínicos multicêntricos dada a rarida-
terapêuticas têm sido utilizadas sem um de destes tumores e o seu mau prognóstico.
protocolo bem definido devido à raridade Estes ensaios clínicos devem ser dirigidos a
da doença. cada um dos diferentes tipos histológicos38.
As modalidades de tratamento adjuvante
11.1. TRATAMENTO PRIMÁRIO  CIRURGIA são a radioterapia, a quimioterapia, a hormo-
noterapia e o recurso a agentes biológicos.
A cirurgia é frequentemente o principal Não existem evidências firmes, dos poucos
meio de diagnóstico e constitui o trata- estudos prospectivos efectuados, que su-
mento primário para todas as doentes com portem a utilização de rotina da quimiotera-
sarcoma uterino, à excepção dos casos ino- pia adjuvante nas doentes com sarcoma ute-
peráveis ou sem condições médicas para a rino29-34. Num estudo do GOG, a utilização de
cirurgia. Se o diagnóstico já for conhecido, a doxorrubicina adjuvante não alterou a taxa
extensão da cirurgia é programada de acor- de sobrevivência em doentes com sarcomas
do com o estádio do tumor e com as condi- uterinos no estádio I e II e submetidas a ci-
ções médicas. No caso de disseminação ex- rurgia. No entanto, o estudo incluiu algumas
tra-uterina deverá realizar-se uma cirurgia doentes submetidas a radioterapia, assim
de máximo esforço cirúrgico25,26,38. A cirurgia como os três tipos de sarcomas, com respos-
pode só por si ser curativa se o tumor estiver tas variáveis à doxorrubicina, o que dificul-
limitado ao útero. tou a sua interpretação27.
A histerectomia total com anexectomia Apesar disso, a elevada taxa de recorrências
bilateral é o tratamento de escolha que e a tendência para metastização à distância
pode ser suficiente para os LMS, podendo têm levado muitas escolas a considerar a tera-
efectuar-se uma linfadenectomia no caso pêutica adjuvante. A cisplatina e a ifosfamida
de gânglios linfáticos aumentados. Nos são os citostáticos mais activos no CSA e a do-
CSA ou SEI deve ser sempre efectuada uma xorrubicina o mais activo no LMS e no SEI. Um
linfadenectomia pélvica e para-aórtica, e ensaio clínico randomizado recente do GOG
omentectomia. Devem realizar-se lavados em CSA (GOG-150), comparando a radio-
citológicos, e citologias da cúpula diafrag- terapia adjuvante, com quimioterapia com
mática e exame sistemático de todos os ór- cisplatina e ifosfamida, mostrou menor per-
gãos abdominais26. centagem de metastização à distância e uma
Nos LMS diagnosticados após a cirurgia, não redução de 30% na taxa de mortalidade com
parece haver agravamento do prognóstico a segunda modalidade, enquanto a radiote-
na ausência de ooforectomia, evitando-se rapia melhorou apenas o controlo local35.
assim uma nova laparotomia para remoção O estudo da European Organization for Rese-
dos ovários. A linfadenectomia não assume a arch and Treatment of Cancer (EORTC) 55874,
mesma importância que no caso dos CSA26. revelou que a radioterapia melhorou o con-
trolo local sem benefício na sobrevivência,
11.2. TERAPÊUTICA ADJUVANTE apenas nos CSA. Não houve benefício da
radioterapia nos LMS36.
O papel da terapêutica adjuvante na doença Manolitsas, et al., num estudo-piloto em CSA,
inicial após cirurgia é controverso. A tera- encontraram resultados de sobrevivências

386 Capítulo 23
de 76% aos três anos nas doentes submeti- Os regimes de quimioterapia podem ser
das a estadiamento cirúrgico, quimioterapia usados em monoterapia ou associação. Os
e radioterapia26 em comparação com as que seguintes agentes citostáticos, resumidos

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não efectuaram o tratamento completo, que no quadro 6, têm diferentes taxas de respos-
foi de 47%28,37. ta consoante tipo de tumor, com valores que
A terapêutica hormonal poderá dar resulta- variam entre os 10 e os 42%. Resultados de
dos nos SEE de baixo grau, e nalguns LMS vários estudos fase II demonstraram melhor
que possuem receptores hormonais. Algu- taxa de resposta a regimes de poliquimiote-
mas das modalidades terapêuticas, (análo- rapia do que a de monoterapia, embora com
gos da GnRH (Gonadotrophine realising hor- toxicidade seja mais elevada. Um estudo
mone), inibidores da aromatase) estão a ser com a associação gemcitabina e docetaxel
investigadas em ensaios clínicos. no tratamento de LMS mostrou até hoje a
melhor taxa de resposta com um perfil mo-
11.3. TRATAMENTO DAS RECIDIVAS derado de toxicidade40.
Um estudo recente de Hoskins, et al. mos-
As opções terapêuticas nos tumores ino- trou eficácia em CSA avançados e recorren-
peráveis ou no tratamento das recidivas tes tratados com carboplatina e paclitaxel
incluem a radioterapia pélvica com ou sem (60 e 55% respectivamente), de modo seme-
braquiterapia no tratamento das recidivas lhante ao tratamento dos adenocarcinomas
locais, a quimioterapia e a hormonoterapia. do endométrio de alto risco41.
Estes podem utilizar-se isoladamente ou em A hormonoterapia (acetato de megestrol,
associação38-41. medroxiprogesterona, análogos da GnRH,
Resultados de vários estudos fase II demons- inibidores da aromatase) tem sido usada nos
traram melhor taxa de resposta a regimes de tumores considerados hormonodependen-
poliquimioterapia do que de monoterapia. tes como o SEE.
A ressecção cirúrgica de metástases isoladas É de extrema importância que estas do-
pode ser realizada e têm sido descritos casos entes sejam incluídas em ensaios clíni-
de sobrevivência prolongada após esta mo- cos randomizados e multicêntricos, com
dalidade terapêutica, nomeadamente a nível o objectivo de conhecer as combinações
do pulmão, desde que se atendam os critérios terapêuticas mais eficazes para cada tipo
de operabilidade (localização, número, dimen- histológico, com vista a diminuir a taxa de
sões, ressecabilidade, tempo de duplicação mortalidade destes tumores raros, mas de
das metástases e intervalo livre de doença)39. mau prognóstico41.

Quadro 6. Citostáticos empregues nos sarcomas uterinos

CS e SEE LMS

Cisplatina Doxorrubicina

Carboplatina Ifosfamida

Ifosfamida Dacarbazina (DTIC)

Doxorrubicina Docetaxel
Paclitaxel Gemcitabina

Sarcomas uterinos 387


12. PROTOCOLO DE SEGUIMENTO equipas multidisciplinares. É imprescindível
a colaboração internacional incluindo estas
A avaliação clínica destas doentes deve doentes em estudos multicêntricos.

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ser regular e a curtos espaços de tempo,
preferencialmente trimestral, durante os
dois primeiros anos, quando existe uma ele- Bibliografia
vada probabilidade de recidiva.
1. Lin JF, Slomovitz BM. Uterine sarcomas 2008. Curr On-
A elevada probabilidade de metastização col Rep. 2008;10(6):512-8.
para órgãos distantes, sobretudo a nível do 2. Moskovic E, Macsweeney E, Law M, PriceA. Survival, pat-
terns of spread and prognostic factors in uterine sarco-
pulmão, sugere um controlo imagiológico mas. British Journal of Radiology. 1993;66:1009-15.
regular do tórax através de Rx ou se clinica- 3. Oláh KS, Kingston RE. Uterine Sarcoma. Progress in Ob-
stetrics and Gynaec. 1993;24:427-8.
mente indicado, TC ou RM. 4. Disaia PJ, Creasman WT. Clinical Gynecologic Oncolo-
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apesar de poder elevar-se nas recorrências cology. 1992;24:58-67.
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tic carcinomas. Int J Gynecol Cancer. 2000;12:687-90.
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2003;22(4):368-73.
grandes desafios ao ginecologista oncológico 10. WHO histological classification of tumors of uterine
sobre a melhor conduta nestas doentes, que corpus.
11. Ramondetta, et al. Gynecologic Cancer Text Book.
necessitam de cuidados multidisciplinares. 2008. Uterine Sarcomas; p. 12.
Deve salientar-se a importância de uma cui- 12. Pautier P, Genestie C, Rey A, et al. Analysis of clinico-
pathologic prognostic factors for 157 uterine sarcomas
dadosa revisão histopatológica. Novas classi- and evaluation of a grading score validated for soft tis-
ficações poderão ajudar a distinguir os dife- sue sarcoma. Cancer. 2000;88:1425-31.
13. Bell S, Kempson R, Hendrickson M. Problematic Uterine
rentes tipos histológicos, visto reconhecer-se Smooth Muscle Neoplasms. A clinicopathologic study
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tumores epiteliais que verdadeiros sarcomas. Edinburgh experience from 1974 to 1992. British Jour-
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15. ACOG Committee Opinion n.o 336. Tamoxifen and uter-
se controverso. O uso de rotina da radiote- ine cancer. Obstet Gynecol. 2006;107:1475-8.
rapia pélvica é insuficiente porque apenas 16. Arenas M, Rovirosa S, Hernandez V, Ordis J. Uter-
ine Sarcomas in breast cancer patients treated with
controla as recidivas locais. Múltiplos estu- tamoxifen. Int J Gynecol Cancer. 2006;16:861-5.
dos sobre quimioterapia adjuvante também 17. Wickerham DL, Fisher B, Wolmark N, et al. Endometrial
pathologies associated with postmenopausal tamoxifen
não mostraram benefícios terapêuticos. Se- treatment. Gynecol Oncol. 2004;94(2):256-66.
rão necessários mais ensaios clínicos em que 18. Shepherd JH; International Federation of Gynecology
and Obstetrics. Corpus cancer staging. Br J Obstet Gy-
nos possamos basear para planear futuras naecol. 1989;96(8):889-92.
estratégias terapêuticas. 19. Hoskins PJ, Le N. Preoperative tumor markers at di-
agnosis in women with malignant mixed müllerian
Dada a agressividade destes tumores e a ele- tumors/carcinosarcoma of the uterus. Int J Gynecol
vada taxa de mortalidade, é necessário inves- Cancer. 2008 Nov-Dec;18(6):1200-1.
20. Denschlag D, Masoud I, Stanimir G, et al. (McGill Univ,
tigar novas abordagens terapêuticas, como Montreal). Prognostic factors and outcome in women
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A relativa raridade desta patologia impõe a Cancer. 3.a ed. Nova Iorque: Churchill Livingstone;
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388 Capítulo 23
22. Husseiny G, Bareedy N, Mourad W, et al. Prognostic fac- phamide in stage I uterine sarcomas: a pilot study.
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Sarcomas uterinos 389


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24 Cancro do ovário
(tumores epiteliais)

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Carlos Freire de Oliveira e Natália Amaral

1. INTRODUÇÃO Nos EUA a incidência anual, de acordo com o


Globocan 2002, foi de 11,6 por 100.000 mulhe-
A definição de cancro do ovário é difícil pela res. Na Europa, as maiores taxas de incidência
diversidade das suas variantes histogenéti- verificam-se na Europa do Norte com 13,3 e
cas. Assim, este cancro constitui uma verda- variaram entre 10,3 na Finlândia e 17,0 na Is-
deira família de neoplasias visto que o ovário lândia, enquanto Portugal regista uma inci-
compreende para além do epitélio germinal, dência anual na ordem dos 8,6 novos casos por
as células germinativas, gonadais e mesen- 100.000 mulheres (http://www-dep.iarc.fr/)1.
quimatosas, podendo todas estas estruturas O cancro do ovário é um tumor que prefe-
sofrer transformação maligna. rencialmente atinge as mulheres peri e pós-
Os cancros epiteliais do ovário são tumores menopáusicas, sendo de cerca de 54 anos a
constituídos por um ou mais tipos de epité- idade média das doentes aquando do diag-
lio e estroma em combinações variadas. A nóstico da neoplasia. Em crianças e mulhe-
maioria destes tumores é derivada do epité- res jovens, com menos de 20 anos, 60% dos
lio de revestimento do ovário. Este epitélio cancros do ovário têm origem nas células
de superfície é capaz de se diferenciar em di- germinativas.
versas variedades histológicas originalmente O cancro do ovário ocupa a posição cimei-
oriundas de um precursor embriológico co- ra no que respeita à mortalidade no grupo
mum, os canais de Müller. Assim, os tumores das neoplasias invasivas do aparelho genital
serosos assemelham-se ao epitélio de reves- feminino. Como exemplo, refira-se que nos
timento das trompas de Falópio, os tumores EUA o número de mortes por cancro do ová-
endometrióides ao endométrio e os tumores rio ultrapassa o número combinado de mor-
mucinosos ao epitélio endocervical. tes por cancros do endométrio e colo do úte-
Os cancros epiteliais do ovário representam ro, isto é cerca de 14.500 mortes por cancro
aproximadamente 90% de todas as neopla- do ovário contra cerca de 11.000 mortes por
sias invasivas primitivas do ovário. cancro do endométrio e do colo uterino1.
De acordo com a base de dados Globocan
2002, a mortalidade anual por cancro do
2. EPIDEMIOLOGIA ovário foi de 6,1 por 100.000 mulheres nos
EUA, de 7,9 na Europa do Norte, de 4,5 na Eu-
Nos últimos 30 anos têm sido registados ropa do Sul e em Portugal de 3,81.
aumentos constantes tanto na incidência Nos EUA, somente 35% de todas as mulhe-
como na mortalidade por cancro do ovário res com cancro do ovário sobrevivem cinco
em alguns países ocidentais e asiáticos. A anos após o diagnóstico. De um total de
incidência é mais elevada nos países ociden- 4.911 doentes, tratadas entre 1999 e 2001, e
tais e mais baixa no Japão. consignadas no volume 26 do Annual Report,

391
a sobrevivência global aos cinco anos foi de Na figura 2 mostram-se os dados da sobre-
49,7%. Verifica-se, contudo, uma melhoria vivência estratificados pelos estádios da
significativa da sobrevivência nos últimos FIGO (Federação Internacional de Ginecolo-

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40 anos2. A figura 1 testemunha esta evolu- gia e Obstetrícia) e relativos ao período de
ção favorável. 1999-2001.

60

50
Sobrevivência aos 5 anos

40

30

20

10

0
58- 63- 69- 73- 76- 79- 82- 87- 90- 93- 96- 99-
62 68 72 75 78 81 86 89 92 95 98 01

Anos

Figura 1. Carcinoma do ovário: sobrevivência aos cinco anos de 1958 a 2001 (volume 26 do Annual Report).

100
IA
90
Ib
80 IC
IIa
70
% de Sobrevivência

IIb
60
IIc
50 IIIa

40 IIIb
IIIc
30
IV
20

10

0
0 1 2 3 4 5
Anos

Figura 2. Carcinoma do ovário: % de sobrevivência em função do estádio clínico (volume 26 do Annual Report).

392 Capítulo 24
Muitos estudos epidemiológicos têm corre- supressor tumoral e mais de 100 mutações
lacionado alguns eventos da vida reproduti- neste gene já foram descritas. Um segundo
va da mulher com o risco de desenvolvimen- gene de susceptibilidade para o cancro da

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to de cancro epitelial do ovário (Quadro 1). mama, BRCA2, foi localizado no braço longo
do cromossoma 13. Estima-se que o cancro
2.1. HEREDITARIEDADE hereditário do ovário corresponda a 5 a 10%
de todos os cancros ováricos.
Do conjunto dos factores de risco associados
com o cancro do ovário, a história familiar 2.2. PARIDADE
desta neoplasia sobreleva todos os outros. A
existência de cancros do ovário em membros As mulheres multíparas apresentam um decrés-
de uma mesma família tem sido descrita em cimo aproximado de 30% de risco para cancro
numerosas casuísticas e em estudos caso- do ovário em comparação com as nulíparas.
controlo. Tais estudos evidenciam aumentos Num extenso estudo prospectivo, a parida-
estatisticamente significativos de cancros do de foi o único factor da vida reprodutiva que
ovário, mas também cancros da mama, en- mostrou uma associação substancial e inde-
dométrio e cólon, entre familiares de mulhe- pendente com o cancro do ovário. As mulhe-
res com cancro primitivo do ovário3. res que conceberam tinham uma diminuição
A caracterização citogenética de peças ope- de 45% de risco para este cancro em compa-
ratórias com cancros do ovário revela nume- ração com as nulíparas. Este risco relativo foi
rosas e complexas anomalias estruturais cro- independente da idade aquando do primeiro
mossómicas envolvendo os cromossomas 1, parto e, além do mais, cada parto esteve asso-
3, 6, 11, 14 e 174. ciado com um decréscimo de 16% de risco5.
Estudos genéticos envolvendo famílias Em contraste com o papel protector da gra-
com cancros concomitantes do ovário e da videz, numerosos estudos não encontraram
mama, apontam para a existência de um lo- quaisquer efeitos significativos no que con-
cus de susceptibilidade para estes cancros, cerne a idade da menarca ou da menopausa,
designado BRCA1 e localizado no braço lon- em relação com risco para o desenvolvimen-
go do cromossoma 17. O BRCA1 é um gene to de cancro do ovário.

Quadro 1. Factores de risco para cancro do ovário

Factor de risco Risco relativo

Hereditariedade 17-50

N.o gravidez 0 4-5


1-2 3
3-4 1,5
Idade 1.a gravidez 20-24 1,75
q 25 3

Uso de talco 3

Contraceptivos orais (> 3-5 anos) 0,5

Obesidade 2

Raça: branca/negra 1,5

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 393


2.3. INFERTILIDADE E TERAPÊUTICA efeito protector é um dos achados mais
MÉDICA DA INFERTILIDADE consistentes e melhor estabelecidos na epi-
demiologia do cancro do ovário. O uso dos

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O risco acrescido de cancro do ovário nas CO diminui de 30 a 60% o risco de cancro do
mulheres nulíparas poderá reflectir uma as- ovário, dependendo do tempo da sua utili-
sociação entre este cancro e a infertilidade. zação. Hankinson, et al.5 estimaram que este
Contudo, tal não é unanimemente aceite. risco decresce 11% para cada ano de uso
Longos períodos (10 a 15 anos) de coito des- dos CO. Contudo, a partir dos seis anos da
protegido podem aumentar o risco de can- sua utilização, o efeito protector adicional é
cro do ovário pelo simples facto de a mulher mínimo. Este efeito protector é semelhante
ser privada dos efeitos protectores da gravi- tanto para nulíparas como para multíparas3.
dez e/ou contraceptivos orais6. Um outro estudo10 mostrou que o uso de CO
Numa revisão analisando a epidemiologia por mulheres nulíparas por um período de
do cancro do ovário, Harris, et al.7 mostraram cinco anos reduz o risco de cancro do ová-
que as mulheres inférteis tratadas com «dro- rio para valores sobreponíveis aos das mul-
gas da fertilidade» tinham um risco para can- típaras. O mesmo trabalho demonstrou que
cro 2,8 vezes superior ao das mulheres sem o uso de CO durante 10 anos por mulheres
infertilidade. Este risco era consideravelmen- com uma história familiar de cancro do ová-
te maior naquelas que não engravidaram rio diminui o risco desta neoplasia para valo-
(OR = 27) do que nas que conceberam após res inferiores aos das mulheres sem história
a terapêutica (OR = 1,4). familiar de cancro do ovário.
Outros estudos8 sugerem que: A estimulação gonadotrófica poderá cons-
— O clomifene administrado por um período tituir um factor etiológico para o desenvol-
inferior a 12 meses não aumenta o risco de vimento de cancro do ovário. A terapêutica
cancros invasivos ou borderline do ovário. hormonal de substituição (THS), ao reduzir
— Tanto a hCG como a hMG não aumentam os níveis elevados das gonadotrofinas hipo-
o risco de cancro do ovário. fisárias da mulher pós-menopáusica, poderia
— Um estudo demonstrou um risco aumenta- diminuir o risco de cancro do ovário. Embora
do de cancro do ovário com o uso de clomi- alguns estudos tenham apoiado tal decrés-
fene por períodos superiores a 12 meses. cimo outros assumem posição contrária.
— Um outro estudo mostrou um risco acres- Um estudo de coorte, com cerca de 98.000
cido para cancros borderline do ovário mulheres, realizado pelo National Institutes
após estimulação com a hMG. of Health, nos EUA, e de publicação recente11
Mais recentemente, Brinton, et al.9 revendo os conclui que a THS empregue por períodos
estudos clínicos prospectivos nesta área con- longos aumenta o risco de cancro do ovário.
cluem que são limitados e não avaliam outros No caso de estrogénios isolados, ao fim de
factores associados ao risco de cancro do ová- mais de 10 anos, o risco relativo foi de 2,95
rio, como a paridade, e que apenas estudos versus 1,89 no grupo de controlo. Em relação
pequenos sugerem um ligeiro aumento do à associação sequencial de estrogénio e pro-
risco associado a fármacos para tratamento gestativo, ao fim de mais de cinco anos de
da fertilidade, nomeadamente o clomifene. uso, o risco relativo de cancro do ovário foi
de 5,68 versus 3,09 no grupo de controlo.
2.4. CONTRACEPTIVOS ORAIS E
TERAPÊUTICA HORMONAL DE SUBSTITUIÇÃO 2.5. TALCO

Os contraceptivos orais (CO) combinados O uso de talco cosmético no períneo, seja em


reduzem o risco de cancro do ovário, e este loções de higiene íntima, pensos higiénicos,

394 Capítulo 24
preservativos ou diafragmas contraceptivos, Paridade elevada, uso da pílula contracep-
foi incriminado como possível factor de ris- tiva e amamentação (três causas major de
co para o cancro do ovário. É possível que anovulação), e em menor grau, aborto de re-

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o talco possa ser transportado e alcançar petição, menopausa precoce e menarca tar-
os ovários. O talco pode estar contaminado dia, são tudo elementos protectores contra
com quantidade significativa de asbestos. o desenvolvimento de cancro do ovário.
Tal facto conduziu ao estudo de grupos de Fathalla foi o primeiro a sugerir que o factor
trabalhadores que lidam com asbestos e foi fundamental na etiopatogenia do cancro
assinalado um risco acrescido de cancro do epitelial do ovário era a rotura deste epité-
ovário nesses grupos3. lio por ocasião da ovulação. O traumatismo
continuado seria responsável pela transfor-
2.6. OBESIDADE mação maligna, a chamada «ovulação inces-
sante»13. A superfície ovárica sofre um pe-
Num estudo caso-controlo realizado na Aus- queno traumatismo aquando da ovulação.
trália, mulheres com índice de massa corporal O efeito cumulativo desta repetida agressão
(IMC) superior ao percentil 85 tinham um ris- poderia contribuir para o desenvolvimento
co duplo de cancro do ovário em comparação da neoplasia ovárica.
com mulheres com um IMC no percentil 30. Um estado de hipergonadotrofismo foi tam-
Este risco em relação com o IMC mantinha- bém postulado como possível factor na etio-
se significativamente elevado mesmo em logia do cancro do ovário. Foi demonstrado
análise multivariável12. Visto que uma relação que a supressão gonadotrófica protege con-
cintura-ancas elevada pode estar associada a tra o cancro do ovário14. Zajicek postulou que
hiperandrogenemia e síndrome dos ovários os tumores epiteliais do ovário podem surgir
poliquísticos, estes factores podem ser res- a partir de inclusões epiteliais da superfície
ponsáveis pelo risco acrescido observado3. ovárica que frequentemente ocorrem após a
ovulação15. Casagrande, et al. sugeriram que a
2.7. RAÇA «idade ovulatória» (número de ciclos ovulató-
rios entre a menarca e a menopausa aos quais
Nos EUA, a incidência de cancro do ovário é são subtraídos o tempo de protecção propor-
significativamente mais elevada entre as mu- cionado pela gravidez e CO) é directamente
lheres de raça branca e havaianas, intermédia proporcional ao risco individual para cancro
entre as negras, hispânicas e asiáticas, e mais do ovário16. Cramer e Welch propuseram um
baixa nas mulheres nativas americanas. En- modelo para a cancerização ovárica que ten-
tre 1986 e 1990, a taxa de incidência era 50% ta conciliar os actuais dados epidemiológicos
mais elevada para as mulheres brancas em e patológicos17. De acordo com este modelo,
comparação com as mulheres americanas de o primeiro passo da carcinogénese ovárica
origem africana3. Estas diferenças raciais mui- consiste na formação de um quisto de inclu-
to provavelmente reflectem diferenças tam- são pela oclusão ou invaginação do epitélio
bém em relação a outros factores de risco. de superfície no estroma ovárico, rompendo
o tecido conjuntivo que separa o epitélio do
córtex, e deste modo, colocando as células
3. ETIOPATOGENIA DO epiteliais em íntima proximidade com células
CARCINOMA DO OVÁRIO produtoras de esteróides sexuais. Tudo isto
provavelmente ocorre como uma sequela da
As várias teorias que tentam explicar a etio- ovulação ou estimulação indirecta através de
patogenia do cancro epitelial do ovário ba- processos inflamatórios devido a irritantes
seiam-se em observações epidemiológicas. químicos ou carcinogénios. O segundo passo

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 395


consiste na estimulação directa ou indirecta safio. A probabilidade de doença, mesmo
do epitélio sequestrado por estrogénios intra em mulheres com risco elevado (história fa-
ou extraglandulares, factores de crescimen- miliar de cancro do ovário), é estimada cor-

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to, fluido folicular ou, ainda, gonadotrofinas responder a somente 0,4%. Os testes actual-
condicionando diferenciação, proliferação e mente disponíveis para identificar pequenos
eventual transformação maligna desse epité- cancros do ovário carecem de sensibilidade
lio ovárico. Contudo, o estímulo final e decisi- e especificidade adequadas. O exame gine-
vo para a transformação maligna permanece cológico é incapaz de detectar pequenos
desconhecido18. tumores. A ecografia é suficientemente
Recentemente Kurman, et al.19 propuseram sensível para detectar aumento do volume
um novo modelo para a carcinogénese ovárico na mulher pós-menopáusica, mas
ovárica baseados em estudos de biologia geralmente esta patologia é benigna. O mar-
molecular e nos dados clínicos e histopato- cador tumoral sérico para o cancro do ová-
lógicos. Consideram os tumores epiteliais rio, CA 125, encontra-se elevado em muitas
do ovário divididos em dois grupos. No tipo pacientes com este cancro, mas em só 50%
I os tumores apresentam-se frequentemen- das doentes com tumores no estádio I. Os
te no estádio I, são de baixo grau com uma estudos prospectivos demonstraram que o
progressão lenta e desenvolvem-se a partir CA 125 associado à ecografia transvaginal
de lesões precursoras bem reconhecidas; pode detectar um número significativo de
são os carcinomas serosos micropapilares cancros do ovário numa fase pré-clínica. Há
de baixo grau, o carcinoma mucinoso, o já evidência de que o rastreio pode melhorar
carcinoma endometrióide e o carcinoma de a sobrevivência, mas o impacto do rastreio
células claras. No tipo II, pelo contrário, os tu- na mortalidade por cancro do ovário está
mores apresentam-se normalmente em es- ainda por provar. De momento, o uso com-
tádios avançados, são tumores de alto grau binado da ecografia com sonda vaginal e do
extremamente agressivos; incluem-se neste CA 125, como métodos de rastreio do cancro
tipo o carcinoma seroso de alto grau, os tu- do ovário, está em avaliação através de estu-
mores malignos mesodérmicos mistos e os dos clínicos randomizados. No Reino Unido
carcinomas indiferenciados. Para além das decorre um estudo prospectivo randomiza-
diferenças clínicas e patológicas há também, do envolvendo 200.000 mulheres pós-me-
entre os dois tipos, diferenças genéticas mo- nopáusicas, desenhado para documentar o
leculares. Nos tumores de tipo I registam-se impacto do rastreio na mortalidade20.
mutações nos oncogenes K-ras, BRAF, ERB2 e Avanços tecnológicos recentes no âmbito da
B-catenina, com activação de uma proteino- proteómica parecem oferecer a oportunida-
quinase com actividade mitogénica (MAPK). de para a identificação de novos biomarcado-
Também se registaram mutações no supres- res com maior sensibilidade e capacidade de
sor tumoral PTEN e instabilidade de micros- detecção mais precoce do que o CA 12521.
satélites. Nos tumores de tipo II identificam-
se a sobreexpressão da p53, as mutações de
TP53 e grande instabilidade genética. 5. HISTOPATOLOGIA

Cerca de 85% dos tumores primitivos do ová-


4. RASTREIO rio tem origem no epitélio celómico que co-
bre os ovários. Os tumores epiteliais do ovário
Enquanto a mortalidade por cancro do ová- podem ser benignos, de baixo potencial de
rio se mantiver elevada, a detecção precoce malignidade (borderline) ou malignos e classi-
de cancros iniciais constitui um enorme de- ficam-se conforme se apresenta no quadro 2.

396 Capítulo 24
Quadro 2. Classificação dos tumores epiteliais do ovário

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I – Tumores serosos
II – Tumores mucinosos
III – Tumores endometrióides
IV – Tumores de células claras (mesonéfricos)
V – Tumores de Brenner (de células transitórias)
VI – Tumores mistos
VII – Tumores indiferenciados
VIII – Tumores não classificados e miscelânea

5.1. TUMORES SEROSOS áreas sólidas. As neoplasias mucinosas ten-


dem a atingir dimensões superiores às das
Os tumores serosos são as neoplasias primi- neoplasias serosas.
tivas do ovário mais frequentes, geralmente O epitélio dos tumores mucinosos do ovário
bilaterais e representando 50 a 60% de to- pode assemelhar-se ao epitélio do endocolo
dos os casos. ou do intestino. Em estudos ultra-estrutu-
Os carcinomas serosos são habitualmente rais, é sugestiva a presença de um epitélio
constituídos por estruturas sólidas, mas tam- do tipo intestinal em alguns destes tumores,
bém quísticas, com extensas vegetações. As o que reflecte um processo de metaplasia
células epiteliais assemelham-se, em graus do epitélio de superfície à medida que sofre
variáveis, às células das trompas de Falópio. transformação maligna.
Papilas, psamomas e células ciliadas são fre-
quentemente encontrados. Os psamomas 5.3. TUMORES ENDOMETRIÓIDES
podem estar presentes em grande profusão,
enquanto as células ciliadas são raramente O carcinoma endometrióide do ovário re-
encontradas nos carcinomas serosos. presenta aproximadamente 10 a 15% dos
Uma variante papilar do carcinoma seroso cancros do ovário. Um carcinoma endome-
do ovário é caracterizada por um padrão de trial concomitante tem sido encontrado em
crescimento exofítico, ovários de tamanho 15 a 30% dos casos, enquanto menos de 5%
normal ou pouco aumentado, bilateralidade de todos os cancros do ovário se associam a
do tumor e habitualmente disseminação in- cancro do endométrio.
tra-abdominal da doença com ascite. A sua Aproximadamente 10% dos carcinomas
histogénese exacta é obscura, assim como a endometrióides estão associados a endo-
sua incidência. metriose ovárica. Contudo, é raro encontrar
áreas de transição entre endometriose e
5.2. TUMORES MUCINOSOS carcinoma. Os carcinomas endometrióides
são tipicamente quísticos com áreas sólidas
Os carcinomas mucinosos compreendem que podem adquirir o aspecto de papilas.
unicamente 10 a 15% dos carcinomas do Os quistos estão preenchidos por um flui-
ovário. Aproximadamente metade é diag- do mucóide ou semelhante a chocolate. Do
nosticada em estádios iniciais. Os carcinomas ponto de vista microscópico, o componente
mucinosos são usualmente multiloculares e epitelial é indistinguível do carcinoma endo-
frequentemente contêm nódulos ou outras metrial e a metaplasia é comum.

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 397


5.4. TUMORES DE CÉLULAS CLARAS Estes tumores foram designados como «se-
mimalignos» ou «tumores de baixo poten-
O carcinoma de células claras deveria ser cial de malignidade». Em 1971 este grupo

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classificado, segundo alguns autores, como foi aceite pela FIGO e em 1973 pela Orga-
um subtipo de neoplasia endometrióide nização Mundial da Saúde como tumores
do ovário. Aproximadamente 2 a 5% dos borderline. Presentemente a discussão cen-
cancros epiteliais do ovário são tumores de tra-se no conceito de que a maioria destes
células claras. Estes tumores são geralmen- tumores é verdadeiramente benigna e que
te quísticos, frequentemente uniloculares e um pequeno grupo é de facto maligno com
com um ou mais nódulos sólidos fazendo capacidade para invadir e metastizar22.
protusão para a cavidade. Áreas de hemor- O diagnóstico histológico dos tumores bor-
ragia e necrose são comuns. Os tumores me- derline é baseado: na proliferação celular
sonéfricos são constituídos por células claras epitelial, estratificação do epitélio das papi-
contendo glicogénio e assemelhando-se ao las, hiperplasia, actividade mitótica e atipia
carcinoma de células renais. Estas células nuclear sem invasão do estroma.
epiteliais são volumosas com abundante ci- Os tumores borderline são comuns, repre-
toplasma claro. Um aspecto particularmente sentando 10 a 20% de todas as neoplasias
interessante do carcinoma de células claras epiteliais do ovário. A sobrevivência global é
do ovário é que, apesar da sua raridade, é o excelente, com uma taxa aos cinco anos de
tumor ovárico que mais frequentemente se 80 a 90% e os mesmos valores para a sobre-
associa a síndromes para-endócrinas com vivência sem doença. A maioria das doentes
hipercalcemia. é diagnosticada no estádio I. As mulheres
com tumores borderline são mais jovens em
5.5. GRAU TUMORAL comparação com as pacientes com carci-
noma invasivo. A idade média é de aproxi-
O cancro epitelial do ovário é classificado madamente 45 anos para as primeiras e 60
em função do seu grau de diferenciação. Os para as segundas. Existe pouca informação
tumores bem diferenciados (G1) mantêm o no que respeita aos factores de risco para
seu aspecto glandular. Os tumores pouco o desenvolvimento de um tumor bordeline.
diferenciados (G3) perdem as suas caracte- Mulheres com história de infertilidade ou
rísticas glandulares e os tumores moderada- nulíparas têm um risco aumentado, enquan-
mente diferenciados (G2) apresentam am- to a gravidez, amamentação e o uso de CO
bas as características. Todos os carcinomas mostrou ter efeito protector.
de células claras são considerados G3. Os tumores borderline serosos constituem
O grau histológico é particularmente impor- 10 a 25% de todos os tumores serosos do
tante nos tumores nos estádios iniciais dado ovário e 55% de todos os tumores borderline.
que tem impacto no prognóstico e na con- Os tumores borderline mucinosos represen-
duta terapêutica. tam aproximadamente 10 a 15% de todos os
tumores mucinosos do ovário, e os tumores
5.6. TUMORES BORDERLINE borderline mucinosos (40%) são menos co-
DE BAIXO POTENCIAL DE MALIGNIDADE muns do que os serosos.
O prognóstico destes tumores é muito bom,
Em 1929 foi descrito um grupo especial de embora 10 a 15% das mulheres com estas
tumores epiteliais do ovário com quadros neoplasias possam ter recorrências e ve-
histopatológicos e comportamento bioló- nham a morrer da doença.
gico intermédios entre tumores claramente Parâmetros geralmente aceites capazes de
benignos e tumores francamente malignos. influenciar o aparecimento de recorrências e

398 Capítulo 24
a sobrevivência incluem o volume de tumor identificação de neoplasia ovárica na mu-
residual após a cirurgia, estádio da doença, lher pré-menopáusica porque a sua eleva-
tipo histológico, idade e a presença de focos ção pode ser provocada pela presença de

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tumorais com características invasivas. endometriose, adenomiose, leiomiomatose,
gravidez e doença inflamatória pélvica. Um
valor sérico de CA 125 superior a 35 U/ml na
6. DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO mulher pós-menopáusica com uma massa
pélvica tem um valor positivo preditivo de
Os sinais e sintomas de cancro do ovário 85%. Fácil é concluir que o uso combinado
não são específicos. Sintomas gastrointesti- do CA 125 e ecografia melhora consideravel-
nais, genito-urinários e pélvicos só ocorrem mente a eficácia diagnóstica.
quando se desenvolvem tumores volumosos Quando se suspeita da existência de um
e/ou surge disseminação intra-abdominal cancro do ovário, vários estudos devem ser
da doença. Por esta ocasião, sintomas rela- realizados para avaliar, nomeadamente, a
cionados com a compressão provocada por extensão da doença intra-abdominal. A rec-
tumores pélvicos ou sintomas abdominais tossigmoidoscopia e a colonoscopia podem
relacionados com a ascite são comuns. identificar os tumores primitivos do cólon.
Um exame ginecológico cuidadoso pode Estudos imagiológicos do tracto genito-uri-
detectar um ovário aumentado de volume nário permitem a identificação de adenopa-
ou uma nodularidade no fundo-de-saco de tias retroperitoneais, obstrução uretral ou
Douglas no toque rectal e/ou vaginal. Nas compressão da bexiga pela massa pélvica.
mulheres pós-menopáusicas, o ovário nor- As classificações TMN e da FIGO (Quadro 3)
mal involui e mede 1 a 2 cm na sua maior di- descrevem os estádios do cancro do ovário,
mensão, tornando-se não palpável. Portanto, que se correlacionam intimamente com o
um ovário palpável numa mulher pós-meno- prognóstico. O cancro do ovário é um tumor
páusica deverá ser investigado, embora, pos- cujo estadiamento pode ser alterado durante
sivelmente, somente 10% corresponderão a o tratamento ou após o estudo histológico.
um cancro do ovário. Nas mulheres mais jo- O estádio baseia-se nos achados cirúrgicos
vens, um ovário quístico com diâmetro supe- (aspectos macroscópicos) e anatomopatoló-
rior a 5 cm deverá também ser investigado. gicos (microscópicos).
Tanto a ecografia como a tomografia axial
computorizada (TC) não são úteis no diagnós- 6.1. ESTADIAMENTO CIRÚRGICO
tico precoce do cancro do ovário. A ressonân-
cia magnética nuclear (RM) parece promete- A melhor abordagem cirúrgica consiste
dora para a detecção de lesões pequenas numa incisão mediana estendendo-se do
quando a ecografia e a TC se mostram inca- púbis ao apêndice xifóide, o que permite
pazes da sua detecção. Contudo, a RM, como uma inspecção adequada da cavidade peri-
a ecografia e a TC, têm como função principal toneal e diafragma.
a avaliação pré-cirúrgica e monitorização da O estadiamento cirúrgico inclui a inspec-
terapêutica. A laparoscopia ajuda a estadiar ção dos ovários, trompas, útero e cavidade
doentes com cancro do ovário e permite ve- abdominal (peritoneu parietal, diafragma,
rificar se nos estádios mais avançados é pos- superfície hepática, cólon e mesocólon, me-
sível uma cirurgia de redução óptima, com sossigmóide, goteiras parieto-cólicas, intes-
lesões residuais microscópicas. tino, mesentério, fundo-de-saco de Douglas,
Níveis séricos elevados de CEA são úteis na bexiga). Inclui também biopsias de lesões
vigilância da resposta à terapêutica. O CA suspeitas, excisão selectiva ou sistemática
125 sérico tem um valor muito limitado na de gânglios para-aórticos, ilíacos externos

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 399


e comuns (com base na palpação), e ainda, largo espectro clínico é parcialmente reflec-
histerectomia total e anexectomia bilate- tido por vários factores clinicopatológicos
ral. A omentectomia infracólica é também de prognóstico que incluem o estádio, tipo e

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recomendada, visto que podem existir me- grau histológico, volume do tumor residual
tástases num omento macroscopicamente após cirurgia, estado geral e idade da doen-
normal. A apendicectomia deverá também te. Devem ser feitos esforços para identificar
ser realizada embora o envolvimento do novos factores de prognóstico que tenham
apêndice seja excepcional. É recomendada significado biológico. Trata-se de um área
sobretudo nos tumores de tipo mucinoso. em rápida expansão onde se assiste a um
Na ausência de lesões visíveis, biopsias ao conhecimento mais aprofundado das altera-
acaso, interessando o hemidiafragma direi- ções moleculares que presidem à carcinogé-
to, goteiras parieto-cólicas direita e esquer- nese ovárica e à progressão tumoral.
da, fundo-de-saco de Douglas, superfície A importância de um estadiamento meticu-
hepática e mesentério, devem ser realizadas. loso deve ser sublinhada visto que a terapêu-
Mesmo antes da inspecção da cavidade ab- tica pós-operatória é, actualmente, baseada
dominal, deve-se aspirar fluido do fundo-de- nesta classificação por estádios. O sistema
saco de Douglas ou, na sua ausência, realizar de estadiamento da FIGO permite uma com-
um lavado peritoneal com 500 ml de soro paração entre diferentes séries publicadas
fisiológico, para estudo citológico. e representa actualmente um auxiliar indis-
Os tumores ováricos devem ser excisados pensável na planificação terapêutica.
evitando-se a sua rotura. O tipo histológico do carcinoma do ovário re-
Finalmente, deve ser feita a avaliação no final presenta para muitos um factor com impor-
da intervenção cirúrgica de eventual doença tância prognóstica. Tem sido referido que
residual, considerando o número das lesões, os adenocarcinomas endometrióides e mu-
suas maiores dimensões e localização. cinosos têm um prognóstico relativamente
O estádio final só é definido após realização bom, e que os carcinomas serosos têm habi-
do estudo histopatológico. Se se realizarem tualmente um mau prognóstico, enquanto o
biopsias múltiplas e linfadenectomia os tu- prognóstico dos adenocarcinomas de célu-
mores clinicamente no estádio I correspon- las claras estará ente estes dois extremos.
dem, de facto, a estádio I cirúrgico/patológico O valor prognóstico do grau histológico do
em somente 60% dos casos. No estádio II, a carcinoma do ovário, particularmente na do-
disseminação oculta e desconhecida da neo- ença precoce, tem sido geralmente aceite,
plasia é estimada ser muito mais elevada. Os mas não existe consenso quanto aos crité-
gânglios retroperitoneais estão invadidos em rios que permitem definir o grau histológico
40% dos casos, e em somente 20% das situa- destas neoplasias. O factor de prognóstico
ções a doença permanece confinada à pélvis. mais importante, e provavelmente o único,
dos tumores epiteliais do ovário com baixo
potencial de malignidade (borderline), con-
7. FACTORES DE PROGNÓSTICO siste na presença de lesões extra-ováricas.
E PREDITIVOS Hoje, muitos ginecologistas oncologistas
concordam que a cirurgia com máximo es-
O cancro do ovário é caracterizado por uma forço citorredutor constitui um objectivo
grande diversidade de comportamento a alcançar. Os dados sugerem que as pa-
biológico, desde tumores com um excelen- cientes com doença residual mínima têm
te prognóstico e grande probabilidade de uma melhor sobrevivência em comparação
cura, até tumores que rapidamente progri- com aquelas cuja doença residual é igual
dem com um prognóstico muito mau. Este ou superior a dois centímetros. Tal facto é

400 Capítulo 24
aparentemente verdadeiro, mesmo não de pequeno volume, tratadas com ou sem
entrando em consideração com os regimes cisplatina, parece que o seu estado geral não
de quimioterapia após a cirurgia. As doen- desempenha um papel significativo como

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tes que sofrem uma citorredução completa factor de prognóstico. Em contrapartida, em
aquando da cirurgia inicial têm uma melhor pacientes com cancro avançado do ovário
sobrevivência. Também a experiência do com doença residual de grande volume, o
cirurgião na realização de uma correcta e estado geral representa um dos factores
completa cirurgia citorredutora parece ter major e independentes de prognóstico. Nes-
influência prognóstica. te grupo de doentes, a idade (superior a 65
Tanto nas pacientes com cancro inicial como anos) é também um factor independente de
avançado do ovário e com doença residual prognóstico que influencia a sobrevivência.

Quadro 3. Classificação TNM e da FIGO para os cancros do ovário

TNM FIGO Características

Categorias Estádios

Tx O tumor primitivo não pode ser avaliado

T0 Não há evidência de tumor primitivo

T1 I Tumor limitado aos ovários


T1a Ia Tumor limitado a um ovário; cápsula intacta; ausência de tumor na superfície
ovárica; ausência de ascite com células malignas
T1b Ib Tumor limitado a ambos os ovários; cápsula intacta; ausência de tumor na
superfície ovárica; ausência de ascite com células malignas
T1c Ic Tumor limitado a um ou a ambos os ovários com: cápsula rota e/ou tumor na
superfície ovárica e/ou células neoplásicas na ascite ou no lavado peritoneal
T2 II O tumor envolve um ou ambos os ovários com extensão pélvica

T2a IIa Extensão e/ou implantes no útero e/ou trompa

T2b IIb Extensão a outras estruturas pélvicas


T2c IIc Tumor nos estádios IIa ou IIb com tumor na superfície de um ou dos dois ovários;
ou com cápsula rota; ou com ascite com células tumorais ou lavagem peritoneal
positiva
T3e/ou III O tumor interessa um ou ambos os ovários com metástases peritoneais
N1 confirmadas fora da pélvis e/ou metástases nos gânglios regionais. Metástases
superficiais no fígado. Tumor limitado à pélvis mas com metástases no intestino
delgado ou omento
T3a IIIa Metástases peritoneais microscópicas para além da pélvis e gânglios negativos
T3b IIIb Metástases peritoneais macroscópicas fora da pélvis a 2 cm na sua maior
dimensão e gânglios negativos
T3c e/ou IIIc Metástases peritoneais fora da pélvis q 2 cm na maior dimensão e/ou metástases
N1 nos gânglios regionais
M1 IV Metástases à distância (metástases peritoneais excluídas)
Metástases na cápsula hepática correspondem a T3/estádio III, metástases no parênquima hepático representa M1/estádio IV.
Para poder ser considerado como M1/estádio IV o derrame pleural deverá ter uma citologia positiva.

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 401


8. TRATAMENTO CIRÚRGICO mia infracólica. Associam-se todos os proce-
dimentos, já descritos, que permitem avaliar a
O objectivo da cirurgia no tratamento do extensão do tumor para além dos ovários.

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carcinoma do ovário consiste na remoção da
lesão primitiva e de todas as metástases da 8.2. CIRURGIA RADICAL
forma mais completa possível. Quando a fer-
tilidade não está em causa, o útero e ambos A cirurgia radical inclui todos os procedi-
os anexos deverão ser excisados. mentos da cirurgia padrão bem como a lin-
O ovário contralateral ao tumor é removido fadenectomia pélvica e lombo-aórtica. Está,
porque: é prescindível, metástases ocultas ou normalmente, limitada aos estádios Ia, Ib, IIa,
carcinoma primitivo podem estar presentes e, IIb e III por envolvimento do omento23.
finalmente, poderá existir um risco acrescido
de desenvolvimento de carcinoma no ovário, 8.3. CIRURGIA CITORREDUTORA
especialmente nos tumores serosos.
A remoção do útero é controversa, embora O valor da cirurgia citorredutora no trata-
seja recomendada como parte integrante do mento do cancro do ovário tem sido debati-
tratamento do cancro do ovário excisável. do ao longo dos anos. Uma verdadeira cirur-
O útero pode estar colonizado com células gia citorredutora implica a remoção de mais
neoplásicas provenientes da disseminação de 90% da massa tumoral. Contudo, deve
por via linfática. Poderá coexistir um tumor ser referido que tal cirurgia só é possível em
primitivo do endométrio. Poderão existir aproximadamente 40% das doentes com
implantes tumorais na serosa uterina. Este doença peritoneal no estádio III.
órgão é dispensável quando a fertilidade A cirurgia citorredutora deverá ser realiza-
não está em causa. É geralmente excisado da sempre que possível. Tanto os tumores
com um risco adicional mínimo. As pacien- volumosos, com irrigação sanguínea re-
tes com cancro do ovário correm o risco de lativamente insuficiente nas suas porções
desenvolverem subsequentemente tumores centrais, como as áreas tumorais com cres-
primitivos müllerianos e, além disso, é mais cimento celular reduzido, são insensíveis
fácil avaliar a pélvis em exames posteriores aos fármacos citotóxicos. Em tumores re-
de controlo clínico na ausência do útero. siduais pequenos e bem perfundidos com
A cirurgia representa a primeira atitude de acelerado crescimento celular, a difusão dos
quase todos os protocolos terapêuticos, seja agentes quimioterapêuticos é maior, o que
realizada com intuito diagnóstico, terapêuti- contribui para o incremento da sua eficácia.
co, ou para remoção tumoral máxima. A remoção de grandes tumores também
Deverão ser considerados diversos aspectos reduz a probabilidade de desenvolvimento
na cirurgia do cancro do ovário: estadiamen- de clones celulares resistentes aos fármacos
to cirúrgico, tratamento cirúrgico padrão, ci- como resultado de mutações espontâneas.
rurgia radical, cirurgia citorredutora, cirurgia Aliás, tumores com reduzidas dimensões
conservadora da fertilidade, cirurgia paliati- requerem um menor número de ciclos de
va, laparotomia de second-look. quimioterapia, diminuindo, deste modo, a
possibilidade de resistência aos fármacos24.
8.1. CIRURGIA PADRÃO Vários estudos não randomizados mostra-
ram uma melhor sobrevivência em pacientes
O tratamento cirúrgico padrão é praticado com tumores residuais de maior diâmetro
durante a laparotomia exploradora e nos inferior a 1 centímetro, após cirurgia inicial,
estádios iniciais e consiste na histerectomia em comparação com pacientes com lesões
total com anexectomia bilateral e omentecto- residuais com maiores dimensões.

402 Capítulo 24
O valor da cirurgia de redução tumoral após biopsias múltiplas peritoneais da cavidade ab-
quimioterapia de indução é ainda mais difí- dominal, bem como uma lavagem prévia da
cil de avaliar. Vários estudos indicam que a cavidade abdominal para estudo citológico.

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sobrevivência é aproximadamente idêntica
para pacientes com cirurgia citorredutora 8.5. CIRURGIA DE REAVALIAÇÃO
óptima após quimioterapia de indução e
para aquelas em quem a cirurgia citorredu- Doentes submetidas a cirurgia incompleta
tora primária havia sido óptima. Outros es- como consequência de diagnóstico incorrec-
tudos, contudo, apresentam resultados di- to, ou insuficientemente operadas após um
ferentes. Deve ser referido que todas estas diagnóstico correcto, deverão ser sujeitas a
análises se baseiam num reduzido número um estadiamento laparosópico, citológico e
de pacientes e com diferentes factores de radiológico. A cirurgia não é necessária se os
prognóstico. exames complementares para estadiamento
Em 1987, o Gynaecological Cancer Coope- mostrarem a impossibilidade de ressecção
rative Group da EORTC iniciou um estudo do tumor. A cirurgia é obrigatória em todas
randomizado de fase 3 para aquilatar dos as outras situações mesmo quando não haja
efeitos na sobrevivência da cirurgia citorre- suspeição de doença residual.
dutora após quimioterapia de indução24. O
estudo demonstrou que a cirurgia da redu- 8.6. CIRURGIA PALIATIVA
ção tumoral aumentou significativamente a
sobrevivência global e a sobrevivência sem É realizada aquando de oclusão intestinal,
progressão tumoral. O risco de morte dimi- uropatia obstrutiva e em metástases isoladas.
nuiu 30% após correcção para um conjunto
de factores prognósticos. 8.7. CIRURGIA DE SECONDLOOK
A cirurgia de citorredução óptima implica,
para além dos procedimentos da cirurgia O conceito de laparotomia de second-look
radical, a realização de ressecções intestinais foi introduzido principalmente para avaliar a
e de peritonectomia parcial ou total, com es- presença de doença em pacientes com car-
plenectomia. Este tipo de cirurgia também cinoma colorrectal tratados cirurgicamente.
pode ser designado de supra-radical. A cirurgia de reavaliação periódica foi incor-
porada no esquema terapêutico geral de
8.4. CIRURGIA CONSERVADORA várias neoplasias abdominais incluindo o
DA FERTILIDADE cancro do ovário.
O reconhecimento de que a doença clini-
A cirurgia conservadora está raramente indi- camente oculta poderá ser frequentemen-
cada. É habitualmente praticada somente em te detectada com o recurso à laparotomia
doentes férteis abaixo dos 30 anos de idade em mulheres que tenham completado a
com desejo de procriarem. As neoplasias de- quimioterapia, levantou a possibilidade de
verão encontrar-se no estádio Ia, serem tu- que a reavaliação cirúrgica poderia evitar
mores mucinosos, endometrióides e serosos, o abandono prematuro da terapêutica ad-
bem diferenciados, e sem patologia associa- juvante naquelas pacientes com doença
da, como miomas uterinos. Uma vigilância persistente. Pelo contrário, a reavaliação ci-
clínica adequada e apertada é obrigatória. rúrgica poderá permitir a suspensão da qui-
A cirurgia a praticar consiste habitualmente mioterapia com base em evidência histoló-
na anexectomia unilateral, com linfadenecto- gica, deste modo minimizando a toxicidade
mia pélvica e eventualmente lombo-aórtica, aguda e sequelas potenciais a longo prazo
omentectomia, eventual apendicectomia e destes agentes citotóxicos25.

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 403


A laparotomia de second-look compreende cluído que a intervenção de second-look não
uma avaliação completa de toda a cavidade influencia a sobrevivência livre de recorrência
peritoneal incluindo a realização de múltiplas no cancro do ovário no estádio III.

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biopsias a nível do diafragma, goteiras parie-
to-cólicas, peritoneu pélvico, serosa vesical,
fundo-de-saco de Douglas, mesentério do 9. TRATAMENTO MÉDICO
intestino delgado e sigmóide e serosa do íleo
distal. A colheita de gânglios linfáticos deverá 9.1. CANCRO INICIAL DO OVÁRIO
ser realizada, assim como a colheita de fluido
ou lavado peritoneal para estudo citológico. Aproximadamente um terço dos cancros do
A histerectomia, anexectomia e omentecto- ovário são diagnosticados como doença lo-
mia deverão ser executadas se omitidas na ci- calizada mas, apesar da ressecção cirúrgica,
rurgia inicial citorredutora. Se for encontrada metade destes tumores sofrem recorrência.
doença residual, esta deverá ser removida tão Ainda não está esclarecido se a terapêutica
completamente quanto possível. adjuvante pode beneficiar estas pacientes.
Apesar da ausência de tumor identificável em Considerando que a quimioterapia para o
exames imagiológicos após a quimioterapia cancro avançado do ovário com combinações
adjuvante, é reconhecido que a doença per- de fármacos, onde se incluem a cisplatina,
sistente pode ser detectada na laparotomia aumenta significativamente a sobrevivência,
de second-look, em aproximadamente 60% poder-se-ia especular que regimes similares
das doentes com cancro do ovário em está- poderiam ter um efeito significativo nas taxas
dios avançados. Os críticos desta cirurgia argu- de recorrência em tumores nos estádios I e II.
mentam que não há um acréscimo na sobre- Entre Novembro de 1990 e Janeiro de 2000, o
vivência após a sua realização. O tratamento Gynecological Cancer Group da EORTC incluiu
da doença persistente após a laparotomia de num ensaio fase III 448 doentes, de 40 centros
second-look inclui citorredução secundária europeus, com cancro inicial do ovário, com-
e/ou quimioterapia adjuvante. Pacientes com parando um grupo sem quimioterapia após
cancro do ovário nos estádios III e IV não trata- cirurgia versus um segundo grupo tratado
das, sujeitas a citorredução ou poliquimiotera- com uma combinação contendo cisplatina,
pia tendo por base a cisplatina, apresentaram após cirurgia. Depois de um seguimento mé-
uma sobrevivência média livre de progressão dio de 5,5 anos não se verificou, em relação
e sobrevivência global de 14 a 16 meses e 23 à sobrevivência global, diferença significativa.
a 25 meses, respectivamente. Estes números Por outro lado a sobrevivência livre de recor-
são similares aos encontrados em pacientes rência foi favorável ao grupo submetido a qui-
submetidas a operações de second-look e re- mioterapia adjuvante. Verificou-se ainda que
cebendo os mesmos regimes adjuvantes25. no grupo que apenas se submeteu a cirurgia
Num estudo randomizado fase III (GOG 158)26 a sobrevivência global e a sobrevivência livre
com cisplatina e paclitaxel (regime 1) ver- de recorrência foi superior nas doentes sub-
sus carboplatina e paclitaxel (regime 2) em metidas a um staging considerado óptimo e
cancros epiteliais do ovário no estádio III, as as doentes não beneficiaram da quimiotera-
pacientes foram sujeitas a cirurgia de second- pia, o que já não se verificou no grupo que fez
look ou simples observação, por ocasião da quimioterapia, onde houve benefício em ter-
randomização para o regime 1 ou 2. Não se mos de sobrevivência livre de recorrência27.
encontrou diferença na sobrevivência livre de Também entre 1991 e 2000 decorreu um
recorrência, comparando as pacientes sujeitas outro ensaio clínico fase III internacional,
a cirurgia de second-look com as que tinham designado ICON1, que incorporou 477 do-
sido somente sujeitas a observação. Foi con- entes, de 84 centros europeus, comparando

404 Capítulo 24
um grupo de doentes com cancro inicial do O Advanced ovarian cancer trialists group em
ovário submetido a quimioterapia adju- 199131 reviu todos os ensaios randomizados
vante com cisplatina após a cirurgia versus disponíveis, analisando o papel da cisplatina

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apenas cirurgia. Os resultados deste estudo em quimioterapia combinada no tratamento
sugerem que a quimioterapia adjuvante do cancro avançado do ovário. Não foram es-
com a inclusão de um derivado da cisplatina tabelecidas conclusões definitivas. Contudo,
proporciona melhor sobrevivência global e os resultados sugeriram que, em termos de
melhor sobrevivência sem doença do que sobrevivência, as terapêuticas baseadas nos
apenas o tratamento cirúrgico28. derivados da platina foram superiores aos regi-
mes sem derivados da platina. A cisplatina em
9.2. CANCRO AVANÇADO DO OVÁRIO combinação mostrou-se superior à cisplatina
como agente único quando usado em doses
Poucas doentes com cancro do ovário nos iguais. Finalmente, a cisplatina e a carboplati-
estádios III e IV permanecem livres de tumor, na apresentaram eficácia sobreponível.
a longo prazo, apesar das impressionantes Quatro ensaios clínicos randomizados
respostas à quimioterapia. Esta terapêutica – GONO, 198632; GICOG, 198733; DACOVA,
tem vindo a ser usada cada vez mais como 198734; GOG, 198935 – comparando a ciclofos-
tratamento primário dos tumores epiteliais famida com a cisplatina (CP) versus ciclofosfa-
do ovário. Foi demonstrado que os agentes mida, doxorrubicina e cisplatina (CAP), foram
alquilantes foram úteis no tratamento do can- todos incapazes de demonstrar uma diferen-
cro do ovário. Contudo, as respostas variaram ça significativa na sobrevivência em pacien-
entre 11 e 67%, a sobrevivência média foi de tes com cancro do ovário. Contudo, estudan-
aproximadamente 14 meses e a sobrevivên- do 1.194 doentes incluídos nestes ensaios,
cia global aos cinco anos foi inferior a 10%. através de um metanálise, o Ovarian Cancer
Vários fármacos não-alquilantes mostraram Meta-analysis Project, em 199136, encontrou
actividade citotóxica em mulheres com can- um benefício estatisticamente significativo
cro do ovário. Entre estes, a cisplatina parece na sobrevivência das pacientes que recebe-
mais eficaz que os agentes alquilantes, dan- ram o CAP e também em termos de achados
do respostas na ordem dos 50% ou supe- negativos na laparotomia de second-look nes-
riores. Uma quimioterapia combinada sem te grupo de mulheres (CAP –30% e CP –23%).
cisplatina, como tratamento inicial, propor- Três estudos prospectivos (GOG e SGCSG, 1992;
ciona respostas variando entre 5 e 50% com e GONO, 1993) compararam uma dose padrão
uma sobrevivência média de aproximada- de cisplatina com a intensificação de dose ob-
mente 14 meses. Estes dados sugerem que tida através do aumento da dose de cisplatina.
regimes combinados sem cisplatina não são Para além do estudo de Glasgow, no qual uma
superiores aos agentes alquilantes. diferença significativa da sobrevivência média
Os regimes de quimioterapia combinada com foi obtida com o aumentando a dose da cispla-
base na cisplatina produzem respostas de 60 tina, os dois outros estudos não encontraram
a 80% com uma sobrevivência global média qualquer diferença quanto à resposta clínica.
de aproximadamente 20 meses. Antes da in- Outros ensaios prospectivos, onde a intensifi-
trodução do taxol no tratamento de pacientes cação da dose de cisplatina foi obtida, modifi-
com cancro avançado do ovário, a cisplatina cando o intervalo entre doses, não demonstra-
era considerado o melhor fármaco. Os ensaios ram também diferença na sobrevivência.
do GOG29 e da EORTC30 confirmaram que os Ensaios clínicos comparando a carboplatina
melhores resultados foram obtidos quando a com a cisplatina, como agentes isolados ou
cisplatina se associava a outros fármacos, tais em combinação, mostraram resultados so-
como a adriamicina e a ciclofosfamida. breponíveis. Consideram-se 400 mg/m2 de

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 405


carboplatina como equivalentes a 100 mg/ os dois agentes são equivalentes em termos
m2 de cisplatina. de sobrevivência e que a carboplatina é signifi-
O paclitaxel, primeiro de uma nova classe de cativamente menos tóxico e, portanto, deveria

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compostos, os taxanos, provoca excessiva ser preferida. O ensaio 158 do GOG41 compa-
polimerização da tubulina e estabilidade pro- rou a cisplatina (75 mg/m2) associada ao pa-
longada dos polímeros. A actividade do pacli- clitaxel (135 mg/m2, 24 h) à carboplatina (AUC
taxel foi assinalada em múltiplos estudos fase 7,5) mais paclitaxel (175 mg/m2, 3 h) em can-
II no cancro do ovário, tendo despertado par- cros do ovário no estádio III sem quimioterapia
ticular interesse a sua actividade numa popu- prévia e com tumor residual < 1 cm. Os resulta-
lação de pacientes com tumores refractários dos deste ensaio randomizado (840 pacientes)
à cisplatina. Subsequentemente, o paclitaxel mostraram: a carboplatina associada ao pacli-
foi combinado com a cisplatina e este regime taxel não é menos eficaz do que a cisplatina
não mostrou aumentar a neurotoxicidade37. associada ao paclitaxel, e a carboplatina mais o
Fazendo uso deste novo agente, aparente- paclitaxel é o regime preferido dada a facilida-
mente desprovido de resistência cruzada de de administração e a menor toxicidade.
com a cisplatina, foram iniciados ensaios clí- Desde os finais do século XX que o regímen
nicos de fase III. O GOG38 conduziu um ensaio standard para o tratamento do cancro avança-
randomizado comparando o paclitaxel (135 do do ovário é a associação paclitaxel e carbo-
mg/m2 em 24 h) e a cisplatina (75 mg/m2) (TP) platina. Foram desenvolvidos diversos estu-
com a ciclofosfamida (750 mg/m2) e cisplatina dos prospectivos comparando este regímen a
(75 mg/m2) (CP) em pacientes com cancro do outros, não se tendo verificado qualquer van-
ovário nos estádios III e IV incompletamen- tagem. Cita-se como exemplo o GOG-182 e o
te excisados (tumor residual > 1 cm) e sem ICON5 que compararam carboplatina (AUC 6,
prévia quimioterapia36. Demonstrou-se uma d 1) + paclitaxel (175 mg/m2, d 1) versus carbo-
significativa melhoria da resposta clínica no platina (AUC 5, d 1) + paclitaxel (175 mg/m2,
grupo TP (73%) em comparação com o grupo d 1) + gemcitabina (800 mg/m2, d 1,8) versus
CP (60%). As diferenças nas respostas clíni- carboplatina (AUC 5, d 1) + paclitaxel (175
cas completas documentadas cirurgicamen- mg/m2, d 1) + Caelyx/Doxil (30 mg/m2, d 1)
te não foram estatisticamente significativas versus carboplatina (AUC 5, d 3) + topotecan
(20% para o CP e 26% para o TP). A sobrevi- (1,25 mg/m2, d 1-3) x 4 ciclos, seguido de qua-
vência média também foi significativamente tro ciclos de carboplatina (AUC 6) + paclitaxel
melhorada no braço TP (24 versus 38 meses, (175 mg/m2), versus carboplatina (AUC 6, d 8)
p = 0,001). Assim, o regime TP foi considerado + gemcitabina (1 g/m2, d 1,8) x 4 ciclos, segui-
a combinação preferível. Um ensaio clínico do de quatro ciclos de carboplatina (AUC 6, d
confirmativo decorreu na Europa e Canadá39. 1) + paclitaxel (175 mg/m2, d 1), não se tendo
O GOG publicou os resultados de um estudo constatado qualquer benefício, em termos de
interessando o cancro avançado do ovário sobrevivência global, de qualquer regímen
no estádio III e IV40. Neste estudo, as 615 do- em comparação com o standard carboplatina
entes avaliáveis foram randomizadas para a (AUC 6, d 1) e paclitaxel (175 mg/m2, d 1).
combinação TP (T = 135 mg/m2, 24 h e P = 75 O interesse por novos fármacos dirigidos a al-
mg/m2) ou cisplatina como agente exclusivo vos moleculares resulta de um melhor conhe-
(100 mg/m2). Os resultados deste ensaio de- cimento da biologia tumoral e do mecanismo
monstraram melhor índice terapêutico para de acção dessas novas moléculas. Também
a combinação TP. no domínio da quimioterapia se procuram
Um outro tópico, reporta-se à preferência desenvolver novos agentes. Diversos ensaios
quanto ao fármaco a prescrever, cisplatina ou clínicos estão a decorrer com estes novos
carboplatina. Muitos estudos sugeriram que agentes que se sumarizam no quadro 4.

406 Capítulo 24
Quadro 4. Novos agentes para o tratamento médico do cancro do ovário

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Anticorpos Anti-Epcam, ACA125

EGFR Gefitinib, erlotinib (Tarceva)

Antiangiogénese e VEGF Bevacizumab, DXMAA

Família c-erb Trastuzumab, pertuzumab, lapatinib

FTI Lonafarnib

Raf-1 Erbitux

Alvos múltiplos Enzastaurina

Quimioterapia Epotilonas, pemetrexedo (Alimta)

9.3. QUIMIOTERAPIA INTRAPERITONEAL de dose e podem ser comparadas à trans-


plantação de medula óssea ou quimiotera-
Embora a quimioterapia combinada pro- pia endovenosa de altas doses com protec-
porcione elevadas taxas de resposta clínica, ção conferida por factores de crescimento
somente 30 a 40% destas doentes se en- hematopoiético.
contram no grupo com remissão patológica A quimioterapia intraperitoneal no cancro do
completa, evidenciada pela laparotomia de ovário tem vindo a ser investigada há mais de
second-look. Dependendo dos factores de 30 anos. Um número considerável de ensaios
risco, 30 a 60% das pacientes com remissão clínicos com quimioterapia intraperitoneal
patológica completa, apresentam recorrên- tem sido publicado, indicando que existem
cias nos dois primeiros anos após o diagnós- subgrupos de pacientes que poderão benefi-
tico. Estas recorrências, após uma remissão ciar com esta modalidade terapêutica. Howell,
patológica completa, dependem de alguns et al.42 sumarizaram os resultados de vários
factores de prognóstico: estádio inicial, ex- ensaios utilizando cisplatina por via intrape-
tensão da doença residual após a cirurgia ritoneal e concluíram que algumas pacientes
citorredutora primária e o estado geral da obtiveram uma sobrevivência prolongada,
paciente. A doença inicial e os locais de re- especialmente quando tratadas por doença
corrência estão geralmente confinadas ao residual a 2 cm. Os melhores resultados ob-
abdómen, à pélvis ou a ambos, constituindo servados com doença residual pequena (a 2
a terapêutica intraperitoneal uma modalida- cm) podem ser explicados pela melhor pene-
de terapêutica lógica. tração tumoral da cisplatina administrado na
As vantagens farmacológicas da quimiote- cavidade peritoneal.
rapia intraperitoneal têm sido meticulosa- Um interesse renovado pela quimioterapia
mente estudadas e reconhecidas em vários intraperitoneal no cancro do ovário deveu-
ensaios clínicos. Teoricamente, a quimiote- se aos resultados de um ensaio randomiza-
rapia intraperitoneal permite uma elevada do de fase II, que decorreu nos EUA e que
relação dose/efeito que poderá evitar a re- mostrou que a via intraperitoneal combina-
sistência relacionada com as doses baixas da com a via endovenosa, com a cisplatina e
da quimioterapia endovenosa. As doses o paclitaxel, estava associada a uma melhor
elevadas de quimioterapia intraperitoneal sobrevivência nas situações de cancro avan-
tornaram-se um método de intensificação çado do ovário submetidas a uma cirurgia de

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 407


redução óptima43. Numa revisão crítica recen- anos não revelaram diferenças entre o tipo de
te da literatura, feita por Gadducci e Conte44, recidivas nos dois grupos e a sobrevivência
os autores afirmam que na metanálise realiza- livre de doença e a sobrevivência global mos-

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da pelo Cochrane a oito ensaios randomiza- trou um ligeiro benefício no grupo submetido
dos, incluindo 1.819 doentes, a quimioterapia à quimioterapia intraperitoneal que, contudo,
intraperitoneal empregue em primeira linha não justifica uma alteração da prática clínica
melhora a sobrevivência livre de doença e a com a introdução desta modalidade terapêu-
sobrevivência global em doentes com lesão tica como tratamento de consolidação.
residual mínima após cirurgia inicial. Porém,
acrescentam, as complicações relacionadas
com o cateter, a dor abdominal provocada 10. RADIOTERAPIA
pela perfusão e as toxicidades necessitam de
ser consideradas numa decisão individual por O uso da radioterapia no tratamento do
parte da doente, devidamente informada. cancro do ovário permanece um assunto
controverso. A radioterapia para ser curativa
9.3.1. QUIMIOTERAPIA INTRAPERITONEAL no cancro do ovário deve interessar todos os
COMO TRATAMENTO DE CONSOLIDAÇÃO locais onde a doença poderá eventualmente
NA REMISSÃO PATOLÓGICA COMPLETA recidivar após a cirurgia. As técnicas que en-
volvam toda a cavidade peritoneal, mais do
Não existe consenso quanto a um possí- que a pélvis ou a cavidade abdominal baixa,
vel tratamento a instituir a pacientes com são muito provavelmente mais benéficas.
cancro do ovário e em remissão patológica A dose de radiação que pode ser libertada
completa após cirurgia de second-look. As com segurança para toda esta volumosa
opções principais são: área é baixa em comparação com a conside-
— Vigilância clínica. rada necessária para erradicar muitos tumo-
— Terapêutica de manutenção usando três res sólidos. Por conseguinte, admite-se que
a seis ciclos da mesma quimioterapia de a radioterapia abdomino-pélvica poderá be-
indução. neficiar somente as pacientes cuja doença
— Radioterapia abdominal. residual na cavidade abdominal alta, após a
— Quimioterapia de altas doses seguida de cirurgia, seja microscópica46.
transplante autólogo de medula. Vários possíveis mecanismos poderão aju-
— Quimioterapia intraperitoneal. dar a explicar o insucesso da radioterapia
Nenhuma destas modalidades provou uma no controlo da doença tumoral residual vo-
clara ou conclusiva vantagem em termos de lumosa. O primeiro destes mecanismos será
sobrevivência livre de doença ou sobrevi- a relativamente baixa dose de radiação que
vência global. pode ser oferecida com segurança, conside-
O Gynecological Cancer Group da EORTC45 rada a tolerância limitada do intestino, rim e
realizou, entre 1988 e 1997, um estudo ran- fígado. Um segundo mecanismo consistirá
domizado, fase III, em pacientes com cancro no possível desenvolvimento de resistência
do ovário e em remissão patológica completa cruzada à radiação de um tumor residual tra-
após uma quimioterapia de indução, baseada tado também com quimioterapia47.
nos derivados da platina, e cirurgia citorredu-
tora, comparando a cisplatina intraperitoneal 10.1. TÉCNICAS DE RADIOTERAPIA
(quatro tratamentos cada três semanas a 90
mg/m2) com vigilância clínica. Foram incluí- Foram desenvolvidas várias técnicas de ra-
das 153 doentes, em ambos os braços. Os re- dioterapia interessando toda a cavidade
sultados após um seguimento médio de oito peritoneal. As mais usadas compreendem a

408 Capítulo 24
técnica da «faixa móvel» e o «campo aberto». Um grupo dinamarquês realizou um estudo
Na primeira técnica, uma pequena parte do randomizado no cancro epitelial e inicial do
abdómen é sequencialmente irradiada cada ovário (estádios Ib, Ic e II) comparando os

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dia. A duração de todo o tratamento é aproxi- efeitos da radioterapia abdominal total com
madamente o dobro do da técnica de «campo a irradiação pélvica associada à ciclofosfami-
aberto» e, teoricamente, esta terapêutica pro- da49. A sobrevivência global e a sobrevivência
longada poderá permitir a proliferação acele- livre de recorrências não diferiram significa-
rada do tumor com o possível reaparecimento tivamente entre os dois grupos. Neste estu-
de metástases tumorais a partir das áreas do do, o volume de irradiação foi exactamente
peritoneu não tratadas para as áreas recen- idêntico ao do ensaio de Toronto, de modo
te e previamente tratadas. Com a técnica do que a divergência entre os dois estudos não
«campo aberto» toda a cavidade peritoneal é pode ser explicada por diferenças quanto ao
diariamente tratada. volume irradiado.

10.2. RADIOTERAPIA NO 10.3. RADIOTERAPIA NO


CANCRO INICIAL DO OVÁRIO CANCRO AVANÇADO DO OVÁRIO

As recorrências frequentes na cavidade pe- O benefício da radioterapia como um adju-


ritoneal levaram à utilização de várias tera- vante da quimioterapia no cancro avança-
pêuticas adjuvantes, pós-operatórias. Entre do do ovário não está claramente definido.
as terapias mais frequentemente usadas con- Várias séries publicadas incluem pacientes
tam-se a quimioterapia, radioterapia externa com diversos tratamentos cirúrgicos e cito-
a toda a cavidade abdominal e instilação in- tóxicos e foram utilizados variados critérios
traperitoneal de um colóide radioactivo. para avaliação da resposta. Além do mais, di-
No estudo do Princess Margaret Hospital48, as ferentes técnicas de radioterapia e doses fo-
pacientes com cancro do ovário no estádio ram empregues. Esta falta de uniformidade,
Ia foram randomizadas para receber radiote- incluindo diferentes sequências das várias
rapia pélvica pós-operatória ou simples vigi- modalidades terapêuticas, contribuiu para
lância. Não houve melhoria na sobrevivência a existência de variações nos resultados do
ou prevenção de recorrências nas pacientes tratamento.
que receberam radiação pélvica. Dois ensaios randomizados tentaram clarifi-
A radioterapia abdomino-pélvica não tem car o papel da radioterapia abdominal total
constituído objecto de ensaios de fase III em após laparotomia de second-look em pacien-
doentes com doença no estádio Ia, embora tes com cancro do ovário que haviam respon-
alguns estudos tenham incluído pacientes dido à cirurgia e quimioterapia. Um grupo
nestas condições. italiano50 publicou os resultados de um estu-
Vários estudos foram feitos numa tentativa do randomizado, onde pacientes com cancro
de comparar a eficácia relativa da radiotera- avançado do ovário e com resposta patológi-
pia abdomino-pélvica versus quimioterapia ca completa ou com doença residual mínima,
combinada e baseada nos derivados da pla- após o second-look (< 2 cm), foram tratadas
tina em pacientes com risco intermédio de com radioterapia abdominal ou com três ci-
recorrência. Estes ensaios clínicos randomi- clos adicionais da mesma quimioterapia que
zados estão incompletos, possivelmente de- tinha induzido a resposta. A quimioterapia
vido a erros metodológicos ou a divergência revelou-se mais eficaz do que a radioterapia
nos regímenes terapêuticos. O recrutamen- no controlo da progressão da doença.
to de doentes foi difícil e os estudos foram Um outro ensaio randomizado no carcinoma
encerrados antes da sua conclusão. avançado do ovário foi realizado pelo North

Cancro do ovário (tumores epiteliais) 409


Thames Ovary Group Study51. O objectivo do Um estudo randomizado comparando a
estudo consistia em determinar se a tera- cisplatina (50 mg/m2 seis ciclos) com o 32P
pêutica de consolidação com radioterapia intraperitoneal versus irradiação abdominal

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abdominal após quimioterapia melhorava a como tratamento adjuvante em pacientes
sobrevivência global e a sobrevivência sem com cancro do ovário (estádios I a III sem do-
doença em comparação com a quimiotera- ença residual após laparotomia) foi execu-
pia (cinco ciclos de carboplatina). Todas as tado pelo Radium Hospital na Noruega53. A
pacientes receberam cinco ciclos mensais sobrevivência global e livre de doença mos-
prévios de carboplatina. Não foram obser- traram-se similares para ambos os grupos.
vadas diferenças significativas em termos de Complicações intestinais tardias ocorreram
sobrevivência livre de doença ou global en- mais frequentemente nas pacientes trata-
tre os dois grupos em apreço. Também não das com o 32P em comparação com o grupo
foi encontrada diferença quanto à sobrevi- que recebeu cisplatina. Como consequência
vência nas pacientes sem doença residual deste número elevado de complicações tar-
aquando da laparotomia de second-look. dias com o 32P, os autores recomendam que a
cisplatina deve ser considerada como a tera-
10.4. RADIOTERAPIA PALIATIVA pêutica adjuvante padrão em novos estudos
controlados.
Num estudo realizado no Fox Chase Cancer Num outro estudo realizado no Radium Hos-
Center na Pensilvânia52, 33 pacientes com pital54, na Noruega, 50 pacientes com acha-
cancro recorrente do ovário foram irradia- dos negativos no second-look foram rando-
das em 47 locais (pélvis, abdómen, tórax, mizadas para receberem o 32P intraperitoneal
cérebro, etc.). Os campos abdomino-pélvi- ou vigilância clínica. Não se encontraram di-
cos não cobriam todo o abdómen mas eram ferenças estatisticamente significativas na
desenhados para incluir a massa tumoral sobrevivência entre os dois grupos.
com margens adicionais para que fosse ir-
radiado adequadamente o volume tumoral
alvo. Para todo o grupo, a resposta sintomá- Bibliografia
tica completa foi de 51% e a resposta sin-
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410 Capítulo 24
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Cancro do ovário (tumores epiteliais) 411


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412 Capítulo 24
25 Tumores raros do ovário

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Teresa Simões Silva e Carlos Guerra

Os tumores do ovário podem ter origem em (células da granulosa e células da teca) são ge-
um de três componentes distintos: o epitélio de ralmente estrogénicos, se compostos de células
superfície e estroma subjacente que embriolo- do tipo testicular/células do tipo masculino (cé-
gicamente dão origem aos ductos mullerianos/ lulas de Sertoli e células de Leydig) são andro-
mesonéfricos; o estroma ovárico especializado génicos. Mas, nem sempre há uma correlação
que inclui os cordões sexuais e precursores de directa entre a morfologia das células tumorais
células endócrinas do ovário pós-natal; e as cé- e o tipo de hormonas por elas segregadas, ha-
lulas germinativas que migram para o ovário a vendo também tumores não funcionantes.
partir do saco vitelino e são pluripotenciais. Há Recentemente tornaram-se disponíveis mar-
ainda um grupo de tumores de histogénese in- cadores imuno-histoquímicos que são de
certa e os tumores secundários ou metastáticos, grande utilidade na identificação destes tu-
dado que o ovário é um sítio comum de metas- mores3,4. A α-inibina é um dos marcadores
tização de várias outras neoplasias malignas1. mais úteis. A calretinina é mais sensível mas
A classificação adoptada na abordagem des- menos específica que a α-inibina, no senti-
tes tumores é a formulada em 2003 pela Or- do que frequentemente cora tumores dos
ganização Mundial da Saúde (OMS)2. cordões sexuais/estroma que são negativos
para a α-inibina, como fibromas. O CD99, o
marcador geralmente usado para identificar
1. TUMORES OVÁRICOS PRIMITIVOS sarcoma de Ewing/tumor neuroectodérmico
primitivo (PNET) também frequentemente
1.1. TUMORES DOS CORDÕES SEXUAIS mostra afinidade imuno-histoquímica para
 ESTROMA este grupo de neoplasias. Finalmente o an-
ticorpo WT-1 (factor de transcrição expresso
Inclui um grupo de neoplasias com um vasto no tumor de Wilms), presente em células nor-
espectro morfológico (Quadro 1) constituído mais da granulosa, é expresso na maior parte
por células do tipo estromal ovárico e testicu- dos tumores dos cordões sexuais/estroma5.
lares. Representam 8% de todos os tumores
primitivos ováricos e são os tumores ováricos
funcionantes mais frequentemente associados 2. TUMORES DE CÉLULAS
com manifestações endócrinas. Os tumores DA GRANULOSA  ESTROMA
dos cordões sexuais têm origem em células
especializadas na produção de hormonas este- Este grupo de tumores é constituído pela
róides. Se compostos predominantemente de combinação em proporções variáveis de
células do tipo ovárico/células do tipo feminino células da granulosa (ou a sua variante

413
luteinizada), células da teca e fibroblastos. é a base para a sua classificação no grupo
A presença ou ausência de um componente dos tecoma/fibroma ou no grupo de tumo-
de células da granulosa (no mínimo de 10%) res de células da granulosa.

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Quadro 1. Tumores dos cordões sexuais/estroma do ovário

— Tumores de células da granulosa/estroma:


u Tumor de células da granulosa:
„ Tumor de células da granulosa do adulto.
„ Tumor de células da granulosa juvenil.
u Tecoma/fibroma:
„ Tecoma:
 Tecoma típico.
 Tecoma luteinizado.
„ Fibroma.
„ Fibroma celular.
„ Fibrossarcoma.
„ Tumor estromal com componente minor de elementos dos cordões sexuais.
„ Tumor estromal esclerosante.
„ Tumor estromal de células em anel de sinete.
„ Fibrotecomas.

— Tumor de células de Sertoli/estroma:


u Tumor das células de Sertoli-Leydig:
„ Bem diferenciado.
„ Com diferenciação intermédia:
 Com elementos heterólogos.
„ Pouco diferenciado:
 Com elementos heterólogos.
„ Retiforme:
 Com elementos heterólogos.
u Tumor de células de Sertoli.
u Tumor estromal de células de Leydig.

— Tumor dos cordões sexuais/estroma mistos ou de tipos celulares não classificados:


u Tumor dos cordões sexuais com túbulos anulares.
u Ginandroblastoma.
u Tumores dos cordões sexuais não classificados.

— Tumores de células esteróides:


u Luteoma estromal.
u Tumores de células de Leydig:
„ Tumor de células do hilo.
„ Tumores de células não-hilares.
„ Sem outra especificação.
u Tumores de células esteróides (sem outra especificação):
„ Bem diferenciados.
„ Malignos.

Adaptado da classificação da OMS, 2003.

414 Capítulo 25
2.1. TUMORES DE CÉLULAS frequentemente o tumor é androgénico e
DA GRANULOSA pode ser virilizante. Em 10% das doentes
o tumor manifesta-se por sintomas abdo-

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O tumor de células da granulosa é uma ne- minais agudos devido a rotura com hemo-
oplasia ovárica que mostra diferenciação peritoneu. Na grande maioria dos casos, os
no sentido das células da granulosa foli- tumores de células da granulosa do adulto
cular. É controverso se estes tumores têm são diagnosticados no estádio I.
origem em células da granulosa de folícu-
los pré-existentes ou a partir do estroma Características patológicas
ovárico especializado. Dois tipos distintos Macroscopicamente, os tumores são unila-
existem, respectivamente: a forma adulta e terais em mais de 95% dos casos, podendo
a forma juvenil. A forma adulta ocorre fre- apresentar-se com rotura em 10 a 15%. O ta-
quentemente em mulheres de meia-idade manho varia de microscópico até superior a
e pós-menopáusicas e caracteristicamente 30 cm de maior eixo, com um tamanho médio
contêm microfolículos e células uniformes de 12 cm. São predominantemente sólidos
com citoplasma escasso e pálido e núcleos ou sólidos e quísticos com uma superfície de
em fenda. Pelo contrário, o subtipo juve- corte amarela ou esbranquiçada, dependen-
nil ocorre sobretudo em crianças e mu- do da quantidade de células com conteúdo
lheres novas e tipicamente mostra gran- lipídico. A consistência pode ser amolecida
des folículos rudimentares, com células ou mais firme também dependendo da pro-
com citoplasma moderado a abundante, porção de células da granulosa versus células
núcleos escuros geralmente sem fendas indiferenciadas estromais, observando-se
longitudinais2,6. frequentemente áreas hemorrágicas.
Microscopicamente, trata-se de proliferação
2.1.1. TUMOR DE CÉLULAS DA GRANULOSA de células com características de células da
DO ADULTO granulosa num fundo de estroma fibrote-
comatoso podendo adoptar vários padrões
Clínica característicos: padrão difuso, trabecular, mi-
Este tumor tem uma incidência anual de 0,5 crofolicular (com formação de corpos Call-
a 1,5 casos/100.000 mulheres e representa Exner, que são característicos e que se tradu-
2 a 3% dos tumores ováricos primitivos7 e zem por espaços microquísticos que podem
até 95% dos tumores de células da granulo- conter material do tipo lâmina basal eosino-
sa. Podem ocorrer em qualquer idade, mas fílico), macrofolicular, insular, giriforme e em
mais frequentemente em mulheres peri e «seda moiré». As células caracteristicamente
pós-menopáusicas. É o tumor ovárico mais mostram escasso citoplasma e núcleo re-
frequentemente associado com manifesta- dondo a oval com uma fenda longitudinal
ções estrogénicas (75% dos casos)6,8-10. De- evidenciando atipia citológica mínima e um
vido à produção de estrogénios, as doentes baixo índice mitótico (tipicamente inferior
frequentemente apresentam menometror- a cinco mitoses/10 campos de grande am-
ragias ou sangramento pós-menstrual, e pliação). Raramente podem ser observados
podem apresentar hiperplasia endometrial núcleos bizarros, extensa luteinização e uma
concomitante (em até 50%) e mesmo ade- diferenciação hepatóide11,12.
nocarcinoma (em até 10%). Em doentes Os vários padrões descritos geralmente
pré-púberes, a manifestação mais frequen- ocorrem misturados, manifestando-se as
te é pseudoprecocidade isossexual. Outras formas menos bem diferenciadas pelo pa-
manifestações frequentes incluem dor ab- drão em «seda moiré», giriforme e difuso
dominal associada a massa pélvica. Menos (sarcomatóide).

Tumores raros do ovário 415


Do ponto de vista histoquímico e imuno-his- praticamente não se identificando corpos
toquímico, observa-se através da coloração de Call-Exner. As células neoplásicas situ-
pela reticulina que esta delimita grupos de am-se num estroma mixóide ou edematoso

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células, em contraste com o componente es- e caracterizam-se por serem maiores que as
tromal onde as células são individualmente do tumor de células da granulosa do adulto
rodeadas por fibras de reticulina. O quadro frequentemente com citoplasma relativa-
2 resume as principais características imuno- mente abundante pálido, eosinófilo. Os nú-
histoquímicas da neoplasia. cleos são redondos, ovais e hipercromáti-
cos e raramente há fendas longitudinais. Há
2.1.2. TUMORES DE CÉLULAS atipia citológica, que pode variar de ligeira
DA GRANULOSA JUVENIL a severa e a actividade mitótica também
pode ser muito elevada, com presença de
Clínica figuras de mitose atípicas. Podem ser ob-
Representam 5 a 15% dos tumores de célu- servadas células da teca, conjuntamente,
las da granulosa e 10% dos tumores ováricos sendo a coloração pela reticulina útil para
em doentes com menos de 20 anos de ida- as pôr em evidência. Há frequentemente
de7. Geralmente ocorrem em mulheres com luteinização, quer de células da granulosa,
menos de 30 anos de idade, metade dos quer de células da teca, podendo uma co-
quais na primeira década de vida. loração para gordura pôr em evidência pe-
Estes tumores frequentemente produzem quenos lípidos intracitoplasmáticos, obser-
estrogénios e se ocorrem antes da puberda- vando-se também frequentemente células
de estão associados em 80% dos casos com hipercromáticas pleomórficas.
pseudoprecocidade isossexual. Se detecta- Do ponto de vista histoquímico e imuno-
dos após a puberdade, podem traduzir-se histoquímico, apresentam características
por aumento do volume abdominal, dor, sobreponíveis às descritas no tumor de
massa pélvica ou irregularidades menstru- células da granulosa do adulto, sendo de
ais. Foi referida associação com a doença de referir que pode haver positividade focal
Ollier, encondromatose e com a síndrome para o EMA.
de Maffucci. O diagnóstico diferencial inclui o tumor de
células da granulosa do adulto, o tecoma,
Características patológicas que não tem espaços foliculares e é prati-
Macroscopicamente, estes tumores apre- camente desprovido de actividade mitó-
sentam aspectos sobreponíveis à variante tica, em idade jovem o tumor do seio en-
adulta. Contêm no entanto células de aspec- dodérmico e, numa idade mais avançada,
to menos maduro que o tumor de células da o carcinoma de pequenas células do tipo
granulosa do adulto, sendo frequentemente hipercalcémico. Este diagnóstico diferencial
confundidos com outras neoplasias, geral- é extremamente importante, uma vez que
mente tumores de células germinativas ou ambas as entidades têm prognósticos com-
carcinomas indiferenciados. pletamente diferentes.
Microscopicamente, observa-se uma pro-
liferação nodular ou em toalha de células 2.2. TUMORES DO GRUPO
neoplásicas da granulosa identificando-se TECOMA/FIBROMA
geralmente espaços foliculares dispersos.
Variam em tamanho e forma, não atingin- São os tumores dos cordões sexuais mais fre-
do o aspecto macrofolicular dos tumores quentes nesta categoria (representam 70%
de células da granulosa do adulto. O lúmen dos tumores dos cordões sexuais do estro-
contém material basofílico ou eosinofilico, ma), apesar de representarem menos de 10%

416 Capítulo 25
Quadro 2. Características imuno-histoquímicas dos tumores de células da granulosa do adulto

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Imunomarcação Anticorpo
α-inibina
Calretinina
Positiva CD99
CD56
Vimentina
EMA
Negativa
CK7
Queratinas (Cam 5.2, pancitoqueratina), CD10, proteína S-100,
Positiva ou negativa WT-1 (factor de transcrição expresso no tumor de wilms),
actina do músculo liso e desmina

dos tumores primitivos do ovário na genera- das com características degenerativas. Apre-
lidade. Pela sua raridade, salientam-se neste sentam citoplasma vacuolizado e contém lípi-
grupo o tumor estromal esclerosante e o tu- dos. Observa-se ainda uma trama de vasos de
mor estromal com células em anel de sinete. parede fina congestivos, dentro dos nódulos.
Do ponto de vista imuno-histoquímico, há
2.2.1. TUMOR ESTROMAL ESCLEROSANTE expressão de vimentina, α-inibina, calretinina
e CD34. A actina do músculo liso é geralmen-
Clínica te positiva com desmina negativa.
Este tumor representa 2 a 6% dos tumores
do estroma ovárico e mais de 80% ocorrem 2.2.2. TUMOR ESTROMAL DE CÉLULAS
em mulheres jovens, na segunda ou tercei- EM ANEL DE SINETE
ra décadas13. Traduzem-se geralmente por
anomalias menstruais ou desconforto ab- Clínica
dominal, sendo as manifestações hormonais Esta neoplasia rara ocorre em adultos e é
raras. Diferem também dos fibromas e teco- não funcionante, tendo apenas oito casos
mas pelo grupo etário afectado. sido descritos na literatura1,14. O modo de
apresentação é sobreponível aos restantes
Característica patológicas tumores do grupo tecoma/fibroma.
Macroscopicamente, o tumor é tipicamente
unilateral e bem delimitado, de dimensões os- Características patológicas
cilando entre 3 e 17 cm de diâmetro. A secção Macroscopicamente, estes tumores tam-
é sólida, branco-acinzentada com ocasionais bém são indistinguíveis dos restantes tu-
focos amarelados e pode conter áreas quísti- mores do grupo tecoma/fibroma. Micros-
cas ou edematosas. O exame histológico com copicamente, há uma proliferação de dois
observação em pequena ampliação é típico, tipos celulares, o primeiro de células fusi-
revelando áreas mal definidas pseudolobula- formes de disposição difusa que se fundem
res densamente celulares separadas por um gradualmente com o segundo tipo celular
estroma fibroedematoso. Os nódulos contêm constituído por células do tipo em anel de
dois tipos celulares: células fusiformes que sinete, sendo contudo a coloração para as
produzem colagénio e células arredondadas mucinas e para lípidos negativa. É extrema-
ou ovais correspondendo a células luteiniza- mente importante o diagnóstico diferencial

Tumores raros do ovário 417


com tumor de Krukenberg, que caracteristi- de e menos de 10% após a menopausa16.
camente apresenta mucinas nas células em São bilaterais em menos de 2% e confina-
anel de sinete, para além de imunomarca- dos aos ovários em mais de 95% dos casos

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ção para as citoqueratinas. (estádio I).
Certos subtipos desviam-se um pouco des-
te padrão; os tumores apenas constituídos
3. TUMORES DE CÉLULAS por células de Sertoli e, em menor grau os
DE SERTOLI/ESTROMA tumores puros de células de Leydig, exibem
uma distribuição etária bimodal, com picos
Os tumores deste grupo são extremamen- de incidência na 3.a e 7.a décadas.
te raros, responsáveis por menos de 1% de Em 40 a 50% dos casos, os sintomas de apre-
todos os tumores de cordões sexuais/estro- sentação relacionam-se com sinais clínicos
ma7 (0,1-0,5% de todas as neoplasias primi- de actividade androgénica, sendo a maioria
tivas ováricas). São tumores constituídos dos restantes sintomas relativos à presença
por células de Sertoli imaturas ou maduras, de massa pélvica.
células de Leydig, fibroblastos ou células Do ponto de vista endócrino, os tumores de
de rete testis, na forma pura ou em combi- células de Sertoli-Leydig produzem uma mis-
nação, e com graus variáveis de diferencia- tura de C-19 esteróides (sobretudo de-hidro-
ção. O termo androblastoma é sinónimo, epiandrosterona e androsterona, com peque-
embora actualmente em desuso. A origem nas quantidades de testerona)17, enquanto os
das células de Sertoli nestas neoplasias tumores puros de células de Leydig tendem a
ováricas não foi ainda estabelecida de for- produzir apenas progesterona, sendo por isso
ma conclusiva e há controvérsia quanto ao detectados mais precocemente16. Os tumores
componente de células de Leydig, argu- puros de células de Sertoli, se bem diferencia-
mentando alguns autores que são células dos, são geralmente estrogénicos, podendo
reactivas de origem no estroma ovárico e contudo ser endocrinologicamente inactivos
não um verdadeiro componente neoplási- ou androgénicos.
co15. Outros autores afirmam que as célu- Saliente-se que os tumores de Leydig puros
las de Leydig são componente integral do e os tumores de células de Sertoli e Leydig
processo neoplásico nestes tumores, (ao pouco diferenciados também são em 50%
contrário das células da teca nos tumores dos casos androgénicos podendo contudo
de células da granulosa), o que justifica a ser feminizantes. É assim oportuno salientar
presença de células de Leydig nos focos que o diagnóstico destas neoplasias deve
metastáticos16. Neste contexto, os tumores ser baseado no seu aspecto morfológico e
puros de células de Leydig são, na classi- não na natureza das manifestações hormo-
ficação da OMS, que é a classificação aqui nais que lhe estão associadas.
adoptada, integrados no grupo dos tumo-
res de células esteróides. 3.1. TUMORES DE CÉLULAS
Saliente-se que nos ovários os tumores mis- DE SERTOLILEYDIG
tos de células de Sertoli-Leydig são muito
mais frequentes que as formas puras de tu- Clínica
mores só de células de Sertoli ou só de célu- Os tumores de células de Sertoli-Leydig são
las de Leydig, o contrário do que acontece raros representando menos de 0,5% das ne-
no testículo. oplasias primitivas ováricas16, sendo as for-
Estes tumores ocorrem predominantemen- mas pouco e moderadamente diferenciadas
te na segunda e terceira década (idade mé- as mais comuns. Foram relatados em mulhe-
dia 25 anos), raramente antes da puberda- res dos dois aos 75 anos de idade com uma

418 Capítulo 25
média etária de 25/35 anos1. Apesar dos póides para dentro dos quistos. Os tumores
tumores de células de Sertoli-Leydig geral- pouco diferenciados contêm áreas de ne-
mente produzirem androgénios e masculini- crose e hemorragia.

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zarem as pacientes em 30 a 50% dos casos, Do ponto de vista microscópico dividem-se
muitos são não funcionantes e alguns têm em cinco subgrupos:
mesmo efeitos estrogénicos1. Em contras- — Tumor de células de Sertoli-Leydig bem
te com os tumores adrenais virilizantes, os diferenciado (10%).
níveis urinários de 17-cetoesteróides estão — Tumor de células de Sertoli-Leydig de di-
geralmente normais ou apenas ligeiramente ferenciação intermédia.
elevados. Em 20% dos casos pode haver ní- — Tumor de células de Sertoli-Leydig pou-
veis séricos elevados de α-fetoproteína, não co diferenciado.
atingindo contudo os valores do tumor do — Tumor de células de Sertoli-Leydig reti-
seio endodérmico. forme (10 a 15%).
Os tumores de células de Sertoli-Leydig são — Tumor de células de Sertoli-Leydig com
classificados em cinco subtipos histológicos elementos heterólogos.
devido a importantes implicações clínicas e Há, contudo, uma considerável sobreposi-
patológicas. Subdividem-se em formas bem ção entre as várias categorias à excepção
diferenciadas, com diferenciação intermédia dos tumores de células de Sertoli-Leydig
ou pouco diferenciadas baseadas no grau de bem diferenciados.
diferenciação tubular do componente de cé-
lulas de Sertoli (que diminui com o grau da 3.2. TUMORES DE CÉLULAS DE SERTOLI
neoplasia) e com a quantidade de estroma
gonadal primitivo (que aumenta com o au- Os tumores das células de Sertoli caracteri-
mento do grau da neoplasia). As células de zam-se pela proliferação de células de Ser-
Leydig também diminuem à medida que o toli, geralmente com formação de túbulos
grau aumenta. sólidos ou ocos, não estando representadas
A presença de elementos heterólogos e um células de Leydig.
padrão retiforme pode ser observado em
todos os tumores, à excepção da variante Clínica
bem diferenciada. São neoplasias raras representando 4% dos
tumores de células de Sertoli/estroma7.
Características macroscópicas Podem ocorrer em qualquer faixa etária sen-
A grande maioria dos tumores de células do mais frequentes na idade reprodutiva
de Sertoli-Leydig é unilateral com apenas (média de 30 anos). São geralmente não fun-
2% de bilateralidade. Em 80% são diagnos- cionantes mas podem estar associados com
ticados no estádio IA1. O tamanho médio manifestações endócrinas, mais frequente-
destes tumores é de 15 cm, apesar das for- mente estrogénicas (30%) e menos frequen-
mas pouco diferenciadas serem geralmen- temente mostram evidência de produção de
te maiores. Têm tipicamente uma superfície androgénios ou de progesterona. Também
de corte sólida, amarela ou amarela-acasta- podem estar associados com a síndrome de
nhada com formação focal de quistos, com Peutz-Jeghers e com produção de renina.
excepção da forma retiforme e da forma
com elementos heterólogos que são mais Características patológicas
frequentemente quísticos. Também na for- São neoplasias unilaterais, com tamanho
ma retiforme para além do componente variável, sendo a média de 7 a 9 cm. São
quístico ser por vezes proeminente, pode bem circunscritos, sólidos com uma superfí-
apresentar projecções papilares ou poli- cie externa lisa ou lobulada e mostram em

Tumores raros do ovário 419


secção uma tonalidade amarela acastanha- frequentemente microscópicos, sendo pro-
da. Microscopicamente exibem uma arqui- vavelmente de origem hamartomatosa em
tectura proeminente tubular, com túbulos vez de neoplásica16. Todos estes tumores

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ocos revestidos por células cúbicas ou colu- associados com síndrome de Peutz-Jeghers
nares com citoplasma pálido ou eosinofilico. têm sido clinicamente benignos.
Geralmente apresentam gotículas lipídicas Fora do contexto da síndrome de Peutz-Je-
no citoplasma que por vezes são confluentes ghers, os tumores são quase sempre gran-
dando um aspecto vacuolizado no citoplas- des e unilaterais, devendo ser considerados
ma. Este aspecto ocasionalmente é domi- como verdadeiras neoplasias, com pelo me-
nante. A variante oxifílica nalguns casos foi nos 20% tendo apresentado um comporta-
descrita em associação com a síndrome de mento maligno. A idade média de apresen-
Peutz-Jeghers. A atipia citológica geralmen- tação nestes pacientes é de 34 anos, dos
te é ligeira e há raras figuras de mitose. quais mais de metade apresentam irregula-
ridades menstruais, sangramento pós-me-
nopausa ou pseudopuberdade isossexual
4. TUMORES DOS CORDÕES SEXUAIS/ sugerindo hiperestrogenismo.
ESTROMA MISTOS OU DE TIPOS
CELULARES NÃO CLASSIFICADOS Características patológicas
Macroscopicamente, os casos que ocorrem
São tumores que não são possíveis de classi- na síndrome de Peutz-Jeghers são multifo-
ficar dentro dos tumores da granulosa/estro- cais, bilaterais e quase sempre pequenos,
ma ou nos tumores de células de Sertoli/es- encontrados incidentalmente nos ovários.
troma ou ainda na categoria de tumores de Geralmente têm uma superfície de corte
células esteróides. Salientam-se os descritos amarelada com calcificação focal. Nas pa-
em seguida. cientes sem esta síndrome, os tumores são
unilaterais, únicos e grandes podendo atin-
4.1. TUMOR DOS CORDÕES SEXUAIS gir 20 cm de diâmetro. Geralmente são mul-
COM TÚBULOS ANULARES tinodulares, firmes amarelos ou acastanha-
dos, ocasionalmente com áreas quísticas ou
Clínica de hemorragia e necrose.
A separação do tumor dos cordões sexuais Do ponto vista microscópico em ambos os
com túbulos anulares dos outros tumores contextos a neoplasia exibe um padrão típi-
dos cordões sexuais não classificados justifi- co, constituído por túbulos em anel, simples
ca-se numa base clínica e morfológica. Este ou complexos, rodeando um material do
tumor pode ocorrer em dois contextos. tipo membrana basal hialinizada de confi-
No contexto da síndrome de Peutz-Jeghers guração redonda ovalada. A actividade mi-
(polipose intestinal hamartomatosa e man- tótica está ausente ou é rara à excepção dos
chas melanocíticas na mucosa oral, lábios e tumores que têm um comportamento ma-
dedos) ocorrem em cerca de 1/3 dos casos ligno que podem ter pleomorfismo nuclear
de tumor dos cordões sexuais com túbulos e até 10 mitoses por 10 campos. Estes tumo-
anulares e afectam praticamente todas as res tipicamente não estão associados com a
mulheres com esta síndrome. Neste contex- síndrome de Peutz-Jeghers e geralmente es-
to, os tumores ocorrem em qualquer idade tão associados com focos típicos de outros
com uma média de 27 anos, estando asso- tumores de células da granulosa.
ciados com irregularidades menstruais em Estes tumores devem ser claramente dis-
40% dos casos. São tipicamente bilaterais, tinguidos do tumor de células da granulo-
multifocais, calcificados e muito pequenos, sa com padrão microfolicular, dos tumores

420 Capítulo 25
bem diferenciados de células de Sertoli e completamente enquadrar nos tipos tumo-
do gonadoblastoma. rais previamente descritos pouco diferencia-
dos Assim, esta categoria deve restringir-se

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4.2. GINANDROBLASTOMA àqueles tumores muito raros pouco diferen-
ciados geralmente com um padrão difuso ou
É um tumor misto apresentando um compo- de células fusiformes com ocasionais estrutu-
nente de células de Sertoli bem diferenciado ras tubulares ou cordonais que é impossível
e um componente de células da granulosa, categorizar mais pormenorizadamente16.
representando o componente minoritário Os tumores estromais bem diferenciados
pelo menos 10% da lesão2. (fibromas) com um componente minoritário
dos cordões sexuais representam outra cate-
Clínica goria rara de tumores que até recentemente
É uma neoplasia extremamente rara, exces- era colocada neste grupo mas que actual-
sivamente diagnosticada no passado, e de mente foi bem individualizado na classifica-
que actualmente poucos casos aceitáveis são ção da OMS.
referenciados16. A maior parte dos casos tem
manifestações virilizantes e foram descritos
em mulheres com uma idade média de 31 5. TUMORES DE CÉLULAS ESTERÓIDES
anos (faixa etária dos 15 aos 65 anos), apesar
de raras doentes serem pós-menopáusicas. Grupo de tumores do ovário constituído por
células com características morfológicas que
Características patológicas indicam secreção de hormonas esteróides.
Quase todos os tumores são unilaterais, no Estas características manifestam-se por um
estádio I, com tamanho geralmente peque- abundante citoplasma eosinofílico ou va-
no (2 a 6 cm de diâmetro). A superfície de cuolizado que é frequentemente positivo
secção é predominantemente sólida, com para as colorações da gordura. As células
raros quistos. que normalmente segregam hormonas este-
Do ponto de vista microscópico o compo- róides podem ser células luteínicas (da teca
nente feminino (células do tipo ovárico) tra- ou do estroma), células de Leydig (do hilo)
duz-se pela formação de células da granu- ou células da cortical supra-renal. Todos os
losa maduras frequentemente com corpos tumores de células esteróides são imunorre-
de Call-Exner, sendo raro o componente da activos para α-inibina.
granulosa do tipo juvenil. O componente São neoplasias raras, constituindo aproxi-
masculino ou testicular traduz-se por túbu- madamente 0,1% de todos os tumores ová-
los de células revestidos por células de Ser- ricos18. No entanto, podem ter repercussão
toli observando-se também ocasionalmente clínica acentuada uma vez que estão fre-
células de Leydig. Raramente foram descritos quentemente associados com hiperestro-
elementos heterólogos e um componente de genismo ou masculinização. São um grupo
células de Sertoli-Leydig pouco diferenciado. heterogéneo, considerando-se três grupos.

4.3. TUMORES DOS CORDÕES 5.1. LUTEOMA DO ESTROMA


SEXUAIS/ESTROMA NÃO CLASSIFICADOS
Tumor de células esteróides geralmente de
São neoplasias ováricas associadas a caracte- pequenas dimensões unilateral e benigno
rísticas clínicas ou histológicas que sugerem que se localiza no estroma ovário presumi-
uma origem nos cordões sexuais/estroma go- velmente tendo aí a sua origem18,19. Corres-
nadal, mas que no entanto não se conseguem ponde a 20% de todos os tumores de células

Tumores raros do ovário 421


esteróides e 80% ocorrem na mulher pós- ras de mitose, podendo no entanto ocorrer
menopáusica. É bem circunscrito, sólido, marcado pleomorfismo nuclear, sem que
amarelo acastanhado geralmente com me- isso implique malignidade.

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nos de 3 cm de diâmetro, constituído por
células luteinizadas com relativamente es- 5.3. TUMORES DE CÉLULAS ESTERÓIDES
casso componente lipídico e abundante SEM OUTRA ESPECIFICAÇÃO
pigmento de lipofuscina. Os núcleos carac-
teristicamente contêm nucléolos proemi- São tumores de células esteróides que não
nentes, as figuras de mitose são raras e as podem objectivamente ser classificados em
células dispõem-se num padrão difuso, em qualquer uma das categorias atrás mencio-
ninhos ou cordões. Não se identificam cris- nadas. É um grupo heterogéneo que prova-
tais de Reinke. Ao contrário de todos os ou- velmente inclui alguns luteomas do estroma
tros tipos de células esteróides, o luteoma ou tumores de células de Leydig que não
do estroma está frequentemente associado puderam ser correctamente caracterizados
com hiperestrogenismo (60%) apesar de al- (Fig. 1). Representam 60% dos tumores de
guns terem sido documentados como an- células esteróides, dos quais cerca de 1/3
drogénicos (22%)18. têm comportamento maligno. Estes tumo-
res podem aparecer em qualquer idade,
5.2. TUMORES DE CÉLULAS DE LEYDIG ocorrendo frequentemente numa idade
mais jovem (média 43 anos) que os ou-
São neoplasias raras de células esteróides tros tumores de células esteróides18. Estão
constituídas por células de Leydig, o que associados com hirsutismo ou virilização
pressupõe a identificação dos característicos em aproximadamente 50% dos casos mas
cristais de Reinke. A grande maioria locali- podem ser estrogénicos em 10%, havendo
za-se no hilo, sendo designados tumores de também descrições associadas com a sín-
células de Leydig do hilo; menos frequente- drome de Cushing.
mente estes tumores podem desenvolver-se Os critérios associados a um comportamento
no estroma ovárico, e são descritos como maligno não estão bem definidos, sendo os
do tipo não-hilar. Correspondem a 15% dos tumores malignos geralmente maiores que
tumores de células esteróides, ocorrem ge- 7 cm, contêm áreas de hemorragia ou necro-
ralmente em mulheres pós-menopáusicas se e apresentam atipia moderada a marcada
e mais frequentemente apresentam mani- com índice mitótico superior a duas mitoses
festações androgénicas devido a níveis ele- por 10/CGA (Fig. 2).
vados de testosterona, enquanto os efeitos
estrogénicos são raros. Macroscopicamente
os tumores são pequenos, geralmente me- 6. TUMORES DE CÉLULAS
nores que 5 cm, e aparecem como nódulos GERMINATIVAS
bem delimitados, de tonalidade castanha
amarelada. São constituídos por células re- Este grupo de neoplasias (Quadro 3) con-
dondas ou poligonais num padrão difuso siste em tumores com origem em células
ou lobular, frequentemente com pseudo- germinativas primordiais que migraram do
septos fibrosos. As células mostram núcleos saco vitelino para a crista gonadal primitiva
redondos com pequenos nucléolos, sendo e ficaram incorporadas nos cordões sexuais
as pseudo-inclusões nucleares frequentes primários. A variabilidade destes tumores re-
assim como pigmento de lipofuscina e os flecte a capacidade das células germinativas
cristais de Reinke já referidos, necessários em sofrer padrões divergentes de diferencia-
para o diagnóstico. Apresentam raras figu- ção em vários estádios de desenvolvimento.

422 Capítulo 25
A B

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C D

Figura 1. Tumor de células esteróides sem outra especificação (NOS) benigno. A e B: tumor bem delimitado, localizado
na região hilar, envolvido pela cortical. C e D: constituído por células esteróides monótonas, sem atipia ou mitoses.

mas quísticos maduros. Os tumores de células


germinativas malignos representam 3 a 4%
de todas as neoplasias ováricas nos países oci-
dentais, ao contrário do que acontece na po-
pulação oriental e africana, onde estes tumo-
res podem atingir uma incidência de 20%21.
Os tumores malignos de células germinativas
ocorrem geralmente em mulheres com me-
nos de 30 anos e são responsáveis por 2/3 dos
cancros do ovário nas primeiras duas décadas.
Figura 2. Tumor de células esteróides maligno, com São geralmente grandes com tamanho médio
áreas de hemorragia e necrose. de 16 cm e a bilateralidade é rara à excepção
dos disgerminomas. Traduzem-se geralmen-
te por sintomas como aumento do volume
Pensa-se actualmente que as células do dis- abdominal e dor pélvica estando geralmente
germinoma são pluripotenciais, podendo os níveis séricos de βHCG (sub-unidade beta
ser a célula precursora de outros tumores da gonadotropina coriónica humana) e α-fe-
germinativos20. toproteína alterados, sendo estes marcadores
Representam 30% dos tumores primitivos do úteis para o diagnóstico e na monitorização
ovário, dos quais 95% correspondem a terato- da terapêutica.

Tumores raros do ovário 423


Quadro 3. Tumores de células germinativas do ovário

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Classificação dos tumores de células germinativas do ovário

— Disgerminoma.
— Tumor do seio endodérmico.
— Carcinoma embrionário.
— Poliembrioma.
— Coriocarcinoma.
— Teratoma:
u Quístico maduro (quisto dermóide):
„ Secundariamente com tumor maligno.

u Sólido maduro.
u Fetiforme (homunculus).
u Imaturo.
u Monodérmico:
„ Struma ovarii.

„ Carcinóides.

„ Tumores neuroectodérmicos.

„ Tumores sebáceos.

„ Outros.

— Tumores mistos de células germinativas.


Adaptado da classificação da OMS, 2003.

Aproximadamente 10% dos tumores mos- 6.1. DISGERMINOMA


tram mais que um tipo celular, sendo a
combinação mais frequente o disgermino- Clínica
ma com o tumor do seio endodérmico21. É o tumor de células germinativas maligno
É importante identificar os vários compo- mais frequente do ovário, sendo responsá-
nentes da neoplasia, uma vez que a sua pre- vel por quase metade destes tumores e por
sença mesmo em quantidades pequenas, 1% de todos os tumores ováricos malignos21.
pode afectar significativamente o prognós- Em aproximadamente 15% observa-se um
tico e a terapêutica. segundo componente maligno germinativo,
O disgerminoma é responsável por cerca mais frequentemente tumor do seio endo-
de 45% dos tumores malignos de células dérmico. Cerca de 80% dos disgerminomas
germinativas, o tumor do seio endodérmi- ocorrem na segunda e terceira décadas, com
co por 20%, o carcinoma embrionário por uma média de 22 anos. Correspondem a 20
2% e o coriocarcinoma por 1%. Os tumores a 30% dos cancros do ovário diagnosticados
mistos de células germinativas rondam os durante a gravidez. Em doentes pré-menarca
6%. Os teratomas imaturos e neoplasias que se apresentem com uma massa pélvica, o
malignas com origem em quistos dermói- cariótipo deve ser determinado uma vez que
des são responsáveis pelos restantes 15 a 5% dos disgerminomas têm origem em go-
20% das neoplasias germinativas malig- nadoblastomas em pacientes fenotipicamen-
nas22 (Quadro 4). te mulheres com gónadas anormais. Assim,

424 Capítulo 25
Quadro 4. Frequência de tumores malignos de células germinativas do ovário

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Disgerminoma 45-50%
Tumor do seio endodérmico 20%
Carcinoma embrionário 2%
Coriocarcinoma 1%
Teratoma imaturo (incl. malignização de teratomas quísticos maduros) 20%
Mistos 6%

o exame macroscópico dos disgerminomas tica afecta primeiro a cadeia ilíaca comum e
deve incluir a radiografia da peça operatória o grupo inferior dos gânglios para-aórticos e
como um auxiliar na localização de calcifica- apenas subsequentemente os gânglios me-
ção focal e portanto para detectar um disger- diastínicos e supraclaviculares. As metásta-
minoma com origem num gonadoblastoma. ses por via sanguínea para órgãos à distância
As doentes geralmente apresentam sinais ocorrem tipicamente numa fase tardia, para
e sintomas decorrentes de uma massa pél- o fígado, pulmões, rins, e ossos.
vica ou abdominal de crescimento rápido,
podendo também apresentar manifesta- Características patológicas
ções hormonais, geralmente estrogénicas. Os disgerminomas são caracteristicamente
Raramente também podem ocorrer mani- sólidos e bem capsulados, com diâmetro
festações androgénicas. Quase todos os médio de 15 cm. Ao corte são lobulados,
pacientes com disgerminoma têm níveis moles/carnudos e de tonalidade branco-
séricos elevados de LDH (lactato desidroge- acinzentada ou ligeiramente acastanhada.
nase) e, nalguns casos βHCG também ele- Microscopicamente têm características so-
vada que pode pôr problemas de diagnos- breponíveis ao tumor homólogo testicular
tico diferencial com doença do trofoblasto. (seminoma). São constituídos por uma po-
Foram relatados níveis séricos elevados de pulação relativamente monótonas de cé-
fosfatase alcalina placentar, CA125 e α-ini- lulas germinativas primordiais, poligonais
bina. O doseamento de α-fetoproteína está com abundante citoplasma que varia de
geralmente dentro dos limites normais e, claro a eosinofilico contendo glicogénio.
quando elevado, deve sugerir um compo- Os núcleos são volumosos centrais arre-
nente de tumor do seio endodérmico. dondados por vezes de aspecto vesiculoso
Os disgerminomas são tumores de cresci- ou contendo um ou mais pequenos nuclé-
mento rápido mas as metástases só ocor- olos. As figuras de mitose são geralmente
rem tardiamente no decorrer da doença. numerosas. As células tumorais são geral-
Geralmente estão confinados aos ovários mente separadas por finos septos fibrosos
(Fédération Internationale de Gynécologie et que podem apresentar-se edematosos
d’Obstrétrique [FIGO] estádio I) em 2/3 dos e infiltrados por linfócitos T. Em 5% dos
casos, dos quais 15% são bilaterais. Este va- germinomas há células gigantes do sinci-
lor inclui uma percentagem de 6% nos quais ciotrofoblasto, não traduzindo um compo-
o envolvimento do ovário contralateral é nente de coriocarcinoma, e não afectando
apenas microscópico, salientando a impor- o prognóstico. Não há critérios histológicos
tância da biopsia do ovário contralateral bem definidos para graduar a agressividade
em pacientes para os quais se planeia uma da neoplasia, embora uma celularidade mui-
cirurgia conservadora. A disseminação linfá- to aumentada, invasão tumoral vascular,

Tumores raros do ovário 425


escasso componente linfocitário peritumo- imediato ainda pode ser útil para estabele-
ral, marcado pleomorfismo nuclear e um cer valores de base. Na ausência de doença
índice mitótico superior a três mitoses/10 residual, os níveis séricos de α-fetoproteína

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CGA tenham sido características descri- no pós-operatório caem para o normal em
tas em «disgerminoma anaplásicos» e co- quatro a seis semanas. Um aumento destes
notadas com uma maior agressividade20. níveis séricos é indicativo de recorrência,
Do ponto de vista imuno-histoquímico, mesmo antes de haver evidência clínica.
estas células caracteristicamente são imu- O CA 125 e o CEA também estão elevados20.
norreactivas para vimentina e fosfatase Os tumores do seio endodérmico são morfo-
alcalina placentar (PLAP) e nalguns casos logicamente heterogéneos, podendo dife-
também apresentam imunomarcação para renciar-se em várias estruturas endodérmi-
NSE (enolase neuro-específica), CK, desmi- cas, variando desde estruturas com origem
na GFAP (proteína glial fibrilar acídica) e α- no intestino primitivo, até aos seus deriva-
inibina. Em 92 a 100% há expressão para o dos de origem extra-embrionária ou em-
produto do gene c-kit (CD117). Esta expres- brionária do tipo somático (como sejam in-
são está relacionada com a mutação deste testino e fígado). Por isso mesmo, o termo
gene identificada em 65% dos disgermino- «tumor primitivo endodérmico» seria talvez
mas e que é diferente quanto à localização, mais apropriado ao definir as possíveis linhas
tipo e frequência das mutações deste gene de diferenciação quer epitelial quer mesen-
identificadas no seminoma23. Observa-se quimatosa que ocorrem nesta neoplasia.
ainda consistentemente negatividade para
o antigénio epitelial de membrana (EMA) e Características patológicas
antigénio carcino-embrionário (CEA). Estes tumores são quase invariavelmente
unilaterais e grandes (média de 15 cm) com
6.2. TUMOR DO SEIO ENDODÉRMICO uma superfície externa lisa. São sólidos ao
corte, carnudos acinzentados ou acasta-
Clínica nhados com extensas áreas hemorrágicas e
É a segunda neoplasia maligna de células áreas quísticas. Se houver calcificações asso-
germinativas mais frequente em crianças e ciadas devem levantar a suspeição de outro
mulheres jovens a seguir ao disgerminoma, componente de tumor germinativo, tipica-
representando cerca de 20% das neoplasias mente um teratoma quístico maduro, que
malignas das células germinativas21. A idade está presente em 15% dos casos.
média é de 19 anos, sendo contudo tão fre- Do ponto de vista microscópico, estes tumo-
quente como o disgerminoma nas primeiras res mostram uma mistura de diferentes pa-
duas décadas. Os sintomas de apresentação drões, dos quais os mais frequentes são o re-
são geralmente aumento do volume abdo- ticular, o pseudopapilar, o festonado (com os
minal e dor de curta duração (uma semana característicos corpos de Schiller-Duval). Ou-
ou menos em metade dos casos). Rotura do tros padrões incluem o polivesicular (que se
tumor, antes ou durante a intervenção, ocor- pensa representa estruturalmente a transição
re em 1/3 dos casos. do saco vitelino primário para o saco vitelino
Os níveis séricos de α-fetoproteína tipi- secundário, de menores dimensões). Outros
camente estão elevados, superiores a 20 padrões menos frequentes, mas claramente
ng/ml, podendo atingir facilmente valores distintos, são o padrão hepatóide e glandu-
de 1.000 ng/ml. Na medida que a α-feto- lar, ambos indicadores de uma diferenciação
proteína tem uma semivida biológica de embrionária, somática. A diferenciação he-
cerca de cinco dias, a determinação dos patóide está presente em 40%, e pode mi-
níveis séricos no período pós-operatório metizar a variante fibrolamelar do carcinoma

426 Capítulo 25
hepatocelular e a variante glandular pode sinais decorrentes de massa abdominal ou
traduzir-se por glândulas do tipo intestinal ou pélvica e, ao contrário dos tumores do seio
endometrióide. A presença de glóbulos hia- endodérmico e disgerminomas, em 2/3 há

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linos PAS-diastase (ácido periódico de Schiff manifestações hormonais, estando os ní-
após digestão pela diastase) resistentes, de veis séricos de βHCG geralmente elevados,
localização quer intracitoplasmática quer ex- devido à produção de βHCG pela neoplasia.
tracitoplasmática e de agregados de material As manifestações endócrinas traduzem-se
do tipo membrana basal, conhecidos com pa- geralmente por pseudoprecocidade isosse-
drão parietal de tumor do seio endodérmico, xual, sangramento irregular, amenorreia ou
são bons indicadores histológicos para esta hirsutismo. A α-fetoproteína sérica também
neoplasia. Os corpos de Schiller-Duval, tidos está ligeiramente elevada nalguns pacien-
como patognomónicos, estão apenas pre- tes, sem que isso signifique um componente
sentes em 13 a 20% dos casos. de tumor do seio endodérmico.
Do ponto de vista imuno-histoquímico, estes
tumores são tipicamente imunorreactivos Características patológicas
para α-fetoproteína, e frequentemente para a Estes tumores são tipicamente unilaterais e
A-1 antitripsina, observando-se positividade grandes com tamanho médio de 17 cm, sóli-
para citoqueratinas e CD34. O CEA é positi- dos amolecidos, com áreas de hemorragia e
vo apenas na variante glandular e hepatóide necrose e um componente quístico minori-
sendo os anticorpos EMA e CK7 negativos. tário. Do ponto de vista microscópico é uma
neoplasia constituída por células muito ple-
6.3. CARCINOMA EMBRIONÁRIO omórficas de tamanho médio a grande com
uma disposição em toalha, ninhos ou, em
O carcinoma embrionário é o menos dife- tumores mais diferenciado, formando estru-
renciado de todas as neoplasias de células turas nitidamente epiteliais, glandulares ou
germinativas ováricas, e tem capacidade plu- papilares. Há uma intensa actividade mitó-
ripotencial, tal como o disgerminoma. É assim tica, extensa necrose e há frequentemente
capaz de diferenciação ao longo de várias vias, células do sinciciotrofoblasto.
incluindo a via de estruturas somáticas ou no É importante o diagnóstico diferencial com
sentido de componentes extra-embrionários, o disgerminoma anaplásico, tendo esta dife-
como o seio endodérmico ou coriocarcinoma. renciação importante implicação prognósti-
No entanto os tumores que exibem uma dife- ca e terapêutica. Por vezes, do ponto de vista
renciação óbvia em qualquer uma destas di- patológico, também se pode pôr o proble-
recções são melhor classificados como tumo- ma do diagnóstico diferencial com carcino-
res malignos mistos de células germinativas. mas indiferenciados com origem no epitélio
Assim sendo, os carcinomas embrionários pu- de superfície, mas a faixa etária afectada é
ros do ovário são extremamente raros, consti- completamente distinta.
tuindo 2 a 3% de todas as neoplasias malignas
de células germinativas. O carcinoma embrio- 6.4. CORIOCARCINOMA
nário ocasionalmente pode ocorrer no con-
texto de um gonadoblastoma pré-existente. A maioria dos coriocarcinomas que envolvem
o ovário representa metástases de tumores
Clínica uterinos. O coriocarcinoma ovárico primitivo
A maioria das pacientes tem entre quatro é extremamente raro e pode desenvolver-se
a 28 anos de idade, com uma média de 12 no contexto de uma gravidez ectópica ovári-
anos, das quais pelo menos metade são pré- ca (então é do tipo gestacional, que é o mais
púberes21. A maioria apresenta sintomas e frequente) ou como uma forma de neoplasia

Tumores raros do ovário 427


de células germinativas (coriocarcinoma não Características patológicas
gestacional). Este pode acontecer na forma São tumores grandes, friáveis e hemorrági-
pura ou, mais frequentemente, como um cos. Do ponto de vista histológico caracteri-

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componente de um tumor misto de células zam-se pela presença em íntima associação
germinativas. Em mulheres em idade repro- de células do citotrofoblasto e do sincicio-
dutiva, a distinção entre a forma gestacional trofoblasto, havendo extensas áreas de ne-
e não gestacional do coriocarcinoma puro crose e hemorragia, e, tipicamente, grande
não pode ser feita com certeza absoluta ba- variabilidade de área para área, quer quan-
seando-se apenas em critérios histológicos. to a arquitectura, quer quanto à celularida-
São necessárias análises do ADN para excluir de. Do ponto de vista imuno-histoquímico,
a presença de um componente paterno, observa-se positividade para as citoquera-
para confirmar que se trata de um coriocar- tinas em todos os três tipos do trofoblasto,
cinoma não gestacional21,24. com positividade para a βHCG e α-inibina
É um tumor maligno com diferenciação tro- no sinciciotrofoblasto.
foblástica, constituído por células do cito-
trofoblasto, sinciciotrofoblasto e trofoblasto 6.5. TERATOMAS
extraviloso. A presença isolada de células do
sinciciotrofoblasto não é suficiente para o Os teratomas são tumores de células ger-
diagnóstico de coriocarcinoma. Aliás, a sua minativas constituídos por uma mistura de
presença isolada em tumores malignos de tecidos derivados de dois ou três folhetos
células germinativas doutros tipos (ex.: dis- embrionários (ectoderme, mesoderme ou
germinoma, carcinoma embrionário e po- endoderme). A grande maioria dos tera-
liembriomas) ou mesmo em outros tumores tomas são benignos e quísticos, contendo
não germinativos, não altera quer o diagnós- elementos maduros e são designados tera-
tico, quer o prognóstico ou o tratamento. tomas quísticos maduros ou quistos dermói-
des. A presença de tecido imaturo obriga a
Clínica um diagnóstico de teratoma imaturo que
Estes tumores tipicamente ocorrem em mu- é potencialmente maligno. No entanto os
lheres abaixo dos 20 anos de idade poden- quistos dermóides quísticos que contêm
do este perfil etário estar falseado devido, apenas pequenos focos de tecido imaturo
na maioria dos casos descritos na literatura, têm um comportamento benigno22. Rara-
a discriminação entre coriocarcinoma ges- mente, os teratomas podem ser predomi-
tacional e não gestacional em mulheres nante ou exclusivamente constituídos por
numa idade reprodutiva não ter sido efec- tecidos endodérmicos ou ectodérmicos – te-
tuada de forma correcta, ou seja, baseada ratomas monodérmicos.
em análises de ADN20.
É um tumor raro na forma pura, constituindo 6.5.1. TERATOMAS IMATUROS
menos de 1% dos tumores de células germi-
nativas malignas do ovário. Clínica
As manifestações clínicas são sobrepo- São o terceiro tumor maligno de células
níveis às dos outros tumores de células germinativas do ovário em frequência, re-
germinativas malignos, havendo também presentando 20% destes tumores e 1%
manifestações hormonais causadas pela dos cancros do ovário em geral. Apenas
produção de βHCG. Há frequentemente 3% dos teratomas ováricos são imaturos25.
sangramento extenso quer nos focos me- Ocorrem predominantemente nas primei-
tastáticos quer no próprio tumor, podendo ras duas décadas de vida com um pico de
resultar em hemoperitoneu. incidência dos 14 aos 19 anos. Raramente

428 Capítulo 25
podem ocorrer acima dos 40 anos de idade. 50% dos casos. São em secção predominan-
As pacientes queixam-se de uma massa ab- temente sólidos, com aspecto variegado,
dominal palpável dolorosa, podendo haver podendo ter áreas quísticas, de hemorragia

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na história clínica antecedentes de quistos e de necrose.
dermóides removidos meses ou anos antes, Os focos de gliomatose peritoneal con-
tipicamente múltiplos e com rotura. Níveis sistem em múltiplos pequenos nódulos
séricos de α-fetoproteína elevados são en- peritoneais superficiais, branco-acinzen-
contrados em até 60% das pacientes com tados, semelhantes aos que ocorrem na
teratomas imaturos, mas geralmente em tuberculose miliar. Geralmente estão lo-
níveis muito inferiores aos observados em calizados no peritoneu pélvico e podem
outros tumores germinativos. Nalguns tera- estar limitados à imediata vizinhança do
tomas imaturos com α-fetoproteína eleva- tumor ovárico, parecendo por vezes re-
da, foi feita a pesquisa exaustiva de outro lacionados com o ponto de rotura do tu-
componente germinativo, não tendo sido mor. Está também referido envolvimento
encontrado20. Outros marcadores tumorais do peritoneu pélvico e abdominal difuso,
usados no seguimento destas neoplasias em placa. Os nódulos variam em tamanho
incluem a βHCG, CA 19.9, CA 125 e CEA. entre 0,1 e 1,1 cm com uma média de 0,3
Estes tumores crescem rapidamente e a cm. Em contraste com estes depósitos ma-
disseminação extra-ovárica está presente duros, os focos metastáticos teratomatoso
aquando da laparotomia inicial em cerca de imaturos tendem a ser em menor número,
1/3 dos casos. Como resultado de rotura ou em maior tamanho e tendem a associar-se
de penetração capsular, há disseminação tu- com aderências.
moral na cavidade peritoneal. Do ponto de vista microscópico todos os
Depósitos metastáticos peritoneais de te- três folhetos germinativos são geralmente
cido teratomatoso maduro, por vezes cha- evidentes e a maioria dos tumores contém
mados «implantes», são frequentemente uma mistura de elementos maduros e ima-
compostos exclusivamente ou quase ex- turos. Há habitualmente um claro predomí-
clusivamente de tecido glial maduro – nio de elementos derivados da ectoderme e
«gliomatose peritoneal». Este fenómeno mesoderme e é nestes últimos que a imatu-
ocorre em cerca de 10% dos pacientes com ridade é mais evidente. O elemento imaturo
teratomas imaturos e é biologicamente mais frequentemente encontrado é neuroe-
benigno se os implantes também forem pitélio, sendo também frequentes o epitélio
histologicamente maduros. Estes elemen- imaturo e a cartilagem.
tos teratomatosos maduros gliais também O sistema de graduação dos teratomas ima-
podem ocorrer fora do peritoneu, no turos baseia-se na quantidade de neuroe-
omento ou nos gânglios linfáticos. Não são pitélio imaturo encontrado no tumor. Este
específicos do teratoma imaturo, ocorren- classifica-se assim em grau I, II e III, sendo
do aliás mais frequentemente no contexto esta classificação puramente histológica,
de um teratoma sólido maduro20. representando o grau III aquele em que há
maior componente de tecido imaturo. Foi
Características patológicas também recentemente proposto um siste-
Os teratomas imaturos são quase sempre ma de graduação com apenas dois graus
unilaterais mas um segundo teratoma quís- (baixo grau e alto grau) também baseado na
tico maduro está presente em 5 a 10% dos proporção de neuroepitélio26.
casos no ovário contralateral20. São tumores Os teratomas imaturos são um compo-
geralmente grandes (tamanho médio de 18 nente frequente de tumores mistos de
cm), capsulados, e apresentam rotura em células germinativas, e como tal devem

Tumores raros do ovário 429


ser exaustivamente estudados. Deve ser duzem os tumores que ocorrem no sistema
feito o diagnóstico diferencial com carci- nervoso central. Há formas bem diferencia-
nossarcomas que frequentemente exibem das, como ependimomas, tumores pouco

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uma grande variedade de tipos de tecidos, diferenciados como o PNET e o meduloepi-
mas que ocorrem predominantemente em telioma e formas anaplásicas como o glio-
mulheres pós-menopáusicas, enquanto os blastoma multiforme.
teratomas imaturos quase nunca foram
relatados nesta faixa etária. Também a va- 6.5.3. TUMORES MALIGNOS MISTOS
riante monodérmica do teratoma imaturo DE CÉLULAS GERMINATIVAS
(tumor neuroectodérmico maligno) deve
claramente ser identificado. São tumores constituídos por dois ou mais
elementos celulares germinativos neoplási-
6.5.2. TERATOMAS MONODÉRMICOS cos, já descritos neste capítulo. Correspon-
dem a menos de 10% de todos os tumores
São formas raras de teratomas quísticos ma- de células germinativas malignas do ovário.
duros compostos exclusivamente de tecidos O disgerminoma é o componente maligno
derivados de um único folheto germinativo. mais frequente, seguido do tumor do seio
A forma mais frequente de teratoma mono- endodérmico e do teratoma imaturo. O car-
dérmico é aquela em que se forma exclusi- cinoma embrionário e o coriocarcinoma são
vamente tecido tiroideu e representa 2,7% relativamente menos frequentes (ocorrem
de todos os teratomas ováricos25. O termo em 20% dos casos).
«struma ovarii» é apenas aplicado aos tera- Os teratomas quísticos maduros com trans-
tomas compostos predominante ou exclusi- formação maligna secundária (mais fre-
vamente de tecido tiroideu. Pode traduzir-se quentemente carcinoma espinhocelular)
por tecido tiroideu normal ou apresentar estão excluídos desta categoria, assim como
todas as patologias também observadas a o gonadoblastoma e outros tumores mis-
nível da tiróide. tos de células germinativas e dos cordões
O segundo teratoma monodérmico em sexuais/estroma.
frequência é o carcinóide ovárico que se
caracteriza pela presença de um tumor car-
cinóide geralmente com características so- 7. TUMORES MISTOS DE CÉLULAS
breponíveis às descritos no tubo gastroin- GERMINATIVAS E DOS CORDÕES
testinal. Pode ocorrer na forma pura (15%), SEXUAIS/ESTROMA
ou mais geralmente em combinação com
outros elementos teratomatosos (85%), tais São tumores constituídos por células ger-
como quisto dermóide ou «struma ovarii», minativas e elementos estromais, dos
neste último caso constituindo a entida- quais o representante mais frequente é o
de conhecida como «strumal carcinoid»22. gonadoblastoma.
Pode cursar com síndrome carcinóide, que
tipicamente desaparece após remoção do Clínica
tumor. É um tumor raro, que ocorre quase exclusi-
Como exemplo de outros teratomas mo- vamente em gónadas disgenéticas, em pa-
nodérmicos salientam-se os tumores de cientes jovens, frequentemente antes dos
origem neuroectodérmica. São raros, e a 20 anos. As pacientes são geralmente feno-
maioria está associada a outros elementos tipicamente mulheres virilizadas mas quase
teratomatosos, havendo contudo alguns todas são genotipicamente do sexo masculi-
casos descritos de formas puras que repro- no, isto é, têm um cromossoma Y22.

430 Capítulo 25
Características patológicas salientamos o carcinoma de células peque-
O gonadoblastoma é mais frequentemente nas do tipo hipercalcémico e do tipo pulmo-
observado na gónada direita e é bilateral nar, e o carcinoma hepatóide.

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em 38% dos casos. Os gonadoblastomas
puros são tipicamente pequenos, inferio- 8.1. CARCINOMA DE CÉLULAS
res a 8 cm, podendo estar completamente PEQUENAS DO TIPO HIPERCALCÉMICO
calcificados. Quando há um componente
de tumor de células germinativas maligno Clínica
associado, apresentam maiores dimen- Este tumor ocorre em mulheres entre os dois
sões. Em 20% dos casos têm origem em e os 46 anos com uma média de 24 anos e
gónadas em fita. está associado com hipercalcemia em 2/3
Microscopicamente é composto por ninhos dos casos. Esta regride espontaneamente
de células germinativas primordiais inti- após o tumor ser excisado. Manifestam-se
mamente misturadas com elementos dos ainda por distensão abdominal ou dor e,
cordões sexuais semelhantes a células de em 50% dos casos, o tumor é diagnosticado
Sertoli imaturas e células da granulosa. Estas num estádio avançado, com disseminação
rodeiam espaços arredondados preenchidos extra-ovárica aquando da laparotomia27.
com material eosinófilo do tipo da membra-
na basal. Células de Leydig ou células luteí- Características patológicas
nicas estão presentes no estroma na maior Macroscopicamente o tumor é geralmente
parte dos casos e são responsáveis pelas ma- grande (15 a 20 cm) e predominantemente
nifestações endócrinas. sólido, de tonalidade creme, podendo ter ne-
O desenvolvimento, neste contexto, de um crose, hemorragia e degenerescência quística
tumor maligno de células germinativas (Fig. 3). Histologicamente há dois padrões, o
acontece em cerca de 50% dos casos, mais mais frequente corresponde a proliferação
frequentemente sob a forma de disgermi- mitoticamente muito activa, de células pe-
noma e, menos frequentemente de tumor quenas compactadas, em toalha, asseme-
do seio endodérmico, carcinoma embrio- lhando-se a um linfoma ou a um tumor de
nário, coriocarcinoma ou teratoma imaturo. células da granulosa juvenil, ou a um PNET.
O risco de malignização é de cerca de 28% Há estruturas do tipo folicular revestidas por
aos 20 anos para as doentes com disge- células tumorais em 80% dos casos, contendo
nesia gonadal pura e 19% na mesma fai- nos pseudolumina material fluido eosinofílico
xa etária para as doentes com disgenesia acelular. O segundo tipo histológico é consti-
gonadal mista22.O gonadoblastoma puro tuído por células de maiores dimensões com
é benigno. características epitelióides ou rabdóides e
citoplasma mais abundante eosinofílico, fre-
quentemente observando-se nucléolos pro-
8. OUTROS TUMORES PRIMITIVOS eminentes. Estes tumores são tipicamente
citoqueratina positivos (citoqueratinas 8 e 18)
A enorme variedade de tipos diferentes de e EMA positivos, com co-expressão de vimen-
tumores primitivos que podem ocorrer no tina, mas negativos para α-inibina.
ovário reflecte a origem diversificada ou
mesmo desconhecida de muitos destes tu- 8.2. CARCINOMA DE PEQUENAS CÉLULAS
mores, tornando uma classificação baseada DO TIPO PULMONAR
na sua histogénese impraticável.
No quadro 5, referem-se os tumores mais Estes tumores extremamente malignos são
frequentes dentro desta categoria, dos quais histologicamente similares aos carcinomas

Tumores raros do ovário 431


Quadro 5. Classificação de outros tumores primitivos do ovário

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— Carcinoma de células pequenas do tipo hipercalcémico.
— Carcinoma de células pequenas do tipo pulmonar.
— Carcinoma neuroendócrino de grandes células.
— Carcinoma hepatóide.
— Mesotelioma primitivo do ovário.
— Tumor de Wilms.
— Coriocarcinoma gestacional.
— Mola hidatiforme.
— Carcinoma adenóide quístico.
— Tumor de células basais.
— Tumor wolffiano do ovário.
— Paraganglioma.
— Mixoma.
— Tumores dos tecidos moles não específicos do ovário.
— Outros.

Adaptado da classificação da OMS, 2003.

A B

Figura 3. Tumor de células pequenas do tipo hipercalcémico. A: tumor com área central quística e hemorrágica.
B: aspecto microscópico.

de pequenas células do pulmão, pondo o 8.3. CARCINOMA NEUROENDÓCRINO


problema do diagnóstico diferencial com DE GRANDES CÉLULAS = CARCINOMA
metastização de tumor primitivo pulmo- INDIFERENCIADO DE NÃOPEQUENAS
nar. Os doentes são geralmente mais ve- CÉLULAS DO TIPO NEUROENDÓCRINO
lhos do que aqueles com carcinoma de
células pequenas do tipo hipercalcémico e Apenas duas séries de carcinomas neuro-
a maioria apresenta-se num estádio avan- endócrinos de não-pequenas células foram
çado da doença. publicadas28,29. Os pacientes situam-se numa
Apesar da histogénese destes tumores não idade etária reprodutora ou para além desta,
ser clara, a coexistência de alguns com car- com uma média de 56 anos. O modo de apre-
cinomas endometrióides ou com tumores sentação é de uma massa pélvica na maioria
de Brenner sugere uma origem no epitélio dos casos. Nas séries publicadas há associa-
de superfície. ção com tumores do epitélio de superfície

432 Capítulo 25
(em sete casos tumores mucinosos e num to de vista clínico quer do ponto macroscópi-
caso tumor endometrióide), quer benignos, co, quer ainda do ponto de vista histológico
quer malignos. O componente neuroendó- (Quadro 6).

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crino consiste em células de tamanho médio
a grande com núcleos com nucléolos proe- 9.1. EDEMA MACIÇO DO OVÁRIO
minentes e frequentes mitoses. O diagnósti-
co é confirmado através da imunomarcação É uma lesão pseudotumoral que se traduz
para marcadores neuroendócrinos. por aumento do volume de um ou ambos os
ovários devido a edema. Pensa-se resultar de
8.4. CARCINOMA HEPATÓIDE torção parcial ou intermitente, comprome-
tendo a drenagem venosa e linfática, sem
É uma neoplasia primitiva ovárica que histo- causar necrose isquémica30.
logicamente se assemelha ao carcinoma he-
patocelular e como tal é positiva do ponto Clínica
de vista imuno-histoquímico para a α-feto- Ocorre em mulheres na segunda e terceira
proteína e α-1 antitripsina. A maior parte das décadas, com uma média de 21 anos30. Ra-
mulheres são pós-menopáusicas e o tumor ramente pode acontecer em doentes pré-
é geralmente diagnosticado num estádio púberes. Os sintomas de apresentação são
avançado. Coexiste geralmente elevação sé- geralmente dor abdominal aguda ou massa
rica da α-fetoproteína e também do CA 125. anexial e, menos frequentemente, distúrbios
O carcinoma hepatóide deve ser distingui- menstruais. Por vezes apresentam-se com
do do carcinoma hepatocelular metastá- hirsutismo ou virilização, acompanhados de
tico para o ovário (que é uma raridade), e níveis séricos elevados de testosterona ou
de outros tumores constituídos por células outros androgénios.
com um citoplasma abundante eosinofíli-
co, particularmente a variante hepatóide Características patológicas
do tumor do seio endodérmico, o tumor de O ovário está aumentado de volume podendo
células esteróides e os carcinomas com cé- atingir 35 cm de diâmetro (média de 11 cm)31
lulas oxifílicas. com uma superfície externa esbranquiçada
e opaca. A superfície de secção tipicamente
exsuda líquido aquoso. Histologicamente
9. LESÕES PSEUDOTUMORAIS observa-se edema difuso da porção medular
e do córtex interno, estando relativamente
São lesões não-neoplásicas que podem mi- poupado o córtex superficial e a albugínea,
metizar uma neoplasia ovárica quer do pon- por vezes de aspecto espessado/fibrótico.

Quadro 6. Classificação das lesões pseudotumorais do ovário

— Luteoma da gravidez.
— Hipertecose estromal.
— Hiperplasia estromal.
— Fibromatose.
— Edema maciço do ovário.
— Outros.

Adaptado da classificação da OMS, 2003.

Tumores raros do ovário 433


Podem observar-se células isoladas ou pe- Clínica
quenos grupos de células estromais luteiniza- A faixa etária afectada tem a ver com o tipo
das por entre estruturas ováricas preservadas, histológico do linfoma, e não com o órgão

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que se pensa serem a fonte de produção ex- em causa. Os linfomas que mais frequente-
cessiva de hormonas esteróides nos pacien- mente envolvem o ovário são, nos países
tes que se apresentam com virilização. Estes ocidentais, o linfoma B difuso de grandes
focos de luteinização estão geralmente confi- células, (mais frequentemente na faixa etá-
nados às áreas edematosas mas podem tam- ria dos 35-45 anos), e o linfoma folicular (que
bém ser encontrados no ovário contralateral, acontece numa idade mais tardia). O linfo-
edematoso ou não edematoso. Pensa-se que ma de Burkitt endémico tipicamente afecta
estas alterações estão em relação com o tem- crianças dos cinco aos 10 anos, podendo
po de duração dos sintomas. também afectar adultos. A variante esporá-
dica ocorre geralmente em adultos jovens,
10. NEOPLASIAS OVÁRICAS LINFÓIDES ocasionalmente no decurso de gravidez.
E HEMATOPOIÉTICAS
Aspectos patológicos
10.1. LINFOMAS O envolvimento linfomatoso ovárico é bilate-
ral em 50% dos casos, independentemente do
Os linfomas primários do ovário são extre- estádio. O linfoma de Burkitt é quase sempre
mamente raros, constituindo 0,1 a 0,2% de bilateral. Os ovários podem estar grandemen-
todos os linfomas. Uma excepção ocorre em te aumentados, atingindo 15 cm de diâmetro.
áreas onde o linfoma de Burkitt é endémico Se o envolvimento é incidental no contexto
onde é responsável por mais de metade dos de um linfoma disseminado, podem ter o ta-
tumores ováricos em pacientes jovens. O en- manho normal ou mostrarem apenas ligeiro
volvimento do ovário por linfomas malignos aumento do volume. Os ovários geralmente
pode ocorrer sob três formas32. não apresentam aderências e mostram uma
Uma forma é o envolvimento incidental do superfície nodular ou bosselada, tendo em
ovário no contexto de um linfoma genera- secção um aspecto lardáceo característico.
lizado. É a forma mais comum, e ocorre em
cerca de 20% dos pacientes com linfoma 10.2. LEUCEMIAS
disseminado.
A outra forma pode ser a apresentação de A infiltração leucémica do ovário é mais
um linfoma disseminado até então desco- frequente do que a infiltração linfomatosa,
nhecido. Acontece em 0,3% dos pacientes e é mais frequente em crianças do que em
com linfoma. A maioria destes pacientes adultos. Em autópsia, 2/3 dos doentes com
também tem envolvimento ganglionar leucemia apresentavam infiltração ovárica,
oculto e doença generalizada cuja tradu- apesar de clinicamente o aumento do volu-
ção clínica ocorre geralmente num curto me ovárico ser raro32. A leucemia a nível do
espaço de tempo após a descoberta da ovário também pode ser uma manifestação
massa ovárica. primária da doença ou manifestar-se como
A terceira forma é a do linfoma ovárico, envolvimento secundário disseminado.
como um linfoma primitivo extraganglionar.
Este diagnóstico é actualmente questiona-
do, sugerindo-se que todos os linfomas apa- 11. TUMORES OVÁRICOS METASTÁTICOS
rentemente primários do ovário devem ser
tratados como uma manifestação local de Os ovários são frequentemente sede de ne-
doença sistémica. oplasia metastática. As metástases para os

434 Capítulo 25
ovários podem ser síncronas ou metacrónicas -lhes em frequência as metástases com ori-
com o tumor primitivo. No caso de a apresen- gem mamária33.
tação ser desfasada no tempo, quando o local Em séries de autópsia de mulheres falecidas

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primitivo da neoplasia ainda não foi identifica- por cancro da mama, em 40% foram obser-
do e o tumor ovárico é a primeira manifesta- vadas metástases ováricas de carcinoma da
ção da doença, o diagnóstico de doença me- mama. O envolvimento ovárico em pacien-
tastática é difícil, colocando grandes desafios, tes que sofreram ooforectomia terapêutica
quer do ponto de vista clínico, quer do ponto por disseminação da doença é de 30%, e in-
de vista patológico. Isto porque as metástases ferior a 10% quando a ooforectomia é «pro-
ováricas podem apresentar as mesmas carac- filáctica»34. As metástases correspondem a
terísticas macroscópicas e microscópicas que carcinomas ductais em 75% dos casos e a
os tumores ováricos primitivos, tornando o carcinomas lobulares em 25%, reflectindo
seu reconhecimento extremamente difícil. uma proporção mais elevada de metastiza-
Acresce que uma pequena percentagem de ção ovárica nos carcinomas lobulares.
mulheres com neoplasia ovárica metastática As metástases ováricas de tumores primi-
pode apresentar alterações menstruais, me- tivos do tubo gastrointestinal são das mais
trorragias ou virilização, devido à presença de frequentes, tendo sido identificadas na au-
células estromais luteinizadas induzidas pela tópsia em 15 a 50% das mulheres com carci-
neoplasia33. Este aspecto pode erradamente noma gástrico, e em 15 a 30% das mulheres
sugerir um diagnóstico de tumor dos cordões com carcinoma colorrectal. No entanto, em
sexuais/estroma. séries clínicas, as metástases ováricas só são
As vias de disseminação para o ovário da diagnosticas em 3 a 8% dos casos34.
neoplasia primitiva incluem: a via linfática, A metástase do carcinoma colorrectal (mais
a via hematogénica, a via transcelómica, a frequentemente com origem no cólon sigmói-
via transluminal que se pensa ser a que mais de e recto) é aquela que mais frequentemente
frequentemente ocorre nos carcinomas do mimetiza uma neoplasia primitiva ovárica, so-
endométrio e da trompa e por infiltração di- bretudo quando a este nível apresenta carac-
recta, em contiguidade. terísticas do tipo mucinoso ou endometrióide.
A parecença destes tumores do ponto de vista
Clínica clínico, macro e microscópico, com tumores
As metástases ováricas são geralmente uma primitivos ováricos ainda é agravada pelo fac-
manifestação de doença neoplásica disse- to de ocasionalmente ocorrer associada a uma
minada, ocorrendo alguns anos após o diag- pseudo-síndrome de Meigs e a níveis séricos
nóstico da neoplasia primitiva. No entanto, elevados de CA 125 (o que acontece em cerca
a metastização para o ovário pode preceder de 1/3 dos casos de carcinomas colorrectais
a descoberta do tumor primitivo, e, nesses metastáticos para o ovário).
casos, uma idade de aparecimento mais Também frequentemente carcinomas com
precoce que a da faixa etária normalmente origem uterina metastizam para os ovários
associada às neoplasias primitivas do ová- e, sendo de tipo histológico semelhante, é
rio pode alertar para o facto de se tratar de necessário averiguar se se trata de tumores
neoplasia metastática, nomeadamente de primários síncronos ou efectivamente de le-
origem gástrica ou mamária, visto que estes sões metastáticas.
tumores ocorrem mais frequentemente em
mulheres mais jovens. Características patológicas
Cerca de 90% das metástases ováricas têm As características que favorecem metastiza-
origem no aparelho gastrointestinal e ção são a bilateralidade (75% de todos os ca-
aparelho genital feminino, seguindo-se- sos são bilaterais), o que raramente acontece

Tumores raros do ovário 435


com tumores primitivos ováricos mucinosos fológico, variando desde lesões de aspecto
ou endometrióides, com os quais se podem benigno do tipo do cistadenoma até lesões
confundir histologicamente. Também favo- do tipo borderline e de carcinoma franco.

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rece o diagnóstico de doença metastática
a presença de múltiplos nódulos tumorais,
quer na superfície do ovário quer ocupando 12. TRATAMENTO DOS TUMORES
todo o órgão, e um tamanho inferior a 10 DE CÉLULAS GERMINATIVAS
cm, embora este possa ser muito variável.
Recentemente foi proposto um algoritmo Os tumores de células germinativas do ová-
para diferenciar, em exame extemporâneo, rio são menos frequentes que as neoplasias
tumor primitivo de tumor metastático en- epiteliais malignas. Afectam, contudo, com
volvendo os ovários, que se tem provado útil maior frequência as jovens com potencial
nos casos mais difíceis que correspondem a para procriarem pelo que devem se alvo de
tumores mucinosos e adenocarcinomas de tratamento ainda mais especializado. Esta
baixo grau, nomeadamente do tipo endo- aproximação terapêutica, multidisciplinar,
metrióide. Com este algoritmo tem-se atin- deve ser ainda mais atenta pois além de
gindo uma taxa de acuidade de 81 a 90%. atingirem maioritariamente jovens com pico
Neste algoritmo, os carcinomas são conside- de incidência na segunda e terceira década
rados como metastáticos quando são bilate- de vida tendem a um aumento de incidência
rais, e quando, sendo unilaterais têm menos em algumas áreas geográficas, mas mantêm
de 10 cm de diâmetro e pelo contrário, como a uma possibilidade curativa elevada.
primários quando são unilaterais e com um Em contraste com os tumores epiteliais os tu-
tamanho superior a 10 cm35-37. mores de células germinativas apresentam-se
As características microscópicas que tam- em dois terços dos casos no estádio I, sendo
bém favorecem a natureza metastática raros os tumores diagnosticados no estádio
incluem um padrão de crescimento multi- IV e cerca de um terço restante no estádio III.
nodular, presença neoplásica a nível da se- Os marcadores BHCG (gonadotrofina cori-
rosa, envolvimento de linfáticos ou de vasos ónica) e AFP (α-fetoproteína) são preciosos
sanguíneos, particularmente a nível do hilo, no diagnóstico discriminativo e sobretudo
um padrão de crescimento infiltrativo por na avaliação da eficácia terapêutica e con-
entre estruturas foliculares preservadas, in- trolo clínico.
filtração sob a forma de células isoladas ou Como já dissemos e, em contraste com os
com formas em anel de sinete e um padrão tumores epiteliais, 60 a 70% dos tumores
variável de nódulo para nódulo (Quadro 7). de células germinativas diagnosticam-se no
As metástases com diferenciação mucinosa estádio I, estando no estádio III a quase tota-
frequentemente mostram um espectro mor- lidade dos restantes.

Quadro 7. Possíveis indicadores de metastização para o ovário

— Bilateralidade (sobretudo nos tipos histológicos mucinoso e endometrióide).


— Tumores pequenos, superficiais e multinodulares.
— Invasão linfovascular.
— Reacção desmoplásica peritumoral.
— Disseminação extra-ovárica extensa.
— História clínica compatível.

436 Capítulo 25
Contribui para o diagnóstico e sobretudo 12.2. DISGERMINOMAS
prognóstico mais favorável a apresentação
quase sempre unilateral (excepção para os São maioritariamente diagnosticados no está-

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disgerminomas). dio I apesar de poderem envolver os dois ová-
A ascite é menos frequente que nos tumo- rios e infiltrarem os gânglios retroperitoneais.
res epiteliais mas a metastização peritoneal é Tradicionalmente são sensíveis à radiotera-
frequente assim com a infiltração ganglionar. pia, outrora usada, particularmente nos tu-
Têm ainda uma maior tendência para a disse- mores localizados à escavação pélvica, mas
minação por via hemática com possibilidade relegada pela sensibilidade já confirmada à
de localização secundária no fígado e pulmão. quimioterapia citostática com associações
fundamentadas nos derivados da platina.
12.1. PRINCÍPIOS DO TRATAMENTO Os ensaios do Gynecological Oncological
CIRÚRGICO Group (GOG) iniciados há mais de 20 anos
com a associação cisplatina + vimbastina +
A abordagem cirúrgica é diferente da dos tu- bleomicina (PVB)38, mostraram resultados
mores epiteliais por ser condicionada pela ne- superiores no que concerne a sobrevivência
cessidade da preservação da fertilidade. Ape- e morbilidade. Posteriormente a associação
sar da conservação do ovário contralateral e bleomicina + etoposido + cisplatina (BEP)
do útero ser a regra, a atitude cirúrgica persis- demonstrou menor toxicidade. Este esque-
te ditada pelos achados laparoscópicos. ma de quimioterapia preconizado para os
Mesmo nos disgerminomas, onde a bilate- tumores de células germinativas foi compa-
ralidade é comum a ovariectomia bilateral rado (Quadro 8) com a associação vincristina
deve ser evitada pois na maioria dos casos + actinomicina D + ciclofosfamida (VAC)39 e é
a quistectomia/tumorectomia possibilita hoje o tratamento standard para os tumores
a manutenção de tecido ovárico viável no no estádio I e III completamente ressecados
pressuposto que a quimioterapia citostática pertencentes aos tipos histológicos: terato-
é curativa, podendo a anexectomia restante ma imaturo de grau II e III completamente
ser efectuada de forma diferida após conclu- ressecados, tumores do seio endodérmico,
ído o desejo reprodutor ou em caso de este- tumores de células mistas, carcinomas em-
rilidade inultrapassável. brionários e coriocarcinomas não gestacio-
A abordagem técnica obedece aos mesmos nais, aguardando-se conclusões definitivas
parâmetros que nos tumores epiteliais, com para os outros tipos histológicos.
laparotomia ampla, inspecção completa de
toda a cavidade peritoneal, colheita de líqui- 12.3. TUMORES DE CÉLULAS
do ascítico ou de lavagem peritoneal para GERMINATIVAS NÃO DISGERMINOMAS
estudo citológico.
Nos casos mais comuns em que o tumor se O tratamento consiste na generalidade, igual-
confina à pélvis, estádios precoces, estão mente, na cirurgia seguida da quimioterapia.
indicadas a biopsias do peritoneu parietal e
visceral (goteiras parieto-cólicas, mesenté- 12.4. TERATOMAS IMATUROS
rio, cúpulas diafragmáticas, sigmóide, fun-
do-de-saco de Douglas e peritoneu vesical). Os teratomas imaturos, segundo mais fre-
Os gânglios pélvicos e para-aórticos estão quente dos tumores de células germinati-
mais frequentemente envolvidos do que vas malignos, ocorre frequentemente na
nos tumores epiteliais pelo que há indicação segunda e terceira décadas de vida: contêm
para biopsia electiva das adenopatias ou, na elementos embrionários e ocasionalmente
ausência destas, para linfadenectomias. elementos mistos.

Tumores raros do ovário 437


Quadro 8. Esquemas empregues no ensaio do GOG, comparando BEP versus VAC
nos disgerminomas do ovário39

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BEP Cisplatina: 20 mg/m2 dias 1 a 5
Etoposido (VP-16): 100 mg/m2 dias 1 a 5
Bleomicina: 20 U/semanal

Ciclos de 21 dias

VAC
Vincristina: 2 mg dia 1 e 14 repete até nove vezes
Actinomicina D: 350 ug/m2 dias 1 a 5
Cisplatina: 20 mg/m2 dias 1 a 5

Ciclos de 21 dias

O mais importante factor de prognóstico e avaliaram-se de forma prospectiva as asso-


indicador de terapêutica é o grau da lesão: ciações VAC e BEP40 .Verificou-se superiori-
nas doentes no estádio IA com grau I a ci- dade da segunda associação apesar de nos
rurgia conservadora da fertilidade assegu- tumores avançados ainda não haver resulta-
ra uma sobrevivência superior a 90% e a dos claros.
quimioterapia adjuvante pode ser dispen-
sada em favor da observação clínica; nas 12.5. TUMORES DO SEIO ENDODÉRMICO
outras situações de grau I e II mesmo que
em estádios iniciais a quimioterapia adju- São o terceiro grupo mais frequente. Produ-
vante é imperativa. zem AFP (α-fetoproteína), factor prognóstico
As localizações mais frequentes de dissemi- importante e preditivo sensível do controlo
nação são o peritoneu e os gânglios retro- da doença.
peritoneais, sendo a metastização visceral É um tumor quase exclusivamente unilate-
(pulmão, fígado e cérebro) pouco frequente. ral onde a atitude cirúrgica é a ovariectomia
Antes do desenvolvimento da quimiotera- unilateral. Contudo o estadiamento é indi-
pia o prognóstico das doentes com tumo- cado e a quimioterapia baseada, mais uma
res avançados era mau. A terapêutica com vez, em associações contendo derivados da
quimioterapia citostática utilizando a asso- platina, melhora a taxa de sobrevivência.
ciação PVB conseguiu uma sobrevivência
superior a 70% num grupo heterogéneo no 12.6. CARCINOMA EMBRIONÁRIO
ensaio prospectivo do GOG. E CORIOCARCINOMA NÃO GESTACIONAL
Apesar de não haver ainda uma compara-
ção prospectiva entre as associações PVB e São muito raros e ambos libertam B-HCG e o
BEP a segunda associação tem sido prefe- carcinoma embrionário também liberta AFP.
rida pela menor toxicidade e por, em ana- A falta de dados prognósticos depende da
logia, ter apresentado melhores resultados raridade destes tumores mas também a ci-
nos ensaios realizados nos tumores testicu- rurgia unilateral com cirurgia de citorredu-
lares avançados. ção e estadiamento são a regra assim como
No ensaio terapêutico do GOG para os car- a quimioterapia adjuvante com a associação
cinomas de células germinativas do ovário mais consensual BEP.

438 Capítulo 25
12.7. TUMORES MISTOS DE CÉLULAS para os carcinomas epiteliais é a mais indi-
GERMINATIVAS cada. É de esperar uma maior taxa de recor-
rências nas doentes com mais de 40 anos,

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Contêm dois ou mais elementos e devem motivo pelo qual se preconiza a quimiote-
ser tratados da forma já indicada para os ou- rapia adjuvante sem ter a certeza de uma
tros tipos histológicos, sendo o prognóstico menor taxa de recidiva.
dependente do elemento mais agressivo. A As doentes com doença avançada (estádio
quimioterapia preconizada é ainda a asso- II a IV) têm indicação para quimioterapia in-
ciação BEP e o componente histológico mais cluindo um derivado da platina: a associação
frequente é o de elementos do seio endo- inicialmente utilizada foi o PVB41, com eleva-
dérmico e disgerminoma. da toxicidade. Boa resposta foi obtida com
a associação cisplatina + doxorrubicina +
ciclofosfamida.
13. TRATAMENTO DOS TUMORES Mais recentemente volta a ser a associação
DOS CORDÕES SEXUAIS/ESTROMA BEP generalizada ao tratamento dos tumo-
OVÁRICO res dos cordões sexuais em geral, embora se
registe ainda a falta de resultados prospec-
Representam 5% dos cancros dos ovários e tivos, pelo que não é seguro afirmar qual a
em geral diagnosticam-se no estádio I e por associação mais eficaz.
vezes associados a efeitos hormonais. No consenso possível recomenda-se para as
mulheres com menos de 40 anos e estádio
13.1. TUMORES DE CÉLULAS I apenas a cirurgia (sobrevivência de 85, 90
DA GRANULOSA e 100% a cinco anos), e a cirurgia seguida
quimioterapia com a associação de carbo-
Os mais comuns são os tumores da granu- platina + etoposido acima dos 40 anos. Para
losa que se associam a hiperplasia e carci- as mulheres com mais de 40 anos e doença
noma endometrial. Os tumores de Serto- avançada (estádio II a IV) recomenda-se a
li-Leydig estão também frequentemente associação doxorrubicina + cisplatina + eto-
correlacionados com maior incidência de posido, embora sem estudos determinantes
carcinoma endometrial. Especula-se sobre que possam ser consensuais.
o papel da hiperestimulação iatrogénica Outros factores prognósticos, além do está-
dos tratamentos da esterilidade ou funcio- dio do tumor e idade da doente são espe-
nal hipofisária como factor desencadeante culativos: a inibina sérica não mostrou sen-
ou simplesmente amplificador da formação sibilidade nem especificidade42; melhores
destes tumores. resultados foram conseguidos com o Mulle-
A abordagem cirúrgica destes tumores é rian Iinhibin Substance (MIS)43. A citometria
a mesma que para os tumores epiteliais, de fluxo e análise da fase S apresentam-se
baseada no estádio do tumor e na idade promissoras como factores preditivos, dis-
da doente. criminando os tumores aneuploides como
Em geral as doentes antes da menarca ou no prováveis candidatos à terapêutica adjuvan-
período reprodutor apresentam tumor no te versus controlo.
estádio I na maioria das séries e a salpingo-
ooforectomia unilateral é a conduta usual. 13.2. TUMORES DE CÉLULAS
A quimioterapia na doente jovem não tem DE SERTOLILEYDIG
utilidade ainda demonstrada embora nas
doentes que já procriaram, a cirurgia com- São menos frequentes que os de células
pleta, de acordo com a conduta indicada da granulosa mas são os segundos mais

Tumores raros do ovário 439


frequentes dos tumores dos cordões se- 14. Suárez A, Palacios J, Burgos E, Gamallo C. Signet-ring
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xuais/estroma. A sua terapêutica cirúrgi- histochemical and ultrastructural study. Virchows Arch
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Em resumo os tumores malignos, avançados 17. Sawetawan C, Rainey WE, Word RA, Carr BR. Immuno-
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440 Capítulo 25
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Tumores raros do ovário 441


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26 Cancro da trompa de Falópio

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Fernando Mota

1. INTRODUÇÃO nal, mama ou peritoneu, por ordem decres-


cente de frequência.
O carcinoma da trompa de Falópio é uma A etiopatogenia do carcinoma da trompa
das neoplasias ginecológicas mais raras, permanece obscura. Contudo, foi demons-
representando menos de 1% de todos os trado que mulheres com mutações nos ge-
cancros do aparelho genital feminino1. A nes BRCA1 e BRCA2 têm um risco considerá-
raridade do tumor exclui a possibilidade de vel de desenvolverem carcinoma da trompa2.
realização de estudos clínicos randomizados As mulheres com carcinoma da trompa de-
mas, em contrapartida, impõe a necessidade veriam, pois, ser submetidas a testes gené-
de criação de uma base de dados oncológica ticos para identificar mutações em BRCA1
centralizada fidedigna. e BRCA2 e deveriam ser informadas sobre o
A histologia e o comportamento biológico maior risco que os seus familiares têm de vir a
do carcinoma da trompa são similares ao do desenvolver cancro da mama e do ovário.
carcinoma do ovário, pelo que a avaliação
e a terapêutica destes tumores é essencial-
mente a mesma. 2. HISTOPATOLOGIA
Os carcinomas da trompa de Falópio são ha-
bitualmente tumores secundários, resultado A maioria dos cancros primitivos da trompa
da disseminação tubar de cancros primitivos é de origem epitelial, predominantemente
do ovário, endométrio, tracto gastrointesti- do tipo seroso papilar (Fig. 1).

Figura 1. Carcinoma seroso intra-


epitelial da trompa de Falópio. Sec-
ção transversal da trompa mostran-
do focalmente transformação neo-
plásica do epitélio tubar, com atipia
citológica marcada e estratificação,
sem invasão do estroma.

443
A distinção entre carcinoma primitivo da conforto pélvico são também referidos por
trompa e carcinoma metastático do ovário é, muitas pacientes.
por vezes, difícil. Como consequência, mui- O carcinoma primitivo da trompa é, por ve-

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tos tumores disseminados da trompa são zes, um achado insuspeitado numa peça
diagnosticados como carcinomas do ovário operatória de histerectomia total e anexec-
ou do peritoneu. Existem, contudo, dois cri- tomia bilateral.
térios que ajudam a esclarecer o diagnóstico
diferencial: a massa tumoral dominante lo- 3.2. EXAME CLÍNICO, EXAMES AUXILIARES DE
caliza-se na trompa e cresce a partir do seu DIAGNÓSTICO E EXAMES PRÉTERAPÊUTICOS
lúmen e existe evidência histológica de tran-
sição entre carcinoma in situ e carcinoma in- O exame ginecológico pode detectar uma
vasivo no epitélio tubar. massa pélvica em aproximadamente 60%
Macroscopicamente, a trompa tumoral está das doentes. Recorde-se, contudo, que na
habitualmente dilatada simulando um salpin- avaliação pré-operatória de uma massa ane-
ge. Cancros bilaterais da trompa são encon- xial é muito difícil distinguir entre origem tu-
trados em 40 a 50% dos casos e representarão bar ou ovárica. A ascite é habitual na doença
tumores síncronos, ao invés de disseminação tumoral avançada.
metastática para a trompa contralateral. Uma citologia esfoliativa do colo do útero
mostrando células atípicas do tipo glandular,
na presença de histeroscopia e curetagem
3. DIAGNÓSTICO E ESTADIAMENTO endocervical e endometrial negativas, suge-
re a possibilidade de cancro da trompa5.
Os cancros da trompa são usualmente diag- A ecografia pélvica, coadjuvada pela TC ab-
nosticados entre os 55 e os 65 anos, apre- domino-pélvica, é um precioso meio com-
sentando as doentes uma idade média de plementar de diagnóstico perante a sus-
61 anos3. A sua incidência aumenta com o peição de um tumor da trompa, bem como
avançar da idade. ambos constituem indispensáveis exames
complementares pré-terapêuticos para ava-
3.1. SINAIS E SINTOMAS liação da extensão tumoral, permitindo fazer
um melhor planeamento do tratamento.
A tríade clássica de sinais e sintomas associa- O marcador tumoral CA 125 deve ser requisi-
da a cancro da trompa inclui: corrimento va- tado aquando da avaliação pré-terapêutica
ginal aquoso (conhecido por hydrops tubae de um carcinoma anexial.
profluens), dor pélvica e massa anexial. Tipi-
camente, surge dor pélvica, do tipo cólica, 3.3. VIAS DE DISSEMINAÇÃO
aliviada pela expulsão intermitente de leu-
correia amarelada e aquosa profusa. Contu- Os cancros da trompa disseminam-se de ma-
do, esta tríade sintomática só é encontrada neira semelhante aos carcinomas epiteliais
em menos de 15% das doentes4. do ovário, ou seja, principalmente por esfo-
O corrimento vaginal ou as metrorragias são liação de células tumorais que se implantam
as queixas habituais, referidas por mais de por toda a cavidade peritoneal. Estes implan-
50% das pacientes com cancro da trompa. tes peritoneais podem ocorrer na presença
Mulheres peri ou pós-menopáusicas com de trompas aparentemente intactas.
corrimento vaginal atípico, mais ou menos A extensão tumoral directa aos órgãos
aquoso e rebelde à terapêutica, deveriam adjacentes é também possível. Em aproxi-
ser estudadas para afastar a possibilidade madamente 80% das pacientes com doença
de cancro oculto da trompa. Dor ou des- avançada, as metástases estão circunscritas à

444 Capítulo 26
cavidade peritoneal aquando do diagnóstico6. Aproximadamente 27% das doentes são
As trompas de Falópio possuem uma pu- diagnosticadas com doença no estádio I,
jante rede linfática, o que condiciona uma 24% no estádio II, 41% no estádio III e, final-

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frequente disseminação tumoral para os mente, 8% têm doença no estádio IV3.
gânglios pélvicos e para-aórticos, mesmo
nos estádios iniciais, e que é superior à en-
contrada para o cancro do ovário7. 4. TRATAMENTO

3.4 ESTADIAMENTO O tratamento do carcinoma da trompa de


Falópio é idêntico ao recomendado para o
O estadiamento do carcinoma da trompa, carcinoma epitelial do ovário. É necessária
de acordo com a FIGO (Federação Inter- a laparotomia exploradora para remover o
nacional de Ginecologia e Obstetrícia)3, tumor primitivo e as suas metástases, bem
baseia-se nos achados cirúrgicos obtidos como para estadiar a doença. Como tera-
durante a laparotomia e é idêntico ao pêutica complementar, dita adjuvante, utili-
definido para o carcinoma epitelial do ová- za-se habitualmente a associação citotóxica
rio (Quadro 1). de paclitaxel e carboplatina.

Quadro 1. Classificação cirúrgica do carcinoma da trompa de Falópio (FIGO, 1997)

Estádio Características tumorais

0 Carcinoma in situ (limitado à mucosa tubar)

I Tumor limitado às trompas

IA Tumor limitado a uma trompa; ausência de tumor na serosa tubar

IB Tumor limitado a ambas as trompas; ausência de tumor na serosa tubar

IC Tumor limitado a uma ou a ambas as trompas com: tumor na serosa tubar e/ou células
neoplásicas na ascite ou no lavado peritoneal

II O tumor envolve uma ou ambas as trompas com extensão pélvica

IIA Extensão e/ou implantes no útero e/ou ovário

IIB Extensão a outras estruturas pélvicas


IIC Tumor no estádio IIA ou IIB com: tumor na serosa tubar e/ou células neoplásicas na ascite ou no
lavado peritoneal

III O tumor interessa uma ou ambas as trompas com metástases peritoneais confirmadas fora da
pélvis e/ou metástases ganglionares

IIIA Metástases peritoneais microscópicas para além da pélvis

IIIB Metástases peritoneais macroscópicas fora da pélvis a 2 cm na sua maior dimensão

IIIC Metástases peritoneais fora da pélvis> 2 cm na maior dimensão e/ou metástases nos gânglios
regionais ou inguinais

IV Metástases à distância (metástases peritoneais excluídas)


Metástases na cápsula hepática correspondem ao estádio III e metástases no parênquima hepático representam estádio IV.
Para poder ser considerado como estádio IV, o derrame pleural deverá ter uma citologia positiva.

Cancro da trompa de Falópio 445


4.1. CIRURGIA artérias renais. Esta atitude tem impacto
na sobrevivência8.
A cirurgia é a terapêutica primária reco- — Histerectomia total e anexectomia bila-

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mendada e deve ser realizada por médicos teral.
com treino em ginecologia oncológica. Na — Descrição minuciosa dos achados opera-
ausência de contra-indicação cirúrgica e/ou tórios e da doença residual (localização e
de critérios de irressecabilidade tumoral, a tamanho).
laparotomia exploradora constitui a abor-
dagem inicial do cancro da trompa. É funda- 4.1.2. DOENÇA AVANÇADA
mental para o diagnóstico, estadiamento e
tratamento. Os princípios e os métodos da — Líquido ascítico aspirado.
terapêutica cirúrgica no cancro tubar são — Inspecção e palpação de toda a cavida-
idênticos aos empregues para o carcinoma de peritoneal para avaliar a extensão
epitelial do ovário, ou seja: tumoral.
— Incisão mediana, infra, para e supra-um- — O máximo esforço cirúrgico é a regra. Ti-
bilical. picamente são realizadas histerectomia
— Colheita de líquido presente no fundo- total e anexectomia bilateral, omentec-
de-saco de Douglas para exame citoló- tomia total e remoção da doença me-
gico ou citologia do lavado peritoneal tastática das superfícies peritoneais e
(~ 300 ml de soro fisiológico). intestino. As ressecções intestinais são
— Toda a cavidade peritoneal é explorada justificadas se detectada lesão esteno-
(inspecção e palpação), diafragma, intes- sante/oclusiva ou se a doença residual
tino em toda a sua extensão e órgãos ab- for ausente ou mínima no final da inter-
dominais incluídos. venção.
— Mesmo na presença de doença disse-
4.1.1. DOENÇA APARENTEMENTE minada, onde uma cirurgia de redução
LIMITADA À PÉLVIS óptima se considere inexequível é, habi-
tualmente, possível e desejável remover
— Massas tumorais aparentemente confina- o tumor primitivo e/ou o omental cake
das à(s) trompa(s) são removidas intactas – massa tumoral em que está transfor-
e enviadas para estudo extemporâneo. mado o omento.
— Citologia das cúpulas diafragmáticas por — Na doença irressecável é colhida uma
raspagem ou, em alternativa, biopsia. biopsia e encerrado o abdómen.
— Biopsias de todas as lesões suspeitas ou É sugestivo que o máximo esforço cirúrgico
em zonas de aderências. Biopsias múl- seja recompensado com um aumento das
tiplas, em zonas aparentemente sãs, a taxas de sobrevivência9.
nível do fundo-de-saco de Douglas, pe-
ritoneu vesical, goteiras parieto-cólicas, 4.2. QUIMIOTERAPIA
mesentério do intestino delgado e me-
socólon. Os agentes citotóxicos mais activos no car-
— Omentectomia infracólica. cinoma da trompa são os taxanos e os de-
— Apendicectomia obrigatória nos tumo- rivados da platina, como acontece para o
res mucinosos. carcinoma epitelial do ovário. Foram docu-
— Linfadenectomia pélvica e para-aórti- mentadas respostas completas, no carcino-
ca sistemática interessando os gânglios ma tubar, com a associação cisplatina e pa-
obturadores, ilíacos internos, externos e clitaxel9. Portanto, a quimioterapia adjuvante
primitivos, e aórticos, idealmente até às recomendada – realizada com fins curativos

446 Capítulo 26
após a cirurgia – compreende a associação cancros do ovário são diagnosticados em
de um derivado da platina (habitualmente a estádios avançados pela ausência de sinto-
carboplatina) e o paclitaxel. Contudo, o be- matologia específica, o corrimento vaginal

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nefício desta terapêutica adjuvante não foi aquoso e as metrorragias – numa mulher
demonstrado nos estádios iniciais do cancro peri ou pós-menopáusica – são sinais de
da trompa, em ensaios clínicos prospectivos, alerta, podendo conduzir ao diagnóstico
dada a raridade da doença. de carcinoma da trompa. De facto, 51% dos
No carcinoma da trompa recidivante ou carcinomas tubares são diagnosticados nos
na doença persistente, a quimioterapia é estádios iniciais I e II 3.
a terapêutica habitualmente recomenda- A sobrevivência aos cinco anos para os carci-
da. É sugestivo que as drogas activas para nomas da trompa no estádio I é de 81%, 67%
o cancro epitelial recidivante do ovário o para o estádio II, 41% para o estádio III e 33%
sejam também para os carcinomas tubares. para as doentes no estádio IV3.
Nestas circunstâncias têm sido prescritos,
tipicamente em monoterapia e, habitual-
mente, de modo sequencial: docetaxel, to- Bibliografia
potecam, doxorrubicina lipossómica, gem-
1. Jemal A, Siegel R, Ward F, et al. Cancer statistics. CA
citabina e etoposido oral10,11. Cancer J Cin. 2008;58:71-96.
2. Leeper K, Garcia R, Swisher E, et al. Pathologic findings
in prophylactic oophorectomy specimens in high-risk
4.3. RADIOTERAPIA women. Gynecol Oncol. 2002;87:52-6.
3. Heintz A, Odicino F, Maisonneuve P, et al. Carcinoma of
the Falopian tube. FIGO Annual Report, volume 26. Int
A radioterapia não está indicada no trata- J Gynecol Obstet. 2006;95(1):S145-60.
mento primário ou adjuvante do cancro da 4. Berek JS, Hacker NF. Practical gynecologic oncology.
4.a ed. Filadélfia: Lippincott Williams & Wilkins; 2005. p.
trompa. A sua toxicidade imediata e tardia é 443-541.
inaceitável. Pode ser usada, raramente, com 5. Podratz KC, Podczaski ES, Gaffey TA, et al. Primary car-
cinoma of the fallopian tube. Am J Obstet Gynecol.
fins paliativos em doença localizada e sinto- 1986;154:1319-26.
mática (ex. massa pélvica). 6. Alvarado-Cabrero I, Young RH, Vamvakas EC, et al.
Carcinoma of the fallopian tube: a clinicopathological
study of 105 cases with observations on staging and
prognostic factors. Gynecol Oncol. 1999;72:367-79.
7. Gadducci A, Landoni F, Sartori E, et al. Analysis of treat-
5. PROGNÓSTICO ment failures and survival of patients with fallopian
tube carcinoma: A Cooperative Task Force study. Gyne-
col Oncol. 2001;81:150-9.
O estádio FIGO do tumor bem como a pro- 8. Klein M, Graf AH, Rosen A, Lahousen M. Analysis of
fundidade da invasão da parede tubar são treatment failures and survival of patients with fallo-
pian tube carcinoma: A Cooperative Task Force study
importantes factores de prognóstico. É (letter). Gynecol Oncol. 2002;84:351.
sugestivo que o grau de diferenciação da 9. Cormio G. Experience at the Memorial Sloan-Kettering
Cancer Center with paclitaxel-based combination chemo-
neoplasia e a permeação dos espaços lin- therapy following primary cytoreductive surgery in carci-
fovasculares tenham também significado noma of the fallopian tube. Gynecol Oncol. 2002;84:185-6.
10. Rose PG, Rodriguez M, Walker J, et al. A phase I trial of
prognóstico12. prolonged oral etopide and liposomal doxorubicin in
As doentes com carcinoma epitelial da trom- ovarian, peritoneal, and tubal carcinoma: a gynecologic
oncology group study. Gynecol Oncol. 2002;85:136-9.
pa têm uma sobrevivência global aos cinco 11. Markman M, Zanotti K, Webster K, et al. Phase 2 trial
anos que ronda os 56%. Este valor é supe- of single agent docetaxel in platinum and paclitaxel-
refractory ovarian cancer, fallopian tube cancer, and
rior ao documentado para o cancro epitelial primary carcinoma of the peritoneum. Gynecol Oncol.
do ovário, o que poderá ser explicado pelo 2003;91:573-6.
12. Schiller HM, Silverberg SG. Staging and prognosis
diagnóstico mais precoce do carcinoma tu- in primary carcinoma of the fallopian tube. Cancer.
bar. Enquanto aproximadamente 75% dos 1971;28:389.

Cancro da trompa de Falópio 447


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27 Doença gestacional
do trofoblasto

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Diogo Ayres de Campos

1. INTRODUÇÃO datiforme, a mola hidatiforme invasiva e o


coriocarcinoma; e o tumor trofoblástico do
Denomina-se doença gestacional do trofo- leito placentar, que sendo também uma
blasto (DGT) a um grupo de tumores raros NGT, é muito mais rara e tem características
relacionados com a gravidez, conhecidos e orientação clínica específicas.
desde os tempos da antiguidade e que no A mola hidatiforme pode comportar-se cli-
passado eram geralmente considerados le- nicamente como uma doença benigna ou
tais. Caracterizam-se por uma proliferação maligna, sendo a primeira forma muito mais
anormal de células com características histo- frequente. Por outro lado as NGT, incluindo o
lógicas e arquitectura tecidual semelhantes tumor trofoblástico do leito placentar, com-
às do trofoblasto. portam-se como doenças malignas, com
A DGT é mais frequente em mulheres nos tendência a invadir localmente o miométrio
extremos da idade reprodutiva, ou seja antes e a metastizar, mais frequentemente para
dos 18 e após os 40 anos1. Não parece existir os pulmões, tracto genital inferior, cérebro,
qualquer associação com o número anterior fígado, rins e tracto gastrointestinal3.
de gestações, a idade do primeiro parto, a his-
tória de abortamentos espontâneos, o inter-
valo para a gestação anterior, a contracepção 2. MOLA HIDATIFORME
hormonal, a irradiação pélvica, o grupo san-
guíneo ou o consumo de tabaco. Por outro A mola hidatiforme é uma forma de gravidez
lado, alguns autores descrevem uma associa- inviável e geneticamente anormal, com exces-
ção significativa com o consumo deficiente de so de desenvolvimento do trofoblasto e escas-
gordura animal e de vitamina A, bem como so (mola hidatiforme parcial) ou nenhum teci-
com algumas ocupações profissionais2. do embriofetal (mola hidatiforme completa).
A DGT classifica-se histologicamente nas se-
guintes categorias: 2.1. INCIDÊNCIA E FACTORES DE RISCO
— Mola hidatiforme (completa ou parcial).
— Mola hidatiforme invasiva. A mola hidatiforme é a forma mais comum de
— Coriocarcinoma. DGT, afectando uma em cada 570 gestações
— Tumor trofoblástico do leito placentar. em Portugal4. A nível mundial existem impor-
Clinicamente é mais útil dividir a DGT em tantes diferenças geográficas na incidência
três entidades cujas características e orien- da doença, que oscila entre uma em cada 350
tação terapêutica são relativamente seme- e uma em cada 1.000 gestações. É particu-
lhantes: a mola hidatiforme; a neoplasia larmente frequente na Ásia, Europa Oriental
gestacional do trofoblasto (NGT), que en- e África2,5. A mola hidatiforme parcial é duas
globa as formas persistentes de mola hi- vezes mais frequente do que a completa1.

449
A doença pode ocorrer em qualquer fase no-histoquímicos9 e genéticos10, ou mesmo
da idade reprodutiva, mas a mola hidatifor- à genotipagem do ADN, para o diagnóstico
me completa é mais comum nos extremos diferencial definitivo11.

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deste intervalo6. As mulheres com menos de Ambas as formas de mola hidatiforme con-
16 anos têm um risco seis vezes superior às têm uma expressão excessiva de genes
restantes e as mulheres com mais de 50 anos paternos. A mola hidatiforme completa é
chegam a ter um risco de uma em cada três quase sempre diplóide, resultante de uma
gravidezes2. Por outro lado, a mola hidatifor- endo-reduplicação após fertilização mono-
me parcial é mais frequente após os 20 anos espermática de um ovócito anucleado, ou
e a incidência aumenta com a idade1. mais raramente, fertilização di-espermática
As grávidas com antecedentes de mola hi- de um ovócito anucleado. A mola hidatifor-
datiforme têm um risco aumentado de re- me parcial é quase sempre triplóide, resul-
corrência (ver adiante) e estão descritas as- tante de uma fertilização di-espermática de
sociações ténues entre certas características um ovócito nucleado12,13.
dietéticas maternas e paternas e a incidência
aumentada de mola hidatiforme2. 2.3. APRESENTAÇÃO CLÍNICA
E DIAGNÓSTICO
2.2. HISTOLOGIA E GENÉTICA
A generalização relativamente recente do
O diagnóstico definitivo de mola hidati- uso da ecografia levou a um diagnóstico
forme baseia-se no exame histológico dos mais precoce da gravidez em geral e al-
produtos de concepção, havendo caracte- terou a forma de apresentação clínica da
rísticas que habitualmente distinguem as mola hidatiforme14,15. No segundo trimestre
duas formas da doença4. Em ambas existem a doença apresenta geralmente imagens
anomalias variáveis da arquitectura vilo- ecográficas características, com numerosos
sitária, com edema generalizado e hiper- focos intra-uterinos sonolucentes de for-
plasia difusa do trofoblasto, mas na mola mato oval, descritos como em «tempestade
hidatiforme parcial observam-se também de neve» (Fig. 1 A).
tecidos embriofetais, geralmente bem iden- Este achado, juntamente com uma relação
tificáveis, e as vilosidades coriónicas têm entre o diâmetro transverso e o ântero-pos-
um edema hidatiforme focal, cavitações e terior do saco gestacional superior a 1,5 e
inclusões trofoblásticas do estroma3,8. Por a presença de quistos ováricos bilaterais
vezes é necessário recorrer a exames imu- volumosos (Fig. 1 B) são muito específicos

A B

Figura 1. Imagem ecográfica de uma mola hidatiforme completa às 14 semanas de gestação (A) e um quisto ovárico
tecaluteínico (B). Imagens gentilmente cedidas pela Dra. Teresa Loureiro.

450 Capítulo 27
do diagnóstico de mola hidatiforme. No en- O doseamento sérico da hCG revela geral-
tanto, quando a avaliação é feita no primei- mente níveis anormalmente elevados para a
ro trimestre as alterações hidrópticas são idade gestacional sendo, em conjunto com

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geralmente ligeiras e o diagnóstico ecográ- a ecografia, um dos elementos mais impor-
fico é muito menos fiável, tendo uma sen- tantes para o diagnóstico.
sibilidade que não ultrapassa os 50%16-18 Em casos raros, a forma de apresentação é
sendo ainda menor nos casos de mola hi- a hemorragia genital persistente após um
datiforme parcial19. abortamento espontâneo ou após uma
Na maior parte dos casos detectados duran- gravidez, ou um sintoma relacionado com
te o primeiro trimestre, a suspeita ecográfi- a metastização pulmonar (dispneia, tosse,
ca estabelecida é a de gravidez inviável e o hemoptises ou dor torácica)2. A DGT deve
diagnóstico de mola hidatiforme é revelado ser sempre considerada no diagnóstico di-
apenas no exame histológico dos produtos ferencial de doentes em idade reprodutiva
de concepção. Esta é a principal razão para que exibam estas queixas20.
a necessidade do exame histológico siste-
mático em todos os produtos de concepção 2.4. ESVAZIAMENTO UTERINO
obtidos em mulheres com o diagnóstico de E CONTROLO PÓSOPERATÓRIO
gravidez inviável ou de abortamento espon-
tâneo2,20,21. Nos casos em que isto não é pos- As mulheres com uma suspeita clínica for-
sível recomenda-se a avaliação dos níveis de te de mola hidatiforme têm uma indicação
gonadotrofina coriónica humana - human imediata para o esvaziamento uterino cirúr-
chorionic gonadotropin (hCG) 3-4 semanas gico. Nas situações em que o diagnóstico é
após o abortamento, para detectar valores apenas estabelecido no exame histológico
anormalmente altos que necessitem de pos- dos produtos de concepção, deve ser reali-
terior vigilância2. zada uma nova ecografia, estando o esvazia-
O diagnóstico e tratamento mais precoces mento cirúrgico indicado nas situações em
alteraram também as características histo- que persiste uma quantidade moderada a
lógicas encontradas na mola hidatiforme abundante de conteúdo intra-uterino2.
completa, que se aproximaram das carac- O esvaziamento uterino deve ser preferen-
terísticas da mola hidatiforme parcial e das cialmente efectuado por aspiração, evitando-
alterações hidrópticas do abortamento15. se a utilização de curetas que estão associa-
A forma mais frequente de apresentação da das a maior risco de perfuração uterina2,21. A
doença é a hemorragia genital no primeiro utilização de prostaglandinas na preparação
trimestre da gravidez, mas muitas mulheres prévia do colo uterino está desaconselhada,
encontram-se assintomáticas na altura da pois causam contracções uterinas intensas
primeira ecografia de rotina. Os sintomas de que parecem aumentar o risco de emboliza-
hiperemese referidos frequentemente no ção celular através da corrente sanguínea3,21.
passado são actualmente raros, afectando Pelo mesmo motivo, a utilização de ocitocina
apenas cerca de 2% dos casos22. Também a deve, sempre que possível, ser reservada para
pré-eclampsia precoce e o hipertiroidismo a altura em que o esvaziamento se encontra
são hoje em dia situações de excepção15. completo21. Os protocolos de resolução mé-
A detecção ao exame físico de um útero dica da gravidez inviável não são adequados
anormalmente amolecido e aumentado de para o tratamento desta doença21,23,24.
tamanho, com tumefacções ováricas bilate- O esvaziamento uterino inicial remove ge-
rais volumosas é um achado característico, ralmente a maior parte do tumor e o res-
mas que actualmente contribui muito me- tante tecido involui. Nessas situações, assis-
nos para o diagnóstico definitivo. te-se a uma descida acentuada dos níveis

Doença gestacional do trofoblasto 451


séricos de hCG nos dias seguintes à cirurgia Por este motivo é essencial manter a vi-
e a ecografia revela uma cavidade uterina gilância regular dos níveis circulantes de
praticamente vazia. Por vezes, visualiza-se hCG após o esvaziamento uterino, até es-

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ainda uma quantidade moderada de mate- tes negativarem. Nalguns centros avaliam-
rial molar na ecografia de controlo. Nestes se apenas os níveis séricos de hCG ou da
casos, um segundo esvaziamento pode re- sua fracção β (βhCG), noutros avaliam-se
duzir a duração da hemorragia genital e o concomitantemente os níveis urinários de
risco de persistência. No entanto, se o ma- hCG2. Os intervalos de medição mais indica-
terial molar intra-uterino for escasso, a re- dos são os semanais ou quinzenais. Após os
petição do esvaziamento é desnecessária, valores de hCG negativarem, deve ser man-
mesmo que a hemorragia genital se mante- tida uma avaliação mensal (nalguns centros
nha ou os níveis de hCG sejam persistente- apenas urinária) durante seis meses a um
mente elevados25. ano2,28. Com esta estratégia é possível diag-
nosticar precocemente praticamente todos
2.5. EVOLUÇÃO E VIGILÂNCIA POSTERIOR os casos de mola hidatiforme que exibem
um comportamento maligno21,28.
A idade gestacional na altura do esvaziamen- Durante este período de vigilância é essen-
to não está relacionada com a evolução be- cial que a doente não volte a engravidar,
nigna ou maligna da doença, pelo que o ac- pela interferência que este factor teria na va-
tual diagnóstico mais precoce não alterou a lorização do hCG, sendo de recomendar uma
percentagem de casos que evolui para a ma- contracepção segura. Existe alguma evidên-
lignidade15,23,26. Esta última ocorre em cerca de cia de que os contraceptivos orais estropro-
15% dos casos de mola hidatiforme completa gestativos aumentam o risco de transforma-
e 0,5% dos casos de mola hidatiforme par- ção maligna da mola hidatiforme quanto os
cial27. As restantes características histológicas níveis de hCG ainda estão elevados29,30, pelo
não permitem prever a evolução futura. que muitos centros recomendam este mé-
A mola hidatiforme é considerada benigna todo apenas após a normalização dos níveis
quando, após o esvaziamento uterino, os hormonais2. Os outros métodos contracep-
níveis circulantes de hCG decrescem persis- tivos hormonais não parecem estar asso-
tentemente até atingirem valores normais ciados a maior risco de malignidade2. Em
em 8-12 semanas. Nas formas malignas os relação à contracepção estroprogestativa de
níveis circulantes de hCG sobem ou estabi- emergência, o possível aumento de risco de
lizam em valores anormais, na ausência de transformação maligna é claramente ultra-
uma nova gravidez (Quadro 1). passado pelos riscos de uma gravidez.

Quadro 1. Critérios para diagnóstico de malignidade após mola hidatiforme (FIGO)34

— Níveis estáveis de hCG em quatro avaliações consecutivas, efectuadas num período de três ou mais semanas.
— Subida dos níveis de hCG em três avaliações semanais consecutivas, efectuados num período de duas
ou mais semanas.
— Diagnóstico histológico de coriocarcinoma.

— Valores de hCG elevados durante um período superior a seis meses, mesmo que estejam ainda a decrescer

Não aplicável em doentes com níveis persistentemente baixos de hCG sem evidência clínica ou imagiológica da doença.
Nestes casos deve ser doseado o βhCG e os níveis urinários de hCG15.

452 Capítulo 27
3. NEOPLASIA GESTACIONAL mor é precedido por uma mola hidatiforme,
DO TROFOBLASTO em 25% por um abortamento, em 3% por
uma gravidez ectópica e em 22% por uma

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A NGT inclui todas as formas malignas da DGT, gestação de termo2. Um em cada 40 casos
que histologicamente se classificam como de mola hidatiforme diagnosticada histolo-
mola hidatiforme persistente, mola hidatifor- gicamente desenvolve um coriocarcinoma,
me invasiva, coriocarcinoma ou tumor trofo- estando a incidência global na gravidez es-
blástico do leito placentar. Este último tem timada em um em cada 20-40 mil casos (um
uma orientação clínica diferente dos restan- em cada 160 mil gestações de termo). Não é
tes, pelo que é considerado separadamente. claro se existem diferenças regionais na inci-
Os casos de NGT diagnosticados durante a vi- dência desta doença, mas está documentado
gilância pós-esvaziamento de uma mola hida- um maior risco na população negra2.
tiforme têm uma taxa de cura que se aproxima
dos 100%, existindo já séries com cerca de 500 3.1. ESTADIAMENTO E NÍVEIS DE RISCO
casos em que não ocorreu nenhuma morte31-
33
. Nas situações em que o diagnóstico é mais A estratégia terapêutica para a NGT é co-
tardio, a incidência de complicações e morbili- mum para a mola hidatiforme persistente,
dade é maior. A mortalidade da NGT diagnos- mola hidatiforme invasiva e coriocarcinoma,
ticada após um abortamento não molar é de baseando-se no estadiamento da doença
6%, enquanto que após um parto normal é de (Quadro 2) e na avaliação dos níveis de risco34
21%, sendo o principal factor que leva ao risco (Quadro 3). Ambos são realizados com recur-
aumentado o atraso no diagnóstico2. so à história clínica, exame físico, avaliação
A mola hidatiforme invasiva tem geralmente analítica (hematológica, hepática e renal),
características clínicas semelhantes às da mola doseamento de hCG, radiografia pulmonar,
hidatiforme completa, mas no exame histoló- ecografia abdomino-pélvica e TC cerebral.
gico documenta-se a invasão trofoblástica do A radiografia pulmonar é a forma mais utili-
miométrio, com necrose e hemorragia4. Num zada para diagnosticar e quantificar as me-
número restrito de casos existe já metastiza- tástases pulmonares, podendo a TC ser utili-
ção na altura do esvaziamento uterino. zada em alternativa, embora sem evidência
O coriocarcinoma caracteriza-se histologica- de que altere o prognóstico ou que tenha
mente pela ausência de vilosidades corióni- outros benefícios35. A TC abdominal pode ser
cas, visualizando-se um epitélio trofoblástico uma alternativa para a avaliação hepática e a
contínuo, constituído por citotrofoblasto e RM pélvica permite nalgumas doentes uma
sinciciotrofoblasto, com áreas de hemorragia melhor avaliação da extensão extra-uterina
e necrose, invadindo o músculo uterino e os do tumor36. A RM cerebral pode também
vasos sanguíneos4. Em 50% dos casos este tu- substituir a TC2.

Quadro 2. Estadiamento da neoplasia gestacional do trofoblasto (FIGO)34

Estádio I Doença limitada ao útero


Estádio II Doença que se estende para fora do útero, mas limitada aos órgãos genitais (anexos, vagina e
ligamento largo)
Estádio III Metástases pulmonares, com ou sem envolvimento dos órgãos genitais
Estádio IV Todos os outros locais metastáticos

Doença gestacional do trofoblasto 453


Quadro 3. Níveis de risco da neoplasia gestacional do trofoblasto (OMS e FIGO)34

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Score de risco

0 1 2 4

Idade < 40 ≥ 40 - -

Gravidez anterior Molar Abortamento Termo -

Intervalo entre gravidez e


<4 4-6 7-13 > 13
quimioterapia (meses)

hCG sérica pré-tratamento (UI/l) < 1.000 1.000-10.000 10.000-100.000 > 100.000

Tamanho maior do tumor


< 3 cm 3-5 cm ≥ 5 cm -
(incluindo o do útero)

Local das metástases Pulmão Baço, rim Gastrointestinal Fígado, cérebro

Número de metástases - 1-4 5-8 >8

Insucesso de quimioterapia prévia - - Monoterapia ≥ 2 fármacos

O estadiamento e a avaliação dos níveis de risco (estádio IV e/ou score de risco superior
risco são úteis para estabelecer o prognós- ou igual a 7) necessitam à partida de qui-
tico da doença e para determinar a proba- mioterapia combinada, por vezes associada
bilidade de resposta às diferentes formas à histerectomia e/ou radioterapia. Nestas, a
terapêuticas. Devido à actual monitorização sobrevivência ronda os 80-90%32.
intensa dos níveis de hCG após esvaziamen-
to uterino por mola hidatiforme, a grande 3.2. QUIMIOTERAPIA
maioria das mulheres são consideradas de
baixo risco37 (estádios I, II e III, com score de Todas as doentes com o diagnóstico de NGT
risco < 7). Estas doentes habitualmente ape- têm, em princípio, indicação para quimiotera-
nas necessitam de quimioterapia com agen- pia (Quadro 4), que poderá ser com um agente
te único e têm uma sobrevivência que se único ou combinada (poliquimioterapia), de
aproxima dos 100%31-33. As doentes de alto acordo com o estadiamento e o nível de risco.

Quadro 4. Indicações para quimioterapia na doença gestacional do trofoblasto

— Níveis crescentes ou estáveis de hCG (Quadro 1)


— Níveis de hCG superiores a 20.000 IU/l após ter passado um mês do esvaziamento uterino (risco aumen-
tado de perfuração uterina)
— Evidência histológica de coriocarcinoma ou de mola hidatiforme invasiva
— Evidência de metástases cerebrais, hepáticas, gastrointestinais ou opacidades radiológicas pulmonares > 2 cm
— Metástases vulvares, pulmonares ou vaginais
— Hemorragia vaginal abundante ou evidência de hemorragia gastrointestinal ou intraperitoneal

454 Capítulo 27
As doentes de baixo risco (estádios I, II ocorre a níveis de hCG mais altos, passa a
e II, com score de risco < 7) têm indica- existir uma indicação para quimioterapia
ção para quimioterapia com agente úni- combinada, mantendo-se a taxa de cura

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co, efectuada geralmente em intervalos perto dos 100%41.
quinzenais até os níveis circulantes de A quimioterapia combinada está indicada
hCG negativarem2,21. Estão descritos vá- ab initio nas doentes de alto risco (estádio
rios esquemas terapêuticos envolvendo IV e/ou score de risco superior ou igual a 7)
metotrexato, com ou sem ácido folínico, e naquelas que desenvolvem resistência à
e/ou actinomicina D 38. Embora os esque- quimioterapia com agente único e níveis
mas com metotrexato continuem a ser de hCG superiores a 300 UI/l. O protoco-
os mais utilizados, existe alguma evidên- lo mais utilizado é o EMA-CO (etoposido,
cia recente de que a taxa de cura poderá metotrexato e actinomicina D alternan-
ser superior com os esquemas pulsados do com ciclofosfamida e vincristina) com
de actinomicina D (RR 3,00; IC 95% 1,10 periodicidade semanal2. A quimioterapia
a 8,17, n = 392), sem aumentar os efeitos combinada tem maior incidência de efei-
secundários 39. Por outro lado, não parece tos laterais e parece causar uma antecipa-
haver benefício significativo com os es- ção da menopausa em cerca de três anos42.
quemas de metotrexato que ultrapassam Está também associada a um risco de ou-
os cinco dias, nem com os que adicionam tras neoplasias cerca de 1,5 vezes superior
ácido folínico 39. A combinação ab initio de ao da população geral43.
metotrexato com actinomicina D resulta A resposta ao tratamento é avaliada pelo
num aumento significativo da toxicidade doseamento sérico de hCG, a realizar se-
sem alterar a taxa de cura 39. Apenas cer- manalmente ou quinzenalmente, devendo
ca de 2% das doentes tratadas com me- a quimioterapia ser mantida até os valo-
totrexato referem efeitos colaterais, mais res negativarem durante pelo menos seis
frequentemente úlceras da cavidade oral semanas2. Após este período a vigilância
e dor ocular 2. A actinomicina D pode cau- quinzenal de hCG deve ser mantida du-
sar queda de cabelo, mielossupressão, rante cerca de três meses, a partir do qual
náuseas e úlceras orais2. A incidência de poderá passar a mensal2. Não é ainda claro
complicações que necessitam de avalia- o tempo que deve durar a vigilância dos ní-
ção em regime de internamento (dor to- veis de hCG e alguns centros mantêm dose-
rácica, hemorragia genital) é muito baixa, amentos com periodicidades variadas du-
pelo que é aceitável que o primeiro ciclo rante toda a vida. As recorrências ocorrem
de tratamento decorra em regime de am- em cerca de 3% dos casos, sendo a grande
bulatório 40. maioria destas situações no primeiro ano
Cerca de um terço das doentes em quimio- após tratamento44.
terapia com agente único necessitam de A quimioterapia não causa infertilidade,
uma mudança do agente, geralmente por pelo que é essencial a contracepção efi-
resistência ao medicamento, mas por vezes caz durante os 12 meses que se seguem
também por toxicidade grave41. Níveis séri- ao tratamento. Não se conhece qualquer
cos de hCG superiores a 500 UI/l sete sema- efeito da utilização de contraceptivos orais
nas após o início do tratamento, têm uma estroprogestativos nas taxas de recorrên-
elevada capacidade de prever a resistência cia. Outro aspecto que é necessário ter
do tumor ao tratamento15. Quando se de- em conta são os problemas sexuais que
senvolve resistência ao tratamento com ní- podem ocorrer após a quimioterapia, in-
veis muito baixos de hCG (< 300 UI/l) é lícito cluindo a dispareunia, secura vaginal e a
utilizar outro agente único2. Se a resistência diminuição da líbido45.

Doença gestacional do trofoblasto 455


3.3. CIRURGIA derada como alternativa nos casos de doen-
ça não metastática, com um útero pequeno
A histerectomia pode ser considerada em e níveis baixos de hCG46, mas não permite

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mulheres com mola hidatiforme que não pesquisar a existência de metástases ocultas
desejem ter mais filhos, mas como o prog- no andar superior do abdómen. A histerec-
nóstico da doença após terapêutica médica tomia vaginal assistida por laparoscopia é
é extremamente favorável e como a morbi- outra alternativa com vantagens conhecidas
lidade associada à operação não é despre- na recuperação pós-operatória.
zível, esta alternativa necessita de ser trans- Em casos seleccionados podem estar indica-
mitida com equilíbrio. A idade da doente das outras cirurgias. Entre estas contam-se a
é talvez o aspecto mais determinante. Nas exérese de metástases hepáticas e pulmona-
mulheres com mola hidatiforme diagnos- res isoladas e a exérese de metástases geni-
ticada após os 35 anos, aquelas que efec- tais sangrantes.
tuaram histerectomia têm uma incidência
de NGT cerca de três vezes inferior às que 3.4. RADIOTERAPIA
realizaram apenas esvaziamento uterino46.
Também a duração e a dose total da qui- A radioterapia tem actualmente um papel
mioterapia nas doentes de baixo risco é li- muito mais limitado no tratamento da NGT
geiramente menor após histerectomia (em do que acontecia no passado, estando ger-
média menos uma semana)46. almente indicada apenas em doentes com
Quando existe um diagnóstico de NGT as metástases cerebrais2,47. A forma terapêutica
indicações para histerectomia são mais mais utilizada é a irradiação total do cére-
consensuais (Quadro 5). Alguns centros pro- bro com doses que oscilam entre os 2.200-
põem a realização desta cirurgia durante 4.000 cGy em 10-20 fracções iguais, com
um dos primeiros ciclos de quimioterapia, campos mais reduzidos em doentes selecci-
como forma de reduzir o potencial risco de onadas47. As doentes cujas metástases cere-
metastização devido à manipulação dos te- brais são diagnosticadas na altura do estadi-
cidos46. Esta opção não parece aumentar a amento primário têm uma sobrevivência de
morbilidade cirúrgica mas também não é 50-75%, após poliquimioterapia e radiotera-
ainda totalmente claro se traz vantagens. A pia. Estes valores variam com a extensão da
anexectomia sistemática não está indicada doença extracraniana e a existência de sinto-
no tratamento desta doença, dado que a matologia associada às metástases cerebrais.
metastização ovárica é rara e os tumores não As doentes com pior prognóstico são as que
são hormonodependentes. A histerectomia desenvolvem metástases cerebrais na al-
abdominal é a mais utilizada no contexto da tura de uma recorrência (sobrevivência que
NGT. A histerectomia vaginal pode ser consi- ronda os 38%) e aquelas que desenvolvem

Quadro 5. Indicações para histerectomia na neoplasia gestacional trofoblástica

— Mulheres com doença não metastática e que não desejem ter mais filhos.
— Resistência à quimioterapia primária na doença não-metastática ou na doença metastática de baixo risco.
— Doença metastática de alto risco com pequeno volume tumoral extra-uterino (indicação individualizada).
— Hemorragia vaginal abundante e/ou perfuração uterina.
— Tumor trofoblástico do leito placentar (ver adiante).

456 Capítulo 27
metástases cerebrais durante a quimiotera- 5. GRAVIDEZ APÓS DOENÇA
pia (sobrevivência que ronda os 0%)47. GESTACIONAL DO TROFOBLASTO

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É essencial que as doentes com o diagnósti-
4. TUMOR TROFOBLÁSTICO co de mola hidatiforme não voltem a engra-
DO LEITO PLACENTAR vidar durante pelo menos seis meses após
a negativação dos níveis de hCG2. As que
Esta é uma forma muito rara de NGT, tendo foram submetidas a quimioterapia deverão
como origem o local de inserção placentar, aguardar pelo menos um ano. Mais de 98%
e que se caracteriza histologicamente pela das mulheres que engravidam mais tarde,
presença de células trofoblásticas intermé- após um diagnóstico de mola hidatiforme,
dias com grande capacidade de invasão têm uma gravidez de evolução normal e sem
miometrial e vascular4. riscos acrescidos7,51,52. Cerca de 2% volta a ter
Ao contrário das outras formas de NTG, a um novo episódio de mola hidatiforme, per-
produção de hCG é relativamente baixa e as centagem que aumenta para 10% após um
células sintetizam frequentemente também segundo diagnóstico7.
a hormona lactogénea placentar. A forma de Por vezes, existe uma reactivação da mola hi-
apresentação mais comum é a hemorragia datiforme após uma gravidez subsequente,
genital que persiste após o parto, com níveis mesmo quando esta ocorre vários anos mais
baixos mas estáveis de hCG. Alguns estudos tarde. Por esta razão, é aconselhável dosear a
sugerem que uma percentagem de BhCG hCG entre seis a dez semanas após o término
superior a 30% da hCG total é um achado de todas as gravidezes futuras.
muito sugestivo deste diagnóstico48.
Este tumor é geralmente resistente à qui-
mioterapia convencional com agente único 6. REGISTO CENTRAL DA NEOPLASIA
(metotrexato ou actinomicina D), pelo que a GESTACIONAL DO TROFOBLASTO
terapêutica mais recomendada é a histerec-
tomia total associada à poliquimioterapia4. A centralização do tratamento da NGT é
Nos tumores limitados ao útero a histerec- uma realidade em muitos países desenvol-
tomia está claramente indicada ab initio49, vidos, tendo esta organização contribuído
sendo curativa em cerca de 70% dos casos. para um aumento importante dos conhe-
Existe alguma evidência de que a poliqui- cimentos existentes sobre a doença. Existe
mioterapia pode ser reservada para as doen- actualmente um consenso alargado de que
tes com metástases ou que não respondam o tratamento da NTG deve ser centralizado
à histerectomia, sem afectar negativamente num número limitado de centros de referên-
a sobrevivência50. Se a metastização for mui- cia e de que é importante criar uma base de
to generalizada a utilidade da histerectomia dados nacional única para congregar todos
parece ser mais questionável50. Alguns cen- os casos diagnosticados4.
tros consideram a possibilidade de ressecção
miometrial localizada em casos específicos
quando é manifestada uma forte vontade Bibliografia
de ter mais filhos50. 1. Altman AD, Bentley B, Murray S, Bentley JR. Maternal
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Doença gestacional do trofoblasto 457


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Doença gestacional do trofoblasto 459


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Índice remissivo

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A B
Abcesso tubo-ovárico 158, 159, 163, 164, Bacterioides Fragilis 188, 195
189, 191 Beta-HCG 173, 423, 425, 427, 428, 429, 436,
Ablação dos nervos uterinos 172 438, 452, 457
Abordagem biopsicossocial 62, 126 Bisfosfonatos 301, 302, 312
Acidente cerebrovascular 307, 313 alendronato 301, 302
Acupunctura 172 ibandronato 301, 302
Adenomiose 139, 153, 171, 172, 180, 269, 275, risedronato 301, 302
279, 280, 332, 380, 399 zolendronato 301, 302
Agonistas da GNRH 154, 172, 182, 184, 290,
377 C
AINE (anti-inflamatórios não esteroides) 156, Cálcio 54, 55, 300, 302, 303, 313
172, 173, 179, 180, 183 Calcitonina 302
Algia (ver dor) 150, 151, 155, 167, 173, Canais de Müller 30, 32, 33, 34, 35, 36,
178, 179 109, 110, 111, 112, 113, 114, 116, 379,
Alodinia 167, 168, 169 391
Amenorreias 245 Canais de Wolff 30, 32, 33, 35, 111, 112,
abordagem clínica 245 113, 116
Anamnese 81, 84, 153, 169, 172 Cancro da trompa de Falópio 443
identificação 82 histopatologia 443
motivo da consulta 84 diagnóstico 444
ciclo genital 84 estadiamento 444
história sexual 87 tratamento 445
antecedentes obstétricos 87 prognóstico 447
antecedentes pessoais 88 Cancro da vagina 361
antecedentes familiares 89 Cancro da vulva 339, 340, 347, 348, 349
história da doença 89 epidemiologia 340
Anatomia cirúrgica 3 vias de disseminação 340
Anti-inflamatórios não esteroides 143, 156, 179 avaliação clínica 344
Antinociceptivo 168 diagnóstico 344
Apendicite 151, 164, 170, 178, 179, 189, 190 estadiamento 344
Aromaterapia 172 factores de prognóstico 345
Aterosclerose 304 tratamento 347

461
Cancro do colo do útero 215, 216, 217, 320, radioterapia 408
323, 361 Candidose 202, 204, 205, 206, 207
HPV 353, 354, 355, 357, 359, 360 Carcinoma de células pequenas do tipo

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diagnóstico 353, 354, 355, 357, 359, 360 hipercalcémico 431, 416, 432
estadiamento 354, 355, 356, 357, 362 Carcinoma de pequenas células do tipo
citologia aspirativa 356 pulmonar 431, 432
laparoscopia de estadiamento 356 Carcinoma embrionário 424, 425, 427, 428,
tratamento 355, 356, 357, 358, 359, 360, 431, 438
361, 362 Carcinoma hepatoide 431, 432, 433
carcinoma microinvasor 357 Carcinoma indiferenciado de não-pequenas
carcinoma IB2 e IIA 357 células do tipo neuroendócrino 432
histerectomia radical 357, 358, 359, 361, 362 Carcinoma neuroendócrino de grandes
tratamento adjuvante 359 células 432
carcinoma IIB a IVA 356, 359 Cistadenoma mucinoso 158, 160
vigilância após tratamento 359 Cistadenoma seroso 158, 160
tratamento da recorrência 360 Cistite intersticial 171, 182
Cancro do colo uterino e gravidez 344 Chlamydia Trachomatis 185, 186, 187, 188,
Cancro do endométrio 140, 143, 264, 275, 309, 190, 192, 193, 195, 258, 260, 333
310, 326, 335, 365, 368, 369, 373, 374, Classificação da FIGO 344, 373, 383, 399, 401
391, 397 cancro do ovário 391, 393, 394, 395, 396,
etiopatogenia 365 397, 399, 400, 402, 403, 404, 405, 406, 407,
prevenção 366 408, 409, 410
histopatologia 367 Classificação dos contraceptivos hormonais 266
diagnóstico 368 Classificação TNM
estadiamento 368 cancro do ovário 344, 345, 405, 462
factores de prognóstico 372 Climatério 40, 83, 295, 296, 297, 305, 306,
tratamento cirúrgico 373 Colposcópio 91, 97, 101, 199, 212
radioterapia 374 Contracepção intra uterina 271
tratamento médico adjuvante 376 Contracepção intra uterina contra indicações 272
tratamento das recorrências 376 Contracepção intra uterina mecanismo de
seguimento 377 acção 271
Cancro do ovário 159, 264, 311, 329, 330, Contracepção masculina 273
336, 391, 393, 394, 395, 396, 399, 400, Contracepção de urgência 274
402, 403, 404, 405, 406, 407, 408, 409, Contracepção hormonal 260
410, 445 Contracepção hormonal, doenças
epidemiologia 391, 394 cardiovasculares e fenómenos
etiopatogenia 395 tromboembólicos 263
rastreio 396 Contracepção hormonal e cancro 265
histopatologia 396 Contracepção hormonal e cancro do colo 265
diagnóstico e estadiamento 399 Contracepção hormonal e cancro do
factores de prognóstico e preditivos 400 endométrio 264
tratamento cirúrgico 402 Contracepção hormonal e cancro do ovário 264
tratamento médico 404 Contracepção hormonal e metabolismo 262

462 Capítulo 23
Contracepção hormonal e metabolismo Dispareunia 87, 90, 120, 123, 124, 132, 133,
hidratos de carbono 262 134, 158, 161, 169, 173, 177, 178, 181,
Contracepção hormonal e metabolismo 182, 189, 202, 204, 283, 288, 297, 298,

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lipidico 263 455
Contracepção hormonal e tensão Dispositivo com progestativo 271, 273
arterial 264 Dispositivo intra-uterino com
Contracepção hormonal progestativa 267 levonorgestrel 138, 143, 155, 257
Contracepção na adolescente 275 Disquesia 169, 177
Contracepção na mulher diabética 275 Disúria 169, 178, 182, 189, 283, 299, 361
Contracepção na peri menopausa 275 DIU 95, 97, 103, 138, 171, 172, 180, 187, 188,
Contraceptivos orais 138, 172, 186, 187, 207, 189, 193, 207, 257, 269, 271, 272, 273, 274,
217, 257, 261, 263, 264, 265, 266, 328, 366, 275, 276
452, 455 Doença cardiovascular 237, 263, 297, 303,
no cancro do ovário 393, 394 304, 305, 307, 312, 331
Coriocarcinoma 159, 235, 424, 425, 427, 428, Doença de Alzheimer 298, 307
430, 431, 432, 437, 438, 449, 452, 453, 454 Doença gestacional do trofoblasto 449, 454, 457
Corpo amarelo 45, 46, 47, 49, 51, 136, 158, Doença inflamatória pélvica 149, 151, 170,
159, 177, 190 173, 181, 185, 269, 273, 284, 332, 354,
Corrimentos genitais 89, 90 358, 359
Corrimentos vaginais 140 epidemiologia 185
etiopatogenia 188
D sintomas 189
Danazol 143, 155, 289, 290 sinais 189
Degenerescência 42, 116, 149, 150, 151, 170, diagnóstico 190
178, 190, 290, 292, 431 laboratório 190
Densidade mineral óssea 154, 301, 303, 312 imagiologia 190
Direcção Geral de Saúde 67, 70, 167, 168, 169, tratamento 191
184, 333, 335, 336 prevenção 192
Disestesia 167, 168 Doença tromboembólica 306, 307,313
Disfunção sexual 299 Dor
Disfunção sexual na mulher 119 aguda 169, 178, 182
desejo sexual hipoactivo 120 cíclica 179, 246
aversão sexual 121 crónica 169, 170, 172, 173, 182, 183, 184
disfunção da excitação 121 pélvica 140, 151, 154, 158, 161, 167, 169,
disfunção do orgasmo 122 170, 171, 172, 173, 174, 175, 175, 176, 177,
dispareunia 123 178, 179, 180, 181, 183, 189, 194, 354, 361,
vaginismo 123 369, 382, 423, 444
dor sexual não coital 124 somática 167
Disgerminoma 423, 424, 425, 426, 427, 428, visceral 167
430, 431, 439, 440
Dismenorreia E
primária 170, 180 Ecógrafo 98
secundária 161, 170, 177, 180, 181 Edema maciço do ovário 433

Sarcomas uterinos 463


Efeitos benéficos de contracepção F
hormonal 261, 270 Fecundação 29, 39, 43, 44, 45, 46, 47, 50, 51,
Embolização 155, 156, 182, 252, 451 52, 53, 54, 55, 56, 271, 287

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Embriogénese da vagina 35, 113, 116 Fibroma 147, 158, 161, 162, 413, 414, 416,
Embriologia 29, 31, 33, 34, 35, 36, 113, 117 421
Endometrioma 157, 158, 159, 161, 162, 163, Fibromialgia 183
177, 279, 280, 283, 284, 285, 286, 288, 289, Fitoestrogénios 235, 311, 312
290, 291, 292, 293 Fluoxetina 306
Endometriose 157, 161, 167, 170, 171, 177, Foliculogénese 30, 31, 32, 40, 41, 42, 45, 229,
180, 181, 190, 246, 270, 277, 278, 279, 251, 287
280, 281, 282, 283, 284, 285, 286, 287, FSH 40, 41, 42, 43, 45, 46, 48, 49, 137, 154, 181,
288, 289, 290, 291, 292, 307, 332, 354, 229, 232, 234, 236, 237, 239, 240, 245, 246,
380, 397, 399 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253, 255,
etiopatogenia 277 266, 273, 289, 296, 297, 314
histopatologia 279
história natural 281 G
diagnóstico 282 Gabapentina 306
estadiamento 285 Gestrinona 155, 261, 262, 289, 290
infertilidade 285 Ginandroblastoma 414, 421
terapêutica 287 Grau tumoral
técnicas de PMA 291 cancro do ovário 398
Endorfina 298, 302 Gravidez após doença gestacional do
Escala analgésica 173 trofoblasto 457
Escalas de avaliação da dor 168
Estadiamento cirúrgico 344, 354, 356, 357, H
371, 373, 374, 375, 387 Hemorragia intraquística 159, 170, 177
no cancro do ovário 399, 402 Hemorragias
Esterilização feminina 273 disfuncionais 135, 140, 141, 144, 365, 382
Esterilização masculina 274 uterinas anormais 135, 140, 141, 144, 365,
Esteroidogénese 39, 40, 41, 45, 47, 48, 382
236, 289 Hérnia 170, 171, 183, 240
Estroprogestativos 143, 153, 182, 262, 263, Hereditariedade 217, 330, 366
264, 265, 266, 268, 270, 274, 275, 276, 280, no cancro do ovário 393
288, 289, 290, 327, 452, 455 Hidrossalpinge 158, 163, 164, 194
Estruturas mullerianas 240 Hiperalgesia 167, 168
embriologia 32 Hiperprolactinémia 234, 249, 250, 254
Esvaziamento uterino 451, 452, 453, 454, 456 Hipoalgesia 167
Exame clínico em ginecologia 90, 100 Histerectomia 129, 139, 143, 151, 157, 180,
Exame ginecológico 68, 83, 87, 90, 98, 99, 100, 181, 182, 219, 290, 291, 296, 331, 357, 358,
103, 141, 142, 147, 153, 157, 160, 163, 181, 359, 360, 361, 362, 367, 373, 374, 386, 400,
189, 270, 283, 325, 329, 331, 332, 333, 344, 402, 404, 444, 446, 454, 456, 457
355, 396, 399, 444 Histeroscópio 98

464 Capítulo 23
I Medroxiprogesterona 182, 247, 262, 268, 289,
Indice de Pearl 257 309, 376, 387
Infecções vulvovaginais 209 Menopausa 10, 40, 83, 93, 101, 102, 121,

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Infertilidade e terapêutica médica 122, 125, 127, 128, 130, 133, 134, 135,
no cancro do ovário 394 151, 161, 245, 250, 275, 282, 295, 296,
Infiltração leucémica do ovário 434 297, 298, 299, 300, 304, 305, 306, 309,
Instrumentos ginecológicos 90 310, 311, 313, 326, 328, 329, 330, 331,
fontes de luz 90 366, 393, 395, 418, 455
espéculos vaginais 91 menopausa cirúrgica 396, 311
material para colheita cervico-vaginal 93 menopausa espontânea 296
pinças do colo uterino 95 menopausa precoce 296, 300
sondas uterinas (histerómetros) 96 perimenopausa ou climatério 295
instrumentos de colheita endometrial 96 pós-menopausa 295, 297, 299, 301, 302,
instrumentos ópticos 97 303, 304, 306, 311, 313
International Pelvic Pain Society 169, 174, 175, 176 pré-menopausa 295, 297
Isótopos radioactivos no cancro fisiologia 295, 296
do ovário 410 clínica 297
atrofia urogenital 297, 307, 308
L dificuldades cognitivas 298
Laparoscopia 159, 164, 169, 172, 177, 178, incontinência urinária 297, 299
179, 180, 181, 182, 189, 191, 192, 194, 273, pele-sintomas vasomotores 298, 306, 307,
274, 277, 284, 285, 287, 290, 355, 356, 374, 312
399, 456 Menorragias 137, 138, 140, 144, 269, 270, 271,
Leiomioma intramural 148, 153 272, 275
Leiomioma submucoso 148, 150, 151 Métodos barreira Diafragma 258
Leiomioma subseroso 148, 149 Metodos naturais 257, 258
Lesões pseudotumorais do ovário 433 Metrorragias 144, 157, 189, 313, 329, 365, 369,
Linfomas do ovário 434 372, 382, 435, 444, 447
Lombalgia 171, 183 na adolescência 144
Luteoma 159, 414, 421, 422, 433, 440 na pós-menopausa 144
Luteoma do estroma 421, 422 Mioma 139, 141, 147, 148, 149, 150, 151, 152,
153, 154, 155, 156, 157, 164, 170 ,178, 272,
M 307, 332, 369, 403
Malformações do aparelho genital Mittelschmerz 170, 179
feminino 109 Mola hidatiforme 159, 432, 449, 450, 451, 452,
classificação 109 453, 454, 456, 457
aplasia 110 Mola hidatiforme completa 449, 450, 451,
hemiúteros 113 452, 453
útero septado e comunicante 115 Mola hidatiforme invasiva 449, 453, 454
Massagem 172 Mola hidatiforme parcial 449, 450, 451, 452
Medicinas alternativas e Mola hidatiforme persistente 453
complementares 170, 172 Mycobaterium Tuberculosis 185, 193

Sarcomas uterinos 465


N anatomia 3
Neisseria Gonorrhoeae 185, 186, 188, 192, 258 embriologia 29
Neoplasia gestacional do trofoblasto 449, 453, fisiologia 39

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454 , 457 Ovogénese 39, 41, 45
Neoplasia intra-epitelial da vagina 221 Ovulação 31, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 50,
Neoplasia intra-epitelial da vulva 219 51, 52, 136, 137, 140, 158, 179, 180, 181,
Neoplasia intra-epitelial do colo 231, 254, 258, 261, 266, 268, 269, 330, 395
do útero 217
Neoplasias ováricas linfóides e P
hematopoiéticas 434 Papilomavírus 215
Nervo Paridade 393, 394, 395
femural 182 no cancro do ovário 393
genito-femural 182 Paroxetina 306
ilio-hipogástrico 171, 182 Pavimento pélvico 21, 22, 182
ilio-inguinal 182 Pielonefrite 170, 178
pudendo 182 Pílula 261, 263, 264, 265, 266, 267, 270, 274,
Neurectomia pré-sagrada 172 275, 288, 289, 326, 328, 329, 331, 366, 395
Neurogénico 184 Pontos dolorosos 172, 183
Neurónios 167, 228, 229, 233, 239 Preservativo feminino 259, 260
A delta 167 Preservativo masculino 260, 273, 321
C 167 Prevenção do cancro ginecológico 319
Nociceptivo 167, 168 prevenção do cancro do colo do útero 320,
323
O prevenção do cancro do endométrio 326,
Obesidade 148, 227, 253, 264, 276, 304, 310, 326, 335
330, 365, 366, 369, 373, 374, 382, 393, 395 prevenção do cancro do ovário 329, 330,
no cancro do ovário 395 336
OMS (Organização Mundial de Saúde) 62, 139, Prostaglandinas 46, 51, 136, 137, 180, 271,
170, 173, 193, 245, 250, 269, 299, 301, 303, 283, 303, 451
379, 380, 413, 414, 418, 421, 424, 432, 433, Psicogénico 184, 253
454 Puberdade anormal 231
Osteoporose 52, 252, 290, 297, 299, 300, 301, idade óssea / maturidade esquelética 232,
302, 303, 307, 312 233, 234, 236, 237, 238, 239
classificação 301 teste de estimulação com GnRH 232
factores de risco 300, 301, 304, 310, 313 Puberdade Precoce 231
fracturas osteoporóticas 300, 301, 302 definição 231
osteoblastos 299 exames complementares
osteoclastos 299, 300,301, 302 de diagnóstico 232
terapêuticas 296, 299, 302, 306, 309, 311 Puberdade Precoce Central 232, 233, 237
Outros tumores primitivos raros idiopática 232, 233, 234, 239
do ovário 396, 413, 417, 423, 431, 432, 435, 436 lesão do Sistema Nervoso Central 232
Ovário 147, 153, 154, 155, 157, 158, 159, 160, terapêutica 233
161, 162, 163, 164 leuprolide / histrelina 234, 242, 243

466 Capítulo 23
Puberdade Precoce Periférica 234, 236 leptina 228, 239
sindroma de McCune-Albright 234, gonadotrofinas, LH, FSH 228, 229, 231,
235, 243 232, 233, 234, 235, 236, 237, 238, 239,

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tumores 231, 233, 235, 236, 238, 240 240, 242
hiperplasia supra-renal massa adiposa e maturação
congénita - 21- hidroxilase 235 pubertária 228
disruptores endócrinos 235 aspectos clínicos 229
síndrome de van Wyk-Grumbach / desenvolvimento pubertal / sequência
hipotiroidismo primário 235, 236 de eventos 234, 241
terapêutica 236 crescimento somático / taxa de
etiológica / inibidores aromatase / crescimento em altura 230, 234
tamoxifeno / fulvestranto 236 maturação dos caracteres sexuais /
Variantes benignas – Puberdade Precoce maturação sexual 230, 233, 238
Incompleta 232, 236 Estádios de Tanner 227, 230, 237
telarca prematura 232, 236 desenvolvimento mamário 230, 231,
adrenarca prematura 227, 232, 236, 237 234, 236, 237, 238, 240
menarca prematura 232, 236, 237 pilosidade púbica 230, 235, 236
Puberdade Retardada 238, 241 menarca 227, 228, 229, 230, 231, 232,
definição 238 234, 236, 237, 238, 239
constitucional 238 anovulação / hemorragia uterina
hipogonadismo hipogonadotrófico disfuncional / SOP 231
- deficiência isolada de classificação 232
gonadotrofinas 238, 239
-hipogonadismo hipergonadotrófico Q
– Síndrome de Turner / Síndrome de Quimioterapia intraperitoneal 407, 408
insensibilidade completa aos Quisto anexial 190
androgénios / disgenésia gonadal XY 238, Quisto corpo amarelo 159, 177
240, 241, 243 Quisto dermóide 158, 160, 424, 430
terapêutica 241 Quisto do paraovárico 158, 164
etiológica, substituição hormonal 241 Quisto folicular 158, 159, 235
Puberdade 227 Quisto funcional 157, 158
definição 227 Quisto teca-luteínico 159
idade fisiológica 227
regulação neuroendócrina / mecanismos R
subjacentes / alterações fisiológicas 229 Raça
adrenarca - glândulas supra-renais, DHEA, no cancro do ovário 395
DHEA-S,ACTH 227, 228, 232, 235, 236, Radioterapia no cancro avançado
237, 239 do ovário 409
gonadarca 227, 228 Radioterapia no cancro inicial
regulação de GnRH / pulso de GnRH 229 do ovário 409
mecanismos de activação HH 229, 232 Raloxifeno 154, 312
peptido Kisspeptina/gene Gpr-54 228, Ranelato de estrôncio 303
229 Rastreio do cancro ginecológico 319

Sarcomas uterinos 467


rastreio do cancro do colo do útero 320 Tecoma 158, 161, 414, 416, 417, 440
rastreio do cancro do endométrio 326 Terapêutica Hormonal
rastreio do cancro do ovário 329 de Substituição 129, 135, 369, 394

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Relação Médico-Doente 63 dose de administração 302, 303, 306, 308,
em Ginecologia 67 309, 310
na doença oncológica 69 efeitos secundários 309
em fim de vida 69 hormonas esteróides 295, 304, 307, 310
competências de comunicação 72 indicações e contra-indicações 306, 307
Rotura de quisto do ovário 164, 177 vias de administração 308
regimes terapêuticos 308, 310
S risco oncológico 309
Sarcomas uterinos 379, 381, 382, 383, 385, Terapêutica hormonal de substituição
386, 387, 388, 389 no cancro do ovário 394
histogénese 379 Terapia sexual 130, 134
histopatologia 396 Teratoma maduro 158, 160, 423, 424, 425, 426,
epidemiologia 382 428, 429, 430
perfil clínico 382 Teratomas 177, 428
diagnóstico 383 Teratomas imaturos 424, 428, 429, 430, 437
estadiamento 383 Teratomas monodérmicos 428, 430
avaliação pré-tratamento 383 Teriparatide 303
prognóstico 383 Teste de Carnett 183
recorrências 385 Teste progestativo 247, 248
tratamento 386 Tibolona 313
tratamento das recidivas 387 Torção anexial 170, 177
protocolo de seguimento 388 Tratamento dos tumores de células
Semiologia ginecológica 81 germinativas 436
SERMs – moduladores selectivos dos Tratamento dos tumores dos cordões sexuais/
receptores de estrogénios 312 estroma ovárico 439
Síndrome de Fitz-Hugh-Curtis 189 Tratamento médico do carcinoma avançado
Síndrome do ovário 405
cólon irritável 170, 171, 181, 182, 183 Tratamento médico do carcinoma inicial
congestão pélvica 171, 181 do ovário 404
hiperestimulação ovárica 170, 177 Tricomoníase 207
miofascial 167, 182 Trigger points ou pontos gatilho 167, 172,
ovário remanescente 171, 181 176, 182, 183
ovário residual 171, 181 TSH 237, 238, 239, 246, 247, 249, 250, 253
uretral 171, 182 Tuba uterina (Trompa de Falópio) 3, 4, 5, 6, 7,
Síndromes bacterióticas vaginais 209 8, 9, 18, 19, 20, 52, 443, 445
Struma ovarii 158, 161, 424, 430 anatomia 3
Tuberculose genital 193, 194, 284
T epidemiologia 193
Talco clínica 193
no cancro do ovário 394, 395 diagnóstico 194

468 Capítulo 23
imagiologia 190 Tumores dos cordões sexuais 413, 414, 416,
tratamento 191 420, 439, 440
Tumor de Brenner 158, 160 Tumores dos cordões sexuais com túbulos

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Tumor de células de Sertoli/estroma 414, 419 anulares 414, 420
Tumor do seio endodérmico 416, 419, 424, Tumores dos cordões sexuais/estroma mistos
425, 426, 427, 430, 431, 433 ou de tipos celulares não classificados 414,
Tumor estromal de células em anel 420
de sinete 414, 417 Tumores dos cordões sexuais/estroma não
Tumor estromal esclerosante 414, 417 classificados 414, 421
Tumor trofoblástico do leito placentar 449, Tumores endometrioides 330, 372, 374, 375,
453 391, 397
Tumores malignos da vulva menos cancro do ovário 397
frequentes 350 Tumores malignos mistos de células
melanoma maligno 350 germinativas 427, 430
carcinoma verrucoso 350 Tumores mistos de células germinativas e dos
doença de Paget da vulva 350 cordões sexuais/estroma 430
adenocarcinoma da vulva 350 Tumores mucinosos 391, 397, 398, 403, 433,
carcinoma basocelular 350 436, 446
sarcoma vulvar 350 cancro do ovário 397
Tumores borderline do ovário 398 Tumores ováricos metastáticos 434
Tumores de células claras Tumores raros do ovário 413
-cancro do ovário 397, 398 Tumores serosos 391, 397, 398, 402
Tumores de células da granulosa 415 cancro do ovário 398
Tumores de células da granulosa juvenil 416
Tumores de células da granulosa U
no adulto 415 Útero-anatomia 9
Tumores de células de Leydig 414, 422
Tumores de células de Sertoli 418, 419, 420 V
Tumores de células de Sertoli-Leydig 418, 419, Vagina
439 anatomia 21
Tumores de células esteróides 414, 418, 420, embriologia 35
421, 422 Venlafaxina 306
Tumores de células esteróides sem outra Vestibulite 123, 124
classificação 414, 422 Vitamina D 300, 302, 313
Tumores de células germinativas 161, 416, Vulva-anatonia 23
422, 423, 424, 428, 430, 436, 437 Vulvodinia 124, 169, 170
Tumores do grupo tecoma/fibroma 416, 417 Vulvovaginites 182

Sarcomas uterinos 469


Capítulo 23
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