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Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai

www.etnolinguistica.org
, -
O lndio e as Plantas Alucinógenas

Cada planta mágica abriga um espírito, cuja


força o índio absorve, ingerindo o vegetal ou
uma de suas partes. Essa força propicia o sono
divinatório, as imagens psicodélicas, o mistério
das visões, a presença dos mortos, as
revelações dos espíritos, enfim, o contato com o
sobrenatural.
Conta Huston Smith que, certa vez) perguntaram
a Walter T. Stacy, uma autoridade nos aspectos
filosóficos do misticismo, se a experiência das
drogas é semelhante à experiência mística.
"Não se trata de ser semelhante à experiência
. mística: é a experiência mística'' - respondeu
Stacy. ~


'

Do prefácio do Autor

9 788500 220982
I SBN 85 - 00 - 22098-8
,.
,
O lndio e as Plantas
Alucinógenas

Um livro EDIOURO 4 lncompe1'1191 li


Fazemos tudo que é pou{vel para ofêt9Cet livros da maie
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alto padrão por um preço mlnlmo.
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org

Sangirardi Jr.

,
O Indio e as Plantas
Alucinógenas
Drogas narcdticas,
excitantes, visioJtárias~ ..
drogas das grandes viagens.


• •

'
Direitos cedidos para língua portuguesa por
Sangirardi Jr., 1989

As nossas edíções reproduzem


integralmente os textos originais.

Reverencio
o índio brasileiro, representado
pelos líderes das naçlJes
Pankaré (Ângelo Xavier),
Guajajára (Mateus
... e Moacir),
Kaingáng (Angelo Creta),
mortos recentemente por
ISBN 85-00-22098-8 defenderem as terras de sua
gente; os guerrdros astecas,
maias, qu(chuas, incas e de
outros povos martirizados
pela colonização; os grandes
chefes Touro Sentado, Nuvem
Vennelha, Cavalo Doido,
Gerônbno, Cauda Pintada e
tantos ouJros, que enterraram
o coração na curva do rio.

ln memoriant:
Noel Nutels,
meu amigo
e amigo do índio.

BDrt'ORA TECNOPRINT 8.A.


7
Abreviaturas

OtaçlJes Btblicas
Ap - Apocalipse Ecl - Ecclesiastes (lat.) Os - Oséias
2 Cr - Crônicas II Ex- ~xodo Rm- Romanos
Dn - Daniel Ez - Ezequiel lRs-Reisl
Dt - Deuteronômio Lc - Lucas SI - Salmos

Diversas
ai. - alemão fr. - francês SIN. - sinonímia
Bd. - Bandlen (ai.) gr. - grego sp/spp - espéciets
ed. - edição ing. - inglês (Botânica)
Ed. bil. - edição it. - italiano t. - tomo/s
bilíngüe lat. - latim v. - veja, volumeis
esp. - espanhol p. - página/s

PeriótHcos
Alner. Anthrop. - American Anthropologist
Para Cléa, Am. J. Phann. - American Journal of Pharmacy
Malu e Sílvia, Arch. Neurol. Psich. - Archives of Neurology and Psichiatry
meus amores. Arqs. lnst. Pesq. Agron. - Arquims do Instituto de Pesquisas Agronõmicas
Arqs. Jard. Bot. - Arquivo.s do Jardim Botânico
Boi. lnst. Quún. Agric. - Boletim do Instituto de Química Agrícola
Boi. Mus. Nac. - Boletim do Museu Nacional
Buli. Narc. - Bulletin on Narcotics
- Compt. Rend. - Comptes Rendus des Séances de l 'Académie de Sciences de
Paris
J. Atner. Che1n. Soe. - Joumà.l of the An1erican Chemical Society
J. ffósh. Acad. Sei. - Joumal of the Washington Academy of Sciences
J. Hered. - Journal of Heredity
J. Org. Chem. - Journal of Organíc Chentistry
J. Soe. Àlnér. Paris - Jo1unal de la Societé des An1éricanistes de Paris
Mé1n. Acad. Roy. Se. - Mén1oires de l'Académie Royale de Sciences
Rev. Bras. Fann. - Revista Brasileira de Farmácia
Rev. lnst. Etnol. Univ. Nac. Tucwnán - Revista dei Instituto de Etnologia de
la Universidad Nacional de Tucumán
Rev. lnst. Hist. Gcogr. Bras. - Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro
Smith. lnst. BAE Bull. - Bulletin of the American Bureau of the Smithonian
lnstitution

Agradecimentos
a Richard Evans Schultes e Richard Gordon Wasson. que amavelmente au-
torizaram a reprodução de ilustrações.
Sunzário

1
Algumas Reflexões Sobre Drogas .... ................................................................................... ll

2
Peyotl
O pequeno cacto das visões luminosas ........................................................................ .. 17

3
Ololiuhqui & Tlitlilben
As sementes divinatórias ...................................................................................................... 32

4
Mescal Beans & Colorines
• Sementes rubro-negras de ritos e danças ...................................................................... Y7
• •

5
- Cogumelos
Teonanácatl, a carne de deus .....,...............................................................................:······· 40,

6
Pipiltzintzintli
A sálvia dos adivinhos .......................................................................................................... 56

7
Solanáceas
As taças de Morreu .... ....... .......... ... ........................... ... ............................... ... ... .......... ........... 58

8
Fumo ou Tabaco
A erva lustral e exorcista ................................................................................ ..................... 68
10 Sangirardi. Jr.

Algumas Reflexoes
9
San Pedro
O tocheiro cabeludo da mescalina .................................... .... ... ....... .................... ... ....... .... 85
1 Sobre Drogas

10 1 segurança e o bem-estar do próprio de-


Paricá & Virola
o ''rapé'' dos xamãs ............................................................................................................. 90 pendente ou de terceiros.''
A palavra droga tem, hoje em dia, "Qualquer droga narcótica". Mas
uma carga semântica negativa, de con- narcótico é um termo genérico, que de-
11 denação, medo, curiosidade mórbida.
Droga - vocábulo de étimo muito
signa substância que produz estupor ou
letargia e pode, inclusive, aliviar ou su-
·c oca ou lpadu
A droga do jejum e da vigília ......................................................................······.............. 107 contraditório - já designou apenas os primir a dor. Assim. é errado chamar a
produtos que a natureza oferece para as cocaína de narcótico, como faz a 0 -rga-
12 tinturas, a química, os medicamentos. Os nização Mundial da Saúde, pois o seu uso
J\yahuasca, Caapi ou Yajé sfmplices. Nesse sentido, a palavra fui não produz estupor ou letargia. Muito pe-
A bebida das viagens prodigiosas ........................ .............................. ................. ........... 124 usada por Antonill. lo contrário, os sintomas da absorção de
Droga, em grego, é phannakon, cocaína são caracterizados por intensa
ipa. eµ.a x o v . Quer dizer remédio, me- euforia, forte excitação cerebral, grande
13 dicamenro, mas também veneno. É o no- nlotilidade.
Jurema me dado por Platão à bebida que matou O Bulletin on Narcotics, editado pe-
A droga mágica da caatinga .....................................................................,....... ................. 139
Sócrates?. · las Nações Unidas, já publicou inúme-
Em inglês, drug é o termo que ser- ros trabalhos sobre o hábito de mascar
ve tanto para remédio como para vene- folhas de coca, o qual, além de não le-
no. Shakespeare usou a palavra no sen- var à narcose, tem efeito justamente opos-
tido de narcótico, cujos efeitos podem ser to, o de eliminar o sono e o cansaço. Já
- mortais. Lady Macbeth, ao tra1nar o as-
sassínio de Duncan, ·conta que drogou o~
o álcool, que pode até provocar sono co-
matoso, jan1ais foi chamado de narcóti-
p ossets* do_s camareiros do rei e que ''a co, pois é uma das drogas sacramen-
morte e a vida disputam se eles irão vi- tadas pela civilizáção cristã e ociden-
ver ou morrer"** 8. tal.
A Organiz.ação Mundial da Saúéle Para aumentar a confusão, entra en1
definiu: ''Dependência de droga é o uso cena a palavra tóxico***, que significa
habitual e compulsivo de qualquer dro- veneno, mas que adquiriu um sentido tão
ga narcótica, de maneira que ameace a amplo quanto o da palavra narcótico.

•• Posset: espécie de gemada - mistura de- ovos, açúcar e vinho - que .se tomava antes de dormir.
"'• J have drugg'd their possets,
That death and nature do contend ohout them,
Wheter they Ül!t? or die. Shakespeare, Macbelh
act li, scene2
•• • Tádco:do grego t6xon, ro~ o1 • - arco,_dardo, flecha - pois os gu.erreiros e caçadores, desde
a mais remota antigüjdade, costumavam envenet)~r a pon~ de suas armas.
O ÍrµIio e as Plantas Alucinógenas 13
J2 Sangi.rardi, Jr.

contra o Governo e recebeu, em 1976, eram necessários, como alternativa da


2 Paulo fez-se uma pesquisa entre pacien- uma indenização de 750 mil dólares. O guerra nuclear.
tes internados por uso de tóxicos. Re- Dr. Olsen era uma das cobaias humanas Alguns anos antes, a droga foi man-
Droga e tóxico são palavras irmãs, sultado: 98,8 % eram por alcoolismo e util.i1.adas pela CIA. dada para a guerra, com o objetivo de
sob o mesmo ferrete ignomitúoso. Ma- apenas 1,2 % por drogas como maconha, As pesquisas da CIA visam princi- obrigar os soldados inimigos a fazerem
conha é sinônimo de horror e delinqüên- anfetaminas, LSD (Jornal do Brasil, palmente a descobrir drogas que alteram grandes "viagens". Foi em 1966, quan-
cia; cigarro, de elegância e bom gosto. 5-5-1976). o comportamento das pessoas. quando do a Força Aérea dos Estados Unidos co-
O álcool, segundo a Organização MUJl- Pesquisa do Instituto de Ciências Pe- submetidas a interrogatório. Sob a ação meçou a atirar, sobre o Vietname, as cha-
dial da Saúde, é um alimento. Tudo no nais da Faculdade de Direito Cândido de algumas dessas drogas, o indivíduo madas "bombas da alegria". Eram bom-
contexto de uma trama urdida pelos in- Mendes. Rio de Janeiro, realizada em se- conta tudo o que sabe, inclusive coisas bas com LSD em gás. (Rev. Petrobrás,
teresses do establislvnent. te varas criminais da cidade, revelou que de que não mais se lembrava. O diretor maio-junho 1969.)
Os meios de comunicação noticiam em 1957, nos processos de tóxicos, da CIA, Almirante Stansfield Turner,
com destaque a prisão de maconheiros,; 92 .4 % dos casos eram referentes ao uso, tentou justificar as experiências. alegan-
mas.veiculam insidiosas campanhas pu- posse ou tráfico de maconha. A quanti- do que as cobaias humanas eram pessoas 4
blicitárias de cigarros*. E o cigarro, pe- dade de maconha apreendida foi inferior viciadas em drogas, alcoólatras ou can-
lo menos tão nocivo como a maconha, a 4 gramas, em mais da metade dos ca- cerosas. Por que os que se empenham em
arruína a saúde e abrevia a vida. A so- sos. Drogas já foram ministradas pelas combater os tóxicos não começam pelos
ciedade combate a "erva maldita" e pu- Num simpósio sobre Psiquiatria Fo- forças armadas norte-americanas. Des~ mais graves? Basta olhar à volta, para
ne o seu uso. Mas permite sejam anun- rense, promovido, em Salvador, pela Se- de 1953, o centro de guerra química do constatar a gigantesca quantidade de tó-
ciadas ampla e incisivamente as bebidas cretaria de Justiça do Estado, o Prof. Exército, em Mary land, realizou expe~ xicos que ameaçam á saúde e a vida de
alcoólicas, inclusive a cachaça das JX>PU- Estácio de Lima, fundador do Museu riências com quase 7 mil recrutas que - nosso povo., em ten:a, nas águas, no ar.
lações espoliadas. Não se trata nem m.es- Antropológico da Bahia. declarou que sem saberem ao certo o que estava acon- Em terra, tóxicos O{iundos de resí-
mo da aguardente de cana: o povo bebe ''o álcool é responsável por 75 % dos ho- tecendo - consumiam desde LSD até duos, detritos, podridões - a semeadu-
na realidade produtos falsificados pela micídios cometidos na Bahia'' (O Glo- drogas violentas e morúferas como VX. ra de imundícies feita pela ganância do
ganância, na alquimia de fabricantes, m- bo, 10-5-1974). O psiquiatra Oswald de BZ, droga K. Procurou-se esconder sem- homem ''civilizado'·. Nos alimentos, tó-
termediários e botequineiros. A cachaça Morais Andrade, após 10 anos de pes- pre a verdadeira natwua dos experimen- xicos provenientes de substâncias quími-
tem ação devastadora na saúde dos su- quisa no M.anicômio Judiciário Heitor tos e atrair ''voluntários'', com a isca de cas. produtos de conservação, defensivos
balimentados bóias-frias, colonos de fa- Carrilho, Rio de Janeiro, chegou à con- vantagens extras na vida militar. Carta- agrícolas, toda uma tecnologia a serviço
zendas, operários de Jabricas. E os alcoó- clusão de que a maconha não apresenta zes eram afixados: Can you qualify for do lucro, através da adulteração e da frau-
latras se mllltiplicam na fermentação da ação criminogênica (Jornal do Brasil, Medical Research Vo.lunteer Program. de.
nuséria. E os ébrios apodrecen1 em vida 17-10-1977). Dois mil Adventistas do Sétimo Dia, Rios, mares, lagos estão morrendo
nas sarjetas das grandes cidades. Apesar de tudo, a lnaconha, no Bra- que haviam recusado prestar serviço mi- sob a ação de tóxicos oriundos de esgo-
Na classificação e no julgamento das sil, é justamente a droga reprimida de litar por motivos de convicção religiosa, tos, resíduos industriais, lixo, enfim, os
drogas houve sempre um critério de dois maneira mais drástica e a de maior des- foram para o centro de treinamento mé- restos pestilentos da "civilização".
pesos e duas medidas. Pesos viciados. taque no noticiário policial. dico do Exército, em Ford Sam Houston, Os ares estão envenenados pelos tó-
Medidas adulteradas. Texas, onde 95 % "ofereceram-se" para xicos de emanações deletérias, incluin-
En1 1962, no Rio de Janeiro, uma as experiências como cobaias. • do a fumaça das chan1inés das fábricas
pesquisa em 187 hospitais interrogou 3 Os fatos só chegaram ao conheci- e dos veículos motoriz.ados.
225.198 pacientes. dos quais 9. 992 inter- mento público em 1975, na Subcomissão Derrubam florestas e plantam di-
nados em decórrência do consumo de Em 1953, num hotel de Nova Iorque, de Justiça do Senado dos Estados Uni- nheiro. A especulação imóbiliária devast.a
drogas. Destes, 94 % eram viciados em o Dr. Frank Olson atirou-se de uma ja- dos, presidida por Edward Kennedy, ao e d~\m1ani12. Aniquila-se a flora e a iàu-
álcool e apenas 1,1 % em Cannabis nela do 10.0 andâr. Ele havia ingerido, revelar-se que cerca de 3 mil membros na, de norte a sul do país. Conseqüên-
(maconba)6. sem saber, uma dose de LSD num cáli-, das furças armadas furam submetidos a cia: alternam-se, com intensidade cres-
No Hospital dos Servidores de São ce de licor. A fumfiia moveu uma ação experiências com drogas, muitos deles à cente, secas flagelantes e inundações di-
revelia. Algumas drogas provocaram luviais. É a guerra total contra a ecolo-
• No Brasil, as maiores campanhas de propaganda do fumo são da Cia. de Cigarros Souza Cruz mortes e suicídios. O Pentágono decla- gia. Seus comandantes decretaram a
(leia-se British and American Tubacco Co.), a segµnda empresa do país, com um faturamcnto, cm 1982, rou simplesmente que os experin1entos morte do índio - o homen1 da terra -
de CrS 635 bilhões e 349 milhões.
14 Sangirardi Jr.
O Índio e as Plantas Alu.cuwgenas 15

enquanto desenvolvem a estratégia do para nós só restou a Bíblia"S. A maconha* é um bom exemplo des- vando uma experiência científica ou, no
"progresso". cujas ações táticas multi- sas variáveis. Toda planta masculina é nu- caso do índio, o cumprimento de um ri-
plicam os tóxicos. O objetivo final é des- la. Da planta feminina, só é psicativa a to sagrado.
truir o Brasil. 6 resina originária das sumidades floridas.
isto é, onde se desenvolvem os ovários, Meio
O complexo das drogas é determi- quando as flores já começam a murchar. Local, ambiente, companheiros. em
s nado pelo complexo cultural. Ora, a maconba existente no me-reado é, geral determinados pelos objetivos do
Entre os maometanos o álcool é abo- freqüentemente, à base de folhas e flo- consumo da droga - uso individual ou
No vale do rio Negro há 9 missões minável e a maconha (haxixe), tranqüi- res da planta masculina, ou mesmo de er- grupal, auto-experiência científica ou,
salesianas, onde vivem 18 mil indíge- lamente permitida. Entre nós a maconha vas diversas, de bosta seca de vaca ou de em se tratando do índio, prática xama-
nas. Entre as normas etnocidas impos- é execrada e o álcool amplamente insti- galinha etc. nística, rito, festa cerimonial etc.
tas pelo$ missionários, está a aboli~ão tucioBalizado. As folhas de coca, fora de seu ha- Tudo isso, aliado a cenário, encena-
dos alucinógenos, que eram consumi- P'ara o branco, a droga fragmenta a bitat, sã0 praticamente inertes; Já cogu- çã.o, perf\Jmes. dança, música, e outros
dos ritualmente em cerimónias tradicio- personalidade: é um vício e um proces- melos cultivados em laboratório por fatotes capazes de condicionar reflexos,
nais. A denúncia é de Álvaro Sampaio, so de fuga. Para o índio, a droga provo- Heim e Cailleux, en1 Paris, tornaran1-se tudo isso ten1 poderosa influência na pr<r
dos Tucanos. no Tribunal Bertrand R.Us- ca uma comunhão com a divindade e a de efeito mais potente que as espécies es- dução de sonhos e visões, potenciando
sel, reunido em Roterdã, novembro de volta às mais profundas raízes ancesttais: pontaneas, trazidas do México para o cul~ a ação da droga. Principalmente quan-
1980. é um processo de integração. tivo (v. p. 53). do tais fatores estão dentro de unia tra-
Abolir os alucinógenos é destruir A rapidez e amplitude da difusão.das Outra grande diferença é'ª existente dição já estratificada. É o que Furst des-
a religião, pois impossibilita as práticas drogas entre os brancos teve como ca11Sa entre um princípio ativo sin1ples, obti- tacou como "a inter-relação entre os etei-
xamanísticas e impede que o índio se principal a ambição do lucro, que o ín- do em laboratório, e a interação das cli- tos farmacológicos (da droga), o con-
comunique diretamente com a divinda- dio desconhece. Em todas as nações in- v~rsas substâncias quúnicas da planta texto cultural e as expectativas cultural-
de. Destruir a religião é aniquilar um dígenas. as drogas são sagradas, oriun- viva. mente condicionadas do indivíduo e da
complexo cultural de importância bási- das dos vegetais bierobotânicos. E o seu comunidade•'. 2
ca, inclusive como fator de união tri- consumo é sempre cerimonial, em ritos Paciente
bal e inte,rtribal. E o aniquilamento des- determinados por tradição milenar. Ob- Há variações de pessoa para pessoa,
se complexo vem ajudar o domínio do serva Koch-Grünberg: "Em geral, so- segundo suas condições físicas e psico- 8
silvícola pelo homem branco. mente aproveitam qualquer ocasião e lógicas, e de acordo com o contexto cul-
Bernard Shaw, no prefácio de Ma- qualquer tempo para tomar narcótices os tural en1 que se insere. os n1otivos que O médico feiticeiro indígena revelou
jor Barbara, salienta que a raça branca, índios que foram desmorali.Zados, par a levaram a constuuir a .dtoga etc. ao hon1em branco in1portalltes descober-
por meio da artimanha dos clérigos, im- nossa civiliz.ação.' '4 Um esquizofrênico que cheira oocal· tas no reino ~getaJ, como as drogas a1u-
põe seu domínio aos p<M>S cbamados_pp- na (é comum que os viciados en1 cocaTua cinógenas, que an1pliaram e aprofunda-
mitivos, ''transformando em virtude e sejam esquizofrênicos) tem reações nnlito ran1 o can1po das pesquisas em psicolo-
em religião popular o trabalho peno- 7 diferentes das de alguén1 con1 perfeita gia e psiquiatria. ·
so e a submissão neste mundo, não só saúde física e mental. Un1 grupo de pes.. O pajé, xanlã ou 1nedicine 1nan tem
como forma de alcançar a santidade Um trinômio que será armado várias soas que conson1e detemllnac:la droga an- a autoridade de quem conhece o efeito
como de obter uma recompensa no vezes ao longo deste livro: droga + pa- tes de ouvir Mozart difere radicalmente das plantas. E conhece porque também
Céu"9. ciente + meio. Seus termos se interpe- de outro grupo que fàz o mesmo antes consumiu e consome as drogas que mi-
Sabe-se que algumas missoos ca- netram e completam. de assaltar um banco. Uma coisa é con- nistra. O mesmo tipo de conhecimento
tólicas e suspeitas missões protestantes sumir uma droga por vício, prazer ou fui adquirido, modernamente, por notá-
norte-americanas espoliaram extensas emoção e outra, muito diferente, objeti- veis cientistas, que fizeram auto-expe-
áreas de terras indígenas. É aquela cris- Droga
tianiz.ação que um zulu, dirigindo-se a Sujeita às variáveis de espécie e pro-
um colonizador branco, resumiu numa cedência da planta, partes usadas, so- • A maconha, ~s saliva L., é desconhecida em rodas as nações indígenas. Quando 6 registra-
lo, clima, época de colheita, maneira da sua .~rescnça numa tnbo qualquer - fàto raríssimo - ela foi introduzida pelo branco ou polo ne8f9.
frase inteligente e preci8a: ''Antes nós A ~quente monçio da maconha, nessas reflexfies inici~s, dcw--so simplesmente ao &to de ter ela sido
posswamo,s a terra e vocês tinham a .Bí- de fazer, aditivos utilizados no seu pre~ eleita, em nosso país, a grande vedote no show da repressão às drogas.
blia. Agora vocês possuem a terra e paro etc.
16 Sangiratdi. Jr.

.Peyo~l
riência com a droga que estavam pesqui-
sando. Destacam-se Wass0n, Hofmaim,
Heim, Schultes e outros, cujos trabalhos
serão detalhadamente descritos neste
desse a distinguir as espécies e quais
as partes dos vegetais com poderes psi-
cotrópicos, muitos morreram. A hiero-
botânica também tem os seus márti-
2 (Peiote).

livro. res.
A pesquisa com plantaS psicotrópi- Cada planta mágica abriga um espí-
cas é restrita. Difícil. E até mesmo he- rito, cuja força o índio absorve, ingerin- O Pequeno Cacto das Visões Lwninosas
róica. Porque esbarra no medo e na aver- do o vegetal ou uma de suas partes. Essa
são pela c,troga. Um preconceito cientí- for~a propicia o sono divinatório, as ima- Lophophora Williamsii (Le m .) Co ult. areoladas, em mamilos com p ê los
fico que domina também os organismos gens psicodélicas, o mistério das visões, (Echinocactus W illiamsii L e m . , brqn cos e sedosos1 como num pincel.
oficiais. E atinge até mesmo as cátedras a presença dos mortos, as revelações dos E . L ewinii Sch ., Lophophora L ewi- N os exemplares jovens, as aréolas,
universitárias. Veja-se o exemplo de J. espíritos, enfim, o contato com o sobre- n ii Rusby., Anhalon ium William sii muito próximas umas das outras, fo r-
Alves Garcia, Professor Titular de Psi- natural. Essa força é o mana dos políné- Eng.) rruvn no centro zonliilicado um tufo de
quiatria na Escola de Medicina e Cirur- sios e dos antropólogos. É também o pêlos macios, de onde etnergem as
Família das Cactá ceas. Planta p eque- flores miúdas, r6seas e, às vezes,
,gia da Guanabara. Esse cavalheiro escre- pneuma, 1r vE iJµa , do Velho T~tamen­ na: 15-20 crn, incluindo a ra iz aríi-
veu um livro, em ·que descofiriu que o ab- to - sopro, vida, espírito santo. bran cas o u amareladas. Da m esma
culada, que te1n a fo rma duma cenou- f onna nase~ os frutos, r6seos ou
sinto é "mistura de vinho e haxixe". E, ~ara o índio, um princípio inte-
ra g rande. A parte sup erior, g lo bo- ci:innesins e um pouco maiores que
logo adiante, cometeu estas frases. notá- ligente habita o reino vegetal. Está pre- sa, é mais clorofilada e divid ida em
veis pela ignorância e pelo ridículo: ' 'Al- sente em cada espécie. Essa crença .está as flo res . A parte terminal do peyo tl
g omo s por s ulcos longitµdina is. Os nem s etnpre é wna 'única esfer-p a cha-
dous Hwdey (1894-1963) publicou en- h:oje cientificamente comprovada, con- gomos , por sua vez, têm sulcos trans-
saios autobiográficos sobre o uso da mes- furme demonstra. ampla e detalhadamen- tada, havendo exemplares bi , tri e a té
versais 1nais rasos, fo n nando áreas hexacéfalos.
calina. Viciou-se à droga e, não poden- te, um livro fascinante intitulado A Vida
do obtê-la nos EUA voltou à Inglaterra, Secr(!ta .das Plantasll.
e ali definhou somática e mentalmente. Toda planta psicotrópica é sagrada.
Morreu de câncer pulmonar, e acredita- E toda planta sagrada só é consumida ri-
se que este foi abreviado pela droga. Fez tualmente. O índio não se limita a mur-
moda, inclusive em nosso meio. Huxley murar ·algumas rezas apressadas ou a
foi escritor medíocre, sem estilo e sem cantar em coro alguns hinos religio~.
grandeza artística. Foi, apenas, um ex- Ele obedece a rígidos preceitos. Subme-
p1orador do exótico".3 te-se a severos jejuns· e mortificações.
Chega mesmo a arriscar a própria vida,
ingerindo tóxicos violentos, para entrar
9 em comunhão com os seus deuses, atra-
vés do êxtaSe místico·ou do sonho reve-
O homem quer erguer-se da lama da lador.
terra. E alcançar as estrelas. E entrar em Conta Huston Smith que, certa vez,
contato com os seus deuses. Recorre en- perguntaram a Walter T. Stacy, uma au-
tão às ervas do ·sonho. toridade nos aspectos filosóficos do mis-
A posse de plantas mágicas vem de ticismo, se a experiência das drogas é se-
muitos séculos, através de gerações. É le- melhante à experiência mística. ''Não se
gado de pioneitos que desbravaram o trata de ser semelha11te à experiência nús--
desconhecido. Os que ingeriram pela pri- tica: é a experiência mística'' - respon-
meira vez cascas de árvores, folhas, flo- deu Stacy 10.
res, frutas, sementes, raízes - puros, tri- A droga é a chave que abre as por-
turados, em infusões. Para que se apren- tas da divindade.
Jt
(Ç .V- J..o
au--f..(l
18 Sangirardi. Jr. O Írulio e as Plantas Alucindgenas 19

de Louis Lewin• e Arthur Heffer. Eles relas - tinham as cores mais nítidas e
descobriram que a mescalina é o princi- refulgentes, como se irradiassem luz pró-
pal psicoativo do peyotl6. pria. O mesmo acontecia cem as lomba-
La Barre menciona 9 alcalóides, iso- das dos .livros nas estantes, com uma ri-
lados do peyotl: anhalamina, anhalidi- queza de matizes até então insuspeitada.
na, anhalina, anhalonidina. anhalonina, Eu olhava, extasiado. As jibóias na ter-
Fruto e flor do peyotl, emergindo de um tufo anholinina, lofuforina, mescalina e pe- rina com água, o xaxim com epffitas, os
de p2los brancos e sedosos. lotina8. O principal, que prO\IOCa os efei- quadros nas paredes, tudo parecia trans-
tos psicodélicos. é a mescalina. figurado pela "visão sacramental da
realidade''. 7
Viagem ao País dos
Tesouros Radiosos ... le 1nonde ~érieur s 'offre à luí
A avec un re.lief puissant, une netteté
L 'âJne toute en feu, les yeux de contours, une rlchesse de
B [étincelants. couleurs admirables.
Comeille (lhéodore, IV, 4) Baudelaire!

e Neste capítulo relato apenas o resul- Saí de casa. A rua era a mesma, en-
tado de uma auto-experiência, aliás de solarada, o céu muito azul e, além, a fu-
amador. Pdra os que desejarem estudos maça dos incineradores dos edifícios.
con1pletos sobre os efeit0$ da droga. ver Mas tudo parecia banhado de um esplen-
A raiz do peyotl. com afonna de Referências Bibliográficas, no final do dor inédito e era ao mesmo tempo como
uma cenoura. verbete. Recomendo o trabalho de Rou- que a projeção de minha própria eufo-
A - Parte superior. cloro.filada, hier. 15 ria. De repente, para usar uma lingua-
que é conswnida como alucinó- Durante dois meses impus-me severa gem cinematográfica, começaram as
geno; disciplina: alimentação racional, absti- aproximações (z0<m in) e os afastamen-
nência de álcool, exercícios físicos diá- tos (zoorn out): uma lente 1.oomar ope-
B -parte intennediária, enruga- rios. Boêmio notório, eu me comporta- rada com rapidez, à minha revelia.
da e suberosa; va agora como atleta às vésperas de com- Z.Oom in e eis na calçada a mancha
petição. E isso simplesmente porque ti- de sol que atravessou os ramos dum oi-
e- a raiz propriaJnente dita. nha medo. Huxley já advertira que, para ti. Quantas vezes passei por aqui sem re-
evitar o inferno ou o purgatório, o expe- parar que as manchas de sol possuíam
rimentador deve vir para a droga com o tanta e tão deslumbrante beleza! Havia
fígado são e a mente sem problemas. 7 uma intensa vibração na luz e nos cam-
Finalmente, num dia em que me sen- biantes das sombras, sobre a exuberante
tia excepcionalmente calmo, feliz e bem- plasticidade da calçada.
lo arenoso, como se o peyotl procurasse disposto. tomei às 16,30 o expresso para z.oom out e aí está a rua de novo.
No Chão Arenoso, Quase Oculto.•. se ocultar aos olhos do homem, zeloso a grande viagem ao paraíso: cinco rode- Continuo caminhando.
Há mais de mil espécies de cactá- do seu poder revelador e de suas glórias las de 1nescal buttons trazidos do Méxi- Z.Oom in para a fulha duma planta.
ceas, distribuídas pelas regiões quentes e milenares. co. Men~ de meia hora depois notei que no canteiro diante de um edifício de apar-
secas do globo. Mas o pequeno cacto das as coisas mais próximas ganhavam nova tanientos. Eu já tinha olhado dezenas de
visões luminosas - o Peyotl - só existe Principal Alcalóide: Mescalina vida. As esferográficas nos porta-cane"'8 vezes aquelas folhas, mas só agora via,
em algumas áreas da fàixa centro-norte - azuis, verdes. vermelhas, pretas, ama- conhecia. O primeiro plano absoluto (big
do México. Cresce ao sol asteca, em ter- Segundo Hofmann, o peyotl foi a
renos rochosos e agrestes. onde não é fá- prin1eira droga mágica do México a ser • Em homenagom ao ncdvel toxicologista alemão, o primeiro a ideniificar o peyotl e descrever seus
analisada. O pioneirisn10 dos estudos efeitos, a planta ji teve o nome ospecífico de Lewi!Ui (v. p.17) .
cil ser notado: a sumidade da planta apa-
rece muito pouco à superfície do so- científicos das substâncias psicodélicas é
20 Sangirardi J r. O Índio e as Plantas Alucin6genas 21

close-up) exarcebava os riquíssimos de- um colorido luminoso e wna soberba ri- minado, tendo no alto llllla flâmula ro- tin1os mescal buttons as visões foram se
talhes das cores vivas e huninosas (verde- queza de matizes. As árvores eram as do xa, que tremulava e se perdia no espaço tornando mais espaçadas e menos níti-
garra fu, verde-gaio, púrpura, amarelo- Paraíso. no primeiro dia da criação. A scn1 fin1. Ruíúas com colunas de mármcr das, após o que voltei ao que chamamos
ouro, as manchas rosadas, as nervuras gran1a chegou a revelar, nos seus prodi- re claro. nas quais se enroscavam trepa- de estado normal. Não senti ressaca.
carmesins, tantas cores!) e a variedade de giosos matizes, surpreendentes motivos deiras de flores negras, con10 de veludo. Apenas um pouco de preguiça e sono.
tons, a superffcie de veludo, até mesmo de art nouveatL Uma praia com as ondas de esmeralda Nada parecido com o que Baudelaire de-
·a seiva, fonte da vida vegetal, que fazia líquida e, pelas areias de açúcar-cande, nontinou / 'Q1noindrissement de la volon-
a folha arfar docemente. Recevez,· s 'il vous platt, quelques conchas e caramujos de n1adrepérola. té. 1 O apetite, que havia desaparecido,
Z.001n out e na esquina o sinal abriu, {rares joiaux. Aquela n1oréia que eu vira em Recife - voltou, leonino.
mas há um pequeno engarrafamento e os Mairet (Solyrnan, V-4). Linda! - serpeando numa poça de água A experiência mescalfnica é fasci-
carros buzinam insistentemente. do n1ar, sobre os arrecifes da praia de nante e inesquecível. Três anos depois eu
ZoOln in para uma flor também in- Cheguei em casa à noitinha. Cansa- Boa Viagem. Depois a n1oréia rastejou me len1brava de n1do, revia n1do, como
tensa e maravilhosamente reveladora em ço. Preguiça. Comi mais três rodelas de e entrou nllllljardin1 multicolorido, com se tivesse acontecido ontem. Apesar dis-
seu ineditismo. Na corola pousou uma peyotl. Joguei-me na can1a, para um re- pcdrarias incandescentes, flores lumino- so, jamais senti um impulso irresistível
abelha de ouro, faiscando ao sol. lax. A acuidade visual tinha diminuído sas, frutos de árvore de Natal irradiando para a droga. Gostaria de repetir tudo de
Fui para a praia onde os fenômenos um pouco. Apaguei a luz. Logo após fe- un1a luz sobrenatural. novo, é certo. l::;so apenas porque cons-
se repetiram, zoo1n in, zoom out. char os olhos, começaram a aparecer os tatara que a embriaguez peiótica é ma-
As ondas, rebentando na areia, ti- fosfenos. De início figuras abstratas - Mescalin opens up the way of Mary, ravilhosa e reveladora, mas essa consta-
nham plástica e lunlinosidade. No mo- círculos, losangos, poliedros. bolas. Ris- but shuts the door on that tação nunca me levou a um desejo impe-
n1cnto exato em que a onda rebentava, cos. Nuvens. Fogos de artifício. Un1a of Martlta. rioso de repetir a experiência.
aparecia no dorso uni belíssimo ton1 de cascata de ouro. Novas forn1as. Voltou a Aldous HuxJey7
verde. Len1brei que, certa vez, na sala de cascata de ouro. A vontade não influía O Fogo, o Ouro
jantar de sua fazenda, no interior de São na ocorrência dos fenôn1cnos. Jamais Os comandos peióticos arrombam e as Pedrarias Bíblicas
Paulo, a pintora Tarsila do An1aral me houve qualquer n1anifestação intencional, ''as portas da percepção' '"'. E o experi-
disse que o veludo das cadeiras, que ha- provocada. As figuras iam e vinham em mentador inicia a grande viagem entre os Aussitôt malgré~ 1noi tout mon feu
via desbotado, únha, quando novo, o todas as direções e em vertiginosa suces- astros, nllllo ao paraíso de todos os êx- [se rallwne.
n1esn10 verde que aparece no cimo das são. Tinham movimentos de rotação e tases. O wiiverso já não é estrangeiro, Boileau
ondas de Copacabana, na arrebentação. translação. O que maravilbava mais, des- não está do lado de fora. O indivíduo é
Apanhei um punhado de areia e fui de as prin1eiras imagens, era a riqueza o mw1do. e o mundo o indivíduo. Unos. Desde tcn1pos in1en1oriais o fogo é
deixando cair, lentamente, sobre o ban- de cores e a luminosidade. Con1parei a A atenção só existe para o deslun1bra- sagrado e seu culto seguiu de perto o cul-
co da calçada da praia. A capacidade vi- tm11nobile de Calder que tivesse os seus n1ento de tudo o que, sem a mescalina, to do Sol. Símbolo de pureza, o fogo en-
sual de análise era impressionante. Os elen1entos dotados de luz própria. Depois jan1ais se poderia ver e sentir. Daí o na- canlinbava aos deuses os sacrifícios, in-
grãos de areia faiscavam como diaman- os desenhos se combinavani. Pareciam tural desinteresse pelo dia-a-dia, pelas clusive os dos hebreus, oferecidos a
tes. Mas cada um deles tinha sua forma uma tela de Vasarely, pintada con1 fogo, obrigações de rotina, pelos símbolos e Jeová.
própria, individual, absolutamente iné- sol, luar, estrelas. Tudo rápido, cada for- idéias pré-moldadas. Ouro, prata, pedrarias surgiam jtm-
dita. Um curioso retardou o passo. sem ma dando lugar ao nascimento de outra, As visões não ocorrem na ordem do tan1ente com o fogo nas visões bíblicas.
entender por que algu~m olhava tão aten- con10 nas fusões cinen1atográficas. Iam relato da minha experiência. Com exce- Huxley salienteu que Ezequiel, no Paraí-
tan1ente para um banco de praia - os e vinham. Surgiam e passavan1. Subian1 ção das formas abstratas, que antecede- so, vagava no meio de ''pedras de fo-
grãos de areia rutilando sobre as mil e descian1. Arabescos. Caleidoscópio. ran1 todas as outras, as visões são nüstu- go. "7 Mas há muito mais en1 Ezequiel,
nuanças de cinza do cimento arn1ado, a Grande variedade de cores, porén1janiais radas, alternando-se sem ordenação. o grande visionário. Numa de suas vi-
superfície porosa, extren1an1cnte plásti- anárquicas. Era como se houvesse um Ocorre, ainda, a mesn1a perda de noção sões, surgem no n1eio do fogo querubins,
ca, transbordando daquilo que os pinto- senso plástico na composição das formas de ten1po que notei con1 os cogumelos. fulgores, brasas, relâmpagos, pedras pre-
res denonlinam 1natéria. e dos n1atizes de cada cor. Depois as vi- Cerca de nove horas depois dos úl- ciosas (Ez 1:4-27). Tudo n1uito parecido
Fui para a pequena praça mais pró- sões tornaran1-se mais belas e comple-
xima, onde continuou a n1ágica sucessão tas. Eram, porém, destituídas de "lógi- • Imagem de William Blake, da qual Huxley tirou o 1í1ulo de seu ensaio sobre a mescalina, usando-a
de primeiros planos, irradiando encan- ca", figuras e cenas funtásticas ou poéti- tambSm como epígrafe da obra : lf Jhe doors of perceprion were cleansed, everyrhing will appear lo man
tan1ento, poesia, vida. Cada planta tinha cas. Un1 arranha-céu de vidro, todo ilu- as il is, i11.fi11ile. 7
22 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alu.cindgenas 23
;

con1 as visões da sagrada embriaguez Essa constante presença do ouro é Nomes Dados Pelos Indios huichols e os tarahumares colhem o pe-
mescalinica. menos pelo valor e pela beleza da cor, Peyote, peiote, pellote são formas yotl, com todo o cuidado para não feri-
Os anjos e o próprio Jeová apare- do que pelo fàto de ser metal refulgente. hispani:zadas do nome vulgar do cacto sa- lo, o que provocaria a ira do deus. Mas
ciam aos eleitos entre labaredas de fogo O ouro, "le soleil des métaux", evoca a grado dos antigos astecas. Os autores in- os que apanham o peyotl para os índios
(Ex 3:2. Dt 4:33, 36; Dn 7:9; Ez 1:4-Z7 luminosidade que esplende nos êxtases e gleses e norte-americanos escrevem pe- norte-americanos apenas seccionam a
e 8:1, 3). Elias subiu ao céu num carro nas visões. yote. Em náuatle (náhuatl) é peyotl. As- parte superior, cujas fàtias, secas ao sol
de fogo. puxado por cavalos de fogo (2 sim grafaram os primeiros cronistas co- ou em fumeiro, serão os mescal buttons.
Les joyaux sont les plus beaux, plus loniais. E assim permanece até hoje en- Assim o cacto se reproduz, pela germi-
Rs, 2:11). Ao aparecer a João na ilha de
riches, plus précieux; les bijoux tre os índios mexicanos. nação da raiz que ficou na terra.15
Patmos, Jesus tinha os olhos de fogo (Ap
sont plus jolis, plus agréables, Os buichols dão ao peyotl o nome de É comum, entre várias tribos mexi-
1:14 e 2:18). Lê-se num salmo de David {plus curieux.
que a voz de Jeová desprendia lmguas de hicur(; os coras, seus vizinhos, de hua- canas, que o peyotl seja meticulosamen-
G. Girard tari. Entre os tarahumares também é hi- te esmagado numa espécie de pórfiro
fogo, visão sinestésica que pode ooorrer
sob a ação do peyotl (Sl 29:7). Nas crenças populares dos nórdicos, curl, mas seguido de um aposto, huana- chamado metate, com uma pequena pe..
as pedraS preciosas transparentes tinham, mê, que significa superior, mais alto, por dra servindo de pilão (v. p. 34, 46). O
Que de l 'or le plus pur son autel como a luz e o fogo, a propriedade de certo em decorrência do caráter religio- suco obtido da trituração do cacto no me-
{soit paré. expulsar os espíritos maléficos. so da planta. tate - "espesso, mucilaginoso, ligeira-
Racine (Esther, Ill-9) Todos os paraísos, con1enta H uxley, É o seili dos kiowas, o wokowi dos mente amargo e de cor cinzentaº - é de-
têm abundância de pedras preciosas ou, comanches, e o ho dos apaches mesca- pois dissolvido na água ou no tesguino,
Nos relatos visionários da Bíblia é pelo menos, de objetos que se asseme- leros. No sul dos Estados Unidos, às bebida forte, feita com milho germinado
constante a presença de pedrarias e me- lham às pedras preciosas, como os que margens do rio Grande, o peyotl é ven- e fermentado.
tais preciosos, notadamente o ouro. sím- Weir Witchell denominou ''frutos trans- dido em fàúas secas, sob a denominação
bolo de riqueza e poder, ambição e so- parentes' '. 7 de dry whisky (uísque seco) e mescal but- Complexo Cultural Terapêutico
nho do homem. Como nas cerimónias rituais do pe- tons (botões de mescal), pois as peque- Para os índios do México e dos Es-
O trono de marfim de Salonião era yotl, os profetas eram arrebatados até a nas fatias redondas do cacto seco são fu- tados Unidos o pe)\)tl não ~ apenas o cac-
revestido de ouro. E Salomão mandou presença de Deus ou de Jesus em meio radas, lembrando botões, e expostaS, para to mágico-religioso. Serve também para
que se fizessem 600 paveses e 300 escu- a visões de luzes e pedrarias. Mas o gran- venda, enfiadas em barbantes. Essas os males do corpo. verdadeira panacéia,
dos de ouro batido (2 Cr 9:17 e 9:15,16). de êxtase é o Apocalipse. Levado pelo es~ mesmas fàtias, consumidas em diversas apontam-se efeitos surpreendentes na tu-
De ouro fundido eram as estátuas pírito para o alto dun1 monte, João avis- regiões mexicanas, têm o nome de mes- berculose, em hemorragias, infecções
dos deuses pagãos. A que foi fundida por ta a cidade sanu de Jerusalém, fulgindo cal. consuntivas e inúmeras outras doenças.
Aarão (Ex 32:1-35). As de Baal, expro- como pedra preciosíssin1a, como pedra Essa ligação do peiote com o mes- Externamente, em fricções contra o reu-
badas por Oséias (Os 2:8, 8:4 e 13:2). de jaspe cristalino (Ap 21:10, 11). Na No- cal vem de um erro, agravado pelo no- matismo, em tópico contra dores. quei-
As que Nabucodonosor mandou erguer va Jerusalém os muros eram de jaspe e me dado ao principal alcalóide da planta maduras. picadas venenosas de insetos e
na Babilônia, com 60 côvados de altura a cidade era de ouro, semelhante a vidro - mescalina. Wasson explica, com a cla- até de serpentes. Entre os naiares, inge-
por 6 de largura"' (Dn 3:1). Mas o ouro límpido. Os doze fundan1entos dos mu- reza habitual: "Mescal" vem do espa- rido de 4 em 4 horas, ''permite passar
não era exclusivo dos ídolos do paganis- ros da cidade eram adornados com pe- nhol do México ma.cal, derivado por sua oito dias sem dormir, dia e noite.'' 15 E
mo e foi o próprio Jeová quem ensinou dras preciosas. As doze portas eram do- vez do náuatle mexcali, nome do agave Sahagun, falando dos chichimecas, dis-
Beseleel e Ooliab a trabalharem com ou- ze pérolas, cada porta feita duma só pé- 1naguey ou planta-dos-cem-anos (century se que o peyotl "sustenta-os e dá-lhes co-
ro, prata e cobre (Ex 35:30-33). No san- rola. A praça da cidade era de ouro pu- plant), com o qual é feito um pulque que. ragem para o combate, livrando-os do
tuário construído por Moisés predomi- ro, como vidro transparente. E o rio da destilado, produz o mescal. Mez.cal na- medo, da sede e da fome..."16
nava o ouro puro (Ex 36-40). No templo água da vida, que foi mostrado a João na da tem a ver com ''mescal buttons '· ou
de Salomão, em toda sua glória, o ouro "mescalina". (v. p. 34, !T). A Peregrinação em Busca do Peyotl
cidade radiosa. resplandecia como cris-
resplandecia por toda a parte, inclusive tal (Ap 21:18-21 e 22:1). 1. Huichols
nas dobradiças das portas (1 Rs 6:28,35 Nova Jerusalém era uma cidade Colheita e Modos de Usar Entre os huichols, a grande marcha
e 7:48-50). peiótica. O peyotl cresce lentamente, levando à tem do peyolt é uma longa e árdua jor-
muitos anos para atingir tamanho apre- nada de jejum e penitência, fé e misti-
ciável. Arrancado inteiro, jamais se re- cismo. Lá chegando, os hicurieros, sen-
• 39,60m X 3.96m. O côvado tinha 66.:m. produz. Apesar disso, é assim que os tados em silêncio, comem com avidez fà-
24 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alu.cinógena.f 25

Grupo de hicurieros dos huichols, prontos para a penosa expediçdo em bt4.sca do peyotl
ou hicuri. O peque11i110 cacto taronatt'irgico não é apenas a ligação entre o honiem e os deu-
ses: é também afo11te da vida. Sem o hicuri seria imposs(vel capturar o gamo e não choveria
e o milho deixaria de crescer. Por isso todos os sacriffcios da longa peregri11ação serão am-
plarne11te recompensados. (Foto: Lbumoltz, apud Roultier.15)

Emfil.a indiana, os peregrinos huichols realizam a árdua marcha até a Terra dos Peyotl,
tias dos priineiros peyotls frescos que co- Frazer e Lewin dão à jornada a duração a oeste de Nayarit. Uma camiTlhada dê cerca de 800 quilômetros, ida e volta, em busca do
lheram. Então, em cima de um dos pla- de 43 dias.4,12 Hoje a tradição foi rom- cacto da vida, pois, consuntido ritualniente, o peyotl ou hicuri proporciona saúde, fartura
tôs sagrados, avistam o deus Peyotl, con- pida (v. p. 30). e p roteção dos deuses. (Foto: Peter T. Furst.5)
substanciado no Cervo sobrenatural. Para A pós a penosa marcha em terreno
chegar a esse momento culminante de árido, pedregoso e cheio ele espinhos, os
beatitude, os huichols tiveram de can1i- peregrinos chegam ''enfraquecidos, Uvi- voltan1 às suas atividades normais de al- cio absoluto, para melhor ouvirem o can-
nhar de 350 a 400 quilômetros, da Sier- dos e descarnados ... mas extraordinaria- ma nova, pois, agora, podem confiar na to mavioso do hicuri. Os cactos são guar-
ra Madre ocidental, onde não cresce o mente satisfeitos por haverem cumprido proteção dos deuses. dados em sacolas e ''continuam a cantar
peyotl, até o oeste de Nayarit E outro sua missão e seu dever para com os deu- de tal maneira que, para dormir, nenhum
tanto deverá ser vencido, na longa via- ses." 13 II. Tarahumare peregrino poderia usar um desses peque-
gem de volta. Ao todo trinta dias de mar- As cerimônias religiosas têm a du- A peregrinação dos tarahumares em ninos fardos como travesseiro".15
cha a pé (mais ou menos 25km por dia) ração de cerca de quatro meses, com- busca do peyotl é muito menos longa e Por fim, tocando seus instrumentos
e mais três dias de permanência no local preendendo, após a peregrinação para a penosa que a dos huichols. Dura dez dias de música, toda a tribo vai ao encontro
sagrado da colheita. A caminhada já foi colheita dos cactos, as grandes festas ri- no máximo. Na viagem, os peregrinos dos peregrinos. Celebra-se então a Dan-
de 40 dias. quando a colheita era feita tuais, em que os índios bebem o peyotl alin1entam-sc normalmente. E só chega- ça do Hicuri, que dura a noite toda. Os
mais longe, em local que deixou de ser macerado en1 tesg1úno. A festa, com re- dos ao local da colheita é que passam a cactos colhidos são reunidos junto de
procurado pelos huichols, ou para abre- zas e cânticos junto das fogueiras, termi- consumir alin1entos sagrados, geralmente unia cruz helfaca. Ali depositan1 suas ofe-
viar a duração da marcha ou porque os na na cerin1ônia de Assar o Milho, fim pinole, farinha de milho torrada. rendas votivas. E dão de comer e beber
peyotls se tomaran1 raros na região.15 de todas as abstinências. E o_s huichols Os colhedores trabalham en1 silên- ao Peyotl, o que tem analogia com as co-
26 Sangirardi. Jr. O Índio e as Plantas Alucindgenas 27
dos Caras Pálidas. Mas em todos os en-
midas e bebidas de santo nas religiões celebra-se ao redor de uma fogueira de Da "Ghost Dance'' ao trechoques culturais há mna luta dialéti-
afro-brasileiras. troncos e é entremeada com goles de pe- " Peyote Way" ca entre o velho e o novo. O velho era
Na Grande Festa, a Dança do Fogo yotl e de tesguino.15 o messianismo irredentista da Ghost
Vidi sub sole in loco judicii Dance; o novo, o Peiotismo, religião aco-
impietatem, et in loco justitiae modatfcia, que passou a ser pregada por
iniquitatetn. vários profetas. Pois os índios, massacra-
Ec 3:16 dos nas refregas, acabaram concluindo
''Penas ~uis! '' - ca11tan1 os hui.chol.s, num dos ritos da grande festa do Peyotl. O canto que os deuses dos brancos eram mais po-
el-Oca um mito, ent que os deuses saíram à caça dos ganws, mas escapavam todos, até o 1n(r Exaltada nas figuras dos heróis de derosos. E decidiram aceitar esses deu-
mellto em que surgiu um deks gllamecido de penas ~uis. O gamo é o t11umal que simboliza filmes, histórias em quadrinhos, roman- ses, impostos por uma cultura mais forte.
a fertilidade e o seu sangue é asperso sobre os grilos de milho, a111es de serem semeados.
(Música: Lhumoltz, apud Rouhier.)15
ces de aventuras, a luta do branco contra
o fudio representa de fato mancha ver-
gonhosa na história dos Estados Unidos.
A Planta Revelada Pelos Deuses A heroína civilizadora tem um ir- Os peles-vennelhas eram os donos
México: O Cervo Divinirtulo das pradarias. Viviam em tendas de pele
mão ou parente próximo que se encon-
A teogonia dos aborígines mexica- (tipis) e a base de sua alimentação era a
tra em sério perigo, extraviado numa ex-
nos consta de forças da natureza divini- carne de búfalo. Em sua força, ímpeto
pedição de caça ou de guerra. No afã e majestade o búfalo simboliz.ava o Sol,
z.adas. Uma religião panteísta, com o cUl- de salvar a pessoa querida, ela também
to do Sol e do Fogo. o deus supremo. Um dia chegaram os
se perde. Até que, vencida pelo cansa- sclvagens brancos. E dizimaram as ma-
Os mitos mexicanos estão centrali- ço, pela fome e pela sede, sente que che-
zados no Cervo, animal sagrado, que se nadas de búfalos. E desencadearam a fú-
gou a hora da morte. Cai de bruços so- ria do genocídio (1865-1870).
identifica com o Peyotl. O cacto prodi-
gioso nasce dos chifres do cervídeo, o ca- bre a terra, às vezes tendo a pooição do Apesar de inferior em annas - o ar-
riacu dos índios. E um dos seus ances- corpo em relação mística com o Orien- co e a flecha contra o rifle e o canhão
trais é Nosso-Bisavô ou 0Bisavô-cauda- te e o Ocidente*. É então que os espí- - o índio não se submeteu. Lutou sem-
de-gan10. ritos lhe revelam que está bem perto pre. E foi para limitar e neutraliz.ar a
dela, mal aflorando à superfície da ter- guerrilha indígena que as tribos foram
ra árida, o cacto taumatúrgico. A heroí- confinadas nos guetos chamados Reser-
Estados Unidos: A Mulher-Peyote na encontra, colhe e come o peyotl, com vas (1ndian Territories) (1870-1875).
Nos mitos de revelação do& índios o que recupera as forças e se salva, sal- Em seguida os índios foram espolia-
norte-americanos só excepcionalmente o dos ainda mais, através do Ato de Lotea-
vando tan1bém aquele que desejava so-
peyotl é entregue pelos deuses a um he- mento de 1887 (Allotment Act), o qual,
correr. E recebe o conhecimento da no- sob pretexto de "civilizar" e "cristiani-
rói civilizador. Quem recebe a planta sal- va religião, com seus ritos, suas no~
vadora é sen1pre uma heroína: a Mulher- z.ar' ', visava apenas à cessão de terras aos
e magias. E vai ensinar aos seus irmãos brancos, "provocando a fragmentação
Peyote. de tribo "o caminho do Peyote". territorial das Reservas e destruindo po-
derosas forças de unidade tribal".10

~~~ Jlr· ~ l t r b' 1 ~1 E


Tunalca Yotanka (Touro Sentado), heroi e

tiJ dlJ=i E b' 1 1


k ll
E11tre os taralauniares, 1ulo apenas o índio canta: também os hicuri.s ou peyotls, depois
i Derrotado pela força e iniqüidade, o
índio se refugiou na religião da Ghost
Dance. Dança do Espírito, ''que teve no
mártir da resist2ncia índia. A morte do gn:znde
chefe dos sioux aniquilou as últimas esperan-
ças do seu povo, ante o malogro da Dança
de colhidos e guardados em sacolas, entoant ct11tto niawoso. A melodia acima é de uma dan- grande chefe Touro Sentado (Sitting Bull) dos Espfritos. (Foto: Corpo de Sinaleiros dos
ça religiosa dos tarahumares, na festa cerimonial do Peyotl, à voúa da fogueira sagrada. (Mú- o seu primeiro e mais importante profe- Estados Unidos.)
sica: Lhumoltz, apud Rouhier 15) ta entre as tribos do Sul ..,10 Tratava-se de
uma crença messiânica no retomo dos Jamais houve, porém, unia verdadei-
búfalos e no restabelecimento das antigas ra conversão do índio à religião oficial
• Essa correlação com os polllos cardeais 6 comum em vários ritos dos peles-vermelhas, como nos do branco. Ele identificava o missioná-
propiciat6rios de caça. No México também. Os huichols, na peregrinação em busca do peyotl, dormem
formas da cultura tribal, após a expulsão
com o rosto voltado para o Oriente e, no regresso, para o Ocidente.
28 Sangirardi Jr.
O Índi.o e as Plantas Alucinógenas 29

A cerimônia, peyote 1neeting, é em rios católicos viam o peyotl, cultuado pe-


rio como explorador. Jamais esqueceu Deus é o Grande Espírito. Jesus, geral celebrada sob o tipi, a tenda de pe- los índios da Nueva Espafia.14 Era com
que o branco trazia a Bíblia na mão es- conforme a tribo, é herói cultural, espí-
querda e, na direita, o rifle de repetição. rito protetor, intermediário entre Deus e le do índio das pradarias. Consta de pre- fanático horror e indignação que eles to-
Mas o instinto de sobrevivência fez com os índios ou é o próprio Peyotl. O Poder ces, cantos sacros, ingestão sacramental mavam conhecimento do uso do cacto sa-
que adaptasse a nova crença, que lhe era é o Espírito Santo, cujo controle ritual do peyote e contemplação. grado pelos xamãs.
imposta, às suas velhas crenças ances- pode dar saúde e êxito às criaturas: é o Entre os kiowas, o meeting é Já em 1591 Juan de Cárdenas, cita-
trais. O cristianismo se transforma no Ca- 1nana dos polinésios e antropólogos, celebrado ao pé do fogo. Às 9 horas da do por Rouhier, falando do peyotl e de
minho do Peyote. Que caminho era esse? segundo SlotJcin,18 o pnewna, 7r11Eüµcx , manhã seguinte termina a cerimónia. En- outras drogas que os índios consumiam
do Vellio Testamento. tão os kiowas saem do tipi e comem os por via oral, afirmava que "entre outros
O Caminho do Peyote O Peyotl encerra um poder dado alimentos sagrados, preparados pelas teráveis e espantosos fimtasmas, elas lhes
por Deus para ajudar os índios. Quan- n1ulheres: frutas cozidas, carne defuma- mostram o demônio e até, dizem alguns,
... et remplace, lors de la do alguém come o peyotl absorve es- da e saJpicada com açúcar. fàzem conhecer coisas futuras, o que é
coJnJnunion, la blanche hostie se poder. Por isso seu uso é sacramen- Essa instintiva adição do açúcar, in- a marca do ardil de Satã, cujo papel é en-
eucharistique par la brune tal. O peiotista comunga efetivamente clusive na carne, talvez vise a fazer ces- ganar, com a permissão divina, o mise-
rondei/e d 'un mescal button. com Deus e os espúitos. A comunhão sar a embriaguez mescalfnica. Segundo rável que o procura nessas ocasiões.' '2,15
RouhierlS peiótica exige pureza e humildade. No Huxley, o cérebro é dotado de um certo Em 1611, em pleno confessionário,
rito comunal, o indivíduo isola-se em número de enzimas, que servem para o padre Nicolas de León interrogava os
O Caminho do Peyotl (Peyote Road) si mesmo, entregue à contemplação. Faz coordenar o seu trabalho. Algumas des- recém-convertidos: ''Você bebeu peyotl
é regulado por quatro normas principais exame de consciência. Arrepende-se dos sas enzimas regulam o suprimento de gli- ou deu para outros beberem, a fim de
de um código de ética. A primeira é con- erros cometidos. Recebe orientação. Ga- cose às células cerebrais. A mesca1ina descobrir objetos perdidos ou rouba-
siderada a regra de ouro: camaradagem nha a força dada pelos espíritos. E apren- inibe a pro<lução dessas enzimas, o que dos?" 11 A pergunta revela claramente a
e fraterno amor ao próximo. Seguem-se de. Ainda que viva mil anos, o Peyotl diminui a quantidade de glicose dis~ função divinatória da planta.
a dedicação à família, a confiança em si terá sempre algo de novo a ensinar- nfvel para um órgão que tem constante A pressão e a repressão missionária
mesmo e a abstinência de álcool. lhe.
necessidade de açúcar. Isso porque, pa- tiveram resultados praticamente nulos.
ra tomar possível a sobrevivência bioló- Em 1826, mais de dois séculos após a in-
gica, a Mente-Sem-Fronteiras tem de ser vectiva do Dr. Cárdenas, o padre Tele-
comprimida (afunilada) através da válvu- chea recomendava que não fizessem co-
la redutora do cérebro e do sistema ner- mo "os pagãos e os maus cristãos", e
voso. (... Mind at Large has to be fan- condenava os deuses amerfnctios, entre os
neled through the reducing valve of the quais ojicuri (bicuri), concluindo: "To-
brain and nervous sy$tem). As enzimas dos os deuses pagãos não são bons.' '9,15
que regulam o suprimento do açúcar ao A conversão imposta dava lugar a
cérebro são, em resumo, essa válvula um sincretismo, que também era vee-
redutora. 7 mentemente combatido pelo clero e con-
denado, até a morte, pela Inquisição.
Perseguição Implacável Note-se que o padre Telechea, em sua
pregação, une na mesma frase ''os pa-
Non est enim arbor bona quae gãos e os maus cristãos".
facit fructus 1nalos: neque arbor Como fizeram os negros brasileiros
mala faciens fructwn bonwn. com seus orixás, os índios mexicanos de-
Una quaeque enim arbor de ram nomes de santos católicos aos seus
fructu suo cognoscitur. próprios deuses. Jesus é o Pai-Sol e Ma-
Pinlllras faciais simb6licas dos úulios hllichol.s. Vêem-se nuvens e a chuva que Lc 6:43, 44. ria. a Mãe-Lua. Em presença do peyotl,
cai sobre o hicuri ou peyotl, representado pe/,os círculos conc2ntricos e raiados. o tarabumare fazia o sinal-da-cruz.
No rosto da esquerda está simb-0/izada a ''Mãe do Mi lho'' ou ''Deusa das Chuvas 1 - México No México a in1posição da religião
Ocidentais'' e seus atribwos; no rosto da direita, o ''Pai, o Sol': estilizado em ca- dos brancos e o combate ao consumo ri-
Planta demoníaca, raiz diabólica,
da face, vendo-se ainda falcões, serpentes e archotes (o fogo sagrado). (llustr.: Lhu- tual do peyotl esbarraram em óbices mui-
moltz, apud Rouhier. 15) presente satânico, eis como os mission.á-
30 Sangirordi, Jr. O Índio e as Plantas Alucin<Jgenas 31

to maiores do que nos Estados Unidos. savam o novo culto índio foram unifica- era nocivo, não era tóxico. não provoca- Slotkin, citado por Huxley, tem longa ex-
Em primeiro lugar, porque o culto ao pe- das na Native Àlnerican Church. Num va dependência e que as campanhas ser periência pessoal do consumo ritual do
yotl tinha raízes milenares entre os des- documento que a instituía lêem-se estas bre as orgias dos indígenas durante o con- peyotl, pois é membro da Alnerican Na-
cendentes dos astecas e dos maias. Em normas principais: " ... o objetivo da sumo coletivo da droga tinham tanto va- tive Oiurch. Após demonstrar que o uso
segundo. porque os aborfgines mexica- igreja peioústa é cultivar e promover. en- lor quanto as desencadeadas na velha Ro- ritual de peyotl é inteiramente inofensi-
nos estavam protegidos por defesas na- tre aqueles que crêem em Deus onipo- ma contra as primeiras comunidades vo, diz Slotkin que evidentemente exis-
turais. no alto de montanhas escarpadas. tente e seguem os costumes tradicionais cristãs. 3,9 tem boas razões para ''o Peyote jamais
bravias e de difícil acesso, no sistema das tribos indígenas, o culto de um Pai John Collier, do Departamento de ter sido declarado um narcótico ou o seu
orográfico da Sierra Madre. Celeste; desenvolver por outro lado a:s Sociologia e Antropologia do City Col- uso proibido pelo governo federal". Ape-
Atualmente. esse isolamento nas de- virtudes morais, isto é, sobriedade, zelo lege de Nova Iorque, apoiou o manifesto sar disso, conclui, ''durante a longa his-
resas naturais está diminuindo cada vez na ação. caridade, retidão, respeito mú- dos cientistas. considerando--o de gran- tória do contato índio-branco, as autori-
mais. A oeste de Sierra Madre, por tuo, fraternidade e união entre os mem- dades brancas têm sempre procurado su-
de in1portância para os índios america-
exemplo, o governo federal mexicano bros das várias tribos dos Estadas Uni- primir o uso do Peyote, porque estavam
nos. a antropologia e as liberdades civis.
construiu pistas para pouso de aviões, pe- dos da América: tudo isso através do uso convencidas de que isso violava seus pró-
John Collier, que exerceu cargos federais prios princípios". 1.11
los quais os huichols recebem tecidos pa- sacramental do peyote." 10 no setor indígena, contou em sua moção
ra as vestes e matéria-prima para o arte- Apesar da elevação e dignidade da Proibir o culto do peyotl era. pois,
de apoio que, em 1922, índios peiotistas defender princípios. Era evitar que, con-
sanato, o qual por sua vez é vendido aos nova religião os missionários~ da tribo Tuo (Pueblo) propuseram - sem sumindo a "raiz do diabo", o índio ti-
turistas. Uma escola oficial ensina às perfidamente, a existência de orgias e de-
desconhecer o que isso significasse - vesse sua alma condenada ao inferno.
crianças índias a cultura dos brancos. O gradações nos cultos peiotistas. Ainda ~
rifle veio substituir o arco e flecha, pro- sim, a igreja peiótica conseguiu estabe- submeter-se a completos testes fàrmaco- Era, sobretudo, dar ao selvagem a pro-
vocando o quase extermínio do cervo sa- lecer a coesão de cada tribo e a solida- lógicos, biológicos, psicológicos e sociais teção social. que constituía um dever do
grado, como já havia acontecido entre os riedade intertribal, reunindo. atualmen- sobre o consumo do peyotl. 3 Collier e branco civilizado. Este, forçoso é reco-
Cora. E até mesmo a grande peregrina- te, cerca de 150 mil adeptos. outros encaminharam várias vezes a pro- nhecer, deu ao índio importantes traços
ção mística em busca do peyotl tem ago- A repressão obtusa e sei vagem foi posta a entidades oficiais. Jamais rece- de sua cultura. como o alcoolismo, a tu-
ra boa parte do seu trajeto vencida em insútuída oficialmente pelo Bureau ofln- beram qualquer resposta. berculose e outras moléstias, a sífilis e
caminhões alugados. dian A.ffairs. Repressão que atribuía ao O antropólogo norte-americano J. B. as demais doenças venéreas.
peyotl todos os vícios e doenças, todos
os males físicos, intelectuais e morais.
2 - Estados Unidos Repetia-se, eom n1uitíssimo maior ódio
e ambição, o que havia acontecido no
Is qui manducai, non México. Apontava-se o peyotl como 'a
manducantem non spemal, et qai raiz do diabo', 'o poder maléfico'. 'a dá-
non manducai, manducantem diva do demônio'. Nada disso, porém. era
non judicet: Deus enim ülwn ditado pela ignorância, pelo desconheci-
assumpsit. mento do peyotl e dos seus efeitos. A
Rm 14:3 guerra contra o peiotismo não se restrin-
gia ao bnatismo e ao ódio racial. Visava
1885. Os kiowas e seus vizinhos, co- à submissão do índio, através da hege-
manches e apach~, trai.em o culto do pe- monia do branco. Para tomar a terra dos
yotl para os Estados Unidos, em suas in- índios valia tudo. Exatamente o que acon-
cursões às margens do rio Grande ou. tal- tece hoje no Brasil.
vez, até além da fronteira mexicana. Daí Em 1951, os antropólogos norte-
a religião do peyotl se espraiou, conquis- americanos W. La Barre. P. McAllester,
tando os povos das pradarias até os Gran- J. S. Slotkin, O. C. Stewart e S. Taz pu-
des Lagos. inclusive em território cana- blicaram um pequeno manifesto em que,
dense. com base em estudos e na experiência
1918. As diversas tribos que profes- pessoal, podiam afirmar que o peyotl não
O Íru:üo e as Plantas Alu.cindgenas 33

Ololiuhqui
3 & 71itliltzen
ças dos mais d.iversos povos e regiões,
desde os antigos semitas até os gre-
gos, os romanos e os povos chamados
primitivos.

Dt OLILI ti H .(.V 1, /i• 1111111• ,,&ic.!Mi11m jo/j.,.,,,. ("f.X 11'.


LILIVHQVI .> quam C1•%1J,,,,it •
As Sen1e11Jes Divinatórias
Ololiuhqui e tlitliltzcn são os nomes ticular de Filipe II, esteve no México de
O fcu hcrb:im Scrpcncis ali; vocanc,
voJubilis hcrba cCl, folaa yiridia fcrcns, rc-
indígenas das sementes de trepadeiras 1570 a 1575. Estudou a flora n1ecticinal, nuia,cordis figura. c:aulcs tcrcccs,vi rides. te•
Convolvuláceas, cujo habitat é o sul do a fauna e os n1inerais da Nova Espanha. nucfq•. flores albos, & longiufculos. fcmcn
Méx.ico, notadamente no Estado de Oa- Como resultado de seus estudos, publi- rolundum limilc Coriandro, vndc nomcn.
xaca. cou uni livro, cujo cap. XIV intitula-se:
radiccs fibris fim1lc:s. c:alida quarto ordine
O uso ritual das sementes alucinó- "De Oliliuhqui, Seu Planta Orbicularium planta cCl. lucm Gallicam cur:ar. dolorts ~
genas das duas ipoméias, adiante estu- FolionlID". Segundo ele, a semente tri-
dadas con1 detalhes. é tradição n1ilenar turada do ololiuhqui é usada na medici- frigorcortos fedat. 8atum, 3C prztcr natu·
e sobrevive, ainda hoje, entre alguns na, via oral, ou con10 ungüento, e excita ram lUmorcs difcutit. puluis refina mixtus
povos da região. Con10 plantas cultuais, o desejo sexual (venere1n excitat). Her- pcllit frigus. Juxatis aur frac!lis oífibus, &
sua importância é talvez tão grande co- nández atribui à planta anlplas aplicações lumbis fcrmin:uum laxis,aullo roborc mi..
mo a do teonanácatl, o cogumelo sagra- terapêuticas: não só é indicada nas fra- '
rum auxllialur in modum.S cminis cti:utu
do, e a do peyotl, o pequenino cacto turas e luxações, resolve casos de flatu- cll vfus in mcdicin~, quocl rritum,:ac dcuo-
da mescalina. Com a vantagem de se- lência e remove tun1ores, como cura a sí- ralum, illilumq• capili, & fronti, cun1 lall:
rem suas sementes praticamente inlpe- filis (lue1n Ga/ic(l}n curat) e acalnia as & Cbilli, fcnur morbis oculorum mede ri.
recíveis. Podem ser armazenadas inde- dores do parto (dolores e frigore ortos dcuoratum vcro, vcncrcmcxcitat. Acri cft
finidamente. Levadas para longe. Plan- sedat). l
tadas em lugares onde não são espon-
faporc, & tcmpcrie, \'c)uli & planta cius,
tâneas. E tudo isso sen1 que os princí- Os Muitos Nomes impens~ calida. lndorum facrifici cum vi.
pios ativos sofran1 qualquer variação, da Planta da Serpente dcri volcbant vcrfari cum Supcris,ac rcfpó-
de uma região para outra. O ololiiJ1.qui, ololiuqui, oliliuhqui, fa acciperc abcis,c~ vcíccbãtur plant2,vt dc-
oliliuqui tem vários sinônin1os, que se fipmnt,millcq; phintaGn~a,& dzmonú obuenitium cffigics circumfptéla·
1 multi plican1 de acordo con1 os povos ou rmt. qw in re Solano maniaço Dioícoridis fitnilis furaa(fc alicui vidcri po'fit.
Ololiuhqui regiões mexicanas. Badoh, cuexpalli, no-
solena etc. É o bejuco ou hiedra doses- A descriçtJo do naturalista Francisco Heniández, é de 1651. 1 Mas foi somente em 1897
Rivea corymbosa (L .) Hall. f. (lpo- critores espanhóis. E mais: flor de la Vir- que Urbilta, citado por Hofmann, identificou o ololiuhqui como Rivea corymbosa Hall. f.
moea sidaefolia HBK. , Convolvulus gen, la se1~orita, 1nanto, piule, se1nilla de Ainda assim, a.s dúvidas e indecislJes contirwaram. William E. Safford, por exemplo, confan-
coryrnbosus (L .), lpornoea coryrnbo- la Virgen, yerba de la Virgen, etc. diu essa ipoméia com uma datura. Até que R . E. Schu/Jes, em 1941, veio confirmar, finalmen-
sa (L.), Roth . , Turbina corymbosa Ololiuhqui, em náhuatl, nomeia as te, a ider1tificaçiJo de Urbina, ent brilhan1e monografia, publicada quase três séculos depois
(L.) Rafin.) de Hemá,.dez. 6
sententes e não a planta. Significa ''coi-
' 'Ololiuhqui, que alguns chmnarn sas redondas", "bolinhas", pois as se-
coa.xihuitl ou e~ da serpenle, é uma mentes são n1iúdas e ovais. A planta
erva volúvel, com folhas verdes, tê- clian1a-se coaxihuitl, en1 náhuatl "plan-
nues, cordifo rmes, pedolos verdes ci- ta da serpente", aninial assíduo nas vi-
líndricos, flores brancas e longas, se- sões provocadas por drogas alucinógenas
rnente redonda semelhante ao corian- e personagem de grande importância en1
dro." (Francisco Hernández, v. p. 33). vários mitos an1eríndios, como força ge-
ratriz. Réptil mágico e divino, aninial
otoniano, símbolo fálico por excelência, Sementes de Ipomea violacea, aum~ntadas duas vezes e meia. Apud Robert G.
Panacéia do Séc. XVI
Francisco Hernández, n1édico par- consta a serpente da mitologia e das cren- Wasson.
34 Sangirarrli Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 35

2 Preparo da Bebida, Ontem e Hoje plant), pela crendice de que leva um sé- levaram Albe.rt Hofmann à descoberta do
TUtUJtzen 1àdicionalmente, as sementes do culo para surgir a inflorescência, após o LSD 25*, só havian1 sido isolados en1 pe-
Ipomoea violacea L. (1. tricolor Cav.) quê a planta morre. Na realidade, o tem- quenos fungos. Depois, pela primeira
ololiuhqui ou do tlitliltzen são trituradas
por uma virgem, sobre uma espécie de po decorrido antes da floração oscila en- vez, Hof1nann e seus colaboradores des-
11wmas Mac Dougall, citado por Rás- cobri mm tais alcalóides em plantas mais
son, foi quem descobriu esta espécie, no pórfiro de pedra dura, chamado metate. tre 5 e 60 anos ou mais. dependendo do
A quantidade de sementes para uma do- solo e do clima; comumentc leva cerca elevadas. fanerógamas da família das
ano de 1941, em várias regi~es de Oaxa-
se é pequena: o equivalente ao fundo da de 10 anos. A fermentação da beberagem Convolv.uláceas, Rivea corymbosa e /po-
ca, principalmente na área dos índios za-
potecas. ~ Tem o sinônimo badoh negro, palma da mão semicerrada ou de um de- era obtida n1ediante a mistura da bosta tnoea wolacea, ou seja, ololiuhqui e tli-
em zapoteca badungás. Pois, ao contrá- dal ou de uma tampinha de cerveja. O seca de cachorro à seiva extraída da plan- tliltzen.
rio das sementes do ololiuhqui, que sdo resultado da trituração, parecendo fari- ta . O pulque, popularíssimo no México, Estabelecido o com~to alcalóidi-
marrons, as do tlitliltzen sdo negros, cu- nha, era dissolvido e depois filtrado. Ho- é fabricado atualmente en1 escala indus- co das sementes, Hofmann realizou auto-
neiformes. Essas sementes negros tam- je em dia, também se dissolve em bebi- trial. A bebida é considerada refrescan- experiências com cada um dos seus al-
bétn slJo usadas em mistura com as se- das alcoólicas, como o pulque, chama- te e nutritiva. calóides sintéúcos, verificando que as
mentes marrons de ololiuhqui. do ainda mescal ou maguey, feita com a an1idas do ácido lisérgico são os princi-
À semente preta do tlitliltzen, mais po- seiva do escapo de uma amaralidácea pais responsáveis pelos seus efeitos psí-
tente que a do ololiuhqui, é chamada de do género Agave, principalmente a Aga- quicos. Em outras palavras: os mesmos
masculina (macho) e a outro, marrom, ve americana L. A planta tem também efeitos provocados pelo LSD 25. 2,3
de feminina (hembra). o nome de alóe-dos-cem-anos (century

Séculos de Sobrevivência
Embora Hernández tenha constata-
do que o ololiuhqui excita o desejo se-
xual e o ácido lisérgico possa provocar
delírios eróticos, os índios mexicanos ja-
n1ais consuniiran1 a droga em busca de
prazer e volúpia. As sementes, de sabor
acre, são usadas ritualmente, desde os
tempos pré-colombianos. Droga mágica
dos xamãs, ololiubqui e tlitliltzen ajudam
as curas, os vaticútlos, as revelações. Ho-
je, o seu uso se restringe aos zapotecas.
niazatecas, chinantecas e mixtecas, po-
ms que conservaram suas culnuas imu-
nes à influência dos brancos e do cris-
tianismo, pois vivem em relativo isola-
mento, em n1ontanbas de difícil acesso,
As senienles do oloüuhqui, badoh, piule ao sul do país. Essa dificuldade de aces-
ou hierba de la Virgen. eram trituradas por so conseguiu manter rambém, em sua pu-
wna donzela, no metate, uma espécie de p6r- reza tradicional. o culto do peyotl e dos
fi ro, de pedra dura. Grav. do séc. XIX. cogumelos sagrados. Ultimamente, po-
rém, o governo mexicano ~n1 procuran-
do contato com os nativos, via aérea,
Sementes do Ácido Lisérgico abrindo escolas, atraindo turisras, incen-
Até 1936, os alcalóides do esporão tivando o comércio de artesanato indíge-
de centeio, Claviceps purpurea Tul., que na etc. Trata-se de um trabalho visando

• Assim denominado porque foi o 25.0 111cal6ide descoberto no esporão de centeio.


36 Sangirardi Jr.

~escal Beans
à aculturação do índio. o que significa.
em última instância, sua escravização pe-
lo branco.
serve de acólito devem tomar previamen-
te um banho e usar rou~ novas ou, pe-
lo menos, limpíssimas. É a exigência de
uma PtJreL1 de corpo, que se complemen-
4 ~ Colorines

ta com a pureza da alma, através do res-


Repressão e Sincretismo peito. do recolhimento e do absoluto si-
Hemández. descrevendo a comu- lêncio que deve reinar no local. Há um Sementes Rubro-Negras de Ritos e Danças
nhão dos sacerdotes com os seus deuses. incensório defilillando o ambiente. O pa-
disse que eles comem ''as sementes que ciente. deitado, não pode dizer uma pa- O nome mescal - do náuatle mex-
induzem a um delírio, quando lhes apa- lavra até o dia seguinte... a não ser dor- 1
calli - designa:
, recem mil visões e satânicas alucina-
ções".
mindo. Sim, porque a criança fica junto
dele, para ouvir tudo o que dirá durante
Mescal Beans
a) O agave, maguey (México) ou yuc-
ca, uma amarilidácea, principalmen-
Para os padres espanhóis. os efeitos o sono. Pelo que ele disser - e que lhe Sophora secundiflora (Ort.) Lag. ex
te a Agave americana L., também
promcados pela ingestão das sementes será reproduzido depois - torna-se pos- DC.
chamo.da planta-dos-cem-anos (cen-
das ípoméias mexicanas eram artes do sível saber se as perturbações são devi- Arbusto ou arvoreta, família das
tury plant) (v. p . 34).
demónio. Eles se empenhavam, com vio- das a moléstia ou, o que é sempre mais Legwrünosas-papilionoúleas. Folha
b) Alimento adocicado, preparado
lência, não s6 para impedir que os indí- comum, se resultam de ação maléfica e com folíolos alternados, quase sés-
com as folhas torradas do agave, em
genas continuassem consumindo adro- prete:rnatural. 7 seis, ovado-oblon.g os, ápice retuso,
buraco feito no solo, pelos (ndios
ga. con10 para impor-lhes a religião que Reko descreve o uso atual da droga página inferior de bordos revolutos e
nervura central saliente até cerca de americanos conhecidos, por isso, co-
consideravan1. sinceramente, la pura ver- pelos piuleros, curandeiros que, sob a mo apaches m.escaleros.
dad. PMa o índio, porém, a verdade era ação do piule (um dos nomes do ololiuh- dois terços do limbo. Fl.ores vi.olá-
ceas, em racemos tenninais. Vagem c) Rodela seca do peyotl, o mescal
a força divina das sementes reveladoras. qui em espanhol). orientam seus clien- button (v. p . 23). ·
Eis porque jamais abandonou o culto mi- tes. diagnosticam e receitam. s Por vezes castanho-prateada. contendo 6-7 se-
d) Bebida alcoólica, também com os
é o próprio paciente quem ton1a a bebi- ntentes enca17'Uldas e com pequeninas
lenar do ololiuhqu,i e do tlitliltzen. Em- nomes pulque e maguey. Esta última
da, caindo num estado de hipnose em 1nanchas negras.
bora, para impor seus pontos de vista, acepçdo, de bebida embriagante, de-
contassem os clérigos com a força arma- que, interrogado pelo piulero, dá respos- SJN. Coralino, frijolitos, red bean. tenrúnou fosse dado às semenles da
da do invasor espanhol. tas reveladoras sobre vááos fatos e mis- Feijão devido à fonna das sementes. planta o nom.e de mescal bcans.
Desse confronto entre duas culturas térios ou revela a doença para a qual se
resultou um sincretismo. em que o con- torna possível encontrar os remédios.
sumo das sementes divinatórias tem o seu Tive ocasião de verificar que esse
ritual mesclado com o catolicismo popu- processo é comum a todas as drogas nar-
lar. cóticas e divinatórias, como o ayahuas-
ca ou caapi ou yajé, o paricá, os cogu-
melos sagrados e outras espécies hiero-
O Uso Ritual da Droga botânicas. O xamã ou medicine man, sob
O consumo ritual da droga é feito em o efeito da droga. ganha a clarividência
cerimónia simples, com rezas e invoca- que lhe permite fazer revelações e des-
ções dei Senor y de la Yirgencita. As cobrir a oágem dos males, físicos ou so-
principais oferendas e consagrações são brenaturais. Pode haver auxílio de uma
para Maria e as próprias sementes má- espécie de acólito que. após o despertar
gicas denominam-se semillas de la Vi,... do sacerdote, reproduz as palavras tau-
gen. tnatúrgicas que este proferiu. Ou então
A bebida é servida por uma menina é o paciente que, na hipnose provocada
de sete a oito anos, se o doente fur ho- pela droga. diz as palavras que vão abrir
mem, e por um menino de igual idade, à intuição do xamã as cortinas do desco-
se for mulher. O doente e a criança que nhecido.
38 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alucindgenas 39

Antes que a religião do peyotl se prcr decorrente da ação depressiva sobre o


pagasse ao norte do rio Grande, pelo me- diafragma.
nos 12 tribos indígenas do México Seten- A extrema toxicidade dessas semen-
trional, Texas e New México entregavam- tes fez com que fussem substituídas pelo
se às cerimónias visionárias da Red peyotl, que é totalmente seguro, nascen-
Beans Dance (Dança do Feijão Verme- do assim um novo culto, em substituição
lho) ou Mistle Dance (Dança do Asscr ao da Red Bean Dance. 2 Ficaram, no en-
bio), também conhecidas como Wichita tanto, resíduos culturais e, entre os k:io-
Dance (Dança dos Wichitas, nome de was da pequena cidade de Anadarko, em
uma tribo dos caddos) e Deer Dance Oklahoma, sen1entes são usadas pelos ín-
(Dança do Cervo, animal sagrado dos ín- dios em colares cerimoniais, no culto do
dios m.exicanos). Eram danças cerimo- peiotismo.
niais, em que se tomava uma beberagem
feita com as sementes trituradas da So-
phora secundifloro, com objetivos ora- 2
culares, divinatórios e alucinógenos. Colorines
Weston La Barre, citado por R. E. Schul- Rynchosia pyramidalis (Lam.) Urb.
tes, diz, em 1he Peyote Cult, 1938, que Arbusto da família das legurninosas-
a mesma bebida era utilizada nos ritos de papilionoúieas.
iniciação, como alucinógena. 4 Folhas com tr~s folíolos lanceolado-
Descobertas arqueológicas revela- ovados, nervura central saliente e,
ram que o culto pré-histórico dessas se- rente à rnargem, u1na nervura longi-
mentes mágicas remonta a 1500 anos an- tudinal. F/.ores miúdas, de cores cla-
ras, cálice piloso, com dentes agudos.
tes de Cristo. A planta fui descrita em
i;&ge1n com duas sementes rubro-ne-
1798, por C. Ortega, mas sua identifica- gras.
ção botânica é de 1830, feita por J. L.
Berlandier. 4 Robert Gordon Wasson, em monu-
As referências aos mescal beans vêm mental trabalho escrito juntamente com menta Wasson - ''ele não representou Segundo R. E. Schultes, colorines
de 1539, quando o célebre explorador Roger Heim e outros cientistas, l no cap. as propriedades fecundas da chuva; se tal designa diversas espécies de Erythrina,
e aventureiro Alvar Núõez Cabeza de II (Les chcorzpigno.ns dans l 'archiologie fosse sua intenção, o milho teria figura- como a Erythrina americana Mill., cu-
Vaca mencionou-os como objetos de co- méso-a1nericain), descreve sua descober- do entre os grãos. Ele reproduziu ape- jas sementes, muito parecidas com os
mércio dos índios da região onde hcr ta, no afresco mexicano de Tepantitla, de nas os frutos mágicos da natureza - co- mescal beans, são usadas como narcóti-
je é o Texas. Em 1820, trezentas famí- um renque de cogumelos, alternando gumelos, conchas. colorines - empre- co ao norte do México e sudoeste dos Es-
lias americanas, lideradas por Stephen com conchas bivalves e sementes, cain- gados nos ritos religiosos"l (v. p. 46). tados Unidos. Diz ainda Schultes que al-
S. Austin, iniciaram a colonização do Te- do da mão de Tlaloc, o deus da chuva. Entre os cronistas espanhóis do séc. guns índios mexicanos de hoje chamam
xas, então pertencente ao México. Re- Algumas dessas sementes eram rubras e XVI não há qualquer referência aos ccr as sementes da Rynclwsia de piule, que
lataram essas famílias que os índios Ara- negras, com o hilo distintamente coloca- Iorines. é um dos nomes do ololiuhqui.2
paho e Iowa usavam grandes feijões ver- do no campo vermelho. Eram colori-
melhos como remédio e como narcó- nes. s (Se o bilo estiver na parte preta,
tico. Sementes oraculares, assim eram trata-se das sementes do Abrus precato-
mencionadas na literatura das missões rius L. , que também se chamam colori-
texanas.3 nes, mas são venenosas e, por isso. usa-
O princípio ativo dos mescal beans das pelos habitantes de Santa Cruz ape-
é a citisina ou sophorina, alcalóide cris- nas na confecção de colares.) O artista
talino do mesmo grupo da nicotina, sob que fez o mural pintou com muita niti-
o ponto de vista farmacológico. Provoca dez, de maneira a dar exatidão à identi-
náuseas, convulsões e morte por asfixia, dade dos grãos. "Nesse trabalho" - co-
O Índio e as Plantas Alucin.6gena.s 41

Cogunielos
5 A "Velada" e os Cogumelos
Divinatórios

Robert Gordon Wasson. o genial et-


ção sacerdotal teve sua expressão mais
completa e elevada na figura de María
Sabina.

nobotânico norte-americano, publicou


mais um livro sobre a micolatria na Amé- Os Ágapes de Maria Sabina
'leonanácatl, a Carne de Deus rica Centra1,so o qual inclui amplo e in~
Dentre 50.000 espécies conhecidas, adoração sacerdotal do deus-sol, rito dos tcressante estudo sobre a velada, reunião Junho-julho de 1955. Em Huatla de
trata este verbete apenas dos cogu- povos celtas que persistiu até meados do cm que é consumido cerimonialmente o Jiménez, na modesta casa de Cayetano
melos alucinógenos da família das séc. XVIlI. Segundo processo dos mais teonanácatl, ''a carne de deus''. Chama- García, Robert Gordon Wasson partici-
Agaricáceas, gêneros Psilocybe, Co- primitiVQS, dois pedaços de madeira eram se velada porque se reaHza sempre à noi- pou do consumo ritual dos agáricos alu-
nocybe e Stropharia, além de wnfan- friccionados fortemente e, rente às faís- te, comumente até o alvorecer, em lugar cinógenos.
go di vfrtat6rio da família das Lfco- tranqüilo, nos arredores do povoado e Cayetano, jovem e amável índio de
perdáceas, gênero Lycoperdon. cas, encostavam um cogumelo altamen-
te combustível, que brotava dos velhos com a pesença de número reduzido de 35 anos, foi quem apontou para Wasson
SfN. : - agárico, gr. agárikon, pessoas. os primeiros cogumelos sagrados e quem
Q)' Q' Qtxo·v , através do lat. agari- troncos das bétulas. Frazer informa que
A velada é celebrada pelo xamã, a lhe apresentou Marfa Sabina, a extraor-
cus; bolew, gr. bolités, /3 o>-. t Tl'fS , essa chama de fungo tinha poderes má-
lat. boletus; fungo, gr. phyggos, gicos: proteção contra a feitiçaria, remé- pedido dos que desejam consultar os co- dinária sacerdotisa mazateca. 1bdos os
'PV')'')'or , la1. ftu1gus. gun1elos sagrados. Estes são consumidos que conhecem María Sabina, desde et-
dio infalivel nas doenças malignas do ho-
Fungo (it), hongo, seta (esp.) , cham- ritualmente pelos presentes, com exce- nólogos, pesquisadores e naturalistas, até
mem e do gado, antídoto dos venenos ção das crianças e de dois acólitos; os os mais humildes habitantes da aldeia na-
pignon (fr.), mushroom (ing.), Pilz
(ai. ).
mais violentos. 5 Acendendo the Beltane últimos, além de assistência ao xamã tiva, todos. sem uma única exceção, a ela
fires - as fogueiras no alto da montanha e cumprimento de suas ordens, cuidam se referem com admiração e respeito.
- o homem buscava auxílio e proteção, da privacidade e boa ordem dos traba- "Mana Sabina - escreveu Wasson na
As Fogueiras do Deus-Sol cultuando os seus deuses. Com o teona- lhos. ocasião - é uma cinqüentona de manei-
Nas montanhas ao nordeste das cos- nácatl, o cogumelo milenar dos índios O consulente apresenta ao xamã os ras graves até mesmo quando sorri, de
tas escocesas, cada 1.º de maio, mexicanos. eram os deuses que acendiam problemas que o preocupam, as dúvidas baixa estatura como todos os de sua ra-
acendiam-se fogueiras, simbolinndo a o fogo sagrado no coração do homem. que o afligem. as perguntas que deseja ça, vestida com o huipil maz.ateca [... ].
sejam respondidas. Doenças, furtos, via- Sua filha Virgínia, de uns 30 anos, se-
gens, pessoas distantes das quais não se gue passo a passo as pegadas da mãe, in-
tem noúcia ... ''se a pergunta é formula- clusive em sua vocação. Ela, ''la sefio-
da de coração limpo por um crente, o co- ra", acha-se no ápice do seu poder, o que
gumelo não mentirá. [... ] Uma velada bem explica porque Guadalupe *,
deve ser celebrada por um motivo dig- filiando a seu respeito, nos disse ser
no. Não haverá auxilio em se tratan- "una sidora sin mácula", imaculada, que
do de razões fúteis ou propósitos egoís- jamais se desonrou utilizando o pró-
tas." 50 prio poder com objetivos perversos. Po-
Quem responde às perguntas, quem demos certificar - continua Wasson -
esclarece, orienta e aconselha são os pe- que se trata de uma mulher de mora-
queninos cactos divinatórios. Não é o xa- lidade extrema e nobre espiritualida-
mã. O sacerdote ou a sacerdotisa do culto de, consagrada à sua wcação, uma ar-
é apenas o elo entre o mundo dos homens tista no magistério das técnicas a seu car-
e o mundo mágico e sobrenatural, é go. Cabalmente, uma autoridade''. 24 Foi
quem possui os poderes de receber a luz essa mulher admirável quem abriu, para
que emana do teonanácatl. E essa fun- o casal Wasson, os caminhos que levam

• Guadalupe é o nome da mulher do Caycrano García.


42 Sangirardi Jr.
O Índio e as Pkmtas Alu.cinógenas 43

dos são apresentados sempre aos pares Stresser-Péan, Heim e Wasson en-
- um cogumelo macho e um cogumelo contraram. entre os totonacas, curiosa
fêmea. Com a deglutição, é realizada a doença de origem sobrenatural: o espan-
união dos dois sexos, que gera energia to. 44,22 A doença era devida à perda da
criadora e é fonte de vida. O ágape em alma e. no seu tratamento, usavam cogu-
seu sentido primeiro, de amor, ci-yci1rr1 • melos divinatórios. O doente, na hipno-
A comunhão do teonanácatl, a carne·de se provocada pela ingestão de altas do-
deus. ses dos agáricos, pode descobrir como
e quando foi atingido pelo espanto. Para
isso. um parente registra suas palavras,
A Cura da Perda da Alma das quais o paciente tomará conhecimen-
Os cogumelos sagrados não estavam to, ao dewertar. Será possível, assim, fa-
restritos às cerimónias religiosas: eram zer con1 que volte ao corpo a alma que
ingeridos pelos índios também em suas o abandonara, restituindo o equilíbrio
práticas médicas. Já Sahagun registrava orgânico.
que os agáricos ''são usados contra a fe- O mesmo processo de uma pessoa
bre e contra a gota''.24 Para o índio, po- que fica junto do narcotizado, para regis-
rém, a causa da doença, quase sempre, trar, durante o sono, suas palavras reve-
é mais espiritual do que ffsica. O cogu- ladoras, é encontrado no uso de outras
melo divinatório é a furma de descobrir drogas divinatórias, como, por exemplo,
essa causa e indicar o processo de cura. o paricá, o ololiuhqui, o ayahuasca ou
Dá a clarividência que permite prever e caapi ou yajé.
prover. É o elo de ligação do mundo nús- Eduardo Galvão registra essa cren-
tico com o xamã, o médico feiticeiro. ça na perda da alma - a sombra - en-

Maria Sabina célebre sacerdotisa nlQl,Oleca do cullo do Teonanácall, ''a came t:k t:kus' '.
1

(Foto R. G. Wasson. 50)

aos deuses ancestrais dos astecas. lha, celebrava uma cerimônia simples,
O culto durava toda a noite, até a au- mas solene, com sincretismo indígena e
rora. Numa pequena mesa, que servia de católico, os nomes de Cristo e dos san-
altar. viam-se uma flor num vaso. uma tos repetidos sem cessar. Em certo mo-
imagem do Menino Jesus e outra do ba- mento, porém. as evocações e os cânti-
tismo no Jordão, velas, uma lan1parina, cos passaram a ser no idioma mai.ate€a.
além de taças e vasilhas para os cogume- E sugeriam rituais celebrados há milê-
los a serem ingeridos pela oficiante, por nios e que, transmitidos oralmente de ge-
sua filha e todos os presentes, menos as ração em geração, vieram por fim ilumi-
cnanças. nar a noite mística e encantada de Hua- Teonanácatl, "a carne de deus' : nome nahuátl dos cogumelos mágicos e
tla de Jiménez. divirwt6rios, que estabeleciam a ligaçiJo com os deuses e ancestrais. Maglia-
Sentada numa esteira de vime, diante becchiano Codex, Bibl. Nacional, Florença séc. XVI.
do altar, Maria Sabina, acolitada pela ti- No consumo ritual, os agáricos sagra-
O indio e as Plantas Alucin6genas 45
44 Sangirardi Jr.

tre os caboclos da nosa Amazônia. O minado pelas Pirâmides do Sol e da Lua


doente fica ''asoombrado de bicho'' (per- e pela ciudadela, o vasto quadrilátero do
da da sombra) e só pode ser curado pe- santuárió de Tlaloc, deus do raio, da chu-
los poderes da pajelança, "através do va e de todas as águas.•
controle dos espíritos familiares". 6 O próprio deus Tlaloc, em seu im-
pério líquido, tem a effgie reproduzida
A Arqueologia dos Deuses nos murais de Tepantitla. Em outros
Murais do Vale do México afrescos admiramos cenas cerimoniais,
Na vila de San Francisco Mazapán, sacerdotes. feiticeiros, as almas dos mor-
vale do México, num sítio chamado Te- tos no paraíso de Tlaloclán.
Em todos os murais descobertos no Detalhe de um mural de Teopancalco, no México. A/temam-se estiüzaçôes de cogumelos
pantitla, foram descobertos, em 1940 e e conchas bivalves. Apud R . Gordon Jfbsson. 24
41, afrescos referentes,aos cogumelos sa- México - em Tepantitla, Teopancalco,
grados. Tepantitla fica num altiplano do- Sacuala - estão presentes os cogumelos
sagrados. Mas nem sempre apenas os co- científico para o problema.24 Depois dis-
gumelos. Muitas vezes estes aparecem so, mais de 200 esculturas desse tipo fO..
em renques, alternados com conchas de ram encontradas. Mediam cerca de
moluscos. O bivalve estilli:ado, ~ arte 30 cm. E provinham qpase todas das ele-
religiosa dos astecas. não pretende ai» vações guatemaltecas- e, algumas, das re-
nas simbolizar, como é comum. a geni- giões montanhosas vizinhas. em El Sal-
•o tália feminina, da mesma furma que os vador e no México.
cogumelos não constituem uma simples A princípio consideraram tais escul-
estilização do falo. nuas pétreas como ídolos ou como sím-
Por que essa carapaça de marisco, bolos fálicos. Foi Wasson quem apon-
sempre ao lado do fungo divino? Ambos tou o ''cogumelo de pedra'' como admi-
nascem nas águas. E ambos se uniam no rável expressão de um culto que exis-
consumo ritual dos agáricos sagrados. tiu entre os maias das montanhas e de-
Uma cal viva de conchas calcinadas era. sapareceu antes da chegada dos espa-
ingerida juntamente com o teonanácatl. nhóis. 24
O bivalve furnece o óxido de cálcio, até Calcqla-se que os cogumelos de pe-
hoje utilizado em mistura com outras dra mais antigos têm cerca de 3 mil anos.
drogas, como no masticatório com rolhas Em alguns deles, no suporte da escultu-
de coca. A razão principal: ao ser mas- ra e como que emergindo do estípite, sur-
tigada, a substância alcalina, pela diás- ge a figura de um jaguar ou de um cer-
tase da saliva, liberta o alcalóide da plan- vo, animais míticos de vários povos ame-
ta . ríndios. Thmbém são representados ou-
tros animais: o pisote (quati), mamífero
dotado de um pênis ósseo; um pássaro
Os Cogumelos de Pedra estilizado; e, finalmente, um sapo antro-
Em 1898, pelo jornal Globus, o pomorfu. Por que o sapo? Ensina Was-
grande geógrafu alemão Carl Sapper des- son que esse anfíbio está ligado ao co-
creveu pela primeira vez um cogumelo gumelo em numerosas partes do mun-
de pedra. É possíve~ comenta Robert do. 24 Associado às partes genitais femi-
Gordon Wasson, que esses objetos ar- ninas. notadamente o útero, o sapo. co-
Um dos murais mexicanos de Tepan1illa. Representa Tlaloc, deu.s da chuva e do raio, mo a serpente, é animal ctoniano, inti-
em seu império Uquido, onde nascem conchas e cogumelos. 24
queológicos já fOssem conhecidos em
cenos meios da Guatemala, mas fui Sap- mamente ligado à terra lavrada e fecun-
• Tlaloc vem no ná~tl tia/, terra. É o deus que faz as plantas germinarem e que, com o IOU raio, per quem chamou a atenção do mundo da.
engendra os cogumelos divinos em tia/, a ten:a-mãe.24
46 Sangirordi Jr. O Íruüo e as Plantas Aludn6genas 47

Sabe-se, no entanto, que os cogumelos límpidas, majestosas e serenas paisagens sação de autismo: a alma, desligada do
jamais são misturados com água: seu oníricas. Mais tarde, estendido na estei- corpo, foi transportada para um ponto no
principal alcalóide (psilocibina) é facil- ra de vime, o corpo ficava, inerte, pre- espaço. 8 A única vez que sentiu bem-
mente solúvel na água e a infusão anula- so à terra. enquanto o espírito empre- estar foi após o consumo ritual dos agá-
ria, assim, os efeitos psicodélicos da dro- endia sua deslumbrante viagem às re- ricos, numa das célebres cerimónias pre-
ga. A figura, no entanto, - a virgem com giões celestiais. 24 sididas por Maria Sabina.
o metate sob um píleo de cogumelo - Hofmann, meia hora depois de ha-
relaciona o teonanácatl com outras dro- ver comido os agáricos, viu o mundo Fugaci giomi! a somigliar d 'un
gas rituais. como o ololuihqui, o tlitlilt- sofrer estranha transformação: tudo ga- [lampo son dileguati.
zen, o peyotl, a pastora. nhou aspecto mexicano. Julgando ser Leopardi
Num mural de Tepantitla, além de auto-sugestão, por saber que os cogu-
cogumelos e conchas de moluscos, estão melos vieram do México. Hofmann pro- Fiz uma auto-experiência com cogume-
pintadâs sementes vermelhas com um hi- curou olhar o ambiente como costuma- los secos trazidos do México. O sabor
lo preto. Trata-se de colorines, semen- va ver normalmente, com as formas e as dos fungos é acre e, a princípio, desagra-
tes de Rynclwsia pyramidales (Lam.) Ur- cores habituais. Inútil. Via somente mo- dável. Após a ingestão dos primeiros
ban, usadas com os cogumelos e as con- ti vos e cores mexicanas. O próprio mé- quatro. de um total de 34, senti forte náu-
chas nos ritos religiosos. E assim, no dico que o assistia na experiência, ape- sea, calor no rosto, pés e mãos frios. TI-
' 'Cogumew de pedra·' da Guatemala, mundo místico centro-americano, as dro- sar do rosto tipicamente germânico, es- ve que me esforçar para não vomitar. To-
tendo, sob o plleo, a figura de um sapo an- gas do índio se unem e completam, no tava transformado num sacerdote aste- mei um pouco de água gelada e um café
tropomorfo. O sapo, como a serpente, é sún- afresco dos séculos. ca. Hora e meia depois surgiram os mo- bem forte. sem açúcar. Depois disso a in-
bo/,o sexual e animal ctoniano, ligado à terra
ti vos abstratos, que mudavam constan- gestão prosseguiu, sem acidentes dignos
l.avrada e fértil. Altura: 35,0 cm. Apud R.
Gordon Wasson. 24 Viagens Diferentes temente de figura e colorido, a tal pon- de nota, terminando, pouco depois da
no Mesmo Veículo to que, quando atingiram o mais alto meia-noite, com a água gelada e o café
grau de intensidade, Hofmann tinha a im- amargo.
Quando o sapo é atacado ou se as- L 'hotnme a voulu rêver, le rêve pressão de girar constantemente num Cerca de meia hora depois notei gue
susta, as glândulas existentes em suas gouvemera l 'homme, mais ce rêve redemoinho de formas e cores, no qual as cores, agora, ganhavam nova vida,
costas exsudam bufotenina (lat. bufo), o sera bien le fils de son pere. iria se dissolver.28 mais intensas e refulgentes. De repente,
mesmo veneno secretado pelas verrugas Baudelaitel Heim, ao longo de suas experiên- as estantes de livros e as paredes come-
brancas da Amanita muscaria (L. ex Fr.) cias, teve vários sintomas orgânicos: ea- çaram a oscilar, o que me provocou ton-
Hooker, o agárico do chapéu cannesim, Baudelaire tinha razão. Apesar de lor superficial e frio interno, desagradá- teiras. Apaguei a luz. E logo foram sur-
boleto dos xamãs do Kamchatka. Era este um denominador comum, as "viagens'' veis distúrbios digestivos, viva excitação, gindo visões, iguais às provocadas pela
o cogumelo mágico sobre o qual estava promovidas pelos cogumelos e por ou- dor de cabeça, acessos de hilaridade, vi- mescalina, com um caleidoscópio de fbr-
sentada a lagarta conselheira que Alice tras drogas variam de pessoa para pes- são dupla como a dos bêbedos de álcool. mas abstratas e cores radiosas (v. Peyotl).
encontrou no País das Maravilhas, fu- soa e o relato das experiências apresen- A escrita tomou-se irregular. pelo ritmo Sucederam-se outras visões, mais com-
mando o seuhukah (árabe uqqha) ounar- tam, assim, inúmeras variações do mes- acelerado imposto à mão, e as letras, que pletas. Essas visões eram como se eu as
guilé. Em inglês, o cogumelo (veneno- tivesse vendo, realmente, em plena vigí-
mo tema. eram de tinta preta, pareciam vermelhas. lia. Inclusive mais tarde, ao serem recor-
so) tem o nome de toadstool: toad, ''sa- Wasson descreve as visões que sur- Sensação de naufrágio, de balanço, tor- dadas. Entre elas fatos ocorridos há mui-
po" + stool, "banquinho" = "banqui- giram em uma de suas experiências, em nando o c.aminhar inseguro. Exacerbação to tempo, que haviam ficado nos porões
nho de sapo''. Huatla de Jiménez, vinte minutos após das cores do meio ambiente, mais pro- da memória e emergiam agora, em ima-
Não é raro o preceito indígena de a ingestão dos fungos. Primeiro. formas fundas e fulgurantes. E visões: de ruas, gens oníricas. Uma arqueologia da infân-
que as drogas cerimoniais devem ser pre- geométricas de colorido rico, como em edifícios e encruzilhadas; pontos, riscos cia.
paradas por virgens. Ora, no estípite de tecidos e alfombras. Depois, os ornatos e ornatos coloridos, em constante movi- O sapateiro Zápia, sósia de Nhô
um dos cogumelos de pedra, uma mu- tomaram formas arquitetónicas, com pá- mento. Experimentou, ainda, uma sen- Lau •. empunhando a faca homicida.
lher de seios nascentes está debruçada so- tios, terraços, colunatas. edifícios, em co-
bre o metate, o retângulo de pórfiro que res brilhantes, de magnificência sem
servia para triturar grãos e esmagar er- igual. E um séquito imperial, com car- • Nhô 1.au: personagem do livro Saudade, de Thales C. de Andn1de. A figura foi criada pelo dese--
vas. postos depois em infusão na água. ros de triunfo. E motivos artísticos. E nhista Rassmuuen, para ilustrações da obra.2
48 Sangirartll Jr. O ÍTulW e as Plantas Alucinógenas 49

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O cogumeJo·sagrado dos frulios ~c(JIWS, consunriJo r:itualmente,


com dignidade e respeito, era tido pel.o.s padres espanhéis como peca-
minoso instrnmmto do Diabo. Hongol demonio ydolo.. 47

rlllhas.) Várias gravatas com grande va- calor das mã0S e vi que elas emitiam uma
riedade de desenhos e cor,es: wvas. cromo luz esverdeada, com.o a dos pirilampes.
píntadaS com tinta fosforescente, apare- Lembrei-me, então, do truque usado por
ceram penduradas uma ao lado da outra, um engenheiro ga\1cho, médium espíri-
enquanto algo (voz ou pensamento?) in- ta, para ficar com as mãos ]ominosas.
furmava: As gravatas do Mário de An:- Pretextando ir ao banheiro, lá ele esfre-
drade. (Qpando conheci MáriQ, ele tinha gava nas mãos, dePQis de previamen~
o hôbby de eolecionar gravatas.) Uma ga- umedecidas, a substância química de um
rotinha. (minha companheira de in- Q'aque-de-velha, essa fita de papel que as
tãncia), sentada despreocupadamente em crianças esfregam na parede~ para dares-
(Um sapateiro de Monfe Azul Paulista, fogo. (Meu tio Pedrinho - Pedl\e de.Al- cima <dum n1ourão de porteira, sem a cal- talos. De volta, na semi-obscuridade, o
com quem eu eonversava. parado diante cântara Bourroul - fazia uma càveira de cinha, vendo-se a vulva. charlatão tlava "passes" agitando as
da porta de sua peq4enina loja, enquan: um mamão verde ocado. Qs oriffcúos cor- Num det€rminado momento senti maos, que pareciam fosforesc~ntes. Não
tQ ele batia sola. Tinha sempre muita pa- respondentes aos olh~. ao nariz e à b{:r que .adormecia e que era elevado no es- pude deixar de sotrir, com certo orgu-
ciência e um sorriso de -simpatia ante mi- ca eram vedados com papel de seda ver- paça, atravessando um fluido azul--claro. lhe, ao olhar minha:s mãos repletas de va-
nha curiosidade infanúl. Um dia não o melho. No alto outro orifício, para man- que nrovocava sensa_ção de paz e beati- ga1umes. sem que eµ houvesse usado tru-
encontrei e soube, pesaroso, que estava ter acesa a vela, que era posta, à noite, tude. Regressantlo, muitas ''horas" de- que de espécie alguma.
preso, por haver matado um homem com dentro da caveira e esta, sobre uma tá- pois (perde-se a noção do tempo). senti
sua fuca de sapateiro.) Uma caveira gi- bua. Então, nas águas do ri0 Paraíba, em agradável onda ae calor, ~ subiu do es-
gantesca desliu nas trevas, as cavidades Cruzeiro, meu tio soltava a tábua, que tômago para o peito, braços, mãos e foi Os Demônios nos Fungos
dos olhos, do nariz e da boca rubras de descia, a8sombrando as populações ribei- até a extremidade dos dedos. "Ollrei" o Os padres espanhóis, no atã de con-
50 Sangimrdi Jr. O Íitdio e as Plahtas Afu.cindgenas 51

verter os pagãos de Nueva ESpaila, veri- Jar seu cruel Deus os comungava".Zt Do Séc. XVI a,o Séc. XX: catnpanulatus L. var. sphinctrinUs (Fr~ )
ficám, com espanto e asco, que OS· índios Ora, havia apenas coincidência na Erros e Acertos Besad.39. 42. Heim confum9u a idQiti-
consunllam o cogumelo divinatório. Mas homofonia de teo, deus. do nome nahuatl A diatribe de Frei Toribio de Bena- ficação. mas salientou, mais tarde. que
o seu poder na previSão do futuro Dão teonanácatl, 'carne de deus' e no vocábu- vénte (Motolinía) sobre o consumó rirual não era o teo_nanácatl. Os índios haviam.
passa de artimanha do Diabo. É o De- lo grego ·t~os, 8Eo's , deus, de ohde do teonanácatl é anterior a 1569.32 E é entregue a Schultes~ como sagrado, um
mônio quem induz 'à ingestão dos fungos theobr0ma. 8fol + /3ewµa • 'man- de 1559 o I.:éxtco Tarasco, de Matur.ino cogumelo não usado nos rituais. Até ho-
pecamihosos. E nas visões provocadas jar dos deuses'. Apesar disso, a coinci- Gilberti, onde~ no verbeteHongo, é con- je o ilustre botânico da Harvard não se
signado o uso dos cogumelos sagrados confurriiou com o engano. 38. ~O. 41, 43
pela droga. quem está presente é o pró- dência veio acirrar os missionários espa-
prio Satanás. O daemonum silnulacra, de em Micboacán. 47 Com o casal Wasson tem início. de
nhóis em sua ira. intolerância. expro-
Francisco Hernández26. Diego Durán bração, enfün. o odium theologicum a Do séc. XVI à primeira metade do fato. o estudo ~tematiZado dos cogume-
séc. XX há um silêJ)Cio total sobre o as- los alucinógenos do México.
diz que, c001 a furça daqueles fungos:. os que se referiu o nosso muito citado R.
índios tinham viSõeS e revelações <lo f\1- G, Wasson. 47 sunto, salvo algumas referências even-
turo, ''hablandoles el delilonio en aquella Nos· Arquivos Gerais do MéXico tuais e perfunctórias ao "hongo.que em-
borracha''. O Cãsal Wasson e Colaboradores
embriaguez• •3·. constam vários processos do Tribunal da Curioso,, como o próprio R. G. Was-
Registram também os autores o uso Tomando o vazio ainda mai,0r. Wil-
Inqui$ição. Nwn ~ proces~ o acu- son comentou, foi este encontro de duas
liam Saffórd~ botânico de renome. afu..
dos cogumelos sagrados para pedir chu- sado é um índio que ''comunga as pes- mou em 1915 que os agáricos .alucinóge- e"JJressões culturais diferentes: ele era
va, nas oferendas votivas propiciató- soas e ele mesmo comunga. com uns pe- nos jamais existiram. Segundo Safford, micófobo e a esposa, micófila, pois nas-
rias de searas fártaS e nos ritos agtá- ·quen0S cog~los, que chamam em sua os padres espanhóis, que escreveram so- cem na Rúss~ país dos mais vorazes co-
rios das eolheitas. Informa o Código de língua nanácatl, que é coisa endiabrada. bre o as.sunto, haviam simplesmente can- medores de cogumelos. de que conhecem
Yanhuitlán que os indígenas ''tomam na- pela qual saem dos sentidos ·e dizem ver fundida C0ID cogumetas os pedaços de 90 espécies edules diferentes. 46. *
nacates para inVQCar o Demôniq, como visões endiabra<las [... ] é o corpo do De- um cacto: o peyotl. Lophoolwm William- Desde menina. sentada no colo da
faziam os antepassados~ e que, quan- mónio [... ) pequenos fungos para fae- sii (Lemaire) Coulter.35, 36. ·n Uma tíni- mãe. Valentina P.lvlovna aprendeu empi-
do não chove ou quando colhem o mi- l'em suas velhacarias e são por eles de- ca v0z de protestõ, bastante fraca. fez-se ricamente a distingüir os,cogumelos ce-
lho, chamam o Diaoo";4 Em 1726, nu- dicados ao Demônio...".33 ouvir, denuneiando o err1:> de Saffürd~ a mestíveis dos venenosos. Anos depois,
ma carta escrita aos "Clérigos díocesa- Não duvido .que o missionário, em de Blas Pablõ'Reko. que refutou e conti- furmada em pediatria, ela se casou com
nos, Don JQsé Lanciego, arcebispo do seu fanatismo religioso. estivesse de fa- nuou insistindo: os cogumelos não .só ó banqueiro Robert Gordon WaS:son. de
México, lamenta que os índios perse- to convencido de que o Capeta se in- existiram como continu,avam a ser usá- .Nova Iorque. cuja verdadeira vocação
veiem na idolatria e na adoração que dão corporava aos cogumelos mexicanos ·e dos.48 Saff©rd. porém, persistiu no er- não eram as finanças, mas a pesquisa e
ao Demônio c.om o nome de deus das abria a.s portas do infemo a quem os in- ro e.o silêncio sobre os cogumelos con- a especulação científicas. Durante mais
colheitaS, e critica "hombres y muje- gerisse. Mas teonanácatl, como expli- tinuou. Silêncio que só fbi <1uebrado em de duas décadas ambos reuniràm dados
res vestidos de blanco, cantando a1 De- quei. não tinha nenhum sentido euca- 1939. pelo insigne etnobotâ.nico.Riçhard _sobre o papel desempenhado pelos e~
monio y hasienco (sic) ottas cerimonias rístico. nem tinham os aoorígines qual- ~vans Schultes, ao assinalar que os co.- gumelos nas sociedades primitivas da Eu-
todo a finde tener visiones, engª1\os y quer noção do que ô sacerdote bran- 5umelos continuavam a ser consumidos rásia. Em 1952 tiveram a atenção volta-
invenciones dei Demonio''.31 na região n1azateca. Schultes publicou da para os cogumelQS alucinógenos do
co pretendia lhes oferecer com a h6$tia
em seguida duas monegrafias, identifi- Mtxico. E inic·iaram estudos que. em
O teonanácatl, ''invencione dei De- consagrada.
cando o teonanácatl como o Panaeolus 1957~ relataram em um livro assinado
moniô", fui identificado co_m o próprio Quando se convertia ao catolicismo
Diabo. Numa peça religiosa do séc. XVI, - ou fingia fuzê-lo - o fudio jamais d€i-
• A micofilia nio existe sem a mkofagia, em que o próprio mic6filo costuma ir colher os seus cogu-
de autor anônimo, o petSOnagern p.rin- xava de manter suas milenares crenças melos. Muito diferente, assim, dos champignoni dos goumiets, produzidos em escala industrial o vendi-
cipal é o cogumelo divinatório, "Hon- ancestrais e· continuava a coasumir, às da s em conservas e fra841os. Na ~lônia, por exemplo, país micófilo, houve uma explOSão de alegria enare
gol demonio ydolo' '.47 Jacinto de la Ser- ocultas, os cogl.llÍlel0s sagrado3. Essa fi- os camponeses, logo..·depois da revolu.çio socialista, que lhés permitiu entrar sem problemas nas proprie-
na, em 1656, destacava a analogia en- delidade defendia a unidade da cultura dades dós burg~ses e ex-aristocratas, 'ª fim de colherem cogumelos "à. vontade.
A micofobia vem do velho pavor da morte, entre os queinio sabem distinguir .o s cogumelos comestí-
tre o ágape dos agáricos e a eucaris- abQrlgine e a coesão social da tribo. A veis dos venenosos. Eurípides viveu sua tragédia maior ao perder •mulher, um filho e duas filhasJ por
tia .crístã.24 E quase um Século antes, desintegração cUltural, pela ímposiç~o de haverem comido um prato de amanitas. O Imperador.Cláudio e o Papa Clemente Vll também encontra-
Frei Toribio de Benavente. o Motolinía. uma cultura mais furte, sempre teve con- ram a morto envenenados por cogumelos.
escreve: "Teunan·ácatl, que quer dizer seqüências trágicas entre todos o& povos AAmanila,phalloidu Quélet, agácico dos mais,comuns:, é' respondve,1 por90% dos envenenamentos
com cogume.los. 0utra do mesmo gênero e também letal é a Àmanila caesaria Qu61et.
carne de Deus, ou do Demónio°' que eles chamados primitivos, em todas as par-
adoram [...] , com aquele amargo man- tes do mundo.
52 Sangirardi Jr.
O Índio e as Plantas A/.ucin6genas 53
R. G. ~n trabalhou sempre côm
a colaboração de brilhantes equipes, co- forioxi-N, N-dimetiltriptamina), o prin- no Museu de História Natural de Paris.
mo a chefiada por Albert Hofinann o cipal componente ativo; psilocina (4-hi- A primeira série, com três tipos de Psi-
descobridor do ácido li.sérgico, que de- droxi-N, N-dimetiltriptamina), derivado loqbe mexicana, constou de 650 terri-
terminou os princípios atims dos agári- instável do anterior.23, XT, 28, 29, 30 nas semeacfas.19 Nasceu, assim, uma ex-
cos psicodélicos. Os cogumelos secos têm ação mais traordinária espécie mutante: Psilocybe
Em 1958, a convite de \Vasson, che- forte que os cogumelos frescos. Assim, semperviva Heim e Cailleux. "Mais po-
ga ao México o Prof. Roger Heim, dire- 8 a 10 mg de psilocibina são obtidos em derosa, com mais alto teor de princípio
tor do Museu de História Natural de Pa- 2 a 6 gm de cogumelos secos ou em 13 ativo''.20
ris. O insigne micologista daria contri- a 40 gm de cogumelos frescos.21 Isso dá,
buição inestimável ao estudo dos cogu- a fuvor dos cogumelos secos, a média de b) Conocybe
melos sagrados do México*. 26,5 X 4. Conocybe siliginoides Heim. O no-
me genérico é J'Orque o píleo (cha -
A Botânica do Teonanácatl péu) tem a forma de um cone (gr. kó-
DDR O casal Wasson, em ampla e pacien- nos, )(waio~ . ,figura cônica) . O no-
me especf.fico significa o que é feito
te pesquisa de campo, conseguiu várias
Roben Gonlon Jffuson, o insigM etnobotâni- espécies de cogumelos alucinógenos. To- com o melhor trigo, com o trigo mais
co ~ Nova for~. pioneiro no estudo dos cogu-
dos eles são do gênero Psilocybe, com ex- escolhido (lat. silígeneus +sufixo oi-
1Mlos alucínógenos do México.
ceção de dois. uma espécie de cada gê- de).
nero: Conocybe e Stropharia. Do primei- Conforme Heim em sua diagnose,
por ambos. além de artigos de divulga-
ção em vários magazines.46, 51, 52 Nas-
--
N
ro gênero, excluído o Psilocybe caerules-
cens Murril e o P. yunguensis Singer et
trara-se de espécie lignícola, isto é, que
nasce ou vive em troncos ou Ienhos.16
cia. assim, um novo ramo da etnobotâ- Smith, todos os demais foram revelados
nica: a etnomicologia. por Heim em seus Comptes Rendus, que c) Stropharia
. ~oi ~asson quem. num trabalho ge- tiveram início com o de 20-2-1956.12 Stropharia cuberu;is E:arl.12 A parte in-
nial. idennficou o milenar so1na dos hi- ferior do chapéu é escura, assim como
a) PsilocybelO - gr. psilos, lf 'Àol = o resto da volva, à volta do estipe, que
nos védicos - o haorna dos persas -
com a Amanita muscaria (L. ex Fr.) Amanita muscaria, o agárico-mata-
- nu, calvo, pelado. Caracterizado por wn é longo e recurvado. Da( o nome gené-
Hooker. o agárico do chapéu encarna- moscas, identificado por ffásson como o mi- pedúnculo longo, rígido, tenaz,encitna- rico, do gr. strophas, oreoi.pcxs, tortuo-
do. 45, 49, so lenar soma dos húws védicos. Selo da Repú- do por wn chapéu em forma de sino ou so, que se enrola.
~do os \Vasson chegaram ao büca Federal da Alemanha, onde eSle cogu- cônico.
melo é considerado amuleto. Este cogumelo prolifura no estrume
México. Robert 1. \Veitlaner já possuía
grandes conhecimentos sobre os índios, Psilocybe mexicana Heim.10. 18, 24 de boi. Afuma-se. por isso, que o seu uso
seus costumes. sua história. Em 1936 ele À espécie mais representativa e impor- é relativamente recente, pois não havia
Alcalóides: Psilocibina e Psilocina tante. Comum nos pastos e campos de gado bovino na América Central, antes
obtivera alguns cogumelos sagrados,
tomando-se o primeiro homem branco milho, nasce junto dos excrementos de de Cortés. l Certo. Mas havia grandes re-
Alb_ert Hofmann, o papa da pesqui~
cavalo, tnas não sobre eles.12 banhos do Mfulo americano e do gamo,
que, modernamente, viu o teonanácatl. sa .químic~ no ~ampo das drogas, desco- animais sagrados, este último integrado
Wasson encarece a valiosa ajuda recebi- briu os pnncfp1os atims de praticamen- Além dos PsUocybe mexicana foram
da de \Veitlaner. que, durante de.z anos, te t~s as plantas alucinógenas centro- classificadas e estudadas mais de no complexo cultural do peyotl. Não po-
aconselhou. sugeriu e serviu de guia atra- amencana_s. A frente de sua equipe dos uma dúzia de espécies e variedades deriam os Strophari.a cubensis nascer no
v~ das diversas regiões em que se con- ~boratónos Sandoz, Basiléia, Suíça, do mesmo gênero. 7, ll, 12, 14, 15, 17, 21, estrume desses animais?
sumia ritualmente o teonanácatl. 48 isolou ele ?8 dois alcalóides dos cogu- 22, 25, 44, 46
melos alucmógenos: psilocibina (4-fus- Lycoperdon
Em 1953, Roger Heim, com a cola- Lycoperdon mixtecrum Heün. Gêne-
• Extrapola~o o campo da núcetologia, o grande naturalista parisiense tem dois trabalhos de atuali-
dade cada ~ez ma1~r. 1' em 1952, abordou o problema da proteçio 0 destruiçio da natul'C7.413 Duas dó- ooração de Roger Cailleux. iniciou ex- ro de cogumelo da ordem dos Gaste-
cadas depois, publicou um JlO\IO livro, em quo alerta para a tragédia do desequihôrio ecoJóÍ· ste periênctls de laboratório com os cogu- romicetos. família das Licoperdá-
mundo enfermo e em processo de extinção.9 Heim faleceu em 1979. ico, ne melos obtidos. De 14 espécies ou varie- ceas. Quando novos parecern bolas
dades espontâneas. 11 foram cultivadas brancas, de textura carnosa. O lyco-
54 Sangirardi. Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 55

perdon-gigante, Calvatia maxima, do de lobo': crepitus lupi. Os nomes


atinge wna circwiferhicia de metro são devidos ao fato de que o lycoper-
don, quando niaduro, estoura nwna
e m eio ou mais. poeira escura ou parda.
SJN.: - Lycoperdon, em grego signi- Em agosto de 1961, W~n. Heim
fica bexiga de lobo: lykos, Àl'Xº' , e o etnólogo Robert Ravicz encontraram
'lobo' + perdó. rrEpliw , 'bexiga: exemplares miúdos desses cactos, na re-
Vessie de loup (fr.), puffball (ing.), gião mixteca de Oaxaca, sul do México.
Staubling (al.), cuescos de lobo, pe- O Lycoperdon Mixtecorum Heim, em
dos de lobo (esp.). Em latim há a mixteca si 'iwa, 'hongo de primera'. era.
1nesma denominaçdo espanhola 'pei- como o nome indica, o principal. Uma
outra espécie, L. ma~inatum Vitt. , era
o 'hongo de medio' ou de segunda qua-
lidade, si' i sawa, com forte cheiro fe-
cal.25
Nas doenças e nas adversidades re-
Psilocybe nuxicana Corwcybe siüginoidu corriam ao 'hongo de primera', pelos
seus poderes divinatórios: ingerindo-os.
os índios ouviam vozes com as quais dia-
logavam, recebendo conselhos e orien-
tação. Parece, porém, que os mixtecas
preferiam ~ cogumelos pelas suas vir-
tudes curativas. Na Europa, já atribuíam
ação antibiótica à massa contida nos
exemplares maduros. 4 Era. segundo Jo-
sé Quer, em sua Flora Espailola, o fun-
go dos cirurgiões, fungus chirurgarum,
Lycoperdon mixtecorum Heim. Sua in-
gestão provoca ·all4cinaçl>es auditivas: os ín-
cujo pó cura feridas, desseca úlceras e
dios eram aconselhados pelos espíritos. suaviza hemorróidas. 34

Slropharia cuhen.sis

Psilocybe semperviva
O Índio e as Plantas AlucintJgenas 57
.Pipiltzintzint-li
6 senhos coloridos tridimensionais, em
movimento caleidoscópico.3
As hojas de la pastora são esmaga-
mendado pipiltzintzintli, que la habia de
beber rrwlida por una doncella. 1
Seguem-se as prescrições de um ritual
das }X)T uma virgem no metate (ver p. com fortes mesclas de catolicismo. A be-
34, 46). É este um leit-motif no prepa- bida devia ser tomada em nome da San-
A Sálvia dos Adivinhos ro dos agentes divinatários, nas regiões tíssima Trindade, da Virgem de Guada-
Mazateca, Mixteca, Za}X)teca e outras, lupe e de São Caetano, após o paciente
Salvi'a divinorum Epling et Játiva. como hierba, com as variedades mascu- quer sejam cogumelos sagrados, quer haver confessado, comungado e jejuado
Erva da família das Labiodas. Folhas lina e fenlina: maclw e hetnbra. E Was- sejam o ololiuhqui ou o tlitliltzen ou a durante os dois dias precedentes. O am-
opostas, largamente lanceoladas, ápi- son conclui que o pipiltzintzintli dos as- pastora. biente devia ser abrigado. silencioso, na
ce acu,ninado e um pouco recurva- tecas, a divina planta da era pré-colom- No relato das visões divinatórias dos penumbra. O doente, em silêncio, aguar-
do, 1nargens serreadas. Flores de cá- biana, deve ser idêntica à Salvia divino- índios, após o consumo de alimentos sa- daria, por fim, a visão de um velhinho
lice violáceo, corola da mesma cor, non, hoje invocada pelos Mazateca em grados - sementes, cogumelos, planta - e de uns meninos, todos vestidos de bran-
pubescente. Apenas dois esta,-nes, suas súplicas religi~.4 As folhas da er- figuram freqüentemente hombrecitos (ho- co, que revelariam se o nial tinha ou não
unidos à corola, como em. todas as va, de}X)is de esmagadas no metate, são menzinhos), mujercitas (mulherzinhas) remédio.s
espécies do gênero. Inflorescência ao infusas em água e filtradas, embora re- e duendes (anões sobrenaturais). Eis uma Wasson termina o ciclo com um 'co-
longo dos ramos, em. rocem.os verti- gistros coloniais mencionem a utilização série fascinante de associações, diz Was- gumelo de pedra'. Provém das montanhas
cilados. de raízes, ramos e flores, possivelmente son, começando com a donzela em seu da Guatemala. E faz pane da coleção de
SJN: bojas de la pastora, pastora, }X)rque a planta "tem a virtude divina em metate, tradição velha de muitos sécu- Hans Namuth, de New York. Sob o cha-
shka-pastora (mazateca). todas as suas partes".S los. S Jacinto de la Serna, em seu Manual péu do agárico. fora do estipe, uma fi-
Infunna R. E. Schultes que as folhas de Ministros de lndios para el Conoci~ glll'êl humana, de rosto forte e expressi-
R. Gordon Wasoon esclarece que es- também podem ser ma~das frescas. Os 1niento de sus Idolatrias y ExtirpacWn de vo, está debruçada sobre um plano incli-
ta labiada é sempre cultivada, não se en- efeitos são semelhantes aos dos cogume- Elias, escrito por volta do meado do séc. nado - o metate. É a figura de uma jo-
contrando em estado espontâneo. Os an- los $agrados, porém menos fortes e de XVII, diz, no cap. XV:3, sobre o ololiuh- vem, cujos seios estavam apenas despon-
tigos cronistas espanhóis a ela se referiam menor duração. O característico são de- qui ou o peyotl, que "deve ser moído por tando - uma virgem.S Um tema encon-
mão de donzela". (... como para algu- trado entre povos do México contempo-
nas medicinas es menester molerlo, di- râneo é o mesmo de Jacinto de la Sema
cen que para que haga éste effecto à de e dos registros do Santo Ofício. E é ain-
ser molido por mano de doncella). Mas da o mesnio naquela testemunha fria e
não é só. Conta Aguirre Beltrán que a um muda, um artefuto de pedra, com a ida-
índio, doente das pernas, haviam reco- de venerável de 2.500 anos.
O Índio e as Plantas Amcin6genas 59
Solanáceas
7
As Taças de Mor/eu
S o la nácea vem do latim solanum, cina), o principal, e hiosciamina.
e rva-moura, cujo n o me s·istemátic o,
d ado p o r Lineu, é So lanum nigrum.
A s solanáceas pode1n ser ervas, ar- 1
bustos ou trepadeiras e árvores. Flo- Peito-de-moça
res alternas. Flores hernu.Jfroditas,
Inspiração dos Pajés
g amopétalas, pent..dmeras e actini-
m orfas, s o litárias ou cimosas. Ová- Solanum mammosum L.
rio bilo cular. Caule de até J ,50m. Planta com es-
pinhos, toda ela vilosa.
Gênero Solanum: flores de corola re-
gular e redonda, frutos bagas com Flores de corola curta, limbo estrei-
muitas sementes. Gênero Datura: jlo- to, a zul e violeta.
res em forma de sino, frutos cápsu- Fruto venenoso, com o formato de
las c01n rompimento longitudinal. seio de jovem, donde o nome vulgar
As Daturas constituem o género de e o nome taxionômico da e.spécie.
maio r importtlncia, entre as solaná- SIN. : berinjela (CE), juá-bravo, juru-
ceas alucinógenas. Nilo se conhecern
espécies espontâneas: silo todas plan-
beba-do-pará, maçã-venenosa. Dos
tas c ultivadas ou, pelo menos·, liga- nomes latino-americanos, alguns sig- O peito-de-moça segundo Hoehne7
das a o homem desde os tempos mais nificmn berinjela, outros têm relaçilo
remotos. As Daturas do n o rte dos An- com s eio, teta : berengenita peluda te, que modificou inteiramente os frutos, SIN.: maiko (jivaro), guantuc, huan-
d es silo espécies arbóreas, pertencen- (Mháco) ; chicha (Guatemala); beren- dando-lhes o aspecto interessante de um to, huantuc (canelo), issloma (zapa-
tes ao subgênero Brugmansia. gena cimarrona, berengena de ma- cone ovóide, oom base ornada de cinco ro), termos que designam tanto a
rimbo, pecho de doncclla (Porto Ri- outros cones menores, à guisa de enfei- planta como a bebida.
Há solanáceas decorativas. Outras
co); chichichua (Honduras); chichi- te,..6. 7
gua, chichita, marimbita amarilla, Com as folhas da planta o pajé fuz
são comestíveis, como a batata-inglesa,
o pimentão, o tomateiro, a berinjela etc. chichona (Nicarágua); chichimora (El grandes cigarros que induzem ao estado No preparo da bebida mágica, raspa-
Salvador); giilrito de pasión, pechi- de transe, e, através da comtmicação com se a casca do tronco, que é espremida nu-
Os índios utilizam espécies alucin6genas,
como agentes indutores do contato com to (Cuba) ; pichichio (Costa Rica),- re- o mundo invisível, possibilitam curar ma cabaça. A dose média é de aproxi-
o mundo sobrenatural, principalmente o jalgar, tapaculo (Colômbia) ; ufla de doenças, prever o futuro, desvendar mis- madamente um copo comum (200 g), o
m~dico-feiticeiro, para diagnóstico, va-
gato (Panamá). Nas Antilhas· ingle- t6rios, resolver, enfim, os problemas que suficiente para pr<M>Car as duas clássi-
sas é love-apple. lhe são submetidos. cas etapas da embriaguez com esse tipo
ticínio, adivinhação.
A intoxicação produzida pela droga de drogas: exaltação furiosa e depressão,
tem duas fases opostas: a wna exaltada Solanwn mammoswn era planta cul- 2 com sono comatoso.
agitação segue-se sono profundo e in- tivada junto das tabas indígenas. Hoeh- Maikoa, Huanto ou Floripônclio Reinburg observou que, entre os u-
ne, o botânico da Missão Rondon, encon- As Daturas dos Andes paros. a issioma é reserwda aos homens
quieto. Os sintomas são provocados por
dois alcalóides do grupo tropano. que trou em 190CJ uma cultura de peito-de- 2.1 Datura arborea L . (Brugman- e comtitui, quase semp~ uma bebida de
atuam sobre os sistemas nervosos pe- moça entre os nanbikuáras, além de Ju- sia arborea (L.) Steud.) Anoreta. Flo- prova para os aspirantes de xamã. t2
riférico e central. Esses dois alcalói- ruena, noroeste de Mato Grosso. Segun- res de corola branca, por vezes mna- Para os jivaros, a maikoa é bebera-
des, dos quais a atropina é um com- do Hoehne, foram os nanbilruáras que re/ada, com 15 a 18 cm de compri- gem dos guerreiros, que consultam os es-
posto racêmico, são: escopola1nina (hios- ''provocaram uma poli.carpia concrescen- mento. Fruto ovóide. píritos antes de partirem em expedição.
60 Sangirardi. Jr. O Índio e as Plantas AhlcüWgenas 61

ra os outros. Cada um deles segura uma brancas, à noite fortemente perfuma-


cuia de maikoa. Entre eles avança o ini- das.
ciado, com passos lentos e resolutos. O
jovem é obrigado a tomar pelo menos um É um dos aditivos do ayahuas-
gole de cada cuia. Não hesita em &zê- ca ou caapi ou yajé, juntamente com o
lo. Ele Vcli ingerindo a bebida sagrada tabaco, na bebida chamada peji (índios
com serena decisão. Só assim será logo sionas, do Putumaio, Colômbia e o huan-
mais um homem - caçador, guerreiro to ou guanto (índios do Equador).18
e artesão do tsantsá, a cabeça do inimi-
go miniaturiz.ada pela mumificação. Mui- 3
to breve será preciso conl!-lo. na fúria Flori pôndio-encarnado
desencadeada pela droga. Depois vem a A Datura dos Sepulcros
depressão profunda. Durante o sono, um Datura sanguinea Ruiz et Pa\.'On.
dos velhos procura sugerir-lhe as visões (Brugmansia bicolor Pers., B. sangui-
mais fàvoráveis, que irão povoar os seus nca G. Don.)
sonhos. Pois são essas visões que cons- Corola levemente pubescente (20 cm
troem o futuro. de comprimento), amarela e som-
Kastem menciona a grande festa do breada de vermelho-escuro. Fruto
tsantsá, em que os guerreiros, na flores- 111Clcio e com sententes venenosas.
ta, tomam uma bebedeira profética. Na SIN. : campanillas encarnadas, flori-
grande festa em honra do tambor sagra- bõndio, floribôndio-encarnado 0),
do, os mais velhos tomam maikoa e, nó puca campacho.
dia seguinte. interpretam os próprios so-
nhos.8 Com o fruto do floripôndio-encar-
nado era preparada a tonga, bebida que
2 .2 Datura candida (Pers.)Pasq. os índios colombianos e peruanos toma-
Distingue-se da D. arborca pelas flo- vam ~ ritos solares, a fim de se comu-
res grandes (20 a 30cm de compri- nicarem com os ancestrais.
mento), redondas enrre as pontas, e Conta Barbosa Rodrigues que, des-
pelos frutos graúdos, ciltndricos, de épocas remotas, os sacerdotes do Tem-
rostrados. plo do Sol, 1no Peru, chamavam o fl<>-
SJN.: ahnhclillo, capanilla, floripôn- ripôndi<>-encarnado de erva-dos-sepul-
dio. cros, com a qual preparavam a tonga, be-
bida muito entorpecente. que fàcultava
Para corrigir as crianças rebeldes, os aos sacerdotes a comunicação com os
Galho florido de Datura arborea. E111re os indígenas dos .AluUs, as Da- jivaros dão-lhes bebida feita com esta Da- mortos.14 A denominação erva-dos-
turas s&J plantas mágicas, de cl4ro, adivirihaç&> e profecia. (Foto do Autor) ,1 tura candida e também com a D. sangui- sepulcros (huacacacha), era porque a
\ nea (v. adiante), pois os espíritos re- tonga revelava a localização dos antigos
preendem as crianças, durante as aluci- sepulcros (huacas); onde se escondiam
Tem ainda outros usos, como para o ma- ritos, principalmente os ancestrais, os nações. Os mapuches do norte do Chile tesouros.
rido traído descobrir quen1 é o sedutor ''velhos'', chamados arutama. O retiro procedem da mesma forma. Outra planta ligada aos túmulos é
da esposa. Félice descreve o rito indivi- dura geralmente três dias, após os quais a Datura aurea (Lagerh) Safford. Suas
dual, celebrado numa cabana especial, o ele volta e conta os sonhos pressa~s 2 .3 Datura suavcolcns HBK sementes eram usadas pelos antigos chi~
''rancho dos sonhos'', onde, antes e de- Entre os jivaros do rio Pastazza. in- Ao contrário das daturas arb6reas chas, de Bogotá, para estuporar vitivas
pois de beber amailroa, o jivaro toma ba- rorma ~tem, a maikoa é uwla tamb6n das altitudes andinas, esta espécie e escravos enterrados vivos com os
nhos lustrais e se submete a rigoroso je- pelos adolescentes, nos ritos de passagem c,.esce nas regilJes mais baixas e chefes e guerreiros mortos, acompa-
jwn, ingerindo apenas suco de tabaco. para a virilidade. Os anciãos da tribo são quentes. Subarbustiva, muito esga- nhando-os na grande viagem sem retor-
Nos sonhos da maikoa aparecem os espí- dispostos em duas filas, de frente uns pa:- lhada. Grande~ flores plndulas, no. 15 (Veja ilustração pág. 62.)
,
62 Sangirordi. Jr. O lndio e as Plantas Alu.cinfjgenas 63

4 SIN.: Os kamsás dao à planta o nome de


Methysticodendron metak;Wai borrachero (embriagador do ja-
A Árvore da Embriaguez guar) e, em castelhano, denominam
Methystlcodendron amesianum Sch. culebra-borrachero (embriagador da co-
Árvore com pouco mais de 7 m. Di- bra), dois animais freqüentes nos mitos
fere das daturas pel(,l corola profun- ameríndios e nas visiJes provocadas pe-
damente lobada, fendida até próximo las drogas.
de sua base, e pelas folhas liguladas Methysticodendron, o nome genérico da-
muito longas. âc por Schultes, significa árwre embria-
No vale andino de Sibundoy, sul da gante: gr. methystikos. µ,EfJvonKÓ'i,
Colômbia, o etnobotélnico Richard 'embriagante'
,
+ dendron, ôEvôQov, 'ár-
Ew:ins Schultes enconlrou mrios clo- vore.
nes de da/ums. Cullivada junto às ca- O Methysticodendron amesianum Sch., talvez o mais vi.olento dos narcóti-
banas dos fndios kamsas ou inganas, Prepa.ra-se a bebida ritual esmagan- cos a11dinos. Segundo R. E. Schuúes.
taü· espécies apresemawun-se gran- do as folhas e mergulhando em água fria,
demen1e atrofiadas, através da repro- durante mais ou menos meia hora. Pou- rapazes aprendizes de xamã. Alguns se- discutivelmente o mais forte de to-
duçdo vegetal. Alguns desses clones co antes de ser ingerida a droga (sempre gredos dos médicos-feiticeiros são apa- dos os narcóticos da região, acentua
ou ''raças'' eram Ido monstruosos, na fase da lua minguante), as folhas e a rentemente revelados, quando o noviço Schultes, superando em perigo e potên-
que se tornava difícil identificá-los infusão são ligeiramente aquecidas e agi- está sob a proteção da droga. cia todas as espécies arbóreas de Datu-
com espécies conhecidas, embora en- tadas. Então o líquido é coado. Parece Os feiticeiros recorrem à intoxicação ra. 17
tre os íruJios tivessetn nomes vulga- que nunca deixam ferver. com o Methysticodendron apenas nos ca-
res bem conhecidos. Uma dessas es- A planta é propriedade de filmílias S<?S muito importantes ou difíceis, de adi- s
pécies, variante extrema da árvore determinadas, que os feiticeiros transfe- vinhação, profecia e cura. A en1briaguez
Toé ou Maricaua
Datura, foi descrita por Schultes co- rem ao filho mais velho, juntamente com dura commucnte dois dias. Por vezes per-
A Datura da Vidência
mo wn gênero diferente: Methystico- os segredos do seu uso. dura durante quatro dias. Há um longo Datura insignis Barb. Rodr.
dendron. 17 Doses menores são ministradas aos período de perda de consciência. É in- Arbusto ou arvoreta, de 1 a 3 m.
64 Sangirardi Jr. O Índi.o e as Plantas Alucin{>genas 65

Grwuiesflores inodoras, axilares, ser cefulgias e sensações desagradáveis e te, usado principalmente pelas tribos Yu- loco. Jeemsonweed. stramonium ,
litárias. Corola branca (33 cm de más; porém, a embriaguez que ocasiona mán (Arizona). Yokut (Califórnia), Na- thom aple (ing.), stramõnio (it), her-
comprimento), limbo def;.J.ado e lon- o 1hoé, é como o haschisch dos árabes. vaho ou Navajo (Novo México), Paiute be au sorcier, herbe du diable, pom-
g cunente acwninado, róseersangUf- a liamba ou diamba dos africanos (Can- e Ute (Utah). me épineuse, stramoine (fr.) Ateche-
neo. Rizzini: ''Os frutos silo descer nabis indica L), toda voluptooa, cheia Informa Schultes que os zunis (No- pel, Zauberer-oder Teufelskraut (ai.).
nhecidos; s egundo todas as observa- de prazeres e bem-estar, além de tornar vo México) valem-se da planta como nar-
çlJes e informaçlJes disponíveis, a o indivíduo um verdadeiro médium cótico. anestésico e tópico para tratar fe-
planta não frutifica mesnw·~ 13 lúcido.' ' 14 rimentos. Somente os sacerdotes da chu-
Os efeitos da droga são suspensos va podem colher o vegetal. Eles colocam
SIN. : marikaua, thoé, trombeta, pelo vômito, prO\OCado pelo paciente ou, a raiz pulverizada sobre os olhos, as ore-
tro mbeteira-rósea. se está inconsciente, por mn companhei- lhas, a boca. làmbém mastigam a raiz,
ro. Aqueles que bebem toé furem um mês para entrar em comunicação com os es-
O thoé ou marikaua, segundo Riz- de rigorosa dieta. com abstenção de be- píritos dos mortos e pedir chuva.15
zini e Bastos, 13 encerra 0,30 % de 1-esco- bidas alcoólicas. Em algumas tribos, a droga é inge-
pol(Ilnina (hioscina) e apenas 0,02 % de rida pelos adolescentes. nos ritos de ini-
hiosciamina, sendo o primeiro alcalói- 6 ciação. Os yokuts consomem-na numa
de, portanto, o principal responsável pe- Toloatzin cerimónia da primavera. assegurando
los sintomas provocados pela ingestão da A Datura dos Astecas saúde e vida longa para os jovens.
droga. Datura inoxia Miller (D. meteloides Tomam-na os yumáns, para induzir so-
Descrevendo os efeitos da sua Da- nhos, ganhar poderes, predizer o futuro. Flor do estramJJnio, erwi dafeiliçaria eu-
DC ex Duval.)
ropéia, u.sada também por algumas naçDes
tura insignis, que observou entre os ín- Flores de corola branca e pubescen- itadígen:as none-amerieanas. ~lo da Suíça.
dios de Tabatinga, em direção do Peru, te, curtamente cuspidada (10 cm ou 7
onde o rio Amazonas tem o nome de Ma- mais). Frutos com espinhos relativa-
rafion, observou Barbosa Rodrigues que menle macios e pequeninas sementes &tramônio Planta sagrada dos zufiis, índios da
' 'pelas virtudes que nela encontram castanhas. A Erva-do-Diabo culnira pueblo, o estramônio (a 'neglalc-
servem-se sempre dela nos seus dias de SIN.: em náuatle toloatzin, hoje cha- Datura stramonium L. ya) pertence aos sacerdotes da chUV'cl e
tristeza e alegria''. Assim é que ''quan- mada toloache. Alguns aulores insis- Erva de flores brancas ou az uladas, aos chefes de certas fraternidades religio-
do os índios querem ver um parente, um tem on grqfar o nome específico com solitá rias, na bifurcação dos ramos. sas. Somente o xamã pode colher esta er-
amigo ausente ou morto, um &to que está dois nn, supondo que seu étimo é o Frutos ovóides, eriçados de grossos va. Ingerida, leva ao estado de transe, que
se passando longe ou se passou; quando latim innoxium - inócuo, inofensi- espinhos. A planta tem cheiro desa- petmite "ouvir as :vozes dos p4ssaros'',
desejam lembrar-se e assistir uma vitó- vo, que nllo causa dano. O primitivo gradável, sabor nauseabwulo. curar e adivinhar. Também é usada pe-
ria de suas guerras; achar um objeto per- nome específico metelóides era pela SIN. : erva-dos-bruxos, erva-do-cor- los médicos-feiticeiros como tópico. em
dido, passar, enfim, horas agradáveis em semelhança dessa Datura com a D . vo, erva-do-diabo, erva-dos-cheiro- ferimentos e contusões. É o que lemos
que só sensações agradáveis sintam, to- metei L., muito comum na Europa, sos, erva-dos-mágicos, erva-dos- em monografia do grande etnobotânico
mam meio cálice da infusão de S ou 6 onde a usamni como intoxicante. mortos, fedores. fedorentos, figueira- La Barre. 9
folhas, o que produz letargo e embria- brava. figueira-do-inferno, mamoni- Além dos zufiis (Utah), também os
guez durante o qual o espírito adquire lu- nho-bravo, pomo-espinhoso, zabUillba utes (Salt Lake), os pimas e maricopas
cidez hipnótica.,. A Datura inoxia era conhecida no (CE) . (Arizona) todos eles fumavam as folhas
Por essa descrição, vemos que o toé México desde a era pr6-colombiana e, Estran1onio, berengena del diablo, es- do estramônlo. misturadas com as de
ou maricaua tinha fama de possuir as ainda hoje. apesar da extrema toxicida- tramónica, flor de la trompeta, hier- uma ericácea, Arctotaphylos glauca. Se-
mesmas virtudes telepáticas atnbuídas ao de, continua a ser usada pelos índios do ba del diablo, hierba de topos, he- gundo Lewin, também mascavam as fo-
yajé ou caapi ou ayahuasca. O insigne bcr norte do país, como planta medicinal. dionda, higuera dei infierno, higue- lhas puras. sem mistura. 11
tânico e antropólogo enfatiza, ainda, a alucinógena e divinatória. r~ loca, manzana espinosa, trompe- Diz Schultes que os índios do nor-
natureza prazerosa da embriaguez produ- Como aconteceu com o peyotl, o to- tllla (esp.) e mais os seguintes n01nes deste dos Estados Unidos "fazem limi-
zida por sua Datura: "Sabemos que a be- loatzin atravessou o rio Grande e pene- latino-americanos: chamico, chamis- tado uso da droga''. Mas o estramônio
ladona, o estramônio ou o tabaco produ- trou n~ Estados Unidos, onde predomi- co, boja de tapa, iiongué, pedo de é o principal ingrediente do wysoccan,
zem o narcotismo. com visões, delírios. nou nas áreas secas e quentes do sudoes- fraile, pedro noche, tapata, vuélvete bebido pelos algonkins, leste dos Estados
O Índio e as Plantas Afllcindgenas 67
66 Sangirardi Jr.

win, descrevendo os sintomas físicos e la n1ucama ou pelo pajen1, misturada


psíquicos provocados pela droga, mos- com alimentos Uquidos. a planta levava
tra a preponderância de violenta insaru- a vítin1a à den1ência ou às portas da mor-
dade e tendência a cometer desatin0s. te. O naturalita J. Baptista de Lacerda,
"Mais graves eram os efeitos", diz o do Museu Nacional do Rio de Janeiro,
grande toxicologista alen1ão. ''provoca- tem longo e minucioso estudo sobre o
dos pelos fanáticos religiosos. os tauma- aJnansa-senhor. 10
turgos, os magos, os sacerdotes e os char- Entre nós, o estramônio tem vários
latães que. ao longo das cerinlônias cul- en1pregos na medicina popular, notada-
tuais, faziam fosse aspirada a fumaça da mente contra asma e a coqueluche. Con-
planta atirada sobre um braseiro.'· 11 tra a asn1a funlaID-se as folhas secas, que
A título de curiosidade, vale mencio- n1uitos con1pram nos ervanários. de on-
nar que os negros escravos do Brasil pre- de a advertência de Hoehne: ''As pessoas
paravam o chamado l11nansa-senhor, com que as adquirem ignorando o modo de
plantas tóxicas, entre as quais as raízes usar, preparam cbás das mesmas e assim
pulveriz.adas do estramônio. Servida pe- se envenenam''. 7

~ ' '
O estramônio, com outras solanáceas, e71trova na f6mulla do wagüento das bncca.s. Nes-
ta ütogrofia de De~roix, Fausto e Mefist6feles presenciam uma orgia de bruxas e denúJnios,
no pico de Blocksberg.

Unidos, antes de um rito de passagem. O estramônio é droga usada pelos ín-


em que se processa a iniciação dos ado- dios norte-americanos, parecendo ser in-
lescentes. ts tei ran1ente desconhecida no contexto
Carlos Castaneda, que é mais autor n1ágico-religioso das tribos do sul do rio
de ficção científica. diz que Don Juan, Grande.
o seu guru mexicano de Sonora. consu- A Datura stramonium já foi erva de
mia estramônio com finalidades mági- grande prestígio na feitiçaria européia.
cas. 2 Em outros livros. inexplicavel- Entrava na fótnlula do ungüento das bru-
mente. Castaneda dá ao estran1ônio o no- xas, o qual as levava a copular com o De-
n1e científico de Datura inoxia. 3, 4 n1ônio, nas orgias frenética do sabá. Le-
O Índio e as Plantas Alucin6genas 69
Fu,nzo ou Tabaco
8
A Erva Lustral e Exorcista
Planta americana da família das So- (Huron, leste do Canadá). páis (chiqui-
lanáceas. tos. Bolívia), petema (omáguas). pety
De7.enas de variedades cultivadas em (guaranis), sabare (mójos, entre os rios
todo o mwu:lo. Todas descendem pra- Ucayale e Madeira), sayri (em Quícba,
ticamente das dl4as seguintes, que sdo Peru), scema (cabres, sul das Antilhas e
as principais. Colômbia), sema (algonkins), tutup (Vi-
léla), vetl (México).
N icotiana tabacum L .
Grande erva, 1 a 2 m de altura. Fo- Sobre os nomes do tabaco no Méxi-
lhas grandes e macias (cerca de co. Wasson dá o náhuatl yetl, que ante-
50 cm x 15 cm de largura), alterna- riormente era pçietl (agora o vernáculo
das, sésseis, geralmenre ovado-lan-
ceoladas, acuminadas, veias salien-
tes na página inferior. As folhas mais
próximas do caule stlo amplexicau-
les. Flores bonitas, dispostas em ra-
cemos, que formam ampla panícula
terminal. Cálice pequeno, ovóide, de
5 pétalas agudas; corola foniliforme,
tenninando em 5 lóbulos róseos. O
fruto é uma cápsula ovóide, com deis-
cência valvar,· sementes pardas, nu-
merosas e diminutas.

Nicotiana rustlca L.
Nativa no México e na regillo leste
da América do Norte. Difere da an-
terior pelo menor porte, folhas maio-
res e mais tomentosas,flores amare-
ladas e menores.

32 Nomes do Tabaco

SIN. tabaco {esp.). tabacco (it.), tabac


(fr.), tobacco (ing.). Tabak (ai). petum
(tupi). Na África, famu, em muchicon-
go. deu o português fumo. 12
Humboldt 16 dá os seguintes nomes
indígenas do tabaco: cavai (índios tamia-
naks), jema (maip11res), nalodagadi
{Mbayá, a oeste do Paraguai), oyngua
70 Sangirordi. Jr. O Índio e as PI.antas Alu.cinógenas 71

pisiete) e que já foi quauhyetl. 37


No Brasil, o nome indígena da plan- Perfil da estátua de bipilli, o Prlncipe
ta foi assim grafado pelos crooistas: pe- das Fio~. descoberta nas Jaldas do vulcllo
twn (Thévet), pytyna (Lery), bettin Popocatepetl. Apresenla, mi relevo, estiliza-
(Staaden), petigma (Fernão Cardim). ç&s de flores de plantas alucinógenas, entre
Alguns autores attibaem a origem da as quais o tabaco. (Foto do Autor)
palavra tabaco ao nome da pequena ilha
caribe de Tobago, nas costas da VCnezue-
la. Ora, Tobago foi descoberta por Co- do, sem primeiro oferecer fumaça aos
lombo em 1498. E seis anos antes che- maéreboe, amanheceram cegos e trans-
gava ele ao Haiti, antiga Espaiiola, de- formados em ariranhas. 29 Maéreboe é
pois anglicizada como Hispaniola. a alma do xamã, o médico-feiticeiro. As
Acompanhava-o Gonzalo Femández punições revelam a importância do taba-
Oviedo, que encontrou a palavra tabaco co na cultura bororo, como na cultura de
entre os índios arawáks, designando um praticamente todos os povos ameríndios.
tubo em forma de Y, com que os nativos Numa lenda dos bakairís, ~ gêmeos
aspiravam a fumaça produzida pelas fo- Keri e Kame. heróis solares. após várias
lhas duma erva "', hoje Nicatiana. Outros proezas cosmogônicas descem do céu e
acham que tabaco designava também os ensinam à tribo o uso do tabaco e a arte
cilindros de folhas enroladas, que forma- de fazer cachimbos. 26
vam os enormes charutos dos arawáks. Entre os qninre instrumentos de Ju-
Foi o embaixador Jean Nicot quem rupar!. herói civilizador das tribos do rio
introduziu oficialmente o tabaco na Fran- Negro, está o Piron, ave fillcônida que re-
ça. em 1560. Daí os nomes erva-do- presenta o pajé, pois foi esse pássaro que
e1nbaixador (herbe de l'ambassadeur), lhe deu a pedra que se tomou divinató-
erva-de-Nicot (herbe à Nicot) e, final- ria com o fumo e o carajuru. 7
mente, nicotiane, proposto pelo Duque Aloberi e seu irmão, heróis dos ka-
de Guise. Este último, latinizado para Ni- rayás, eram casados com as filhas do Sol.
cotiana, transfom1ou-se no nome botâ- E a primeira das três provas a que ele
nico do gênero, dado por Lineu. submeteu os genros, fbi irem buscar o fu-
mo. o que só conseguiram con1 auxílio
Herança dos Deuses e das esposas. O fumo pertence ao Sol. 2
Heróis Tribais Nas pradarias norte-americanas. a
O tabaco, planta sagrada do índio, Vaca Branca dos Bisões, cujo leite seria
chegou até o hon1em trazido pelos deu- vertido sobre a terra para que os homens
ses e os heróis civilizadotes. pudessem viver. aparece em sonho a dois
Baitagogo. o herói civilizador dos jovens guerreiros dakotas. E a Bisã Bran-
bororos, fez apare<;er entre eles o taba- ca entrega-lhes o calumet, o cachimbo
co. Mas como seus súditos não sabiam sagrado que. cada vez que fosse fuma-
fumar. Baitagogo transfbrmou-os em lon- do, dar-lhes-ia as regras de viver, com
tras. Os índios que fumaram as folhas de base nos quatro pontos cardeais e na me- Num belíssimo mito antropogônico pássaro que, no princípio dos tem~.
fumo retiradas da barriga do peixe kud- teorologia. 11 dos waraos, da foz do Orenoco. 38 esses chegou do Oriente com a forma de li.m
índios têm sua origem na Casa da Fuma- jovem, cujo corpo radiante de mocida-
• ''Los caciques e hombres principalos tenian unos palillos huecos dei tamaõo do un jeme o menos ça do Tabaco, que é também berço do xa- de, e suas armas, e o mágico chocalho
de la groceza dei dedo menor de la mano e estes caõutos tenian dos caõoocs corrcspondientes a uno, manismo da luz, chamado bahana. Foi xamânico, tudo era feito de fumaça de ta-
como aqui está pintado Y e todos en una picza . l los dos ponian en las ventanas de las narices o el otro
cn el humo e hierba que estaba ardiendo o quemándose [ ... ) as las canuelcas que es dicho llaman construída com fumaça solidificada de ta- baco. Era um pássaro canoro. pai de to-
,los indios tabaco e no la herba o sueiio que los toma (como pensaban algunos)." 23 baco. ato consciente do espírito de um dos os waraos, que vieram do centro da
72 Sangimrdi. J r. O Índio e as Plantas Alu.cúWgenas 73

elo entre o homem e seus deuses, que ha- Entre o fndios greeks (Muskho-
bitam o céu inacessível aos vivos. gean), na festa das primícias (busk),
O uso ritual ela fumaça é comum en- quando o milllo amadurecia e ofertavam-
tre os mdios da América do Norte. atra- se as primeiras espigas aos deuses, fo-
vés do tabaco fumado em cachimbo. O~ lhas verdes de fumo eram jogadas sobre
jcto de profunda adoração, o cachimbo o fogo dos altares. E outras folhas ver-
presidia às cerimónias mágicas e religio- des de fumo eram mastigadas e ingeri-
sas, presente nos momentos supremos, das, a fim de que o seu efeito emético
nas grandes decisões. na hora de partir limpasse as almas em estado de impure-
para a guerra e na discussão dos trata- za. 13
dos de paz. Tinha cerca de 76 cm de Os índios chamados peles-verme-
comprimento, com o fomilho de barro lhas, entre o Canadá e os Estados Uni-
vermelho, o tubo enfeitado com penas de dos. acalmam os rios.e os grandes lagos
águia e cabelos de mulher. Havia o "ca- com a oferta de tabaco.3 'Iàbaco para
chimbo de guerra" (branco e cinzento) acalmar as forças da natureza é utilizado
e o "cachimbo da paz" (vermelho) ou também pelas mulheres nanbilruáras. ao
calwnet ~ Signo de hospitalidade, oca- norte de Mato Grosso: durante as tem-
lwnet, quando fumado ritualmente, as- pestades. ''sobem a uma casa de cupim
sinalava pactos irrevogáveis. e. soltando baforadas de fumo, atiram
Os sioux, na hora de fumar, apresen- cinzas ao ar, para amedrontar a tormen-
tavam o calumet aceso ao seu deus. ex- ta". 26
clamando: " Fuma. 6 Sol!" Os osages, O tabaco. ingerido ou fumado, pro-
do Missouri e Arkansas, pronunciavam duz o êxtase do pajé, o feiticeiro da tri-
esta prece: ''Grande Espírito. vinde fu- bo. colocando-o em contato com as for-
mar comigo. como um amigo! Fogo e ças superiores e invisíveis, que lhe per-
Os missioná rios con.siderovam arte do Demónio a defunaaçi1o com tabaco, feita pelo Terra, fumai comigo e ajudai-me a ven- mitem curar doenças. prever o futuro,
pajé. Paro o füdio, porém, o petum era a planta mágica e religiosa de maior intport/J.n cia. cer meus inimigos!'' O chefe dos natchez, afastar os maus espíritos. punir magica-
Sua fumaça tinha força teropêulica e lustral, servi.a paro incuJir coragem e afastar maus espf- de Montana, na hora do sol nascer, tira- mente quem comete erros ou pratica ma-
ritos (Grav. de Thevet, 1575. 34) va baforadas em honra do Oriente e, de- lefícios. A fumaça purifica e neutraliza
pois, de cada um dos pontos cardeais. 4 as forças adversas.
Un1 ritual dos sioux visa a situar o O insigne antropólogo alemão Koch-
Terra, e aos quais ele ensinou o xama- o fogo. O fogo aquecia. Assava a caça. anin1al em relação mística com o caça- Grünberg 18. citado por Jobannes Wil-
nismo, bem como a fonte de baforadas Aclarava as trevas noturnas. Afastava os dor, quando aquele é avistado. O cachim- bert, descreve o ritual ela morte e da es-
de tabaco, ligando a Casa ela Fumaça e animais bravios. E passou a afàstar tam- bo é aceso e a fumaça soprada em dire- queletização, iniciador do jovem fndio
o Oriente. Era o Pássaro Criador ela Au- bém os espíritos inimigos e as forças ção à caça, à terra e aos quatro pontos como xamã. Em lugar do alimento, in-
rora. adversas. cardeais. gere repetidamente grandes quantidades
O fogo purifica. Desceu do céu. Foi Quando um urso era morto, o caça- de tabaco liquefeito, tanto pela boca co-
dado ao hon1em pelos heróis civilizado- dor acendia logo seu cachimbo. colocava- mo pelo nariz. "Nesse estado", diz Jo-
Planta Mágica e Religiosa res. Labaredas crepitando nas clareiras º entre os beiços do animal e. soprando hannes Wilbert, ''o noviço faz sua pri-
da floresta. Fogueira acesa no alto da pelo fornilho, enchia-lhe a boca de fu- meira ascensão celestial. para encontrar
Paygi divinatorwn genus est, montanha . Pira dos sacrifícios. Brasei- maça. Com isso impedia a vinda do es- fuce a fuce os espíritos que habitam 0-
ro elas oferendas incruentas. Chama dos pírito do urso morto e de seus compa- outr~mundo." 38
qui suffitu herbaea Petun ...
Thevet 34 holocaustos bíblicos. Incenso dos alta- nheiros vi vos. Rochefort. citado por Spruce, afir-
res.
O caráter religioso da fumaça re- Do fogo nasce a fumaça, que passa • Nome dado pelos francesos do Cana<U a.o ..cachimbo da paz". ~ uma forma dialetal do c~t.
vocábulo que designa o tubo pelo qual se aspira a fumaça: do latim calunwlho, •caniço', dirninutiYO de
monta a ten1pos imemoriais. Desde as ca- a participar do mesmo poder lustral e calamus, 'cana'. O ~Q)ulo pa~o datar do século XVI.
vernas da pré-história o hon1em adorava exorcista. A fumaça sobe. E estabelece o
74 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 75

ma que cada pajé tem seu espírito fami- Com o tabaco são defumados os que lhes com1mica poder sobrenatural, outras façanhas. pela matmça dos hugue-
liar. a quem ele evoca por meio de um guerreiros. para que se mantenham bra- a se manifestar em todos os setores em notes na noite de São Bartolomeu e pelo
canto, acompanhado pela fumaça de ta- ms e vitoriosos« E já em 1577 contava que vierem a exercer sua atividade". 17 uso entusiástico do tabac à priser.
baco. cujo aroma atrai os espíritos. ZT, 31 Lery que os pajés tupinambás, soprando Para o índio. a doença tem origem Depois do rapé veio o cachimbo. En-
Wagley fula do pajé Tenetehara, dando a fumaça sobre os guerreiros. exclama- externa, inclusive com a projeção de ob- trou pela primeira vez na Europa em
profundas tragadas num grande charuto vam: ''Para que vençais vossos inimigos. jetos estranhos no corpo. Por isso, no seu 1586. Uni cachimbo indígena. Foi envia-
de tabaco natim enrolado com lfber de recebei o espírito da força.'' 20 O espí- ofício de curar. o pajé sopra. procede à do por Ralph Lane. primeiro governador
tauari. Ele canta e dança. O espírito s6 rito da força. A fumaça do tabaco, tera- sucção para extrair o mal e defuma com da Virgínia. a Sir Walter Raleigh, da In-
responde mediante os cânticos que lhe pêutica. divinatória e purificadora. en- o grande charuto de tabaco. glaterra. com instruções sobre o modo
pertencem e. para recebê-lo. o pajé deve mlvendo os homens e as coisas. nos A defumação estende-se também aos de usar. Em seguida chegou a vez do cha-
tragar grandes quantidades de tabaco. 35 diagnósticos. nos vaticútlos. nos ritos objetos de culto, como observou Staaden ruto. O cigarro cheruiria bem mais tar-
Essa ligação do ato de fumar e os cânti- propiciatórios, nas assembléias tribais. com os maracás dos tupinambás. 32 O de. Foi no séc. XIX. durante a guerra da
,cos consagrados a determinadas entida- nas cerimónias religiosas. E até na mor- maracá - feito com uma cabaça cheia Criméia. que os oficiais ingleses e fran-
des do espaço, é exatamente o que acon- te, quando o que vai partir é defumado de sementes ou pedrinhas - é um cho- ceses aprenderam com seus aliados tur-
tece nas religiões brasileiras de origem ritualmente e recebe. na bagagem fune- calho sagrado e nele habitam os espíri- cos o uso do cigarro.
ameríndia e africana. como o catimbó e rária, o tabaco que irá acompanhá-lo na tos. que se comunicavam com o xamã,
a umbanda. grande viagem. após a propiciação da fumaça de petum. Os Charutos Gigantes
Os missionários consideravam arte Quando a mulher dá à luz. em geral ou Cangueras
demoníaca os ritos do pajé. inclusive a num recanto da floresta, ela e o recém- Primeiro Foi o Rapé
defumação com tabaco. Lê-se, por exem- nascido são defumados pelo pajé. O mes- Os marinheiros de Colombo. na des- . . . a large cigar, 2 feet long
plo. em D'Evreux. mantida a ortografia n10 acontece nos ritos de passageni: as coberta do Novo Mundo. verificaram aruJ as thick as thp wrist.
da edição brasileira de 1874: "alen1 das moças, no primeiro catamênio, e os ra- com assombro que os índios, além dos R. Spn1ce 31
agoas de lustrações. e diabolicas abluções pazes. que se vão transfurmar em ho- enonnes charutões, usavam um aparelho
praticadas por estes feiticeiros tem uma mens. em forma de forquilha: dois tubos inter- D. Bartolomeu de las Casas. bispo
maneira particular de communicar seo Os jivaros do rio Pastaza, afluente comunicantes, que metiam um em cada de Chiapas, escrevia em 15Z7: ''Os ín-
espirito aos outros, isto é, por meio da da margem esquerda do Marafion. cele- narina. ligados por um tubo simples; por dios têm uma erva de que aspiram a fu-
herva Petun introdusida n'um caniço, de bram a festa dos hanens, de entrada na esse aparelho - o tabacco - sorviam maça com prazer. Esta erva está numa fo-
que elles pucham a fumaça, lançando-a idade adulta. O pajé fiDna um charuto cu- a fumaça do petum. Pelo mesmo apare- lha seca, como num cartucho. semelhan-
sobre os circunstantes ou soprando-a ja funuça sopra. com um canudo, para lho em forma de Y, os índios aspiravam, te a esse que as crianças espanholas fa-
mesmo na canna, exhortando-os a rece- dentro da boca do adolescente, que a en- pelas narinas. um p6 vegetal. que pen- zem na Páscoa do Espírito Santo. Os ín-
ber seo espirito e sua virtude. Parece que gole. O charuto é queimado de uma s6 savam fosse feito com as folhas secas e dios acendem num lado e chupam ou fu-
este cautelloso dragão quer com tal ceri- vez e a fumaça vai toda para o estômago n1ofdas do petwn. Era, porém, o p6 alu- mam pela outra extremidade a fumaça,
monia f41sa imitar Jesus Christo quando do noviço. A operação é repetida de seis cinógeno chamado cohoba, niopo ou pa- o que produz um entorpecimento e uma
deo seo espírito aos Apostolos, e o seo a oito vezes, em cada um dos dois dias ricá. feito com as sementes da Piptade- espécie de embriaguez. Eles pretendem
poder ao seos successores para transmi- da festa. Além disso. nos intervalos, o nia peregrina Benth. * (Ver Paricá, p. que. então. não sentem mais fàdiga. Es-
ti-lo aos iniciados nas ordens sagradas. iniciado deve beber suco de tabaco. As- 90). ses mosquetões ou tabagos, como eles
Assim se lê em São João - ''Insuflavit sim. comenta Lewin. é produzida ''uma O ''rapé'' dos índios era de cohoba próprios chamavam, estão em uso entre
et dixit ei, accipte Spiritum Sanctum": narcose durante a qual ele vê os espíri- e não de tabaco. Mas o homem branco os colonos: e como fossem censurados
"soprou sobre elles, e lhes disse - Re- tos que profetiz.am seu futuro e lhe dão fez a confusão. E começou-se a cheirar pelo hábito vil, respondiam que era im-
cebei o Espírito Santo''. D'onde estes fei- em grande escala força, inspiração e folhas de tabaco pulverizadas. Em pou- possível abandoná-lo." 4 (Já naquele
ticeiros tirariam esta cerimonia satanica. felicidade.•' 21 co tempo, o rapé dominaria a Europa. tempo era difícil deixar de fumar).
si o diabo não lh'as tivesse mostrado? Na festa do tabaco deis mulheres, em Graças principalmente a Catarina de Mé- Thévet menciona uma erva muito
Achando-se sempre fechados n'esta gran- honra das noivas e recém-casadas. as ma- clicis. que entrou para a História, entre singular - o petum - de cujas folhas se-
de e vasta região do Brasil, sem commu- tronas dos jivaros servem uma bebida fei-
nicação de especie alguma com o velho ta com folhas de tabaco mascadas e in-
mundo. como podiam aprendei-a de ou- salivadas. As mulheres, segundo Kastem. • Para maiores detalhes, consultar o trabalho pioneiro de William Edwin Safford, publicado em 1916,
tro modo?" 10 são ''possuídas pelo espírito do tabaco, onde o assunto 6 estudado de form.a ampla e profunda. 28
76 Sangirardi Jr. O Índib e as Plantas Alucindgenas 77

cas enrolam certa quantidade dentro du- moniaL tendo diante dele e à sua direi-
ma folha de palmeira muito grande, fa- ta, fincada no chão. uma fbrqnilha que
zendo um rolo do comprimento duma sustém o enorme charuto (boti, em tu-
candeia. 34 E Lery dizia que não se kuna). 33 Wallace, falando dos índios do
vêem "os nossos brasileiros" (nos Bre- Uaupés, descreve o charuto da hospita-
siliens) sem trazerem, dependurado no lidade do tuxaua (a state cigar), com cer-
pescoço, um cartucho com a erva do ta- ca de 20 a 25 cm de comprimento e
baco (un comei de ceste herbe). 20 2 ,5 cm de diAmetro. E descreve o mes-
Fernão Cardim assim se refere à can- mo porta-charuto. com cerca de 60 cm
guera dos aboágines. que ele grafa can- de comprimento, como um grande garro
goeira: " ... é um canudo que se tàz de de dois dentes e a extremidade pontiagu-
uma palma de folha sêcca._e tem dentro da, para ser fincado no chão quando não
três ou quatro rolhas sêccas da herva san- estiver sendo usado. 36
ta, a que os índios chamam petume, e ac- o cilindro de rolhas de tabaco apa-
cendem esta cangoeira pelo lado das fo- mrou Spruce, que teve de fumar um, que
lhas de petume, e como tem braza, a met- lhe fui oferecido pelos índios do Uaupés.
tem na bocca, e sorvem para dentro o fu- em sinal de hospitalidade: "um grande
mo, que logo lhes entra pelas cachagens, charuto, da grossura de um punho e com
mui grosso, e pelas goelas, e sabe-lhes 2 pés de comprimento" (2 pés =
pelás ventas fura com muita furia; como 60,96 cm). Observa Spruce que "o gran-
não podiam soffrer este fumo, tiram a de charuto usado no Uaupés é fumado
cangoeira fora da bocca". Em outro tre- da maneira usual, a fumaça solta pela 00-
cho: " ... e bebem o fumo •; he uma das ca; mas. nas regiões que margeiam a cc.
delícias e mimos desta terra, e são todos ta do Pacífico, na América Equatorial,
os naturaes, e ainda os portugueses per- o charuto, com 2 a 3 pés de comprimen-
didos por ella, e têm pot grande vicio es- to (60,96 cm a 91,44 cm), porém mais fi-
tar todo o dia e noite deitados na rede a no que o do Uaupés - é seguro com o
beber fumo, e assi se embebedão delle, lado aceso dentro da boca, soltando a fu-
como se fora vinho." s maça pelo outro lado sobre o doente ou,
Nesta gravura, além de um pé da tabaco, vêma-se fndWs fumando enormes charu1os ou
Foram essas cangueras ou cangoei- numa festa, no rosto dos convidados... cangueras, cuja fumaça tinha p~res sobrt!naturais. (Gravura de Thevet, 1575.34)
ras - charutos • • gigantes - que Co- [ ... ] É curioso que. até hoje, os índios
lombo viu nas canoas ameríndias de Cu- e negros, ao longo da costa, freqüente-
ba e que os marinheiros de suas naus, que mente põem o lado aceso do charuto den- é observada nos catimbós nordestinos, nas com a erva Petun, cujos vapores as-
haviam descido à terra, pensaram fossem tro da boca, como já havia sido observa- onde o oficiante (mestre) defuma os as- piravam (... en recevant la vapeur d 'icel-
archotes. do pelos que passaram pelo Panamá e sistentes com o fumilho do cacliimbo le parle nez, estant sur un rechàult). 34
Stradelli descreve um pajé tukuna, Guaiaquil." 31 dentro da boca e expelindo a fumaça pe- Desde os tempos mais remotos é co-
presidindo solenemente uma dança ceri- Es.sa forma de fmnar ao contrário lo canudo. nhecido esse processo de jogar folhas se-
cas sobre um braseiro, para aspirar a fu-
O Cachimbo maça, com finalidades de cura e de pra-
• Os cronistas do séc. XVl diziam: beber fumo, beber tabaco. Do H61i Chatolain. em R>lk-Talu o/ 1bévet contesta acremente un certain zer ou embriaguez. Depois, para concen-
J,
Angola, l.º conto, 'VCrsio A - Ngana Fenda M'1ia - destaco: .. sofresto tanto, j' caminhaste quase
dou meses sem comer nem beber. A tua comida eram castanhas de cola o a tua bebida, tabaco... E na
italien •. que teria contado a maior men- trar a fumaça, canaliVlndo-a até as vias
tira ao afirmar que, na Flórida, os nati- respiratórias, foi usado um tubo, feito de
nota 54, comspondénto ao trecho acima citado, Chatelain esclarece: ••Dâficilmette se concebo quo so
possa beber tabaco. Todavia, em quimbundo, em vez de di:zer fumar tabaco diz-so beber tabaco. O fumo vos (ces pauvres Barbres) ficavam qua- osso, madeira, caniços, pedras dóceis ou
6 classificado como líquido. Al6m disso, o fumo de tabaco 6 tido pelos A-mbundo como estimulante de tro dias sem comer e se sustentavam ape- terracota. Plfnio (séc. I) descreve a utili-
qualquer atividade trsica .8
•• O nome charul<' tom como étimo o tamul-malaiala chirutu, 'enrolar', atra\'6s do ingla& cMroot.
Já so disso cigarro, do espanhol. SIN.: cigarre (fr.), cigar (i.qg.), Zigar,. (ai), sigaro (it.).
* "um certo italiano", refere-se a Gohori. l.5
78 Sangirarrli Jr.
O Índio e as Plantas Alu.cinógenas 79

índios norte-americanos. Antes de se muskhogeans). Até que, incidentalmen- portugueses. Não encontrei, porém, no
zação desse tubo. para aspiração da fu- te. partiu-se o tubo de um cachimbo qual- alentado livro de viagens de Joban Nieu-
maça de uma raiz seca. como ren1édio chegar ao calumet, porém, a evolução foi
lenta. Um dia. o tubo condutor da fuma- quer e alguém teve a idéia de aproveitar hoff, qualquer rererência a esses cachim-
contra a tosse. 25 o fornilho. adaptando 110 mesmo um tu- bos pioneiros. Nieuhoff, refere-se apenas
O cachimbo "'· que já era usado na ça fui encurvado para cima. nmna das ex-
tremidades, formando o tomilho (índios bo novo. Nasceu, assim, o cachimbo de a enormes cachimbos de pedra. madeira
era p~olombiana, predominou entre os duas peç~s (índios algonkins, de Ohio e ou barro. usados pelos tapuias e cujo fur-
da Virgínia). nilho era tão grande que nele cabia uma
O cachimbo é instrumento sagrado mancheia de tabaco. 22
dos índios norte-americanos. destacando- Onde a Britânica teria ido buscar es-
se o célebre calumet, enfeitado com pe- se narguilé indígena? O engano foi devi-
nas de águia e cabelos de mulher (ver p. do ao fato de Nieuhoff, em seu livro, in-
73). Os índios. segundo De Nadaillac, cluir o tabaco no capítulo das bebidas
consideravam o material com que eram (Drank) e falar em "beber tabaco"22 (v.
fabricados seus cachimbos a carne petri- nota ao pé da p. 76).
ficada dos antepassados. 9 O narguilé brasileiro é a marica do
Enquanto os índios norte-ame- Nordeste, também chamada maricas,
ricanos só fumavam cachimbo, na Amé- grogotó e, no Maranhão, boi. É utiliza-
rica do Sul preponderava o charutão, am- da para fumar cânhamo (maconba ou
plamente descrito pelos cronistas colo- diamba), sendo a fumaça filtrada através
niais do séc. XVI. Dentre eles, porém, de uma garrafa ou de uma cabaça com
poucos notaram o uso do cachimbo, que água.
existia na época entre os tupinambás e
os guaranis, o destes últimos. segundo Outras Formas de
Scbaden, com o fornilho também feito Consumir Tabaco
com nós de pinho. 29 Lery observou, en- Com exceção das regiões mais frias,
tre os tupinambás. um enorme cachim- nos extremos norte e sul do continente,
bo rudimentar, usado pelos xamãs: "Em- o tabaco era a droga dos índios da Amé-
punhavam freqüentemente um canudo de rica - fumado, mascado, lambido, ab-
madeira, com 4 a 5 pés de comprimen- sorvido pelas mucosas nasais e das gen-
to'' (cerca de 1,21 a 1,52 m), ''em cuja givas. Schultes descobriu ainda, na Guia-
extremidade a erva Petum [...] seca. era na Inglesa, o uso do fumo em forma de
queimada ...'' 20 clister. 30
Consta da Enciclopédia Britânica, No Brasil colônia, várias tribos tu-
verbete Pipe smoking, que "no sul do pis eram apelidadas de petyguaras,
Brasil, em 1650, o viajante Jan Nieuhoff "mascadores de fumo". Os kayowás. de

' descobriu uma grande tribo de índios on-


de fumavam cachimbos com uma vasi-
lha d 'água, feita com a casca seca de um
fruto, sendo o tubo de caniço ou madei-
Mato Grosso, comenta Egon Schaden,
poderiam ser chamados ''comedores de
fumo''. 29 Além do fumo de mascar
(makaxáro), usam os kayowás o fumo dos
Porta-charuto da coleçllo de Koch-Grünberg, coletado em 1904, às margens do rio 1i- ra oca''. Esse tipo de cachimbo teria si- antepassados (plty nilmõi), espécie dera-
quié. Comprimerito: 62 ,5 cm. O charot{rgig~ite é. colo_cado eri~re as h~tes com fomw de do o pai do cachimbo oriental (o nargui- pé de uso ritual que, em lugar de ser as-
forcado. (Parte central ampliada. ) A extremulade mfeno r, p orruaguda , e fincad.1 no chão. lé •. kalyun dos persas, huqqah dos ára- pitado, coloca-se entre o lábio inferior
bes), levado do Brasil pelos navegantes e a gengiva.

• O nargui16, cachimbo oriental, 6 formado pela cabeça ou bacia (ondo se queimam as i>lhaa do
• O éú mo do vocábulo cachimbo é o quimbundo /áxima, coisa oca, pela troca do prefixo ki, dimi.m - fumo sobro brasas), a base (vasilha com 'gua, às vezos perfumada) e a cobra (longo tubo flexívol) . ÂD
úvo de ka. A palavra pit.o vem do verbo pitar (de pety-ar, tomar ou chupar o petym, fumo). SIN.: ptpe, passar pela 'sua, a fumaça 6 filtrada o refrescada, antes de ser absorvida pelo fumanto.
tobacco pipe (ing.), pipe (fc.), pipa (esp., it.),, l'feife -(ai.).
Biblioteca Digital Curt Nimuendajú - Coleção Nicolai
www.etnolinguistica.org
80 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alu.cin.6genas 81

e insalivadas são consumidas em diver- dio contra todos os males. Com o tem-
sas cerimônias rituais. 17 Os jivaros e po, porém, fui-se evidenciando a ação
outras tribos do Equador fumam e, nas violentamente tóxica do fumo. Ao reno-
grandes festas, tomam tabaco pelo nariz, me da panacéia infulí:vel sobreveio o des-
em decocto ou umedecido pela saliva. crédito da droga letal. Os milagres da
Explica Lewin que, absorvido pelas na- erva-santa deram lugar à crua realidade
rinas, o tabaco atinge diretamente as vias da solonácea funesta.
de absorção. 21
O fumo é fundamental em diversas O Fumo nas Religiões
A cerimónias indígenas, sozinho ou asso- Populares do Brasil
ciado a outras drogas sagradas. É con- O mcábulo pajé, que designa o me-
sumido puro ou com aditivos, os quais dicine man tribal, passou a designativo
visam a libertar o alcalóide da planta. a também do sacerdote da pajelança, pra-
nicotina. Os arelroanás, da Guiana Ingle- ticada na Amazónia e no Maranhão. De
sa, preparam o fumo de mascar com ro- todas as religiões populares, foi a que
manteve maior fidelidade às suas origens
lhas frescas picadas e uma terra rica em
ameríndias. Em lugar dos antigos e enor-
salitre. Na Groenlândia, misturam-no mes charutos dos pajés indígenas, o pa-
com cinzas de cachimbo. 21 Os krayowás jé caboclo fuma um cigarro feito com o
misturam fblhas de fumo grelhadas e tri- Uber da casca do tauari, nome vulgar de
turadas entre as mãos com cinzas ou
pimenta-malagµeta. 29
O tabaco também era uSado pelos in-
A -Petum-awa, "lugar do tabaco''. Cachimbo$Dgnu:/o, usado exclu.sivammte pelo pajé dígenas como estimulante capaz de ven-
(pance). Mede 28 cm e, quando cluio, tinha fumo suficiente para várias horas. Recolhido cer a fume, a sede e o cansaço, portanto
por Charles Mágley, JfJ41. Írulios tapiropés, rio do mesmo nome. de efeito idêntico ao da coca. Cabanes,
B - Cachimbo paro batoque. 18,0 cm x 8,00 an na parte mais larga. Índio.s botocudos, em seu Remedes d 'autrefois 4. mencio-
Minas Gerais e regi4o linútrofe da Bahia. Museu Nacional, Rio de Janeiro, ns. 35.154 e 19.(XJJ. na diversos autores. médicos e cientistas.
que atribuíam ao fun10 aquelas virtudes
estimulantes. E já dizia Thévet que os ín-
Em algumas nações indígenas, se- ram-se ao redor dum pote de xarope de dios fumavam seus grandes charutos,
gundo Spruce. o médico-feiticeiro, além tabaco. metendo na massa, de vez em porque a fumaça ''atrai e faz distilar os
de defumar os enfermos, costuma se nar- quando, o dedo médio e o indicador, pa- humores supérfluos do cérebro: princi-
cotizar a si mesmo, mascando tabaco e ra lambê-los depois. Ter tomado deste ta- palmente raz passarem a sede e a fume
engolindo o suco. 31 baco equivale a um juramento. que obri- por algum tempo...•' 34 Lery, para ran-
Infurma K.och-Grünberg que os ín- ga a participar de tudo o que fui resolvi- cor de Thévet 20, vai mais longe e afir-
dios witótos, entre o Caquetá (alto Japu- do. Tumbém os mirandas têm esse cos- ma que os guerreiros tamoios, premidos
rá) e o Putnmaio (alto Içá), ttm o hábito tume." 19 Ainda Koch-Grünberg, desta pela necessidade, ficavam quatro a cin-
de "lamber tabaco" (Tabakschlecken). vez citado por Lew~ viu um índio wái- co dias sem nenhum alimento. a não ser
"Cozem as folhas de tabaco com água. ka, da bacia do Uaupés, que tinha um a fumaça das rolhas secas de petum.
até funnarem massa xaroposa. que é grande rolo de fumo entre o lábio infe- O índio. que revelou o tabaco ao
guardada num embrulho de rolhas, sen- rior e os dentes. 21 branco, usava essa erva, não só nas ceri-
do também remetida a outras hordas no O jesuíta Antonil fala dos que, além mónias mágico-religiosas. como nas de-
mesmo embrulho. De noite, os homens de fumar, mascam as rolhas. Diz ainda fumações de cura dos pajés. O branco fui
sentam-se juntos na maloca, mastigam que, não só mascam, como utiliz,am tor- mais longe. E fez do tabaco a maior pa-
coca e fàlam dos negócios do dia seguin- Médium da Umbanda, em tran.se, com
cidas que enchem os narizes com tabaco nacéia de toda a história da medicina. A o charuto fumado pelos caboclos, que serve
te. Deliberando sobre assuntos importan- em pó. l erva-santa dos cronistas coloniais, cele- também para o.s passes c<ma defumaçao, à ma-
tes. como uma guerra ou caçada, acoco- Entre os jivaros, as rolhas mascadas brizada em toda a Europa coq10 remé- neira dos pajés indígenas.
82 Sangirartli Jr. O Índio e as PI.antas Alucinógenas 83

várias árvores da família das Lccitidá-


ceas. Com esse cigarro, longo e verme-
lho, o sacerdote da pajelança defuma os
consulentes, os objetos de culto e, con-
fonne Eduardo Galvão, tambén1 as águas
do rio, onde habitam os ''con1panhciros
do fundo'', 14 seres sobrenaturais cujos
serviços o pajé utiliza.
Com influência do espiritismo e do
catolicismo bastante acentuada, ainda as-
sin1 o catin1b6 revela suas origens an1e-
ríndias. A fun1aça ritual está presente em
vários aspectos dos trabalhos de mesa,
como veículo mágico e exorcista. Há as
"funiaças para a direita", visando ao
bem, e as "fumaças para a esquerda",
visando ao mal. Sobre a mesa dos traba-
lhos, além da princesa (bacia ritual, de
louça), ficam as outras 1narcas (objetos
sagrados): 1naracá - o n1csn10 chocalho
de Staaden, AD.chieta e Nóbrega, mora-
da dos espíritos, com os quais o xan1ã
dialogava - e o cachin1bo grande, a
1narca-1nestra. O 1nestre, sacerdote do
catin1bó, procede à dcfun1ação ritual
sen1prc com o cachimbo ao contrário, is-
to é, colocando o fomilho dentro da bo-
ca e expelindo a fumaça pelo canudo. To-
dos os assistente.s fumaru cigarros.
Entre os deuses jejes e nagôs, só fu-
n1a Ossãe, o dono da f0Uiagen1, enquan-
to Exu ''come'' fumo. Isso ocorre nos
candon1blés que mantêm puras suas ori-
gens africanas, n1algrado possível sincre-
tismo, em nlaior ou menor escala, con1
a religião católica. Nos chan1ados can-
don1blés de caboclo a influência indíge-
na é visível. Os caboclos - caciques ou
sin1ples índios - fumam charutos, co-
mo os demais encantados. Con1 exceção
de dois, que Eclison Carneiro destaca: o
Caipora, o mesmo saci do sul, que fun1a
cacbin1bo, e o Boiadeiro que, aboiando.
fuma un1 cachimbo enom1e. 6
A Un1banda é a forma que vem as-
sun1indo ultiniaruente os cultos afro-
84 Sangirardi. Jr.

San Pedro
brasileiros. com sincretismo católico, es-
pírita. esotérico. de magia européia etc.
Em suas sesWes. o ambiente ~tuma es-
de barro. com um longo canuqo e fomi-
lho pequeno. Os outros santos, quando
fumam, usam charutos.
Já vi algt1Dlas entidades fumarem ci-
9
tar saturado de uma densa fumaceira.
proveniente dos santos fi1Dlantes. ~ fu- garros. embora o cigarro comum seja
marada é devida principalmente aos Ca- mais usado com finalidades terrenas do
boclos (Oxósse). que fumam durante to- que espirituais, como, por exemplo, O Tocheiro Ca/Jeludo da Mescalina
do o tempo um charuto após outro, in- aquelas relacionadas com problemas de Trichocereus pachanoi Britton et Ro- ma de candelabro, tem o ovário co-
clusive uriliz.ando a fumaça nos passes, dinheiro. se. 1 Cactáceas. berto de pêlos negros e encrespados,
à maneira dos pajés indígenas. O ato de Nos despachos é quase obrigatório Cacto colunar verde-escuro, que atin- bem como as axilas das escamas do
fumar é tão frenético e contínuo. por par- colocarem charutos, juntamente com ve- ge de 3 a 6 metros de altura. Rarm- tubo floral e o fruto, que apresentam
te dos Caboclos, que eles são obrigados las acesas, garrafàs de cachaça etc. Os fica-se emforma de candelabro. Sul- longos pêlos negros. O nome espec(-
a cuspir amiúde, para o que são coloca- despachos mais comuns são para Exu, cos verti.cais, formando costelas. Pou- fico é em homenagem ao Prof. Abe-
das caixas com areia. nos cantos ou jun- "arriados" nas encruzilhadas. Por via de cos e.spinhos. BotêJes florais pontia- lardo Pachano, do Equador, que
to das paredes do terreiro. Exu fuma em regra não são macumbas para o mal, co- gudos. Flores termi.nais, muito gran- acompanhou o Dr. Rose em sua via-
geral charutos baratos, de fumo mais fbr- mo geralmente se pensa. mas obrigaç"es des (19 a 23 cm de comprimento), gem pelos Andes equatorianos, de 17
te; sua mulher. Pombagira, fuma cigar- ou presentes, isto é, ritos de iniciação brancas, com tonalidades verde-cla- a 24 de setembro de 1918, quando fo-
rilbas. Os Pretos Velhos preferem um pito ou purificação e oferendas propiciatórias. ras e castanho-avermelhadas, desa- ram colhidos espécimens desse cac-
brocJuun à noite e silo perfwnosas. to.
Esta ~pécie é encontrada nas regiões SIN. - O San Pedro é também cha-
andinas - Equador e norte do Peru mado huachuma. Outros nomes vul-
e da Bolívia - a wna altitude que \a- gares: agua colla, cardo, huando her-
ria entre 2 .(X)() e 3.<X>O metros. moso, gigantón, San Pedrillo. Apesar
O nome genérico significa •'tocha ai- do nome gigantón, nilo é o de maio-
beluda '': gr. thrix, trichós, lJQ<~ , res dimensões, pois há cactos do gê-
8Qixos, 'cabelo: + lat. ccreus, 'to- nero Cereus com mais de 15 metros
cha: 'vela de cera: A planta, em for- de altura.
86 Sarzgirardi Jr. O Índio e as P/4ntas Alucinógenas 87

Preparo da Beberagem. a pé, uma estrada carroçável , que atra-


Aditivos vessa os :Andes.,' 2 ocorre em práticas nas quais raízes ame-
Além de plantas· mágicas, o maes- rfudias esrao enxertadas com o catolicis-
tro, curandero ou brujo ppde adicionar
mo, o espiritismo e a feitiçaria européia.
Segundo Douglas Sharon, os cactos
Mesmo :na fornl;a sincrética atual, seu co-
de quatro sulcos ou saliências são raros à beberagem de San Peâro outros ingre-
e a eles se atribuem maiores proprieda- dientes xamanfsticos, como ossos pulve- nhecimento pelos estudiosos é recente.
des curativas. Independente do nún1ero r~dos, poeira de cemitério ou de ruí- Por qtJe San Pedto? O cacto aluci-
de sulcos, as espécies daS regiões andi- nas arqueológicas etc. nógeno abre para os índios as portas do
nas mais elevadas são consideradas mais céu. Daf ter recebido o nome do apósto-
potenteS, pelo alto teor de minerais do so- Grande Fonte de Mescalina lo a quem disse Jesus: "Dar-te-ei as cha-
lo. O mais comumente usado é o de sete ves do reino dos céus: o que ligares so-
sulcos ou saliências.. Isto talvez não seja O San Pedro tem como princípio ati- bre a terra ser.á ligado nos céus...' , (Mt,
por acaso, wis o 7 é número cabalisti- vo a mescalirui, o mesmo alcalóide de ou- 16:19). A mesma ligação é estabelecida
co, comum na Bíblia, nas religiões e na tro cacto muitíssimo mais famoso: o pe- pelo San Pedro, que dá ao xamã as cha-
mag1a. yotl. O San Pedro, porém, suplanta o pe- ves que abrem as portas do mundo invi-
A bebida é chamada cúnora. Pre- yotl em alguns as~ctos: al~m de iricom- sível, fonte dos seus poderes n1ágicos, di-
para-se com pequenas fatias dos cactos, paravelmente maior, é mais fácil de ser vinatórios e tera})êutico8.
que são fervidas na á-gua. durante várias encontrado, mais acessível e abundante.
hqras. E tem um teor alcaloideu superior: J.
Na beberagem alucinógena podem Poisson, examinando amostras que lbe O "Catimbó" dos Andes
ser usados aQitivos. con10 plantas en1é·ti- foram enviadas por c. f riedberg, cons- Neste "cogunielo de pedra ' : desco,b eno As práticas .mágico-religiosas em
cas, intoxicantes ou Iilágjcas. tatou que os exemplares novos de Tricho- na Guaiemala, emerge do estfpite afigura .dO que o agente catalítico é a bebida feita
Misturam-se plantas eméticas, pois cereus pachanoi fornecem 1,2 granJ.aS de jaguar, o felídi.o xamanfsrico. c.on1 o caeto San Pedro têm alguma se-
o ato de vonlitar é considerado uma lim- mescalina por quilograma de plantas melhâriça com o catimbó nordestino, em
peza ou purificação, que torna o indiví- frescas. 3 que a bebida ritual é à base de jurema.
duo mais apto a se comunicar com o so- O jaguar é o s!moolo religioso do- O brujo ou curandero andino é tam-
minante na cerâmica, na8 esculturas de
brenatural, após 1iaver ingerido a bebida O Cacto do Jaguar bém chamado maestro, e mestre é como
sagrada. Isso é certó, pois o estômago va- pedra e nos tecidos de uma cultura pré- se denomina o sacerdote do catimbó.
zio toma mais fácil a absorção do prin- Entre os ameríndios, o jaguar talvez colombiana, que tem o seu o_en:tto de gra- Ambos trabalham com a rnesa, onde se
c(pjo ativo da droga. seja, depois da serpente, o aninial que vidade no pequeno ~do de Chavm de acumulam inúmeros objetos e artefatos
Curanderos de Chiclayo, no Peru, surge com mais ffeqüência, nas visões Huantár, a leste· da Cordillera Bianca, rituais.
informa Sharon, 4 adicionam ao San Pe- provocadas pelas drogas. norte do Peru. Douglas Sharon, em Flesh Nas sessões em que se bebe a ciJ.no-
dro ou huachuma uma das numerosas da- Nas Américas Central e do Sul é co- of the goâs, reproduz fQto de um vaso da ra de San Pedro, a rnesa delimita e resu-
turas (11o1ishas): o floripôndiõ, Datura ar.- mum a identificação dos xan1ãs com o ja- cultura Chavín (1200-600 a. C), em que n1e as forças maniqueístas en1 Gon:llito.
borea L., de violenta ação tóxica. guar. Um xamã pode se transft>rmar em a figura do jaguar ap.arec.e intimamente O mal tem sua pátrja no cronpo gra-
Misturam-s-e, ainda., grãos odorífe- jaguar e vice-versa. Há índios que pin- ligada ao San Pedro (ver p. 88). Essa li-
nadero, comandado por Satã. Ocupa o
ros de ishipingo, Oeotea jelzkii Mez. tam o corpQ imitando o jaguar, pois, as- gação íntima significa que 9 uso religio- lado n1enor da mesa, à esquerda. (No ca-
Jah:rb. , uma lauráCea, e de ashango, que sim, ganham a força e a destrez-a do ani- so do cacto colunar da mesealina. pe1os timbó, os trabalhos visando ao mal são
não consegui identificar. Estes grãos são mal. Muitos feiticeiros têm um jaguar do- índiqs peruanos. remonta a pelo menos denonünados fionaça às e.rquerdas.) Este
méstico a seu serviço, como um demô- 3000 anos. 4
vendidos em c_olares, nos n1ercados. Diz campo tem seus poderes negativos con-
Claudiné Friedberg que vêm da parte bai- nio familiar. É a onça feroz e gigantesca centrados en1 três bastões, cravados no
xa da 1nóntaifa, vertente amazónica dos. das Américas, mágica e religiosa. ~ Chaves do Céu chão: Baioneta de Satã, Lança da Coru-
Andes, trazidos pelos aguanmas, do gn1- Em achados arqueológicos da Gua- O emprego religi0sô, pelo fudio, da ja e Lança da .Mulher Sozinha.
po dos jivaros, e percorrendo longo e di- temala, as célebres esculturas de pedra bebida alucinógena extraída do San Pe- O cwnpo justicie-ro, con1andado por
fícil caminho: "Eara chegár até a casta dos cogumelos sagrados, lá está, surgin- $-0, é tradição secular, f!Ue se perdeu pa- Cristo, ocupa a n1aior parte do lado di-
e vendê~los pelo melhor preço, os índios do do pedúnculo cilfudrico, a imagem es- ra sempre. Hoje, o uso ritual da drélga, reito da n1esa. (Os trabalhos para o ben1,
sobem de canQa o rio Marafion e depois, tilizada do felídeo xan1anfstico. com finalidades mágicas e curativas, no catimbó, são a fwnaça. às direitas).
88 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alucin(>genas 89

Entre os objetos rituais incluem-se a ba- rinas. Mais tarde tomam a beberagem féi-
cia e o chocalho, que são marcas, isto é, ta cem San Pedro, que provoca visões
objetos sagrados do catimbó. As rorças mescalfnicas - o remolino- um calei-
positivas deste campo concentram-se em d~ópio de cores e desenhos. O xamã.
oito bastões cravados no solo: Bico de o consulente e alguns assistentes notam
Espadarte, da Águia, do Galgo, do Beija- quando um dos bastões vibra, identifi-
Flor, da Virgem das Mercês, Espada de cando o caminho mágico a ser seguido
São Paulo, Sabre de São Miguel Arcan- pelo maestro ou curandero. 4
jo e Espada de São Jaime, o Velho. Conta Claudioe Friedberg que o
O equilíbrio é encontrado no cam- maestro, muitas vezes, completa a cura
po médio, neutro, governado por São Ci- com ritos de purificação, inclusive um
priano, poderoso mágico que se conver- banho nas águas geladas das grandes al-
teu ao cristianismo. As rorças neuttas es- titudes. Nesse ritual de purificação, à
tão concentradas na Espada da Serpen- margem dos lagos gelados, os fiéis, que
te. É neste campo que o xamã divisa, re- já ingeriram o cacto na noite anterior,
fletidos numa jarra de ervas mágicas ou submetem-se ao shingar, isto é, a aspi-
num espelho de cristal, o problema e a ração, em conchas, de tabaco misturado
solução de cada caso que lhe é submeti- com álcool. 2
do.
As sessões de cura são reaHzadas à Medicamentos e Guarda-Noturno
noite, ao ar livre, em qualquer dia da se-
mana. menos às 2as. feiras. ''dia dos es- O San Pedro ou huachuma não é
píritos", quando as almas saem do pur- apenas o cacto que fornece bebida aluci-
gatório e erram pelo mundo. nógena de coosumo ritual. É também
Consiste a sessão em orações, inmca- usado na medicina popular. E após ser
ções e cantos ou tarjos, que correspon- preparado magicamente pelo xamã, é um
dem às linhas do catimbó, e são ritma- excelente guarda-noturno, que aparece
dos pelo chocalho xamanfstico, o mam"- aos estranhos como um homem de bran-
cá das mesas nordestinas. co, de chapéu. Ou então emite um asso-
Os assistentes conseguem sua eleva- bio tão incomum e medonho, que pro-
ção absorvendo tabaco líquido pelas na- voca a fuga de qualquer intruso.

Depois da serpente, o jaguar é o animal mais frequente nas vislJes provocadas pelas dro-
gas do índio. Neste vaso, descoberto no Peru, o jaguar está in.timaniente ligado ao San Pedro,
o cacto colunar. Foto reproduzida por Douglas Sharon, em Flesh of tbe gods. 4
;n O Índio e as Plantas Alucinógenas 91

Paricá
10 & Virola

O ''Rapé'' dos Xan1ãs


1 púre, nupa; os missionários dizemno-
Paricá po' '.17 E há mais as seguintes varian-
tes e corruptel.as: fiopa e iiupa (índios
Os p6s alucinógenos de vegetais, usa-
dos pelos índios como ''rapé'' ~ pro- otornákas e salivas), niopa, nopa, yo-
pa (aruálcs). yopo (waiká.s), jopa e yu-
vhn das se1nentes de legwninosas-
mimosoúleas do género Piptadenia ou
pa. Cohoba, com o ''h ' ' aspirado, va-
ria corno cojoba (norte da Venezuela
das cascas do tronco de miristicáceas
e Haiti), cogioba. cojioba. cohiba e
do gênero Virola. (As segundas estão
no final deste verbete). coíba. A curupa dos anáguas é ames-
rna curuva dos otamákas e a kurupaiá-
Piptadenia peregrina Benth. ra dos guaranís. E a Piptadenoa co-
Árvore de porte 1nédio. Tronco de cas- lubrina Benth ganha os nornes quí-
ca 1nuricada. Folhas bipinadas, folío- chuas de vilca ou huilca (sul do Peru
los 1nultijugos, pequenos, lineares, e da Bolívia), além dos nomes cebil,
imbricados. Glândula oblonga acbna cevil ou sevil (norte da Argentina).
da base do pecíolo, entre as pinas ter- Outros: hataj (tndios 1natákos), hisio-
1ninais. Flores pequenas, esbranqui- ma (waikás), kakoúnes (karimés),
çadas, pentâmeras, fonnando cap{tu- mori (lcaxuiánas, rio Tr01nbetas).
los globosos, etn pedúnculos fascicu- Outros ainda: no Brasil, o paricá tem
lados, nas axilas ou nos tenninais. tmnbém os notnes vulgares de angico.
Grande legwne coriáceo, rostrado,
e0tn duas valvas, se1nentes ach.atadas
e orbiculares.
Espécies afins: Piptadenia colubrina
angico-branco, angico-do-campo,
angico-roxo, angico-vermelho. arapi-
raca, cambuf-angico, curupaf, paricá-
de-curtume, paricá-de-terra-firme,

Benth. , P. macrocarpa Benth. , P. ce- timborana e outros.
bil Griseb.
SIN. As árvores do gênero Piptadenia O Pó Sagrado dos Feiticeiros
têJn wna vasta sinonímia, destacando- Na lenda de Massaricado, esta,
se: paricá (Brasil), niopo (sul da Ji!- nos instantes de fon1e, evoca Jurupa-
nezuela), cun1pa fíndios ornáguas), ri. O marido, desconfiado de que a
cohoba, tenno já encontrado por Co- mulher o traía, que tinha um amante,
loJnbo e1n sua segunda vi.age1n à Alné- recorre às virn1des do paricá. ''Aque-
rica, e1n 1496 (Colâfnbia, Venezuela le companheiro dela era un1 pouco
e bacia do rio Negro). pajé, cheirou paricá, viu logo como
O vocábulo niopo sofre inúmeras va- sua mulher lhe fazia .. .'' 1 Esta lenda
riações. Hwnboldt registra: "'Em 1nai- evidencia o caráter mágico e divina-
tório do paricá, restrito aos poderes

• A palavra rapé designa especificamente tabaco em pó para cheirar. R>r isso, ao referir-me
ao paricá e l virola, escrevo sempre entre aspas : .. cap6".
92 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 93

do pajé, o xamã, o homem-meclicina. índio: espíritos-animais, personificação


Euma cena comum, no consumo ri- das forças da natureza. Finalmente, num
tual das drogas hierobotânicas. O pajé es- recesso da mata, os xamãs consultam
tá sentado ou de cócoras, com toda a sua Utarére, o grande espírito dos kaxuiãnas,
parafernália miraculosa. Diante dele es- chefe de todos os pajés. Mas Utarére não
tá o enfemio. o desventurado ou o afli- fala diretamente, com voz humana: fala
to. Então o xamã absorve a droga pro- pela linguagem das flautas sagradas. que
digiosa, cai em transe e entra em comu- só os pajés (piádzes) entendem.
nicação con1 os espCritos. Agora está com O padre Pedro Lozano comenta a
plenos poderes para desempenhar seu função religiosa do cebil entre os índios
papel de aclivinho, médico e conselhei- lúles (hoje extintos). do Chaco ociden-
ro. Profetiza . Adverte. Receita. Orien- tal argentino: " Quando desean agua pa-
ta. Descobre a origem das influências ra sus sen1enteras ruegan a los viejos. que
maléficas e arregiment.a as forças neces- llamen Ia lluvia. y estos haciendose so-
sárias para combatê-las. pJar con un canutillo en las narices, de
Enue os waikás do alto Orenoco. a suerte que penetrem muy adentro los pol-
Piptadenia (hisioma) é planta sagrada, li- vos de la semiJa dei arbol sevil, que son
gada a dois espíritos que a criaram, em tan fuertes. que les privan dei juicio, co-
tempos ren1otos. 44 mienzan yá fuera de si a saltar, y brincar
Segundo o padre Pane, os índios que en descanJpado dando gritos. y alaridos
absorviam cohoba viam os companhei- y cantando con voces desentonadas, con
ros caminhando no ar e, após desperta- que dicen llaman la lluvia, y porque al-
ren1, contavam tudo o que lhes haviam gunas veces sucede, o ha sucedido llo-
revelado os Ceoü ou Grandes Espfri- ver después de este embeleco, creen fir-
tos. 12 ntissimamente que por virtude de aquel-
Entre os índios karimés. o paricá é Ias roga tivas viene la Uuvia' •. 23, 24 To-
denominado kokofme. E Kokofn1e é tam- do esse ritual do cebil. que tanta es-
bém o nome do Grande Espírito da Mon- tranheza causou ao padre Lozano, cor-
tanha, que vive nessa planta. Basta que responde. em essência, às procissões ca-
se aspire o "rapé' '. para receber uma tólicas pedindo chuva - ad petendmn
parcela desse espírito e suas furças ex- pluVÚDn - muito con1uns, por exemplo.
cepcionais. Durante o consumo cerimo- no Nordeste do Brasil.
nial do kokoíme. o médico-feiticeiro con-
versa com os espíritos. 32 O "Rapé" Diabólico
Os índios Kaxtúâna. tribo caribe do Narra Robert Soutbey •'uma extraor-
rio Trombetas, consideram sagrado o pó dinária e tremenda cerimônia'' de algu-
de paricá, que consomem durante um mas tribos do Rio Negro. "para a qual
longo e complicado ritual: a festa do mo- uma grande casa é localiz.ada longe das Índio muro, bacia do Madeira, aspirando paricá com o tubo em forquilha: as duas
ri. que Frikel assistiu e descreveu com suas aldeias. Começa com uma fustiga- pontas do Y. com coquinhos ocos fixos 11a extremidade , sào colocadas na narina e o Lado
minúcias. u Uma parte do mori absor- ção geral. os bon1ens aos pares, açoitan- oposto é ntergulhado 1w "rapé" da bandeja ritual. Des. do séc. XVIII.
veu todas as doenças e malefícios, sen- do e dilacerando um ao outro com uma
do por isso atirada na n1ata, despacha- correia, que ten1 un1a pedra na extremi- de um tubo oco." [ ...] A cerimónia in- exclusividade anlcríndia. São comuns os
da; a outra parte está in1pregnada de ma- dade:' A fustigação dura oito dias. após teira dura dezesseis clias, é realizada exemplos de automortificaçõcs de anaco-
na, de qualidades purificadoras e forti- os quais os que se en1parelhavam antes anualmente e chama-se Festa do Pari- retas e reclusos dos monastérios. ao casti-
ficadoras, e é consumida du rante a ceri- são parceiros tan1bém na parte que se se- cá. 37 _garem o próprio corpo, en1 busca da san-
mônia. Com o n1ori. a tribo entra em co- gue, cada un1 soprando paricá, com gran- Essa flagelação religiosa não é un1a tidade pela peni tência. Os ruuçuln1auos
nu micação com o uoroquitnná de cada de força, nas narinas do an1igo, através
94 Sangirarrli. J r. O Índio e as Plantas Alucinógena.s 95

xiitas se autoflagelam, con1en1orando o paciência e desagrado, baseados na cren- uma g.relha de madeira resistente. A pasta lado para outro." 2 Ma:rtius. mais de um
marúrio de Ussein ou Husain, neto do ç.a (não duvidamos sincera) de que os pa- endurecida tem a furma de pequenos bo- século antes, descreveu quase da mesma
profeta Maon1é~ e ainda boje, na Sema- jés tinham relações diretas con1 o Dia- los. Quando queren1 se servir. reduzem- forma os efeitos do Schnupjpulver: ''Sú-
na Santa, ocorrem autoflagelações dos bo." 39 na a um p6 fino .. .' '. bita exaltação, palavreado sem nexo, gri-
crentes no sul da Itália. notadamente na Humboldt supunha que a força ex- tos, cantos. saltos e danças são o resul-
Sicília. e. no Brasil. nos sertões nordes- citante do tabaco dos otamákas era devi- ~do da operação. após a qual. entorpe-
tinos. Nas Tabacarias da Mata da às conchas frescas calcinadas.17 Na cidos ao mesmo tempo por bebidas e to-
Frei Bartolomé de las Casas fula de Há tribos que usam o ''rapé'' do pa- realidade, a cal viva não encerra qualquer da a sorte de excessos, caem num estado
uma tribo que se reunia para discutir ricá puro, o que é, no entanto, bastante princípio ativo: apenas ajuda a libertação de bestial embriaguez". 38
assuntos difíceis e importantes, inclu- raro. O universal é usarem um ou mais do alcalóide da planta. Como acontece com inúmeras outras
sive de guerra. Durante a rcllllião. o che- aditivos, os quais são idênticos aos da co- drogas. é comum, no consumo do pari-
fe· tomava coboba. Após o extase pro- ca: conchas trituradas de caranulj os hi- Múltiplos São os Efeitos cá, a antinomia exaltação e apatia, fúria
vocado pela droga, descrevia sua visão. drófilos, farinha de mandioca e. ainda, Conta o padre José Gumilla que os e narcose.
''dizendo que o Cerni lhe tinha ralado, outras drogas hierobotânicas, como o fu- otomákas, "gente áspera e belicosa". Otto Zerries. entre os waikás. viu um
e predito bons tempos ou o contrário. 010 ou tabaco e o ayahuasca, caapi ou usam uns pós malignos que chamam yu- médico-feiticeiro (MMi.zininmann) pas-
ou que as crianças estavam para nas- yajé. pa. droga ''que lhes tira totalmente o jui- sar do estado de possesso (Besessenheit)
cer ou morrer. ou que haveria alguma Spruce revela que, ao lado do esto- z.o e, furiosos, emp1mham armas; e se as ao desmaio, à perda de consciência (Be-
disputa com os vizinhos. ou outras coi- jo de niopo, o Guahíbo leva sen1pre, pen- mulheres não forem destras em wusstlosigkeit). 45
sas que podiam vir à sua imaginação, durado no pescoço. um bocadinho de interceptá-los e amarrá-los, fariam estra- Serrano diz que os indígenas ficavam
tudo perturbado com essa intoxicação; caapi. usando as duas drogas altcrnada- gos cruéis cada dia''. Os salivas e outras furiosos sob a ação do pó finíssimo que.
ou. se não era assin1, o que o Diabo n1entc. Ambas são consunlidas en1 todas nações também usam a yupa. ''Mas co- absorvido pelas narinas, ia até o cérebro
trouxe para eles, a fin1 de conquis~ as tribos dos afluentes do alto Orcnoco, mo são gente mansa. benigna e covarde. e tinha efeito fulminante. ("... y nada se
los para o seu culto." 20 isto é. dos rios Guaviare, Vichada, Me- não se enfurecem como os nossos oto- podia con1parar a la furia con que los in-
Falando sobre os índios otomákas, ta, Sipapo etc. 39 mákas, que, poI isso. são e continuam dios recebian el polvo por las ventanil-
sentenciava outrora o padre Gunlilla: Gwnilla, falando dos otamákas: sendo formidáveis para os Caribes; por- las. Algunas veces quedaban muertos en
''T~m um modo péssimo de onborra- ''Após haverem comido uns caracóis que antes da batalha se enfureciam com el mismo lugar, ya como effecto de la so-
charse por las narices, com uns pós ma- muito grandes, que acham nos alagadi- yupa, feriam a si mesmos e, cheios de breexcitación, ya ahogados por el polvo
lignos. que denon1inam yupa. .. [.. .] ços, põen1 as conchas ao fogo, rcduzindo- sangue e furor, safam para combater co- fmissimo soprado hasta el cerebro."36
Preparam esses pós com algumas sen1en- as a cal viva, mais branca do que a ne- mo tigres raivosos." 14 Até aqui foi o pé da loucura e da
tes de yupa, de onde lhes vem o nome. ve; misturam essa câ.l com a yupa, en1 Mas a droga não é apenas instigado- n1orte. Mas há outros sinton1as provoca-
Esses pós têm o cheiro de tabaco for- quantidades iguais." 13 ra da fúria guerreira. Segundo o sábio dos pelo paricá.
te: o que acrescentam por artificio do De- Humboldt descreve com n1ais deta- berlinense Humboldt. ''quando os oto- Becher descobriu porque os suráras
mônio é que lhes causa a embriaguez lhes: "Eles colhem as vagens dun1a mi- mákas de Uruana, pelo uso do niopo (seu e pakidáis, do nordeste brasileiro, acre-
e a fúria ." 13 mosácea que nós tomamos conhecida tabaco em árvore) e dos licores fem1en- ditam na existência de gigantescos espí-
Razão tinha. portanto. o bom Spru- com o nome de Acacia niopo; arnun.am tados, caem num estado de embriaguez ritos, de anin1ais e vegetais. Depois de
ce. quando afumava: ''Os relatos dos an- em porções, umedecen1 e fazem fenuen- que dura vários dias, eles se matam uns consumir o paricá, seguiu-se. aos efei-
tigos missionários sobre o procedimen- tar. Assin1 que os grãos un1edecidos co- aos outros sem lutarem com amias." 17 tos desagradáveis da droga, unia curiosa
to dos pajés são raramente con1pletos ou meçan1 a escurecer. são amassados co- Le Cointe, em 1947. disse que "o p6 sensação de macroestesia: ''... eu n1e
dignos de crédito. ~es piedosos homens mo un1a pasta; e após haveren1 mistura- soprado nas ventas produz uma excitação sentia uni gigante entre os gigantes. To-
viam neles o grande obstáculo para a do farinha de mandioca e a cal tirada ela muito grande. loquacidade, cantos, gri- das as pessoas que se encontravam perto
aceitação da fé cristã pelos nativos e sem- concha de un1a Alnpullaria ~ expõen1 to- tos, saltos...'' 21 Hans Becher, que este- de mim. inclusive os cães e os papagaios.
pre escreveram sobre eles com certa im- da a massa a um fogo muito forte, sobre ve entre os índios suráras e pakidáis, nu- pareciam ter ficado subitamente de pro-
ma comunicação ao Museu Etnológico porções gigantescas". 2
• Ampullaria La.m. Gêoero de molusco gaslrÓpod~, pulmonado, que vive nos rios e lagos. Em tupi, de Hamburgo, em 1960, escreveu: ''. .. Luís da Câmara Cascudo fala dos
am'á. quem aspira o "rapé" entra nwn estado efeitos oníricos resultantes do uso da dro-
de excitação inimaginável. enraivecendo- ga: ''A fruta do paricá (Mimosa acacioi-
se, gritando, dan,ando e saltando de tm1 des ou Piptadenia pe-regrina Benth.). tor-
O Índi.o e as Plantas Alucindgenas 97
96 Sangirardi. Jr.

tes fabricam o estemutatório chamado o paricá pode ser estemutatório também


rada e pulverizada, é um inebriante para efeitos narcóticos ou psicotrópicos, co- 'Paricá'. Tumbém purgativo" (E hujus para os índios. Mas estes repetem a ab-
os indígenas, fazendo-os sonhar realiza- mo Turner e Merlis 42 e Harris lsbell, specieisetnine pulvemn stemutatorem sorção d? "rapé" tantas vezes quantas
dos os maiores desejos. Rivaliza o haxi- em carta a Wassen e Holmstcdt. 44 O bo- ''Parica '' dictunt fabricam. Purgat qu.o- necessánas, até obterem os efeitos dese-
xe, no vício oriental do ópio." 3 O nar- tânico Carlos Rizzini, do Jardim Botâ- que.) 26 jados.
cótico, no caso, provocou dois cochilos nico do Rio de Janeiro, escreve: ''Em . O padre Gumilla foi mais longe, atri- Conta Salathé que um chefe Pauxiâ-
de nosso niaior folclorista: Jlão é uma auto-experiência, que também realiza- bwndo à yupa ou paricá a propriedade na~ de ~orne Quirino. foi iniciado por
fruta que torram e pulveriz.am. mas as se- mos. Hoehne observou, após a aspiração de agir, pela simples presença. como es- dois kanmés no ofício de médico-feiti-
mentes do fruto (uma vagem); o haxixe do pó das sementes, como fazem os abo- temutatório tempestuoso: ''... o mais ex- ceiro (lwmme-médicine). A cerimónia de
é do cânhamo e não de ópio. rfgines. sucessivos espirros e emissão de perimentado tomador de rapé não se iniciação constou da aspiração ritual do
líquido; depois, somente considerável alí- acostumaria com a yupa e. só pondo ne- " rapé"• soprado para dentro das narinas
Complexo Terapêutico vio. Nada mais que um estemutatório; la a ponta do dedo e chegando perto das por um longo tubo, de 30 centímetros de
A droga é também usada con10 n1e- daí a utili2.ação, pelos nativos. contra do- narinas. sem tocá-las, provocaria assim comprimento, o que fui feito uma dúzia
dicamento. res de cabeça e resfriados. Acrescente- uma tempestade de espirros." 13 ~e vez..es (. . . ''.e~ ils répéterent douze fois
O etnólogo alemão Franz Casper. lo- n1os que provoca, concomitantemente, O grande toxicologista alemão Le- Jusqu à ce Qu1nno tombat sans connais-
go no título do seu trabalho sobre os ín- curiosa sensação de resfrian1ento da mu- win defende ponto de vista inédito e bi- sance par terre." 32 (Grifos meus).
dios do Guaporé e Machado, refere-se ao cosa nasal." 30 zarro, ao afirmar, no seu Phantastica: Franz Caspar. que presenciou o uso
parlcá con10 alimento e estimulante (... Vejamos o que disse Hoehne, cita- ''Acho que a ação do Paricá é simples:.. ri~l do paricá entre os índios tupads,
der Nahrungs - und GenwS1nittel.). 4 do por Rizzini: " ... empregavam con10 mente a de um pó irritante, capaz de es- do no Negro. relata: "Fizeram firutlmen-
Informa Stradelli que, na tamiaco- rapé, para curar constipações rebeldes. timular energicamente a mucosa nasal, te em Waitó e Kwaió cerca de quarenta
péia indígena, o paricá é aconselhado co- gripes crónicas e fortes dores de cabeça prmocando imp~ões agudas de coceira aplicações': [ ... ] "Mas principalmente
mo reconstituinte e con10 remédio con- provenientes de resfriados. Os prin1eiros e dor." 22 os quatro feiticeiFos é que receberam as
tra o diabete. 40 imigrados, observando isso, e tendo em Em que ficamos então? Distingo. E doses maiores e mais fortes". ( ...] "Foi
Dizem os silvícolas que. tomando vista o uso que se fazia do fumo (Nicoti- nego as conclusões. Em primeiro lugar, somente ao alvorecer que, pela últinia
paricá. têm maior resistência à exaustão. na (sic) tabacwn L.) julgavam que fosse cumpre distinguir sementes e sementes• vez, eles abasteceram de pó o tubo".(... )
Para provocar visões, a dose deve ser au- ao pó deste que se deveria atribuir tais •
VIsto as espécies botânicas,.inclusive sob Fez tnais wnLJS duas dúzias de aspirações
mentada. Breyer, citado por Friederich. resultados terapêuticos.•• 16 Ora, o tato o ponto de vista químico-farmacêutico, nasais e prosseguiu então. meio incons-
empresta propriedades tónicas à droga, dos colonizadores confundirem rapé (de sofrerem variações determinadas pela al- ciente, com os murmúrios e as conjura-
ao relatar que, entre os omáguas, o pó tabaco) e pó de cohoba ou paricá é co- titude, temperatura, natureza do solo etc. ções." s (Grifos meus).
de curupa era cheirado da mesma manei- nhecido e certo. O errado é atribuir, a es- (~. p..14). Em segundo lugar, cun1pre dis- Finalizando: não pode ser apontada
ra que o rapé de tabaco, com a diferença sa confusão, sintomas e terapêutica que UD~UJI .os experimentos- clínicos. por como simples estemutatório uma dro-
de que os índios ficam embriagados, mas não correspondem à realidade. Antes de mais cwdado~. do consumo ritual da ga ~m qu~ foram constatados, como prin-
bem dispostos e vigoro~. 44 entrarem em contato com os ''civiliza- droga pelo índio, droga cujo preparo e cípios ativos, alcalóides de reconheci-
Whiffen, em 1915, escreveu que os dos", os índios desconheciam o que fos- uso são um traço cultural muitas vezes da ação tóxica e alucinógena: cinco in-
tukunas e outras tribos do alta Jup\ll'á se gripe ou resfriado. Essas doenças, tra- secular. dóis, sendo os principais a bufotenina "'
usam como estimulante o paricá ou nio- zidas pelos brancos, exterminaram tribos Numa simples experiência, boa par- e o DMT (N. N, dimetiltriptamina). e
po, que é um poderoso narcótico e tem inteiras. E continuam matando. O médi- te do "rapé" absorvido é logo após eli- seus respectivos ácidos nitrogênicos. As
efeitos muito parecidos com os da co- co húngaro Dr. Giorgi Bõhm me contou minado, devido à ação puramente n1ecâ- sementes das três espécies do gênero
ca. 33 A comparação é absurda e contra- que certa vez, na Amazônia, trouxera de nica, ocasionando, como constata o pró- Piptadenia batizadas pelo botânico Ben-
ditória, pois a coca, além de clinúnuir a canoa. rio abaixo, dois índios com 40 prio Rizzini, ''sucessivos espirros e tham - P. peregrina, P. macrocarpa, P.
sensação de fome, sede, cansaço. tam- graus de febre e forte hemorragia nasal. emissão de líquido.'• 30 Está claro que colubrina - possuem os mesmos efei-
bém tira o sono: é o que chamei de dro- vítimas de doença que não conseguiu
ga da vigília e, portanto, antinarcótica diagnosticar e pensou tratar-se de qual-
por excelência. quer moléstia tropical que desconheces- • O vocábulo bufotenina deriva do nome genérico do sapo: Bufo Laur. As verrugas da pelo dorsal
se. Descobriu depois que era gripe. do sapo contêm um veneno, que e~ ~is concentrado nas glândulas parot6ides, localiz.adas, cm relevo.
Essa tese do errino vem de Martius atrás .dos olhos. Dentre as ~bstinc1as isoladas do veneno leitoso do sapo, está a serotonina, estreitamenle
Os que Desmentem a Ação da Droga relacionada com a bufoceruna.
Alguns autores negaram que a absor- que, após descrever a Piptania peregri-
ção do "mpé,. de paricá tenha quaisquer na Benth., concluiu: "Do pó das semen-
98 Sangirardi. Jr. O Índi.o e as Plantas Alucinógenas 99

tos psicativos. 41 , 10, 15, 33, 6, 28, 29 Os guahfbos levam o pó em úbias cea e espécies afins, considerando o or- duzido nas fossas nasais mediante sopro
ocas de anta ou tapir. 6 Spruce descreve namento unu defesa contra o etltívios do próprio paciente ou de terceiro. As va-
Parafernália um estojo feito de uni pedaço de os o de contrários e o mau-olhado dos inimi- riações de uso dependem principaln1en-
A Boceta Rústica do Í ndkJ jaguar. Edependurado ao pescoço e en- gos.39 te da forma do tubo inalador: en1 Y, en1
Os estojos para guardar o pó de pa- feitado com rizon1as duma ciperácea, A maioria dos estojos é feita com a V, en1 X ou formando uni duto único, em
ricá pronto para uso são feitos de osso, Killinga odorara Vahl., o nosso capim- concha dum caracol, identificado, segun- reta.
concha de caracol, gomo de ban1bu ou de-cbeiro. Ao longo do Amazonas e do do Wassén, con10 Buli.Jnus ou J-Jelix ter- O tubo em Y, assinalado pelos etnó-
cabaça. Orenoco, utilizam os Cndios essa ciperá- restris. 43 Koch Grünberg, estudando a logos em quase todas as regiões onde é
cultura das tribos do baixo À paporis e al- consumido o paricá, niopo ou cohoba,
~' to rio Negro, relata que o " rapé" de pa- é o mesmo que Colombo encontrou no
ricá era guardado pelos indígenas ''en1 Caribe. Spruce, em 1850, achou-o nas
pequenas cabaças esféricas "' ou en1 con- duas n1argens do Amazonas, a partir de
chas de caracol." LS Santarén1, passando pela bacia do rio Ne-
Estojos de entrenós de ban1bu são gro e indo até as cataratas do Oreno-
comuns em dive rsas tribo , con10 dos co. 39
nuúras. xiria.nas. waikás. etc. Os inaladores cn1 Y são geraln1ente
usados colocando cada extrcnúdade da
Tubos Inaladores tbrquiU1a nun1a narina e o lado oposto
Em suas prises de paricá (ou de vi- n1ergulhado no "rapé" - en1 estojo,
rola) os ú1dios não usan1 os dedos para bandeja ou na paln1a da mão - que as-
levar a pitada de pó às narina , con10 fu- sin1 é fortemente aspirado.
zcm os brancos com o rapé: utilizam Spruce descreve a técnica dos índios
sen1pre um tubo inalador. katawixfs, guahfbos, muras etc., que to-
Salvo raríssimas exceções, os tubos n1an1 paricá com um n1bo em V, fom1an-
de inalação são feitos de ossos ocos, sen- do un1 ângu1o curvilCneo, de maneira que,
do que, nos que formam ângulo, do tar- quando uma exten1idade é posta na bo-
so de uma ave pernalta. ca, a outra alcança uma narina. Unia por-
O "rapé.. de paricá (ou de virola) ção de " rapé", colocada previamente
é consumido de duas fomlas diferentes: dentro dum tubo, é soprada com furça pa-
a) através de aspiração nasal; b) intro- ra dentro da fossa nasal.39

Jambé-talciçá, aspirador de paricd emfomw de Y, feito com ossos de ave. Índios mawés,
Tubos i11a/adores, pena para limpeza dos tubos, estojos diverso~ para gua.rdar o " rap.é ' : rio Tapaj6s. 0,35 ena x 0,1 cm cada tubo. Museu Nacional, Rio de Janeiro, n .0 2 .917.
bandejas, banqlleta, enfim, toda tuna parafernália utilizada par~ a malaçdo ntual de pancá.
Ilustração: "Viagem F ilosófica" , de Alexandre Rodrigues Ferreua (1783-1792), apud Oswaldo
A . Costa.6 • Provavelmente os frutos secos do Crescentia c11jc1e L., a nossa cuia ou cuité, uma bignoniácea.
100 Sangirardi Jr.
O Índi.o e as Plantas Alucinógenas 101
Hans Becher viu, entre os waikás. humor de outro aparelho das pessoas so-
um grande tubo único de 64 ,5 cm de ciáveis, com os ossos em X, através dos crita por Humboldt17 e por De La Con- as suicãs dos índios mawés, com moti-
comprimento, que era metido no interior quais, ao mesmo tempo, dois an1igos so- danúne, 8 tem exemplares expostos no vos ornamentais, as mais belas bandejas
de um estojo de "rapé'', do qual era as- pram o " rapé" um para o outro: prise Museu Nacional do Rio de Janeiro. São de paricá de que tenho notícia.
pirado diretamente. 2 Esta fomui de ab- em uníssono, duo concertante. ''viagem''
sorção, aspirando diretamente num tubo dos vasos comunicantes (Les amis s 'ap-
reto e, além disso, de proporções enor- prochent et souffient à l'wiisson , ils s 'en
mes, é das mais raras. O universal, nos voient réciproquement la prise.)1
inaladores de duto único, é que o 'era-
pé'', colocado no seu interior, seja sopra- Bandejas Rituais
do por um companhei.ro na outra ex.tre- Em algumas tribos. o tubo de inala-
D1idade do tubo. ção é associado a uma bandeja ritual, de
Crevaux, que estudou a cultura dos osso ou madeira, Jinhas retilíneas ou cur-
witótos, refere-se ao rubo em Y como o vas, onde é posto o Hrapé" a ser aspira-
modo de operar dos egoístas. E fala com do. Es e tipo de bandeja ritual, é des-

Ba11dejas rituais de madeira (suicãs). Na parte ree111ra111e é colocado o ''rapé'' de pari-


cá, a ser aspirodo, com. tubos próprios. A bwideja maior teni 36,0 cm x 11,5 an na parte
mUos witótos, utilizando ma11eira pouco comum de aspirar paricá, com tubos em X , qlle
mais larga; a outra tem 34,0 cni X 10,5 cm . Índios mawés, n'o Tapaj6s, 18'73. Ao cenJro, esl<r
Crevaux collsiderou o ''aparelho das pessoas sociáveis ' : 7
jo de caracol, para guardar paricá. 11,5 cm X 7,0 cm . Índios ip1,rinás, rio Purus. Museu
Nacional, Rlo de Janeiro, ns. 2. 912, 2.913 e 3.053. (Foto do Autor)
102 Sangirarrli. J r. O Índio e as Plantas Alucinógenas 103

Clister de Paricá clister.' •38 Alén1 dos otamakas, o enema fuiticeiros tomarem "rapé" e tocarem deira. Não é conhecida na Colôtnbi.a
Spruce fala de um tubo de clister (a de paricá era conhecido dos muras, ma- flauta.44 É curioso que às margens do rio '
e1n cuja região amazônica parece ser
clyster-pipe) feito com o grande osso da wés. tikúnas. Diz Martius: ''Quando se Trombetas, na Amazônia brasileira, Fri- muito 1nenos coniwn que a V. ca-
perna do tuiuiú*. Antes de partir para a sentem fracos. recorrem a essas semen- kel encontrou, entre os pajés dos índios lophy lla.
caça. o katawixf toma um clister (de pa- tes adstringentes tan1bém em forma de kaxuiânas. o mesmo uso ritual do "ra- F.Jn 1951e1952, na exploração do rio
ricá) e aplica outro no seu cão, a fim de clister" (Nach Monteiro, Jon1. de Coun- p6" e das flautas sagradas, cujas melo- Apaporis (Soratama), sul da Venezue-
clarearem a vista e ficarem mais alertas. bra, 1820, § 145).25, 38 dias eram o meio de comunicação com la, R. E., Schultes e Eduardo Cabrera
E" um purgativo mais ou menos violento, o grande espírito protetor da tribo (ver estudaram as 1niristicáceas acima,
de acordo com a dose. 39 Arqueologia p. 92). foniecedoras de ' 'rapé'~ Quase todos
Metraux encontrou o mesmo dispo- Junho de 1895. Max Uhle descobre os dados deste verbete são devi.dos
sitivo entre os karip(lnas: '·... provocam em Tihuanaco, Bolívia, um interessante aos trabalhos publicados por Schul-
o estado de transe tomando paricá (Pip- tubo de aspi rar " rapé", usado possivel- 2 tes.
tadenia sp.) na forma de clister, que apli- mcnte pelos qLúchuas. A extremidade, Vi rola
cam uns nos outros com uma seringa de em forma de Y, resultava da bifurcação Gênero de árvores da famíl ia das SIN. : Os índios puináves dão à viro-
borracha. provida dum tubo de osso."Z7 do metatarso ou osso da perna de uma M iristicáceas. Za o no1ne de iàquf (yakee) . Entre os
A mesma seringa - com um tubo lhama. O tubo, decorado com arabescos, yekwanás é hacudufa (hakúdutba) .
que é introduzido no ânus - para absor- está expo to ao Museu de Ciência e AI- 2 .1 Vi ro la calophylla Warb. Outros 1101nes: epená, nyakuana, ya-
ção da droga pelo reto - foi descrito por te de Filadélfia.31 (Myristica calophylla Spr. , Virola in- ca ou yala e, e1n J..-uripako, yato. Os
De La Condamine, entre os índios omá- Junius B. Bird. citado por Wassén e color Warb. , Otoba incolor {Warb.) tukanos charna1n a viro la de paricá,
guas, do ~1araiion. •'Foi com esses ín- Holmstcdt,44 descreveu material arqueo- Kast.) nonie pela qual é conhecida na regiiío
dios que os portugueses do Pará apren- lógico descoberto no Peru, incluindo Tronco 1nuricado, castanho-avenne- dos rios Negro- Uaupés e que, eJn ou-
deram a fazer bombas ou seringas. que bandejas retangulares e tubos inaladores lhado, co1n cerca de JOrn de altura e tras áreas, designa Piptadenia spp.
niio precisavam de pistom. Tinham a for- de osso, para ''rapé''. Esses artefatos, se- 20 cni de di/Jrnetro. Folhas ovadas,
ma de pêras ocas, com um pequeno ori- gundo os cálculos. ren1ontan1 a 1000 anos lanceoladas. Flores 1niúdas, apétalas, A Geografia da Droga
fício na extremidade. no qual é ajustado a. e. trilobadas. Inflorescência eJn panícu- A área de consumo abrange o Vau-
um tubo de madeira. Quando eles se reú- Em exposição no Museu de Gotem- las. Pedúnculos alongados, dando ao pés colombiano, a bacia do alto rio Ne-
nem para algun1a festa, o dono da casa burgo há peças que foram várias vezes botão floral o aspecto de wna cabe- gro (Brasil), a região drenada do Ore-
Qão dciJQi de apresentar uma seringa de catalogadas como "apitos", n1as são na ça de serpente. Habitat: Brasil, no- noco e suas cabeceiras. ao sul da Vene-
borracha a cada convidado, como gesto realidade inaladores, con1postos de 1una roeste da Amazônia, e zonas lün(tro- zuela.
de cortesia; o seu uso precede seo1pre, parte de barro e un1 tubo de osso, for- f es da Colô1nbia, do Peru e sul da ~­ Durante viagens que realizou entre
entre eles, os hábitos cerin1oniais. Con10 n1ando uma só peça. Foram descobertos nezuela. Nesta últi11w, há 1nais de uni 1911 e 1913, o entlnente eUlólogo alen1ão
hábito assim estranho pode se estabele- no Peru.44 século, Spruce colheu a espécie-tipo, Koch-Grünberg encontrou entre os ye-
cer entre esses índios parece à primeira S. Henry Wassén, talvez a n1aior au- às 1nargens do rio Casiquiare. kuanás, índios do rio Veoniari, na Vene-
vista inexplicável; nias o testen1unho de toridade mundial em "rapés" an1erín- &pécie afon: Virola Theiodora Warb. zuela, un1 " rapé" tóxico "preparado
outros viajantes mostra que tal prática dios, descobriu en1 Costa Rica, 1958, ina- (Myristica theiodora Spr. et Benth.) com a casca de uma árvore." 19 Tudo le-
existe - ou existiu - entre outras tribos ladores de barro cuja forma lembra ca- SIN. : bicuíba-cheirosa. va a crer que tal árvore era a virola, cujo
nas margens dos tributários do Amazo- chimbos ou, melhor ainda, ocarinas. consumo pelos ameríndios teve, assim.
nas. Nessas injeções (enemas) não era Doris Stone faz referência a peque- 2.2 ViroJa calophylloidea Mark. seu prín1eiro rcgistro. Ducke9 - por cer-
usada água. mas um extrato das mesmas nos inaladores de barro, com um ou dois (V. lep idota Sniitlt). to informado erradamente - registra
sen1entes com as quais é feito o 'rapé'"8 tubos de aspiração nasal. destinados pro- Pequena árvore, se1nelhante às a111e- que, no alto rio Negro, "o pó de paricá
Na "Viagem", revela Martius que. vavelmente à cohoba (Piptadenia sp.) ou riores. Nasce às 1n.argens d os rios e vem das folhas de espécies de Virola•'.
entre os otomakas do Orenoco, "outro ao tabaco. Ela aponta, como traços cul- regatos. Flores pardacentas. Folhas Koch-Grünbergt8 tan1bém parece haver
uso do paricá é um decocto em forma de turais do sul de Cosw. Rica, os médicos- e flores duas vezes menores que as da se enganado, ao registrar. no alto rio Ne-
V. calophy lla; pedúnculos bmn 1nais gro e baixo Apaporis, o •'paricá prepa-
+ Tuiuiú, cabeça-de-pedra, cabeça-seca, passarão: Mycteria americana L., ave da fiuni1ia das Cicônidas. curtos. rado com sementes secas de espécies de
Habitat: rara na A.Jnazônia brasilei- MiJnosa ' '. Schultes33 - que durante 12
ra e nos vales dos rios Negro e Ma- anos pesquisou a flora ao noroeste da re-
104 Sangirardi /r. O Índi.o e as Plantas Alucinógenas 105

giãq amazônica-assegora que o paricá ca, esta é raspada e tirada do pote, para
da baciã dôs rios Negro e Uaupés é de ser pulverizada, transforn'lando-·se em
Viro/a; o de Piptadenia, pelo menos na " ra pé"
. • ao qu. ai são nustura
. da· s, em par-
atualidade, é provavelmente desconheci- tes igu_ajs, cimas de vegetais.
do e, sem qualquer dúvida, não usado na
região. As Prises do Xamã
R. E. Schultes, em auto-experiên-
Obtenção do Látex cia, tomou um tero.o de uma colher de
Schultes34 descreve pormenorizáda- chá rasa. em duas inalações, correspon-
mente a coieta das Gascas de Vuola para de.nte à q1,larta parte da dose usada por
preparo do iàquí, às margens do Vaupés um xamã. Para aspirar o "rapé", u.sou
(Colômbia oriental) e do alto rio Negro o caractedstico tubo em Y. Sintomas
(Brasil). principais: desenhos sobre os olhos, se-
Habitualmente os índios retiram a guidos de forte e constante dot de cabe-
casca das árvores às primeiras horas da ça; alteração ua sensibilidade do~ pés e
n1anhã, antes que os raiõs solares, come- da~ mãos; difieuldade de caminhar; náu-
çando a penetrar na floresta, possam seas. lassidão e mal-estar; forte mich1a-
aquecer os troneos. (Os raios quenres do se. Seguiu-se sono agitado, freqüente-
Sol reduzen1 grandemente a quantidade mente interrompido, que durou a noite
de resina fornecida pela planta, além de inteira, em meio a transpiração abundan-
enfraquecerem os efeitos narcóticos.) te e deseonfurtável, talvez resulradó de
Largas tiras da casca.. que se destacám pequel#l febre. O experimentador cen-
faeilmente do câ:tnbio, são. retiradas do cl~iu pelá potência narcótica do '' ra-
trouco. L<?go após c0meça a fluir em pe- pé''. 33, 34
quenas gotas. na parte interna da supei:- A droga contém miristicina, óloo es-
ffcie da casca, profunda exsudação (ou sencial taQlbém pre·sente na noz-
''sangria'') duma resina âvennell:iada. Os níoscada, condimento tóxico, quando em
princípios ativ0s da P,lanta estão contidos dose inadequada. Foram veiific.aclas ain-
nessa exsudação. da, ne·s ''rapés" de virola, altas concen-
traç0es de triptaminas, especialmen~ a
Preparo do "Rapé" 5-metoxi-N, N-dimetiltriptam ina.
Os feixes da Ca§Cà ~o mergulhados O "rapé" é perigoso e pode ser le-
n'água, durante meia hora. A p,àrte in- tal. Comenta-se, nas barrancas do rio Iri-
terna e macia da casca, em cuja superfí- nida, que há vinte e cinco anos, so\> a in-
cie a exsudação se contlensou, é raspada fluência do iàquí (yakee), morreu o xa-
com faca ou machadinha. As raspas (yá- mã Puinave.
kee-tá) são ctridadosaniente aniassadas Como acontece com os "rapés"
dentro d'água, que se toma turva e ad- oriundos cle Piptadenia spp. , os oriun-
q1úre cor marron1 ou escura. Em segui- dos de Jlirola spp. também são de uso ri-
da esse liquido turvo é coado, fervido du- tual, exclusivo do médice-feiúceiro. Es-
rante horas, decantado, até que reste ape- te cai ntun sono profundó e inquietô, po-
nas, no fundo do pote, unt xarope voado de alucinações visuais e sonhos re-
A diftrença etitrt a Vi.rola calophylla e a Virola calophylloidea é apenas moifoft!gica: m.arrom-escuro. O pote é posto ao sol, veladores. Enquanto donne, o xamã g~
A segwula tem flores efofha.s menores e pedúnculosfloraismais curtos. Anibm silo igualmen- para que o xarope se solidifique lenta- n1e, murmura, grita, sons divinatórios
re violemos como narc6tico. nJente. Quando 'Se fornia uma Ciosta se- atentamente observados por ijJll acólito,
106 Sangirardi Jr.
407
Coca ou Ipadu
11
A Droga do Jej1un e da Vigília
Erythroxylon coca Larnk. rnenle "árvore'~
Arbusto da família das Eritroxiláceas. E1n 1499, o padre e~panhol To1nás
1 a 3 m de altura. Folhas alternas, Ortiz, 4 dirigindo-se a seus superio-
O\.:adas,finas e opacas, verde-luzidias res e clesiásticos, descreveu uma er-
na página superior, verde-claras ou va usada pelos índios su [-americanos
a1nareladas na inferior. N esta última, da costa norte, derwmiriada hayo. Foi
urna característica marcante: lÍ!nitan- a prhneira notícia de coca chegada
do a parte areoWa, duas linhas cur- à Europa. Ainda hoje, nas regiões se-
vas longitudinais, de cada lado da tet rionais, onde as folhas silo tosta-
nervura central saliente e bem pr6- das, é comum a deno1ninaçllo hayo
ximas desta. Flores 1niúdas e perfu- e huiu. Talvez seja, segundo Büh -
1nadas, pent&neras, brancas ou cuna- ler, 3 o étirno dos nomes ebee, bibio,
re ladas. Fruto monospenno, drupa hibi, d o nordeste do Peru.
vennelha com cerca de 1 an.
H oje não se conhecem espécies es- O n orne genérico Erythroxylon sig-
pontâneas e pequenas variantes geo- nifica "madeira vennelha ": gr. ery-
g ráficas não podem ser consideradas thros, eQu~pó~ , venneJha + xylon,
11ova.s· espécies cul1ivadas, corno, por éúÀo.,., , madeira.
cxernplo, as duas abaixo.

Erythroxylon novagranatense (Morr.)


llier. Geografia do Masticat6rio
Hoehne 13 esclarece que sua d{feren-
ça é puran1ente rnorfol6gica: teni as O coqireo - hábito de mascar foU1as
folhas rnais aguçadas e as eslípulas de coca - está concentrado no Peru e na
mais longas. Bolívia, seguidos en1 importância pela
Colôn1bia e pelo norte da Argentina. A
Erythroxylon cataractarum Spr. coca também é n1ascada. em menor ex-
Nome vulgar: ipadu-mirim (alto rio
tensão, na Venezuela e em pequenas re-
Negro). A sfolhas, segundo Le Coin-
Nas maTgens do Vaupés-Rio Negro, fn<Üos retiram cascas de te, 15 1êm as mesmas propriedades giões a noroeste da Amazónia brasilei-
Virola a serem utilizadas no preparo do iàquf (ya.kee), o "rapé '' que as das duas e~pécies a c irruz, po- ra. É opinião geral que,, no Equador. o
dos xamãs. (Foto de R. E. Schultes. 34) rérn rnenos ativas. hábito praticamente desapareceu.

S JN.: Martius 20 grafou cuca (perua-


que ali está para interpretar as mensagens çou a cantar e gritar selvagemente e, du- n os), coca (espanhol), ypadu ou
rante todo o tcn1po, seu corpo oscilava ypnndu (tupi). O tenno ypadu, em Habitat. Cultivo
dos espíritos.
para frente e para trás".18 11he engatu ou "língua geral': é ain-
Koch-Grünberg descreve um xamã da hoje corrente na regido arnazôni-
O arbusto da coca ou ipadu, sempre
dos índios Yekwaná, do rio Ventuari, Absorvendo o ''rapé'' pelas narinas, ca, no noroesle do Brasil. H á, ain-
verde, é nativo na América do Sul. Há
afluente do Orenoco. na Venezuela. Ele o xamã absorve o espfrito da planta e se da, as corrup1elas, batu, patu, patô, inúmeras espécies espontâneas, mas as que
foi preso de violenta excitação, ''come- integra no mundo mágico. ipadó, ybadu, ypatu, e outras. Os no- fornecem as folhas de coca do comér-
111es coka, cochua e cuca vê1n do ai- cio são cultivadas numa extensa área do
1nará khoka, que quer dizer sfrnples- continente. Bílliler 2 diz que são ideais pa-
O Índi.o e as Plantas Alucinógenas 109
108 Sangirardi Jr.
finas e tenras, um pouco mais de 4 cm to: ''... um homem de baixa estatura,
de comprimento, a mais comumente usa- com os pés pequeninos e o tórax muito
da em el coqueo e a mais cara; b) de el amplo, obrigado a viver com péssima ali-
chapare (Departamento de Cochabam- mentação em altitudes que vão de 2 .300
ba), que, de sabor forte e ácido, não é a 4.500 metros acima do nível do mar.
usada em masticatório nem em chás, sen- Nessas circunstâncias. os outros homens
do a preferida no fabrico da cocaína. pois poderiam apenas viver. e ele vive e tra-
a folha é maior e assegura mais rendi- balha sen1 parar.'• 17 É o nativo dos An-
mento na obtenção da droga. Os índios des, oprinlido e explorado pelo homem
escolhem a coca rica em alcalóides do- branco há quatro séculos e meio. Nas usi-
ces e aromáticos, en1 lugar das folhas nas. nas plantações, no fundo das minas,
amargas, nas quais a cocafná é predomi- nos árduos caminhos das cordilheiras.
nante. Mascando folhas de coca. Sempre mas-
As folhas de coca pôdem ser colhi- cando coca. Esse índio descalço e mal
das de duas até quatro vezes por ano, de- vestido, que mora em miseráveis palho-
pendendo do clima e de outros fàtores. ças e subsiste à fome crônica. já perten-
Em certas regiões do Peru, por exemplo, ceu a um povo orgulhoso e nobre. Dono
a colheita é habitualmente feita en1 mar- de searas, palácios e tesouros. Constru-
ço, no fim de junho e em outubro ou no- tor de estradas, monumentos. canais de
vembro. São consideradas boas para a irrigação. Criador de un1 grande impé-
colheita as folhas que se partem ao se- rio. O mísero indígena de hoje descende
rem dobradas. (Como as nossas donas de do Inca, o filho do Sol.
casa fazem para experimentar a vagem ou Garcilaso de la Vega descreve a fun-
o quiabo.) dação de Cozco (Cuz.co), a cidade im-
As folhas verdes (rnato) costumam perial, no cerro de Huanacari. Sua pe-
ser espalhadas em camadas pouco espes- dra fundan1ental foi unia barra de ouro
sas sobre grossos tapetes de lã e postas fincaaa na terra e que fundiu ao primei-
a secar ao sol. As boas amostras de fo- ro golpe, desaparecendo para sempre.31
lhas secas são planas, verde-escuras na Cuzco foi fundada por Manco Copac e
página superior e verde-amareladas na por sua irmã e mulher. Coya Mama Oc-
inferior, com um forte aroma de folhas clo Huaco, dos quais descendem todos
de chá. os reis e rainhas da dinastia inca. Filhos
A coca em seu berço (Bolivia. Pe- de nuestro padre el Sol e heróis civiliza-
ru. Colômbia etc.) é a realmente ativa; dores de seu povo e de todas as tribos que
as plantas exportadas tomam-se pratica- ele conquistou. deram de presente aos
mente inertes como estimulantes. andinos as folhas de coca, ''que sacia os
Os aimarás e morochos da região famintos. dá novas forças aos fatigados
yunguefla acondicionam as folhas de co- ou esgotados e faz com que os infelizes
caem pacotes de 12 quilos, prensadas e esqneçan1 suas ntisérias".16
envoltas em folhas de bananeira e esto- Afirn1an1 os historiadores que os in-
pas. Esses pacotes (tmnbores) são trans- cas não conheciam a coca. no início de
portados pelos caminhões que sobem a sua dinastia. Como se explica, então, que
ra a cultura da coca os territórios junto n1ais alto de sua cultura encontra-se, em cordilheira, en1 caminhos estreitos. ,so- a planta apareça Bun1 mito antropogôni-
às vertentes dos Andes. no Peru e na Bo- geral. entre 1.900 e 2.000 m. bre abismos. co como o dos heróis civilizadores que
lívia. regiões montanhosas resguardadas. A Bolívia é o produtor mais impor- fundaram Cuzco? Uma explicação plau-
de clima suave e umidade regular. tante, com dois tipos principais de coca O Filho do Sol sível é que, no princípio, apenas a famí-
cultivada e produzida: a) de las yungas Mantegazza bosquejou o seu retra- lia imperial e os sacerdotes tinham aces-
Desenvolve-se melhor nas altitudes qqe
oscilam entre 650 e 1.700 m. O limite (Departamento de La Paz), com folhas
fl0 Sangirarrli Jr. O Índi.o e as Plantas Alucin6genas m
santuários e do palácio imperial, e ga- nacos é Yastay, que corresponde ao nos-
nhou as camadas populares, nas quais era so Caapora. mas que, em lugar de fumo,
amplamente consumida em fins do séc. exige coca para propiciar boa caça.
XIV. Quando os incas lançaram os funda-
Em 1532, quando Francisco Pizar- mentos de seu império, o arbusto da co-
ro invadiu o Peru. encontrou o arbusto ca já integrava, há séculos. o complexo
da coca cultivado em todas as regiões do cultural de :vários povos,ameríndios. Seu
país. As tropas espanholas entraram em papel é preponderante na mitologia e na
Cajamarca, onde Atahualpa foi misera- vida social dos indígenas. Herança dos
velmente traído e morto. Com ele mor- heróis civiliz.adores. Presente dos deuses.
ria também o império inca. E tinlla iní- Planta sagrada das cerimônias de cul-
cio a escravidão do índio pelo branco. to.
O naturalista alemão Otto Nieschulz
A Folha dos Deuses descobriu, ao estudar artefatos arqueo-
Na teogonia inca, a divindade supre- lógicos dos Andes, que na América do
ma é Inti, o Sol, chamado Apu-Punchau. Sul, há quase dois mil anos, as culturas
o senhor do dia. Fonte da vida e criador pré-incaicas conheciam a coca. Um in-
de todas as coisas, a ele é consagrado o vestigador descobriu uma cabeça de 3 mil
arbusto da coca, cujas folhas lhe são ofe- anos, para guardar cal viva, o aditivo das
recidas, nos sacrifícios e nas cerimónias folhas a serem mascadas.27
rituais. Seu filho é Cuycha, o arco-íris, Folhas secas de coca foram achadas
cuja radiosa presença no céu indica, na com múmias peruanas que têm pelo me-
cor verde. a promessa de abundância das nos 2 mil anos. E nas tumbas de Ancón.
folhas de coca. junto a numerosos recipientes e bolsas de
Frazerll descreve vários ritos de fer- cal, encontraram-se também folhas de
úlidade entre povos agrários, para os coca.
quais todas as plantas crescem graças a Os chibchas, da Colômbia, eram
um princípio divino, que as anima. As- apaixonados c~ueros, como demons-
sim, existem a Mãe-da-Aveia e a Mãe- tram, entre outras coisas, os mtíltiplos
da-Cevada (Europa). a Mãe-do-Arroz achados de suas estatuetas de ouro, ,que
(índias Orientais) e a Mãe-do-Milho tinham nas mãos utensílios para uso da
(América). No Peru, além desta última, coca. 3 Os sacerdotes chibebas passavam
prestam homenagem à Mãe-da-Coca grande parte da noite meditando e mas-
(Coca Mmna) , o que revela a grande im- cando coca.
portância que os índios dão a esse arbus- No antigo Peru, ninguém ousava
to, associando-o ao único cereal que en- dirigir-se aos deuses sem trazer à boca
tra em sua parca alimentação. alg1uuas folhas de coca. A planta era con-
Na região peruana de Puno, os es- sagrada ao Sol. Coroava os sacerdotes.
.Ataualpa, o último imperador inca. "Foi traído por Pizarro e assassinado em Caja- píritos tutelares protegem as colheitas e Estes recebiam, entre as ofertas, folhas
marca, Pent, 1532. a saúde dos índios, em troca de ofertas de coca. Queimadas, essas folhas ajuda-
anuais de folhas de coca e de chicbá. Na vam a predizer o futuro. Atiradas ao
so à droga. Planta sagrada, a coca tinlla sa de pele de viclmha (chuspa), para le- Bolívia, Ekeko, deus aimará da abundân- chão, evocavam Viracocha, o herói civi-
o seu uso restrito aos que descendiam de var folhas de coca.22 Os ídolos incaicos, cia, é representado por um índio sorri- lizador. Mascadas pelos magos, abriam
primado dos sacerdotes, mostram, como dente e bonachão, carregado de bolsas as portas do mundo invisível.
lnti, o Sol, ou aos que dialogavam com
os deuses. O divino monarca inca, segun- sinal de sua divindade, as bochechas in- onde leva coca e ervas medicinais. io E A coca era uma das oferendas com que
do Mortimer, tinha, entre os atributos fladas pelas folhas de coca. Con1 o tem- no norte da Argentina, o protetor da ca- se enterravam os defuntos. Introduziam
dos seus trajes cerin1otllais, wna fina bol- po, a planta foi saindo pouco a pouco dos ça e guia das manadas de vicunhas e gua- folhas de coca na boca dos mortos, para
m Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 11.3

três brancos fizeram uma plantação de


coca sem autoriz.ação prévia do médico-
feiticeiro e morreram pouco depois., não
se sabe se envenenados ou por outra cau-
sa qualquer.
Entre os incas, a coca estava ligada
aos ritos de passagem dos filhos do rei.
Os que sobreviviam a uma severa inicia-
ção ordália recebiam a chuspa, sacola
cheia de folhas de coca , emblema da vi-
gorosa masculinidade que o prmcipe real
deveria manter. 22
Nas n1inas de cobre de Cerro de Pa-
co, os mineiros colocam coca mascada
nos duros veios de metal, para que se
desprendam mais tàcilmente. Pois as cli-
vindades tornam impenetráveis os metais
das montanhas, a não ser quando são
apaziguados pelo cheiro da coca. 3 Os
pescadores das costas sul-americanas do
Pacífico, quando o peixe está escasso,
põem no anzol folhas n1ascadas de coca
e garantem que, com isso, atraem o pes-
cado. Os índios também colocam coca na
boca dos que estão morrendo: se o sa-
bor agrada ao moribundo, é augúrio de
sua certa recuperação.27
O velho hábito de mascar coca con-
tinua a ter, para os ínclios, as mesmas vir-
tudes prodigi0sas. As folhas de coca unem
os nativos nas mesmas crenças dos ante-
passados, inspiram as canções tribais e
são usadas pelos xamãs para adivinhar, Estatueta encontrada no vale de Cauca,
curar, afastar os maus espíritos. Entre os na Co /.ômhia. Oca e toda de ouro, tem 26,0cm
índios da Amazônia brasileira, o ipadu, de altura. Nas mãos, recipientes de 6xido de
Funeral de um soberano inca, em cuja sepultura slJo depositadas oferendas diversas, en- estimulante das longas caminhadas de ca- cálcio, que é misturado às folhas de coca pa-
tre as quais a coca, planta sagrada. Grav. em cobre do séc. XVII . ca. guerra ou migraç~. é também apazi- ra m astigaçilo. Museu Etnológico, Berlim.
guador de cuidados e gerador de sonhos.
preservá-los dos perigos de além-túmulo. gem recente ou do emprego da droga co-
Também depositavam fulhas de coca nas mo medicamento. Raras vezes se ouve cli- Modos de Preparar e Usar. Aditivos getajs. A massa formada com a coca e
sepulturas que o viandante encontrava em zer que a planta tOi usada, primitivamen- AlgunlélS tribos niascam as folhas de essa cal viva de conchas calcinadas tem
seu caro inho. te, também pelas mulheres. 3 coca sem qualquer nlistura, inteiras ou o nome quíchua de llipta (também cha-
Planta sagrada, a coca tem o seu Os chibchas da Sierra Nevada de picadas. A maioria, porén1, junta subs- mam tonra), 16 em aimará llujta ou llij-
consumo. em quase toda parte, como pri- Santa Marta não fazem novas plantações tâncias com que as folhas são aglutina- ta; a massa de coca com cinzas vegetais
mado do homem. Nas regiões onde as sem licença e ajuda do médico-feiticeiro. das em pequenas bolas. Os adjtivos va- é denominada llanto, com água é poporo
mulheres consomem coca, observa Büh- A transg~são acarreta severas penas, in- riam de região para região, sendo os prin- (Colômbia).
ler, trata-se de uma degeneração de ori- clusive a morte. Conta G. Bolinder que cipais a cal de conchas e a cinza deve- Alén1 dessas duas principais, outras
11.4 Sangirardi, Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 11.5

substâncias são adicionadas às folhas de tostadas. É o que acontece no vale do que, em nenhum caso e de forn1a algu-
coca para o masticatório: tapioca,29 Amazonas ou na regjão setentrional da ma. deve-se obrigá-los a tal trabalho. Se-
soda-cáustica, 13 pasta de polvilho,25 terra América do Sul. ria preciso, pelo contrário. poupá-los e
caliça, 14 furinha de mandioca, raspas de As folhas secas de coca são guarda- conservar-lhes a saúde." 16
argila, ossos moídos, cactos dessecados das nun1a bolsa de couro (hual- Em 1569, Filipe li, rei da Espanha,
e farinha de batatas, e, finalmente. uma qui), a cal ou cinza. numa cabaça ou num baixou uma lei na qual afirnia que ''o fato
quinopodiácea aglutinada com água, pixfdio. A bola a ser mastigada chama- dos índios acreditaren1 que recebem da
água salgada ou urina e seca ao sol. 3 se acullico. A maior parte do suco é de- coca força e vigor para o trabalho, é uma
Os autores têm atribuído o uso des- glutida. Esgotado o suco. o acullico é ilusão do Demónio". Mas conclui: "Ape-
sas substâncias adicionais aos motivos substituído por um novo. A n1astigação sar de nos haverem in1plorado que proi-
mais diversos: ''a fim de dar consistên- da coca durante vários anos resulta num bíssemos, não dcsejan1os privdr os índios
cia",29 "para conseguirem uma aneste- espessamento da bocbecha (piccho), de- desse lenitivo en1 seu trabalho. en1bora
sia bucal", 13 "para conservar por mais fom1ação que se torna definitiva. não passe de in1aginação deles.'' 12
tempo à boca",25 "serve de alimento aos Sempre existiu essa contradição de
índios", 14 "a fim de tirar a aspereza do A Repressão e o Lucro considerar a coca um vício supersticio-
bocado de coca"3 etc. A principal raz.ão Com a conquista espanhola, a eco- so, uma artinianha do Den1ônio, um óbi-
do uso do aditivo, no entanto, é outra: a nomia agrícola visava apenas a produzir ce à cristianizaç.ão do índio etc. e. por
substância alcalina, ao ser mastigada di- bens para a Colônia. Minguou a produ- outro lado, um estimulante que disfarça
minui ainda mais a toxicidade do princi- ção de alin1entos. E os índios passaram a fume, dissipa a fadiga, ruant~m a furça
pal entre os 14 alcalóides da planta: a co- a mascar coca em grande escala, para de trabaU10 do índio, enfin1, un1a planta
cafna. Os efeitos da cocaína dosificada atenuar as angústias da fome. Principal- economican1ente valiosa. O número de
e ministrada p0r via oral são inteiramente mente porque eram obrigados pelo con- coqueros continuou a au111cntar dcix>is da
diversos dos da cocaína injetada ou as- quistador a trabalhar arduan1ente nas mi- independência das colónias e janiais di-
pirada, que entra diretamente no fluxo nas, em elevadas altitudes. Subalin1enta- minuiu.
dos, recebendo uma ninharia como pa- Unia de terracota, en contrada ""'" se-
sangufneo. A mastigação liberta quanti- Na jornada peruana de traballlo há p14lcro p erna110. Nota-se clarome11te a defor-
dades infinitesimais de cocaína, a qual ga, os índios eram abastecidos com fo- dois intervalos para o coqueo, com a du- mação da bochecha direita (piccho), causa-
é eliminada e não encerra ~im qualquer lhas de coca. Porque só assim o traba- ração de 15 a 30 nlinutors. os quais são da pelo co11tí11uo ma.sticat6rio da coca.
toxicidade, sem prejuízo de sua ação es- lho renderia o desejado pelos donos das observados com estreita pontualidade,
timulante, contra a astenia e o cansaço.26 nunas. con10 se fossen1 horários de refeições: às
Em 1937, Sehultes verificou a mis- Em meados do séc. XVI, o II Con- 10 da 111anhã, a "pausa curta" (rascha ca assegura bons lucros ao agricultor. Os
tura de fulhas de coca com Protiutn, gê- selho de Lima tentou impedir o uso das 1nal/hua) e, às 15 horas, a "pausa lon- n1étodos de plantio do valioso arbusto,
nero de plantas burseráceas que exsudam rolhas de coca pelos peruanos. bolivia- ga" ú'atzun 1nallhua). A coca é o con1- nas encostas andinas, são transrniúdos de
elemi, resina usada como substituta do nos e chilenos. No 120.0 cânone, tal uso bustível que aciona a n1áquina humana. pai para filho, através de gerações.
incenso verdadeiro. Com isso, os índios é qualificado como ''coisa sem utilida- E é n1oeda corrente, pois parte do salá- A grande mina de ouro das planta-
tanimukas. da Colômbia, tomam mais de, própria a favorecer a prática e as su- rio dos trabalhadores é pago con1 tolhas ções de coca, porém. não são as rolhas
agradável e balsâmico o sabor do masti- perstições dos índios''. de coca. n1ascadas pelo índio: são as rolhas que
catório. 28 O governo do Peru, entre 1560 e Moeda. a coca é tan1bén1 n1edida de fomcccn1 cocaína. Segundo o Departa-
A mais antiga furma de coqueo é 1569, proibiu os trabalhos furçados e o distância. Cocada é a distância percor- n1ento de Con1bate ao Tráfico de Drogas
com folhas secas e óxido de cálcio das pagan1ento en1 coca, porque "esta plan- rida entre dois intervalos, dluante os norte-americano, a Bolívia produz 29 to-
conchas calcinadas. As fom1as subse- ta não passa de unia idolatria, uma obra quais os homens paran1 para n1ascar fo- neladas n1étricas de cocaCna por ano e
qüentes furam determinadas pelas dife- do Diabo. Ela não fortifica a não ser na lhas de coca. Corresponde a crês quar- abastece 40 a 60 % do n1ercado dos Es-
renças ecológicas. As conchas nlarinhas, aparência, pela vontade do Maligno. Ela tos de hora de n1archa, pois é após 45 tados Unidos, que, em 1979, consumiu 20
de mais difícil obtenção longe do litoral, não possui nenhuma virtude bcnfazeja, minutos que começa a dinlinuir no or- a 26 toneladas da droga. No varejo, esse
são substituídas por cinzas vegetais. E nias, ao contrário, custa a vida de gran- ganismo o efeito das tolhas n1ascadas. co11Sluuo rendeu de 13 a 15 bill1ões de dó-
onde não é possível o dessecamento de de número de índios que, nos casos mais Com a lavoura con1um não é possí- lares, in1portância superior ao total da
folhas ao ar livre, devido a chuvas abtm- favoráveis, não se livram das plantações vel viver. O preço dos produtos agríco- renda da U. S. Stcel, uma das nworcs
dantes e muita un1idade, as rolhas são a não ser com a saúde arruinada. Eis por- las é in1posto pelo con1praclor. E só a eo- emp!·esas siderúrgicas do numdo.
H6 Sangirardi. Jr. O Índio e as Plantas Alucindgenas H7

Do quilo de cocaína adquirido na Medellín, com seus dois milhões de agricultura e 12 vezes maior que a da A eJiminação ou restrição ao uso da
Bolívia, até o seu retalho, vendido nos habitantes, é governada pela cocaína. mineração. coca ou ipadu é uma ação etnocida, pois
centros consumidores em papeizinhos Desde 1924. durante um quarto de O coqueo está enraizado há milênios as populações andinas a ele recorrem em
com apenas alguns gramas, a valoriz.a- século, vêm se reunindo congressos e co- num complexo cultural que fuz parte do todas as suas aúvidades, individuais ou
ção é de 16 mil%. Não admira, pois, que missões são nomeadas, na tentativa de núcleo social indígena e asmnne, portan- coletivas.
o golpe militar de julho de 1980, tivesse controlar a coca. Em 1949, o Bulletin on to. o caráter de identidade étnica. A de- O comércio entre os indígenas não
partido de Santa Cruz de la Sierra, en- Narcotics, elas Nações Unidas, publica- rivação industrial da cocaína, que vem utiliza a moeda, unidade de valor sobre
tão capital internacional da cocaína. O va as conclusões de uma comissão de de 1860, tomou-se, a partir de 1970, um a qual a economia camponesa carece de
putch foi financiado pelos traficantes. en- cientistas e técnicos, ''The Comission of desafio social e económico, através do controle e acesso. Sua moeda é a coca.
tre os quais militares dos mais altos Enquire on Coca Leaf '. Do relatório tráfico da droga branca, uma das mais lu- Com ela têm acesso aos produtos agrí-
escalões. apresentado, pouco resultou de prático. crativas de todas as atividades, licitas ou colas que não produzem diretamente, por
As maiores plantações do arbusto da Parecia não haver muita preocupação ilícitas. falta de terras; sem ela as terras agríco-
coca, de cujas folhas se extrai a cocaí- com os efeitos nocivos que as folhas de O custo bruto da área de cultive sai las comunais não podem ser cultivadas
na, estão na BoUvia (60%) e no Peru coca poderiam ter na saúde do índio, para o traficante pelo preço bruto de 51 no trabalho cooperativo (1ninka) e nem
(40 %). Mas o aumento crescente do con- mas, apenas, com a ação do alcalóide de- mil dólares. Cada hectare cultivado ren- podem efetuar o sistema de trocas inte-
sumo mundial passou a exigir maiores las extraído no organismo dos brancos. de em média pouco mais de 13 quilos de rindividuais (ainy), no intercâmbio de
instalações e recursos técnicos, necessá- Textualmente: ''As folhas que irão satis- pasta que, refinada. pode se transformar produtos, serviços e trabalho.
rios à transformação, em grande escala, fuzer o apetite dos coqueros constituem em um milhão de dólares nas ruas de Por essas e outras razões, ''levando
ela massa no pó branco ela cocaína. para também a matéria-prima com a qual é Mianu.. 26 em consideração que o uso da coca na
a avidez do mercado. E instalou-se na produzida a perigosa droga cocaína; e to- O tráfico da cocaína conta cada dia região andina se insere nos padrões de
Colômbia o mais poderoso cartel do da a experiência internacional no controle com maior poder financeiro, econômico cultura ancestral, profundamente arrai-
mundo no tráfico da droga. de narcóticos mostra que a produção de e político, calculando-se a potencialida- gados, representando verdadeiro símbo-
O cartel colombiano instalou labo- uma droga não pode ser de futo mundial- de do ''sistema'' em 135 bilhões de dó- lo de identidade étnica; e que a folha da
ratórios e mobilizou especialistas para es- mente controlada, sem que a produção lares. coca em seu contexto tradicional cumpre
se refino em quantidades suficientes. E da matéria-prima da qual é feita seja ob- Com tudo isso, tornam-se ainda mais funções vitais na economia camponesa,
Medellín tomou-se a capital mundial da jeto do mesmo controle.''9 Em 1973, fi- atuais as palavras do antropólogo William nas relações sociais e sobretudo na me-
cocaína, em substituição a Santa Cruz de nalmente, 69 anos depois, o mesmo Bul- E. Carter (1927-1983), chefe da Seção dicina indígena tradicional, o Instituto In-
la Sierra. letin on Narcotics, da ONU, nos dava Hispanoamericana da Biblioteca do Con- digenista Interamericano recomendou aos
A partir de 1970, Medellín veio se conta de que não havia sido obtida qual- gresso, em Washington: ''Mais do que Estados membros da OEA "medidas ten-
transformando no mais importante entre- quer mudança e que a produção de fo- nunca na história da humanidade. é ur- dentes a salvaguardar os direitos sociais,
posto da droga e fornece atualmente 80 % lhas de coca não diminuíra nos Andes pe- gente hoje em dia compreender a natu- culturais e económicos elas populações
de toda a cocaína consumida nos Esta- ruanos e bolivianos. 8 reza ela folha da.coca, para apreciar seu indígenas habituadas ao tradicional uso
dos Unidos. Daí o empenho seríssimo A erradicação indiscriminada das papel na vida e na tradição andina e pa- da coca." Recomendou ainda a necessi-
elas autoridades norte-americanas no plantações de Erythroxylon coca viria ra estabelecer com clareza a diferença en- dade de "assegurar que nas respectivas
combate ao cartel colombiano. A máfia romper um enorme círculo de interesses tre ela e um dos alcalóides que dela se legislações sobre estupefucientes seja re-
da cocaína utiliza não só o suborno co- criados, e1iminando considerável fonte de deriva, a cocaCna." Sim, é necessário res- conhecida a existência de um uso tradi-
mo violência total em defesa dos seus in- riqueza dos países produtores. Provoca- peitar os direitos humanos dos produto- cional da folha de coca, substantivamente
teresses. Dispõe de recursos modernís- ria um desemprego em proporções into- res da coca ou ipadu que, independente diversa da toxicomania associada à co-
simos e de armamento dos mais sofisti- leráveis, visto que a maioria da popula- do tráfico, possuem valores básicos pa- caína' '. fazendo constar dessa legislação
cados. incluindo navios e aviões belica- ção está envolvida na sua agroindústria. ra o cultim, uso e consumo da coca. mas "normas específicas que contemplem o
mente equipados. Seus capangas (sicá- E acarretaria um empobrecimento ainda não da cocaína. A legislação~ até hoje, direito ao cultim e utilização da coca
rios) encarregam-se de eliminar quem es- maior das nações andinas. Sua substitui- age a favor e em defesa elas economias dentro dos padrões culturais."26
tiver na lista negra. Juízes, autoridades, ção por outras culturas seria mudar uma dominantes (~ industrializados, con-
militares têm sido executados por ordem renda de 10 mil dólares por hectare para sumidores de cocaína). contra e em de- EI Coqueo: Prós e Contras
do cartel. Acredita-se que cerca de 80 % 369 dólares por hectare. A produtivida- trimento das economias dominadas (paí- Moser e 1àyler, geólogos e antropo-
da força policial da cidade trabalha para de da coca ou ipadu (coeficiente produ- ses subdesenvolvidos, produtores da co- logistas, publicaram em Londres um li-
os donos do tráfico. to/trabalh0) é 62 vezes maior que a da ca ou ipadu).26 vro sobre viagem de ambos entre os ín-
fl8 Sangira:rdi Jr. O Íiulio e as Plantas Alucinógena.s H9

dios da Colômbia, notadamente os tuca- Femand Moreau. Deão Honorário da


nos. Esse livro, que apareceu em 1965. Universidade de Ciências de Caen, Fran-
intitula-se 1he Cocqine Eaters (''Os Co- ça. Assin1 pinta ele o cckjuer:o: ''Trans-
medores de Cocaína"). 23 piração de odor desagradável, hálito fé-
Sempre houve essa confusãô entre as tido, lábios e gengivas desc9loridas, den-
folhas de cooa e a cocaína. o alcalóide tes cobertos duma pelfcú1a verde-espessa,
cristalino extraído dessas folhas. E entre um depósito negro na comissura dos lá-
os efeitos que produzem, a confusão é a bios, dão-lhe aspecto repugnante. A mar-
mesma. Uma coisa é cocats1no, mascar cha torna-se imprecisa. valicante. A pe-
folhas de coca, e outra, muito diferente, le fica flácida e amarelada, os olhos, en-
cocainisnw, tomar cocaína, ou absorvi- covados. As frases são incoerentes. Ele
da pelas mucosas ou injetada. ad()ta atin1de apática e, jovem ainda, o
Muitos autores, que profligan1 o há- ar é dum velho. Tem pesadelos freqüen-
bito dQS índios mascarem coca on ipa- tes, distúrbios digestivos e nervosos. Foge
du, agem movidos por idéias preconce- ·da companhla dos semelhantes e entrega-
bidas, em trabalhos destinúdbs de cunho se à sua irresistível paixão na solidão das
científico e sem base na realidade. florestas.• •21
Eduard Friedrich Põppig publicou Quadro bem diferente é o do artigo
em 1836 seu Reise in Chile, Peru und auf intitulado Ten years ofcoca monopoly in
dem Amazonenstrome wiihrend der Jah- Peru, no Bulletin on Narcotics, da ONU:
re 18t2.7 bis 1832, livro no qual atribui ao ''Têm sido observados, nas regiões p(o-
masticatório da coca efeitos ffsicos de- dutoras, índios com 80 anos de idade que
vastadores, até a morte. Diz o médico vêm mascando rolhas de coca durante to-
alemã-o: ''... o verdadeiro coquer.o ietira- da a vida e ainda estão completamente
se para um Sítio obscuro ou um bósque, dispôstos pàra o trabalho, possuem ca-
logo que a ânsia pelo vício embriagadar belo abundante e tOOos os dentes; eles po- Feiti'eeiro do notte da Cól.ômbia, pósCJ1ulo tranqüilamente cem sua bolsa pai'a
se torna insuportável. Assim, depois que deriam ser apontados pelos patrões co- guardar fo'fJufs de cocà e o recípiente de cal viva. A coca é utilizada também nas
a noite se fecha, noite duplamente sinis- mo os inelhoTes trabalhadores da lavou- práticas mhgia~ do xamã.
tra na escura selva, o coquero pennane- ra."30
ce estirado sob a árvore que escolheu. Tem-se procurado atribuir ao coqueo chasquis - correios oa corredores - verdadell;os computadores hlmianos - os
Sem ter ao lado uma fugueira, que o pro- o estado de caquexia de muitos índios, que se Fevezavam e eram eseolhidos en- 1
' relembradores·• - que retftavam fatos

teja, ouve perto, indiferente, a respiração quando a verdadeira causa está na suba- tre os mais velozes. Tais corredores eram e nún1eros. quando nee-essário. Pam aju-
da onça e não se preocupa, no mei© de limentação. na fume crênica. Diz o Dr. sustentados e estimulados masçando fo- dar suas recordações, mascavam coca.
trovões horríssonós, se as nuvens se des- G. Gonilla lragorri, Diretor de Saúde de lhas de coca. Dizem que por este n1éto- Após ~ conqui~ta. os espanhóis ficavam
fu2:em em aguaceiros ou se o tertfvel fu- Cauca, na C0lômbia: ''A dróga reduz o do de revezamento de nião e111 n.iã-0 as estupefatos com essas prooigiosas exibi-
racão arranca do solo árvores seculares.. apetite e. a longo prazo, produz um de- men$agens eràm transportadas cerç,a de ções de memória dos yaravecs. 22
Passados dois dias, costuma voltar para sequilfbrió orgânico entre a energia des- 240 quilómetros por dia, em média.22 Comêntário de Sprut e: "Com um
~asa, com es olhos fundos, pálido, trê- pendida e a energia cnnsumida em for- Não dispond0 de linguagem escrita, pouco de ipaclu na bOGhecha*, um índio
mu1o e acusando os terríveis vestígios do ma de alimento.S. A diminuição dá comi- os incas guardavam sua história e o re- caminha dois ou três dias sem comida e
vício. Aquele que, casualmente, encon- da provoca uma redução das defesas or- gistro de rendimentos públicos, produ- sen1 sêntir nenhu:má vontade dormir.' '29
trar o coque·ro em tal sitttação e, apesar gânicas e predispõe às moléstias, parti- tos da c01heita e censo por .inte.rmédi0 R. Christson, Presidente da Associa-
do seu retraimento, dirigir-lhe a palavra, cularmente ao desenvolvimento da dos yaravecs ou oradores da corte. E1an1 ção MédiGa Britânica, foi o primeiro eu-
interromperá o curso dos efeitos e atrai- tuberculose." 7
rá, seguramente, o ódio do senti-aluci- Num ponto, porém, o conceito é
nado.' '4 quase unânime: a poderosa açã.o tónica "' T~xtualmente: . . .....i1h a chew of /pad1í in hi.s eheek. .. v. p. U4). As/olhas de coca, ao serem mas-
Retrato igualn1ente sinistro. embora e estimulante da droga. c<ulas, fonnam pequena bolu, que os índios deixam no canzo da boaa e 'é notada externamente, estufando
com bem menor exagero, fui traçado por Os incas enviavam mensagens pelos a bocheahà.
12O Sangi.rardi. J r. O Índio e as Plantas Alucindgenas 121

ropeu a fazer experiências mascando co- lidade acrobática para cima dum peque- considerada um fortificante. que devia e nutritim das folhas de coca, o que é
ca. Seus testes consistiram em longas ca- no espaço livre em sua mesa de traba- ser propagado, e eram proclamadas suas comprovado ainda pela ampla bibliogra-
minhadas nas montanhas. sem comer ou lho, sem roçar nos frágeis objetos que excelentes virtudes. fia sobre o assllllto, publicada em anos
beber, afim de provocar ''uma completa quase lhe tocavam ós pés. Esse estado de Constatava c.aminhoá: "Usa-se tam- recentes. Enfutizaram que a coca desem-
e permanente fadiga••. Ele descobriu que agilidade anormal foi seguido de outro, bém a coca como analéptica e estomá- penha papel preponderante na medicina
''mascar coca remove o extremo cansa- de absoluta rigidez, associada à sensação quica.' •s Realmente, nos países andinos, tradicional dos países andinos. Mastiga-
ço, além de preveni-lo[ ... ] A fome e a de completa beatitude e tranqüilidade psí- os brancos e mestiços usam folhas de co- da, em chá ou em infusão, queimada (ab-
sede desaparecem[.. .] Não há qualquer quica. Dormindo, teve sonhos peregri- ca em chás caseiros, contra dores de es- sorção da fumaça) etc., tem aplicações
dano.. .26 M. Cárdenas. professor de Ge- nos. E concluiu: "Deus é injusto. pois tômago, cólicas e distúrbios digestivos. variadas nas moléstias da pele, do apa-
nética e Botânica Económica da Univer- fez o homem incapaz de mascar conti- Ao norte da Argentina, após as refeições, relho respiratório, da circulação e outras.
sidade de Cochabamba, Bolívia, realizou nuamente coca. Por minha parte, prefe- mascam coca com uma pedrinha de bi- ''Constitui assim um medicamento po-
testes semelhantes: ''Experimentei em ria viver dez anos com coca a um milhão carbonato, para fucilitar a digestão. pular e de baixo éusto, num contexto so-
mim mesmo seus efeitos benéficos, em de anos sem ela." 18 Nos melfiores hotéis de La Paz, ci- cial onde os serviços médicos são defi-
marchas forçadas nas estradas das mon- dade a 3600 metros de altitude. o hóspe- cientes ou inexistentes."26
tanhas. em elevadas altitudes''. E con- A Coca na Medicina Popular de, ao chegar. recebe como cortesia. um Mais ainda. Investigações farmaco-
cluiu: ''Não considero provada a afirma- Já em princípios do séc. XVII, Gar- cartão em que a gerência o convida a to- lógicas atuais revelaram que a coca ou
ção de que o estado de prostração men- cilaso de la Vega, El Inca, dava inúme- mar uma xícara de chá de coca, inteira- ipadu ''mostra-se útil no tratamento de
tal do índio seja o resultado de mascar ras aplicações terapêuticas da coca: ''... mente grátis, para recuperar as forças. variados males gastrintestinais, enjôos,
coca."6 preserva o corpo de muitas enfermida- Entre os índios, que preferem sem- fucliga da laringe. Pode utilizar-se como
Mantegazz.a gaba-se de haver sido o des e nossos médicos usam dela em pós, pre o masticatório, as folhas de coca in- complen1ento nos regimes para emagre-
primeiro a introduzir a coca na Europa, para cortar e acalmar a inflamação das fusas, como chá, só são usadas pelos pa- cer e de condicionamento físico (physi-
em 1858. O médico e escritor italiano, chagas, para fortalecer os ossos fratura- nobos, do nerdeste do Peru,3 juntamen- calfitness). Serve tan1bém como antide-
que morou vários anos na América do dos, para tirar o frio do corpo ou para te com uma semana de dieta, para per- pressivo de ação rápida. É de valor no
Sul. afirma: "A coca serve para o indí- impedir que entre , para curar as chagas der peso. tratamento de dependência aos estimu-
gena de alimento e estímulo[ ... ] Sem a Os cientistas do Instituto Indigenis- lantes fortes. A coca regula o metabolis-
apodrecidas, cheias de vermes. Pois se ta Interamericano, em sua pesquisa rea-
coca ele digere mal a sua batata, o seu mo dos hidratos de carbono de maneira
para as enfermidades externas faz tantos lizada a pedido da OEA,26 concluíram
cbarque, o seu milho; sem a coca ele não benefícios, com virtude tão singular, nas única e pode fucilitar uma nova aproxi-
que a evidência reforça o valor médico mação terapêutica à hipoglicemia e ao
pode correr aceleradamente pelos mon- entranhas daqueles que as comem não te-
tes; sem a coca ele não pode trabalhar, rá mais virtude e fôrça?"31
não pcxle divertir-se, não pode viver''. Manius, em seu Systema Materiae
Servindo de postilhão, ele ''vai atrás de Medicae, cita o médico peruano Dr. D.
um cavaleiro que, montado numa boa José Hipolito Unanúe que, em 1794. pu-
mula. nem sequer toma conhecimento do blicou sua "Dissertacion sobre el aspet-
pobre índio que deve segui-lo a pé''. [ ...] to. cultivo, commercio y virthdes (sic) de
' ' Mastigando cerca de duas onças de co- la famosa planta del Peru, nombreada
ca" - diz Mantegau.a- ''pude perma- Coca ...'' Atribuindo à planta grande va-
necer 40 horas sem tomar qualquer ali- lor terapêutico. diz Martius: "O pó das
mento e sem sentir a menor fraqueza."17 sementes tem efeito surpreendente no sis-
Descrevendo suas próprias experiên- tema nervoso, principalmente no cérebro,
cias. Mantegazza infomia que o horizon- sendo digno de nota o que ainda se ob-
te intelectual parecia an1pliar-se e dele se servou e é considerado de importância no
apoderou uma sensação até então desco- campo da medicina.' •20 Diz ainda Mar- Cartaz de Alphonse Marie Mucha, anunciando um ' 'Vinho dos Incas'' para convales-
nhecida, de mobilidade, força e energia. tius que "o ipandu" [...] poderia ser cha- centes, à base de coca do feru e gücerofosfaJo de cálcio. A idéia niJo 1 nova. Já mi 1888,
mado ''chá do Peru e do alto Maraiion. eni Paris, o m.édtco corso Angelo Marian.i anunciava as excelsas virtudes do seu reputadfui-
Nesse estado. obedecendo a um impul- mo vinho de coca, que receberia milhares de testmawilws espontlineos e entusiásticos, in-
so que parecia irresistível. podia execu- pois suas folhas prcxluzem o mesmo efei- cltu11do os de várias celebridades: Rodin, Massenet, Edison, Charcot, lbsen, Dumas, JtUio
tar exercícios físicos de que não era ca- to estimulante."19 Vente, Zola, H. G. Wells, além de monarcas, dos papas LetJo XIII e Pio X, dos presidentes
paz normalmente. Assin1, saltou com agi- Nos sécs. XVII e XVITI a coca era Poillcaré, da França, e McKi11ley1 dos Estados U11idos.
122 Sangirartli Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 123

diabetes melito. A administração cróni- titui a alimentação, constituindo um há- jo: y mucbas vezes, contentos 'con ena. substituto da comida. Os especialistas do
ca em doses baixas parece normalizar as
funções do organisroo. Na sua fom1a de
bito gerado pela fome, tem sido defendi-
do por um bon1 número de autores. Ne-
trabajan todo el dia sin comer."31
Gutierrez Noriega traça um círculo
Instituto
. .
Indjgenista Interamericano a
serviço da OEA, contrapõem que ''tal
folha não produz toxicidade nem depen- nhum deles, porém, deixa de destacar a vicioso da miséria do índio: ''no come- asserção é desmentida pelas informaçõeS
dência. A coca pode ser ministrada co- ação estin1ulante da droga. que con1bate ço ele masca coca porque tem muito pou- disponíveis. A folha da coca é um acom-
mo goma de mascar. tabletes (para serem o cansaço e renova as energias. co o que comer; depois come muito pou- panhan1ento, utilizado antes ou depois da
chupados) contendo um extrato integral Zapata Ortiz, que vem estudando o co porque masca coca.' '9 con1ida. E está presente em todo o con-
da folha, incluindo seus alcalóides, sa- n1asticatório da coca no Peru durante 30 É indiscutível que a fome existe. O texto cerimonial, caracterizado nos An-
bores naturais e nutrientes."26 anos. enfatiza que ''a falta de comida é organismo de uma pessoa de atividade des por um grande consumo de alimen-
a causa principal do cocaísmo. Por isso, moderada requer, em termos gerais, tos."26
Mais de Cinco Milênios qualquer esforço para erradicar o uso da 3.500 calorias diárias. Este número de- Mais ainda: a própria coca ou ipa-
Mascando Coca coca deve ser acompanhado da melhoria ve ser aumentado no caso daqueles que du é uni alimento. Destaca-se em seu va-
Entre 7 e 8 milhões de pessoas da al in1ent.ação.' •n executam trabalhos pesados. como minei- lor nutritivo, pelo alto teor de proteínas
entregam-se ao hábito do coqueo ou Na monografia intitulada Me1noire ros e colonos agrícolas. Ora. segundo pu- (cerca de 12 %), além de vitaminas, cál-
chacchado. No Peru. mascam coca pra- sur la coca du Perou, Paris, 1886, Ma- blicação oficial do Ministério da Agri- cio e ferro.
ticamente a totalidade dos nativos da sier- nuel A. Fuentes diz que os agricultores, cultura do Peru, o déficit individual, por Desde muitos séculos atrás até os
ra e mais aqueles que emigraram para a mineiros, correios, pastores de ovelhas, dia, é de 500 a 2.000 calorias. Na Bolí- nossos dias ''nenhum ato da gente andi-
faixa litorânea, além de um apreciável enfin1, todos aqueles que executam pe- via, o constmlo anual de carne é de Z!,5 na, do nascimento à morte. é alheio à co-
contingente de mestizos. Na Bolívia, as sadíssimos trabalhos nas frias altitudes quilos per capita, 7 o que equivale "ª 7 ca ao longo de sua existência, em suas
folhas de coca são consumidas nas mi- das cordillieiras e ''cltja alimentação diá- gramas e meio por dia. Sim, a fome exis- manifestações de trabalho, de relações
nas e no altiplano, sendo fndios 99 % dos ria consiste en1 alguns grãos de ntilho tor- te. Mas sua causa não está na coca 0u sociais. de caminhadas e viagens, de des-
coqueros. rado, uns tantos bolos de chuflo (batata ipadu, mas na exploração sistemática dos canso e lazer, de práticas reHgiosas, de
O masticatório das folhas de coca desidratada). batatãs cozidas e frias, o índios e 1nestizos nos trabalhos das lavou- comunicação cósmica etc.' '26
existe desde tempos imemoriais, na épo- uso da coca é indispensável para repri- ras e das minas. Mais de cinco mil anos mascando
ca pré-incaica, há no n1ínimo 3 mil anos mir a sensação de fome e fazer suportar Costuma-se afirmar que o coqueo coca! Se esse hábito fosse nocivo como
a. C. Por ocasião da conquista espanho- as n1aiores tàdigas."4 leva à desnutrição e a um ''empobreci- dizem, os povos andinos já estariam ex-
la, encontrava-se amplamente difundido Monge Medrano, Professor de Clí- mento biológico'', pois é utilizado como tintos.
na região andina, da Venezuela até o nor- nica Médica da Faculdade de Medicina
te da Argentina. de Lima e Diretor do Instituto de Medi-
Na época colonial. a perseguição era cina Andina afim1ou que não encontrou
por considerarem o uso das folhas de co- qualquer dependência entre os mascado-
ca uma idolatria, artes do Demônio; na res de coca, pois milhares de homens re-
época contemporânea, é pela alegação de crutados cada ano para o serviço militar
que acarreta a degradação do indígena. suspendem imediatamente o hábito da
Argumenta-se erradamente que o coqueo coca". Medrano menciona ainda a expe-
é gerado pela fome e consumido no lu- riência de Hõln1berg, feita a 10 mil pés
gar da alimentação. Dão, entre outros, de altitude (3.084 m). "Quando a coca
este exemplo: nas forças am1adas da Bo- é substituída por um sistema de refeições
lívia e do Peru não há mascadores de co- equilibradas, por um período de dez dias,
ca e a proibição é obedecida sem maio- foi PQSSível parar o consumo da coca.''Zl
res dificuldades, pois os que prestam ser- Garcilaso de la Vega, no cap. XV de
viço militar passam a contar com melhor sua famosa obra, trata de "la preciada
alimentação e vida mais saudável do que boja llamada cuca". E El Inca cita o pa-
as existentes em seu habitat. 7 (Argumen- dre Bras Valera: "De cuánta utilidad y
to valioso para mostrar que a folha de co- fuerza sea la cuca para los trabajadores,
ca não provoca dependência.) se colige que los fndios que la comen se
O ponto de vista de que a coca subs- n1uestran n1ás dispuestos para el traba-
' ,
O lndio e as Plantas Alucindgenas 125

Ayahuasca,
.
12 .,
caapi ou yaJe

A Bebida dos Viagens Prodigi,osas


This is áll I bave seen and Jeam of caapi or aya-huasca.
R. Spruce Zl

Narcótico e alucin6geno dos (ndios SIN. : Caapi, caapí e, segundo Du-


do noroeste do Brasil e das regiões c&e,5 capf e cabí.
a leste dos Andes, o yajé, caapi ou Paroxítona na regillo andina, rw Bra-
ayàhuasca é preparado com lianas da sil pronuncia-se caapí, oxltona. Ex-
famflia das Malpiguiáceas. plica Spruce que os portugueses
.transfannaram o vocábulo.em.capim,
Banisteriopsis caapi (Spr. ex Griseb.) o qual, em tupi ou língua-geral, cor-
Mort. responde ao inglês grass.
(Banisteria caapi Spr.). Caap( significa folha fina, delgada. Zl
Planta escandente, de até 30 .m ou Barbosa Rodrigues grafou kaapiy:
nuiis, caule retorcido e nodoso. Spru- ••Kaa, herva, pi, pelle, y, fina, pelle
ce: ''Cauleda grossura dum polegar fina áe hervas. •'12
(stem = thumb), mais grosso nas O nom:e ayahuasca é qu(chua e sig-
junta,s. '•27 nifica liana dos esp(ritos, liana dos
Há, porém, caules muito mais gros- sonhos, liana da morte, liana do ho-
sos. Folhas opostas, oval-acumina- mem morto: aya, ''alma·: ''espírito''
das. Ao n(vel das nervuras, pêlos em +huasca, "liana'~ "cip6'~ ln-ú1ne-
fonna de navetas, peculiares das mal- ras variaçlJes e corrupte1as: cayahuas-
piguiáceas. No ápice do pecíolo, duas ca, s jayahuascà ou xayahuasca, "liana
glândukis nas partes ínfero-laterais. " amarga•: 16 aioasca, auasca, uasca
Inflorescência bem maior do que as etc.
das espécies seguíntes, formando co- Ou.tros nomes; yajé, que tambhn apa-
rúnhos umbelifonnes, em pan(culas 1
rece grafado yagé ou yagê; kahi (ín- 1
pirwnidais. Pedúnculos das umbelas dios yel.."Uanás, Venezuela); natema l
bem curtos. Flores róseas, pentéime..- (fndiosjivaros, Equador e Peru); ca-
Tas, Cápsukis muricado-cristadas, dána (índios tukanos, rio UaupAs); e,
que se prolongam, de um lado, até no Equador, pinde (!ndios kayapas),
uma asa semi-obovada, de cor bran- nepê e nepi (colorados) .
ca esverdeada. E mais as seguintes
espécies afins:
Banisteriopsis ineorians Mort. A Identidade Definitiva do Yajé
B. quitensis (Nzu.) Mort. Durante muito tempo insistiu-se em
B. rusbyana (Nzu,) Mort. SIN.: oco- afirmar que caapi e ayahuasca eram no-
yajé, chagro-panga. mes de Banisteria (Benisteriopsis) spp.
Cabi paraensis Ducke SIN.: cabí-do- e que yajé era, não sinónimo, mas espé-
Pará
cie diferente: Haemadictyon amazoni-
E1nbora semelhante ao Banisteriop- cwn, uma apooinácea. Esse erro parece
sis caapi, diferenças importantes le- provir de Reinburg, em 1921, 19 e conti-
varani Ducke a criar o novo gênero nuou a ser repetido por diversos autores, 1
entre os q_uais os nossos ilustres Mors 14 '
Banisteriopsis caapi. Apud R. E. Schultes.
Cabi: o fruto ndo é akido e as flores
são atnarelas e ndo r6seas. 4· e Rizziru.21 11
126 Sangi,rardi Jr. O Índio e as Plantas Aludirzógenas 127

O botânico Charles Cagnepain, do o caapi-pintado (caapi-pinima, cadána-


Museu de História Natural de Paris, exa- pira das tukanos), do qual viu "apenas riânas, antes de partir para sempre, dei-
minou o material obtido pelo próprio brotos novos, sem quaisquer flores. As xou o caapi como seu legado. E o caapi
Reinburg e concluiu que não era Presto- foll1as são de um verde brilhante. pinta- era o sangue eucarístico de Capiriculi.
nia.amawnica Macbr. (nome niais recen- das con1 furtes veias vermelho-san- E tornava os tariânas mais aptos para a
te de Hemadictyon amazonicum Benth.), gue'' ~ E aventou a hipótese de qye tal- guerra, mais fortes, ágeis e valentes.
pelas inúmeras e evidentes diferenças vez fosse a mesma p}(µUa que colheu Num rito de passagem dos tuka-
morfológicas.2 F. Elger, estudando outra mais tarde, florida, nas missões indíge- noans, fndos da Colômbia, em que os
amostra de um pedaço de cau1e, afiffilou
peremptoriamente que se tratava de uma
nas do rio Trombetas e que foi classifi-
cada por Bentham como Haemadictyon
adolescentes
. '

a droga é mitústráda aos noviços, para


.
são iniciados na virilidade
malpiguiácea: não era uma apocinácea e 01nazonicwn il. sp. 27 que possam suportar as provas duras e
muito menos Haemadictyon (da{3es nicht O nome vulgar yajé é sinônimo de dolorosas a que serão submetidos.
ei.ner Apocinaceae- ~halb kei.n Hae1na- caapi e ayahuasca e tem como base. no
dictyon... 2 R. E. Scbultes estranha afir- seu preparo, malpiguiáceas do gêhero O natema tinha import.ânGia funda-
marem que o yajé é Prestonia 01nazoni- Banisteriopsis (Banisteria). m~ntal na vida dos jivaros. Tribo de guer-
ca, uma vez que essa apocinácea é des- Algumas plantas podem ser usadas reuos das margens do Pastaza, os jiva-
conhecida na região onde o yajé é con- como aditims, excluindo-se, pela evidên- ros ficaram fàmosos pelos troféu,s-cham.a-
sumido.25. 26 cia das provas existentes, justamente a dos tsantsás, que preparavam com as ca-
É injusto atribuir-se a Richard Spru- Prestonia amazonica Macbr. (Haerna- beças decepadas dos inimigos. Eles reti-
ce a origem dessa confusão sobre o no- dictyon amazonicwn Benth.) O adi ti v_ o ravam cuidadosamen_te a pele do couro
me sistemático do yajé. Spruce, sempre mais comum e de mais largo emprego cabeludo e da face; em seguida miniatu-
preciso em suas informações, menciona são as folhas de Psychotria viridis Ruiz Richard Spmce, o insigne bot&Uco e a-
plorador inglês do séc. XIX. Descobriu e clas-
rizavam a cabeça, macerando-a numa de-
sificou a planta denominada caapi, yaj é, na-
coeção de plantas e, com o auxílio de pe-
tema ou ayahuasca. dras aquecidas, reduzindo-a ao tamanho
de um punho. Essa cabeça encolhida con~
ser~iava, de maneira impressionante, sua
et Pav.• uma rubiácea. Também são uti- expressão humana.
lizadas folhas de Banisteriopsis rusbyá- .. A festa do Tsantsá, a principal dos
na Mcbt., popn1àrmente oco-yajé óu Jl".Clros, celebrava a vitória de um guer-
chagro-pango, a qual, segundo Morton, rerro cortador de cabeças e consistia nu-
provoca a "auréola azulada" das vi- ma orgia coletiva, que tinha o ~gundo
-
soes. 15 dia reservado a uma grande bebedeira de
natema. Entre os jivaros e outras tribos
A Beberagem dos Médicos-Feiticeiros existem, ainda, as cerimônias consagra-
Ayahuasca, caapi, cadária. natema, das à absorção coletiva da bebida aluci-
pinde, yajé. Suco do caule de Baniste- nógena. Conta Kastem que, enquanto
riopsis (Banisteria) spp. , malpiguiáceas preparavam a liana, fuziam ressoar o tan-
dos de~es e heróis tribais. Ingerindo~ duf, que obriga o espírito a se incorpo-
bebida mágica, o índio absorve também rar ao natema, provocando a possessão
o espírito da planta, com todo o seu en- dos bebedores. 9 Ocorre então, coletiva-
canto e poder. Retorna às origens ances- mente, o mesmo ciclo que se verifica no
trais. Viaja até a áurora do mundo. E o consumo individual: bebe-vomita, bebe-
mundo verdadeiro não é este de todo dia mmita, bebe-vomita... até a bebedeira fi-
_ O ayahua.sca, também chamado caapi ou yajé, é uma trepadeira de caule nodoso e espi- '
na taba e na floresta. A realidade está no nal, a narcose divinatória.
ra/ado. Com. a parte inferior do c,aµle é preparada urna bebida alucitiógena. (Foto do autor) mundo iridescente e nin1bado de azul., Spruce assistiu a uma dessas festas
povoado de funtasmas e revelações. O cerimoniais, na maloca de Urubu-Coará
mundo que nasce da planta miraculosa. (Ninho de Urubu), acima das primeiras
• Haemudictyon: lat. haema, "vermelho" + gr. dikty.011., &ixruov, "rede". Capiriculi, o herói civiliz.ador dos ta- cataratas do Uaupés. Era o Dabacuri, a
O ÍTUJi.o e as Plantas Alucinôgenas 129
128 Sangirordi. Jr.

Festa dos Presentes, celebrada ao som médico-feiticeiro. diagnosticando a doen-


dos botutos ou juruparis, instrumentos ça e descobrindo quem a causou por
músicos sagrados da região do Negro e meio de fuitiço. No transe prmocado pela
Orenoco, trazidos outrora, com outros droga, o sacerdote encontra a resposta
utensílios, pelo herói civilizador da tri- adequada a ser dada ao emissário de ou-
bo. Quando os botutos, que ressoavam na tra tribo, revela os planos do inimigo.
orla da floresta, iam ser levados para a percebe quando estranhos se aproximam,
clareira ao redor da maloca, todas as mu- descobre se as mulheres mantêm a fide-
lheres desapareceram, como por encan- lidade conjugal.
to. Pois os juruparis constituem tabu e,. Entre os jivaros. os bebedores de na-
se uma mulher os visse. significaria ina- tema chamam a si mesmos os que dese-
pelável sentença de morte. ZT O jurupari jam sonhar. O caráter premonitório dos
assinala o primado do homem. À mul4e1 sonhos permite que se desvende o futu-
é proibido beber caapi (os jivaros cons- IO. Kast.em perguntou a um jivaro pot-
tituem uma exceção), o mesmo aconte- que ele bebia natema e o índio respon-
cendo aos meninos antes da puberdade. deu: Para não morrer.9 A resposta revela
Durante a cerimónia, no intervalo das a crença arraigada de que, pela adivinha-
danças rituais, um homem serve a cuia ção. é possível descobrir as armadilhas
de caapi, com profunda reverência. As do inimigo e desfazer seus planos de
danças mágicas varam a noite. Ressoam guerra.
os botutos. Cuias de caapi são sorvidas, As mulheres jivaros também fuzem
com todo o respeito. A droga dos sonhos uso do natema. Elas se inteiram, assim.
leva o homem a se comunicar com os dos seus deveres e das tarefas diárias. AS
seus deuses. viúvas, durante a hipnose, vêem o espo-
A liana é apontada como possuindo so desaparecido. E muitas veres aparece
virtudes terapêuticas. Oswaldo de Almei- Mãe Nangui. ancestral mítica, que .da
da Costa fala do seu uso como antelmfn- conselhos e ministra ensinamentos.
tico e visando à cura de certas paralisias.
da epilepsia, do parkinsonismo, de mo- Sincretismo Religinw
léstias nervosas em geral.3 Morton rela- No Brasil, o uso mágic°"religioso do
ta que, em Umbria, várias pessoas de ayahuasca ·OU caapí passou das ·malocas
educação haviam tomado o yajé ptepa- da selva amazônica para alguns povoa-
, rado pelos selvagens (sem adição de oco-
yajé ou chagro-pango), para combater a
dos da região, onde se mesclou com o
espiritismo, o catolicismo, a pajelança e
malária. Essas pessoas assegurai:am a mesmo alguns cultos de origem africana.
Morton que haviam ficado completamen- Em Porto Velho, capital do territó-
te curadas com três dooes (cerca de 150 g rio de Rondônia, soube Nunes Pereira de
cada) e que, durante vários anos, jamais um terreiro de Yemanjá, de inãe Espe-
tiveram malária. IS rança, no qual, juntamente com rezas. o
Para o índio, porém, a doença tem transe é prmocado pelos pontos cantados
origem sobrenatural. Droga divinatória, da linha do ayahuasca. Em Vila 1wne-
o caapi é utiliz.ado pelos feiticeiros da tri- te, a poucos quilômetros de Rio Branco.
bo. A bebida preparada com as malpi- Acre, o mesmo Nunes Pereira encontrou
guiáceas alucinógenas estabelece ligação um centro espírita de estranho sincretis-
Tsa.ntsá, a cabeça do inimigo, decep.Q!Íà e miniaturizada pelos jivaros, margens do rio entre o hon1em e as forças.que governam mo, com uma igrejinha cujo orago é São
Pastaza. A Festa do Tsantsá, a principal dos jiva'TQS, celebra a vitória de um gue"eiro cO'rla- o seu destino. Bebe-a o xamã, como juiz Francisco e onde cultuam o Santo Dai-
dor de cabeças e inclui no cerimnniaL flhla bebe'deira coletiva de natema. de contendas, distribuindo justiça, 0.u o
~
me ou Santo Dá-me, ''po~s tudo obtêni
130 Sangirarrli. Jr. O Índi.o e as Plantas Aludnógenas 131

desse vegetal, em favores materiais e tião Mota de Melo, homem branco, de


espirituais.•• 16 longas barbas apostólicas. O Padrinho
As mais importantes manifestações Sebastião, quando não está presente, é
de sincretismo são duas grandes seitas chamado carinhosamente de "O Velho".
que surgiram no recesw da floresta ama- Ergue-se na povoação um templo de
zônica: o Santo Daime e a União do ~­ paredes claras, com mais de uma deze-
getal. Vivem em comunhão com a natu- na de portas em arco e duas torres qua-
reza. E ambas têm em comum, como ca- drangulares, ambas com uma cruz-de-
racterística fundamental, o consumo de caravaca na extremidade. Essa cruz, li-
uma droga alucinógena resultante d,a in- gada ao espiritismo. é a mesma cruz-de-
fusão do caule da malpiguiácea BaniS:te- lorena dos católicos; tem o braço duplo,
riopsis caapi e das folhas da rub,iáÇea o de cinia menor. Símbolo e e>bjetô de
Psyclwtria viridis. A beberagem provo- adt>ração, a cruz-de-caravaca é :vista nos
ca um estado de êxtase ou narcose oníri- cultos cerimoniais do Daime, em várias
ca (borracheira), sendo comuns as visões oportunidades.
(mirações) provocadas pelos alcalóides A ayahuasca (com as corruptelas
das plantas ingeridas (p. 134). Há casos, aiuasca, auasca, oasca) é denominadaja-
principalmente entre os iniciantes, em gube e a folha utilizada como aditivo,
que ocorrem apenas efeitos muito desa- chacrona. Ambas, postas em infusão, re-
gradáveis, como vômitos e diarréias in- sultam no daime ou santo daime.
coercíveis, pelo que são sempre tomadas As sessões para o consumo ritual da
as devidas precauções. bebida hierobotânica ocorrem sempre no
Durante alguns anos. vamos encon- interior do templo. Nas festas, os fiéis se
trar a confraria do Santo Daime nos ar- reúnem em torno de uma estrela de seis
redores da capital acreana, Rio Branco. pontas, os homens de um lado, as mu-
É a colónia 5.000, numa área de 300 hec- lheres de outro, as crianças na frente. Há
tares, onde foi edificada a povoação Ce- bancos laterais para os visitantes e assis-
fluris, com algumas poucas cen~s de tentes. São promovidas festas no Ario
habitantes. Obedecem a um regime co- Novo, nos aniversários do,nascimento e
munal. Moram em ca~ de al~ena:ria. -~ morte c;le QJ.estre Irineu, no aniversá-
São tipos físicos saudáveis,e «>dos pare- rio de mestre Sebastião e nas datas cris-
cem felizes. Além de uma pequena agri- tãs de Natal, Reis, N. S. da Conceição
cultura de subsistência, extraem do Se- e no ciclo da Festa da Fogueira, Santo
ringai Rio do Ouro, em terras da coló- Antônio, São João, São Pedro.
nia, o látex que é vendido na cidade e Como unifurme, os homens usam
permite a aquisição do pouco indispen- temo branco e gravata azul marinho; as
sável ao trabalho e à vida da comunidade.. mulheres vestem saia branca, com uma
O fundador dessa confraria mística pala verde, largas fitas verdes na frente
foi o seringueiro Raimundo Irineu Ser- da blusa e ostentam uma tiara em forma
ra. ~ negro muito robusto e de elevada de coroa.
~tatura, cuja imagem seria mais tarde A música é sempre ouvida nas reu-
erigida no lugar. Ainda como preito ao niões, com violão, sanfona e o maracá
seu fundador é que o povoado se deno- da pajelança indígena. O preparo da be-
minou Cefluris, sigla de Centro Ecléti- bida sagrada e o seu consumo são sem-
Como osjivarw. os fndios mundurukus tambl:m eram "caçadores d4 calHça': Esu guer- co da Fluente Luz Universal Raimundo pre acompanhados de cânticos. Cada
reiro munduruku ostenlli, como troféu de guerra, a cabeça miniaturizada de um inimi.go. (Spix Irineu Serra. O atual líder do gruptl, a membro da seita tem o seu próprio hino,
e Martius). quem dão o título de Padrinho, ,é Sebas- que lhe fui ditado por um guia espirituál.
132 Sangi.rardi. Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 133

Tal hino, cantado durante as cerimónias, mo látex das seringueiras, que vendem se bebe ritualmente o vegetal, os parti- pois, segundo mestre Gabriel, Salomão
provoca o transe do seu dono, que in~or­ para comprar os bens que não produzem cipantes vestem uniformes com as cores tinha grande conhecimento das plantas.
pora o guia, podendo fazer, inclusive, e de que necessitam. Felizmente o que da bandeira brasileira, para indicar que No centro do salão retangular, onde
uma viagem pela vida pregressa, em ou- não falta é jagube e chacrona. se trata de uma seita essencialmente na- se realizam as cerimônias, uma longa
tras encarnações. O escritor e ex-guerri- O Céu inicia a nova vida. No centro cional. Os homens vão de calça branca mesa, com bancos dos dois lados, onde
lheiro Alex Polari disse-me que viajou da clareira aberta na mata edificaram e blusão verde, as mulheres de calça sentam, para beber o vegetal, aqueles que
em companhia de um inca, de cuja civili- uma pequena construção hexagonal. (A amarela e blusa verde; os mestres e ou- já ultrapassaram o grau de discípulos.
zação acreditam que se deriva o dailne. estrela-de-davi ou signo-de-salomão é um tros graduados usam calça branca e blu- Existem cadeiras laterais para os parti-
Além do consumo coletivo, a droga é dos símbolos cultuados pela irmandade). são azul. cipantes, inclusive poltronas de praia,
também ingerida individualmente pelos E desse novo e rude templo erguem-se As chamadas são cânticos que ser- destinadas aos que se mostram menos fir-
xamãs, que aconselham, receitam, vati- no silêncio denso da mata os cânticos do vem para "arregimentar as forças", PQ- mes durante a borracheira. Como o ve-
cmam. binário do Santo Dai.me. Mais longe ain- dendo evocar o nome de Jesus, de Ma- getal pode ter efuito fortemen.te emético,
Recentemente, o paraíso da ,Colónia da, no Rio de Janeiro, os mes.mos cânti- ria e de um ou outro santo católico. Ao há no salão passagem para um te.rra,o,
5.000 foi expulso para muito longe, pela cos são ouvidos, inspirados pela infusão com um parapeito onde os nauseados se
contrário do Daime, esses cântieos não
ação dos grlleiros. Apresentaram de re- do jagube e da chacrona. O núcleo ca- são entoados pelos participantes, em co- debruçam, sobre um pequeno fosso - o
pente um suposto título de propriedade rioca tem como Uder o psicólogo Paulo vomitório. Alguns preferem a natureza e
daquela gleba, expedido pelo Instituto de Roberto Silva e Souza. A sede fica no tra- ro, mas apenas pelo mestre que dirige a
Terras da Amazónia.Sebastião Mota de jeto para o Alto da Boa Vista, no cami- sessão. vão vomitar lá fora, no meio das árvores.
Melo recebeu a intimação sem ódio nem nho que começa no n.0 3.036 da Estrada A seita, que dominou Rondônia, O núcleo paulista da UDV está se-
reclamações. E à frente da irmandade das Canoas; daí até o final de uma estra- passou dos limites da floresta e chegou diado na zona rural de São Roque, a 65
que lidera iniciou a mudança dos arre- da de terra, chega-se ao local das reu- aos grandes centros urbanos. Hoje, o quilómetros de São Paulo.
dores de Rio Branco para uma região niões, um casarão entre árvores. mestre supremo da União do Vegetal tem O templo tem no alto da fachada
quase inacessível, nas florestas virgens sua sede no núcleo de Brasília, de onde principal três semicírculos brancos e, no
A Uniao do Vegetal nasceu em 1961. comanda os núcleos do Rio de Janeiro, centro de cada - um sol amarelo, uma
do Amazonas. Subiram o rio Acre, de- Um motorista de caminhão, baiano, ti-
pois o Puros e finalmente o Mapiá, em nha ido para o Amazonas atrás do sonho São Paulo e uma dezena de outras ciCJa- estrela azul, um crescente verde. (Asco-
cujas margens, entre igarapés, está situa- de um tesouro, bebeu sua primeira dose des. Para obtenção da bebida sagrada, os res da bandeira brasileira).
do o Céu. O Seringai Céu do Mapiá se- da bebida alucinógena que, segundo ele, núcleos urbanos têm dificuldades muito Numa das paredes internas há qua-
ria a nova sede do Santo Daime. Uma maiores do que na selva, pois, para 40 dros com retratos de altos dignitários da
área verde de 30 mil hectares, circunda- ·trouxe-lhe as primeiras revelações de litros de infusão, são necessários pelo UDV, ladeando um quadro maior on-
c}a, por 50 mil hectares de matas. ~a
uma nova doutrina. Seu nome é José Ga- menos 100 quilos de mariri e 50 quilos de, sob um arco com dois cometaS, vê-
atingir o local o percutso deve ser feito briel da Costa, que veio a fundar a União de rainha. se o retrato de mestre José Gabriel da
em canoa, com vários obstáculos a se- do Vegetal em Porto Velho, capital do ter- No fim de um caminho íngreme de Costa.
rem vencidos - bancos de areia, engui- ritório de Rondônia. Mais tarde, abriu terra batida, transversal da Estra_da da No amplo salão de reuniões o piso
ços no leme e motor de popa, troncos e um núcleo também em Manaus. Boca do Mato, entre a Barra da Tijuca é revestido com cerâmicas de cores e de-
cipoais 9arrando o caminho das águas, Vegetal é como denotninam, na e Jacarepaguá, fica a sede carioca da senhos variados. Junto às paredes late-
o emaranhado dos igarapés. UDV, a beberagem resultante da infusão União do Vegetal. O núcleo denomina- rais, uma espécie de arquibancada com
O relativo conforto do Cefluris lá fi- do caule do Banisteriopsis e das folhas se Centro Espírita Beneficente "União três degraus, de alvenaria. No centro
cou, muito longe do Céu. Prometeram da Psychotria, o primeiro encerrando o do Vegetal". (Explicam: "porque o es- do salão, uma mesa alta e longa, com
indeniun todas as benfeitorias deixadas. princípio masculino (mariri, ''o rei da pírito está no centro; beneficente, porque copos do alucinógeno que vai ser inge-
Até hoje nada pagaram. E desconfio que força"), as segundas o princípio femini- traz, aos adeptos do culto, beneffcios ma- rido. A mesa começa com um arco ver-
jamais pagarão. no (rainha, "a rainha da luz"). A união teriais e espirituais.") Seu templo é um de, fixo no solo; junto, uma talha de lou-
Agora será preciso começar tudo de dos dois princípios estabelece o equilí- edifício simples mas confortável, num ça branca, com a beberagem a ser dis-
novo. Mas os adeptos do culto jamais brio, do qual resultam as mirações e o terreno arborizado. Num grande arco es- tribuída, e uma mesinha coberta por uma
perderam a coragem. E a fé por certo os progresso espiritual. tá escrito: "Estrela Divina Universal". toalha branca, onde é feita a distribui-
ajudou. Derrubaram árvores. Abriram O sistema hierárquico da Uniã.o de Trata-se do símbolo sionista estrela-de- ção. Os já iniciados na doutrina tomam
clareiras. Construíram moradias. Implan- Vegetal é formado pelo Quadro de Mes- davi ou signo-de-salomão (a estrela de o vegetal de pé, dos dois lados da mesa.
taram a mesma pequena agricultura de tres, Co.rpo do Conselho, Corpo Instru- seis pontas, formada por dois triângulos Os participantes da cerimónia, após ha-
St.Jbsistência e passaram a reçolher o nie&- tivo e Discípulos. Nas reuniões· em que equiláteros justapostos invertidos), veren1 bebido a droga, sentam-se em ai-
134 Sangirardi Jr. O Íruüo e as PW.ntas Alucin6genas 135

mofadas azuis e, durante ttês a quatro ho- cidade colombiana de Ibagué, onde mo- elidas, ver à distâncía e mesmo desven- trabalhar nessa mesma estrada.
ras, ouvem a palavra dos mestres. E ravam o pai e a irmã, dos quais não ti- dar o futuro."23 Jarainilo Taylor relata fato ocorrido
VülJam. nha notícias há várias semanas. No so- C. V. Morton. o botânico que iden- em 12 de junho de 1908. Oito balsas co-
nho, o pai aparecia morto e a irmã, mui- tificou e estudou espécies de Banisteriop- bertas de palha, vindas da Colômbia com
PrincípiQS Ativos to doente. Quando despertou, Mora- sis (Banisteria) alucinógenas, diz que grande carregamento de borracha, des-
les não deu maior importância ao fa- ''talvez essa ,droga tenha a propriedade ciam o rio Japurá. As balsas soçobraram
I regret being rmable to tell what is the to, apesar daS advertências do chefe ín- de desenvolver as faculdades psíquicas''. na cachoeira do Funil, morrendo 64 tri-
peculiar narr:otic principie that produces dio que lhe servira a bebida. Um mês Descreve Morton os efeitos de mais ou pulantes. Dois meses depois, a dezenas
such extraordinary effects. depois, por um correio que chegou ao menos meio litro da bebida, dividida em de quilômetros do locaL os três únicos
R. Spruce27 posto que comandava, soube que o pai quatro porções, ingeridas de meia em sobreviventes foram interrogados por um
falecera, no mesmo dia em que ele ha- meia hora: ''Logo o índio cai num sono tuxaua sobre o naufrágio, que ele havia
Em 1905, o naturalista Z'.erda-Bayon via tomado o caapi; quanto à irmã, ain- profundo, durante o qual está num esta- presenciado durante o sono do caapi.
deu a um alcalóide da Banisteria caapi da convalescía.17 do de total insensibilidade e anestesia. Na tribo desse mesmo tuxaua, Jor-
Spr. o nome de telepatina, pois acredi- O naturalista 1.erda-Bayon, de Bo- Nesse estado, a atividade do inconsciente ge Gomes Posada tomou yajé e presen-
tava, por experiência própria, que a nar- gotá, ao batizãr um alcalóide do caapi atinge enonne intensidade. Os sonhos se ciou, enquanto dormia, uma briga do
cose provocada pela droga possibilitava com o nome de telepatina, baseou-se em sucedem com extraordinária precisão e proprietário do Grande Hotel, de Ma-
percepção à distância. Yajeína e yajeíni- sua própria experiência no campo dos clarez.a, dando ao intoxicado, de acordo naus, com outro homem. ''Regressando
na foi como se denominaram, posterior- efeitos metapsfquicos atribwdos à droga. com informações de missio~ários, o-po- a Manaus" - conta Jaramilo Taylor -
mente, dóis alcalóides encontrados na ''A pessoa que se embriaga com Banis- der de dupla visão e de ver à distância, ''procurei imediatamente o dono do re-
planta. 12, 2, 1, 14 Nesse meio tempo, o teria caapi'' - diz ele - ''vê e ouve coi- como certos médiuns em seus transes. ferido hotel, que confirmou o relato de
toxicólogo alemão Lewin isolou um al- sas das quais não tem o menor conheci- Uma vez desperto, ele retém claramente Posada".
calóide do caapi, que batizou como mento; e não ouve e vê de fumla confu- as alucinações e as fmtásticas visões pre-
banisterina. 11 sa, mas bem nitidamente. Foi assim que senciada$ em regiões desconhecidas.'' IS Preparo. Modos de Usar.
Verificou-se por fim" a partir de alguns índios, que jamais haviam saído O padre Tustevin, um mi~ionário ci- Prepara-se a beberagem utilizando a
1923, que os princípios ativos da planta de seus imensos territórios despovoados tado pelo etnólogo Reko, escreveu em parte inferior do caule, que é triturada
eram a hannina e a hannalina, os mes- e que, naturalmente, não podiam ter a 1926: "Os índios crêem francamente com pilão e misturada com água suficien-
mos alcalóides presentes nas sementes e menor idéia do que fosse a vida civiliza- num efeito telepático do yajé, como cha- te em grandes potes de barro. Na Colôm-
raízes da zigofilácea Peganwn hannala da, em seu linguajar peculiar, e com mui- mani a bebida que tàbricam com aya- bia a planta é macerada em água fria, no
L.12. 1, 14, s ta vivacidade e.segurança, contaram por- huasca ou caapi. Tomam o yajé para sa- Peru e Equador procede-se à decocção
Em 1965, Jacques Poisson publicou menores de cojsas existentes nas grandes ber se um doente. .ficará bom, para ver em água fervente. Resulta um líquido
o resultado de•seus estudos com Banis- cidades, em que se viam homens bran- o futuro, para informar-se como vai um denso, marrom-esverdeado, de sabor acre
teriopsis inebrians Mort., B. rurbyana cos caminhando de um lado para outro, dos seus que está viajando etc. Acredi- e desagradável.
(Ndz.) Mort. e Banisteriopsis spp. pró- apressadamente.'' 13 - tam também poderem reconhecer, por Spruce registrou o uso da droga co-
ximas da Banisteria caapi Spr.: ''Os cau- São inúmeros os exemplos de casos meio disso, os perigos que os amea- mo masticatório: ''Quando eu estava nas
les contêm essencialmente harmina e semelhantes. Rouhier, doutor em funná- çam.' '20 cataratas do Orenoco, em junho de 1854,
uma quantidade mínima de outro alca- cia pela Universidade de Pàris, afimlou O Prof. Oswaldo de Almeida Costa encontrei de novo o caapi, com o mes-
lóide que poderia ser harmalina que o yajé ''exerce uma ação psíquica de relata numa monografia3 prodígios de- mo nome, num acampamento dos selva-
(dihidro-3, 4 harmina) ou metoxi- 6 N, natureza peculiar. Provoca alucinações correntes da ação telepática do ayahuas- gens guahíbos, nas savanas de Maypures.
dimetil-triptamina, já postas em evidên- visuais e auditivas, cujo caráter divina- ca, caapi ou yajé. Esses índios não só bebem a infusão, co-
cia ao lado.da hannina de B. caapi. Os tório impressionou vivamente alglllls ob- Um experimentador, despertando da mo faz.em os do Uaupés, também mas-
alcalóides das rolhas se·réduz.em a uma servadoresº.E concluiu: "Estamos em narco~ provocada pela droga, indicou cavam pedaços de caule seco, como al-
só base, identificada como N-dimetiltrip- presença de fiitos ainda misteriosos, que com precisão o lugar, na casa, onde es- gumas pessoas fàzem com o tabaco. Sou-
tan1i na (DMT).'' 18 se relacionam com a telepatia e dos quais tava escondida a carteira de uma senho- be por eles que todos os nativos das mar-
parece impossfvel negar a realidade. A ra, contendo cinco pesos. Um irmão des- gens dos rios Meta, Vichada, Guaviare,
Droga Telepática e Divinatória embriaguez pelo yajé mergulha o bebe- te viu-se repartindo material de constru- Sipapo e de regiões entre rios menores,
Sob o efeito narcótico do ayahuas- dor num estado de sonambulismo lúci- ção de uma estrada tle ferro, em verda- têm caapi e usam exatamente da mesma
ca, o coronel Custódio Morales viu-se na do, que lhe permite achar cO'isas escon- deira premonição, pois, tempos após, foi maneira.' ''Z/
136 Sangi.rartll Jr. O Índio e as Pla.ntas Alucin~genas 137

No noroeste da região amazónica, o dormiria para dissipar os vapores restan-


caapi, yajé ou caapi é usado como ''ra- tes, mas agora tem de livrar-se da bebe-
pé". 24, 6 deira reiniciando a dança.''27 Spruce
Informa Richard E.~hultes que, no também quis fil2:er uma autcrexperiência,
extremo noroeste do Brasil, os índios ma- tomando caapi preparado pelos índios do
kus preparam a bebida alucinógena com Uaupés. Mal havia ingerido meia dose da
outro tipo de malpiguiácea - Tetrapte- ''nauseante beberagem'', o hospitaleiro
ris methystica Schultes - cuja casca é tuxaua, naturalmente querendo agradá-
dissolvida em água fria, sem mistura de lo, fez com que tomasse uma cabaça de
qualquer outra planta. A beberagem, de caxiri (bebida feita com farinha de man-
eor amarela, é extremamente amaFga e díoca fermentada), que fumasse um cha-
produz os mesmos efeitos que o caapi ou ruto gigantesco e. por fim. que engolis-
ayahuasca ou yajé. "1àlvez seja esta" - se uma grande cuia de vinho de palmei-
diz Schultes - a "segllllda espécie" de ra. Re8ultado: tomou uma grande bebe-
caapi mencionada por diversos explora- deira que teve de curtir na rede. Mas
dores como caapipinima, isto é, ''caapi Spruce conversou longamente com vcirios
pintado."24 índios e brancos que haviam bebido caa-
pi, selecionando, entre os últimos, co-
~aporte Para o País dos Sonhos merciantes inteligentes do alto rio Negro, · À serpente é uma constante nas vis~s provocaJ.as pelas plantas alucin.6gena.J do fndio,
entre as q11ais as do g2nero Bani~eriopsis.
Droga + paciente + ambiente. Tli- Uaupés e Orenoco. E todos deram as
nômio dos vegetais alucinógenos, que se mesmas impressões, com pequenas va-
evidencia ainda mais com o ayahuasca. riações pessoais: a hipnose provocada pe- O caapi é acre e amargo. Ermano fred Wallace presenciou o uso cerimonial
caapi ou yajé (v. p. 14). Dele resulta uma la droga é caracterizada pela antinomia Stradelli achou·o simplesmente Iepug- do caapi, à volta de uma grande foguei-
diversidade de sintomas provocados pe- das visões, com alterações de calor e frio, nante e, para ele, "o único efeito que pro- ra acesa no centro da maloca, depois que
la intoxicação com Banisteriopsis (Banis- coragem e medo, cenas maravilhosas e duziu foi náusea e vômito.' '28 O conde escureceu. A cerimónia é precedida ~­
teria) spp. seqüências horríveis, recantos paradisía- italiano não exagerou. O caapi é iim emé- la dança da serpente, em que são con-
Há alternâncias de beatitude e rur cos e abismos infernais. O bebedor pri- tico violento. O índio jivaro, quando be- sumidas grandes quantidades de caxiri.
gústia, placidez e agressividade, prostra- meiro s.ente vertigem. Depois, a sensa- be naten1a sozinho. coloca a beberagem A serpente é uma presença constante·nas
ção e euforia. modorra e agilidade, gran- çã0 é que se eleva no ar e flutua, como numa tijela de barro pintado (pinima), .à visões provocadas pelo ayahuasca? ·caapi
de excitação e sono comatoso. numa viagem aérea. Dizem os índios que volta da qual dança e conjura. Depoi$ vi- ou yajé, como ocorre com inúmeras ou-
Descreve Spruce: ''Dois minutos ou avistam lindos lagos, árvores carregadas ra o conteúdo de uma só vez e vomita. tras plantas alucinógenas. O coronel Clis-
menos após haver bebido os efeitos co- de frutos, pássaros de linda plumagem... E repete a operação várias vezes: bebe- tódio Mo.rales, num estudo encaminha-
meçam a aparecer. O índio torna-se mor-- Mas logo a cena se modifica. E eles vêem vomita, bebe-vomita, bebe-vomita ... ''até do à Sociedade Colombiana de Ciências
talmente pálido, treme em todos os seus animais prontos para atacá-los e. na im- cair nun1 sono profundo, povoado de vi- Naturais, narra que, após baver ingerido
membros e tem uma expressão de hor- possibilidade de fuga, caem ao chão. Du- sões e alucinações''.28 Vomitando, con- a bebida mágica, viu saírem da parte la-
ror. Sucedem-se rapidamente sintomas rante essa crise, se o índio voltar do tran- forme Feiice, o índio "elimina do orga- teral de sua rede duas enormes serpen-
contrários: começa a transpirar e parece se, dará um salto, agarrará suas armas e nismo as pequenas flechas mágicas, que tes, que rastejaram diante dele.17 Nunes
acometido de fúria temerária, apanha atacará a primeira pessoa que encontrar. nele conseguiran1introduzir".7 Como se Pereira, comentando a presença da Co-
qualquer arma que possa alcançar, mu- Para evitar que isso aconteça, tem de ser verifica com outras drogas dos amerín- bra·Grande ou Cobra-da-Festa na mito-

rucu, arco, flechas ou lança, investe até levado à força para a rede. Então ele fi- dios, o vômito é uma fomia de purifica- logia e na literatura oral da região ama-
a porta de entrada, onde golpeia o chão ca sonolento. E logo estará dormindo. Os ção, que facilita a quem bebe ser possuí- zônica, diz que a serpente é uma cons-
e o batente, gritando o tempo todo: "Is- brancos descrevem as mesmas visões: a do pelo espírito da planta. tante nas alucinações. 16
to furia eu com meu inimigo (menciona vista se perturba e uma rápida sucessão Alén1 de outros sintomas sensoriais O coronel Custódio Morales, logo
o nome) se ele estivesse aqui!" Em cer- de quadros passa diante dos olhos, revi- comuns, con10 midríase, observa-se após a alucinação das serpentes, teve a
ca de dez minutos a excitação passou e vendo tudo de bom e belo que já viram grande aumento de micção e, em alg~ms visão de bosques. rios, cascatas, charcos
o índio torna-se calmo, embora pareça e ouviram, depois a cena muda para coi- casos, forte diarréia. imensos e, segundo suas próprias pal~­
exausto~ Estivesse ele em sua choça. e sas sórdidas e horríveis. Na região an1azônica brasileira, AI- vras, "um turbill1ão de coisas tão vastas
J a
138 Sangi,rarrli Jr.

Jure ma
e duma tal realidade, que o espetáctilo
das danças dos índios se eclipsou". No
dia seguinte, acordou com a sensação de
rizantes". E concluiu: "Isto é sem dúvi-
da devido à excitação dos centros cere-
brais da visão, cuja sensibilidade é tal,
13
haver feito uma grande viagem pela que a pessoa que tomou yajé é capaz de
selva.17 ver objetos no meio da mais completa
Em suas viagens oníticas, Villavi- escuridão.'' IS
William A. Emboden, Jr., botânico A Droga Mágica da Caatinga
cencio ve.riflcou a mesma antinomia já
registrada por Spruce: ''Cada vez que to- especializado em plantas narcóticas, afir- O nome vulgar jurema vem do tupi espigas alongadas em grandes panículas;
mei ayahuasca senú vertigens; às vezes ma: ''Curiosamente, o ayahuasquero não yú-r-ema, "espinheiro': Designa m- flores de 4 pétalas, 4 estames.
eu fazia uma viagem aérea, na qual me perde a consciência nem a coordenação rias espécies dos gêneros Mimosa,
lembrava de haver visto as mais delicio- motora. Forasteiros têm comprovado, Acacia e Pithecelobium. São árvores A Planta Sagrada de lracema
sas perspec.tivas, grandes cidades, altas com espanto~ que o índio, sob a influên- ou arbustos, f<;imíli(' dczs Legumino- Em Jracetna, obra de:ficção, José de
torres, parques soberbos e outros obje- cia da droga, pode correr à noite pela flo- sas-mirnosoúleas. Apontam-se as es- Alencar tem algumas angulações felizes
tos magníficos; outra vez eu me via aban- resta, sem tropeçar ou escorregar. A vi- pécies seguintes, corno encerrando no campo da realidade.
donado numa floresta e assaltado por ani- são é notavelmente clara e as passa- princípios ativos excitantes e/ou alu- A jurema tinha cunho religioso. O
mais ferozes, dos quais eu me defendia. das são firmes". Ressalta ainda Embo- cin6genos. A mais importante é a preparo da bebida e o cerimonial do seu
Tinha em seguida uma sensação muito den que ''um dos aspectos comuns da in- jurema-preta, p'lanta xerófila das caa- uso eram secretos. E o jqremal era um
furte de sono, do qual acordava com dor toxicação com o ayàhuasca é,um aumen- tingas (!dos sertões no,-destinos. (A bosque sagrado. Bebendo a jurema, os
e peso na cabeça e, às vezes, com um to de visão, provocando brilhantes efei- descriçêl.o de cada espécie é de Mar- guerreiros de Araquem entravam em co-
mal-estar geral.29 Nem todos, porém, tos ornamentais, ilusão de rápida mu- tius, em sua Flora Brasiliensis.16 municação com o mundo invisível, atra-
constatam essa indisposição e mal-estar dança de tamanho das pessoas e dos ob- vés dos sonhos. Mas a revelação desses
após despertarem. Schultes, por exem- jetos (microscopia e macroscopia) e per- J. J urema-Preta sonhos era vedada às mulheres, tabu co-
plo, destaca: "Ausência de ressaca for- cepção de cores em sombras de azuis e Mimosa hostlis Benth.. (Acacia hostilis mum a drogas, instrumen.tos rituais e vá-
te~"24 violetas.' '6 Mart. , Mimosa nigra ffub., Acacia jure- rias prátic'as mágico-religiosas, em inú-
Se~do Lewin, o ayahuasca pode Quatro décadas antes, em comuni- ma Mart.) meras tribos. 1
provocar ·sensações sexuais, mas parece cado à Academia de Ciências de Was- SIN. : espinheiro, espinheiro-preto.
que a beberagem determina sobretudo hington, Morton escrevia: "Todos os ob- Arbustiva, pubérula (víscida?), acúleos O "Catimbó" de Carlos Estêvão
ilusões e visões. 11 Koch-Grünberg, que jetos ganham estranha aparência, aureo- esparsos, fortes e rews: folíolos 1nultiju- A jurema era usada ritualmente por
provou a droga, destacou sua ação forte- lados e de cor azul.''15 Esta cor azules- gos, ligeiramente pubescentes; espigas tribos de dois grandes grup0s indígenas
mente erótica: "Tudo parece maior e tá presente também nos labarafórios. Em cilíndricas: flores de 4 pé.falas e 8 esta- que habitaram o Nordeste: jês, os tapuias
mais belo; a gente vê muita coisa do 1936, realizando um estudo histoqufmi- mes; legume quase séssil, chato, vísci- dos antigos escritores, e kariris. Perde-
mundo e, principalmente, muitas mulhe- co da Banisteria caapi Spr., o Prof. Os- do, pluriarticulado. ram-se, no entanto, para sempre, os de-
res, e o efeito erótico parece desempe- waldo de Almeida Costa compr<M>u que talhes das cerimônias em que a droga era
nhar o papel mais importante nessa em- o alcalóide da planta apresenta ''uma 2. Jurema-Branca ingerida por esses índios, cerimónias es•
briaguez,., (Das Erotische sheint bei die- fluorescência azul que lembra a da qui- Pithecelobium diversifoliwn Benth. sas não registradas por nenhum escritor
sem Rausm ein Hauptrolle zu spielen). nina, embora muito mais int~nsa. É um SIN.: arabitá (PI) , brinquedo-de-macaco da época.
Koch-Grünberg, que achou a beberagem azul anil. A fluorescência dos solutos (BA). Todas as descrições de cerimônias
apenas ligeiramente amarga, também contendo yageína é azul."3 Ora, Pubescente, estípu/.as espinescentes, pi- em que os índios bebem jurema são de
sentiu impressões visuais: no escuro, verificou-se depois que yageina é harmi- nas de 1-2 jugos, apenas 1 jugo na parte rituais com influência católica e espíri-
uma cintilação diante dos olhos, e, qua,n- na. Dezoito anos mais tarde, também no infe rior, obovadas ou oblongas; capítu- ta. A começar pelo clássico relato de
do escrevia. chamas rubras perpassavam Rio de Janeiro, trabalhando com a mes- los pendentes nas cwilas e nos·t enninais; Carlos Estêvão de Oliveira, citado por
no papel.10 ma espécÍe estudada.pelo Prof. Oswaldo legwne circinado, valva contorcida após praticamente todos os autores que, depois
C. V. Morton, botânico do U. S. Na- de Almeida Costa e com outras espécies a deiscência, sementes ariladas. dele, escreveram sobre a jurema. Dire-
tional Museum, constatou, na Colômbia, afins, os químicos Walter Mors e Pérola 3. Jurema-de-Oeiras tor do Museu Goeldi, de Belém do Pa-
que o yajé provoca ''as mais extraordi- Zaltzman confirmaram: ''Os sais de har- Mimosa verrucosa Benth. rá, Carlos Estêvão escreveu sobre o que
nárias alucinações, parecendo as do ha- mina apresentam intensa fluorescência Arbusto inenne, verrucoso-t01nentoso, ele chamou "vinho da jurema", bebido
xixe, muito magnificenros, muito aterro- azul."14 pinas de 7-9 jugos, avàis ou oblongos; na "Festa da Jurema e do Ajucá", em
O Índio e as Plantps Allldnógenas 141
140 Sangirardi Jr.

Brejo-dos-Padres, Pernambuco. Uma fes- A Jurema nas Religiões Populares.


ta com sincretismo amerfndio-espfrita- Sincretismo
afro<atólico. Descrevendo a cerimónia, Os pajés indígenas ensinaram aos
é como se Carlos Estêvão estivesse fil- brancos e mestiços os mistérios da paje-
iando de um catimbó ao ar livre, sob as lança. Esta influiu no catimbó. Uma e
ramagens. Ajucá, por exemplo, que ele outro receberam a mescla do espiritismo.
dá como designando a bebida feita com da feitiçaria européia e, nas orações e
jurema. é também o nome de um dos rei- imagens de santos, do catolicismo. De-
nos invisíveis do catimbó, onde habitam pois, completando o ciclo, o pajé indí-
os Mestres que baixam nas mesas, para gena recebe de volta, sincretiz.ado, tudo
curar e aconselhar. O cachimbo para a aquilo que ensinara. E passa, inclusive,
defumação lustral e propiciatória, usado a trabalhar com os encantados como
ao contrário, com o fornílho dentro da aquele pajé do alto Rio Negro, que, se-
boca, é uma das marcas do catimbó, is- gundo Nunes Pere~ recebia, entre ou-
to é, um dos seus principais objetos sa- tros. o espírito de Mestre Roldão de Oli-
grados. Outra marca, que muitos consi- veira, um dos numes do catimbó. 20
deram a marca-mestra, é o maracá, fei- Não obstante esse estreito intercãm-
to com uma pequena cabaça, (em geral bjo entre duas expr~ culturais de
cuité, Crescentia cujete L.), cheia de se- origem ameríndia, a jurema jamais é en-
mentes ou pedrinhas. instrumento que é contrada na pajelança amazónica. A ju-
o próprio maracá aborfgine, mágico e rema tem no Nordeste o seu habitat e só
sagrado. no .Nordeste é usada como planta mági-
Todos os presentes bebem goles da ca (catimbós e alguns xangôs) e na me-
jurema, ''a bebida mágica que transpor- dicina popular.
ta os indivíduos ª' mundos estranhos e A jurema só é encontrada nos can-
lhes pennite entrar em contato com as al- domblés de caboclo. nos bantos, naque-
mas dos mo~ e os espíritos protetores. les em que foram adulteradas suas ori-
( ... ) Os cachimbos, ora por outra, per- gens mais puras. Nos candomblés de ca-
corriam o círculo, passando de mão em boclo a beberagem de jurema apresenta
mão e de boca em boca."21 variantes, com a adição de meL ervas e
Nas cantigas da Festa da Jurema e outras substâncias. Nina Rodrigues cita
do Ajucá eram invocados os santos ca- reportagem publicada no Jornal de No-
tólicos, o que não acontece no catimbó, tfcias, de Salvador, edição de 9-5-1905,
cujos cânticos ou linhas são dirigidos em que ''um vaso com uma bebida a que
apenas aos Mestres, que baixam nas me- dão o nome de jurema'' figurava entre os
sas. Pois, como bem observou Mário de objetos de culto apreendidos pela polí-
Andrade. o fios sanctorwn do catimbó, cia no candomblé de Manuel Maneta, na
sem sincretismos, ' 'conserva uma origi- Estrada das Boiadas.24 O jornal filia em
nalidade sistemática e inassimilável."2 candomblé, mas se refere ao chek do ter-
Ainda assim, nas rez.as das sessões, nas reiro como pajé. Era, pois, um candom-
imagens, nas estampas, estão presentes blé de caboclo.
no catimbó os mesmos santos católicos Num toré de Piaçabuçu, Alagoas, na
da cerimónia de Brejo-dos-Padres. inclu- foz do São Francisco, Alceu Maynard
sive Padre Cícero, o taumaturgo do ser- Araújo encontrou o jurubari, a bebida
tão. dos encantados, dos caboclos: jurema,
De Martius 16 : Pithecelobium diversifoliwn. a jurema-branca.
142 Sangi.rardi Jr. O Índi.o e as Plantas Aluci.n6genas 143

imburana-de-cheiro, pau-ferro e mel, tu- também os Mestres do espaço, todos be- A jurema, por fim, assume ampli- cantado, isto é, uma mistura, na aguar-
do dissolvido na cachaça.3 O curioso é ben1 jurema. Mestre Carlos, por exem- tude e transcen~ncia maiores quando se dente de cana. de jurema e manacá, de
que, às vezes, "para dar força aos traba- plo, talvez o mais popular de todos, é transforma no reino ex:traterreno onde ha- sangue e loucura.
lhos", também misturavam sangue de grande bebedor de cauim, que, como dis- bitam os Mestres e os Encantados: o João Antônio dos Santos passou a
frango, o que evidencia influência afri- se, é cachaça com jurema. Juremá. - segredar que Dom Sebastião o havia
cana, pois os índios, como já notara Lery, Mas a jurema não é apenas bebida. guiado até uma lagoa encantada, de cu-
jamais se alimentavam de um animal len- Suas folhas secas servem para a defuma- Altar e Morada dos Espíritos jas águas começavam a emergir duas tor-
to, como o frango. porque "se comessem ção ritual. O calço da marca, fumado no A jurema era planta como todas as res de um templo, já meio visíveis. E
desse animal de andar vagaroso não po- cachimbo ritual, é uma misnrra de taba- outras. Até o dia em que Maria, fugindo mostrava misteriosamente duas pedrinhas
deriam correr quando perseguidos pelo co e jurema. A jurema pode ser mistu- de Herodes, a caminho do Egito, escon- faiscantes - diamantes de grande valor
. . . "13 rada também com ervas aromáticas - in- deu o Menino Jesus num pé de jurema,
lillilllgO. - que ele encontrara na margem da pro-
censo, alecrim, benjoim etc. - combus- o que fez com que os soldados romanos digiosa lagoa. Mas era apenas o começo
Receitas de Jurema no Bar do Pajé tível mágico, fumaça purificadora e cu- não o vissem. Imediatamente, em con- dos milagres. Pois Dom Sebastião , de-
Carlos Estêvão descreve o preparo rativa. tato com a carne divina, encheu-se a ju- pois de quebrado o seu encantamento,
da beberagem feita com jurema. A raiz Luís da Câmara Cascudo aponta co- rema de poderes sagrados. (A me~ instituiria um reino em que todos seriam
é raspada e limpa. Colocam as raspas so- mo amuleto dos catimbós um pedacinho lenda é contada com relação a outras ricos, poderosos e fuli7.es. E João Antô-
bre uma pedra e maceram, batendo com de jurema embebido em cachaça e defu- plantas, como, por exemplo, a rosa-de- nio saiu a pregar a grande nova. E a no-
outra pedra. A massa é posta dentro de mado com incenso; é levado pelos ho- jericó, o alecrim e o peyotl). tícia se espalhou. E foram chegando os
uma vasilha com água e espremida com mens na carteira, pelas mulheres na bolsa É bastante comum a crença no espí- primeiros crentes, esperançosos. E
as mãos. Pouco a pouco, a água vai-se e na roupa de baixo. 8 rito de pessoas que, depois de mortas, obtinham-se donativos de dinheiro, ga-
transfomiando numa calda vermelha e es- As ramas e as flores da jurema tam- passam a morar em ármres. Lembro-me, do, mantimentos.
pumosa. Decantada a espuma. está pron- bém são usadas, misturadas ou não com dos tempos de minha infància, em Mon- Com a intervenção de um missioná-
ta a bebida. plantas mágicas ou aromáticas, nos ba- te Azul Paulista, de uma velha manguei- rio. João Antônio renunciou ao seu apos-
Segundo Melo Morais, em sua Phy- nhos lustrais ou de defesa, que lavam ma- ra, no caminho do tanque do Faria, em tolado. Mas deixou em seu lugar João
tografia, usando-se a casca, esta é posta lefícios, eliminam influências adversas, cuja fronde, à meia noite, gemiam as al- Ferreira, mameluco e paranóico como
em infusão na áBua, durante 24 horas. e abrem caminhos. Comentando os can- mas. Mauro Mota fala de vários cajuei- ele, porém mais astuto e perverso.
depois coada. As vezes juntam mel de don1blés de caboclo, observa Roger Bas- ros-túmulos e cita outros, conhecidos de Profeta duma nova era, João Ferrei-
abelha, para corrigir o travo. 17 tide que ''os banhos dos candidatos não mestre Cascudo, em praias do Rio Gran- ra tomou-se monarca e santo. Aparecia
A jurema feita com a raiz ou con1 a continham ervas sagradas, n1as, por ou- de do Norte.18 Artur Ramos menciona aos seus súditos com uma coroa de ja-
casca do caule é avem1elhada, cor de vi- tro lado, não deixavan1 de ter jurema."4 mestre Espiridião, que morreu e ficou pecanga. Recebia o tratamento de sua
nho; feita com as folhas (folíolos) é es- Mas não é só. A jurema também tem encarnado num pé de jurema. 23 santidade el-rei. E todos lhe beijavam os
verdeada, "o verde e amargo licor" da força, o 1nana dos melanésios. Como ou- O pé de jurema, nos sertões nordes- pés.
Iracema, de Alencar•. tras plantas mágicas - arruda, alecrim, li?os~ transfonnou-se em altar ou santuá- A corte se reunia no sítio da Pedra
Com o tempo. a jurema dos f ndios, manjericão, alfuzema - é imune ao mau- no. A sua volta acendem-se velas ou são Bonita ou Reino Encantado, na comarca
antes infusa em água, passou a ser mis- olhado. deixadas oferendas propiciatórias. Sob de Vila Bela. O cenário era majestoso,
turada pelos brancos com aguardente de Nas casas mal-assombradas, espa- suas ramagens os crentes murmuram pre- dominado por duas enonnes colunas na-
cana. O cauiln dos catimbós é uma mis- lham-se em todos os aposentos e, em ces. E se sofresse os golpes do macha- turais, de rocha ferrosa. Uma coluna, li-
tura de jurema com cachaça, servida a maior quantidade, nas soleiras das por- do, do tronco escorreria sangue, em lu- geiramente menor, tinha 32,56 metros de
todos os presentes, que bebem no mes- tas, folhas verdes de jurema, uma vez que gar de seiva. altura (A); a maior, de 33 metros, era in-
mo copo. Seu preparo é feito na prince- as secas, frisa Cascudo, já não têm ''as Mais tarde, a jurema passou a ser crustada de mica da metade para cima,
sa, a bacia ritual que constitui uma das forças''. 9 morada do Caboclo Juremeiro e da Ca- e parecia de prata, cintilando ao sol (B).
marcas. isto é, um dos principais obje- Um galho dejurema é proteção, co- bocla Jurema. Recebeu, por isso, o nome de Pedra Bo-
tos sagrados do catimbó. mo acontece com o pinhão-roxo, Jatro- nita, mais tarde Pedra do Reino.
pha gossypiifolia L. , que vi plantado pelo A Matança de Pedra Bonita Separada das colunas, uma peque-
Planta de Muitos e Variados Poderes Nordeste e, praticamente, em todos os 1836, em Pernambuco. É quando se na sala, meio subterrânea: o santuário
No catimb6, não apenas o mestre jardins das residências de Olinda e Re- funda uma seita espantosa, em que os fa- (C). Era onde João Ferreira fazia suas
que dirige a mesa e os assistentes. como cife. náticos faziam libações com o vinho en- prédicas, afirmando que ressuscitariam
144 Sangi,rordi. Jr. O Índio e as Plantas Alucindgenas 145

gloriosamente, com Dom Sebastião, to- dos carrascos em adiantado estado de


das as pessoas imoladas em sua honra. gravidez e embriagada, "para não ter
Quando pregava ao ar livre, utilizava ele dois sofrimentos", explica Carlos Vieira;
o púlpilo ou trono (D), uma laje pênsil, quando lhe decepam a cabeça, ela dá à
que dava acesso à mais elevada pedra dos luz e a criança também rola até o chão.
sacrifícios (E). Do lado oposto, junto da Durante três dias correu o sangue de 30
coluna menor, uma pequena rampa de crianças, 12 homens e li mulheres. E
granito: a outra pedra dos sacrifícios ou mais 14 cães, que ressuscitariam como
pedra da matança (F). dragões vingadores contra os poderosos.
Uma espécie de gruta, depois de es- A 17 de maio, Pedro Antônio dos
cavada, tomou-se ainda maior, podendo Santos resolve iniciar o terceiro reinado.
abrigar 200 pessoas: a casa santa (G). Afinal, ele era irmão do primeiro rei e
Nesse cenário subterrâneo era servido duas de suas im1ãs haviam sido sacrifi-
aos crentes o vinho encantado de jure- cadas. E Pedro Antônio brada à turba que
ma e manacá. Dom Sebastião lhe aparecera. cercado
A poligamia era permitida. O pró- por sua corte, e exigiu a presença do rei,
prio rei tinha sete mulheres, considera- última vítima que faltava para apressar
das rainhas. Uma delas, como protestasse o desencantan1ento. João Ferreira se aco-
contra o concubinato, fui morta com mais varda. Perde o domínio de si mesmo e
de setenta facadas. Era irmã de João An- da malta. E é logo deposto. Seu crânio
tónio, o primeiro rei e instituidor da seita. é esmagado, arrancam-lhe as entranhas
As cerimônias eram realizadas ao e deixam o cadáver com os pés e as mãos
som de benditos e orações. Manuel Viei- amarrados a duas árvores vizinhas.
ra, conhecido como frei Simão, celebra- Pedro António dos Santos é aclama-
va os casamentos, devendo a noiva pas- do rei. Mas seu reinado seria curto. Uni
sar a primeira noite na casa santa, em sebastianista fugitivo denuncia a loucu- Desenho primitivo mostrando o cenário onde se desenrolou o trágico dram.a dos sebas-
companhia do rei. ra coletiva e guia um forte destacamento lianistas de Pernambuco. Na frente das duas cofunas de granito, as caveiras das vftimas, o
Mais de uma vez as pedras dos sa- policial até o Reino Encantado, onde o cruzeiro e, no primeiro plane, entre duas árvores, o esqueleto insepulto do úl.timo monarca.
crifícios se tingiram de sangue. Até que rei e seus súditos são esmagados. Dois A esquerda das coluna.s, cenas das niqt~as; à direita, o rei pregando na 'laje pmsil, e, ao
sua santidade el-rei anuncia que Dom lado, o velho que se alird do alto com àois netos nos braços.
meses depois, chegou a Pedra Bonita o
Sebastião exigia muito mais sangue, pa- missionário padre Francisco José Cor-
ra apressar o desencanto. E tem in(cio a reia. O niesn10 que convencera o primei-
grande matança. 14 de maio de 1838. ro rei a renunciar. Reuniu as ossadas das
Homens e mulheres entregam os fi- vítimas e enterrou numa vala comum.
lhos para ser dacapitados ou ter os crâ- (Menos a de Pedro Antônio dos Santos,
nios esmagados contra a rocha. Um ve- que continuou insepulta). Depois ergueu,
A

lho atira-se do alto da pedra dos sacrifí- sobre a grande sepultura, um alto cruzei-
cios (E) com dois netos nos braços. Uma ro de madeira.
viúva, desejosa de ser rainha, imola os
dois filhos menores e se desespera por- O Adjunto da Jurema I G '\
que os dois maiores fugiram. O Qai do Os fatos narrados no capítulo ante-
rei é sacrificado. José Vieira, um dos car- rior foram baseados em minucioso rela-
rascos, corta o braço do filho, antes de to de Pereira da Costa, em trabalho inti- Um diagran1a do Reilw Enca11tado. A, B- colunas naturais de rocha f errosa. C - ' 'SLin-
matá-lo e o menino pergunta: ''Meu pai, tulado Follc-lore Pemmnbucano. 10 Não tuário' : p equena sala meio subterrânea. D - O ''púlpito " ou "trono ' : laje pê11sil tk ontk
você não dizia que me queria tanto existe, na história da jurema, nem de o rei pregava aos setLS siíditos. E - a mais alta ' 'pedra dos sacriflcios •: F - a outra ''pedra
bem?" Isabel, innã de José Antônio. o qualquer outra droga, exemplo igual de dos sacrifícios' ' ou ' 'pedra da matança·: G - a ''casa santa · : gruta que podia abrigar 200
pessoas.
primeiro rei, é conduzida para a rampa desvario coletivo. Os espantosos eventos
146 Sangira:rdi Jr. O Índio e as Plantas Alucindgenas 147

foram desencadeados, não só pelos efei- crita por Carlos Estêvão. Uma das me- veis". E acrescenta: "Os efeitos são se- Em todas as minhas experiências
tos da ingestão imoderada de cachaça ninas índias disse confidencialmente a melhantes aos do haxixe."7 pessoais com cannabis, quer fumado,
com jw-ema. mas porque essa beberagem uma amiguinha, "as a great secret' ', que Artur Ramos não é mais preciso e quer ingerido, jamais ocorreram quais-
estava violentamente potenciada pelo ma- o pai e a mãe iam beber jurema. Koster arrisca: ''A embriaguez dajurema, muito quer alucinações. nem mesmo as visões
nacá, Brunfe /sia hopeana Benth .• alta- descobriu que a bebida era feita com uma próxima das ricas alucinações visuais da coloridas e luminosas de formas abstra-
mente tóxica. Mais ainda: a beberagem planta comum. mas jamais conseguiu maconha e do haxixe, fazia com que os tas, tão comuns aos que absorvem mes-
agia sobre mentalidades psicopáticas, re- convencer qualquer índio a apontá-la. 12 índios vissem "o mistério ou o segredo calina. O cannabis pode provocar, ini-
sultantes da miséria, da fome crónica, da Negativa em apontar a planta, res- da jurema.' '23 cialmente, uma certa hilaridade sem mo-
doença, da ignorância e do fanatismo. postas vagas, práticas celebradas às ocul- Euclides da Cunha, em Os Sertões, tivo e, via de regra, uma sensação de cal-
O banho de sangue de Pedra Boni- tas, sempre existiram e continuam a exis- menciona ''as juremas, prediletas dos ca- ma, de ben1-estar, de euforia não expan-
ta, porém, não foi o que provocou uma tir. Resultam do medo da repressão. boclos - o seu hachich capitoso. siva. Tive o cuidado de verificar que não
rigorosa repressão contra o uso da jure- fornecendo-lhes. grátis. inestimável be- se tratava de uma reação particular mi-
ma, que já existia antes de 1836. Efeitos da Beberagem beragem, que os revigora depQis das ça- nha. pois, inquirindo fumadores invete-
Câmara Cascudo, mestre de muitos Não há precisão nem unanimidade minhadas longas, extinguindo-lhes as fa- rados de maconha. verifiquei que expe-
saberes, cita em mais de uma obra sua dos autores quanto aos sintomas provo- digas em momentos, feito um filtro rimentavam sintomas idênticos. O can-
este trecho revelador, que descobriu no cados pela ingestão da jurema, sendo li- mágico...'' n nabis é uma droga de introversão.
Arquivo da Sé da cidade de Natal. livro terárias, via de regra, as descrições dos José de Alencar descreve: ''Árvore Os artistas e intelectuais que se reu-
M do Obituário, fl. 24: seus efeitos. meã, de folhagem espessa; dá um fruto niam no Hotel Pimodan, em Paris, con-
''Aos dois de Julho de Mil Sete Cen- Segundo Robert H. Lowie, o gran- amargo, de cheiro acre, do qual junta- sumiam um haxixe confeitado que, se-
tos e Sincoenta e Oito anos faleceu da vi- de Nimuendajú reuniu, em 1938, alguns mente com as folhas e outros ingredien- gundo os relatos de Baudelaire e Gautier,
da presente Antonio, índio preso na Ca- fatos relati~ ao antigo culto da Jurema. tes preparam os selvagens uma bebida. tinha efeitos fortemente alucirotórios.s
dea desta Cidade por razão do sumario, Um velho mestre-de-cerimônias. empu- que tinha o efeito do haxixe.. .'' t Isso ocorria com aquele haxixe, de ori-
que se fez contra os Indios da Aldeia de nhando um chocalho de dança. decora- E o padre José Monteiro de Noro- gem oriental; com esse, de origem nor-
Mepibú, os quais fiz.eram adjunto da ju- do com um mosaico de penas, serviria nha, em meados do séc. XVI, atribui à destina, nada acontece. E quando acon-
rema, que se diz supersticioso; de idade a todos os celebrantes uma cuia cheia de bebida feita com a planta "virtude nimia- tece não é um ''paraíso artificial''. Cer-
de vinte e dois anos, ao julgar, e pouco uma infusão, feita com raízes de jurema. mente narcótica." 19 ta noite, em que estava bebendo bastan-
mais. ou menos; fuleceu confeçado e sa- Teriam eles, então, gloriosas visões do Tudo, portanto, é bastante vago, in- te, comi dois ou três biscoitos de haxi-
cramentado; foi sepultado no adro desta espírito da terra. com flores e pássaros. clusive a quase unanimidade em compa- xe. sem maiores problemas. Numa se-
Matriz de Nossa Senhora da Apresenta- Podiam perceber, de relance, o estrondo rar os efeitos da jurema com os do gunda vez (e última), porém, estando
ção da Cidade do Natal do Rio Grande das rochas, destruindo a alma dos mor- haxixe. com quase um ano de rigorosa abstinên-
do Norte; foi encomendado pelo Coad- tos, em marcha rumo ao seu destino ou Oswaldo Gonçalves de Lima é m.ais cia alcoólica, comi espaçadamente dois
jutor Joam Tuvares da Fonseca; e pelo seu ver o Pássaro-derTrovão. desferindo raios preciso: ''Um de nós que espontanea- biscoitos de haxixe, os quais provocaram,
assento fiz este, em que por ser verdade por um enorme tufo de penas na cabeça mente ingeriu 0.040 g de nigerina, teve cerca de uma hora depois, efeitos bastan-
assinei. - Manoel Corrêa Gomez, Vi- e produzindo, um após outro, o ribom- oportunidade de experimentar aceleração te desagradáveis: fortes tonteiras (havia
gário."9 (Grifos meus) bo dos trovões. 15 do pulso (90), sensação de exacerbação momentos em que a parede parecia os-
As reuniões de culto em que bebiam Arruda Câmara diz que da jurema- auditiva, náuseas ligeiras, sintomas res- cilar), marcha insegura, pés e mãos ge-
jurema era chamada antigamente de ad- preta (Acaciajurema Mart.). espécie das piratórios (dispnéia ligeira).'' O mesmo lados, uma sensação de frio interior e ab-
junto da jurema e designava prática su- caatingas e dos sertões. ''os caboclos fa- autor, baseado em informações dos pan- soluto desconforto.
persticiosa, com artes do demónio e, co- ziam uma beberagem, com que, dizem kararus, após haverem ingerido a droga, Por tudo isso, sou levado a crer que,
mo tal, os seus adeptos estavam sujeitos eles, se encantam e se transportam ao convenceu-se da ''existência de fenóme- se a jurema provoca efeitos idênticos aos
às penas da lei. céu.''6 nos mentais de naturei.a tóxica, agindo do haxixe, é como euforfstico, jamais
Henry Koster, em 1849, encontrou Melo Morais menciona ' 'certa espé- a jurema conto um euforfstico.'' 14 Este como alucinógeno. Tomei muito caui.tn
índios que bebiamjuren1a às ocultas, em cie de vinho que en1briaga, com trans- vocábulo - euforístico - diz mais. a (cachaça com jurema) em catimb6s nor-
Jaguaribe, PE. Os índios dançavam de porte delicioso.• •11 meu ver, do que tudo o que se lê nos au- destinos. A jurema como que potencia-
portas fechadas, à volta de uma grande Capanema, citado por Caminhoá. tores anteriormente citados, que são unâ- liza a ação do álcool, dando um senti-
vasilha de barro, o cachin1bo passando conjetura: "Dizen1 que a embriaguez da nimes em compa.rar a jurema com o ha- mento de plena alegria, de paz con1 o
de mão em mão. con10 ~ cerin1ônia des- jurema traz sonhos fantásticos e agradá- xixe. Mas. vamos por partes. Dltmdo e com nós mesmos. de empatia
O Índio e as Plantas Alu.cindgenas 149

7.aéarias e Ribeiro isolaram das cascas Mais tarde, a própria planta setor-
da Mimosa hostilis um alcalóide com as na sagrada - habitação de espíritos
mesmas características da nigerina, cuja dos mortos, altar de oferendas, prote-
estrutura determinaram como sendo um ção contra malefícios. Como aconteceu
derivado indólico: a N. N-dimetiltripta- com a gameleira branca, Ficus doliaria
mina (D. M. T. )22 Mart., que se transformou no trono de
um deus - Lôko dos nagôs e Irôko dos
Coda: de Bebida a Reino Celestial jejes - a juremeira passou a ser mora-
Todas as linhas do catimb6 (canções
que evocam os Mestres) mostram três da dos Mestres (catimbós) e do Cabo-
sentidos diferentes da palavra jurema: a) clo Juremeiro (candomblés de caboclo).
beberagem; b) planta, às vezes fragmen- Na umbanda, surge a Cabloca Jurema,
tada em suas partes componentes, cau- linda índia de long0s cabelos ne-
le, flores, ramos. raiz; c) região celes- gros, "uma índia morena, coberta de pe-
tial onde habitam os Mestres e as Mes- nas".
tras, a um tempo reino, árvore e cidade, Finalmente, a semântica do nome
inclusive de altas torres. ganha amplitude ainda maior e p~
Os três aspectos - bebida, fitolatria, a designar a região celeste. É o reino
região do astral - resumem o caminho ou cidade da Jurema~ o Juremá, cor-
percorrido pela jurema, dos aldeamen- ruptela de juremal, bosque de juremas,
tos aborígines às mesas e terreiros das re- com sentido semelhante ao de Aruanda
ligiões populares. da umbanda e dos candomblés de cabo-
Bebida sagrada dos índios, a jurema clo, que por sua vez é corruptela de
era usada pelos médicos-feiticeiros tupis
-jês ou karirís -juntamente com o fu- Luanda. capital de Angola.
mo e o maracá, para vaticinar, aconse- Na umbanda, a Jurema também se
lhar e curar. A ingestão da jurema per- identifica de certa forma como Ossãe,
mitia que o pajé entrasse em conta.to com o senhor da folhagem, pois é dona das
o mundo invisível, evocando os espíri- ervas mágicas, confurme este ponto, que
tos ancestrais e os heróis culturais da ouvi em vários terreiros cariocas e flu-
tribo. mmenses:

Defuma com as ervas da Jurema,


defuma com arruda e guiné,
alecrim, benjoim, alfazema,
vamos defumar, filhos da fé.
À Jurema, linda (ndia de longos cabelos negros, num poster ven-
dido principalinenle nas casas de artígos de umbanda.

com todas as criaturas. Acredito que, se então, eu jamais tivera dor de cabeça na
tivesse tendência mística. eu poderia ex- ressaca, por maior quantidade de álcool DE- FU- MA COM AS ER- VAS DA JIJ- RE· MA OE-

perimentar então o êxtase da comunhão que houvesse ingerido.) Acrescente-se le-


celestial. Nos instantes de maior silên- ve taquicardia e unia preguiça total.
cio ou atenção, havia um momento de
acuidade visual e auditiva, esta última Princípio Ativo
por vezes desagradável. Após deitar, o Em 1946, Oswaldo Gonçalves Lima,
sono é profundo, com muitos sonhos e utilizando raízes fresças de Mimosa hos-
pesadelos. A ressaca é violenta, com en- tilis Benth, isolou um alcalóide a que deu
ZE· MA VA- MOS OE- FU- MAR FI- l.HOS OE FÉ
jôos. pitufta. inapetência, cefaléia. (Até o nome de nigerina. 14 Em 1959, Patcber.
,
( O ÍndW e as Plantas Alucinógenas 151

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(Col. Brasiliana, 300). p. 390
N.0 50938 • YYY N~ 10411 • YYY
Um sistema de estudo e _, Assim como o signo de cada
Q u?-1 é o ~u númcro-c~~IV\!? pessoa a faz diferente quanto
aconselhamento sobre o Qua1s os '.1 meros <JUe t~m ou ao temperamento, tend~ncias o
futuro usado na China há não afimdad~s com o seu? 1 gostos, também em relação ao
cerca de 5 000 anos. Como conqt~lStar '? ho~m paladar â influência dos astros
O l Chirm, o livro da que v~ am~. Qu.a1s os pares é muito importante. Dividido
sabedoria chinesa, aconselha e numén.cos'> CUJaS v1bmç~.s são em 12 capítulos, cada um
indica quais as conseqüências perfeitas. A ~·m~rologia é dedicado a um signo do
que uma &,,1crminada atitude rrulen:ar o a aphcaçao dos seus zodíaco, 0 livro aprosellla umá
pode trazer no futuro. É a ensiname!'los P~ que os análise cuJináàa para cada
milenar sabedoria chinesa ruímeros mflu~nciam nosso signo o sugestões de rcc~ilas
orientan<lo, guiando o destino. para preparar os pratos mais
prevendo o futuro. saborosos de cada signo.

ConwLer
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mímc:ros da sort~
para voc.1 ganhar
na loto, na loll)rio e
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