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Sangirardi 1989 OIndioEAsPlantasAlucinogenas
Sangirardi 1989 OIndioEAsPlantasAlucinogenas
www.etnolinguistica.org
, -
O lndio e as Plantas Alucinógenas
•
'
Do prefácio do Autor
9 788500 220982
I SBN 85 - 00 - 22098-8
,.
,
O lndio e as Plantas
Alucinógenas
Sangirardi Jr.
,
O Indio e as Plantas
Alucinógenas
Drogas narcdticas,
excitantes, visioJtárias~ ..
drogas das grandes viagens.
•
• •
'
Direitos cedidos para língua portuguesa por
Sangirardi Jr., 1989
Reverencio
o índio brasileiro, representado
pelos líderes das naçlJes
Pankaré (Ângelo Xavier),
Guajajára (Mateus
... e Moacir),
Kaingáng (Angelo Creta),
mortos recentemente por
ISBN 85-00-22098-8 defenderem as terras de sua
gente; os guerrdros astecas,
maias, qu(chuas, incas e de
outros povos martirizados
pela colonização; os grandes
chefes Touro Sentado, Nuvem
Vennelha, Cavalo Doido,
Gerônbno, Cauda Pintada e
tantos ouJros, que enterraram
o coração na curva do rio.
ln memoriant:
Noel Nutels,
meu amigo
e amigo do índio.
OtaçlJes Btblicas
Ap - Apocalipse Ecl - Ecclesiastes (lat.) Os - Oséias
2 Cr - Crônicas II Ex- ~xodo Rm- Romanos
Dn - Daniel Ez - Ezequiel lRs-Reisl
Dt - Deuteronômio Lc - Lucas SI - Salmos
Diversas
ai. - alemão fr. - francês SIN. - sinonímia
Bd. - Bandlen (ai.) gr. - grego sp/spp - espéciets
ed. - edição ing. - inglês (Botânica)
Ed. bil. - edição it. - italiano t. - tomo/s
bilíngüe lat. - latim v. - veja, volumeis
esp. - espanhol p. - página/s
PeriótHcos
Alner. Anthrop. - American Anthropologist
Para Cléa, Am. J. Phann. - American Journal of Pharmacy
Malu e Sílvia, Arch. Neurol. Psich. - Archives of Neurology and Psichiatry
meus amores. Arqs. lnst. Pesq. Agron. - Arquims do Instituto de Pesquisas Agronõmicas
Arqs. Jard. Bot. - Arquivo.s do Jardim Botânico
Boi. lnst. Quún. Agric. - Boletim do Instituto de Química Agrícola
Boi. Mus. Nac. - Boletim do Museu Nacional
Buli. Narc. - Bulletin on Narcotics
- Compt. Rend. - Comptes Rendus des Séances de l 'Académie de Sciences de
Paris
J. Atner. Che1n. Soe. - Joumà.l of the An1erican Chemical Society
J. ffósh. Acad. Sei. - Joumal of the Washington Academy of Sciences
J. Hered. - Journal of Heredity
J. Org. Chem. - Journal of Organíc Chentistry
J. Soe. Àlnér. Paris - Jo1unal de la Societé des An1éricanistes de Paris
Mé1n. Acad. Roy. Se. - Mén1oires de l'Académie Royale de Sciences
Rev. Bras. Fann. - Revista Brasileira de Farmácia
Rev. lnst. Etnol. Univ. Nac. Tucwnán - Revista dei Instituto de Etnologia de
la Universidad Nacional de Tucumán
Rev. lnst. Hist. Gcogr. Bras. - Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro
Smith. lnst. BAE Bull. - Bulletin of the American Bureau of the Smithonian
lnstitution
Agradecimentos
a Richard Evans Schultes e Richard Gordon Wasson. que amavelmente au-
torizaram a reprodução de ilustrações.
Sunzário
1
Algumas Reflexões Sobre Drogas .... ................................................................................... ll
2
Peyotl
O pequeno cacto das visões luminosas ........................................................................ .. 17
3
Ololiuhqui & Tlitlilben
As sementes divinatórias ...................................................................................................... 32
4
Mescal Beans & Colorines
• Sementes rubro-negras de ritos e danças ...................................................................... Y7
• •
5
- Cogumelos
Teonanácatl, a carne de deus .....,...............................................................................:······· 40,
6
Pipiltzintzintli
A sálvia dos adivinhos .......................................................................................................... 56
7
Solanáceas
As taças de Morreu .... ....... .......... ... ........................... ... ............................... ... ... .......... ........... 58
8
Fumo ou Tabaco
A erva lustral e exorcista ................................................................................ ..................... 68
10 Sangirardi. Jr.
Algumas Reflexoes
9
San Pedro
O tocheiro cabeludo da mescalina .................................... .... ... ....... .................... ... ....... .... 85
1 Sobre Drogas
•• Posset: espécie de gemada - mistura de- ovos, açúcar e vinho - que .se tomava antes de dormir.
"'• J have drugg'd their possets,
That death and nature do contend ohout them,
Wheter they Ül!t? or die. Shakespeare, Macbelh
act li, scene2
•• • Tádco:do grego t6xon, ro~ o1 • - arco,_dardo, flecha - pois os gu.erreiros e caçadores, desde
a mais remota antigüjdade, costumavam envenet)~r a pon~ de suas armas.
O ÍrµIio e as Plantas Alucinógenas 13
J2 Sangi.rardi, Jr.
enquanto desenvolvem a estratégia do para nós só restou a Bíblia"S. A maconha* é um bom exemplo des- vando uma experiência científica ou, no
"progresso". cujas ações táticas multi- sas variáveis. Toda planta masculina é nu- caso do índio, o cumprimento de um ri-
plicam os tóxicos. O objetivo final é des- la. Da planta feminina, só é psicativa a to sagrado.
truir o Brasil. 6 resina originária das sumidades floridas.
isto é, onde se desenvolvem os ovários, Meio
O complexo das drogas é determi- quando as flores já começam a murchar. Local, ambiente, companheiros. em
s nado pelo complexo cultural. Ora, a maconba existente no me-reado é, geral determinados pelos objetivos do
Entre os maometanos o álcool é abo- freqüentemente, à base de folhas e flo- consumo da droga - uso individual ou
No vale do rio Negro há 9 missões minável e a maconha (haxixe), tranqüi- res da planta masculina, ou mesmo de er- grupal, auto-experiência científica ou,
salesianas, onde vivem 18 mil indíge- lamente permitida. Entre nós a maconha vas diversas, de bosta seca de vaca ou de em se tratando do índio, prática xama-
nas. Entre as normas etnocidas impos- é execrada e o álcool amplamente insti- galinha etc. nística, rito, festa cerimonial etc.
tas pelo$ missionários, está a aboli~ão tucioBalizado. As folhas de coca, fora de seu ha- Tudo isso, aliado a cenário, encena-
dos alucinógenos, que eram consumi- P'ara o branco, a droga fragmenta a bitat, sã0 praticamente inertes; Já cogu- çã.o, perf\Jmes. dança, música, e outros
dos ritualmente em cerimónias tradicio- personalidade: é um vício e um proces- melos cultivados em laboratório por fatotes capazes de condicionar reflexos,
nais. A denúncia é de Álvaro Sampaio, so de fuga. Para o índio, a droga provo- Heim e Cailleux, en1 Paris, tornaran1-se tudo isso ten1 poderosa influência na pr<r
dos Tucanos. no Tribunal Bertrand R.Us- ca uma comunhão com a divindade e a de efeito mais potente que as espécies es- dução de sonhos e visões, potenciando
sel, reunido em Roterdã, novembro de volta às mais profundas raízes ancesttais: pontaneas, trazidas do México para o cul~ a ação da droga. Principalmente quan-
1980. é um processo de integração. tivo (v. p. 53). do tais fatores estão dentro de unia tra-
Abolir os alucinógenos é destruir A rapidez e amplitude da difusão.das Outra grande diferença é'ª existente dição já estratificada. É o que Furst des-
a religião, pois impossibilita as práticas drogas entre os brancos teve como ca11Sa entre um princípio ativo sin1ples, obti- tacou como "a inter-relação entre os etei-
xamanísticas e impede que o índio se principal a ambição do lucro, que o ín- do em laboratório, e a interação das cli- tos farmacológicos (da droga), o con-
comunique diretamente com a divinda- dio desconhece. Em todas as nações in- v~rsas substâncias quúnicas da planta texto cultural e as expectativas cultural-
de. Destruir a religião é aniquilar um dígenas. as drogas são sagradas, oriun- viva. mente condicionadas do indivíduo e da
complexo cultural de importância bási- das dos vegetais bierobotânicos. E o seu comunidade•'. 2
ca, inclusive como fator de união tri- consumo é sempre cerimonial, em ritos Paciente
bal e inte,rtribal. E o aniquilamento des- determinados por tradição milenar. Ob- Há variações de pessoa para pessoa,
se complexo vem ajudar o domínio do serva Koch-Grünberg: "Em geral, so- segundo suas condições físicas e psico- 8
silvícola pelo homem branco. mente aproveitam qualquer ocasião e lógicas, e de acordo com o contexto cul-
Bernard Shaw, no prefácio de Ma- qualquer tempo para tomar narcótices os tural en1 que se insere. os n1otivos que O médico feiticeiro indígena revelou
jor Barbara, salienta que a raça branca, índios que foram desmorali.Zados, par a levaram a constuuir a .dtoga etc. ao hon1em branco in1portalltes descober-
por meio da artimanha dos clérigos, im- nossa civiliz.ação.' '4 Um esquizofrênico que cheira oocal· tas no reino ~getaJ, como as drogas a1u-
põe seu domínio aos p<M>S cbamados_pp- na (é comum que os viciados en1 cocaTua cinógenas, que an1pliaram e aprofunda-
mitivos, ''transformando em virtude e sejam esquizofrênicos) tem reações nnlito ran1 o can1po das pesquisas em psicolo-
em religião popular o trabalho peno- 7 diferentes das de alguén1 con1 perfeita gia e psiquiatria. ·
so e a submissão neste mundo, não só saúde física e mental. Un1 grupo de pes.. O pajé, xanlã ou 1nedicine 1nan tem
como forma de alcançar a santidade Um trinômio que será armado várias soas que conson1e detemllnac:la droga an- a autoridade de quem conhece o efeito
como de obter uma recompensa no vezes ao longo deste livro: droga + pa- tes de ouvir Mozart difere radicalmente das plantas. E conhece porque também
Céu"9. ciente + meio. Seus termos se interpe- de outro grupo que fàz o mesmo antes consumiu e consome as drogas que mi-
Sabe-se que algumas missoos ca- netram e completam. de assaltar um banco. Uma coisa é con- nistra. O mesmo tipo de conhecimento
tólicas e suspeitas missões protestantes sumir uma droga por vício, prazer ou fui adquirido, modernamente, por notá-
norte-americanas espoliaram extensas emoção e outra, muito diferente, objeti- veis cientistas, que fizeram auto-expe-
áreas de terras indígenas. É aquela cris- Droga
tianiz.ação que um zulu, dirigindo-se a Sujeita às variáveis de espécie e pro-
um colonizador branco, resumiu numa cedência da planta, partes usadas, so- • A maconha, ~s saliva L., é desconhecida em rodas as nações indígenas. Quando 6 registra-
lo, clima, época de colheita, maneira da sua .~rescnça numa tnbo qualquer - fàto raríssimo - ela foi introduzida pelo branco ou polo ne8f9.
frase inteligente e preci8a: ''Antes nós A ~quente monçio da maconha, nessas reflexfies inici~s, dcw--so simplesmente ao &to de ter ela sido
posswamo,s a terra e vocês tinham a .Bí- de fazer, aditivos utilizados no seu pre~ eleita, em nosso país, a grande vedote no show da repressão às drogas.
blia. Agora vocês possuem a terra e paro etc.
16 Sangiratdi. Jr.
.Peyo~l
riência com a droga que estavam pesqui-
sando. Destacam-se Wass0n, Hofmaim,
Heim, Schultes e outros, cujos trabalhos
serão detalhadamente descritos neste
desse a distinguir as espécies e quais
as partes dos vegetais com poderes psi-
cotrópicos, muitos morreram. A hiero-
botânica também tem os seus márti-
2 (Peiote).
livro. res.
A pesquisa com plantaS psicotrópi- Cada planta mágica abriga um espí-
cas é restrita. Difícil. E até mesmo he- rito, cuja força o índio absorve, ingerin- O Pequeno Cacto das Visões Lwninosas
róica. Porque esbarra no medo e na aver- do o vegetal ou uma de suas partes. Essa
são pela c,troga. Um preconceito cientí- for~a propicia o sono divinatório, as ima- Lophophora Williamsii (Le m .) Co ult. areoladas, em mamilos com p ê los
fico que domina também os organismos gens psicodélicas, o mistério das visões, (Echinocactus W illiamsii L e m . , brqn cos e sedosos1 como num pincel.
oficiais. E atinge até mesmo as cátedras a presença dos mortos, as revelações dos E . L ewinii Sch ., Lophophora L ewi- N os exemplares jovens, as aréolas,
universitárias. Veja-se o exemplo de J. espíritos, enfim, o contato com o sobre- n ii Rusby., Anhalon ium William sii muito próximas umas das outras, fo r-
Alves Garcia, Professor Titular de Psi- natural. Essa força é o mana dos políné- Eng.) rruvn no centro zonliilicado um tufo de
quiatria na Escola de Medicina e Cirur- sios e dos antropólogos. É também o pêlos macios, de onde etnergem as
Família das Cactá ceas. Planta p eque- flores miúdas, r6seas e, às vezes,
,gia da Guanabara. Esse cavalheiro escre- pneuma, 1r vE iJµa , do Velho T~tamen na: 15-20 crn, incluindo a ra iz aríi-
veu um livro, em ·que descofiriu que o ab- to - sopro, vida, espírito santo. bran cas o u amareladas. Da m esma
culada, que te1n a fo rma duma cenou- f onna nase~ os frutos, r6seos ou
sinto é "mistura de vinho e haxixe". E, ~ara o índio, um princípio inte-
ra g rande. A parte sup erior, g lo bo- ci:innesins e um pouco maiores que
logo adiante, cometeu estas frases. notá- ligente habita o reino vegetal. Está pre- sa, é mais clorofilada e divid ida em
veis pela ignorância e pelo ridículo: ' 'Al- sente em cada espécie. Essa crença .está as flo res . A parte terminal do peyo tl
g omo s por s ulcos longitµdina is. Os nem s etnpre é wna 'única esfer-p a cha-
dous Hwdey (1894-1963) publicou en- h:oje cientificamente comprovada, con- gomos , por sua vez, têm sulcos trans-
saios autobiográficos sobre o uso da mes- furme demonstra. ampla e detalhadamen- tada, havendo exemplares bi , tri e a té
versais 1nais rasos, fo n nando áreas hexacéfalos.
calina. Viciou-se à droga e, não poden- te, um livro fascinante intitulado A Vida
do obtê-la nos EUA voltou à Inglaterra, Secr(!ta .das Plantasll.
e ali definhou somática e mentalmente. Toda planta psicotrópica é sagrada.
Morreu de câncer pulmonar, e acredita- E toda planta sagrada só é consumida ri-
se que este foi abreviado pela droga. Fez tualmente. O índio não se limita a mur-
moda, inclusive em nosso meio. Huxley murar ·algumas rezas apressadas ou a
foi escritor medíocre, sem estilo e sem cantar em coro alguns hinos religio~.
grandeza artística. Foi, apenas, um ex- Ele obedece a rígidos preceitos. Subme-
p1orador do exótico".3 te-se a severos jejuns· e mortificações.
Chega mesmo a arriscar a própria vida,
ingerindo tóxicos violentos, para entrar
9 em comunhão com os seus deuses, atra-
vés do êxtaSe místico·ou do sonho reve-
O homem quer erguer-se da lama da lador.
terra. E alcançar as estrelas. E entrar em Conta Huston Smith que, certa vez,
contato com os seus deuses. Recorre en- perguntaram a Walter T. Stacy, uma au-
tão às ervas do ·sonho. toridade nos aspectos filosóficos do mis-
A posse de plantas mágicas vem de ticismo, se a experiência das drogas é se-
muitos séculos, através de gerações. É le- melhante à experiência mística. ''Não se
gado de pioneitos que desbravaram o trata de ser semelha11te à experiência nús--
desconhecido. Os que ingeriram pela pri- tica: é a experiência mística'' - respon-
meira vez cascas de árvores, folhas, flo- deu Stacy 10.
res, frutas, sementes, raízes - puros, tri- A droga é a chave que abre as por-
turados, em infusões. Para que se apren- tas da divindade.
Jt
(Ç .V- J..o
au--f..(l
18 Sangirardi. Jr. O Írulio e as Plantas Alucindgenas 19
de Louis Lewin• e Arthur Heffer. Eles relas - tinham as cores mais nítidas e
descobriram que a mescalina é o princi- refulgentes, como se irradiassem luz pró-
pal psicoativo do peyotl6. pria. O mesmo acontecia cem as lomba-
La Barre menciona 9 alcalóides, iso- das dos .livros nas estantes, com uma ri-
lados do peyotl: anhalamina, anhalidi- queza de matizes até então insuspeitada.
na, anhalina, anhalonidina. anhalonina, Eu olhava, extasiado. As jibóias na ter-
Fruto e flor do peyotl, emergindo de um tufo anholinina, lofuforina, mescalina e pe- rina com água, o xaxim com epffitas, os
de p2los brancos e sedosos. lotina8. O principal, que prO\IOCa os efei- quadros nas paredes, tudo parecia trans-
tos psicodélicos. é a mescalina. figurado pela "visão sacramental da
realidade''. 7
Viagem ao País dos
Tesouros Radiosos ... le 1nonde ~érieur s 'offre à luí
A avec un re.lief puissant, une netteté
L 'âJne toute en feu, les yeux de contours, une rlchesse de
B [étincelants. couleurs admirables.
Comeille (lhéodore, IV, 4) Baudelaire!
e Neste capítulo relato apenas o resul- Saí de casa. A rua era a mesma, en-
tado de uma auto-experiência, aliás de solarada, o céu muito azul e, além, a fu-
amador. Pdra os que desejarem estudos maça dos incineradores dos edifícios.
con1pletos sobre os efeit0$ da droga. ver Mas tudo parecia banhado de um esplen-
A raiz do peyotl. com afonna de Referências Bibliográficas, no final do dor inédito e era ao mesmo tempo como
uma cenoura. verbete. Recomendo o trabalho de Rou- que a projeção de minha própria eufo-
A - Parte superior. cloro.filada, hier. 15 ria. De repente, para usar uma lingua-
que é conswnida como alucinó- Durante dois meses impus-me severa gem cinematográfica, começaram as
geno; disciplina: alimentação racional, absti- aproximações (z0<m in) e os afastamen-
nência de álcool, exercícios físicos diá- tos (zoorn out): uma lente 1.oomar ope-
B -parte intennediária, enruga- rios. Boêmio notório, eu me comporta- rada com rapidez, à minha revelia.
da e suberosa; va agora como atleta às vésperas de com- Z.Oom in e eis na calçada a mancha
petição. E isso simplesmente porque ti- de sol que atravessou os ramos dum oi-
e- a raiz propriaJnente dita. nha medo. Huxley já advertira que, para ti. Quantas vezes passei por aqui sem re-
evitar o inferno ou o purgatório, o expe- parar que as manchas de sol possuíam
rimentador deve vir para a droga com o tanta e tão deslumbrante beleza! Havia
fígado são e a mente sem problemas. 7 uma intensa vibração na luz e nos cam-
Finalmente, num dia em que me sen- biantes das sombras, sobre a exuberante
tia excepcionalmente calmo, feliz e bem- plasticidade da calçada.
lo arenoso, como se o peyotl procurasse disposto. tomei às 16,30 o expresso para z.oom out e aí está a rua de novo.
No Chão Arenoso, Quase Oculto.•. se ocultar aos olhos do homem, zeloso a grande viagem ao paraíso: cinco rode- Continuo caminhando.
Há mais de mil espécies de cactá- do seu poder revelador e de suas glórias las de 1nescal buttons trazidos do Méxi- Z.Oom in para a fulha duma planta.
ceas, distribuídas pelas regiões quentes e milenares. co. Men~ de meia hora depois notei que no canteiro diante de um edifício de apar-
secas do globo. Mas o pequeno cacto das as coisas mais próximas ganhavam nova tanientos. Eu já tinha olhado dezenas de
visões luminosas - o Peyotl - só existe Principal Alcalóide: Mescalina vida. As esferográficas nos porta-cane"'8 vezes aquelas folhas, mas só agora via,
em algumas áreas da fàixa centro-norte - azuis, verdes. vermelhas, pretas, ama- conhecia. O primeiro plano absoluto (big
do México. Cresce ao sol asteca, em ter- Segundo Hofmann, o peyotl foi a
renos rochosos e agrestes. onde não é fá- prin1eira droga mágica do México a ser • Em homenagom ao ncdvel toxicologista alemão, o primeiro a ideniificar o peyotl e descrever seus
analisada. O pioneirisn10 dos estudos efeitos, a planta ji teve o nome ospecífico de Lewi!Ui (v. p.17) .
cil ser notado: a sumidade da planta apa-
rece muito pouco à superfície do so- científicos das substâncias psicodélicas é
20 Sangirardi J r. O Índio e as Plantas Alucin6genas 21
close-up) exarcebava os riquíssimos de- um colorido luminoso e wna soberba ri- minado, tendo no alto llllla flâmula ro- tin1os mescal buttons as visões foram se
talhes das cores vivas e huninosas (verde- queza de matizes. As árvores eram as do xa, que tremulava e se perdia no espaço tornando mais espaçadas e menos níti-
garra fu, verde-gaio, púrpura, amarelo- Paraíso. no primeiro dia da criação. A scn1 fin1. Ruíúas com colunas de mármcr das, após o que voltei ao que chamamos
ouro, as manchas rosadas, as nervuras gran1a chegou a revelar, nos seus prodi- re claro. nas quais se enroscavam trepa- de estado normal. Não senti ressaca.
carmesins, tantas cores!) e a variedade de giosos matizes, surpreendentes motivos deiras de flores negras, con10 de veludo. Apenas um pouco de preguiça e sono.
tons, a superffcie de veludo, até mesmo de art nouveatL Uma praia com as ondas de esmeralda Nada parecido com o que Baudelaire de-
·a seiva, fonte da vida vegetal, que fazia líquida e, pelas areias de açúcar-cande, nontinou / 'Q1noindrissement de la volon-
a folha arfar docemente. Recevez,· s 'il vous platt, quelques conchas e caramujos de n1adrepérola. té. 1 O apetite, que havia desaparecido,
Z.001n out e na esquina o sinal abriu, {rares joiaux. Aquela n1oréia que eu vira em Recife - voltou, leonino.
mas há um pequeno engarrafamento e os Mairet (Solyrnan, V-4). Linda! - serpeando numa poça de água A experiência mescalfnica é fasci-
carros buzinam insistentemente. do n1ar, sobre os arrecifes da praia de nante e inesquecível. Três anos depois eu
ZoOln in para uma flor também in- Cheguei em casa à noitinha. Cansa- Boa Viagem. Depois a n1oréia rastejou me len1brava de n1do, revia n1do, como
tensa e maravilhosamente reveladora em ço. Preguiça. Comi mais três rodelas de e entrou nllllljardin1 multicolorido, com se tivesse acontecido ontem. Apesar dis-
seu ineditismo. Na corola pousou uma peyotl. Joguei-me na can1a, para um re- pcdrarias incandescentes, flores lumino- so, jamais senti um impulso irresistível
abelha de ouro, faiscando ao sol. lax. A acuidade visual tinha diminuído sas, frutos de árvore de Natal irradiando para a droga. Gostaria de repetir tudo de
Fui para a praia onde os fenômenos um pouco. Apaguei a luz. Logo após fe- un1a luz sobrenatural. novo, é certo. l::;so apenas porque cons-
se repetiram, zoo1n in, zoom out. char os olhos, começaram a aparecer os tatara que a embriaguez peiótica é ma-
As ondas, rebentando na areia, ti- fosfenos. De início figuras abstratas - Mescalin opens up the way of Mary, ravilhosa e reveladora, mas essa consta-
nham plástica e lunlinosidade. No mo- círculos, losangos, poliedros. bolas. Ris- but shuts the door on that tação nunca me levou a um desejo impe-
n1cnto exato em que a onda rebentava, cos. Nuvens. Fogos de artifício. Un1a of Martlta. rioso de repetir a experiência.
aparecia no dorso uni belíssimo ton1 de cascata de ouro. Novas forn1as. Voltou a Aldous HuxJey7
verde. Len1brei que, certa vez, na sala de cascata de ouro. A vontade não influía O Fogo, o Ouro
jantar de sua fazenda, no interior de São na ocorrência dos fenôn1cnos. Jamais Os comandos peióticos arrombam e as Pedrarias Bíblicas
Paulo, a pintora Tarsila do An1aral me houve qualquer n1anifestação intencional, ''as portas da percepção' '"'. E o experi-
disse que o veludo das cadeiras, que ha- provocada. As figuras iam e vinham em mentador inicia a grande viagem entre os Aussitôt malgré~ 1noi tout mon feu
via desbotado, únha, quando novo, o todas as direções e em vertiginosa suces- astros, nllllo ao paraíso de todos os êx- [se rallwne.
n1esn10 verde que aparece no cimo das são. Tinham movimentos de rotação e tases. O wiiverso já não é estrangeiro, Boileau
ondas de Copacabana, na arrebentação. translação. O que maravilbava mais, des- não está do lado de fora. O indivíduo é
Apanhei um punhado de areia e fui de as prin1eiras imagens, era a riqueza o mw1do. e o mundo o indivíduo. Unos. Desde tcn1pos in1en1oriais o fogo é
deixando cair, lentamente, sobre o ban- de cores e a luminosidade. Con1parei a A atenção só existe para o deslun1bra- sagrado e seu culto seguiu de perto o cul-
co da calçada da praia. A capacidade vi- tm11nobile de Calder que tivesse os seus n1ento de tudo o que, sem a mescalina, to do Sol. Símbolo de pureza, o fogo en-
sual de análise era impressionante. Os elen1entos dotados de luz própria. Depois jan1ais se poderia ver e sentir. Daí o na- canlinbava aos deuses os sacrifícios, in-
grãos de areia faiscavam como diaman- os desenhos se combinavani. Pareciam tural desinteresse pelo dia-a-dia, pelas clusive os dos hebreus, oferecidos a
tes. Mas cada um deles tinha sua forma uma tela de Vasarely, pintada con1 fogo, obrigações de rotina, pelos símbolos e Jeová.
própria, individual, absolutamente iné- sol, luar, estrelas. Tudo rápido, cada for- idéias pré-moldadas. Ouro, prata, pedrarias surgiam jtm-
dita. Um curioso retardou o passo. sem ma dando lugar ao nascimento de outra, As visões não ocorrem na ordem do tan1ente com o fogo nas visões bíblicas.
entender por que algu~m olhava tão aten- con10 nas fusões cinen1atográficas. Iam relato da minha experiência. Com exce- Huxley salienteu que Ezequiel, no Paraí-
tan1ente para um banco de praia - os e vinham. Surgiam e passavan1. Subian1 ção das formas abstratas, que antecede- so, vagava no meio de ''pedras de fo-
grãos de areia rutilando sobre as mil e descian1. Arabescos. Caleidoscópio. ran1 todas as outras, as visões são nüstu- go. "7 Mas há muito mais en1 Ezequiel,
nuanças de cinza do cimento arn1ado, a Grande variedade de cores, porén1janiais radas, alternando-se sem ordenação. o grande visionário. Numa de suas vi-
superfície porosa, extren1an1cnte plásti- anárquicas. Era como se houvesse um Ocorre, ainda, a mesn1a perda de noção sões, surgem no n1eio do fogo querubins,
ca, transbordando daquilo que os pinto- senso plástico na composição das formas de ten1po que notei con1 os cogumelos. fulgores, brasas, relâmpagos, pedras pre-
res denonlinam 1natéria. e dos n1atizes de cada cor. Depois as vi- Cerca de nove horas depois dos úl- ciosas (Ez 1:4-27). Tudo n1uito parecido
Fui para a pequena praça mais pró- sões tornaran1-se mais belas e comple-
xima, onde continuou a n1ágica sucessão tas. Eram, porém, destituídas de "lógi- • Imagem de William Blake, da qual Huxley tirou o 1í1ulo de seu ensaio sobre a mescalina, usando-a
de primeiros planos, irradiando encan- ca", figuras e cenas funtásticas ou poéti- tambSm como epígrafe da obra : lf Jhe doors of perceprion were cleansed, everyrhing will appear lo man
tan1ento, poesia, vida. Cada planta tinha cas. Un1 arranha-céu de vidro, todo ilu- as il is, i11.fi11ile. 7
22 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alu.cindgenas 23
;
con1 as visões da sagrada embriaguez Essa constante presença do ouro é Nomes Dados Pelos Indios huichols e os tarahumares colhem o pe-
mescalinica. menos pelo valor e pela beleza da cor, Peyote, peiote, pellote são formas yotl, com todo o cuidado para não feri-
Os anjos e o próprio Jeová apare- do que pelo fàto de ser metal refulgente. hispani:zadas do nome vulgar do cacto sa- lo, o que provocaria a ira do deus. Mas
ciam aos eleitos entre labaredas de fogo O ouro, "le soleil des métaux", evoca a grado dos antigos astecas. Os autores in- os que apanham o peyotl para os índios
(Ex 3:2. Dt 4:33, 36; Dn 7:9; Ez 1:4-Z7 luminosidade que esplende nos êxtases e gleses e norte-americanos escrevem pe- norte-americanos apenas seccionam a
e 8:1, 3). Elias subiu ao céu num carro nas visões. yote. Em náuatle (náhuatl) é peyotl. As- parte superior, cujas fàtias, secas ao sol
de fogo. puxado por cavalos de fogo (2 sim grafaram os primeiros cronistas co- ou em fumeiro, serão os mescal buttons.
Les joyaux sont les plus beaux, plus loniais. E assim permanece até hoje en- Assim o cacto se reproduz, pela germi-
Rs, 2:11). Ao aparecer a João na ilha de
riches, plus précieux; les bijoux tre os índios mexicanos. nação da raiz que ficou na terra.15
Patmos, Jesus tinha os olhos de fogo (Ap
sont plus jolis, plus agréables, Os buichols dão ao peyotl o nome de É comum, entre várias tribos mexi-
1:14 e 2:18). Lê-se num salmo de David {plus curieux.
que a voz de Jeová desprendia lmguas de hicur(; os coras, seus vizinhos, de hua- canas, que o peyotl seja meticulosamen-
G. Girard tari. Entre os tarahumares também é hi- te esmagado numa espécie de pórfiro
fogo, visão sinestésica que pode ooorrer
sob a ação do peyotl (Sl 29:7). Nas crenças populares dos nórdicos, curl, mas seguido de um aposto, huana- chamado metate, com uma pequena pe..
as pedraS preciosas transparentes tinham, mê, que significa superior, mais alto, por dra servindo de pilão (v. p. 34, 46). O
Que de l 'or le plus pur son autel como a luz e o fogo, a propriedade de certo em decorrência do caráter religio- suco obtido da trituração do cacto no me-
{soit paré. expulsar os espíritos maléficos. so da planta. tate - "espesso, mucilaginoso, ligeira-
Racine (Esther, Ill-9) Todos os paraísos, con1enta H uxley, É o seili dos kiowas, o wokowi dos mente amargo e de cor cinzentaº - é de-
têm abundância de pedras preciosas ou, comanches, e o ho dos apaches mesca- pois dissolvido na água ou no tesguino,
Nos relatos visionários da Bíblia é pelo menos, de objetos que se asseme- leros. No sul dos Estados Unidos, às bebida forte, feita com milho germinado
constante a presença de pedrarias e me- lham às pedras preciosas, como os que margens do rio Grande, o peyotl é ven- e fermentado.
tais preciosos, notadamente o ouro. sím- Weir Witchell denominou ''frutos trans- dido em fàúas secas, sob a denominação
bolo de riqueza e poder, ambição e so- parentes' '. 7 de dry whisky (uísque seco) e mescal but- Complexo Cultural Terapêutico
nho do homem. Como nas cerimónias rituais do pe- tons (botões de mescal), pois as peque- Para os índios do México e dos Es-
O trono de marfim de Salonião era yotl, os profetas eram arrebatados até a nas fatias redondas do cacto seco são fu- tados Unidos o pe)\)tl não ~ apenas o cac-
revestido de ouro. E Salomão mandou presença de Deus ou de Jesus em meio radas, lembrando botões, e expostaS, para to mágico-religioso. Serve também para
que se fizessem 600 paveses e 300 escu- a visões de luzes e pedrarias. Mas o gran- venda, enfiadas em barbantes. Essas os males do corpo. verdadeira panacéia,
dos de ouro batido (2 Cr 9:17 e 9:15,16). de êxtase é o Apocalipse. Levado pelo es~ mesmas fàtias, consumidas em diversas apontam-se efeitos surpreendentes na tu-
De ouro fundido eram as estátuas pírito para o alto dun1 monte, João avis- regiões mexicanas, têm o nome de mes- berculose, em hemorragias, infecções
dos deuses pagãos. A que foi fundida por ta a cidade sanu de Jerusalém, fulgindo cal. consuntivas e inúmeras outras doenças.
Aarão (Ex 32:1-35). As de Baal, expro- como pedra preciosíssin1a, como pedra Essa ligação do peiote com o mes- Externamente, em fricções contra o reu-
badas por Oséias (Os 2:8, 8:4 e 13:2). de jaspe cristalino (Ap 21:10, 11). Na No- cal vem de um erro, agravado pelo no- matismo, em tópico contra dores. quei-
As que Nabucodonosor mandou erguer va Jerusalém os muros eram de jaspe e me dado ao principal alcalóide da planta maduras. picadas venenosas de insetos e
na Babilônia, com 60 côvados de altura a cidade era de ouro, semelhante a vidro - mescalina. Wasson explica, com a cla- até de serpentes. Entre os naiares, inge-
por 6 de largura"' (Dn 3:1). Mas o ouro límpido. Os doze fundan1entos dos mu- reza habitual: "Mescal" vem do espa- rido de 4 em 4 horas, ''permite passar
não era exclusivo dos ídolos do paganis- ros da cidade eram adornados com pe- nhol do México ma.cal, derivado por sua oito dias sem dormir, dia e noite.'' 15 E
mo e foi o próprio Jeová quem ensinou dras preciosas. As doze portas eram do- vez do náuatle mexcali, nome do agave Sahagun, falando dos chichimecas, dis-
Beseleel e Ooliab a trabalharem com ou- ze pérolas, cada porta feita duma só pé- 1naguey ou planta-dos-cem-anos (century se que o peyotl "sustenta-os e dá-lhes co-
ro, prata e cobre (Ex 35:30-33). No san- rola. A praça da cidade era de ouro pu- plant), com o qual é feito um pulque que. ragem para o combate, livrando-os do
tuário construído por Moisés predomi- ro, como vidro transparente. E o rio da destilado, produz o mescal. Mez.cal na- medo, da sede e da fome..."16
nava o ouro puro (Ex 36-40). No templo água da vida, que foi mostrado a João na da tem a ver com ''mescal buttons '· ou
de Salomão, em toda sua glória, o ouro "mescalina". (v. p. 34, !T). A Peregrinação em Busca do Peyotl
cidade radiosa. resplandecia como cris-
resplandecia por toda a parte, inclusive tal (Ap 21:18-21 e 22:1). 1. Huichols
nas dobradiças das portas (1 Rs 6:28,35 Nova Jerusalém era uma cidade Colheita e Modos de Usar Entre os huichols, a grande marcha
e 7:48-50). peiótica. O peyotl cresce lentamente, levando à tem do peyolt é uma longa e árdua jor-
muitos anos para atingir tamanho apre- nada de jejum e penitência, fé e misti-
ciável. Arrancado inteiro, jamais se re- cismo. Lá chegando, os hicurieros, sen-
• 39,60m X 3.96m. O côvado tinha 66.:m. produz. Apesar disso, é assim que os tados em silêncio, comem com avidez fà-
24 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alu.cinógena.f 25
Grupo de hicurieros dos huichols, prontos para a penosa expediçdo em bt4.sca do peyotl
ou hicuri. O peque11i110 cacto taronatt'irgico não é apenas a ligação entre o honiem e os deu-
ses: é também afo11te da vida. Sem o hicuri seria imposs(vel capturar o gamo e não choveria
e o milho deixaria de crescer. Por isso todos os sacriffcios da longa peregri11ação serão am-
plarne11te recompensados. (Foto: Lbumoltz, apud Roultier.15)
Emfil.a indiana, os peregrinos huichols realizam a árdua marcha até a Terra dos Peyotl,
tias dos priineiros peyotls frescos que co- Frazer e Lewin dão à jornada a duração a oeste de Nayarit. Uma camiTlhada dê cerca de 800 quilômetros, ida e volta, em busca do
lheram. Então, em cima de um dos pla- de 43 dias.4,12 Hoje a tradição foi rom- cacto da vida, pois, consuntido ritualniente, o peyotl ou hicuri proporciona saúde, fartura
tôs sagrados, avistam o deus Peyotl, con- pida (v. p. 30). e p roteção dos deuses. (Foto: Peter T. Furst.5)
substanciado no Cervo sobrenatural. Para A pós a penosa marcha em terreno
chegar a esse momento culminante de árido, pedregoso e cheio ele espinhos, os
beatitude, os huichols tiveram de can1i- peregrinos chegam ''enfraquecidos, Uvi- voltan1 às suas atividades normais de al- cio absoluto, para melhor ouvirem o can-
nhar de 350 a 400 quilômetros, da Sier- dos e descarnados ... mas extraordinaria- ma nova, pois, agora, podem confiar na to mavioso do hicuri. Os cactos são guar-
ra Madre ocidental, onde não cresce o mente satisfeitos por haverem cumprido proteção dos deuses. dados em sacolas e ''continuam a cantar
peyotl, até o oeste de Nayarit E outro sua missão e seu dever para com os deu- de tal maneira que, para dormir, nenhum
tanto deverá ser vencido, na longa via- ses." 13 II. Tarahumare peregrino poderia usar um desses peque-
gem de volta. Ao todo trinta dias de mar- As cerimônias religiosas têm a du- A peregrinação dos tarahumares em ninos fardos como travesseiro".15
cha a pé (mais ou menos 25km por dia) ração de cerca de quatro meses, com- busca do peyotl é muito menos longa e Por fim, tocando seus instrumentos
e mais três dias de permanência no local preendendo, após a peregrinação para a penosa que a dos huichols. Dura dez dias de música, toda a tribo vai ao encontro
sagrado da colheita. A caminhada já foi colheita dos cactos, as grandes festas ri- no máximo. Na viagem, os peregrinos dos peregrinos. Celebra-se então a Dan-
de 40 dias. quando a colheita era feita tuais, em que os índios bebem o peyotl alin1entam-sc normalmente. E só chega- ça do Hicuri, que dura a noite toda. Os
mais longe, em local que deixou de ser macerado en1 tesg1úno. A festa, com re- dos ao local da colheita é que passam a cactos colhidos são reunidos junto de
procurado pelos huichols, ou para abre- zas e cânticos junto das fogueiras, termi- consumir alin1entos sagrados, geralmente unia cruz helfaca. Ali depositan1 suas ofe-
viar a duração da marcha ou porque os na na cerin1ônia de Assar o Milho, fim pinole, farinha de milho torrada. rendas votivas. E dão de comer e beber
peyotls se tomaran1 raros na região.15 de todas as abstinências. E o_s huichols Os colhedores trabalham en1 silên- ao Peyotl, o que tem analogia com as co-
26 Sangirardi. Jr. O Índio e as Plantas Alucindgenas 27
dos Caras Pálidas. Mas em todos os en-
midas e bebidas de santo nas religiões celebra-se ao redor de uma fogueira de Da "Ghost Dance'' ao trechoques culturais há mna luta dialéti-
afro-brasileiras. troncos e é entremeada com goles de pe- " Peyote Way" ca entre o velho e o novo. O velho era
Na Grande Festa, a Dança do Fogo yotl e de tesguino.15 o messianismo irredentista da Ghost
Vidi sub sole in loco judicii Dance; o novo, o Peiotismo, religião aco-
impietatem, et in loco justitiae modatfcia, que passou a ser pregada por
iniquitatetn. vários profetas. Pois os índios, massacra-
Ec 3:16 dos nas refregas, acabaram concluindo
''Penas ~uis! '' - ca11tan1 os hui.chol.s, num dos ritos da grande festa do Peyotl. O canto que os deuses dos brancos eram mais po-
el-Oca um mito, ent que os deuses saíram à caça dos ganws, mas escapavam todos, até o 1n(r Exaltada nas figuras dos heróis de derosos. E decidiram aceitar esses deu-
mellto em que surgiu um deks gllamecido de penas ~uis. O gamo é o t11umal que simboliza filmes, histórias em quadrinhos, roman- ses, impostos por uma cultura mais forte.
a fertilidade e o seu sangue é asperso sobre os grilos de milho, a111es de serem semeados.
(Música: Lhumoltz, apud Rouhier.)15
ces de aventuras, a luta do branco contra
o fudio representa de fato mancha ver-
gonhosa na história dos Estados Unidos.
A Planta Revelada Pelos Deuses A heroína civilizadora tem um ir- Os peles-vennelhas eram os donos
México: O Cervo Divinirtulo das pradarias. Viviam em tendas de pele
mão ou parente próximo que se encon-
A teogonia dos aborígines mexica- (tipis) e a base de sua alimentação era a
tra em sério perigo, extraviado numa ex-
nos consta de forças da natureza divini- carne de búfalo. Em sua força, ímpeto
pedição de caça ou de guerra. No afã e majestade o búfalo simboliz.ava o Sol,
z.adas. Uma religião panteísta, com o cUl- de salvar a pessoa querida, ela também
to do Sol e do Fogo. o deus supremo. Um dia chegaram os
se perde. Até que, vencida pelo cansa- sclvagens brancos. E dizimaram as ma-
Os mitos mexicanos estão centrali- ço, pela fome e pela sede, sente que che-
zados no Cervo, animal sagrado, que se nadas de búfalos. E desencadearam a fú-
gou a hora da morte. Cai de bruços so- ria do genocídio (1865-1870).
identifica com o Peyotl. O cacto prodi-
gioso nasce dos chifres do cervídeo, o ca- bre a terra, às vezes tendo a pooição do Apesar de inferior em annas - o ar-
riacu dos índios. E um dos seus ances- corpo em relação mística com o Orien- co e a flecha contra o rifle e o canhão
trais é Nosso-Bisavô ou 0Bisavô-cauda- te e o Ocidente*. É então que os espí- - o índio não se submeteu. Lutou sem-
de-gan10. ritos lhe revelam que está bem perto pre. E foi para limitar e neutraliz.ar a
dela, mal aflorando à superfície da ter- guerrilha indígena que as tribos foram
ra árida, o cacto taumatúrgico. A heroí- confinadas nos guetos chamados Reser-
Estados Unidos: A Mulher-Peyote na encontra, colhe e come o peyotl, com vas (1ndian Territories) (1870-1875).
Nos mitos de revelação do& índios o que recupera as forças e se salva, sal- Em seguida os índios foram espolia-
norte-americanos só excepcionalmente o dos ainda mais, através do Ato de Lotea-
vando tan1bém aquele que desejava so-
peyotl é entregue pelos deuses a um he- mento de 1887 (Allotment Act), o qual,
correr. E recebe o conhecimento da no- sob pretexto de "civilizar" e "cristiani-
rói civilizador. Quem recebe a planta sal- va religião, com seus ritos, suas no~
vadora é sen1pre uma heroína: a Mulher- z.ar' ', visava apenas à cessão de terras aos
e magias. E vai ensinar aos seus irmãos brancos, "provocando a fragmentação
Peyote. de tribo "o caminho do Peyote". territorial das Reservas e destruindo po-
derosas forças de unidade tribal".10
to maiores do que nos Estados Unidos. savam o novo culto índio foram unifica- era nocivo, não era tóxico. não provoca- Slotkin, citado por Huxley, tem longa ex-
Em primeiro lugar, porque o culto ao pe- das na Native Àlnerican Church. Num va dependência e que as campanhas ser periência pessoal do consumo ritual do
yotl tinha raízes milenares entre os des- documento que a instituía lêem-se estas bre as orgias dos indígenas durante o con- peyotl, pois é membro da Alnerican Na-
cendentes dos astecas e dos maias. Em normas principais: " ... o objetivo da sumo coletivo da droga tinham tanto va- tive Oiurch. Após demonstrar que o uso
segundo. porque os aborfgines mexica- igreja peioústa é cultivar e promover. en- lor quanto as desencadeadas na velha Ro- ritual de peyotl é inteiramente inofensi-
nos estavam protegidos por defesas na- tre aqueles que crêem em Deus onipo- ma contra as primeiras comunidades vo, diz Slotkin que evidentemente exis-
turais. no alto de montanhas escarpadas. tente e seguem os costumes tradicionais cristãs. 3,9 tem boas razões para ''o Peyote jamais
bravias e de difícil acesso, no sistema das tribos indígenas, o culto de um Pai John Collier, do Departamento de ter sido declarado um narcótico ou o seu
orográfico da Sierra Madre. Celeste; desenvolver por outro lado a:s Sociologia e Antropologia do City Col- uso proibido pelo governo federal". Ape-
Atualmente. esse isolamento nas de- virtudes morais, isto é, sobriedade, zelo lege de Nova Iorque, apoiou o manifesto sar disso, conclui, ''durante a longa his-
resas naturais está diminuindo cada vez na ação. caridade, retidão, respeito mú- dos cientistas. considerando--o de gran- tória do contato índio-branco, as autori-
mais. A oeste de Sierra Madre, por tuo, fraternidade e união entre os mem- dades brancas têm sempre procurado su-
de in1portância para os índios america-
exemplo, o governo federal mexicano bros das várias tribos dos Estadas Uni- primir o uso do Peyote, porque estavam
nos. a antropologia e as liberdades civis.
construiu pistas para pouso de aviões, pe- dos da América: tudo isso através do uso convencidas de que isso violava seus pró-
John Collier, que exerceu cargos federais prios princípios". 1.11
los quais os huichols recebem tecidos pa- sacramental do peyote." 10 no setor indígena, contou em sua moção
ra as vestes e matéria-prima para o arte- Apesar da elevação e dignidade da Proibir o culto do peyotl era. pois,
de apoio que, em 1922, índios peiotistas defender princípios. Era evitar que, con-
sanato, o qual por sua vez é vendido aos nova religião os missionários~ da tribo Tuo (Pueblo) propuseram - sem sumindo a "raiz do diabo", o índio ti-
turistas. Uma escola oficial ensina às perfidamente, a existência de orgias e de-
desconhecer o que isso significasse - vesse sua alma condenada ao inferno.
crianças índias a cultura dos brancos. O gradações nos cultos peiotistas. Ainda ~
rifle veio substituir o arco e flecha, pro- sim, a igreja peiótica conseguiu estabe- submeter-se a completos testes fàrmaco- Era, sobretudo, dar ao selvagem a pro-
vocando o quase extermínio do cervo sa- lecer a coesão de cada tribo e a solida- lógicos, biológicos, psicológicos e sociais teção social. que constituía um dever do
grado, como já havia acontecido entre os riedade intertribal, reunindo. atualmen- sobre o consumo do peyotl. 3 Collier e branco civilizado. Este, forçoso é reco-
Cora. E até mesmo a grande peregrina- te, cerca de 150 mil adeptos. outros encaminharam várias vezes a pro- nhecer, deu ao índio importantes traços
ção mística em busca do peyotl tem ago- A repressão obtusa e sei vagem foi posta a entidades oficiais. Jamais rece- de sua cultura. como o alcoolismo, a tu-
ra boa parte do seu trajeto vencida em insútuída oficialmente pelo Bureau ofln- beram qualquer resposta. berculose e outras moléstias, a sífilis e
caminhões alugados. dian A.ffairs. Repressão que atribuía ao O antropólogo norte-americano J. B. as demais doenças venéreas.
peyotl todos os vícios e doenças, todos
os males físicos, intelectuais e morais.
2 - Estados Unidos Repetia-se, eom n1uitíssimo maior ódio
e ambição, o que havia acontecido no
Is qui manducai, non México. Apontava-se o peyotl como 'a
manducantem non spemal, et qai raiz do diabo', 'o poder maléfico'. 'a dá-
non manducai, manducantem diva do demônio'. Nada disso, porém. era
non judicet: Deus enim ülwn ditado pela ignorância, pelo desconheci-
assumpsit. mento do peyotl e dos seus efeitos. A
Rm 14:3 guerra contra o peiotismo não se restrin-
gia ao bnatismo e ao ódio racial. Visava
1885. Os kiowas e seus vizinhos, co- à submissão do índio, através da hege-
manches e apach~, trai.em o culto do pe- monia do branco. Para tomar a terra dos
yotl para os Estados Unidos, em suas in- índios valia tudo. Exatamente o que acon-
cursões às margens do rio Grande ou. tal- tece hoje no Brasil.
vez, até além da fronteira mexicana. Daí Em 1951, os antropólogos norte-
a religião do peyotl se espraiou, conquis- americanos W. La Barre. P. McAllester,
tando os povos das pradarias até os Gran- J. S. Slotkin, O. C. Stewart e S. Taz pu-
des Lagos. inclusive em território cana- blicaram um pequeno manifesto em que,
dense. com base em estudos e na experiência
1918. As diversas tribos que profes- pessoal, podiam afirmar que o peyotl não
O Íru:üo e as Plantas Alu.cindgenas 33
Ololiuhqui
3 & 71itliltzen
ças dos mais d.iversos povos e regiões,
desde os antigos semitas até os gre-
gos, os romanos e os povos chamados
primitivos.
2 Preparo da Bebida, Ontem e Hoje plant), pela crendice de que leva um sé- levaram Albe.rt Hofmann à descoberta do
TUtUJtzen 1àdicionalmente, as sementes do culo para surgir a inflorescência, após o LSD 25*, só havian1 sido isolados en1 pe-
Ipomoea violacea L. (1. tricolor Cav.) quê a planta morre. Na realidade, o tem- quenos fungos. Depois, pela primeira
ololiuhqui ou do tlitliltzen são trituradas
por uma virgem, sobre uma espécie de po decorrido antes da floração oscila en- vez, Hof1nann e seus colaboradores des-
11wmas Mac Dougall, citado por Rás- cobri mm tais alcalóides em plantas mais
son, foi quem descobriu esta espécie, no pórfiro de pedra dura, chamado metate. tre 5 e 60 anos ou mais. dependendo do
A quantidade de sementes para uma do- solo e do clima; comumentc leva cerca elevadas. fanerógamas da família das
ano de 1941, em várias regi~es de Oaxa-
se é pequena: o equivalente ao fundo da de 10 anos. A fermentação da beberagem Convolv.uláceas, Rivea corymbosa e /po-
ca, principalmente na área dos índios za-
potecas. ~ Tem o sinônimo badoh negro, palma da mão semicerrada ou de um de- era obtida n1ediante a mistura da bosta tnoea wolacea, ou seja, ololiuhqui e tli-
em zapoteca badungás. Pois, ao contrá- dal ou de uma tampinha de cerveja. O seca de cachorro à seiva extraída da plan- tliltzen.
rio das sementes do ololiuhqui, que sdo resultado da trituração, parecendo fari- ta . O pulque, popularíssimo no México, Estabelecido o com~to alcalóidi-
marrons, as do tlitliltzen sdo negros, cu- nha, era dissolvido e depois filtrado. Ho- é fabricado atualmente en1 escala indus- co das sementes, Hofmann realizou auto-
neiformes. Essas sementes negros tam- je em dia, também se dissolve em bebi- trial. A bebida é considerada refrescan- experiências com cada um dos seus al-
bétn slJo usadas em mistura com as se- das alcoólicas, como o pulque, chama- te e nutritiva. calóides sintéúcos, verificando que as
mentes marrons de ololiuhqui. do ainda mescal ou maguey, feita com a an1idas do ácido lisérgico são os princi-
À semente preta do tlitliltzen, mais po- seiva do escapo de uma amaralidácea pais responsáveis pelos seus efeitos psí-
tente que a do ololiuhqui, é chamada de do género Agave, principalmente a Aga- quicos. Em outras palavras: os mesmos
masculina (macho) e a outro, marrom, ve americana L. A planta tem também efeitos provocados pelo LSD 25. 2,3
de feminina (hembra). o nome de alóe-dos-cem-anos (century
Séculos de Sobrevivência
Embora Hernández tenha constata-
do que o ololiuhqui excita o desejo se-
xual e o ácido lisérgico possa provocar
delírios eróticos, os índios mexicanos ja-
n1ais consuniiran1 a droga em busca de
prazer e volúpia. As sementes, de sabor
acre, são usadas ritualmente, desde os
tempos pré-colombianos. Droga mágica
dos xamãs, ololiubqui e tlitliltzen ajudam
as curas, os vaticútlos, as revelações. Ho-
je, o seu uso se restringe aos zapotecas.
niazatecas, chinantecas e mixtecas, po-
ms que conservaram suas culnuas imu-
nes à influência dos brancos e do cris-
tianismo, pois vivem em relativo isola-
mento, em n1ontanbas de difícil acesso,
As senienles do oloüuhqui, badoh, piule ao sul do país. Essa dificuldade de aces-
ou hierba de la Virgen. eram trituradas por so conseguiu manter rambém, em sua pu-
wna donzela, no metate, uma espécie de p6r- reza tradicional. o culto do peyotl e dos
fi ro, de pedra dura. Grav. do séc. XIX. cogumelos sagrados. Ultimamente, po-
rém, o governo mexicano ~n1 procuran-
do contato com os nativos, via aérea,
Sementes do Ácido Lisérgico abrindo escolas, atraindo turisras, incen-
Até 1936, os alcalóides do esporão tivando o comércio de artesanato indíge-
de centeio, Claviceps purpurea Tul., que na etc. Trata-se de um trabalho visando
~escal Beans
à aculturação do índio. o que significa.
em última instância, sua escravização pe-
lo branco.
serve de acólito devem tomar previamen-
te um banho e usar rou~ novas ou, pe-
lo menos, limpíssimas. É a exigência de
uma PtJreL1 de corpo, que se complemen-
4 ~ Colorines
Cogunielos
5 A "Velada" e os Cogumelos
Divinatórios
dos são apresentados sempre aos pares Stresser-Péan, Heim e Wasson en-
- um cogumelo macho e um cogumelo contraram. entre os totonacas, curiosa
fêmea. Com a deglutição, é realizada a doença de origem sobrenatural: o espan-
união dos dois sexos, que gera energia to. 44,22 A doença era devida à perda da
criadora e é fonte de vida. O ágape em alma e. no seu tratamento, usavam cogu-
seu sentido primeiro, de amor, ci-yci1rr1 • melos divinatórios. O doente, na hipno-
A comunhão do teonanácatl, a carne·de se provocada pela ingestão de altas do-
deus. ses dos agáricos, pode descobrir como
e quando foi atingido pelo espanto. Para
isso. um parente registra suas palavras,
A Cura da Perda da Alma das quais o paciente tomará conhecimen-
Os cogumelos sagrados não estavam to, ao dewertar. Será possível, assim, fa-
restritos às cerimónias religiosas: eram zer con1 que volte ao corpo a alma que
ingeridos pelos índios também em suas o abandonara, restituindo o equilíbrio
práticas médicas. Já Sahagun registrava orgânico.
que os agáricos ''são usados contra a fe- O mesmo processo de uma pessoa
bre e contra a gota''.24 Para o índio, po- que fica junto do narcotizado, para regis-
rém, a causa da doença, quase sempre, trar, durante o sono, suas palavras reve-
é mais espiritual do que ffsica. O cogu- ladoras, é encontrado no uso de outras
melo divinatório é a furma de descobrir drogas divinatórias, como, por exemplo,
essa causa e indicar o processo de cura. o paricá, o ololiuhqui, o ayahuasca ou
Dá a clarividência que permite prever e caapi ou yajé.
prover. É o elo de ligação do mundo nús- Eduardo Galvão registra essa cren-
tico com o xamã, o médico feiticeiro. ça na perda da alma - a sombra - en-
Maria Sabina célebre sacerdotisa nlQl,Oleca do cullo do Teonanácall, ''a came t:k t:kus' '.
1
aos deuses ancestrais dos astecas. lha, celebrava uma cerimônia simples,
O culto durava toda a noite, até a au- mas solene, com sincretismo indígena e
rora. Numa pequena mesa, que servia de católico, os nomes de Cristo e dos san-
altar. viam-se uma flor num vaso. uma tos repetidos sem cessar. Em certo mo-
imagem do Menino Jesus e outra do ba- mento, porém. as evocações e os cânti-
tismo no Jordão, velas, uma lan1parina, cos passaram a ser no idioma mai.ate€a.
além de taças e vasilhas para os cogume- E sugeriam rituais celebrados há milê-
los a serem ingeridos pela oficiante, por nios e que, transmitidos oralmente de ge-
sua filha e todos os presentes, menos as ração em geração, vieram por fim ilumi-
cnanças. nar a noite mística e encantada de Hua- Teonanácatl, "a carne de deus' : nome nahuátl dos cogumelos mágicos e
tla de Jiménez. divirwt6rios, que estabeleciam a ligaçiJo com os deuses e ancestrais. Maglia-
Sentada numa esteira de vime, diante becchiano Codex, Bibl. Nacional, Florença séc. XVI.
do altar, Maria Sabina, acolitada pela ti- No consumo ritual, os agáricos sagra-
O indio e as Plantas Alucin6genas 45
44 Sangirardi Jr.
Sabe-se, no entanto, que os cogumelos límpidas, majestosas e serenas paisagens sação de autismo: a alma, desligada do
jamais são misturados com água: seu oníricas. Mais tarde, estendido na estei- corpo, foi transportada para um ponto no
principal alcalóide (psilocibina) é facil- ra de vime, o corpo ficava, inerte, pre- espaço. 8 A única vez que sentiu bem-
mente solúvel na água e a infusão anula- so à terra. enquanto o espírito empre- estar foi após o consumo ritual dos agá-
ria, assim, os efeitos psicodélicos da dro- endia sua deslumbrante viagem às re- ricos, numa das célebres cerimónias pre-
ga. A figura, no entanto, - a virgem com giões celestiais. 24 sididas por Maria Sabina.
o metate sob um píleo de cogumelo - Hofmann, meia hora depois de ha-
relaciona o teonanácatl com outras dro- ver comido os agáricos, viu o mundo Fugaci giomi! a somigliar d 'un
gas rituais. como o ololuihqui, o tlitlilt- sofrer estranha transformação: tudo ga- [lampo son dileguati.
zen, o peyotl, a pastora. nhou aspecto mexicano. Julgando ser Leopardi
Num mural de Tepantitla, além de auto-sugestão, por saber que os cogu-
cogumelos e conchas de moluscos, estão melos vieram do México. Hofmann pro- Fiz uma auto-experiência com cogume-
pintadâs sementes vermelhas com um hi- curou olhar o ambiente como costuma- los secos trazidos do México. O sabor
lo preto. Trata-se de colorines, semen- va ver normalmente, com as formas e as dos fungos é acre e, a princípio, desagra-
tes de Rynclwsia pyramidales (Lam.) Ur- cores habituais. Inútil. Via somente mo- dável. Após a ingestão dos primeiros
ban, usadas com os cogumelos e as con- ti vos e cores mexicanas. O próprio mé- quatro. de um total de 34, senti forte náu-
chas nos ritos religiosos. E assim, no dico que o assistia na experiência, ape- sea, calor no rosto, pés e mãos frios. TI-
' 'Cogumew de pedra·' da Guatemala, mundo místico centro-americano, as dro- sar do rosto tipicamente germânico, es- ve que me esforçar para não vomitar. To-
tendo, sob o plleo, a figura de um sapo an- gas do índio se unem e completam, no tava transformado num sacerdote aste- mei um pouco de água gelada e um café
tropomorfo. O sapo, como a serpente, é sún- afresco dos séculos. ca. Hora e meia depois surgiram os mo- bem forte. sem açúcar. Depois disso a in-
bo/,o sexual e animal ctoniano, ligado à terra
ti vos abstratos, que mudavam constan- gestão prosseguiu, sem acidentes dignos
l.avrada e fértil. Altura: 35,0 cm. Apud R.
Gordon Wasson. 24 Viagens Diferentes temente de figura e colorido, a tal pon- de nota, terminando, pouco depois da
no Mesmo Veículo to que, quando atingiram o mais alto meia-noite, com a água gelada e o café
grau de intensidade, Hofmann tinha a im- amargo.
Quando o sapo é atacado ou se as- L 'hotnme a voulu rêver, le rêve pressão de girar constantemente num Cerca de meia hora depois notei gue
susta, as glândulas existentes em suas gouvemera l 'homme, mais ce rêve redemoinho de formas e cores, no qual as cores, agora, ganhavam nova vida,
costas exsudam bufotenina (lat. bufo), o sera bien le fils de son pere. iria se dissolver.28 mais intensas e refulgentes. De repente,
mesmo veneno secretado pelas verrugas Baudelaitel Heim, ao longo de suas experiên- as estantes de livros e as paredes come-
brancas da Amanita muscaria (L. ex Fr.) cias, teve vários sintomas orgânicos: ea- çaram a oscilar, o que me provocou ton-
Hooker, o agárico do chapéu cannesim, Baudelaire tinha razão. Apesar de lor superficial e frio interno, desagradá- teiras. Apaguei a luz. E logo foram sur-
boleto dos xamãs do Kamchatka. Era este um denominador comum, as "viagens'' veis distúrbios digestivos, viva excitação, gindo visões, iguais às provocadas pela
o cogumelo mágico sobre o qual estava promovidas pelos cogumelos e por ou- dor de cabeça, acessos de hilaridade, vi- mescalina, com um caleidoscópio de fbr-
sentada a lagarta conselheira que Alice tras drogas variam de pessoa para pes- são dupla como a dos bêbedos de álcool. mas abstratas e cores radiosas (v. Peyotl).
encontrou no País das Maravilhas, fu- soa e o relato das experiências apresen- A escrita tomou-se irregular. pelo ritmo Sucederam-se outras visões, mais com-
mando o seuhukah (árabe uqqha) ounar- tam, assim, inúmeras variações do mes- acelerado imposto à mão, e as letras, que pletas. Essas visões eram como se eu as
guilé. Em inglês, o cogumelo (veneno- tivesse vendo, realmente, em plena vigí-
mo tema. eram de tinta preta, pareciam vermelhas. lia. Inclusive mais tarde, ao serem recor-
so) tem o nome de toadstool: toad, ''sa- Wasson descreve as visões que sur- Sensação de naufrágio, de balanço, tor- dadas. Entre elas fatos ocorridos há mui-
po" + stool, "banquinho" = "banqui- giram em uma de suas experiências, em nando o c.aminhar inseguro. Exacerbação to tempo, que haviam ficado nos porões
nho de sapo''. Huatla de Jiménez, vinte minutos após das cores do meio ambiente, mais pro- da memória e emergiam agora, em ima-
Não é raro o preceito indígena de a ingestão dos fungos. Primeiro. formas fundas e fulgurantes. E visões: de ruas, gens oníricas. Uma arqueologia da infân-
que as drogas cerimoniais devem ser pre- geométricas de colorido rico, como em edifícios e encruzilhadas; pontos, riscos cia.
paradas por virgens. Ora, no estípite de tecidos e alfombras. Depois, os ornatos e ornatos coloridos, em constante movi- O sapateiro Zápia, sósia de Nhô
um dos cogumelos de pedra, uma mu- tomaram formas arquitetónicas, com pá- mento. Experimentou, ainda, uma sen- Lau •. empunhando a faca homicida.
lher de seios nascentes está debruçada so- tios, terraços, colunatas. edifícios, em co-
bre o metate, o retângulo de pórfiro que res brilhantes, de magnificência sem
servia para triturar grãos e esmagar er- igual. E um séquito imperial, com car- • Nhô 1.au: personagem do livro Saudade, de Thales C. de Andn1de. A figura foi criada pelo dese--
vas. postos depois em infusão na água. ros de triunfo. E motivos artísticos. E nhista Rassmuuen, para ilustrações da obra.2
48 Sangirartll Jr. O ÍTulW e as Plantas Alucinógenas 49
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rlllhas.) Várias gravatas com grande va- calor das mã0S e vi que elas emitiam uma
riedade de desenhos e cor,es: wvas. cromo luz esverdeada, com.o a dos pirilampes.
píntadaS com tinta fosforescente, apare- Lembrei-me, então, do truque usado por
ceram penduradas uma ao lado da outra, um engenheiro ga\1cho, médium espíri-
enquanto algo (voz ou pensamento?) in- ta, para ficar com as mãos ]ominosas.
furmava: As gravatas do Mário de An:- Pretextando ir ao banheiro, lá ele esfre-
drade. (Qpando conheci MáriQ, ele tinha gava nas mãos, dePQis de previamen~
o hôbby de eolecionar gravatas.) Uma ga- umedecidas, a substância química de um
rotinha. (minha companheira de in- Q'aque-de-velha, essa fita de papel que as
tãncia), sentada despreocupadamente em crianças esfregam na parede~ para dares-
(Um sapateiro de Monfe Azul Paulista, fogo. (Meu tio Pedrinho - Pedl\e de.Al- cima <dum n1ourão de porteira, sem a cal- talos. De volta, na semi-obscuridade, o
com quem eu eonversava. parado diante cântara Bourroul - fazia uma càveira de cinha, vendo-se a vulva. charlatão tlava "passes" agitando as
da porta de sua peq4enina loja, enquan: um mamão verde ocado. Qs oriffcúos cor- Num det€rminado momento senti maos, que pareciam fosforesc~ntes. Não
tQ ele batia sola. Tinha sempre muita pa- respondentes aos olh~. ao nariz e à b{:r que .adormecia e que era elevado no es- pude deixar de sotrir, com certo orgu-
ciência e um sorriso de -simpatia ante mi- ca eram vedados com papel de seda ver- paça, atravessando um fluido azul--claro. lhe, ao olhar minha:s mãos repletas de va-
nha curiosidade infanúl. Um dia não o melho. No alto outro orifício, para man- que nrovocava sensa_ção de paz e beati- ga1umes. sem que eµ houvesse usado tru-
encontrei e soube, pesaroso, que estava ter acesa a vela, que era posta, à noite, tude. Regressantlo, muitas ''horas" de- que de espécie alguma.
preso, por haver matado um homem com dentro da caveira e esta, sobre uma tá- pois (perde-se a noção do tempo). senti
sua fuca de sapateiro.) Uma caveira gi- bua. Então, nas águas do ri0 Paraíba, em agradável onda ae calor, ~ subiu do es-
gantesca desliu nas trevas, as cavidades Cruzeiro, meu tio soltava a tábua, que tômago para o peito, braços, mãos e foi Os Demônios nos Fungos
dos olhos, do nariz e da boca rubras de descia, a8sombrando as populações ribei- até a extremidade dos dedos. "Ollrei" o Os padres espanhóis, no atã de con-
50 Sangimrdi Jr. O Íitdio e as Plahtas Afu.cindgenas 51
verter os pagãos de Nueva ESpaila, veri- Jar seu cruel Deus os comungava".Zt Do Séc. XVI a,o Séc. XX: catnpanulatus L. var. sphinctrinUs (Fr~ )
ficám, com espanto e asco, que OS· índios Ora, havia apenas coincidência na Erros e Acertos Besad.39. 42. Heim confum9u a idQiti-
consunllam o cogumelo divinatório. Mas homofonia de teo, deus. do nome nahuatl A diatribe de Frei Toribio de Bena- ficação. mas salientou, mais tarde. que
o seu poder na previSão do futuro Dão teonanácatl, 'carne de deus' e no vocábu- vénte (Motolinía) sobre o consumó rirual não era o teo_nanácatl. Os índios haviam.
passa de artimanha do Diabo. É o De- lo grego ·t~os, 8Eo's , deus, de ohde do teonanácatl é anterior a 1569.32 E é entregue a Schultes~ como sagrado, um
mônio quem induz 'à ingestão dos fungos theobr0ma. 8fol + /3ewµa • 'man- de 1559 o I.:éxtco Tarasco, de Matur.ino cogumelo não usado nos rituais. Até ho-
pecamihosos. E nas visões provocadas jar dos deuses'. Apesar disso, a coinci- Gilberti, onde~ no verbeteHongo, é con- je o ilustre botânico da Harvard não se
signado o uso dos cogumelos sagrados confurriiou com o engano. 38. ~O. 41, 43
pela droga. quem está presente é o pró- dência veio acirrar os missionários espa-
prio Satanás. O daemonum silnulacra, de em Micboacán. 47 Com o casal Wasson tem início. de
nhóis em sua ira. intolerância. expro-
Francisco Hernández26. Diego Durán bração, enfün. o odium theologicum a Do séc. XVI à primeira metade do fato. o estudo ~tematiZado dos cogume-
séc. XX há um silêJ)Cio total sobre o as- los alucinógenos do México.
diz que, c001 a furça daqueles fungos:. os que se referiu o nosso muito citado R.
índios tinham viSõeS e revelações <lo f\1- G, Wasson. 47 sunto, salvo algumas referências even-
turo, ''hablandoles el delilonio en aquella Nos· Arquivos Gerais do MéXico tuais e perfunctórias ao "hongo.que em-
borracha''. O Cãsal Wasson e Colaboradores
embriaguez• •3·. constam vários processos do Tribunal da Curioso,, como o próprio R. G. Was-
Registram também os autores o uso Tomando o vazio ainda mai,0r. Wil-
Inqui$ição. Nwn ~ proces~ o acu- son comentou, foi este encontro de duas
liam Saffórd~ botânico de renome. afu..
dos cogumelos sagrados para pedir chu- sado é um índio que ''comunga as pes- mou em 1915 que os agáricos .alucinóge- e"JJressões culturais diferentes: ele era
va, nas oferendas votivas propiciató- soas e ele mesmo comunga. com uns pe- nos jamais existiram. Segundo Safford, micófobo e a esposa, micófila, pois nas-
rias de searas fártaS e nos ritos agtá- ·quen0S cog~los, que chamam em sua os padres espanhóis, que escreveram so- cem na Rúss~ país dos mais vorazes co-
rios das eolheitas. Informa o Código de língua nanácatl, que é coisa endiabrada. bre o as.sunto, haviam simplesmente can- medores de cogumelos. de que conhecem
Yanhuitlán que os indígenas ''tomam na- pela qual saem dos sentidos ·e dizem ver fundida C0ID cogumetas os pedaços de 90 espécies edules diferentes. 46. *
nacates para inVQCar o Demôniq, como visões endiabra<las [... ] é o corpo do De- um cacto: o peyotl. Lophoolwm William- Desde menina. sentada no colo da
faziam os antepassados~ e que, quan- mónio [... ) pequenos fungos para fae- sii (Lemaire) Coulter.35, 36. ·n Uma tíni- mãe. Valentina P.lvlovna aprendeu empi-
do não chove ou quando colhem o mi- l'em suas velhacarias e são por eles de- ca v0z de protestõ, bastante fraca. fez-se ricamente a distingüir os,cogumelos ce-
lho, chamam o Diaoo";4 Em 1726, nu- dicados ao Demônio...".33 ouvir, denuneiando o err1:> de Saffürd~ a mestíveis dos venenosos. Anos depois,
ma carta escrita aos "Clérigos díocesa- Não duvido .que o missionário, em de Blas Pablõ'Reko. que refutou e conti- furmada em pediatria, ela se casou com
nos, Don JQsé Lanciego, arcebispo do seu fanatismo religioso. estivesse de fa- nuou insistindo: os cogumelos não .só ó banqueiro Robert Gordon WaS:son. de
México, lamenta que os índios perse- to convencido de que o Capeta se in- existiram como continu,avam a ser usá- .Nova Iorque. cuja verdadeira vocação
veiem na idolatria e na adoração que dão corporava aos cogumelos mexicanos ·e dos.48 Saff©rd. porém, persistiu no er- não eram as finanças, mas a pesquisa e
ao Demônio c.om o nome de deus das abria a.s portas do infemo a quem os in- ro e.o silêncio sobre os cogumelos con- a especulação científicas. Durante mais
colheitaS, e critica "hombres y muje- gerisse. Mas teonanácatl, como expli- tinuou. Silêncio que só fbi <1uebrado em de duas décadas ambos reuniràm dados
res vestidos de blanco, cantando a1 De- quei. não tinha nenhum sentido euca- 1939. pelo insigne etnobotâ.nico.Riçhard _sobre o papel desempenhado pelos e~
monio y hasienco (sic) ottas cerimonias rístico. nem tinham os aoorígines qual- ~vans Schultes, ao assinalar que os co.- gumelos nas sociedades primitivas da Eu-
todo a finde tener visiones, engª1\os y quer noção do que ô sacerdote bran- 5umelos continuavam a ser consumidos rásia. Em 1952 tiveram a atenção volta-
invenciones dei Demonio''.31 na região n1azateca. Schultes publicou da para os cogumelQS alucinógenos do
co pretendia lhes oferecer com a h6$tia
em seguida duas monegrafias, identifi- Mtxico. E inic·iaram estudos que. em
O teonanácatl, ''invencione dei De- consagrada.
cando o teonanácatl como o Panaeolus 1957~ relataram em um livro assinado
moniô", fui identificado co_m o próprio Quando se convertia ao catolicismo
Diabo. Numa peça religiosa do séc. XVI, - ou fingia fuzê-lo - o fudio jamais d€i-
• A micofilia nio existe sem a mkofagia, em que o próprio mic6filo costuma ir colher os seus cogu-
de autor anônimo, o petSOnagern p.rin- xava de manter suas milenares crenças melos. Muito diferente, assim, dos champignoni dos goumiets, produzidos em escala industrial o vendi-
cipal é o cogumelo divinatório, "Hon- ancestrais e· continuava a coasumir, às da s em conservas e fra841os. Na ~lônia, por exemplo, país micófilo, houve uma explOSão de alegria enare
gol demonio ydolo' '.47 Jacinto de la Ser- ocultas, os cogl.llÍlel0s sagrado3. Essa fi- os camponeses, logo..·depois da revolu.çio socialista, que lhés permitiu entrar sem problemas nas proprie-
na, em 1656, destacava a analogia en- delidade defendia a unidade da cultura dades dós burg~ses e ex-aristocratas, 'ª fim de colherem cogumelos "à. vontade.
A micofobia vem do velho pavor da morte, entre os queinio sabem distinguir .o s cogumelos comestí-
tre o ágape dos agáricos e a eucaris- abQrlgine e a coesão social da tribo. A veis dos venenosos. Eurípides viveu sua tragédia maior ao perder •mulher, um filho e duas filhasJ por
tia .crístã.24 E quase um Século antes, desintegração cUltural, pela ímposiç~o de haverem comido um prato de amanitas. O Imperador.Cláudio e o Papa Clemente Vll também encontra-
Frei Toribio de Benavente. o Motolinía. uma cultura mais furte, sempre teve con- ram a morto envenenados por cogumelos.
escreve: "Teunan·ácatl, que quer dizer seqüências trágicas entre todos o& povos AAmanila,phalloidu Quélet, agácico dos mais,comuns:, é' respondve,1 por90% dos envenenamentos
com cogume.los. 0utra do mesmo gênero e também letal é a Àmanila caesaria Qu61et.
carne de Deus, ou do Demónio°' que eles chamados primitivos, em todas as par-
adoram [...] , com aquele amargo man- tes do mundo.
52 Sangirardi Jr.
O Índio e as Plantas A/.ucin6genas 53
R. G. ~n trabalhou sempre côm
a colaboração de brilhantes equipes, co- forioxi-N, N-dimetiltriptamina), o prin- no Museu de História Natural de Paris.
mo a chefiada por Albert Hofinann o cipal componente ativo; psilocina (4-hi- A primeira série, com três tipos de Psi-
descobridor do ácido li.sérgico, que de- droxi-N, N-dimetiltriptamina), derivado loqbe mexicana, constou de 650 terri-
terminou os princípios atims dos agári- instável do anterior.23, XT, 28, 29, 30 nas semeacfas.19 Nasceu, assim, uma ex-
cos psicodélicos. Os cogumelos secos têm ação mais traordinária espécie mutante: Psilocybe
Em 1958, a convite de \Vasson, che- forte que os cogumelos frescos. Assim, semperviva Heim e Cailleux. "Mais po-
ga ao México o Prof. Roger Heim, dire- 8 a 10 mg de psilocibina são obtidos em derosa, com mais alto teor de princípio
tor do Museu de História Natural de Pa- 2 a 6 gm de cogumelos secos ou em 13 ativo''.20
ris. O insigne micologista daria contri- a 40 gm de cogumelos frescos.21 Isso dá,
buição inestimável ao estudo dos cogu- a fuvor dos cogumelos secos, a média de b) Conocybe
melos sagrados do México*. 26,5 X 4. Conocybe siliginoides Heim. O no-
me genérico é J'Orque o píleo (cha -
A Botânica do Teonanácatl péu) tem a forma de um cone (gr. kó-
DDR O casal Wasson, em ampla e pacien- nos, )(waio~ . ,figura cônica) . O no-
me especf.fico significa o que é feito
te pesquisa de campo, conseguiu várias
Roben Gonlon Jffuson, o insigM etnobotâni- espécies de cogumelos alucinógenos. To- com o melhor trigo, com o trigo mais
co ~ Nova for~. pioneiro no estudo dos cogu-
dos eles são do gênero Psilocybe, com ex- escolhido (lat. silígeneus +sufixo oi-
1Mlos alucínógenos do México.
ceção de dois. uma espécie de cada gê- de).
nero: Conocybe e Stropharia. Do primei- Conforme Heim em sua diagnose,
por ambos. além de artigos de divulga-
ção em vários magazines.46, 51, 52 Nas-
--
N
ro gênero, excluído o Psilocybe caerules-
cens Murril e o P. yunguensis Singer et
trara-se de espécie lignícola, isto é, que
nasce ou vive em troncos ou Ienhos.16
cia. assim, um novo ramo da etnobotâ- Smith, todos os demais foram revelados
nica: a etnomicologia. por Heim em seus Comptes Rendus, que c) Stropharia
. ~oi ~asson quem. num trabalho ge- tiveram início com o de 20-2-1956.12 Stropharia cuberu;is E:arl.12 A parte in-
nial. idennficou o milenar so1na dos hi- ferior do chapéu é escura, assim como
a) PsilocybelO - gr. psilos, lf 'Àol = o resto da volva, à volta do estipe, que
nos védicos - o haorna dos persas -
com a Amanita muscaria (L. ex Fr.) Amanita muscaria, o agárico-mata-
- nu, calvo, pelado. Caracterizado por wn é longo e recurvado. Da( o nome gené-
Hooker. o agárico do chapéu encarna- moscas, identificado por ffásson como o mi- pedúnculo longo, rígido, tenaz,encitna- rico, do gr. strophas, oreoi.pcxs, tortuo-
do. 45, 49, so lenar soma dos húws védicos. Selo da Repú- do por wn chapéu em forma de sino ou so, que se enrola.
~do os \Vasson chegaram ao büca Federal da Alemanha, onde eSle cogu- cônico.
melo é considerado amuleto. Este cogumelo prolifura no estrume
México. Robert 1. \Veitlaner já possuía
grandes conhecimentos sobre os índios, Psilocybe mexicana Heim.10. 18, 24 de boi. Afuma-se. por isso, que o seu uso
seus costumes. sua história. Em 1936 ele À espécie mais representativa e impor- é relativamente recente, pois não havia
Alcalóides: Psilocibina e Psilocina tante. Comum nos pastos e campos de gado bovino na América Central, antes
obtivera alguns cogumelos sagrados,
tomando-se o primeiro homem branco milho, nasce junto dos excrementos de de Cortés. l Certo. Mas havia grandes re-
Alb_ert Hofmann, o papa da pesqui~
cavalo, tnas não sobre eles.12 banhos do Mfulo americano e do gamo,
que, modernamente, viu o teonanácatl. sa .químic~ no ~ampo das drogas, desco- animais sagrados, este último integrado
Wasson encarece a valiosa ajuda recebi- briu os pnncfp1os atims de praticamen- Além dos PsUocybe mexicana foram
da de \Veitlaner. que, durante de.z anos, te t~s as plantas alucinógenas centro- classificadas e estudadas mais de no complexo cultural do peyotl. Não po-
aconselhou. sugeriu e serviu de guia atra- amencana_s. A frente de sua equipe dos uma dúzia de espécies e variedades deriam os Strophari.a cubensis nascer no
v~ das diversas regiões em que se con- ~boratónos Sandoz, Basiléia, Suíça, do mesmo gênero. 7, ll, 12, 14, 15, 17, 21, estrume desses animais?
sumia ritualmente o teonanácatl. 48 isolou ele ?8 dois alcalóides dos cogu- 22, 25, 44, 46
melos alucmógenos: psilocibina (4-fus- Lycoperdon
Em 1953, Roger Heim, com a cola- Lycoperdon mixtecrum Heün. Gêne-
• Extrapola~o o campo da núcetologia, o grande naturalista parisiense tem dois trabalhos de atuali-
dade cada ~ez ma1~r. 1' em 1952, abordou o problema da proteçio 0 destruiçio da natul'C7.413 Duas dó- ooração de Roger Cailleux. iniciou ex- ro de cogumelo da ordem dos Gaste-
cadas depois, publicou um JlO\IO livro, em quo alerta para a tragédia do desequihôrio ecoJóÍ· ste periênctls de laboratório com os cogu- romicetos. família das Licoperdá-
mundo enfermo e em processo de extinção.9 Heim faleceu em 1979. ico, ne melos obtidos. De 14 espécies ou varie- ceas. Quando novos parecern bolas
dades espontâneas. 11 foram cultivadas brancas, de textura carnosa. O lyco-
54 Sangirardi. Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 55
Slropharia cuhen.sis
Psilocybe semperviva
O Índio e as Plantas AlucintJgenas 57
.Pipiltzintzint-li
6 senhos coloridos tridimensionais, em
movimento caleidoscópico.3
As hojas de la pastora são esmaga-
mendado pipiltzintzintli, que la habia de
beber rrwlida por una doncella. 1
Seguem-se as prescrições de um ritual
das }X)T uma virgem no metate (ver p. com fortes mesclas de catolicismo. A be-
34, 46). É este um leit-motif no prepa- bida devia ser tomada em nome da San-
A Sálvia dos Adivinhos ro dos agentes divinatários, nas regiões tíssima Trindade, da Virgem de Guada-
Mazateca, Mixteca, Za}X)teca e outras, lupe e de São Caetano, após o paciente
Salvi'a divinorum Epling et Játiva. como hierba, com as variedades mascu- quer sejam cogumelos sagrados, quer haver confessado, comungado e jejuado
Erva da família das Labiodas. Folhas lina e fenlina: maclw e hetnbra. E Was- sejam o ololiuhqui ou o tlitliltzen ou a durante os dois dias precedentes. O am-
opostas, largamente lanceoladas, ápi- son conclui que o pipiltzintzintli dos as- pastora. biente devia ser abrigado. silencioso, na
ce acu,ninado e um pouco recurva- tecas, a divina planta da era pré-colom- No relato das visões divinatórias dos penumbra. O doente, em silêncio, aguar-
do, 1nargens serreadas. Flores de cá- biana, deve ser idêntica à Salvia divino- índios, após o consumo de alimentos sa- daria, por fim, a visão de um velhinho
lice violáceo, corola da mesma cor, non, hoje invocada pelos Mazateca em grados - sementes, cogumelos, planta - e de uns meninos, todos vestidos de bran-
pubescente. Apenas dois esta,-nes, suas súplicas religi~.4 As folhas da er- figuram freqüentemente hombrecitos (ho- co, que revelariam se o nial tinha ou não
unidos à corola, como em. todas as va, de}X)is de esmagadas no metate, são menzinhos), mujercitas (mulherzinhas) remédio.s
espécies do gênero. Inflorescência ao infusas em água e filtradas, embora re- e duendes (anões sobrenaturais). Eis uma Wasson termina o ciclo com um 'co-
longo dos ramos, em. rocem.os verti- gistros coloniais mencionem a utilização série fascinante de associações, diz Was- gumelo de pedra'. Provém das montanhas
cilados. de raízes, ramos e flores, possivelmente son, começando com a donzela em seu da Guatemala. E faz pane da coleção de
SJN: bojas de la pastora, pastora, }X)rque a planta "tem a virtude divina em metate, tradição velha de muitos sécu- Hans Namuth, de New York. Sob o cha-
shka-pastora (mazateca). todas as suas partes".S los. S Jacinto de la Serna, em seu Manual péu do agárico. fora do estipe, uma fi-
Infunna R. E. Schultes que as folhas de Ministros de lndios para el Conoci~ glll'êl humana, de rosto forte e expressi-
R. Gordon Wasoon esclarece que es- também podem ser ma~das frescas. Os 1niento de sus Idolatrias y ExtirpacWn de vo, está debruçada sobre um plano incli-
ta labiada é sempre cultivada, não se en- efeitos são semelhantes aos dos cogume- Elias, escrito por volta do meado do séc. nado - o metate. É a figura de uma jo-
contrando em estado espontâneo. Os an- los $agrados, porém menos fortes e de XVII, diz, no cap. XV:3, sobre o ololiuh- vem, cujos seios estavam apenas despon-
tigos cronistas espanhóis a ela se referiam menor duração. O característico são de- qui ou o peyotl, que "deve ser moído por tando - uma virgem.S Um tema encon-
mão de donzela". (... como para algu- trado entre povos do México contempo-
nas medicinas es menester molerlo, di- râneo é o mesmo de Jacinto de la Sema
cen que para que haga éste effecto à de e dos registros do Santo Ofício. E é ain-
ser molido por mano de doncella). Mas da o mesnio naquela testemunha fria e
não é só. Conta Aguirre Beltrán que a um muda, um artefuto de pedra, com a ida-
índio, doente das pernas, haviam reco- de venerável de 2.500 anos.
O Índio e as Plantas Amcin6genas 59
Solanáceas
7
As Taças de Mor/eu
S o la nácea vem do latim solanum, cina), o principal, e hiosciamina.
e rva-moura, cujo n o me s·istemátic o,
d ado p o r Lineu, é So lanum nigrum.
A s solanáceas pode1n ser ervas, ar- 1
bustos ou trepadeiras e árvores. Flo- Peito-de-moça
res alternas. Flores hernu.Jfroditas,
Inspiração dos Pajés
g amopétalas, pent..dmeras e actini-
m orfas, s o litárias ou cimosas. Ová- Solanum mammosum L.
rio bilo cular. Caule de até J ,50m. Planta com es-
pinhos, toda ela vilosa.
Gênero Solanum: flores de corola re-
gular e redonda, frutos bagas com Flores de corola curta, limbo estrei-
muitas sementes. Gênero Datura: jlo- to, a zul e violeta.
res em forma de sino, frutos cápsu- Fruto venenoso, com o formato de
las c01n rompimento longitudinal. seio de jovem, donde o nome vulgar
As Daturas constituem o género de e o nome taxionômico da e.spécie.
maio r importtlncia, entre as solaná- SIN. : berinjela (CE), juá-bravo, juru-
ceas alucinógenas. Nilo se conhecern
espécies espontâneas: silo todas plan-
beba-do-pará, maçã-venenosa. Dos
tas c ultivadas ou, pelo menos·, liga- nomes latino-americanos, alguns sig- O peito-de-moça segundo Hoehne7
das a o homem desde os tempos mais nificmn berinjela, outros têm relaçilo
remotos. As Daturas do n o rte dos An- com s eio, teta : berengenita peluda te, que modificou inteiramente os frutos, SIN.: maiko (jivaro), guantuc, huan-
d es silo espécies arbóreas, pertencen- (Mháco) ; chicha (Guatemala); beren- dando-lhes o aspecto interessante de um to, huantuc (canelo), issloma (zapa-
tes ao subgênero Brugmansia. gena cimarrona, berengena de ma- cone ovóide, oom base ornada de cinco ro), termos que designam tanto a
rimbo, pecho de doncclla (Porto Ri- outros cones menores, à guisa de enfei- planta como a bebida.
Há solanáceas decorativas. Outras
co); chichichua (Honduras); chichi- te,..6. 7
gua, chichita, marimbita amarilla, Com as folhas da planta o pajé fuz
são comestíveis, como a batata-inglesa,
o pimentão, o tomateiro, a berinjela etc. chichona (Nicarágua); chichimora (El grandes cigarros que induzem ao estado No preparo da bebida mágica, raspa-
Salvador); giilrito de pasión, pechi- de transe, e, através da comtmicação com se a casca do tronco, que é espremida nu-
Os índios utilizam espécies alucin6genas,
como agentes indutores do contato com to (Cuba) ; pichichio (Costa Rica),- re- o mundo invisível, possibilitam curar ma cabaça. A dose média é de aproxi-
o mundo sobrenatural, principalmente o jalgar, tapaculo (Colômbia) ; ufla de doenças, prever o futuro, desvendar mis- madamente um copo comum (200 g), o
m~dico-feiticeiro, para diagnóstico, va-
gato (Panamá). Nas Antilhas· ingle- t6rios, resolver, enfim, os problemas que suficiente para pr<M>Car as duas clássi-
sas é love-apple. lhe são submetidos. cas etapas da embriaguez com esse tipo
ticínio, adivinhação.
A intoxicação produzida pela droga de drogas: exaltação furiosa e depressão,
tem duas fases opostas: a wna exaltada Solanwn mammoswn era planta cul- 2 com sono comatoso.
agitação segue-se sono profundo e in- tivada junto das tabas indígenas. Hoeh- Maikoa, Huanto ou Floripônclio Reinburg observou que, entre os u-
ne, o botânico da Missão Rondon, encon- As Daturas dos Andes paros. a issioma é reserwda aos homens
quieto. Os sintomas são provocados por
dois alcalóides do grupo tropano. que trou em 190CJ uma cultura de peito-de- 2.1 Datura arborea L . (Brugman- e comtitui, quase semp~ uma bebida de
atuam sobre os sistemas nervosos pe- moça entre os nanbikuáras, além de Ju- sia arborea (L.) Steud.) Anoreta. Flo- prova para os aspirantes de xamã. t2
riférico e central. Esses dois alcalói- ruena, noroeste de Mato Grosso. Segun- res de corola branca, por vezes mna- Para os jivaros, a maikoa é bebera-
des, dos quais a atropina é um com- do Hoehne, foram os nanbilruáras que re/ada, com 15 a 18 cm de compri- gem dos guerreiros, que consultam os es-
posto racêmico, são: escopola1nina (hios- ''provocaram uma poli.carpia concrescen- mento. Fruto ovóide. píritos antes de partirem em expedição.
60 Sangirardi. Jr. O Índio e as Plantas AhlcüWgenas 61
Grwuiesflores inodoras, axilares, ser cefulgias e sensações desagradáveis e te, usado principalmente pelas tribos Yu- loco. Jeemsonweed. stramonium ,
litárias. Corola branca (33 cm de más; porém, a embriaguez que ocasiona mán (Arizona). Yokut (Califórnia), Na- thom aple (ing.), stramõnio (it), her-
comprimento), limbo def;.J.ado e lon- o 1hoé, é como o haschisch dos árabes. vaho ou Navajo (Novo México), Paiute be au sorcier, herbe du diable, pom-
g cunente acwninado, róseersangUf- a liamba ou diamba dos africanos (Can- e Ute (Utah). me épineuse, stramoine (fr.) Ateche-
neo. Rizzini: ''Os frutos silo descer nabis indica L), toda voluptooa, cheia Informa Schultes que os zunis (No- pel, Zauberer-oder Teufelskraut (ai.).
nhecidos; s egundo todas as observa- de prazeres e bem-estar, além de tornar vo México) valem-se da planta como nar-
çlJes e informaçlJes disponíveis, a o indivíduo um verdadeiro médium cótico. anestésico e tópico para tratar fe-
planta não frutifica mesnw·~ 13 lúcido.' ' 14 rimentos. Somente os sacerdotes da chu-
Os efeitos da droga são suspensos va podem colher o vegetal. Eles colocam
SIN. : marikaua, thoé, trombeta, pelo vômito, prO\OCado pelo paciente ou, a raiz pulverizada sobre os olhos, as ore-
tro mbeteira-rósea. se está inconsciente, por mn companhei- lhas, a boca. làmbém mastigam a raiz,
ro. Aqueles que bebem toé furem um mês para entrar em comunicação com os es-
O thoé ou marikaua, segundo Riz- de rigorosa dieta. com abstenção de be- píritos dos mortos e pedir chuva.15
zini e Bastos, 13 encerra 0,30 % de 1-esco- bidas alcoólicas. Em algumas tribos, a droga é inge-
pol(Ilnina (hioscina) e apenas 0,02 % de rida pelos adolescentes. nos ritos de ini-
hiosciamina, sendo o primeiro alcalói- 6 ciação. Os yokuts consomem-na numa
de, portanto, o principal responsável pe- Toloatzin cerimónia da primavera. assegurando
los sintomas provocados pela ingestão da A Datura dos Astecas saúde e vida longa para os jovens.
droga. Datura inoxia Miller (D. meteloides Tomam-na os yumáns, para induzir so-
Descrevendo os efeitos da sua Da- nhos, ganhar poderes, predizer o futuro. Flor do estramJJnio, erwi dafeiliçaria eu-
DC ex Duval.)
ropéia, u.sada também por algumas naçDes
tura insignis, que observou entre os ín- Flores de corola branca e pubescen- itadígen:as none-amerieanas. ~lo da Suíça.
dios de Tabatinga, em direção do Peru, te, curtamente cuspidada (10 cm ou 7
onde o rio Amazonas tem o nome de Ma- mais). Frutos com espinhos relativa-
rafion, observou Barbosa Rodrigues que menle macios e pequeninas sementes &tramônio Planta sagrada dos zufiis, índios da
' 'pelas virtudes que nela encontram castanhas. A Erva-do-Diabo culnira pueblo, o estramônio (a 'neglalc-
servem-se sempre dela nos seus dias de SIN.: em náuatle toloatzin, hoje cha- Datura stramonium L. ya) pertence aos sacerdotes da chUV'cl e
tristeza e alegria''. Assim é que ''quan- mada toloache. Alguns aulores insis- Erva de flores brancas ou az uladas, aos chefes de certas fraternidades religio-
do os índios querem ver um parente, um tem on grqfar o nome específico com solitá rias, na bifurcação dos ramos. sas. Somente o xamã pode colher esta er-
amigo ausente ou morto, um &to que está dois nn, supondo que seu étimo é o Frutos ovóides, eriçados de grossos va. Ingerida, leva ao estado de transe, que
se passando longe ou se passou; quando latim innoxium - inócuo, inofensi- espinhos. A planta tem cheiro desa- petmite "ouvir as :vozes dos p4ssaros'',
desejam lembrar-se e assistir uma vitó- vo, que nllo causa dano. O primitivo gradável, sabor nauseabwulo. curar e adivinhar. Também é usada pe-
ria de suas guerras; achar um objeto per- nome específico metelóides era pela SIN. : erva-dos-bruxos, erva-do-cor- los médicos-feiticeiros como tópico. em
dido, passar, enfim, horas agradáveis em semelhança dessa Datura com a D . vo, erva-do-diabo, erva-dos-cheiro- ferimentos e contusões. É o que lemos
que só sensações agradáveis sintam, to- metei L., muito comum na Europa, sos, erva-dos-mágicos, erva-dos- em monografia do grande etnobotânico
mam meio cálice da infusão de S ou 6 onde a usamni como intoxicante. mortos, fedores. fedorentos, figueira- La Barre. 9
folhas, o que produz letargo e embria- brava. figueira-do-inferno, mamoni- Além dos zufiis (Utah), também os
guez durante o qual o espírito adquire lu- nho-bravo, pomo-espinhoso, zabUillba utes (Salt Lake), os pimas e maricopas
cidez hipnótica.,. A Datura inoxia era conhecida no (CE) . (Arizona) todos eles fumavam as folhas
Por essa descrição, vemos que o toé México desde a era pr6-colombiana e, Estran1onio, berengena del diablo, es- do estramônlo. misturadas com as de
ou maricaua tinha fama de possuir as ainda hoje. apesar da extrema toxicida- tramónica, flor de la trompeta, hier- uma ericácea, Arctotaphylos glauca. Se-
mesmas virtudes telepáticas atnbuídas ao de, continua a ser usada pelos índios do ba del diablo, hierba de topos, he- gundo Lewin, também mascavam as fo-
yajé ou caapi ou ayahuasca. O insigne bcr norte do país, como planta medicinal. dionda, higuera dei infierno, higue- lhas puras. sem mistura. 11
tânico e antropólogo enfatiza, ainda, a alucinógena e divinatória. r~ loca, manzana espinosa, trompe- Diz Schultes que os índios do nor-
natureza prazerosa da embriaguez produ- Como aconteceu com o peyotl, o to- tllla (esp.) e mais os seguintes n01nes deste dos Estados Unidos "fazem limi-
zida por sua Datura: "Sabemos que a be- loatzin atravessou o rio Grande e pene- latino-americanos: chamico, chamis- tado uso da droga''. Mas o estramônio
ladona, o estramônio ou o tabaco produ- trou n~ Estados Unidos, onde predomi- co, boja de tapa, iiongué, pedo de é o principal ingrediente do wysoccan,
zem o narcotismo. com visões, delírios. nou nas áreas secas e quentes do sudoes- fraile, pedro noche, tapata, vuélvete bebido pelos algonkins, leste dos Estados
O Índio e as Plantas Afllcindgenas 67
66 Sangirardi Jr.
~ ' '
O estramônio, com outras solanáceas, e71trova na f6mulla do wagüento das bncca.s. Nes-
ta ütogrofia de De~roix, Fausto e Mefist6feles presenciam uma orgia de bruxas e denúJnios,
no pico de Blocksberg.
Nicotiana rustlca L.
Nativa no México e na regillo leste
da América do Norte. Difere da an-
terior pelo menor porte, folhas maio-
res e mais tomentosas,flores amare-
ladas e menores.
32 Nomes do Tabaco
elo entre o homem e seus deuses, que ha- Entre o fndios greeks (Muskho-
bitam o céu inacessível aos vivos. gean), na festa das primícias (busk),
O uso ritual ela fumaça é comum en- quando o milllo amadurecia e ofertavam-
tre os mdios da América do Norte. atra- se as primeiras espigas aos deuses, fo-
vés do tabaco fumado em cachimbo. O~ lhas verdes de fumo eram jogadas sobre
jcto de profunda adoração, o cachimbo o fogo dos altares. E outras folhas ver-
presidia às cerimónias mágicas e religio- des de fumo eram mastigadas e ingeri-
sas, presente nos momentos supremos, das, a fim de que o seu efeito emético
nas grandes decisões. na hora de partir limpasse as almas em estado de impure-
para a guerra e na discussão dos trata- za. 13
dos de paz. Tinha cerca de 76 cm de Os índios chamados peles-verme-
comprimento, com o fomilho de barro lhas, entre o Canadá e os Estados Uni-
vermelho, o tubo enfeitado com penas de dos. acalmam os rios.e os grandes lagos
águia e cabelos de mulher. Havia o "ca- com a oferta de tabaco.3 'Iàbaco para
chimbo de guerra" (branco e cinzento) acalmar as forças da natureza é utilizado
e o "cachimbo da paz" (vermelho) ou também pelas mulheres nanbilruáras. ao
calwnet ~ Signo de hospitalidade, oca- norte de Mato Grosso: durante as tem-
lwnet, quando fumado ritualmente, as- pestades. ''sobem a uma casa de cupim
sinalava pactos irrevogáveis. e. soltando baforadas de fumo, atiram
Os sioux, na hora de fumar, apresen- cinzas ao ar, para amedrontar a tormen-
tavam o calumet aceso ao seu deus. ex- ta". 26
clamando: " Fuma. 6 Sol!" Os osages, O tabaco. ingerido ou fumado, pro-
do Missouri e Arkansas, pronunciavam duz o êxtase do pajé, o feiticeiro da tri-
esta prece: ''Grande Espírito. vinde fu- bo. colocando-o em contato com as for-
mar comigo. como um amigo! Fogo e ças superiores e invisíveis, que lhe per-
Os missioná rios con.siderovam arte do Demónio a defunaaçi1o com tabaco, feita pelo Terra, fumai comigo e ajudai-me a ven- mitem curar doenças. prever o futuro,
pajé. Paro o füdio, porém, o petum era a planta mágica e religiosa de maior intport/J.n cia. cer meus inimigos!'' O chefe dos natchez, afastar os maus espíritos. punir magica-
Sua fumaça tinha força teropêulica e lustral, servi.a paro incuJir coragem e afastar maus espf- de Montana, na hora do sol nascer, tira- mente quem comete erros ou pratica ma-
ritos (Grav. de Thevet, 1575. 34) va baforadas em honra do Oriente e, de- lefícios. A fumaça purifica e neutraliza
pois, de cada um dos pontos cardeais. 4 as forças adversas.
Un1 ritual dos sioux visa a situar o O insigne antropólogo alemão Koch-
Terra, e aos quais ele ensinou o xama- o fogo. O fogo aquecia. Assava a caça. anin1al em relação mística com o caça- Grünberg 18. citado por Jobannes Wil-
nismo, bem como a fonte de baforadas Aclarava as trevas noturnas. Afastava os dor, quando aquele é avistado. O cachim- bert, descreve o ritual ela morte e da es-
de tabaco, ligando a Casa ela Fumaça e animais bravios. E passou a afàstar tam- bo é aceso e a fumaça soprada em dire- queletização, iniciador do jovem fndio
o Oriente. Era o Pássaro Criador ela Au- bém os espíritos inimigos e as forças ção à caça, à terra e aos quatro pontos como xamã. Em lugar do alimento, in-
rora. adversas. cardeais. gere repetidamente grandes quantidades
O fogo purifica. Desceu do céu. Foi Quando um urso era morto, o caça- de tabaco liquefeito, tanto pela boca co-
dado ao hon1em pelos heróis civilizado- dor acendia logo seu cachimbo. colocava- mo pelo nariz. "Nesse estado", diz Jo-
Planta Mágica e Religiosa res. Labaredas crepitando nas clareiras º entre os beiços do animal e. soprando hannes Wilbert, ''o noviço faz sua pri-
da floresta. Fogueira acesa no alto da pelo fornilho, enchia-lhe a boca de fu- meira ascensão celestial. para encontrar
Paygi divinatorwn genus est, montanha . Pira dos sacrifícios. Brasei- maça. Com isso impedia a vinda do es- fuce a fuce os espíritos que habitam 0-
ro elas oferendas incruentas. Chama dos pírito do urso morto e de seus compa- outr~mundo." 38
qui suffitu herbaea Petun ...
Thevet 34 holocaustos bíblicos. Incenso dos alta- nheiros vi vos. Rochefort. citado por Spruce, afir-
res.
O caráter religioso da fumaça re- Do fogo nasce a fumaça, que passa • Nome dado pelos francesos do Cana<U a.o ..cachimbo da paz". ~ uma forma dialetal do c~t.
vocábulo que designa o tubo pelo qual se aspira a fumaça: do latim calunwlho, •caniço', dirninutiYO de
monta a ten1pos imemoriais. Desde as ca- a participar do mesmo poder lustral e calamus, 'cana'. O ~Q)ulo pa~o datar do século XVI.
vernas da pré-história o hon1em adorava exorcista. A fumaça sobe. E estabelece o
74 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 75
ma que cada pajé tem seu espírito fami- Com o tabaco são defumados os que lhes com1mica poder sobrenatural, outras façanhas. pela matmça dos hugue-
liar. a quem ele evoca por meio de um guerreiros. para que se mantenham bra- a se manifestar em todos os setores em notes na noite de São Bartolomeu e pelo
canto, acompanhado pela fumaça de ta- ms e vitoriosos« E já em 1577 contava que vierem a exercer sua atividade". 17 uso entusiástico do tabac à priser.
baco. cujo aroma atrai os espíritos. ZT, 31 Lery que os pajés tupinambás, soprando Para o índio. a doença tem origem Depois do rapé veio o cachimbo. En-
Wagley fula do pajé Tenetehara, dando a fumaça sobre os guerreiros. exclama- externa, inclusive com a projeção de ob- trou pela primeira vez na Europa em
profundas tragadas num grande charuto vam: ''Para que vençais vossos inimigos. jetos estranhos no corpo. Por isso, no seu 1586. Uni cachimbo indígena. Foi envia-
de tabaco natim enrolado com lfber de recebei o espírito da força.'' 20 O espí- ofício de curar. o pajé sopra. procede à do por Ralph Lane. primeiro governador
tauari. Ele canta e dança. O espírito s6 rito da força. A fumaça do tabaco, tera- sucção para extrair o mal e defuma com da Virgínia. a Sir Walter Raleigh, da In-
responde mediante os cânticos que lhe pêutica. divinatória e purificadora. en- o grande charuto de tabaco. glaterra. com instruções sobre o modo
pertencem e. para recebê-lo. o pajé deve mlvendo os homens e as coisas. nos A defumação estende-se também aos de usar. Em seguida chegou a vez do cha-
tragar grandes quantidades de tabaco. 35 diagnósticos. nos vaticútlos. nos ritos objetos de culto, como observou Staaden ruto. O cigarro cheruiria bem mais tar-
Essa ligação do ato de fumar e os cânti- propiciatórios, nas assembléias tribais. com os maracás dos tupinambás. 32 O de. Foi no séc. XIX. durante a guerra da
,cos consagrados a determinadas entida- nas cerimónias religiosas. E até na mor- maracá - feito com uma cabaça cheia Criméia. que os oficiais ingleses e fran-
des do espaço, é exatamente o que acon- te, quando o que vai partir é defumado de sementes ou pedrinhas - é um cho- ceses aprenderam com seus aliados tur-
tece nas religiões brasileiras de origem ritualmente e recebe. na bagagem fune- calho sagrado e nele habitam os espíri- cos o uso do cigarro.
ameríndia e africana. como o catimbó e rária, o tabaco que irá acompanhá-lo na tos. que se comunicavam com o xamã,
a umbanda. grande viagem. após a propiciação da fumaça de petum. Os Charutos Gigantes
Os missionários consideravam arte Quando a mulher dá à luz. em geral ou Cangueras
demoníaca os ritos do pajé. inclusive a num recanto da floresta, ela e o recém- Primeiro Foi o Rapé
defumação com tabaco. Lê-se, por exem- nascido são defumados pelo pajé. O mes- Os marinheiros de Colombo. na des- . . . a large cigar, 2 feet long
plo. em D'Evreux. mantida a ortografia n10 acontece nos ritos de passageni: as coberta do Novo Mundo. verificaram aruJ as thick as thp wrist.
da edição brasileira de 1874: "alen1 das moças, no primeiro catamênio, e os ra- com assombro que os índios, além dos R. Spn1ce 31
agoas de lustrações. e diabolicas abluções pazes. que se vão transfurmar em ho- enonnes charutões, usavam um aparelho
praticadas por estes feiticeiros tem uma mens. em forma de forquilha: dois tubos inter- D. Bartolomeu de las Casas. bispo
maneira particular de communicar seo Os jivaros do rio Pastaza, afluente comunicantes, que metiam um em cada de Chiapas, escrevia em 15Z7: ''Os ín-
espirito aos outros, isto é, por meio da da margem esquerda do Marafion. cele- narina. ligados por um tubo simples; por dios têm uma erva de que aspiram a fu-
herva Petun introdusida n'um caniço, de bram a festa dos hanens, de entrada na esse aparelho - o tabacco - sorviam maça com prazer. Esta erva está numa fo-
que elles pucham a fumaça, lançando-a idade adulta. O pajé fiDna um charuto cu- a fumaça do petum. Pelo mesmo apare- lha seca, como num cartucho. semelhan-
sobre os circunstantes ou soprando-a ja funuça sopra. com um canudo, para lho em forma de Y, os índios aspiravam, te a esse que as crianças espanholas fa-
mesmo na canna, exhortando-os a rece- dentro da boca do adolescente, que a en- pelas narinas. um p6 vegetal. que pen- zem na Páscoa do Espírito Santo. Os ín-
ber seo espirito e sua virtude. Parece que gole. O charuto é queimado de uma s6 savam fosse feito com as folhas secas e dios acendem num lado e chupam ou fu-
este cautelloso dragão quer com tal ceri- vez e a fumaça vai toda para o estômago n1ofdas do petwn. Era, porém, o p6 alu- mam pela outra extremidade a fumaça,
monia f41sa imitar Jesus Christo quando do noviço. A operação é repetida de seis cinógeno chamado cohoba, niopo ou pa- o que produz um entorpecimento e uma
deo seo espírito aos Apostolos, e o seo a oito vezes, em cada um dos dois dias ricá. feito com as sementes da Piptade- espécie de embriaguez. Eles pretendem
poder ao seos successores para transmi- da festa. Além disso. nos intervalos, o nia peregrina Benth. * (Ver Paricá, p. que. então. não sentem mais fàdiga. Es-
ti-lo aos iniciados nas ordens sagradas. iniciado deve beber suco de tabaco. As- 90). ses mosquetões ou tabagos, como eles
Assim se lê em São João - ''Insuflavit sim. comenta Lewin. é produzida ''uma O ''rapé'' dos índios era de cohoba próprios chamavam, estão em uso entre
et dixit ei, accipte Spiritum Sanctum": narcose durante a qual ele vê os espíri- e não de tabaco. Mas o homem branco os colonos: e como fossem censurados
"soprou sobre elles, e lhes disse - Re- tos que profetiz.am seu futuro e lhe dão fez a confusão. E começou-se a cheirar pelo hábito vil, respondiam que era im-
cebei o Espírito Santo''. D'onde estes fei- em grande escala força, inspiração e folhas de tabaco pulverizadas. Em pou- possível abandoná-lo." 4 (Já naquele
ticeiros tirariam esta cerimonia satanica. felicidade.•' 21 co tempo, o rapé dominaria a Europa. tempo era difícil deixar de fumar).
si o diabo não lh'as tivesse mostrado? Na festa do tabaco deis mulheres, em Graças principalmente a Catarina de Mé- Thévet menciona uma erva muito
Achando-se sempre fechados n'esta gran- honra das noivas e recém-casadas. as ma- clicis. que entrou para a História, entre singular - o petum - de cujas folhas se-
de e vasta região do Brasil, sem commu- tronas dos jivaros servem uma bebida fei-
nicação de especie alguma com o velho ta com folhas de tabaco mascadas e in-
mundo. como podiam aprendei-a de ou- salivadas. As mulheres, segundo Kastem. • Para maiores detalhes, consultar o trabalho pioneiro de William Edwin Safford, publicado em 1916,
tro modo?" 10 são ''possuídas pelo espírito do tabaco, onde o assunto 6 estudado de form.a ampla e profunda. 28
76 Sangirardi Jr. O Índib e as Plantas Alucindgenas 77
cas enrolam certa quantidade dentro du- moniaL tendo diante dele e à sua direi-
ma folha de palmeira muito grande, fa- ta, fincada no chão. uma fbrqnilha que
zendo um rolo do comprimento duma sustém o enorme charuto (boti, em tu-
candeia. 34 E Lery dizia que não se kuna). 33 Wallace, falando dos índios do
vêem "os nossos brasileiros" (nos Bre- Uaupés, descreve o charuto da hospita-
siliens) sem trazerem, dependurado no lidade do tuxaua (a state cigar), com cer-
pescoço, um cartucho com a erva do ta- ca de 20 a 25 cm de comprimento e
baco (un comei de ceste herbe). 20 2 ,5 cm de diAmetro. E descreve o mes-
Fernão Cardim assim se refere à can- mo porta-charuto. com cerca de 60 cm
guera dos aboágines. que ele grafa can- de comprimento, como um grande garro
goeira: " ... é um canudo que se tàz de de dois dentes e a extremidade pontiagu-
uma palma de folha sêcca._e tem dentro da, para ser fincado no chão quando não
três ou quatro rolhas sêccas da herva san- estiver sendo usado. 36
ta, a que os índios chamam petume, e ac- o cilindro de rolhas de tabaco apa-
cendem esta cangoeira pelo lado das fo- mrou Spruce, que teve de fumar um, que
lhas de petume, e como tem braza, a met- lhe fui oferecido pelos índios do Uaupés.
tem na bocca, e sorvem para dentro o fu- em sinal de hospitalidade: "um grande
mo, que logo lhes entra pelas cachagens, charuto, da grossura de um punho e com
mui grosso, e pelas goelas, e sabe-lhes 2 pés de comprimento" (2 pés =
pelás ventas fura com muita furia; como 60,96 cm). Observa Spruce que "o gran-
não podiam soffrer este fumo, tiram a de charuto usado no Uaupés é fumado
cangoeira fora da bocca". Em outro tre- da maneira usual, a fumaça solta pela 00-
cho: " ... e bebem o fumo •; he uma das ca; mas. nas regiões que margeiam a cc.
delícias e mimos desta terra, e são todos ta do Pacífico, na América Equatorial,
os naturaes, e ainda os portugueses per- o charuto, com 2 a 3 pés de comprimen-
didos por ella, e têm pot grande vicio es- to (60,96 cm a 91,44 cm), porém mais fi-
tar todo o dia e noite deitados na rede a no que o do Uaupés - é seguro com o
beber fumo, e assi se embebedão delle, lado aceso dentro da boca, soltando a fu-
como se fora vinho." s maça pelo outro lado sobre o doente ou,
Nesta gravura, além de um pé da tabaco, vêma-se fndWs fumando enormes charu1os ou
Foram essas cangueras ou cangoei- numa festa, no rosto dos convidados... cangueras, cuja fumaça tinha p~res sobrt!naturais. (Gravura de Thevet, 1575.34)
ras - charutos • • gigantes - que Co- [ ... ] É curioso que. até hoje, os índios
lombo viu nas canoas ameríndias de Cu- e negros, ao longo da costa, freqüente-
ba e que os marinheiros de suas naus, que mente põem o lado aceso do charuto den- é observada nos catimbós nordestinos, nas com a erva Petun, cujos vapores as-
haviam descido à terra, pensaram fossem tro da boca, como já havia sido observa- onde o oficiante (mestre) defuma os as- piravam (... en recevant la vapeur d 'icel-
archotes. do pelos que passaram pelo Panamá e sistentes com o fumilho do cacliimbo le parle nez, estant sur un rechàult). 34
Stradelli descreve um pajé tukuna, Guaiaquil." 31 dentro da boca e expelindo a fumaça pe- Desde os tempos mais remotos é co-
presidindo solenemente uma dança ceri- Es.sa forma de fmnar ao contrário lo canudo. nhecido esse processo de jogar folhas se-
cas sobre um braseiro, para aspirar a fu-
O Cachimbo maça, com finalidades de cura e de pra-
• Os cronistas do séc. XVl diziam: beber fumo, beber tabaco. Do H61i Chatolain. em R>lk-Talu o/ 1bévet contesta acremente un certain zer ou embriaguez. Depois, para concen-
J,
Angola, l.º conto, 'VCrsio A - Ngana Fenda M'1ia - destaco: .. sofresto tanto, j' caminhaste quase
dou meses sem comer nem beber. A tua comida eram castanhas de cola o a tua bebida, tabaco... E na
italien •. que teria contado a maior men- trar a fumaça, canaliVlndo-a até as vias
tira ao afirmar que, na Flórida, os nati- respiratórias, foi usado um tubo, feito de
nota 54, comspondénto ao trecho acima citado, Chatelain esclarece: ••Dâficilmette se concebo quo so
possa beber tabaco. Todavia, em quimbundo, em vez de di:zer fumar tabaco diz-so beber tabaco. O fumo vos (ces pauvres Barbres) ficavam qua- osso, madeira, caniços, pedras dóceis ou
6 classificado como líquido. Al6m disso, o fumo de tabaco 6 tido pelos A-mbundo como estimulante de tro dias sem comer e se sustentavam ape- terracota. Plfnio (séc. I) descreve a utili-
qualquer atividade trsica .8
•• O nome charul<' tom como étimo o tamul-malaiala chirutu, 'enrolar', atra\'6s do ingla& cMroot.
Já so disso cigarro, do espanhol. SIN.: cigarre (fr.), cigar (i.qg.), Zigar,. (ai), sigaro (it.).
* "um certo italiano", refere-se a Gohori. l.5
78 Sangirarrli Jr.
O Índio e as Plantas Alu.cinógenas 79
índios norte-americanos. Antes de se muskhogeans). Até que, incidentalmen- portugueses. Não encontrei, porém, no
zação desse tubo. para aspiração da fu- te. partiu-se o tubo de um cachimbo qual- alentado livro de viagens de Joban Nieu-
maça de uma raiz seca. como ren1édio chegar ao calumet, porém, a evolução foi
lenta. Um dia. o tubo condutor da fuma- quer e alguém teve a idéia de aproveitar hoff, qualquer rererência a esses cachim-
contra a tosse. 25 o fornilho. adaptando 110 mesmo um tu- bos pioneiros. Nieuhoff, refere-se apenas
O cachimbo "'· que já era usado na ça fui encurvado para cima. nmna das ex-
tremidades, formando o tomilho (índios bo novo. Nasceu, assim, o cachimbo de a enormes cachimbos de pedra. madeira
era p~olombiana, predominou entre os duas peç~s (índios algonkins, de Ohio e ou barro. usados pelos tapuias e cujo fur-
da Virgínia). nilho era tão grande que nele cabia uma
O cachimbo é instrumento sagrado mancheia de tabaco. 22
dos índios norte-americanos. destacando- Onde a Britânica teria ido buscar es-
se o célebre calumet, enfeitado com pe- se narguilé indígena? O engano foi devi-
nas de águia e cabelos de mulher (ver p. do ao fato de Nieuhoff, em seu livro, in-
73). Os índios. segundo De Nadaillac, cluir o tabaco no capítulo das bebidas
consideravam o material com que eram (Drank) e falar em "beber tabaco"22 (v.
fabricados seus cachimbos a carne petri- nota ao pé da p. 76).
ficada dos antepassados. 9 O narguilé brasileiro é a marica do
Enquanto os índios norte-ame- Nordeste, também chamada maricas,
ricanos só fumavam cachimbo, na Amé- grogotó e, no Maranhão, boi. É utiliza-
rica do Sul preponderava o charutão, am- da para fumar cânhamo (maconba ou
plamente descrito pelos cronistas colo- diamba), sendo a fumaça filtrada através
niais do séc. XVI. Dentre eles, porém, de uma garrafa ou de uma cabaça com
poucos notaram o uso do cachimbo, que água.
existia na época entre os tupinambás e
os guaranis, o destes últimos. segundo Outras Formas de
Scbaden, com o fornilho também feito Consumir Tabaco
com nós de pinho. 29 Lery observou, en- Com exceção das regiões mais frias,
tre os tupinambás. um enorme cachim- nos extremos norte e sul do continente,
bo rudimentar, usado pelos xamãs: "Em- o tabaco era a droga dos índios da Amé-
punhavam freqüentemente um canudo de rica - fumado, mascado, lambido, ab-
madeira, com 4 a 5 pés de comprimen- sorvido pelas mucosas nasais e das gen-
to'' (cerca de 1,21 a 1,52 m), ''em cuja givas. Schultes descobriu ainda, na Guia-
extremidade a erva Petum [...] seca. era na Inglesa, o uso do fumo em forma de
queimada ...'' 20 clister. 30
Consta da Enciclopédia Britânica, No Brasil colônia, várias tribos tu-
verbete Pipe smoking, que "no sul do pis eram apelidadas de petyguaras,
Brasil, em 1650, o viajante Jan Nieuhoff "mascadores de fumo". Os kayowás. de
• O nargui16, cachimbo oriental, 6 formado pela cabeça ou bacia (ondo se queimam as i>lhaa do
• O éú mo do vocábulo cachimbo é o quimbundo /áxima, coisa oca, pela troca do prefixo ki, dimi.m - fumo sobro brasas), a base (vasilha com 'gua, às vezos perfumada) e a cobra (longo tubo flexívol) . ÂD
úvo de ka. A palavra pit.o vem do verbo pitar (de pety-ar, tomar ou chupar o petym, fumo). SIN.: ptpe, passar pela 'sua, a fumaça 6 filtrada o refrescada, antes de ser absorvida pelo fumanto.
tobacco pipe (ing.), pipe (fc.), pipa (esp., it.),, l'feife -(ai.).
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80 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alu.cin.6genas 81
e insalivadas são consumidas em diver- dio contra todos os males. Com o tem-
sas cerimônias rituais. 17 Os jivaros e po, porém, fui-se evidenciando a ação
outras tribos do Equador fumam e, nas violentamente tóxica do fumo. Ao reno-
grandes festas, tomam tabaco pelo nariz, me da panacéia infulí:vel sobreveio o des-
em decocto ou umedecido pela saliva. crédito da droga letal. Os milagres da
Explica Lewin que, absorvido pelas na- erva-santa deram lugar à crua realidade
rinas, o tabaco atinge diretamente as vias da solonácea funesta.
de absorção. 21
O fumo é fundamental em diversas O Fumo nas Religiões
A cerimónias indígenas, sozinho ou asso- Populares do Brasil
ciado a outras drogas sagradas. É con- O mcábulo pajé, que designa o me-
sumido puro ou com aditivos, os quais dicine man tribal, passou a designativo
visam a libertar o alcalóide da planta. a também do sacerdote da pajelança, pra-
nicotina. Os arelroanás, da Guiana Ingle- ticada na Amazónia e no Maranhão. De
sa, preparam o fumo de mascar com ro- todas as religiões populares, foi a que
manteve maior fidelidade às suas origens
lhas frescas picadas e uma terra rica em
ameríndias. Em lugar dos antigos e enor-
salitre. Na Groenlândia, misturam-no mes charutos dos pajés indígenas, o pa-
com cinzas de cachimbo. 21 Os krayowás jé caboclo fuma um cigarro feito com o
misturam fblhas de fumo grelhadas e tri- Uber da casca do tauari, nome vulgar de
turadas entre as mãos com cinzas ou
pimenta-malagµeta. 29
O tabaco também era uSado pelos in-
A -Petum-awa, "lugar do tabaco''. Cachimbo$Dgnu:/o, usado exclu.sivammte pelo pajé dígenas como estimulante capaz de ven-
(pance). Mede 28 cm e, quando cluio, tinha fumo suficiente para várias horas. Recolhido cer a fume, a sede e o cansaço, portanto
por Charles Mágley, JfJ41. Írulios tapiropés, rio do mesmo nome. de efeito idêntico ao da coca. Cabanes,
B - Cachimbo paro batoque. 18,0 cm x 8,00 an na parte mais larga. Índio.s botocudos, em seu Remedes d 'autrefois 4. mencio-
Minas Gerais e regi4o linútrofe da Bahia. Museu Nacional, Rio de Janeiro, ns. 35.154 e 19.(XJJ. na diversos autores. médicos e cientistas.
que atribuíam ao fun10 aquelas virtudes
estimulantes. E já dizia Thévet que os ín-
Em algumas nações indígenas, se- ram-se ao redor dum pote de xarope de dios fumavam seus grandes charutos,
gundo Spruce. o médico-feiticeiro, além tabaco. metendo na massa, de vez em porque a fumaça ''atrai e faz distilar os
de defumar os enfermos, costuma se nar- quando, o dedo médio e o indicador, pa- humores supérfluos do cérebro: princi-
cotizar a si mesmo, mascando tabaco e ra lambê-los depois. Ter tomado deste ta- palmente raz passarem a sede e a fume
engolindo o suco. 31 baco equivale a um juramento. que obri- por algum tempo...•' 34 Lery, para ran-
Infurma K.och-Grünberg que os ín- ga a participar de tudo o que fui resolvi- cor de Thévet 20, vai mais longe e afir-
dios witótos, entre o Caquetá (alto Japu- do. Tumbém os mirandas têm esse cos- ma que os guerreiros tamoios, premidos
rá) e o Putnmaio (alto Içá), ttm o hábito tume." 19 Ainda Koch-Grünberg, desta pela necessidade, ficavam quatro a cin-
de "lamber tabaco" (Tabakschlecken). vez citado por Lew~ viu um índio wái- co dias sem nenhum alimento. a não ser
"Cozem as folhas de tabaco com água. ka, da bacia do Uaupés, que tinha um a fumaça das rolhas secas de petum.
até funnarem massa xaroposa. que é grande rolo de fumo entre o lábio infe- O índio. que revelou o tabaco ao
guardada num embrulho de rolhas, sen- rior e os dentes. 21 branco, usava essa erva, não só nas ceri-
do também remetida a outras hordas no O jesuíta Antonil fala dos que, além mónias mágico-religiosas. como nas de-
mesmo embrulho. De noite, os homens de fumar, mascam as rolhas. Diz ainda fumações de cura dos pajés. O branco fui
sentam-se juntos na maloca, mastigam que, não só mascam, como utiliz,am tor- mais longe. E fez do tabaco a maior pa-
coca e fàlam dos negócios do dia seguin- Médium da Umbanda, em tran.se, com
cidas que enchem os narizes com tabaco nacéia de toda a história da medicina. A o charuto fumado pelos caboclos, que serve
te. Deliberando sobre assuntos importan- em pó. l erva-santa dos cronistas coloniais, cele- também para o.s passes c<ma defumaçao, à ma-
tes. como uma guerra ou caçada, acoco- Entre os jivaros, as rolhas mascadas brizada em toda a Europa coq10 remé- neira dos pajés indígenas.
82 Sangirartli Jr. O Índio e as PI.antas Alucinógenas 83
San Pedro
brasileiros. com sincretismo católico, es-
pírita. esotérico. de magia européia etc.
Em suas sesWes. o ambiente ~tuma es-
de barro. com um longo canuqo e fomi-
lho pequeno. Os outros santos, quando
fumam, usam charutos.
Já vi algt1Dlas entidades fumarem ci-
9
tar saturado de uma densa fumaceira.
proveniente dos santos fi1Dlantes. ~ fu- garros. embora o cigarro comum seja
marada é devida principalmente aos Ca- mais usado com finalidades terrenas do
boclos (Oxósse). que fumam durante to- que espirituais, como, por exemplo, O Tocheiro Ca/Jeludo da Mescalina
do o tempo um charuto após outro, in- aquelas relacionadas com problemas de Trichocereus pachanoi Britton et Ro- ma de candelabro, tem o ovário co-
clusive uriliz.ando a fumaça nos passes, dinheiro. se. 1 Cactáceas. berto de pêlos negros e encrespados,
à maneira dos pajés indígenas. O ato de Nos despachos é quase obrigatório Cacto colunar verde-escuro, que atin- bem como as axilas das escamas do
fumar é tão frenético e contínuo. por par- colocarem charutos, juntamente com ve- ge de 3 a 6 metros de altura. Rarm- tubo floral e o fruto, que apresentam
te dos Caboclos, que eles são obrigados las acesas, garrafàs de cachaça etc. Os fica-se emforma de candelabro. Sul- longos pêlos negros. O nome espec(-
a cuspir amiúde, para o que são coloca- despachos mais comuns são para Exu, cos verti.cais, formando costelas. Pou- fico é em homenagem ao Prof. Abe-
das caixas com areia. nos cantos ou jun- "arriados" nas encruzilhadas. Por via de cos e.spinhos. BotêJes florais pontia- lardo Pachano, do Equador, que
to das paredes do terreiro. Exu fuma em regra não são macumbas para o mal, co- gudos. Flores termi.nais, muito gran- acompanhou o Dr. Rose em sua via-
geral charutos baratos, de fumo mais fbr- mo geralmente se pensa. mas obrigaç"es des (19 a 23 cm de comprimento), gem pelos Andes equatorianos, de 17
te; sua mulher. Pombagira, fuma cigar- ou presentes, isto é, ritos de iniciação brancas, com tonalidades verde-cla- a 24 de setembro de 1918, quando fo-
rilbas. Os Pretos Velhos preferem um pito ou purificação e oferendas propiciatórias. ras e castanho-avermelhadas, desa- ram colhidos espécimens desse cac-
brocJuun à noite e silo perfwnosas. to.
Esta ~pécie é encontrada nas regiões SIN. - O San Pedro é também cha-
andinas - Equador e norte do Peru mado huachuma. Outros nomes vul-
e da Bolívia - a wna altitude que \a- gares: agua colla, cardo, huando her-
ria entre 2 .(X)() e 3.<X>O metros. moso, gigantón, San Pedrillo. Apesar
O nome genérico significa •'tocha ai- do nome gigantón, nilo é o de maio-
beluda '': gr. thrix, trichós, lJQ<~ , res dimensões, pois há cactos do gê-
8Qixos, 'cabelo: + lat. ccreus, 'to- nero Cereus com mais de 15 metros
cha: 'vela de cera: A planta, em for- de altura.
86 Sarzgirardi Jr. O Índio e as P/4ntas Alucinógenas 87
Entre os objetos rituais incluem-se a ba- rinas. Mais tarde tomam a beberagem féi-
cia e o chocalho, que são marcas, isto é, ta cem San Pedro, que provoca visões
objetos sagrados do catimbó. As rorças mescalfnicas - o remolino- um calei-
positivas deste campo concentram-se em d~ópio de cores e desenhos. O xamã.
oito bastões cravados no solo: Bico de o consulente e alguns assistentes notam
Espadarte, da Águia, do Galgo, do Beija- quando um dos bastões vibra, identifi-
Flor, da Virgem das Mercês, Espada de cando o caminho mágico a ser seguido
São Paulo, Sabre de São Miguel Arcan- pelo maestro ou curandero. 4
jo e Espada de São Jaime, o Velho. Conta Claudioe Friedberg que o
O equilíbrio é encontrado no cam- maestro, muitas vezes, completa a cura
po médio, neutro, governado por São Ci- com ritos de purificação, inclusive um
priano, poderoso mágico que se conver- banho nas águas geladas das grandes al-
teu ao cristianismo. As rorças neuttas es- titudes. Nesse ritual de purificação, à
tão concentradas na Espada da Serpen- margem dos lagos gelados, os fiéis, que
te. É neste campo que o xamã divisa, re- já ingeriram o cacto na noite anterior,
fletidos numa jarra de ervas mágicas ou submetem-se ao shingar, isto é, a aspi-
num espelho de cristal, o problema e a ração, em conchas, de tabaco misturado
solução de cada caso que lhe é submeti- com álcool. 2
do.
As sessões de cura são reaHzadas à Medicamentos e Guarda-Noturno
noite, ao ar livre, em qualquer dia da se-
mana. menos às 2as. feiras. ''dia dos es- O San Pedro ou huachuma não é
píritos", quando as almas saem do pur- apenas o cacto que fornece bebida aluci-
gatório e erram pelo mundo. nógena de coosumo ritual. É também
Consiste a sessão em orações, inmca- usado na medicina popular. E após ser
ções e cantos ou tarjos, que correspon- preparado magicamente pelo xamã, é um
dem às linhas do catimbó, e são ritma- excelente guarda-noturno, que aparece
dos pelo chocalho xamanfstico, o mam"- aos estranhos como um homem de bran-
cá das mesas nordestinas. co, de chapéu. Ou então emite um asso-
Os assistentes conseguem sua eleva- bio tão incomum e medonho, que pro-
ção absorvendo tabaco líquido pelas na- voca a fuga de qualquer intruso.
Depois da serpente, o jaguar é o animal mais frequente nas vislJes provocadas pelas dro-
gas do índio. Neste vaso, descoberto no Peru, o jaguar está in.timaniente ligado ao San Pedro,
o cacto colunar. Foto reproduzida por Douglas Sharon, em Flesh of tbe gods. 4
;n O Índio e as Plantas Alucinógenas 91
Paricá
10 & Virola
• A palavra rapé designa especificamente tabaco em pó para cheirar. R>r isso, ao referir-me
ao paricá e l virola, escrevo sempre entre aspas : .. cap6".
92 Sangirardi Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 93
xiitas se autoflagelam, con1en1orando o paciência e desagrado, baseados na cren- uma g.relha de madeira resistente. A pasta lado para outro." 2 Ma:rtius. mais de um
marúrio de Ussein ou Husain, neto do ç.a (não duvidamos sincera) de que os pa- endurecida tem a furma de pequenos bo- século antes, descreveu quase da mesma
profeta Maon1é~ e ainda boje, na Sema- jés tinham relações diretas con1 o Dia- los. Quando queren1 se servir. reduzem- forma os efeitos do Schnupjpulver: ''Sú-
na Santa, ocorrem autoflagelações dos bo." 39 na a um p6 fino .. .' '. bita exaltação, palavreado sem nexo, gri-
crentes no sul da Itália. notadamente na Humboldt supunha que a força ex- tos, cantos. saltos e danças são o resul-
Sicília. e. no Brasil. nos sertões nordes- citante do tabaco dos otamákas era devi- ~do da operação. após a qual. entorpe-
tinos. Nas Tabacarias da Mata da às conchas frescas calcinadas.17 Na cidos ao mesmo tempo por bebidas e to-
Frei Bartolomé de las Casas fula de Há tribos que usam o ''rapé'' do pa- realidade, a cal viva não encerra qualquer da a sorte de excessos, caem num estado
uma tribo que se reunia para discutir ricá puro, o que é, no entanto, bastante princípio ativo: apenas ajuda a libertação de bestial embriaguez". 38
assuntos difíceis e importantes, inclu- raro. O universal é usarem um ou mais do alcalóide da planta. Como acontece com inúmeras outras
sive de guerra. Durante a rcllllião. o che- aditivos, os quais são idênticos aos da co- drogas. é comum, no consumo do pari-
fe· tomava coboba. Após o extase pro- ca: conchas trituradas de caranulj os hi- Múltiplos São os Efeitos cá, a antinomia exaltação e apatia, fúria
vocado pela droga, descrevia sua visão. drófilos, farinha de mandioca e. ainda, Conta o padre José Gumilla que os e narcose.
''dizendo que o Cerni lhe tinha ralado, outras drogas hierobotânicas, como o fu- otomákas, "gente áspera e belicosa". Otto Zerries. entre os waikás. viu um
e predito bons tempos ou o contrário. 010 ou tabaco e o ayahuasca, caapi ou usam uns pós malignos que chamam yu- médico-feiticeiro (MMi.zininmann) pas-
ou que as crianças estavam para nas- yajé. pa. droga ''que lhes tira totalmente o jui- sar do estado de possesso (Besessenheit)
cer ou morrer. ou que haveria alguma Spruce revela que, ao lado do esto- z.o e, furiosos, emp1mham armas; e se as ao desmaio, à perda de consciência (Be-
disputa com os vizinhos. ou outras coi- jo de niopo, o Guahíbo leva sen1pre, pen- mulheres não forem destras em wusstlosigkeit). 45
sas que podiam vir à sua imaginação, durado no pescoço. um bocadinho de interceptá-los e amarrá-los, fariam estra- Serrano diz que os indígenas ficavam
tudo perturbado com essa intoxicação; caapi. usando as duas drogas altcrnada- gos cruéis cada dia''. Os salivas e outras furiosos sob a ação do pó finíssimo que.
ou. se não era assin1, o que o Diabo n1entc. Ambas são consunlidas en1 todas nações também usam a yupa. ''Mas co- absorvido pelas narinas, ia até o cérebro
trouxe para eles, a fin1 de conquis~ as tribos dos afluentes do alto Orcnoco, mo são gente mansa. benigna e covarde. e tinha efeito fulminante. ("... y nada se
los para o seu culto." 20 isto é. dos rios Guaviare, Vichada, Me- não se enfurecem como os nossos oto- podia con1parar a la furia con que los in-
Falando sobre os índios otomákas, ta, Sipapo etc. 39 mákas, que, poI isso. são e continuam dios recebian el polvo por las ventanil-
sentenciava outrora o padre Gunlilla: Gwnilla, falando dos otamákas: sendo formidáveis para os Caribes; por- las. Algunas veces quedaban muertos en
''T~m um modo péssimo de onborra- ''Após haverem comido uns caracóis que antes da batalha se enfureciam com el mismo lugar, ya como effecto de la so-
charse por las narices, com uns pós ma- muito grandes, que acham nos alagadi- yupa, feriam a si mesmos e, cheios de breexcitación, ya ahogados por el polvo
lignos. que denon1inam yupa. .. [.. .] ços, põen1 as conchas ao fogo, rcduzindo- sangue e furor, safam para combater co- fmissimo soprado hasta el cerebro."36
Preparam esses pós com algumas sen1en- as a cal viva, mais branca do que a ne- mo tigres raivosos." 14 Até aqui foi o pé da loucura e da
tes de yupa, de onde lhes vem o nome. ve; misturam essa câ.l com a yupa, en1 Mas a droga não é apenas instigado- n1orte. Mas há outros sinton1as provoca-
Esses pós têm o cheiro de tabaco for- quantidades iguais." 13 ra da fúria guerreira. Segundo o sábio dos pelo paricá.
te: o que acrescentam por artificio do De- Humboldt descreve com n1ais deta- berlinense Humboldt. ''quando os oto- Becher descobriu porque os suráras
mônio é que lhes causa a embriaguez lhes: "Eles colhem as vagens dun1a mi- mákas de Uruana, pelo uso do niopo (seu e pakidáis, do nordeste brasileiro, acre-
e a fúria ." 13 mosácea que nós tomamos conhecida tabaco em árvore) e dos licores fem1en- ditam na existência de gigantescos espí-
Razão tinha. portanto. o bom Spru- com o nome de Acacia niopo; arnun.am tados, caem num estado de embriaguez ritos, de anin1ais e vegetais. Depois de
ce. quando afumava: ''Os relatos dos an- em porções, umedecen1 e fazem fenuen- que dura vários dias, eles se matam uns consumir o paricá, seguiu-se. aos efei-
tigos missionários sobre o procedimen- tar. Assin1 que os grãos un1edecidos co- aos outros sem lutarem com amias." 17 tos desagradáveis da droga, unia curiosa
to dos pajés são raramente con1pletos ou meçan1 a escurecer. são amassados co- Le Cointe, em 1947. disse que "o p6 sensação de macroestesia: ''... eu n1e
dignos de crédito. ~es piedosos homens mo un1a pasta; e após haveren1 mistura- soprado nas ventas produz uma excitação sentia uni gigante entre os gigantes. To-
viam neles o grande obstáculo para a do farinha de mandioca e a cal tirada ela muito grande. loquacidade, cantos, gri- das as pessoas que se encontravam perto
aceitação da fé cristã pelos nativos e sem- concha de un1a Alnpullaria ~ expõen1 to- tos, saltos...'' 21 Hans Becher, que este- de mim. inclusive os cães e os papagaios.
pre escreveram sobre eles com certa im- da a massa a um fogo muito forte, sobre ve entre os índios suráras e pakidáis, nu- pareciam ter ficado subitamente de pro-
ma comunicação ao Museu Etnológico porções gigantescas". 2
• Ampullaria La.m. Gêoero de molusco gaslrÓpod~, pulmonado, que vive nos rios e lagos. Em tupi, de Hamburgo, em 1960, escreveu: ''. .. Luís da Câmara Cascudo fala dos
am'á. quem aspira o "rapé" entra nwn estado efeitos oníricos resultantes do uso da dro-
de excitação inimaginável. enraivecendo- ga: ''A fruta do paricá (Mimosa acacioi-
se, gritando, dan,ando e saltando de tm1 des ou Piptadenia pe-regrina Benth.). tor-
O Índi.o e as Plantas Alucindgenas 97
96 Sangirardi. Jr.
tos psicativos. 41 , 10, 15, 33, 6, 28, 29 Os guahfbos levam o pó em úbias cea e espécies afins, considerando o or- duzido nas fossas nasais mediante sopro
ocas de anta ou tapir. 6 Spruce descreve namento unu defesa contra o etltívios do próprio paciente ou de terceiro. As va-
Parafernália um estojo feito de uni pedaço de os o de contrários e o mau-olhado dos inimi- riações de uso dependem principaln1en-
A Boceta Rústica do Í ndkJ jaguar. Edependurado ao pescoço e en- gos.39 te da forma do tubo inalador: en1 Y, en1
Os estojos para guardar o pó de pa- feitado com rizon1as duma ciperácea, A maioria dos estojos é feita com a V, en1 X ou formando uni duto único, em
ricá pronto para uso são feitos de osso, Killinga odorara Vahl., o nosso capim- concha dum caracol, identificado, segun- reta.
concha de caracol, gomo de ban1bu ou de-cbeiro. Ao longo do Amazonas e do do Wassén, con10 Buli.Jnus ou J-Jelix ter- O tubo em Y, assinalado pelos etnó-
cabaça. Orenoco, utilizam os Cndios essa ciperá- restris. 43 Koch Grünberg, estudando a logos em quase todas as regiões onde é
cultura das tribos do baixo À paporis e al- consumido o paricá, niopo ou cohoba,
~' to rio Negro, relata que o " rapé" de pa- é o mesmo que Colombo encontrou no
ricá era guardado pelos indígenas ''en1 Caribe. Spruce, em 1850, achou-o nas
pequenas cabaças esféricas "' ou en1 con- duas n1argens do Amazonas, a partir de
chas de caracol." LS Santarén1, passando pela bacia do rio Ne-
Estojos de entrenós de ban1bu são gro e indo até as cataratas do Oreno-
comuns em dive rsas tribo , con10 dos co. 39
nuúras. xiria.nas. waikás. etc. Os inaladores cn1 Y são geraln1ente
usados colocando cada extrcnúdade da
Tubos Inaladores tbrquiU1a nun1a narina e o lado oposto
Em suas prises de paricá (ou de vi- n1ergulhado no "rapé" - en1 estojo,
rola) os ú1dios não usan1 os dedos para bandeja ou na paln1a da mão - que as-
levar a pitada de pó às narina , con10 fu- sin1 é fortemente aspirado.
zcm os brancos com o rapé: utilizam Spruce descreve a técnica dos índios
sen1pre um tubo inalador. katawixfs, guahfbos, muras etc., que to-
Salvo raríssimas exceções, os tubos n1an1 paricá com um n1bo em V, fom1an-
de inalação são feitos de ossos ocos, sen- do un1 ângu1o curvilCneo, de maneira que,
do que, nos que formam ângulo, do tar- quando uma exten1idade é posta na bo-
so de uma ave pernalta. ca, a outra alcança uma narina. Unia por-
O "rapé.. de paricá (ou de virola) ção de " rapé", colocada previamente
é consumido de duas fomlas diferentes: dentro dum tubo, é soprada com furça pa-
a) através de aspiração nasal; b) intro- ra dentro da fossa nasal.39
Jambé-talciçá, aspirador de paricd emfomw de Y, feito com ossos de ave. Índios mawés,
Tubos i11a/adores, pena para limpeza dos tubos, estojos diverso~ para gua.rdar o " rap.é ' : rio Tapaj6s. 0,35 ena x 0,1 cm cada tubo. Museu Nacional, Rio de Janeiro, n .0 2 .917.
bandejas, banqlleta, enfim, toda tuna parafernália utilizada par~ a malaçdo ntual de pancá.
Ilustração: "Viagem F ilosófica" , de Alexandre Rodrigues Ferreua (1783-1792), apud Oswaldo
A . Costa.6 • Provavelmente os frutos secos do Crescentia c11jc1e L., a nossa cuia ou cuité, uma bignoniácea.
100 Sangirardi Jr.
O Índi.o e as Plantas Alucinógenas 101
Hans Becher viu, entre os waikás. humor de outro aparelho das pessoas so-
um grande tubo único de 64 ,5 cm de ciáveis, com os ossos em X, através dos crita por Humboldt17 e por De La Con- as suicãs dos índios mawés, com moti-
comprimento, que era metido no interior quais, ao mesmo tempo, dois an1igos so- danúne, 8 tem exemplares expostos no vos ornamentais, as mais belas bandejas
de um estojo de "rapé'', do qual era as- pram o " rapé" um para o outro: prise Museu Nacional do Rio de Janeiro. São de paricá de que tenho notícia.
pirado diretamente. 2 Esta fomui de ab- em uníssono, duo concertante. ''viagem''
sorção, aspirando diretamente num tubo dos vasos comunicantes (Les amis s 'ap-
reto e, além disso, de proporções enor- prochent et souffient à l'wiisson , ils s 'en
mes, é das mais raras. O universal, nos voient réciproquement la prise.)1
inaladores de duto único, é que o 'era-
pé'', colocado no seu interior, seja sopra- Bandejas Rituais
do por um companhei.ro na outra ex.tre- Em algumas tribos. o tubo de inala-
D1idade do tubo. ção é associado a uma bandeja ritual, de
Crevaux, que estudou a cultura dos osso ou madeira, Jinhas retilíneas ou cur-
witótos, refere-se ao rubo em Y como o vas, onde é posto o Hrapé" a ser aspira-
modo de operar dos egoístas. E fala com do. Es e tipo de bandeja ritual, é des-
Clister de Paricá clister.' •38 Alén1 dos otamakas, o enema fuiticeiros tomarem "rapé" e tocarem deira. Não é conhecida na Colôtnbi.a
Spruce fala de um tubo de clister (a de paricá era conhecido dos muras, ma- flauta.44 É curioso que às margens do rio '
e1n cuja região amazônica parece ser
clyster-pipe) feito com o grande osso da wés. tikúnas. Diz Martius: ''Quando se Trombetas, na Amazônia brasileira, Fri- muito 1nenos coniwn que a V. ca-
perna do tuiuiú*. Antes de partir para a sentem fracos. recorrem a essas semen- kel encontrou, entre os pajés dos índios lophy lla.
caça. o katawixf toma um clister (de pa- tes adstringentes tan1bém em forma de kaxuiânas. o mesmo uso ritual do "ra- F.Jn 1951e1952, na exploração do rio
ricá) e aplica outro no seu cão, a fim de clister" (Nach Monteiro, Jon1. de Coun- p6" e das flautas sagradas, cujas melo- Apaporis (Soratama), sul da Venezue-
clarearem a vista e ficarem mais alertas. bra, 1820, § 145).25, 38 dias eram o meio de comunicação com la, R. E., Schultes e Eduardo Cabrera
E" um purgativo mais ou menos violento, o grande espírito protetor da tribo (ver estudaram as 1niristicáceas acima,
de acordo com a dose. 39 Arqueologia p. 92). foniecedoras de ' 'rapé'~ Quase todos
Metraux encontrou o mesmo dispo- Junho de 1895. Max Uhle descobre os dados deste verbete são devi.dos
sitivo entre os karip(lnas: '·... provocam em Tihuanaco, Bolívia, um interessante aos trabalhos publicados por Schul-
o estado de transe tomando paricá (Pip- tubo de aspi rar " rapé", usado possivel- 2 tes.
tadenia sp.) na forma de clister, que apli- mcnte pelos qLúchuas. A extremidade, Vi rola
cam uns nos outros com uma seringa de em forma de Y, resultava da bifurcação Gênero de árvores da famíl ia das SIN. : Os índios puináves dão à viro-
borracha. provida dum tubo de osso."Z7 do metatarso ou osso da perna de uma M iristicáceas. Za o no1ne de iàquf (yakee) . Entre os
A mesma seringa - com um tubo lhama. O tubo, decorado com arabescos, yekwanás é hacudufa (hakúdutba) .
que é introduzido no ânus - para absor- está expo to ao Museu de Ciência e AI- 2 .1 Vi ro la calophylla Warb. Outros 1101nes: epená, nyakuana, ya-
ção da droga pelo reto - foi descrito por te de Filadélfia.31 (Myristica calophylla Spr. , Virola in- ca ou yala e, e1n J..-uripako, yato. Os
De La Condamine, entre os índios omá- Junius B. Bird. citado por Wassén e color Warb. , Otoba incolor {Warb.) tukanos charna1n a viro la de paricá,
guas, do ~1araiion. •'Foi com esses ín- Holmstcdt,44 descreveu material arqueo- Kast.) nonie pela qual é conhecida na regiiío
dios que os portugueses do Pará apren- lógico descoberto no Peru, incluindo Tronco 1nuricado, castanho-avenne- dos rios Negro- Uaupés e que, eJn ou-
deram a fazer bombas ou seringas. que bandejas retangulares e tubos inaladores lhado, co1n cerca de JOrn de altura e tras áreas, designa Piptadenia spp.
niio precisavam de pistom. Tinham a for- de osso, para ''rapé''. Esses artefatos, se- 20 cni de di/Jrnetro. Folhas ovadas,
ma de pêras ocas, com um pequeno ori- gundo os cálculos. ren1ontan1 a 1000 anos lanceoladas. Flores 1niúdas, apétalas, A Geografia da Droga
fício na extremidade. no qual é ajustado a. e. trilobadas. Inflorescência eJn panícu- A área de consumo abrange o Vau-
um tubo de madeira. Quando eles se reú- Em exposição no Museu de Gotem- las. Pedúnculos alongados, dando ao pés colombiano, a bacia do alto rio Ne-
nem para algun1a festa, o dono da casa burgo há peças que foram várias vezes botão floral o aspecto de wna cabe- gro (Brasil), a região drenada do Ore-
Qão dciJQi de apresentar uma seringa de catalogadas como "apitos", n1as são na ça de serpente. Habitat: Brasil, no- noco e suas cabeceiras. ao sul da Vene-
borracha a cada convidado, como gesto realidade inaladores, con1postos de 1una roeste da Amazônia, e zonas lün(tro- zuela.
de cortesia; o seu uso precede seo1pre, parte de barro e un1 tubo de osso, for- f es da Colô1nbia, do Peru e sul da ~ Durante viagens que realizou entre
entre eles, os hábitos cerin1oniais. Con10 n1ando uma só peça. Foram descobertos nezuela. Nesta últi11w, há 1nais de uni 1911 e 1913, o entlnente eUlólogo alen1ão
hábito assim estranho pode se estabele- no Peru.44 século, Spruce colheu a espécie-tipo, Koch-Grünberg encontrou entre os ye-
cer entre esses índios parece à primeira S. Henry Wassén, talvez a n1aior au- às 1nargens do rio Casiquiare. kuanás, índios do rio Veoniari, na Vene-
vista inexplicável; nias o testen1unho de toridade mundial em "rapés" an1erín- &pécie afon: Virola Theiodora Warb. zuela, un1 " rapé" tóxico "preparado
outros viajantes mostra que tal prática dios, descobriu en1 Costa Rica, 1958, ina- (Myristica theiodora Spr. et Benth.) com a casca de uma árvore." 19 Tudo le-
existe - ou existiu - entre outras tribos ladores de barro cuja forma lembra ca- SIN. : bicuíba-cheirosa. va a crer que tal árvore era a virola, cujo
nas margens dos tributários do Amazo- chimbos ou, melhor ainda, ocarinas. consumo pelos ameríndios teve, assim.
nas. Nessas injeções (enemas) não era Doris Stone faz referência a peque- 2.2 ViroJa calophylloidea Mark. seu prín1eiro rcgistro. Ducke9 - por cer-
usada água. mas um extrato das mesmas nos inaladores de barro, com um ou dois (V. lep idota Sniitlt). to informado erradamente - registra
sen1entes com as quais é feito o 'rapé'"8 tubos de aspiração nasal. destinados pro- Pequena árvore, se1nelhante às a111e- que, no alto rio Negro, "o pó de paricá
Na "Viagem", revela Martius que. vavelmente à cohoba (Piptadenia sp.) ou riores. Nasce às 1n.argens d os rios e vem das folhas de espécies de Virola•'.
entre os otomakas do Orenoco, "outro ao tabaco. Ela aponta, como traços cul- regatos. Flores pardacentas. Folhas Koch-Grünbergt8 tan1bém parece haver
uso do paricá é um decocto em forma de turais do sul de Cosw. Rica, os médicos- e flores duas vezes menores que as da se enganado, ao registrar. no alto rio Ne-
V. calophy lla; pedúnculos bmn 1nais gro e baixo Apaporis, o •'paricá prepa-
+ Tuiuiú, cabeça-de-pedra, cabeça-seca, passarão: Mycteria americana L., ave da fiuni1ia das Cicônidas. curtos. rado com sementes secas de espécies de
Habitat: rara na A.Jnazônia brasilei- MiJnosa ' '. Schultes33 - que durante 12
ra e nos vales dos rios Negro e Ma- anos pesquisou a flora ao noroeste da re-
104 Sangirardi /r. O Índi.o e as Plantas Alucinógenas 105
giãq amazônica-assegora que o paricá ca, esta é raspada e tirada do pote, para
da baciã dôs rios Negro e Uaupés é de ser pulverizada, transforn'lando-·se em
Viro/a; o de Piptadenia, pelo menos na " ra pé"
. • ao qu. ai são nustura
. da· s, em par-
atualidade, é provavelmente desconheci- tes igu_ajs, cimas de vegetais.
do e, sem qualquer dúvida, não usado na
região. As Prises do Xamã
R. E. Schultes, em auto-experiên-
Obtenção do Látex cia, tomou um tero.o de uma colher de
Schultes34 descreve pormenorizáda- chá rasa. em duas inalações, correspon-
mente a coieta das Gascas de Vuola para de.nte à q1,larta parte da dose usada por
preparo do iàquí, às margens do Vaupés um xamã. Para aspirar o "rapé", u.sou
(Colômbia oriental) e do alto rio Negro o caractedstico tubo em Y. Sintomas
(Brasil). principais: desenhos sobre os olhos, se-
Habitualmente os índios retiram a guidos de forte e constante dot de cabe-
casca das árvores às primeiras horas da ça; alteração ua sensibilidade do~ pés e
n1anhã, antes que os raiõs solares, come- da~ mãos; difieuldade de caminhar; náu-
çando a penetrar na floresta, possam seas. lassidão e mal-estar; forte mich1a-
aquecer os troneos. (Os raios quenres do se. Seguiu-se sono agitado, freqüente-
Sol reduzen1 grandemente a quantidade mente interrompido, que durou a noite
de resina fornecida pela planta, além de inteira, em meio a transpiração abundan-
enfraquecerem os efeitos narcóticos.) te e deseonfurtável, talvez resulradó de
Largas tiras da casca.. que se destacám pequel#l febre. O experimentador cen-
faeilmente do câ:tnbio, são. retiradas do cl~iu pelá potência narcótica do '' ra-
trouco. L<?go após c0meça a fluir em pe- pé''. 33, 34
quenas gotas. na parte interna da supei:- A droga contém miristicina, óloo es-
ffcie da casca, profunda exsudação (ou sencial taQlbém pre·sente na noz-
''sangria'') duma resina âvennell:iada. Os níoscada, condimento tóxico, quando em
princípios ativ0s da P,lanta estão contidos dose inadequada. Foram veiific.aclas ain-
nessa exsudação. da, ne·s ''rapés" de virola, altas concen-
traç0es de triptaminas, especialmen~ a
Preparo do "Rapé" 5-metoxi-N, N-dimetiltriptam ina.
Os feixes da Ca§Cà ~o mergulhados O "rapé" é perigoso e pode ser le-
n'água, durante meia hora. A p,àrte in- tal. Comenta-se, nas barrancas do rio Iri-
terna e macia da casca, em cuja superfí- nida, que há vinte e cinco anos, so\> a in-
cie a exsudação se contlensou, é raspada fluência do iàquí (yakee), morreu o xa-
com faca ou machadinha. As raspas (yá- mã Puinave.
kee-tá) são ctridadosaniente aniassadas Como acontece com os "rapés"
dentro d'água, que se toma turva e ad- oriundos cle Piptadenia spp. , os oriun-
q1úre cor marron1 ou escura. Em segui- dos de Jlirola spp. também são de uso ri-
da esse liquido turvo é coado, fervido du- tual, exclusivo do médice-feiúceiro. Es-
rante horas, decantado, até que reste ape- te cai ntun sono profundó e inquietô, po-
nas, no fundo do pote, unt xarope voado de alucinações visuais e sonhos re-
A diftrença etitrt a Vi.rola calophylla e a Virola calophylloidea é apenas moifoft!gica: m.arrom-escuro. O pote é posto ao sol, veladores. Enquanto donne, o xamã g~
A segwula tem flores efofha.s menores e pedúnculosfloraismais curtos. Anibm silo igualmen- para que o xarope se solidifique lenta- n1e, murmura, grita, sons divinatórios
re violemos como narc6tico. nJente. Quando 'Se fornia uma Ciosta se- atentamente observados por ijJll acólito,
106 Sangirardi Jr.
407
Coca ou Ipadu
11
A Droga do Jej1un e da Vigília
Erythroxylon coca Larnk. rnenle "árvore'~
Arbusto da família das Eritroxiláceas. E1n 1499, o padre e~panhol To1nás
1 a 3 m de altura. Folhas alternas, Ortiz, 4 dirigindo-se a seus superio-
O\.:adas,finas e opacas, verde-luzidias res e clesiásticos, descreveu uma er-
na página superior, verde-claras ou va usada pelos índios su [-americanos
a1nareladas na inferior. N esta última, da costa norte, derwmiriada hayo. Foi
urna característica marcante: lÍ!nitan- a prhneira notícia de coca chegada
do a parte areoWa, duas linhas cur- à Europa. Ainda hoje, nas regiões se-
vas longitudinais, de cada lado da tet rionais, onde as folhas silo tosta-
nervura central saliente e bem pr6- das, é comum a deno1ninaçllo hayo
ximas desta. Flores 1niúdas e perfu- e huiu. Talvez seja, segundo Büh -
1nadas, pent&neras, brancas ou cuna- ler, 3 o étirno dos nomes ebee, bibio,
re ladas. Fruto monospenno, drupa hibi, d o nordeste do Peru.
vennelha com cerca de 1 an.
H oje não se conhecem espécies es- O n orne genérico Erythroxylon sig-
pontâneas e pequenas variantes geo- nifica "madeira vennelha ": gr. ery-
g ráficas não podem ser consideradas thros, eQu~pó~ , venneJha + xylon,
11ova.s· espécies cul1ivadas, corno, por éúÀo.,., , madeira.
cxernplo, as duas abaixo.
substâncias são adicionadas às folhas de tostadas. É o que acontece no vale do que, em nenhum caso e de forn1a algu-
coca para o masticatório: tapioca,29 Amazonas ou na regjão setentrional da ma. deve-se obrigá-los a tal trabalho. Se-
soda-cáustica, 13 pasta de polvilho,25 terra América do Sul. ria preciso, pelo contrário. poupá-los e
caliça, 14 furinha de mandioca, raspas de As folhas secas de coca são guarda- conservar-lhes a saúde." 16
argila, ossos moídos, cactos dessecados das nun1a bolsa de couro (hual- Em 1569, Filipe li, rei da Espanha,
e farinha de batatas, e, finalmente. uma qui), a cal ou cinza. numa cabaça ou num baixou uma lei na qual afirnia que ''o fato
quinopodiácea aglutinada com água, pixfdio. A bola a ser mastigada chama- dos índios acreditaren1 que recebem da
água salgada ou urina e seca ao sol. 3 se acullico. A maior parte do suco é de- coca força e vigor para o trabalho, é uma
Os autores têm atribuído o uso des- glutida. Esgotado o suco. o acullico é ilusão do Demónio". Mas conclui: "Ape-
sas substâncias adicionais aos motivos substituído por um novo. A n1astigação sar de nos haverem in1plorado que proi-
mais diversos: ''a fim de dar consistên- da coca durante vários anos resulta num bíssemos, não dcsejan1os privdr os índios
cia",29 "para conseguirem uma aneste- espessamento da bocbecha (piccho), de- desse lenitivo en1 seu trabalho. en1bora
sia bucal", 13 "para conservar por mais fom1ação que se torna definitiva. não passe de in1aginação deles.'' 12
tempo à boca",25 "serve de alimento aos Sempre existiu essa contradição de
índios", 14 "a fim de tirar a aspereza do A Repressão e o Lucro considerar a coca um vício supersticio-
bocado de coca"3 etc. A principal raz.ão Com a conquista espanhola, a eco- so, uma artinianha do Den1ônio, um óbi-
do uso do aditivo, no entanto, é outra: a nomia agrícola visava apenas a produzir ce à cristianizaç.ão do índio etc. e. por
substância alcalina, ao ser mastigada di- bens para a Colônia. Minguou a produ- outro lado, um estimulante que disfarça
minui ainda mais a toxicidade do princi- ção de alin1entos. E os índios passaram a fume, dissipa a fadiga, ruant~m a furça
pal entre os 14 alcalóides da planta: a co- a mascar coca em grande escala, para de trabaU10 do índio, enfin1, un1a planta
cafna. Os efeitos da cocaína dosificada atenuar as angústias da fome. Principal- economican1ente valiosa. O número de
e ministrada p0r via oral são inteiramente mente porque eram obrigados pelo con- coqueros continuou a au111cntar dcix>is da
diversos dos da cocaína injetada ou as- quistador a trabalhar arduan1ente nas mi- independência das colónias e janiais di-
pirada, que entra diretamente no fluxo nas, em elevadas altitudes. Subalin1enta- minuiu.
dos, recebendo uma ninharia como pa- Unia de terracota, en contrada ""'" se-
sangufneo. A mastigação liberta quanti- Na jornada peruana de traballlo há p14lcro p erna110. Nota-se clarome11te a defor-
dades infinitesimais de cocaína, a qual ga, os índios eram abastecidos com fo- dois intervalos para o coqueo, com a du- mação da bochecha direita (piccho), causa-
é eliminada e não encerra ~im qualquer lhas de coca. Porque só assim o traba- ração de 15 a 30 nlinutors. os quais são da pelo co11tí11uo ma.sticat6rio da coca.
toxicidade, sem prejuízo de sua ação es- lho renderia o desejado pelos donos das observados com estreita pontualidade,
timulante, contra a astenia e o cansaço.26 nunas. con10 se fossen1 horários de refeições: às
Em 1937, Sehultes verificou a mis- Em meados do séc. XVI, o II Con- 10 da 111anhã, a "pausa curta" (rascha ca assegura bons lucros ao agricultor. Os
tura de fulhas de coca com Protiutn, gê- selho de Lima tentou impedir o uso das 1nal/hua) e, às 15 horas, a "pausa lon- n1étodos de plantio do valioso arbusto,
nero de plantas burseráceas que exsudam rolhas de coca pelos peruanos. bolivia- ga" ú'atzun 1nallhua). A coca é o con1- nas encostas andinas, são transrniúdos de
elemi, resina usada como substituta do nos e chilenos. No 120.0 cânone, tal uso bustível que aciona a n1áquina humana. pai para filho, através de gerações.
incenso verdadeiro. Com isso, os índios é qualificado como ''coisa sem utilida- E é n1oeda corrente, pois parte do salá- A grande mina de ouro das planta-
tanimukas. da Colômbia, tomam mais de, própria a favorecer a prática e as su- rio dos trabalhadores é pago con1 tolhas ções de coca, porém. não são as rolhas
agradável e balsâmico o sabor do masti- perstições dos índios''. de coca. n1ascadas pelo índio: são as rolhas que
catório. 28 O governo do Peru, entre 1560 e Moeda. a coca é tan1bén1 n1edida de fomcccn1 cocaína. Segundo o Departa-
A mais antiga furma de coqueo é 1569, proibiu os trabalhos furçados e o distância. Cocada é a distância percor- n1ento de Con1bate ao Tráfico de Drogas
com folhas secas e óxido de cálcio das pagan1ento en1 coca, porque "esta plan- rida entre dois intervalos, dluante os norte-americano, a Bolívia produz 29 to-
conchas calcinadas. As fom1as subse- ta não passa de unia idolatria, uma obra quais os homens paran1 para n1ascar fo- neladas n1étricas de cocaCna por ano e
qüentes furam determinadas pelas dife- do Diabo. Ela não fortifica a não ser na lhas de coca. Corresponde a crês quar- abastece 40 a 60 % do n1ercado dos Es-
renças ecológicas. As conchas nlarinhas, aparência, pela vontade do Maligno. Ela tos de hora de n1archa, pois é após 45 tados Unidos, que, em 1979, consumiu 20
de mais difícil obtenção longe do litoral, não possui nenhuma virtude bcnfazeja, minutos que começa a dinlinuir no or- a 26 toneladas da droga. No varejo, esse
são substituídas por cinzas vegetais. E nias, ao contrário, custa a vida de gran- ganismo o efeito das tolhas n1ascadas. co11Sluuo rendeu de 13 a 15 bill1ões de dó-
onde não é possível o dessecamento de de número de índios que, nos casos mais Com a lavoura con1um não é possí- lares, in1portância superior ao total da
folhas ao ar livre, devido a chuvas abtm- favoráveis, não se livram das plantações vel viver. O preço dos produtos agríco- renda da U. S. Stcel, uma das nworcs
dantes e muita un1idade, as rolhas são a não ser com a saúde arruinada. Eis por- las é in1posto pelo con1praclor. E só a eo- emp!·esas siderúrgicas do numdo.
H6 Sangirardi. Jr. O Índio e as Plantas Alucindgenas H7
Do quilo de cocaína adquirido na Medellín, com seus dois milhões de agricultura e 12 vezes maior que a da A eJiminação ou restrição ao uso da
Bolívia, até o seu retalho, vendido nos habitantes, é governada pela cocaína. mineração. coca ou ipadu é uma ação etnocida, pois
centros consumidores em papeizinhos Desde 1924. durante um quarto de O coqueo está enraizado há milênios as populações andinas a ele recorrem em
com apenas alguns gramas, a valoriz.a- século, vêm se reunindo congressos e co- num complexo cultural que fuz parte do todas as suas aúvidades, individuais ou
ção é de 16 mil%. Não admira, pois, que missões são nomeadas, na tentativa de núcleo social indígena e asmnne, portan- coletivas.
o golpe militar de julho de 1980, tivesse controlar a coca. Em 1949, o Bulletin on to. o caráter de identidade étnica. A de- O comércio entre os indígenas não
partido de Santa Cruz de la Sierra, en- Narcotics, elas Nações Unidas, publica- rivação industrial da cocaína, que vem utiliza a moeda, unidade de valor sobre
tão capital internacional da cocaína. O va as conclusões de uma comissão de de 1860, tomou-se, a partir de 1970, um a qual a economia camponesa carece de
putch foi financiado pelos traficantes. en- cientistas e técnicos, ''The Comission of desafio social e económico, através do controle e acesso. Sua moeda é a coca.
tre os quais militares dos mais altos Enquire on Coca Leaf '. Do relatório tráfico da droga branca, uma das mais lu- Com ela têm acesso aos produtos agrí-
escalões. apresentado, pouco resultou de prático. crativas de todas as atividades, licitas ou colas que não produzem diretamente, por
As maiores plantações do arbusto da Parecia não haver muita preocupação ilícitas. falta de terras; sem ela as terras agríco-
coca, de cujas folhas se extrai a cocaí- com os efeitos nocivos que as folhas de O custo bruto da área de cultive sai las comunais não podem ser cultivadas
na, estão na BoUvia (60%) e no Peru coca poderiam ter na saúde do índio, para o traficante pelo preço bruto de 51 no trabalho cooperativo (1ninka) e nem
(40 %). Mas o aumento crescente do con- mas, apenas, com a ação do alcalóide de- mil dólares. Cada hectare cultivado ren- podem efetuar o sistema de trocas inte-
sumo mundial passou a exigir maiores las extraído no organismo dos brancos. de em média pouco mais de 13 quilos de rindividuais (ainy), no intercâmbio de
instalações e recursos técnicos, necessá- Textualmente: ''As folhas que irão satis- pasta que, refinada. pode se transformar produtos, serviços e trabalho.
rios à transformação, em grande escala, fuzer o apetite dos coqueros constituem em um milhão de dólares nas ruas de Por essas e outras razões, ''levando
ela massa no pó branco ela cocaína. para também a matéria-prima com a qual é Mianu.. 26 em consideração que o uso da coca na
a avidez do mercado. E instalou-se na produzida a perigosa droga cocaína; e to- O tráfico da cocaína conta cada dia região andina se insere nos padrões de
Colômbia o mais poderoso cartel do da a experiência internacional no controle com maior poder financeiro, econômico cultura ancestral, profundamente arrai-
mundo no tráfico da droga. de narcóticos mostra que a produção de e político, calculando-se a potencialida- gados, representando verdadeiro símbo-
O cartel colombiano instalou labo- uma droga não pode ser de futo mundial- de do ''sistema'' em 135 bilhões de dó- lo de identidade étnica; e que a folha da
ratórios e mobilizou especialistas para es- mente controlada, sem que a produção lares. coca em seu contexto tradicional cumpre
se refino em quantidades suficientes. E da matéria-prima da qual é feita seja ob- Com tudo isso, tornam-se ainda mais funções vitais na economia camponesa,
Medellín tomou-se a capital mundial da jeto do mesmo controle.''9 Em 1973, fi- atuais as palavras do antropólogo William nas relações sociais e sobretudo na me-
cocaína, em substituição a Santa Cruz de nalmente, 69 anos depois, o mesmo Bul- E. Carter (1927-1983), chefe da Seção dicina indígena tradicional, o Instituto In-
la Sierra. letin on Narcotics, da ONU, nos dava Hispanoamericana da Biblioteca do Con- digenista Interamericano recomendou aos
A partir de 1970, Medellín veio se conta de que não havia sido obtida qual- gresso, em Washington: ''Mais do que Estados membros da OEA "medidas ten-
transformando no mais importante entre- quer mudança e que a produção de fo- nunca na história da humanidade. é ur- dentes a salvaguardar os direitos sociais,
posto da droga e fornece atualmente 80 % lhas de coca não diminuíra nos Andes pe- gente hoje em dia compreender a natu- culturais e económicos elas populações
de toda a cocaína consumida nos Esta- ruanos e bolivianos. 8 reza ela folha da.coca, para apreciar seu indígenas habituadas ao tradicional uso
dos Unidos. Daí o empenho seríssimo A erradicação indiscriminada das papel na vida e na tradição andina e pa- da coca." Recomendou ainda a necessi-
elas autoridades norte-americanas no plantações de Erythroxylon coca viria ra estabelecer com clareza a diferença en- dade de "assegurar que nas respectivas
combate ao cartel colombiano. A máfia romper um enorme círculo de interesses tre ela e um dos alcalóides que dela se legislações sobre estupefucientes seja re-
da cocaína utiliza não só o suborno co- criados, e1iminando considerável fonte de deriva, a cocaCna." Sim, é necessário res- conhecida a existência de um uso tradi-
mo violência total em defesa dos seus in- riqueza dos países produtores. Provoca- peitar os direitos humanos dos produto- cional da folha de coca, substantivamente
teresses. Dispõe de recursos modernís- ria um desemprego em proporções into- res da coca ou ipadu que, independente diversa da toxicomania associada à co-
simos e de armamento dos mais sofisti- leráveis, visto que a maioria da popula- do tráfico, possuem valores básicos pa- caína' '. fazendo constar dessa legislação
cados. incluindo navios e aviões belica- ção está envolvida na sua agroindústria. ra o cultim, uso e consumo da coca. mas "normas específicas que contemplem o
mente equipados. Seus capangas (sicá- E acarretaria um empobrecimento ainda não da cocaína. A legislação~ até hoje, direito ao cultim e utilização da coca
rios) encarregam-se de eliminar quem es- maior das nações andinas. Sua substitui- age a favor e em defesa elas economias dentro dos padrões culturais."26
tiver na lista negra. Juízes, autoridades, ção por outras culturas seria mudar uma dominantes (~ industrializados, con-
militares têm sido executados por ordem renda de 10 mil dólares por hectare para sumidores de cocaína). contra e em de- EI Coqueo: Prós e Contras
do cartel. Acredita-se que cerca de 80 % 369 dólares por hectare. A produtivida- trimento das economias dominadas (paí- Moser e 1àyler, geólogos e antropo-
da força policial da cidade trabalha para de da coca ou ipadu (coeficiente produ- ses subdesenvolvidos, produtores da co- logistas, publicaram em Londres um li-
os donos do tráfico. to/trabalh0) é 62 vezes maior que a da ca ou ipadu).26 vro sobre viagem de ambos entre os ín-
fl8 Sangira:rdi Jr. O Íiulio e as Plantas Alucinógena.s H9
teja, ouve perto, indiferente, a respiração quando a verdadeira causa está na suba- tre os mais velozes. Tais corredores eram e nún1eros. quando nee-essário. Pam aju-
da onça e não se preocupa, no mei© de limentação. na fume crênica. Diz o Dr. sustentados e estimulados masçando fo- dar suas recordações, mascavam coca.
trovões horríssonós, se as nuvens se des- G. Gonilla lragorri, Diretor de Saúde de lhas de coca. Dizem que por este n1éto- Após ~ conqui~ta. os espanhóis ficavam
fu2:em em aguaceiros ou se o tertfvel fu- Cauca, na C0lômbia: ''A dróga reduz o do de revezamento de nião e111 n.iã-0 as estupefatos com essas prooigiosas exibi-
racão arranca do solo árvores seculares.. apetite e. a longo prazo, produz um de- men$agens eràm transportadas cerç,a de ções de memória dos yaravecs. 22
Passados dois dias, costuma voltar para sequilfbrió orgânico entre a energia des- 240 quilómetros por dia, em média.22 Comêntário de Sprut e: "Com um
~asa, com es olhos fundos, pálido, trê- pendida e a energia cnnsumida em for- Não dispond0 de linguagem escrita, pouco de ipaclu na bOGhecha*, um índio
mu1o e acusando os terríveis vestígios do ma de alimento.S. A diminuição dá comi- os incas guardavam sua história e o re- caminha dois ou três dias sem comida e
vício. Aquele que, casualmente, encon- da provoca uma redução das defesas or- gistro de rendimentos públicos, produ- sen1 sêntir nenhu:má vontade dormir.' '29
trar o coque·ro em tal sitttação e, apesar gânicas e predispõe às moléstias, parti- tos da c01heita e censo por .inte.rmédi0 R. Christson, Presidente da Associa-
do seu retraimento, dirigir-lhe a palavra, cularmente ao desenvolvimento da dos yaravecs ou oradores da corte. E1an1 ção MédiGa Britânica, foi o primeiro eu-
interromperá o curso dos efeitos e atrai- tuberculose." 7
rá, seguramente, o ódio do senti-aluci- Num ponto, porém, o conceito é
nado.' '4 quase unânime: a poderosa açã.o tónica "' T~xtualmente: . . .....i1h a chew of /pad1í in hi.s eheek. .. v. p. U4). As/olhas de coca, ao serem mas-
Retrato igualn1ente sinistro. embora e estimulante da droga. c<ulas, fonnam pequena bolu, que os índios deixam no canzo da boaa e 'é notada externamente, estufando
com bem menor exagero, fui traçado por Os incas enviavam mensagens pelos a bocheahà.
12O Sangi.rardi. J r. O Índio e as Plantas Alucindgenas 121
ropeu a fazer experiências mascando co- lidade acrobática para cima dum peque- considerada um fortificante. que devia e nutritim das folhas de coca, o que é
ca. Seus testes consistiram em longas ca- no espaço livre em sua mesa de traba- ser propagado, e eram proclamadas suas comprovado ainda pela ampla bibliogra-
minhadas nas montanhas. sem comer ou lho, sem roçar nos frágeis objetos que excelentes virtudes. fia sobre o assllllto, publicada em anos
beber, afim de provocar ''uma completa quase lhe tocavam ós pés. Esse estado de Constatava c.aminhoá: "Usa-se tam- recentes. Enfutizaram que a coca desem-
e permanente fadiga••. Ele descobriu que agilidade anormal foi seguido de outro, bém a coca como analéptica e estomá- penha papel preponderante na medicina
''mascar coca remove o extremo cansa- de absoluta rigidez, associada à sensação quica.' •s Realmente, nos países andinos, tradicional dos países andinos. Mastiga-
ço, além de preveni-lo[ ... ] A fome e a de completa beatitude e tranqüilidade psí- os brancos e mestiços usam folhas de co- da, em chá ou em infusão, queimada (ab-
sede desaparecem[.. .] Não há qualquer quica. Dormindo, teve sonhos peregri- ca em chás caseiros, contra dores de es- sorção da fumaça) etc., tem aplicações
dano.. .26 M. Cárdenas. professor de Ge- nos. E concluiu: "Deus é injusto. pois tômago, cólicas e distúrbios digestivos. variadas nas moléstias da pele, do apa-
nética e Botânica Económica da Univer- fez o homem incapaz de mascar conti- Ao norte da Argentina, após as refeições, relho respiratório, da circulação e outras.
sidade de Cochabamba, Bolívia, realizou nuamente coca. Por minha parte, prefe- mascam coca com uma pedrinha de bi- ''Constitui assim um medicamento po-
testes semelhantes: ''Experimentei em ria viver dez anos com coca a um milhão carbonato, para fucilitar a digestão. pular e de baixo éusto, num contexto so-
mim mesmo seus efeitos benéficos, em de anos sem ela." 18 Nos melfiores hotéis de La Paz, ci- cial onde os serviços médicos são defi-
marchas forçadas nas estradas das mon- dade a 3600 metros de altitude. o hóspe- cientes ou inexistentes."26
tanhas. em elevadas altitudes''. E con- A Coca na Medicina Popular de, ao chegar. recebe como cortesia. um Mais ainda. Investigações farmaco-
cluiu: ''Não considero provada a afirma- Já em princípios do séc. XVII, Gar- cartão em que a gerência o convida a to- lógicas atuais revelaram que a coca ou
ção de que o estado de prostração men- cilaso de la Vega, El Inca, dava inúme- mar uma xícara de chá de coca, inteira- ipadu ''mostra-se útil no tratamento de
tal do índio seja o resultado de mascar ras aplicações terapêuticas da coca: ''... mente grátis, para recuperar as forças. variados males gastrintestinais, enjôos,
coca."6 preserva o corpo de muitas enfermida- Entre os índios, que preferem sem- fucliga da laringe. Pode utilizar-se como
Mantegazz.a gaba-se de haver sido o des e nossos médicos usam dela em pós, pre o masticatório, as folhas de coca in- complen1ento nos regimes para emagre-
primeiro a introduzir a coca na Europa, para cortar e acalmar a inflamação das fusas, como chá, só são usadas pelos pa- cer e de condicionamento físico (physi-
em 1858. O médico e escritor italiano, chagas, para fortalecer os ossos fratura- nobos, do nerdeste do Peru,3 juntamen- calfitness). Serve tan1bém como antide-
que morou vários anos na América do dos, para tirar o frio do corpo ou para te com uma semana de dieta, para per- pressivo de ação rápida. É de valor no
Sul. afirma: "A coca serve para o indí- impedir que entre , para curar as chagas der peso. tratamento de dependência aos estimu-
gena de alimento e estímulo[ ... ] Sem a Os cientistas do Instituto Indigenis- lantes fortes. A coca regula o metabolis-
apodrecidas, cheias de vermes. Pois se ta Interamericano, em sua pesquisa rea-
coca ele digere mal a sua batata, o seu mo dos hidratos de carbono de maneira
para as enfermidades externas faz tantos lizada a pedido da OEA,26 concluíram
cbarque, o seu milho; sem a coca ele não benefícios, com virtude tão singular, nas única e pode fucilitar uma nova aproxi-
que a evidência reforça o valor médico mação terapêutica à hipoglicemia e ao
pode correr aceleradamente pelos mon- entranhas daqueles que as comem não te-
tes; sem a coca ele não pode trabalhar, rá mais virtude e fôrça?"31
não pcxle divertir-se, não pode viver''. Manius, em seu Systema Materiae
Servindo de postilhão, ele ''vai atrás de Medicae, cita o médico peruano Dr. D.
um cavaleiro que, montado numa boa José Hipolito Unanúe que, em 1794. pu-
mula. nem sequer toma conhecimento do blicou sua "Dissertacion sobre el aspet-
pobre índio que deve segui-lo a pé''. [ ...] to. cultivo, commercio y virthdes (sic) de
' ' Mastigando cerca de duas onças de co- la famosa planta del Peru, nombreada
ca" - diz Mantegau.a- ''pude perma- Coca ...'' Atribuindo à planta grande va-
necer 40 horas sem tomar qualquer ali- lor terapêutico. diz Martius: "O pó das
mento e sem sentir a menor fraqueza."17 sementes tem efeito surpreendente no sis-
Descrevendo suas próprias experiên- tema nervoso, principalmente no cérebro,
cias. Mantegazza infomia que o horizon- sendo digno de nota o que ainda se ob-
te intelectual parecia an1pliar-se e dele se servou e é considerado de importância no
apoderou uma sensação até então desco- campo da medicina.' •20 Diz ainda Mar- Cartaz de Alphonse Marie Mucha, anunciando um ' 'Vinho dos Incas'' para convales-
nhecida, de mobilidade, força e energia. tius que "o ipandu" [...] poderia ser cha- centes, à base de coca do feru e gücerofosfaJo de cálcio. A idéia niJo 1 nova. Já mi 1888,
mado ''chá do Peru e do alto Maraiion. eni Paris, o m.édtco corso Angelo Marian.i anunciava as excelsas virtudes do seu reputadfui-
Nesse estado. obedecendo a um impul- mo vinho de coca, que receberia milhares de testmawilws espontlineos e entusiásticos, in-
so que parecia irresistível. podia execu- pois suas folhas prcxluzem o mesmo efei- cltu11do os de várias celebridades: Rodin, Massenet, Edison, Charcot, lbsen, Dumas, JtUio
tar exercícios físicos de que não era ca- to estimulante."19 Vente, Zola, H. G. Wells, além de monarcas, dos papas LetJo XIII e Pio X, dos presidentes
paz normalmente. Assin1, saltou com agi- Nos sécs. XVII e XVITI a coca era Poillcaré, da França, e McKi11ley1 dos Estados U11idos.
122 Sangirartli Jr. O Índio e as Plantas Alucinógenas 123
diabetes melito. A administração cróni- titui a alimentação, constituindo um há- jo: y mucbas vezes, contentos 'con ena. substituto da comida. Os especialistas do
ca em doses baixas parece normalizar as
funções do organisroo. Na sua fom1a de
bito gerado pela fome, tem sido defendi-
do por um bon1 número de autores. Ne-
trabajan todo el dia sin comer."31
Gutierrez Noriega traça um círculo
Instituto
. .
Indjgenista Interamericano a
serviço da OEA, contrapõem que ''tal
folha não produz toxicidade nem depen- nhum deles, porém, deixa de destacar a vicioso da miséria do índio: ''no come- asserção é desmentida pelas informaçõeS
dência. A coca pode ser ministrada co- ação estin1ulante da droga. que con1bate ço ele masca coca porque tem muito pou- disponíveis. A folha da coca é um acom-
mo goma de mascar. tabletes (para serem o cansaço e renova as energias. co o que comer; depois come muito pou- panhan1ento, utilizado antes ou depois da
chupados) contendo um extrato integral Zapata Ortiz, que vem estudando o co porque masca coca.' '9 con1ida. E está presente em todo o con-
da folha, incluindo seus alcalóides, sa- n1asticatório da coca no Peru durante 30 É indiscutível que a fome existe. O texto cerimonial, caracterizado nos An-
bores naturais e nutrientes."26 anos. enfatiza que ''a falta de comida é organismo de uma pessoa de atividade des por um grande consumo de alimen-
a causa principal do cocaísmo. Por isso, moderada requer, em termos gerais, tos."26
Mais de Cinco Milênios qualquer esforço para erradicar o uso da 3.500 calorias diárias. Este número de- Mais ainda: a própria coca ou ipa-
Mascando Coca coca deve ser acompanhado da melhoria ve ser aumentado no caso daqueles que du é uni alimento. Destaca-se em seu va-
Entre 7 e 8 milhões de pessoas da al in1ent.ação.' •n executam trabalhos pesados. como minei- lor nutritivo, pelo alto teor de proteínas
entregam-se ao hábito do coqueo ou Na monografia intitulada Me1noire ros e colonos agrícolas. Ora. segundo pu- (cerca de 12 %), além de vitaminas, cál-
chacchado. No Peru. mascam coca pra- sur la coca du Perou, Paris, 1886, Ma- blicação oficial do Ministério da Agri- cio e ferro.
ticamente a totalidade dos nativos da sier- nuel A. Fuentes diz que os agricultores, cultura do Peru, o déficit individual, por Desde muitos séculos atrás até os
ra e mais aqueles que emigraram para a mineiros, correios, pastores de ovelhas, dia, é de 500 a 2.000 calorias. Na Bolí- nossos dias ''nenhum ato da gente andi-
faixa litorânea, além de um apreciável enfin1, todos aqueles que executam pe- via, o constmlo anual de carne é de Z!,5 na, do nascimento à morte. é alheio à co-
contingente de mestizos. Na Bolívia, as sadíssimos trabalhos nas frias altitudes quilos per capita, 7 o que equivale "ª 7 ca ao longo de sua existência, em suas
folhas de coca são consumidas nas mi- das cordillieiras e ''cltja alimentação diá- gramas e meio por dia. Sim, a fome exis- manifestações de trabalho, de relações
nas e no altiplano, sendo fndios 99 % dos ria consiste en1 alguns grãos de ntilho tor- te. Mas sua causa não está na coca 0u sociais. de caminhadas e viagens, de des-
coqueros. rado, uns tantos bolos de chuflo (batata ipadu, mas na exploração sistemática dos canso e lazer, de práticas reHgiosas, de
O masticatório das folhas de coca desidratada). batatãs cozidas e frias, o índios e 1nestizos nos trabalhos das lavou- comunicação cósmica etc.' '26
existe desde tempos imemoriais, na épo- uso da coca é indispensável para repri- ras e das minas. Mais de cinco mil anos mascando
ca pré-incaica, há no n1ínimo 3 mil anos mir a sensação de fome e fazer suportar Costuma-se afirmar que o coqueo coca! Se esse hábito fosse nocivo como
a. C. Por ocasião da conquista espanho- as n1aiores tàdigas."4 leva à desnutrição e a um ''empobreci- dizem, os povos andinos já estariam ex-
la, encontrava-se amplamente difundido Monge Medrano, Professor de Clí- mento biológico'', pois é utilizado como tintos.
na região andina, da Venezuela até o nor- nica Médica da Faculdade de Medicina
te da Argentina. de Lima e Diretor do Instituto de Medi-
Na época colonial. a perseguição era cina Andina afim1ou que não encontrou
por considerarem o uso das folhas de co- qualquer dependência entre os mascado-
ca uma idolatria, artes do Demônio; na res de coca, pois milhares de homens re-
época contemporânea, é pela alegação de crutados cada ano para o serviço militar
que acarreta a degradação do indígena. suspendem imediatamente o hábito da
Argumenta-se erradamente que o coqueo coca". Medrano menciona ainda a expe-
é gerado pela fome e consumido no lu- riência de Hõln1berg, feita a 10 mil pés
gar da alimentação. Dão, entre outros, de altitude (3.084 m). "Quando a coca
este exemplo: nas forças am1adas da Bo- é substituída por um sistema de refeições
lívia e do Peru não há mascadores de co- equilibradas, por um período de dez dias,
ca e a proibição é obedecida sem maio- foi PQSSível parar o consumo da coca.''Zl
res dificuldades, pois os que prestam ser- Garcilaso de la Vega, no cap. XV de
viço militar passam a contar com melhor sua famosa obra, trata de "la preciada
alimentação e vida mais saudável do que boja llamada cuca". E El Inca cita o pa-
as existentes em seu habitat. 7 (Argumen- dre Bras Valera: "De cuánta utilidad y
to valioso para mostrar que a folha de co- fuerza sea la cuca para los trabajadores,
ca não provoca dependência.) se colige que los fndios que la comen se
O ponto de vista de que a coca subs- n1uestran n1ás dispuestos para el traba-
' ,
O lndio e as Plantas Alucindgenas 125
Ayahuasca,
.
12 .,
caapi ou yaJe
Tal hino, cantado durante as cerimónias, mo látex das seringueiras, que vendem se bebe ritualmente o vegetal, os parti- pois, segundo mestre Gabriel, Salomão
provoca o transe do seu dono, que in~or para comprar os bens que não produzem cipantes vestem uniformes com as cores tinha grande conhecimento das plantas.
pora o guia, podendo fazer, inclusive, e de que necessitam. Felizmente o que da bandeira brasileira, para indicar que No centro do salão retangular, onde
uma viagem pela vida pregressa, em ou- não falta é jagube e chacrona. se trata de uma seita essencialmente na- se realizam as cerimônias, uma longa
tras encarnações. O escritor e ex-guerri- O Céu inicia a nova vida. No centro cional. Os homens vão de calça branca mesa, com bancos dos dois lados, onde
lheiro Alex Polari disse-me que viajou da clareira aberta na mata edificaram e blusão verde, as mulheres de calça sentam, para beber o vegetal, aqueles que
em companhia de um inca, de cuja civili- uma pequena construção hexagonal. (A amarela e blusa verde; os mestres e ou- já ultrapassaram o grau de discípulos.
zação acreditam que se deriva o dailne. estrela-de-davi ou signo-de-salomão é um tros graduados usam calça branca e blu- Existem cadeiras laterais para os parti-
Além do consumo coletivo, a droga é dos símbolos cultuados pela irmandade). são azul. cipantes, inclusive poltronas de praia,
também ingerida individualmente pelos E desse novo e rude templo erguem-se As chamadas são cânticos que ser- destinadas aos que se mostram menos fir-
xamãs, que aconselham, receitam, vati- no silêncio denso da mata os cânticos do vem para "arregimentar as forças", PQ- mes durante a borracheira. Como o ve-
cmam. binário do Santo Dai.me. Mais longe ain- dendo evocar o nome de Jesus, de Ma- getal pode ter efuito fortemen.te emético,
Recentemente, o paraíso da ,Colónia da, no Rio de Janeiro, os mes.mos cânti- ria e de um ou outro santo católico. Ao há no salão passagem para um te.rra,o,
5.000 foi expulso para muito longe, pela cos são ouvidos, inspirados pela infusão com um parapeito onde os nauseados se
contrário do Daime, esses cântieos não
ação dos grlleiros. Apresentaram de re- do jagube e da chacrona. O núcleo ca- são entoados pelos participantes, em co- debruçam, sobre um pequeno fosso - o
pente um suposto título de propriedade rioca tem como Uder o psicólogo Paulo vomitório. Alguns preferem a natureza e
daquela gleba, expedido pelo Instituto de Roberto Silva e Souza. A sede fica no tra- ro, mas apenas pelo mestre que dirige a
Terras da Amazónia.Sebastião Mota de jeto para o Alto da Boa Vista, no cami- sessão. vão vomitar lá fora, no meio das árvores.
Melo recebeu a intimação sem ódio nem nho que começa no n.0 3.036 da Estrada A seita, que dominou Rondônia, O núcleo paulista da UDV está se-
reclamações. E à frente da irmandade das Canoas; daí até o final de uma estra- passou dos limites da floresta e chegou diado na zona rural de São Roque, a 65
que lidera iniciou a mudança dos arre- da de terra, chega-se ao local das reu- aos grandes centros urbanos. Hoje, o quilómetros de São Paulo.
dores de Rio Branco para uma região niões, um casarão entre árvores. mestre supremo da União do Vegetal tem O templo tem no alto da fachada
quase inacessível, nas florestas virgens sua sede no núcleo de Brasília, de onde principal três semicírculos brancos e, no
A Uniao do Vegetal nasceu em 1961. comanda os núcleos do Rio de Janeiro, centro de cada - um sol amarelo, uma
do Amazonas. Subiram o rio Acre, de- Um motorista de caminhão, baiano, ti-
pois o Puros e finalmente o Mapiá, em nha ido para o Amazonas atrás do sonho São Paulo e uma dezena de outras ciCJa- estrela azul, um crescente verde. (Asco-
cujas margens, entre igarapés, está situa- de um tesouro, bebeu sua primeira dose des. Para obtenção da bebida sagrada, os res da bandeira brasileira).
do o Céu. O Seringai Céu do Mapiá se- da bebida alucinógena que, segundo ele, núcleos urbanos têm dificuldades muito Numa das paredes internas há qua-
ria a nova sede do Santo Daime. Uma maiores do que na selva, pois, para 40 dros com retratos de altos dignitários da
área verde de 30 mil hectares, circunda- ·trouxe-lhe as primeiras revelações de litros de infusão, são necessários pelo UDV, ladeando um quadro maior on-
c}a, por 50 mil hectares de matas. ~a
uma nova doutrina. Seu nome é José Ga- menos 100 quilos de mariri e 50 quilos de, sob um arco com dois cometaS, vê-
atingir o local o percutso deve ser feito briel da Costa, que veio a fundar a União de rainha. se o retrato de mestre José Gabriel da
em canoa, com vários obstáculos a se- do Vegetal em Porto Velho, capital do ter- No fim de um caminho íngreme de Costa.
rem vencidos - bancos de areia, engui- ritório de Rondônia. Mais tarde, abriu terra batida, transversal da Estra_da da No amplo salão de reuniões o piso
ços no leme e motor de popa, troncos e um núcleo também em Manaus. Boca do Mato, entre a Barra da Tijuca é revestido com cerâmicas de cores e de-
cipoais 9arrando o caminho das águas, Vegetal é como denotninam, na e Jacarepaguá, fica a sede carioca da senhos variados. Junto às paredes late-
o emaranhado dos igarapés. UDV, a beberagem resultante da infusão União do Vegetal. O núcleo denomina- rais, uma espécie de arquibancada com
O relativo conforto do Cefluris lá fi- do caule do Banisteriopsis e das folhas se Centro Espírita Beneficente "União três degraus, de alvenaria. No centro
cou, muito longe do Céu. Prometeram da Psychotria, o primeiro encerrando o do Vegetal". (Explicam: "porque o es- do salão, uma mesa alta e longa, com
indeniun todas as benfeitorias deixadas. princípio masculino (mariri, ''o rei da pírito está no centro; beneficente, porque copos do alucinógeno que vai ser inge-
Até hoje nada pagaram. E desconfio que força"), as segundas o princípio femini- traz, aos adeptos do culto, beneffcios ma- rido. A mesa começa com um arco ver-
jamais pagarão. no (rainha, "a rainha da luz"). A união teriais e espirituais.") Seu templo é um de, fixo no solo; junto, uma talha de lou-
Agora será preciso começar tudo de dos dois princípios estabelece o equilí- edifício simples mas confortável, num ça branca, com a beberagem a ser dis-
novo. Mas os adeptos do culto jamais brio, do qual resultam as mirações e o terreno arborizado. Num grande arco es- tribuída, e uma mesinha coberta por uma
perderam a coragem. E a fé por certo os progresso espiritual. tá escrito: "Estrela Divina Universal". toalha branca, onde é feita a distribui-
ajudou. Derrubaram árvores. Abriram O sistema hierárquico da Uniã.o de Trata-se do símbolo sionista estrela-de- ção. Os já iniciados na doutrina tomam
clareiras. Construíram moradias. Implan- Vegetal é formado pelo Quadro de Mes- davi ou signo-de-salomão (a estrela de o vegetal de pé, dos dois lados da mesa.
taram a mesma pequena agricultura de tres, Co.rpo do Conselho, Corpo Instru- seis pontas, formada por dois triângulos Os participantes da cerimónia, após ha-
St.Jbsistência e passaram a reçolher o nie&- tivo e Discípulos. Nas reuniões· em que equiláteros justapostos invertidos), veren1 bebido a droga, sentam-se em ai-
134 Sangirardi Jr. O Íruüo e as PW.ntas Alucin6genas 135
mofadas azuis e, durante ttês a quatro ho- cidade colombiana de Ibagué, onde mo- elidas, ver à distâncía e mesmo desven- trabalhar nessa mesma estrada.
ras, ouvem a palavra dos mestres. E ravam o pai e a irmã, dos quais não ti- dar o futuro."23 Jarainilo Taylor relata fato ocorrido
VülJam. nha notícias há várias semanas. No so- C. V. Morton. o botânico que iden- em 12 de junho de 1908. Oito balsas co-
nho, o pai aparecia morto e a irmã, mui- tificou e estudou espécies de Banisteriop- bertas de palha, vindas da Colômbia com
PrincípiQS Ativos to doente. Quando despertou, Mora- sis (Banisteria) alucinógenas, diz que grande carregamento de borracha, des-
les não deu maior importância ao fa- ''talvez essa ,droga tenha a propriedade ciam o rio Japurá. As balsas soçobraram
I regret being rmable to tell what is the to, apesar daS advertências do chefe ín- de desenvolver as faculdades psíquicas''. na cachoeira do Funil, morrendo 64 tri-
peculiar narr:otic principie that produces dio que lhe servira a bebida. Um mês Descreve Morton os efeitos de mais ou pulantes. Dois meses depois, a dezenas
such extraordinary effects. depois, por um correio que chegou ao menos meio litro da bebida, dividida em de quilômetros do locaL os três únicos
R. Spruce27 posto que comandava, soube que o pai quatro porções, ingeridas de meia em sobreviventes foram interrogados por um
falecera, no mesmo dia em que ele ha- meia hora: ''Logo o índio cai num sono tuxaua sobre o naufrágio, que ele havia
Em 1905, o naturalista Z'.erda-Bayon via tomado o caapi; quanto à irmã, ain- profundo, durante o qual está num esta- presenciado durante o sono do caapi.
deu a um alcalóide da Banisteria caapi da convalescía.17 do de total insensibilidade e anestesia. Na tribo desse mesmo tuxaua, Jor-
Spr. o nome de telepatina, pois acredi- O naturalista 1.erda-Bayon, de Bo- Nesse estado, a atividade do inconsciente ge Gomes Posada tomou yajé e presen-
tava, por experiência própria, que a nar- gotá, ao batizãr um alcalóide do caapi atinge enonne intensidade. Os sonhos se ciou, enquanto dormia, uma briga do
cose provocada pela droga possibilitava com o nome de telepatina, baseou-se em sucedem com extraordinária precisão e proprietário do Grande Hotel, de Ma-
percepção à distância. Yajeína e yajeíni- sua própria experiência no campo dos clarez.a, dando ao intoxicado, de acordo naus, com outro homem. ''Regressando
na foi como se denominaram, posterior- efeitos metapsfquicos atribwdos à droga. com informações de missio~ários, o-po- a Manaus" - conta Jaramilo Taylor -
mente, dóis alcalóides encontrados na ''A pessoa que se embriaga com Banis- der de dupla visão e de ver à distância, ''procurei imediatamente o dono do re-
planta. 12, 2, 1, 14 Nesse meio tempo, o teria caapi'' - diz ele - ''vê e ouve coi- como certos médiuns em seus transes. ferido hotel, que confirmou o relato de
toxicólogo alemão Lewin isolou um al- sas das quais não tem o menor conheci- Uma vez desperto, ele retém claramente Posada".
calóide do caapi, que batizou como mento; e não ouve e vê de fumla confu- as alucinações e as fmtásticas visões pre-
banisterina. 11 sa, mas bem nitidamente. Foi assim que senciada$ em regiões desconhecidas.'' IS Preparo. Modos de Usar.
Verificou-se por fim" a partir de alguns índios, que jamais haviam saído O padre Tustevin, um mi~ionário ci- Prepara-se a beberagem utilizando a
1923, que os princípios ativos da planta de seus imensos territórios despovoados tado pelo etnólogo Reko, escreveu em parte inferior do caule, que é triturada
eram a hannina e a hannalina, os mes- e que, naturalmente, não podiam ter a 1926: "Os índios crêem francamente com pilão e misturada com água suficien-
mos alcalóides presentes nas sementes e menor idéia do que fosse a vida civiliza- num efeito telepático do yajé, como cha- te em grandes potes de barro. Na Colôm-
raízes da zigofilácea Peganwn hannala da, em seu linguajar peculiar, e com mui- mani a bebida que tàbricam com aya- bia a planta é macerada em água fria, no
L.12. 1, 14, s ta vivacidade e.segurança, contaram por- huasca ou caapi. Tomam o yajé para sa- Peru e Equador procede-se à decocção
Em 1965, Jacques Poisson publicou menores de cojsas existentes nas grandes ber se um doente. .ficará bom, para ver em água fervente. Resulta um líquido
o resultado de•seus estudos com Banis- cidades, em que se viam homens bran- o futuro, para informar-se como vai um denso, marrom-esverdeado, de sabor acre
teriopsis inebrians Mort., B. rurbyana cos caminhando de um lado para outro, dos seus que está viajando etc. Acredi- e desagradável.
(Ndz.) Mort. e Banisteriopsis spp. pró- apressadamente.'' 13 - tam também poderem reconhecer, por Spruce registrou o uso da droga co-
ximas da Banisteria caapi Spr.: ''Os cau- São inúmeros os exemplos de casos meio disso, os perigos que os amea- mo masticatório: ''Quando eu estava nas
les contêm essencialmente harmina e semelhantes. Rouhier, doutor em funná- çam.' '20 cataratas do Orenoco, em junho de 1854,
uma quantidade mínima de outro alca- cia pela Universidade de Pàris, afimlou O Prof. Oswaldo de Almeida Costa encontrei de novo o caapi, com o mes-
lóide que poderia ser harmalina que o yajé ''exerce uma ação psíquica de relata numa monografia3 prodígios de- mo nome, num acampamento dos selva-
(dihidro-3, 4 harmina) ou metoxi- 6 N, natureza peculiar. Provoca alucinações correntes da ação telepática do ayahuas- gens guahíbos, nas savanas de Maypures.
dimetil-triptamina, já postas em evidên- visuais e auditivas, cujo caráter divina- ca, caapi ou yajé. Esses índios não só bebem a infusão, co-
cia ao lado.da hannina de B. caapi. Os tório impressionou vivamente alglllls ob- Um experimentador, despertando da mo faz.em os do Uaupés, também mas-
alcalóides das rolhas se·réduz.em a uma servadoresº.E concluiu: "Estamos em narco~ provocada pela droga, indicou cavam pedaços de caule seco, como al-
só base, identificada como N-dimetiltrip- presença de fiitos ainda misteriosos, que com precisão o lugar, na casa, onde es- gumas pessoas fàzem com o tabaco. Sou-
tan1i na (DMT).'' 18 se relacionam com a telepatia e dos quais tava escondida a carteira de uma senho- be por eles que todos os nativos das mar-
parece impossfvel negar a realidade. A ra, contendo cinco pesos. Um irmão des- gens dos rios Meta, Vichada, Guaviare,
Droga Telepática e Divinatória embriaguez pelo yajé mergulha o bebe- te viu-se repartindo material de constru- Sipapo e de regiões entre rios menores,
Sob o efeito narcótico do ayahuas- dor num estado de sonambulismo lúci- ção de uma estrada tle ferro, em verda- têm caapi e usam exatamente da mesma
ca, o coronel Custódio Morales viu-se na do, que lhe permite achar cO'isas escon- deira premonição, pois, tempos após, foi maneira.' ''Z/
136 Sangi.rartll Jr. O Índio e as Pla.ntas Alucin~genas 137
Jure ma
e duma tal realidade, que o espetáctilo
das danças dos índios se eclipsou". No
dia seguinte, acordou com a sensação de
rizantes". E concluiu: "Isto é sem dúvi-
da devido à excitação dos centros cere-
brais da visão, cuja sensibilidade é tal,
13
haver feito uma grande viagem pela que a pessoa que tomou yajé é capaz de
selva.17 ver objetos no meio da mais completa
Em suas viagens oníticas, Villavi- escuridão.'' IS
William A. Emboden, Jr., botânico A Droga Mágica da Caatinga
cencio ve.riflcou a mesma antinomia já
registrada por Spruce: ''Cada vez que to- especializado em plantas narcóticas, afir- O nome vulgar jurema vem do tupi espigas alongadas em grandes panículas;
mei ayahuasca senú vertigens; às vezes ma: ''Curiosamente, o ayahuasquero não yú-r-ema, "espinheiro': Designa m- flores de 4 pétalas, 4 estames.
eu fazia uma viagem aérea, na qual me perde a consciência nem a coordenação rias espécies dos gêneros Mimosa,
lembrava de haver visto as mais delicio- motora. Forasteiros têm comprovado, Acacia e Pithecelobium. São árvores A Planta Sagrada de lracema
sas perspec.tivas, grandes cidades, altas com espanto~ que o índio, sob a influên- ou arbustos, f<;imíli(' dczs Legumino- Em Jracetna, obra de:ficção, José de
torres, parques soberbos e outros obje- cia da droga, pode correr à noite pela flo- sas-mirnosoúleas. Apontam-se as es- Alencar tem algumas angulações felizes
tos magníficos; outra vez eu me via aban- resta, sem tropeçar ou escorregar. A vi- pécies seguintes, corno encerrando no campo da realidade.
donado numa floresta e assaltado por ani- são é notavelmente clara e as passa- princípios ativos excitantes e/ou alu- A jurema tinha cunho religioso. O
mais ferozes, dos quais eu me defendia. das são firmes". Ressalta ainda Embo- cin6genos. A mais importante é a preparo da bebida e o cerimonial do seu
Tinha em seguida uma sensação muito den que ''um dos aspectos comuns da in- jurema-preta, p'lanta xerófila das caa- uso eram secretos. E o jqremal era um
furte de sono, do qual acordava com dor toxicação com o ayàhuasca é,um aumen- tingas (!dos sertões no,-destinos. (A bosque sagrado. Bebendo a jurema, os
e peso na cabeça e, às vezes, com um to de visão, provocando brilhantes efei- descriçêl.o de cada espécie é de Mar- guerreiros de Araquem entravam em co-
mal-estar geral.29 Nem todos, porém, tos ornamentais, ilusão de rápida mu- tius, em sua Flora Brasiliensis.16 municação com o mundo invisível, atra-
constatam essa indisposição e mal-estar dança de tamanho das pessoas e dos ob- vés dos sonhos. Mas a revelação desses
após despertarem. Schultes, por exem- jetos (microscopia e macroscopia) e per- J. J urema-Preta sonhos era vedada às mulheres, tabu co-
plo, destaca: "Ausência de ressaca for- cepção de cores em sombras de azuis e Mimosa hostlis Benth.. (Acacia hostilis mum a drogas, instrumen.tos rituais e vá-
te~"24 violetas.' '6 Mart. , Mimosa nigra ffub., Acacia jure- rias prátic'as mágico-religiosas, em inú-
Se~do Lewin, o ayahuasca pode Quatro décadas antes, em comuni- ma Mart.) meras tribos. 1
provocar ·sensações sexuais, mas parece cado à Academia de Ciências de Was- SIN. : espinheiro, espinheiro-preto.
que a beberagem determina sobretudo hington, Morton escrevia: "Todos os ob- Arbustiva, pubérula (víscida?), acúleos O "Catimbó" de Carlos Estêvão
ilusões e visões. 11 Koch-Grünberg, que jetos ganham estranha aparência, aureo- esparsos, fortes e rews: folíolos 1nultiju- A jurema era usada ritualmente por
provou a droga, destacou sua ação forte- lados e de cor azul.''15 Esta cor azules- gos, ligeiramente pubescentes; espigas tribos de dois grandes grup0s indígenas
mente erótica: "Tudo parece maior e tá presente também nos labarafórios. Em cilíndricas: flores de 4 pé.falas e 8 esta- que habitaram o Nordeste: jês, os tapuias
mais belo; a gente vê muita coisa do 1936, realizando um estudo histoqufmi- mes; legume quase séssil, chato, vísci- dos antigos escritores, e kariris. Perde-
mundo e, principalmente, muitas mulhe- co da Banisteria caapi Spr., o Prof. Os- do, pluriarticulado. ram-se, no entanto, para sempre, os de-
res, e o efeito erótico parece desempe- waldo de Almeida Costa compr<M>u que talhes das cerimônias em que a droga era
nhar o papel mais importante nessa em- o alcalóide da planta apresenta ''uma 2. Jurema-Branca ingerida por esses índios, cerimónias es•
briaguez,., (Das Erotische sheint bei die- fluorescência azul que lembra a da qui- Pithecelobium diversifoliwn Benth. sas não registradas por nenhum escritor
sem Rausm ein Hauptrolle zu spielen). nina, embora muito mais int~nsa. É um SIN.: arabitá (PI) , brinquedo-de-macaco da época.
Koch-Grünberg, que achou a beberagem azul anil. A fluorescência dos solutos (BA). Todas as descrições de cerimônias
apenas ligeiramente amarga, também contendo yageína é azul."3 Ora, Pubescente, estípu/.as espinescentes, pi- em que os índios bebem jurema são de
sentiu impressões visuais: no escuro, verificou-se depois que yageina é harmi- nas de 1-2 jugos, apenas 1 jugo na parte rituais com influência católica e espíri-
uma cintilação diante dos olhos, e, qua,n- na. Dezoito anos mais tarde, também no infe rior, obovadas ou oblongas; capítu- ta. A começar pelo clássico relato de
do escrevia. chamas rubras perpassavam Rio de Janeiro, trabalhando com a mes- los pendentes nas cwilas e nos·t enninais; Carlos Estêvão de Oliveira, citado por
no papel.10 ma espécÍe estudada.pelo Prof. Oswaldo legwne circinado, valva contorcida após praticamente todos os autores que, depois
C. V. Morton, botânico do U. S. Na- de Almeida Costa e com outras espécies a deiscência, sementes ariladas. dele, escreveram sobre a jurema. Dire-
tional Museum, constatou, na Colômbia, afins, os químicos Walter Mors e Pérola 3. Jurema-de-Oeiras tor do Museu Goeldi, de Belém do Pa-
que o yajé provoca ''as mais extraordi- Zaltzman confirmaram: ''Os sais de har- Mimosa verrucosa Benth. rá, Carlos Estêvão escreveu sobre o que
nárias alucinações, parecendo as do ha- mina apresentam intensa fluorescência Arbusto inenne, verrucoso-t01nentoso, ele chamou "vinho da jurema", bebido
xixe, muito magnificenros, muito aterro- azul."14 pinas de 7-9 jugos, avàis ou oblongos; na "Festa da Jurema e do Ajucá", em
O Índio e as Plantps Allldnógenas 141
140 Sangirardi Jr.
imburana-de-cheiro, pau-ferro e mel, tu- também os Mestres do espaço, todos be- A jurema, por fim, assume ampli- cantado, isto é, uma mistura, na aguar-
do dissolvido na cachaça.3 O curioso é ben1 jurema. Mestre Carlos, por exem- tude e transcen~ncia maiores quando se dente de cana. de jurema e manacá, de
que, às vezes, "para dar força aos traba- plo, talvez o mais popular de todos, é transforma no reino ex:traterreno onde ha- sangue e loucura.
lhos", também misturavam sangue de grande bebedor de cauim, que, como dis- bitam os Mestres e os Encantados: o João Antônio dos Santos passou a
frango, o que evidencia influência afri- se, é cachaça com jurema. Juremá. - segredar que Dom Sebastião o havia
cana, pois os índios, como já notara Lery, Mas a jurema não é apenas bebida. guiado até uma lagoa encantada, de cu-
jamais se alimentavam de um animal len- Suas folhas secas servem para a defuma- Altar e Morada dos Espíritos jas águas começavam a emergir duas tor-
to, como o frango. porque "se comessem ção ritual. O calço da marca, fumado no A jurema era planta como todas as res de um templo, já meio visíveis. E
desse animal de andar vagaroso não po- cachimbo ritual, é uma misnrra de taba- outras. Até o dia em que Maria, fugindo mostrava misteriosamente duas pedrinhas
deriam correr quando perseguidos pelo co e jurema. A jurema pode ser mistu- de Herodes, a caminho do Egito, escon- faiscantes - diamantes de grande valor
. . . "13 rada também com ervas aromáticas - in- deu o Menino Jesus num pé de jurema,
lillilllgO. - que ele encontrara na margem da pro-
censo, alecrim, benjoim etc. - combus- o que fez com que os soldados romanos digiosa lagoa. Mas era apenas o começo
Receitas de Jurema no Bar do Pajé tível mágico, fumaça purificadora e cu- não o vissem. Imediatamente, em con- dos milagres. Pois Dom Sebastião , de-
Carlos Estêvão descreve o preparo rativa. tato com a carne divina, encheu-se a ju- pois de quebrado o seu encantamento,
da beberagem feita com jurema. A raiz Luís da Câmara Cascudo aponta co- rema de poderes sagrados. (A me~ instituiria um reino em que todos seriam
é raspada e limpa. Colocam as raspas so- mo amuleto dos catimbós um pedacinho lenda é contada com relação a outras ricos, poderosos e fuli7.es. E João Antô-
bre uma pedra e maceram, batendo com de jurema embebido em cachaça e defu- plantas, como, por exemplo, a rosa-de- nio saiu a pregar a grande nova. E a no-
outra pedra. A massa é posta dentro de mado com incenso; é levado pelos ho- jericó, o alecrim e o peyotl). tícia se espalhou. E foram chegando os
uma vasilha com água e espremida com mens na carteira, pelas mulheres na bolsa É bastante comum a crença no espí- primeiros crentes, esperançosos. E
as mãos. Pouco a pouco, a água vai-se e na roupa de baixo. 8 rito de pessoas que, depois de mortas, obtinham-se donativos de dinheiro, ga-
transfomiando numa calda vermelha e es- As ramas e as flores da jurema tam- passam a morar em ármres. Lembro-me, do, mantimentos.
pumosa. Decantada a espuma. está pron- bém são usadas, misturadas ou não com dos tempos de minha infància, em Mon- Com a intervenção de um missioná-
ta a bebida. plantas mágicas ou aromáticas, nos ba- te Azul Paulista, de uma velha manguei- rio. João Antônio renunciou ao seu apos-
Segundo Melo Morais, em sua Phy- nhos lustrais ou de defesa, que lavam ma- ra, no caminho do tanque do Faria, em tolado. Mas deixou em seu lugar João
tografia, usando-se a casca, esta é posta lefícios, eliminam influências adversas, cuja fronde, à meia noite, gemiam as al- Ferreira, mameluco e paranóico como
em infusão na áBua, durante 24 horas. e abrem caminhos. Comentando os can- mas. Mauro Mota fala de vários cajuei- ele, porém mais astuto e perverso.
depois coada. As vezes juntam mel de don1blés de caboclo, observa Roger Bas- ros-túmulos e cita outros, conhecidos de Profeta duma nova era, João Ferrei-
abelha, para corrigir o travo. 17 tide que ''os banhos dos candidatos não mestre Cascudo, em praias do Rio Gran- ra tomou-se monarca e santo. Aparecia
A jurema feita com a raiz ou con1 a continham ervas sagradas, n1as, por ou- de do Norte.18 Artur Ramos menciona aos seus súditos com uma coroa de ja-
casca do caule é avem1elhada, cor de vi- tro lado, não deixavan1 de ter jurema."4 mestre Espiridião, que morreu e ficou pecanga. Recebia o tratamento de sua
nho; feita com as folhas (folíolos) é es- Mas não é só. A jurema também tem encarnado num pé de jurema. 23 santidade el-rei. E todos lhe beijavam os
verdeada, "o verde e amargo licor" da força, o 1nana dos melanésios. Como ou- O pé de jurema, nos sertões nordes- pés.
Iracema, de Alencar•. tras plantas mágicas - arruda, alecrim, li?os~ transfonnou-se em altar ou santuá- A corte se reunia no sítio da Pedra
Com o tempo. a jurema dos f ndios, manjericão, alfuzema - é imune ao mau- no. A sua volta acendem-se velas ou são Bonita ou Reino Encantado, na comarca
antes infusa em água, passou a ser mis- olhado. deixadas oferendas propiciatórias. Sob de Vila Bela. O cenário era majestoso,
turada pelos brancos com aguardente de Nas casas mal-assombradas, espa- suas ramagens os crentes murmuram pre- dominado por duas enonnes colunas na-
cana. O cauiln dos catimbós é uma mis- lham-se em todos os aposentos e, em ces. E se sofresse os golpes do macha- turais, de rocha ferrosa. Uma coluna, li-
tura de jurema com cachaça, servida a maior quantidade, nas soleiras das por- do, do tronco escorreria sangue, em lu- geiramente menor, tinha 32,56 metros de
todos os presentes, que bebem no mes- tas, folhas verdes de jurema, uma vez que gar de seiva. altura (A); a maior, de 33 metros, era in-
mo copo. Seu preparo é feito na prince- as secas, frisa Cascudo, já não têm ''as Mais tarde, a jurema passou a ser crustada de mica da metade para cima,
sa, a bacia ritual que constitui uma das forças''. 9 morada do Caboclo Juremeiro e da Ca- e parecia de prata, cintilando ao sol (B).
marcas. isto é, um dos principais obje- Um galho dejurema é proteção, co- bocla Jurema. Recebeu, por isso, o nome de Pedra Bo-
tos sagrados do catimbó. mo acontece com o pinhão-roxo, Jatro- nita, mais tarde Pedra do Reino.
pha gossypiifolia L. , que vi plantado pelo A Matança de Pedra Bonita Separada das colunas, uma peque-
Planta de Muitos e Variados Poderes Nordeste e, praticamente, em todos os 1836, em Pernambuco. É quando se na sala, meio subterrânea: o santuário
No catimb6, não apenas o mestre jardins das residências de Olinda e Re- funda uma seita espantosa, em que os fa- (C). Era onde João Ferreira fazia suas
que dirige a mesa e os assistentes. como cife. náticos faziam libações com o vinho en- prédicas, afirmando que ressuscitariam
144 Sangi,rordi. Jr. O Índio e as Plantas Alucindgenas 145
foram desencadeados, não só pelos efei- crita por Carlos Estêvão. Uma das me- veis". E acrescenta: "Os efeitos são se- Em todas as minhas experiências
tos da ingestão imoderada de cachaça ninas índias disse confidencialmente a melhantes aos do haxixe."7 pessoais com cannabis, quer fumado,
com jw-ema. mas porque essa beberagem uma amiguinha, "as a great secret' ', que Artur Ramos não é mais preciso e quer ingerido, jamais ocorreram quais-
estava violentamente potenciada pelo ma- o pai e a mãe iam beber jurema. Koster arrisca: ''A embriaguez dajurema, muito quer alucinações. nem mesmo as visões
nacá, Brunfe /sia hopeana Benth .• alta- descobriu que a bebida era feita com uma próxima das ricas alucinações visuais da coloridas e luminosas de formas abstra-
mente tóxica. Mais ainda: a beberagem planta comum. mas jamais conseguiu maconha e do haxixe, fazia com que os tas, tão comuns aos que absorvem mes-
agia sobre mentalidades psicopáticas, re- convencer qualquer índio a apontá-la. 12 índios vissem "o mistério ou o segredo calina. O cannabis pode provocar, ini-
sultantes da miséria, da fome crónica, da Negativa em apontar a planta, res- da jurema.' '23 cialmente, uma certa hilaridade sem mo-
doença, da ignorância e do fanatismo. postas vagas, práticas celebradas às ocul- Euclides da Cunha, em Os Sertões, tivo e, via de regra, uma sensação de cal-
O banho de sangue de Pedra Boni- tas, sempre existiram e continuam a exis- menciona ''as juremas, prediletas dos ca- ma, de ben1-estar, de euforia não expan-
ta, porém, não foi o que provocou uma tir. Resultam do medo da repressão. boclos - o seu hachich capitoso. siva. Tive o cuidado de verificar que não
rigorosa repressão contra o uso da jure- fornecendo-lhes. grátis. inestimável be- se tratava de uma reação particular mi-
ma, que já existia antes de 1836. Efeitos da Beberagem beragem, que os revigora depQis das ça- nha. pois, inquirindo fumadores invete-
Câmara Cascudo, mestre de muitos Não há precisão nem unanimidade minhadas longas, extinguindo-lhes as fa- rados de maconha. verifiquei que expe-
saberes, cita em mais de uma obra sua dos autores quanto aos sintomas provo- digas em momentos, feito um filtro rimentavam sintomas idênticos. O can-
este trecho revelador, que descobriu no cados pela ingestão da jurema, sendo li- mágico...'' n nabis é uma droga de introversão.
Arquivo da Sé da cidade de Natal. livro terárias, via de regra, as descrições dos José de Alencar descreve: ''Árvore Os artistas e intelectuais que se reu-
M do Obituário, fl. 24: seus efeitos. meã, de folhagem espessa; dá um fruto niam no Hotel Pimodan, em Paris, con-
''Aos dois de Julho de Mil Sete Cen- Segundo Robert H. Lowie, o gran- amargo, de cheiro acre, do qual junta- sumiam um haxixe confeitado que, se-
tos e Sincoenta e Oito anos faleceu da vi- de Nimuendajú reuniu, em 1938, alguns mente com as folhas e outros ingredien- gundo os relatos de Baudelaire e Gautier,
da presente Antonio, índio preso na Ca- fatos relati~ ao antigo culto da Jurema. tes preparam os selvagens uma bebida. tinha efeitos fortemente alucirotórios.s
dea desta Cidade por razão do sumario, Um velho mestre-de-cerimônias. empu- que tinha o efeito do haxixe.. .'' t Isso ocorria com aquele haxixe, de ori-
que se fez contra os Indios da Aldeia de nhando um chocalho de dança. decora- E o padre José Monteiro de Noro- gem oriental; com esse, de origem nor-
Mepibú, os quais fiz.eram adjunto da ju- do com um mosaico de penas, serviria nha, em meados do séc. XVI, atribui à destina, nada acontece. E quando acon-
rema, que se diz supersticioso; de idade a todos os celebrantes uma cuia cheia de bebida feita com a planta "virtude nimia- tece não é um ''paraíso artificial''. Cer-
de vinte e dois anos, ao julgar, e pouco uma infusão, feita com raízes de jurema. mente narcótica." 19 ta noite, em que estava bebendo bastan-
mais. ou menos; fuleceu confeçado e sa- Teriam eles, então, gloriosas visões do Tudo, portanto, é bastante vago, in- te, comi dois ou três biscoitos de haxi-
cramentado; foi sepultado no adro desta espírito da terra. com flores e pássaros. clusive a quase unanimidade em compa- xe. sem maiores problemas. Numa se-
Matriz de Nossa Senhora da Apresenta- Podiam perceber, de relance, o estrondo rar os efeitos da jurema com os do gunda vez (e última), porém, estando
ção da Cidade do Natal do Rio Grande das rochas, destruindo a alma dos mor- haxixe. com quase um ano de rigorosa abstinên-
do Norte; foi encomendado pelo Coad- tos, em marcha rumo ao seu destino ou Oswaldo Gonçalves de Lima é m.ais cia alcoólica, comi espaçadamente dois
jutor Joam Tuvares da Fonseca; e pelo seu ver o Pássaro-derTrovão. desferindo raios preciso: ''Um de nós que espontanea- biscoitos de haxixe, os quais provocaram,
assento fiz este, em que por ser verdade por um enorme tufo de penas na cabeça mente ingeriu 0.040 g de nigerina, teve cerca de uma hora depois, efeitos bastan-
assinei. - Manoel Corrêa Gomez, Vi- e produzindo, um após outro, o ribom- oportunidade de experimentar aceleração te desagradáveis: fortes tonteiras (havia
gário."9 (Grifos meus) bo dos trovões. 15 do pulso (90), sensação de exacerbação momentos em que a parede parecia os-
As reuniões de culto em que bebiam Arruda Câmara diz que da jurema- auditiva, náuseas ligeiras, sintomas res- cilar), marcha insegura, pés e mãos ge-
jurema era chamada antigamente de ad- preta (Acaciajurema Mart.). espécie das piratórios (dispnéia ligeira).'' O mesmo lados, uma sensação de frio interior e ab-
junto da jurema e designava prática su- caatingas e dos sertões. ''os caboclos fa- autor, baseado em informações dos pan- soluto desconforto.
persticiosa, com artes do demónio e, co- ziam uma beberagem, com que, dizem kararus, após haverem ingerido a droga, Por tudo isso, sou levado a crer que,
mo tal, os seus adeptos estavam sujeitos eles, se encantam e se transportam ao convenceu-se da ''existência de fenóme- se a jurema provoca efeitos idênticos aos
às penas da lei. céu.''6 nos mentais de naturei.a tóxica, agindo do haxixe, é como euforfstico, jamais
Henry Koster, em 1849, encontrou Melo Morais menciona ' 'certa espé- a jurema conto um euforfstico.'' 14 Este como alucinógeno. Tomei muito caui.tn
índios que bebiamjuren1a às ocultas, em cie de vinho que en1briaga, com trans- vocábulo - euforístico - diz mais. a (cachaça com jurema) em catimb6s nor-
Jaguaribe, PE. Os índios dançavam de porte delicioso.• •11 meu ver, do que tudo o que se lê nos au- destinos. A jurema como que potencia-
portas fechadas, à volta de uma grande Capanema, citado por Caminhoá. tores anteriormente citados, que são unâ- liza a ação do álcool, dando um senti-
vasilha de barro, o cachin1bo passando conjetura: "Dizen1 que a embriaguez da nimes em compa.rar a jurema com o ha- mento de plena alegria, de paz con1 o
de mão em mão. con10 ~ cerin1ônia des- jurema traz sonhos fantásticos e agradá- xixe. Mas. vamos por partes. Dltmdo e com nós mesmos. de empatia
O Índio e as Plantas Alu.cindgenas 149
7.aéarias e Ribeiro isolaram das cascas Mais tarde, a própria planta setor-
da Mimosa hostilis um alcalóide com as na sagrada - habitação de espíritos
mesmas características da nigerina, cuja dos mortos, altar de oferendas, prote-
estrutura determinaram como sendo um ção contra malefícios. Como aconteceu
derivado indólico: a N. N-dimetiltripta- com a gameleira branca, Ficus doliaria
mina (D. M. T. )22 Mart., que se transformou no trono de
um deus - Lôko dos nagôs e Irôko dos
Coda: de Bebida a Reino Celestial jejes - a juremeira passou a ser mora-
Todas as linhas do catimb6 (canções
que evocam os Mestres) mostram três da dos Mestres (catimbós) e do Cabo-
sentidos diferentes da palavra jurema: a) clo Juremeiro (candomblés de caboclo).
beberagem; b) planta, às vezes fragmen- Na umbanda, surge a Cabloca Jurema,
tada em suas partes componentes, cau- linda índia de long0s cabelos ne-
le, flores, ramos. raiz; c) região celes- gros, "uma índia morena, coberta de pe-
tial onde habitam os Mestres e as Mes- nas".
tras, a um tempo reino, árvore e cidade, Finalmente, a semântica do nome
inclusive de altas torres. ganha amplitude ainda maior e p~
Os três aspectos - bebida, fitolatria, a designar a região celeste. É o reino
região do astral - resumem o caminho ou cidade da Jurema~ o Juremá, cor-
percorrido pela jurema, dos aldeamen- ruptela de juremal, bosque de juremas,
tos aborígines às mesas e terreiros das re- com sentido semelhante ao de Aruanda
ligiões populares. da umbanda e dos candomblés de cabo-
Bebida sagrada dos índios, a jurema clo, que por sua vez é corruptela de
era usada pelos médicos-feiticeiros tupis
-jês ou karirís -juntamente com o fu- Luanda. capital de Angola.
mo e o maracá, para vaticinar, aconse- Na umbanda, a Jurema também se
lhar e curar. A ingestão da jurema per- identifica de certa forma como Ossãe,
mitia que o pajé entrasse em conta.to com o senhor da folhagem, pois é dona das
o mundo invisível, evocando os espíri- ervas mágicas, confurme este ponto, que
tos ancestrais e os heróis culturais da ouvi em vários terreiros cariocas e flu-
tribo. mmenses:
com todas as criaturas. Acredito que, se então, eu jamais tivera dor de cabeça na
tivesse tendência mística. eu poderia ex- ressaca, por maior quantidade de álcool DE- FU- MA COM AS ER- VAS DA JIJ- RE· MA OE-
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N.0 50938 • YYY N~ 10411 • YYY
Um sistema de estudo e _, Assim como o signo de cada
Q u?-1 é o ~u númcro-c~~IV\!? pessoa a faz diferente quanto
aconselhamento sobre o Qua1s os '.1 meros <JUe t~m ou ao temperamento, tend~ncias o
futuro usado na China há não afimdad~s com o seu? 1 gostos, também em relação ao
cerca de 5 000 anos. Como conqt~lStar '? ho~m paladar â influência dos astros
O l Chirm, o livro da que v~ am~. Qu.a1s os pares é muito importante. Dividido
sabedoria chinesa, aconselha e numén.cos'> CUJaS v1bmç~.s são em 12 capítulos, cada um
indica quais as conseqüências perfeitas. A ~·m~rologia é dedicado a um signo do
que uma &,,1crminada atitude rrulen:ar o a aphcaçao dos seus zodíaco, 0 livro aprosellla umá
pode trazer no futuro. É a ensiname!'los P~ que os análise cuJináàa para cada
milenar sabedoria chinesa ruímeros mflu~nciam nosso signo o sugestões de rcc~ilas
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