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FACULDADE LEGALE

DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE: DISTINÇÃO

ANTONIO CARLOS VALENTE TEIXEIRA

GUARULHOS

2019
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO
1. TIPO OBJETIVO E SUBJETIVO
2. DOLO
2.1 Definição
2.2 Teorias
2.2.1 Teoria da vontade
2.2.2 Teoria da representação
2.2.3 Teoria do assentimento
2..3 Elementos
2.4 Espécies
2.4.1 Dolo direto e indireto
2.4.2 Dolo de dano e de perigo
2.4.3 Dolo genérico e específico
2.4.3.1 Delito de intenção
2.4.3.2 Delito de tendência
2.4.3.3 Especiais motivos de agir
2.4.3.4 Momentos especiais de ânimo
2.4.4 Dolo normativo e natural
2.4.5 Dolo geral
2.5 Elemento subjetivo das contravenções
3.CULPA
3.1 Definição
3.2 Elementos
3.3 Modalidades
3.4 Espécies
3.5 Graus
3.6 Compensação e concorrência de culpas
3.7 Excepcionalidade do crime culposo
4. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
4.1 Distinção
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar as figuras do dolo e da culpa, bem como suas
diversas espécies e classificações.
Essas duas figuras, que representam desdobramento do princípio
constitucional da responsabilidade penal subjetiva, mais conhecido como postulado da
culpabilidade, merecem lugar de destaque na teoria do delito.
É que constituem uma limitação do poder punitivo do Estado, de tal modo
que criam uma dimensão subjetivo-normativa para o juízo de tipicidade, aumentando a
garantia do cidadão.
Diante disso, conclui-se que o tipo penal não se esgota em sua feição
objetiva, afastando-se, de conseguinte, a responsabilidade penal objetiva, que decorre da mera
causação acidental de resultados lesivos, independente da presença de dolo ou culpa.
Após enaltecer a importância dessas duas figuras, traçando seus limites
conceituais, proceder-se-á à distinção específica entre dolo eventual e a culpa consciente,
visando delimitar com clareza o perfil de cada uma dessas figuras.
É sabido que, no campo teórico, a diferenciação entre elas não demanda
maiores esforços. É comum encontrar na doutrina a afirmação de que o traço comum entre
ambos os institutos é a representação do resultado, e o elemento distintivo, a vontade, que só
existe, mesmo que enfraquecida sob a forma de mero consentimento, no dolo eventual.
1. TIPO OBJETIVO E SUBJETIVO
A moderna estrutura do conceito de crime passou por longa evolução até
receber a configuração atual. Nesse trabalho, dados seus objetivos específicos, importa fazer
breve menção à parte objetiva e subjetiva do conceito analítico de crime.
No início, havia apenas a distinção entre objetivo-subjetivo. O injusto
representava a parte objetiva do delito, todos os caracteres externos da ação, enquanto os
elementos subjetivos constituíam a culpabilidade. Ou seja, dolo e culpa em sentido estrito
eram as espécies de culpabilidade ou culpa em sentido amplo.
O crime era, então, ação antijurídica e culpável. Posteriormente surgiu a
tipicidade. Este foi tida, inicialmente, como a descrição meramente objetiva do fato punível.
Com a evolução doutrinária, e sobretudo por força da teoria da ação
finalista, o tipo passou a ostentar, dois aspectos. De um lado, o aspecto objetivo, representado
por conduta, resultado, nexo causal e tipicidade e, de outro, o aspecto subjetivo-normativo,
representado pelo dolo e culpa.
Portanto, segundo a moderna dogmática, pode-se dizer que todos os tipos
penais se dividem em tipo objetivo e tipo subjetivo.
2. DOLO
2.1 Definição
Pode-se dizer que dolo é a consciência e vontade de realizar os elementos
objetivos e normativos de um tipo penal.
Necessária a menção aos elementos normativos, uma vez que para se possa
falar em tipicidade subjetiva a título de dolo, agente deve ter consciência e vontade sobre
todos os elementos do tipo, os quais podem ser meramente objetivos e/ou normativos.
Cada uma dessas figuras será objeto de estudo mais adiante.
2.2 Teorias
Existem basicamente três teorias destinadas a explicar o conceito de dolo.
Os ordenamentos jurídicos as utilizam como base para definir o que se deve entender por
dolo. Alguns autores incluem uma quarta teoria.
Nosso Código Penal adota duas teorias acerca do dolo, uma como
fundamento do conceito de dolo direto, e outra como base da definição de dolo eventual.
2.2.1 Teoria da vontade
Segundo Greco1:
Dolo seria tão somente a vontade livre e consciente de querer praticar
a infração penal, isto é, de querer levar a efeito a conduta prevista no
tipo penal incriminador.
Capez2 ensina:
1
GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 17º Edição, Rio de Janeiro: Impetus, 2015,
pág. 242.
2
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 15º Edição, São Paulo: Saraiva, 2011, pág.
225.
Dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir o resultado.
Analisando os conceitos fornecidos pelos dois autores, verifica-se que,
segundo a teoria da vontade, dolo é a vontade diretamente dirigida à produção do resultado
típico.
Assim sendo, só se pode falar em dolo, de acordo com tal teoria, quando o
sujeito prevê e quer o evento típico.
2.2.2 Teoria da representação
Consoante esta teoria, para que se possa falar em atuação dolosa, não se
exige que o agente queira o resultado. Ao contrário, basta que o preveja como provável – ou,
ao menos, como possível – consequência da conduta que empreende.
O importante para que se possa falar em dolo é a consciência do resultado,
sua previsão, representação, antevisão, antecipação mental. Se o agente dá causa a um
resultado consciente de que ele poderia ocorrer, pode-se dizer que agiu com dolo, mesmo que
não tenha querido produzi-lo diretamente, como fim último de sua conduta.
2.2.3 Teoria do assentimento
Para esta teoria, o dolo é a consciência do resultado aliada ao consentimento
para que ele ocorra.
Assim, para que se configure o dolo, exige-se mais que a mera
representação da probabilidade ou possibilidade do resultado.
Contudo, não é necessário que o agente queira diretamente produzi-lo como
fim específico de sua conduta.
Por aí se vê que essa teoria fica num caminho intermediário, sendo menos
que a teoria da vontade, e mais que a teoria da representação.
É que a primeira requer consciência do resultado e vontade direta de sua
causação. Ao contrário, na teoria em análise, do assentimento, não é preciso que o autor
busque o resultado, sendo suficiente que consinta na sua produção, aceite-o, aprove-o,
admitia-o, embora sua finalidade seja outra.
Já a segunda teoria, da representação, se contenta com a consciência do
resultado, tão-só, nada mais sendo mister. Já a teoria do assentimento impõe um elemento a
mais além da mera representação, o qual consiste na aprovação do evento ilícito.
Nosso Código Penal adotou a teoria da vontade, no que se refere ao dolo
direto, e a teoria do assentimento, no concernente ao dolo eventual.
Assim sendo, para haver dolo direto, exige-se representação do resultado e
vontade direta de produzi-lo. Para haver dolo eventual, é preciso representação do resultado e
consentimento em sua produção.
Desse modo, como não adotamos a teoria da representação, se o sujeito
atuar apenas prevendo o resultado como probabilidade ou mera possibilidade, sem querê-lo
diretamente e sem consentir em sua ocorrência, teremos a figura da culpa, na modalidade
consciente.
Isso porque faltará um dos elementos do dolo, o volitivo, a vontade, seja
direta, seja eventual.
2.3 Elementos
Considerando a exposição até aqui, já se pode concluir que o dolo possui
dois elementos, quais sejam, a consciência e a vontade. Trata-se, assim, dos elementos
intelectivo e volitivo do dolo.
Ausente um desses elementos, não haverá dolo, ao menos entre nós, que
adotamos as teorias da vontade e do assentimento.
O elemento intelectivo, ou seja, a consciência abrange (a) consciência da
conduta e do resultado e a (b) consciência da relação causal objetiva entre conduta e
resultado.
Já o elemento volitivo, a vontade, compreende a vontade de realizar a
conduta e produzir o resultado.
Pode-se estabelecer o seguinte raciocínio: a vontade pressupõe a
consciência. Sem consciência não há vontade. Mas pode haver consciência sem a vontade. A
consequência disso, entre nós que adotamos as teorias da vontade e do assentimento, será a
ocorrência de mero crime culposo, havendo culpa consciente.
2.4 Espécies
O dolo pode ser classificado em diversas espécies diferentes.
2.4.1 Dolo direto e indireto
No dolo direto, o agente prevê e quer a produção de certo e determinado
resultado típico. Sua atuação é orientada à causação do evento.
O dolo direto abrange (a) o fim perseguido, (b) os meios escolhidos para
atingi-lo e (c) os efeitos concomitantes necessariamente unidos ao fim buscado.
Como ensina Bitencourt:
No dolo direto o agente quer o resultado representado como fim de
sua ação. O objeto do dolo direto é o fim proposto, os meios
escolhidos e os efeitos colaterais representados como necessários à
realização do fim pretendido.
Diante disso, a doutrina costuma subdividir o dolo direto em duas
modalidades, quais seja, dolo direto de primeiro grau e dolo direto de segundo grau. Alguns
mencionam ainda o dolo direto de terceiro grau.
Com efeito, o dolo direto de primeiro grau refere-se (a) ao fim perseguido e
(b) aos meios escolhidos para atingi-lo.
Já o dolo direto de segundo grau diz respeito às consequências necessárias
da conduta do agente. Trata-se dos efeitos colaterais tidos como inseparáveis do fim proposto
ou da natureza dos meios escolhidos pelo agente para atingir tal fim.
Por isso também se denomina o dolo direto de segundo grau de dolo de
consequências necessárias.
Desse modo, as consequências necessariamente unidas à conduta do agente,
aqueles efeitos inseparáveis e inevitáveis do comportamento, embora não queridos
diretamente como fim exclusivo da ação, estão abrangidos no conceito de dolo direto, na
modalidade de segundo grau.
Queiroz3 explica
A doutrina, especialmente alemã e espanhola, distingue ainda dolo de
primeiro grau de dolo de segundo grau: o primeiro compreende o
resultado ou resultados que o agente persegue diretamente; o segundo,
todas as consequências que, mesmo que não perseguidas e até
eventualmente lamentadas, o autor prevê como inevitáveis.
Alguns autores se referem ainda ao dolo direto de terceiro grau, o qual
consistiria na consequência necessária do efeito colateral inseparável da conduta do agente.
Seria as consequências inevitáveis do resultado colateral necessário representado pelo dolo
direto de segundo grau.
Entretanto, tais efeitos inseparáveis das consequências necessárias da
conduta não deixam de ser efeitos de produção necessária, sendo suficiente, assim, usar o
conceito de dolo direto de segundo grau.
A distinção tem efeitos práticos, influindo no processo judicial de
dosimetria da pena, especificamente na primeira etapa do método trifásico.
O dolo indireto, por sua vez, se divide em dolo alternativo e dolo eventual.
No dolo indireto alternativo, o agente quer produzir diretamente dois ou
mais resultados, alternativamente. Ou seja, quaisquer dos resultados múltiplos é buscado
diretamente pelo autor, mas só um, não todos.
No dolo indireto eventual, de grande importância prática, o agente não quer
diretamente o resultado, tampouco o representa como consequência necessária, inevitável e
inseparável de sua conduta. O autor apenas o prevê como efeito provável ou ao menos
possível de sua ação, e ainda assim persiste na atuação, demonstrando indiferença ao bem
jurídico.
Com efeito, o agente assume o risco do resultado, sem o querer diretamente,
e sem representá-lo como inseparável de seu comportamento.
Existem diversas teorias acerca do dolo eventual. Entre nós, foi adotada a
teoria do consentimento. Isso quer dizer que, para haver dolo eventual, não basta mera
representação do resultado, a simples probabilidade de sua ocorrência. É preciso algo mais, ou
seja, o aspecto volitivo. É necessário que, além de prever o resultado como provável ou
possível, o agente consinta em sua produção, aceitando-o, aprovando-o, enfim, assumindo o
risco de produzi-lo, em atitude de indiferença.
Dolo eventual se distingue do dolo direto de segundo grau. Neste, o agente
tem consciência de que o resultado é inevitável, enquanto naquele o sujeito prevê o resultado
como provável ou possível.
A reprovabilidade, intensidade, do dolo eventual é menor, pois não há
vontade do resultado, mas mero consentimento, anuência, aceitação. Em verdade, estes não
deixam de constituir vontade, embora com menor intensidade.

3
QUEIROZ, Paulo, Direito Penal, Parte Geral, 4º Edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, pág. 194.
Cumpre ressaltar que também há dolo eventual nas hipóteses em que o
agente, estando em dúvida sobre um elemento do tipo penal, atua e, assim, se arrisca em
concretizá-lo.
O dolo eventual é equiparado ao direto em termos abstratos, para fins de
tipicidade, salvo as expressas exceções legais, quando a tipicidade subjetiva exige apenas o
dolo direto, afastando o eventual.
Mas a distinção influi no processo judicial de dosimetria da pena, na
primeira etapa do método trifásico.
2.4.2 Dolo de dano e de perigo
Tal distinção está ligada à classificação das infrações penais em crimes de
dano e crimes de perigo.
Crimes de dano são aqueles que, para se consumarem, exigem a efetiva
lesão ao bem jurídico protegido pela norma penal. Se não ocorrer dano, haverá mera tentativa.
Já os crimes de perigo são aqueles que para se reputarem consumados se
contentam com o mero perigo a que é exposto o bem jurídico tutelado. Tal perigo pode ser
presumido absolutamente pela lei ou exigir prova concreta em cada caso.
Assim, os crimes de dano exigem, no tipo subjetivo, o dolo de dano,
enquanto os de perigo se satisfazem com o dolo de perigo.
2.4.3 Dolo genérico e dolo específico
Dolo genérico é a consciência e vontade de realizar os elementos objetivos
do tipo.
Dolo específico, por sua vez, é o especial fim de agir do agente ao praticar a
conduta típica.
Essa distinção está ultrapassada, e tinha razão de ser na falsa ideia de que o
tipo penal continha, com exceção do dolo, apenas elementos objetivos.
Hoje se entende que muitos tipos contêm outros elementos subjetivos além
do dolo. Assim, a denominação usada é diversa.
Fala-se em elementos subjetivos do tipo, que abrange o dolo, implícito em
todos os tipos penais, e também outros elementos subjetivos do tipo diversos do dolo.
Desse modo, o antigo dolo genérico corresponde ao atual dolo, e o antigo
dolo específico corresponde aos atuais elementos subjetivos específicos do tipo.
Essa diferenciação dá margem às figuras a seguir analisadas nos quatros
subtópicos seguintes.
2.4.3.1 Delitos de intenção
Delitos de intenção são os crimes em que o tipo exige que a conduta seja
praticada visando atingir determinada finalidade, a qual não precisa ser efetivamente
alcançada para entender-se consumado.
O tipo descreve conduta e resultado, mas este não precisa ser efetivamente
produzido para consumar-se a infração penal.
O resultado é previsto apenas como a finalidade última que orienta a
conduta do agente, não como evento que deva ocorrer, bastando que o agente tenha a intenção
de realizá-lo.
Constitui elementar não o resultado em si, mas a finalidade do agente em
alcançá-lo.
Tais crimes são classificados como crimes formais, de consumação
antecipada, de resultado cortado.
2.4.3.2 Delitos de tendência
Delitos de tendência são aqueles que exigem um estado de ânimo reprovável
no agente para se configurarem, não bastando a mera prática da conduta voluntária.
É que em certos delitos, apenas a tendência interna da ação diferencia o fato
típico de um indiferente penal. Tal classificação tem extrema importância em alguns crimes
contra a dignidade sexual, que só se configuram se o agente imprimir em sua atuação a
finalidade de satisfazer sua lascívia.
2.4.3.3 Especiais motivos de agir
Em certos tipos penais, os motivos são previstos como circunstâncias, tendo
a função de aumentar ou diminuir a sanção penal.
Se os motivos forem reprováveis, antissociais, a punição é aumentada. Ao
reverso, nas hipóteses de motivos nobres, sociais, há previsão de causas de privilégio que
diminuem a quantidade de pena.
2.4.3.4 Momentos especiais de ânimo
Por fim, como última modalidade de elemento subjetivo do tipo estão esses
momentos especiais de ânimo.
Alguns tipos exigem um certo estado de consciência do agente acerca de
algumas elementares, de tal modo que o agente deve ter certeza de que na situação real estão
presentes as circunstâncias fáticas descritas pela lei penal.
Nesses casos, não basta dúvida ou desconfiança do agente quando da
conduta, devendo ele ter ciência plena da situação, pena de ocorrer atipicidade absoluta ou
relativa do comportamento, consistindo esta última na desclassificação para eventual
modalidade culposa.
2.4.4 Dolo normativo e natural
Ao longo da evolução da teoria do delito, todos os elementos componentes
do conceito analítico de crime passaram por reformulação. A tipicidade e a culpabilidade
foram os elementos que sofreram mais alterações, repercutindo, assim, no dolo.
Com efeito, o dolo era tido como espécie e/ou elemento da culpabilidade,
segundo as teorias psicológica e psicológico-normativa da culpabilidade, as quais eram
ligadas ao conceito clássico e neoclássico de delito.
O dolo era tido como normativo, pois nele estava inclusivo a consciência
real e atual da ilicitude da conduta. Ou seja, o dolo tinha como elementos (a) consciência da
conduta e do resultado, (b) consciência da relação causal objetiva entre conduta e resultado e,
também, (c) consciência da antijuridicidade da conduta e do resultado.
Por isso se dizia que o dolo era normativo, uma vez que continha não só
elementos psicológicos, mas também um dado normativo, que era a consciência atual da
ilicitude da conduta.
Ocorre que com o surgimento da teoria normativa pura da culpabilidade,
resultado da teoria finalista de ação de Welzel, o dolo foi retirado da culpabilidade e
transferido para o interior do tipo, criando seu aspecto subjetivo. Em decorrência disso, o dolo
perdeu a consciência da ilicitude, passando a ser puramente natural, composto só de
elementos psicológicos.
A consciência de ilicitude da conduta, que de atual passou a ser meramente
potencial, ficou na culpabilidade como um de seus elementos.
Assim, o dolo natural tem como elemento intelectivo a (a) consciência da
conduta e do resultado e a (b) consciência da relação causal objetiva entre conduta e
resultado. Como elemento volitivo, o dolo compreende a vontade de realizar a conduta e
produzir o resultado.
Vê-se, assim, que não se inclui no dolo a consciência da antijuridicidade do
comportamento.
2.4.5 Dolo geral
O dolo geral ocorre quando sujeito pratica uma conduta visando certo
resultado e, acreditando já tê-lo atingido, pratica outra conduta com fim diverso, sendo que
esta é que, efetivamente, causa o resultado inicialmente buscado.
A doutrina diz que o dolo manifestado na conduta inicial se generaliza
durante toda a situação até o instante ulterior em que o resultado efetivamente ocorre.

O dolo geral em muito se assemelha ao erro sobre o nexo causal, conhecido


como aberratio causae, bem como com a consumação antecipada. Entretanto, deles se
distingue.
No erro quanto ao nexo causal, há uma só conduta. O agente pratica um
comportamento pretendendo atingir um resultado, o qual realmente vem a ocorrer, mas
através de um processo causal diverso do previsto.
Já a consumação antecipada é oposta ao dolo geral. Trata-se de situação em
que o agente realiza uma conduta visando preparar o comportamento ulterior destinado a, este
sim, produzir o resultado desejado. Contudo, verifica-se que o resultado ocorre em virtude da
conduta inicial, que não era destinada a causá-lo.
2.5 Elemento subjetivo das contravenções
O artigo 3º da Lei das Contravenções Penais dispõe: “Para a existência da
contravenção, basta a ação ou omissão voluntária. Deve-se, todavia, ter em conta o dolo ou a
culpa, se a lei faz depender, de um ou de outra, qualquer efeito jurídico”.
Diante do teor desse dispositivo, parte da doutrina sustenta que as
contravenções penais, de regra, dispensam o dolo e a culpa para se configurarem. Basta,
então, a ação voluntária, independente da finalidade de produzir o resultado ou da
inobservância do dever de cuidado objetivo.
Contudo, esse não é o melhor entendimento.
Conforme apregoa o princípio da culpabilidade, não há falar-se em
responsabilidade penal sem culpabilidade ou sem dolo ou culpa. Assim, esses momentos
subjetivo-normativo da conduta não indispensáveis para que se possa falar em infração penal,
seja crime, seja contravenção.
Tal princípio encontra amparo na Constituição Federal, a qual, por ser a
norma suprema do Estado, impõe que as disposições infraconstitucionais, entre as quais o
artigo 3º da Lei das Contravenções Penais, estejam em compatibilidade vertical com seus
ditames.
Há uma explicação para o texto da Lei das Contravenções Penais. É que ele
foi elaborado na década de 40, quando ainda tinha grande força as teorias clássica e
neoclássica de delito.
Para estas teorias, dolo e culpa estavam situados na culpabilidade, como
elemento dela, e não no tipo penal. Assim, para que houvesse tipicidade contravencional, não
se fazia mister o dolo ou a culpa, bastando a conduta voluntária.
Entretanto, isso não ensejava responsabilidade penal objetiva, uma vez que
era necessária também a culpabilidade, com seus elementos dolo e culpa, para que emergisse
a responsabilidade penal.
3.CULPA
3.1 Definição
Mirabete4 ensina:
Tem-se conceituado na doutrina o crime culposo como a conduta
voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não
querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com
a devida atenção, ser evitado.
Assim, após essas citações destinadas a dar-nos a ideia acerca do crime
culposo, podemos conceituá-lo como conduta humana voluntária que causa um resultado,
previsto e querido, embora em virtude de erro (culpa imprópria), ou previsto e não querido
(culpa própria consciente), ou ainda meramente previsível (culpa própria inconsciente), o qual
podia, com a observância do dever de cuidado objetivo, ter sido evitado.
3.2 Elementos
Para fins didáticos, é bastante proveitoso identificar todos os elementos da
conduta culposa, permitindo assim estudá-los sequencialmente de modo a facilitar o
entendimento.
São comumente identificados pela doutrina como elementos da conduta
culposa: (a) Conduta; (b) Inobservância do dever de cuidado objetivo; (c) Resultado lesivo
involuntário (ou voluntário, na culpa imprópria); (d) Previsibilidade; (e) Tipicidade.
(a) Conduta. Trata-se da conduta humana voluntária, um fazer ou não fazer.

4
MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 19º Edição, São Paulo: Atlas,
2003, pág.145.
No crime culposo a conduta também é voluntária e tem uma finalidade.
Contudo, de regra, este fim não é criminoso, sendo indiferente ao Direito Penal.
O tipo culposo não se preocupa com o fim da conduta voluntária, o objetivo
pretendido, uma vez que, na grande maioria das vezes, este não é de natureza criminosa,
tampouco coincide com o resultado que veio a ser causado.
O que importa no tipo culposo é o meio escolhido pelo agente para atingir
um fim, ou a forma que imprime ao seu comportamento.
(b) Inobservância do dever de cuidado objetivo. Trata-se da atuação em
desobediência aos cuidados e cautelas que as pessoas de diligência mediana imprimem em
suas condutas de modo a evitar causação de danos aos bens jurídicos dos demais membros da
sociedade.
A todos se impõe, na vida social, adoção de cautelas em seu agir para que de
sua conduta não resulte lesão aos interesses das demais pessoas.
Para que se possa dizer que o agente violou o dever de cuidado objetivo
deve-se analisar se ele violou alguma disposição administrativa destinada a regulamentar
atividades normalmente arriscadas ou se infringiu o comportamento que teria, nas mesmas
circunstâncias, uma pessoa de discernimento e prudência médios.
Com efeito, existem atividades que criam, por sua natureza, grande perigo
para os bens jurídicos alheios. Como essas atividades, por sua importância ao
desenvolvimento social, não podem ser suprimidas completamente, o Estado cria regras que
fixam os cuidados que as pessoas devem tomar ao desempenhá-las.
Assim, a inobservância dessas normas, de regra, importa em atuação
culposa, pois elas se destinam a explicitar, em princípio, o que se deve entender por uma
conduta conforme ao cuidado e cautela exigidos das pessoas.
Mas duas observações se impõem.
Em primeiro lugar, pode não haver conduta culposa no caso concreto, ainda
que o agente tenha desrespeitado tais regras de cuidado. É que está superada a culpa in re ipsa
ou presumida, modalidade de responsabilidade penal objetiva.
Ensina Jesus5:
O CP de 1890, em seu artigo 297, previa a culpa in re ipsa ou
presumida, resultando da inobservância de disposição regulamentar.
(...) A culpa era presumida pela inobservância de disposição
regulamentar (...) Era a adoção da responsabilidade penal objetiva. (...)
foi inteiramente abolido o dogmatismo da inobservância de alguma
disposição regulamentar, pois nem sempre é culposo o evento
subsequente.
Em segundo lugar, há situações não expressamente disciplinadas por regras
administrativas de cautela, de modo que a apreciação da conduta culposa exige análise
comparativa da conduta do agente com aquela que teria o homem médio.

5
JESUS, Damásio Evangelista de, Direito Penal, Parte Geral, 1º volume, 25ª edição, São Paulo: Saraiva, 2002,
pág. 302.
(c) Resultado lesivo involuntário (ou voluntário, na culpa imprópria). De
regra, este é um requisito do tipo culposo.
Sem resultado lesivo, não se opera a tipicidade do comportamento. Assim,
se, não obstante a conduta culposa do agente, não sobrevier um resultado danoso dela
decorrente, não há crime culposo.
Bitencourt6 assevera:
O crime culposo não tem existência sem resultado. Se houver
inobservância de um dever de cuidado, mas o resultado não sobrevier,
não haverá crime.
Cumpre ressaltar que, mesmo sem um evento resultante da inobservância do
dever de cuidado objetivo, é possível que o agente seja responsabilidade penalmente, quando
tal comportamento, por si só, constitui uma infração penal autônoma.
(d) Previsibilidade. Consiste na possibilidade de previsão. Isso quer dizer
que o agente, nas condições em que se encontrava, deve ter tido a possibilidade de antever a
produção do resultado.
Se o resultado for imprevisível, não há falar-se em culpa, encontrando-se o
acontecimento no âmbito do fortuito, do mero acidente, que não enseja responsabilidade
penal.
A doutrina costuma distinguir dois aspectos da previsibilidade: objetivo e
subjetivo.
A previsibilidade objetiva é requisito do tipo. Ademais, trata-se de aferir se
o resultado poderia ser previsto por uma pessoa de diligência ordinária.
A previsibilidade subjetiva, por sua vez, é requisito da culpabilidade. Por
ela, analisa-se se o autor, segundo sua capacidade individual, tinha condições de prever o
resultado lesivo.
Jesus7 leciona:
Há dois critérios de aferição da previsibilidade: o objetivo e o
subjetivo. De acordo com o objetivo, a previsibilidade deve ser
apreciada não do ponto de vista do sujeito que realiza a conduta, mas
em face do homem prudente e de discernimento colocado nas
condições concretas. Nos termos do critério subjetivo, deve ser aferida
tendo em vista as condições pessoais do sujeito. (...) A previsibilidade
objetiva se projeta no campo do tipo; a subjetiva, na culpabilidade.
(e) Tipicidade. Diante da excepcionalidade do tipo culposo, só há falar-se
em crime culposo se houver expressa previsão legal na lei contemplando a modalidade
culposa da infração penal. No silêncio da lei, a conduta culposa é atípica.

6
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9ª Edição, São Paulo:
Saraiva, 2004, pág. 275/276.
7
JESUS, Damásio Evangelista de, Direito Penal, Parte Geral, 1º volume, 25ª edição, São Paulo: Saraiva, 2002,
pág. 300.
Com efeito, dispõe o artigo 18, parágrafo único, do Código Penal: Salvo os
casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando
o pratica dolosamente.
Greco8 assim doutrina:
Só podemos falar em crime culposo se houver previsão legal expressa
para essa modalidade de infração. A regra contida no Código é a de
que todo crime seja doloso, somente se falando em delito culposo
quando a lei penal expressamente fizer essa ressalva. O dolo é a regra;
a culpa, a exceção.
Ademais, ainda que haja previsão legal da modalidade culposa, deve-se
atentar que o tipo culposo, de regra, tem uma peculiaridade. Neles, a conduta não é descrita
taxativamente, sendo, assim, tipos abertos, que devem ser complementados por uma atividade
valorativa do juiz, em cada caso concreto.
É que a culpa é classificada como um elemento normativo do tipo, não
subjetivo, como o dolo. E, como é cediço, os elementos normativos são aqueles que
demandam um juízo de valor do intérprete para determinar seu sentido e alcance.
Como já visto, a tipicidade nos crimes culposos determina-se através da
comparação entre a conduta do agente e o comportamento presumível que, nas circunstâncias,
teria uma pessoa de prudência e discernimento ordinários.
De ver-se, entretanto, que há situações em que o tipo culposo é fechado,
descrevendo a lei a conduta de modo completo e taxativo, prescindindo da complementação
valorativa do juiz.
3.3 Modalidades
As modalidades de culpa são as formas ou modos de manifestação da
violação do dever de cuidado objetivo. São três as modalidades de culpa, quais sejam,
imprudência, negligência e imperícia.
Vejamos cada uma delas.
Imprudência é a conduta precipitada, afoita. Trata-se de atitude positiva,
constituindo numa ação, a qual cria risco ao bem jurídico.
Capez9 também leciona:
Imprudência é a culpa de quem age, ou seja, aquele que surge durante
a realização de um fato sem o cuidado necessário. Pode ser definida
como a ação descuidada. Implica sempre um comportamento positivo.
Assim, são características da imprudência (a) ser um comportamento ativo e
(b) ocorrer ao mesmo tempo em que a ação se desenvolve.
Negligência é a inércia psicológica, displicência do agente, que não toma os
cuidados exigíveis nas circunstâncias. Trata-se de atitude negativa, consubstanciando-se numa
omissão.
8
GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 17º Edição, Rio de Janeiro: Impetus, 2015,
pág. 258.
9
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 15º Edição, São Paulo: Saraiva, 2011, pág.
233.
Bitencourt10 assevera:
Negligência é a displicência no agir, a falta de precaução, a
indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias,
não o faz. É a imprevisão passiva, o desleixo, a inação. É não fazer o
que deveria ser feito.
Destarte, são características da negligência (a) ser um comportamento
passivo e (b) ocorrer antes do início da conduta causadora do resultado.
Imperícia é a falta de aptidão ou capacidade, teórica ou prática, no exercício
de arte, ofício ou profissão.
Pressupõe que o agente tenha habilitação técnica para a atividade,
praticando a conduta no exercício da arte, ofício ou profissão para a qual esteja habilitado. Se
se tratar de atividade em relação à qual o agente não possui habilitação legal, a culpa será
imputada a título de imprudência ou negligência, conforme o caso.
A imperícia se distingue da (a) inobservância de regra técnica e do (b) erro
profissional.
A inobservância de regra técnica é tida como uma hipótese de negligência
qualificada. Trata-se de causa de aumento de pena do homicídio e lesão corporal culposos.
Consiste em o agente, embora apto para o exercício de arte ou profissão –
por possuir os conhecimentos teóricos e práticos –, deixa de observá-los deliberadamente, por
displicência, negligência, desleixo.
Consoante escreve Gonçalves11:
A causa de aumento em análise (inobservância regra técnica) não se
confunde com a modalidade culposa de imperícia. Nesta o sujeito
demonstra falta de aptidão para o desempenho da arte, profissão ou
ofício, enquanto, na causa de aumento, o agente demonstra a aptidão
para realiza-las, porém provoca a morte de alguém, porque, por
desleixo, por descaso, deixa de observar regra inerente àquela função.
Assim também escreve Cunha12:
Percebe-se que o agente, na imperícia, revela claro despreparo técnico
ou prático. Não se confunde com a inobservância de regra técnica,
causa especial de aumento de pena nas modalidades culposos dos
crimes de homicídio e lesão corporal, hipótese em que o agente possui
conhecimentos técnicos e práticos, mas, relapso, não os observa no
momento de agir.
O erro profissional também é diferente da imperícia. Em verdade, ele é fruto
não de incapacidade ou inaptidão do agente, mas da própria limitação dos conhecimentos
humanos.

10
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9ª Edição, São Paulo:
Saraiva, 2004, pág. 279.
11
GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios, Direito Penal Esquematizado, Parte especial, 5ª Edição, São Paulo:
Saraiva, 2016, pág. 106/107.
12
CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal, Parte Geral, Volume Único, 4º Edição, Salvador:
JusPODIVM, 2016, pág.203.
Com efeito, o sujeito não se mostra despreparado para a atividade, ao
contrário, conhece bem dos postulados científicos. Entretanto, diante da precariedade e
insuficiência das ciências humanas, dá causa ao resultado quando no exercício da atividade
realizada conforme a lex artis.
Nesse caso, não há tipicidade normativa do comportamento, inexistindo
responsabilidade penal.
3.4 Espécies
A culpa se distingue em várias espécies. Em seguida, veremos cada uma
delas.
A culpa inconsciente é a culpa clássica, mais comumente tratada nas
situações práticas. Nela, o agente dá causa a um resultado não previsto, mas previsível. Tal
resultado era apenas previsível, ou seja, o agente não previu um resultado que lhe era
previsível nas circunstâncias.
Já a culpa consciente é a culpa com previsão. Aqui, o agente prevê o
resultado como provável ou, ao menos, possível consequência de sua conduta, mas confia,
sinceramente, de modo fundado, que ele não ocorrerá.
Capez13 afirma:
Culpa consciente ou com previsão: é aquela em que o agente prevê o
resultado, embora não o aceite. Há no agente a representação da
possibilidade do resultado, mas ele a afasta, de pronto, por entender
que a evitará e que sua habilidade impedirá o evento lesivo previsto.
Portanto, essa espécie de culpa tem um elemento comum com o dolo, que é
a previsão do resultado, o qual passa pela cabeça do sujeito. Este conhece o risco ou perigo de
sua conduta, mas ainda assim age, sendo leviano.
A distinção com o dolo eventual reside no fato de o sujeito ter convicção de
que não causará o resultado, confiando sinceramente em sua habilidade. Ele não quer, nem
consente na ocorrência do resultado, situações que ensejariam, respectivamente, dolo direto e
eventual.
A distinção entre culpa consciente e dolo eventual será aprofundada em
tópico autônomo.
Para fins de tipicidade, não há distinção entre ambas as espécies de culpa.
Mas, no momento de mensurar a pena concreta, o juiz pode levar em conta tal circunstância.
A culpa própria é aquela em que o agente não quer, nem consente no
resultado, podendo tê-lo previsto ou não. É a culpa comum.
Já a culpa imprópria, também chamada de culpa por equiparação ou
extensão, dá-se quando o agente, incidindo em erro evitável quanto aos pressupostos fáticos
de uma excludente de ilicitude, prevê e quer (ou assume o risco) o resultado típico.
Conforme escreve Cunha14
13
CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 15º Edição, São Paulo: Saraiva, 2011, pág.
234.
14
CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal, Parte Geral, Volume Único, 4º Edição, Salvador:
JusPODIVM, 2016, pág.204.
Culpa imprópria: é aquela em que o agente, por erro evitável, imagina
certa situação de fato que, se presente, excluiria a ilicitude do seu
comportamento (descriminante putativa). Provoca intencionalmente
determinado resultado típico, mas responde por culpa por razões de
política criminal.
Mirabete15 leciona:
(A culpa imprópria) Deriva esta do erro de tipo inescusável, do erro
inescusável nas descriminantes putativas ou do excesso nas causas
justificativas. Nessas hipóteses, o sujeito quer o resultado, mas sua
vontade está viciada por um erro que poderia, com o cuidado
necessário, ter evitado.
Como entende a maioria da doutrina, a culpa imprópria, em verdade, é um
caso de dolo, diante da presença de seus dois elementos componentes: (a) previsão e (b)
vontade. Entretanto, por motivos de política criminal, a lei impõe a responsabilidade a título
de culpa.
A culpa imprópria ocorre em duas situações: (a) erro de tipo permissivo
evitável, ou descriminante putativa por erro de tipo evitável; (b) excesso por erro de tipo
permissivo evitável em descriminantes reais.
Estefam e Gonçalves16 explicam:
A culpa imprópria, também chamada culpa por equiparação ou por
assimilação, ocorre quando o agente realiza um comportamento
doloso, desejando produzir o resultado, o qual lhe é atribuído a título
de culpa, em face de um erro precedente em que incorreu, que o fez
compreender mal a situação e interpretar equivocadamente os fatos.
São exemplos de culpa imprópria no Código Penal o erro de tipo
permissivo inescusável (art. 20, § 1º, parte final) e o excesso culposo
nas excludentes de ilicitude (art. 23, parágrafo único, parte final).

A culpa mediata ou indireta ocorre quando o agente, com sua conduta


culposa, produz o resultado indiretamente. Haverá responsabilidade penal se o evento,
provocado indiretamente por sua atuação, era objetivamente previsível.
Por fim, temos a culpa presumida. A lei presume a ocorrência de culpa
diante de certa situação. Como dito acima, no CP de 1890 havia presunção de conduta culposa
pela mera inobservância de regras regulamentares, mesmo sem prova efetiva de imprudência,
negligência ou imperícia no caso concreto.
Entretanto, atualmente não é mais prevista, tampouco admitida, a culpa
presumida. Trata-se de forma de responsabilidade penal objetiva, que viola o princípio
constitucional da culpabilidade ou responsabilidade subjetiva.
Disserta Masson17:

15
MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 19º Edição, São Paulo: Atlas,
2003, pág. 151.
16
ESTEFAN, André e GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios, Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, 5ª Edição,
São Paulo: Saraiva, 2016, pág. 347.
(A culpa presumida) Foi abolida do sistema pátrio, por constituir-se
em verdadeira responsabilidade penal objetiva (...) Não se presume a
culpa. Ao contrário, sempre deve ser provada por quem alega sua
ocorrência.
3.5 Graus
A culpa comporta três graus (a) grave ou lata; (b) leve; e (c) levíssima.
A distinção leva em conta (1) a maior ou menor possibilidade de previsão
do resultado e (2) os cuidados objetivos tomados pelo agente no caso concreto.
A culpa grave ou lata ocorre quando resultado é previsível a qualquer
pessoa.
A culpa leve dá-se nos casos em que o resultado é previsível só por pessoas
de prudência e diligência medianas.
Por fim, a culpa levíssima configura-se quando o resultado é previsível
apenas por pessoas de excepcional cautela e diligência, aproximando-se do caso fortuito.
Há certa polêmica doutrinária quanto ao assunto.
Parte da doutrina não admite a distinção e sustenta que, havendo culpa,
qualquer que seja o seu grau, exsurge a responsabilidade penal. Ademais, não há qualquer
influência no processo de dosimetria da pena, diante da ausência de previsão legal.
Entretanto, outra parcela da doutrina sustenta que a distinção deve ser
considerada, inclusive quando da fixação da pena-base na hipótese de condenação penal.
Ressalte-se que essa distinção surgiu no direito romano, e tem mais
importância prática no âmbito do Direito Civil, onde o grau da culpa, em comparação com a
extensão do dano, serve de parâmetro para fixação do valor da indenização por danos
patrimoniais e morais.
Nesse ramo do Direito, os três graus de culpa ensejam a responsabilidade
civil, variando apenas o valor da indenização dependendo da gravidade da culpa.
Já no Direito Penal percebe-se que a culpa levíssima torna o fato atípico,
diante da ausência de previsibilidade do resultado para uma pessoa de prudência mediana.
3.6 Compensação e concorrência de culpas
Em Direito Penal, ao menos no aspecto abstrato para fins de tipicidade, não
há compensação de culpas. Desse modo, o fato de a vítima ter contribuído culposamente para
a eclosão do resultado não afasta a responsabilidade penal do agente imprudente.
Mas, no momento de dosar pena do autor, em concreto, o juiz deve levar em
conta o comportamento da vítima, previsto expressamente como circunstância judicial.
Assim, a contribuição culposa da vítima constitui circunstância favorável.
Já no âmbito do Direito Civil, a culpa recíproca se compensa, podendo até
afastar qualquer indenização em favor da vítima. O juiz apreciará a gravidade da culpa da

17
MASSON, Cléber, Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vo. 1, 8º Edição, Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTIDO, 2014, pág. 327.
vítima em comparação com a do autor do dano para fins de quantificar o valor da indenização
a ser eventualmente fixado. Nesse sentido dispõe o artigo 945 do Código Civil.
Ressalte-se que quando a culpa pela ocorrência do resultado danoso for
exclusiva da vítima, não restará responsabilidade penal do agente. Isso porque, se a culpa foi
exclusiva da vítima, isso quer dizer que o agente não obrou culposamente, tendo observado o
dever de cuidado objetivo a que estava sujeito.
Nas palavras de Masson:
Não se admite a compensação de culpas no Direito Penal, uma vez
que prevalece o caráter público da sanção penal como fundamento
para a sua proibição. Nesses termos, a culpa do agente não é anulada
pela culpa da vítima. (...) A compensação de culpas tem incidência
apenas no direito privado, com a função de reduzir ou excluir o valor
da indenização pelo ilícito praticado. No âmbito penal, vale ressaltar
que a culpa da vítima, embora não afaste a culpa do agente, funciona
como circunstâncias judicial favorável ao acusado, a ser sopesada pelo
magistrado por ocasião da dosimetria da pena-base. É o que se extrai
do artigo 59, caput, do Código Penal. Por último, se é correto afirmar
que não há compensação de culpas no Direito Penal, também é certo
dizer que a culpa exclusiva da vítima exclui a culpa do agente.
Existe também a figura da concorrência de culpas. Ocorre quando duas ou
mais pessoas, sem vínculo psicológico entre si, dão causa a um resultado culposamente.
Todos os que contribuíram imprudentemente para o resultado respondem
por ele, segundo a teoria da conditio sine qua non ou da equivalência dos antecedentes
causais.
Como ensina Bitencourt18:
Há concorrência de culpas quando dois indivíduos, um ignorando a
participação do outro, concorrem, culposamente, para a produção de
um fato definido como crime. (...) Havendo concorrência de culpas os
agentes respondem, isoladamente, pelo resultado produzido.
Note-se que não há concurso de pessoas, diante da ausência do liame
psicológico de um autor à conduta do outro, atuando ambos de modo autônomo e
independente.
É hipótese de autoria colateral em crime culposo.
Bitencourt19 prossegue:
De observar-se que, nessa hipótese, não se pode falar em concurso de
pessoas, ante a ausência do vínculo subjetivo. Na realidade, verifica-se
uma das hipóteses da chamada autoria colateral, onde não há adesão
de um na conduta do outro, ignorando os agentes que contribuem
reciprocamente na realização da mesma ação.

18
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9ª Edição, São Paulo:
Saraiva, 2004, pág. 284.
19
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9ª Edição, São Paulo:
Saraiva, 2004, pág. 284.
3.7 Excepcionalidade do crime culposo
Diante da excepcionalidade do tipo culposo, só há falar-se em crime culposo
se houver expressa previsão legal na lei contemplando a modalidade culposa da infração
penal. No silêncio da lei, a conduta culposa é atípica.
Com efeito, dispõe o artigo 18, parágrafo único, do Código Penal: Salvo os
casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando
o pratica dolosamente.
Greco20 assim doutrina:
Só podemos falar em crime culposo se houver previsão legal expressa
para essa modalidade de infração. A regra contida no Código é a de
que todo crime seja doloso, somente se falando em delito culposo
quando a lei penal expressamente fizer essa ressalva. O dolo é a regra;
a culpa, a exceção.
4. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE
4.1 Distinção
Visto os conceitos de dolo e culpa, cumpre agora proceder a uma análise
mais detalhada do dolo eventual e da culpa consciente, visando fixar-lhes, com nitidez, os
traços distintivos.
De modo didático, costuma-se dizer que o dolo eventual e a culpa
consciente possuem traços comuns e traços distintivos.
O traço comum a ambas as figuras é a representação, antevisão, previsão, do
resultado típico. Tanto em um como em outra, o agente representa o resultado como uma
consequência provável ou ao menos possível de sua atuação.
O traço distintivo entre elas reside na vontade. Com efeito, enquanto na
culpa consciente o agente não tem vontade em relação ao evento típico, por confiar
sinceramente que ele não ocorrerá, no dolo eventual, ao reverso, ele aprova o resultado,
mostrando-se indiferente à sua ocorrência, enfim, assume o risco de sua causação, em atitude
de consentimento ou anuência.
Em síntese, o (a) traço comum é a previsão, enquanto o (b) traço distintivo é
a vontade, só existente no dolo eventual.
É que o dolo, em todas as suas espécies, sempre apresenta como elementos
constitutivos a previsão e a vontade. Já a culpa, pode ou não apresentar a previsão, mas nunca
apresentará o elemento vontade, salvo na hipótese excepcional da culpa imprópria, em que há
previsão e vontade do resultado. Entretanto, como visto, a doutrina é no sentido de que a
culpa imprópria é um autêntico caso de dolo punido a título de culpa por razões político-
criminais.
Para fixar a distinção, passaremos a citar a opinião dos mais conceituados
doutrinadores do Brasil.
Bitencourt21 escreve:

20
GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 17º Edição, Rio de Janeiro: Impetus, 2015,
pág. 258.
Há entre ambos um traço comum: a previsão do resultado proibido.
Mas, enquanto no dolo eventual o agente anui ao advento desse
resultado, assumindo o risco de produzi-lo, em vez de renunciar à
ação, na culpa consciente, ao contrário, repele a hipótese de
superveniência do resultado, na esperança convicta de que este não
ocorrerá.
Masson22 explica:
Na culpa consciente, o sujeito não quer o resultado, nem assume o
risco de produzi-lo. Apesar de sabê-lo possível, acredita sinceramente
ser capaz de evitá-lo, o que apenas não acontece por erro de cálculo ou
por erro na execução. No dolo eventual, o agente não somente prevê o
resultado naturalístico, como também, apesar de tudo, o aceita como
uma das alternativas possíveis.
Cunha23 leciona:
A culpa consciente não pode ser confundida com o dolo eventual.
Com efeito, se na culpa consciente o agente prevê o resultado e o
afasta, no dolo eventual o agente prevê o resultado e assume o risco de
sua ocorrência, agindo com evidente descaso com o bem jurídico.
Nucci24 disserta:
Em ambas as situações o agente tem a previsão do resultado que sua
conduta pode causar, embora na culpa consciente não o admita como
possível e, no dolo eventual, admita a possibilidade de se concretizar,
sendo-lhe indiferente.
Greco25 arremata:
Na culpa consciente, o agente, embora prevendo o resultado, acredita
sinceramente na sua não ocorrência; o resultado previsto não é querido
ou mesmo assumido pelo agente. Já no dolo eventual, embora o
agente não queira diretamente o resultado, assume o risco de vir a
produzi-lo. Na culpa consciente, o agente, sinceramente, acredita que
pode evitar o resultado; no dolo eventual, o agente não quer
diretamente produzir o resultado, mas, se este vier a acontecer, pouco
importa.
Note-se que, em termos teóricos, como visto, a distinção não apresenta
grande dificuldade. Contudo, nas situações práticas, muitas vezes constitui problema quase
insolúvel.

21
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9ª Edição, São Paulo:
Saraiva, 2004, pág. 283.
22
MASSON, Cléber, Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vo. 1, 8º Edição, Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: MÉTIDO, 2014, pág. 324.
23
CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal, Parte Geral, Volume Único, 4º Edição, Salvador:
JusPODIVM, 2016, pág.205.
24
NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal, 10º Edição, Rio de Janeiro: Forense, 2014, pág.209.
25
GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 17º Edição, Rio de Janeiro: Impetus, 2015,
pág. 242.
É que é impossível entrar na mente do autor, no momento da conduta, para
dizer se ele aceitou ou não o resultado. De outro lado, é raro o réu, no curso do processo, dizer
que assumiu o risco do resultado, até porque o comum é dizer o contrário, que confiou na não
ocorrência do evento, visando, assim, beneficiar-se com a desclassificação para o crime
culposo, de pena mais branda.
Portanto, a doutrina é unânime em dizer que a existência de uma ou outra
figura deve ser buscada, não na cabeça do autor, mas nas circunstâncias exteriores que
envolveram a conduta típica.
Na dúvida séria sobre o elemento subjetivo ou normativo, o princípio do
favor rei impõe a solução mais benéfica ao réu, com o reconhecimento da figura da culpa
consciente.
Diante dessa dificuldade, alguns autores apregoam até a eliminação do
instituto da culpa consciente, de modo que, em todas as situações em que o agente representa
a possibilidade da ocorrência do resultado, este deve ser-lhe imputado a título de dolo
eventual.
Trata-se de solução que se funda na teoria da probabilidade. Esta sustenta
que, para haver dolo eventual, basta a previsão da probabilidade do resultado, não havendo
que se fazer qualquer indagação sobre o elemento volitivo, ou seja, sobre se o agente anuiu,
consentiu, aprovou ou mostrou-se indiferente ao resultado típico.
Nesse sentido, Nucci:
Em razão dessa complexa e praticamente inviável apuração do real
contexto mental do agente do crime (se dolo eventual ou culpa
consciente), passamos a propor a eliminação da figura da culpa
consciente, transferindo-se para o campo do dolo eventual todas as
condutas de risco, quando o autor assume a potencialidade lesiva de
seu comportamento, com ou sem sinceridade, no tocante ao resultado
final. Caberia ao juiz, no caso concreto, aplicar a justa pena.

CONCLUSÃO
Feita a exposição, fácil se notar a relevância de se delimitar as fronteiras
entre, de um lado, a conduta informada pelo dolo eventual e, de outro, aquela fundada na
culpa consciente.
Embora existente o traço comum entre elas, como exposto no conteúdo
deste trabalho, verifica-se que ambas as figuras tem um elemento objetivo de diferenciação,
que deve ser objeto de criteriosa análise para garantir que o juízo de subsunção, no âmbito da
tipicidade subjetiva, seja feito de modo correto.
É natural que assim seja, diante das consequências jurídicas variadas
conforme se esteja diante de uma ou de outra figura, seja no âmbito penal substantivo, seja no
do direito penal adjetivo.
Assim, no caso específico do crime de homicídio, incluindo aquele
praticado no trânsito, não só a pena é diferente conforme haja atuação dolosa ou culposa, mas
também a competência jurisdicional e o procedimento.
É sabido que em crimes dolosos contra a vida, mesmo aqueles fundados em
dolo eventual, a competência para o processo e julgamento é do Tribunal do Júri, e o
procedimento é especial, escalonado em duas fases, a do sumário da culpa e a do julgamento
propriamente dito.
Para concluir e demonstrar a importância prática do tema, basta voltar os
olhos à diversidade de interpretações que os Tribunais conferem aos fatos quando se está em
discussão se a conduta foi praticada com dolo eventual ou culpa consciente, principalmente
em crimes dolosos contra a vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado de Direito Penal, Parte Geral, volume 1, 9ª Edição,
São Paulo: Saraiva, 2004.

JESUS, Damásio Evangelista de, Direito Penal, Parte Geral, 1º volume, 25ª edição, São
Paulo: Saraiva, 2002.

GRECO, Rogério, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 17º Edição, Rio de Janeiro:
Impetus, 2015.

CAPEZ, Fernando, Curso de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 15º Edição, São Paulo:
Saraiva, 2011.

MIRABETE, Julio Fabbrini, Manual de Direito Penal, Parte Geral, Volume I, 19º Edição, São
Paulo: Atlas, 2003.

MASSON, Cléber, Direito Penal Esquematizado, Parte Geral, Vo. 1, 8º Edição, Rio de
Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2014.

QUEIROZ, Paulo, Direito Penal, Parte Geral, 4º Edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

ESTEFAN, André e GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios, Direito Penal Esquematizado, Parte
Geral, 5ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2016.

CUNHA, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal, Parte Geral, Volume Único, 4º Edição,
Salvador: JusPODIVM, 2016.

NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal, 10º Edição, Rio de Janeiro: Forense,
2014.

GONÇALVES, Vitor Eduardo Rios, Direito Penal Esquematizado, Parte especial, 5ª Edição,
São Paulo: Saraiva, 2016.

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