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Betão Estrutural 2004 - Porto

COMPORTAMENTO DE LAJES ALVEOLADAS


SUJEITAS A CARGAS CONCENTRADAS

SÍLVIA CASTILHO VÁLTER LÚCIO


Engª Civil Prof. Associado
Investigadora do UNIC Investigador do UNIC
Versor, Lda FCT / UNL
Lisboa Monte da Caparica

SUMÁRIO

Nesta comunicação apresenta-se uma fase preliminar do estudo em curso na FCT/UNL sobre o
comportamento de lajes alveoladas sujeitas a cargas concentradas. Descreve-se o trabalho
experimental, os modelos e os sistemas de ensaio utilizados. Os resultados experimentais
obtidos em ensaios já efectuados sobre modelos de laje em laboratório são comparados os com
os valores recomendados na pré-norma Europeia prEN 1168-1.

1. INTRODUÇÃO

As lajes alveoladas representam uma solução competitiva já que reúnem em si a vantagem da


pré-fabricação, de serem pré-tensionadas e de serem aligeiradas por meio dos alvéolos
moldados na sua espessura.

A produção deste tipo de lajes em fábrica consiste essencialmente em duas fases


correspondentes, respectivamente, à preparação das armaduras de pré-esforço e à moldagem do
betão sobre as pistas. A pista onde estas operações são executadas possui cerca de 100 m de
comprimento e constitui a cofragem da face inferior das lajes. As armaduras de pré-esforço são
em aço de alta resistência, em fio com diâmetros de 5 a 8 mm ou em cordão. As armaduras são
esticadas sobre a pista, entre maciços de ancoragem posicionados em ambas as extremidades, e
pré-tensionadas. O betão utilizado é em geral da classe C40/50 e é moldado sobre as armaduras
por máquinas que percorrem a pista deixando o betão compactado e com a forma final de laje.
Os sistemas mais usuais de moldagem são a extrusão e o slipforming [1]. Os painéis de laje
assim produzidos possuem em regra 1.20m de largura e espessuras que podem variar entre os
0.15m e 1.0m. Após o endurecimento e a cura inicial do betão na pista, tendo o betão adquirido
alguma resistência, são libertados os aços de pré-esforço das cabeças de ancoragem e os
painéis de laje são cortados, com os comprimentos previamente encomendados, por meio de
uma serra de disco diamantado que percorre a pista. Estes painéis são levantados da pista e
armazenados, aguardando o transporte para a obra.

Em obra, os painéis da laje são colocados lado a lado e apoiados em vigas em ambas as
extremidades. Estas vigas poderão ser em betão também pré-moldado ou, em alternativa,
moldado in situ. Também é frequente a utilização de vigas metálicas.

Embora possa ser conferida continuidade às lajes sobre os apoios, não é frequente tirar partido
desta faculdade, sendo corrente considerar as lajes como biapoiadas nas extremidades.

É ainda aconselhável, embora não seja indispensável, proceder em obra à betonagem de uma
camada de betão complementar, com 5 a 10 cm de espessura, armada perpendicularmente ao
vão dos painéis de laje. Para melhorar a resistência ao esforço transverso e garantir uma melhor
ligação aos apoios devem ser preenchidas com betão, e colocadas armaduras de ligação, as
extremidades de alguns alvéolos previamente rasgados para o efeito (ver figura 1). As juntas
entre painéis adjacentes devem também ser seladas com betão.

Figura 1 – Lajes Alveoladas- colocação em obra

A esbelteza destas lajes (relação entre a espessura total da laje acabada e o vão entre eixos dos
apoios) varia entre 1/40 para pequenos vãos (até 8m), 1/30 para vãos médios (de 8m a 15m) e
1/20 para vãos até 20m. Os valores referidos são apenas indicativos, pois terá que ser analisado
caso a caso, em função do valor das cargas e das condições de apoio.
A utilização de lajes alveoladas na construção de pavimentos de edifícios de habitação, de
escritórios, comerciais e de auto-silos, ou em tabuleiros de pontes de pequeno vão, tem
verificado um incremento significativo nos tempos mais recentes. É frequente a utilização
desta solução em situações em que surgem cargas concentradas tais como: apoios pontuais de
máquinas, apoios indirectos em aberturas nos pavimentos ou cargas devido a rodados de
veículos. Sendo estas cargas relativamente elevadas e dado que esta solução é constituída por
um conjunto de elementos discretos torna-se necessário definir a sua resistência à flexão
transversal e ao punçoamento.

O presente estudo tem como principais objectivos analisar a forma como as lajes alveoladas
resistem a cargas concentradas e aferir os valores sugeridos pela regulamentação europeia.
Os principais factores que influenciam a resistência à flexão transversal e ao punçoamento são:
− As dimensões da área carregada,
− A posição da carga em relação ao eixo longitudinal do painel de laje,
− As características mecânicas do betão e o valor do pré-esforço instalado,
− A contribuição da camada de betão complementar moldada em obra,
− A contribuição dos alvéolos preenchidos com betão moldado em obra,
− A influência da continuidade transversal entre painéis de laje e do confinamento daí
resultante.

Nos próximos capítulos aborda-se o estado actual do conhecimento relativamente à resposta


das lajes alveoladas a cargas concentradas, apresenta-se o programa experimental e analisom-
se alguns dos resultados já obtidos.

2. ESTADO DO CONHECIMENTO

Aswad e Jacques [3] efectuaram uma análise experimental sobre os efeitos de cargas
concentradas aplicadas no bordo de painéis de laje alveolada. Neste estudo foram analisados 25
painéi. Os autores concluíram que a rotura se dava, invariavelmente, por punçoamento sob a
carga ou por torção nas extremidades da laje, junto aos apoios.

Stanton [4] estudou a repartição transversal de cargas entre painéis adjacentes de pavimentos
constituídos por elementos pré-fabricados e desenvolveu um método numérico para determinar
os esforços internos nestes pavimentos.
Mais tarde Stanton [5] estudou a resposta de lajes alveoladas quando sujeitas a cargas
concentradas e lineares e desenvolveu um método numérico para definir a distribuição
transversal do esforço transverso junto ao apoio e do momento flector no centro do painel.

A prEN1168–1 [6] estabelece dois estados limite para os efeitos de cargas concentradas: o
primeiro é um estado limite de utilização e corresponde à formação de uma fenda longitudinal,
na face inferior da laje, em resultante da flexão transversal do painel; o segundo é um estado
limite último de rotura por punçoamento.

O estado limite de fendilhação por flexão transversal não conduz à rotura da laje, traduzindo-se
apenas na formação de fendas longitudinais que devem ser limitadas em fase de utilização.
Este fenómeno corresponde a um estado limite de utilização. Em geral, só após a formação
destas fendas longitudinais é possível formar-se o mecanismo de rotura por punçoamento.

Segundo a prEN1168-1 [6] o estado limite de formação das fendas longitudinais corresponde a
um valor característico da força concentrada (Fk) de:
Fk=3 WL fctk0.05 [1]
Onde:
WL representa o menor módulo de flexão relativo à fibra inferior, ou seja, o módulo de flexão
da fibra inferior por unidade de comprimento da secção longitudinal da laje, e
fctk0,05 é o valor característico inferior da resistência à tracção do betão.

A formação da fendilhação longitudinal vai reduzir a capacidade de redistribuição transversal


da carga pelas diversas nervuras da laje aumentando a concentração dos esforços na nervura,
ou nervuras, directamente solicitadas pela carga pontual. Esta concentração de esforços num
número reduzido de nervuras pode conduzir à rotura destas nervuras por corte, ou
punçoamento, como normalmente se designa a rotura devido a cargas concentradas. A
resistência ao punçoamento (VRd) é então dada na prEN1168-1, por:

VRd = beff h fctd (1 + 0,3 α1 σcp / fctd) [2]


onde:
beff é a largura efectiva das almas das nervuras intervenientes, conforme se indica na figura 2,
h é a espessura da laje,
fctd representa o valor de cálculo da resistência à tracção do betão,
σcp é o valor da tensão média de compressão no betão devido à pré-tensão, e α1 = lx/lpt ≤ 1 é a
razão entre a distância da secção em causa à extremidades da laje (lx) e o valor superior de
cálculo do comprimento de transferência da pré-tensão, tal como definido no ponto 6.2.2 da
prEN1992-1-1[7].

45º 45º

bw1 bw2 bw3 bw1 bw2


beff = bw1 + bw2 + bw3 beff = bw1 + bw2
a) Situação geral b) Bordo livre

45º 45º

bw1 bw2 bw3 bw1 bw2


beff = bw1 + bw2 + bw3 beff = bw1 + bw2
c) Situação geral com betão complementar d) Bordo livre com betão complementar

.Figura 2– largura efectiva (prEN1168-1[6])


3. PROGRAMA EXPERIMENTAL

No âmbito deste estudo foi elaborado um programa experimental dividido em quatro fases,
sendo que as primeiras três têm por objectivo analisar a resistência de um painel de laje
isolado, enquanto que na última fase se pretende estudar a contribuição para a resistência à
flexão transversal e ao punçoamento de um conjunto de quatro painéis de laje justapostos.

O programa de ensaios estabelecido é o seguinte:


- 1ª Fase: Painel de laje com 2.0mx1.2m – sem betão complementar, dimensão da área
carregada 0.10x0.10m. Posição da carga concentrada:
a) a eixo da laje a meio vão.
b) a eixo da laje junto ao apoio.
- 2ª Fase: Painel de laje com 2.0mx1.2m – sem betão complementar, dimensão da área
carregada 0.10x0.10m. Posição da carga concentrada:
a) no bordo da laje a meio vão.
b) no bordo da laje junto ao apoio.
- 3ª Fase - Painel de laje com 2.0mx1.2m – com 0.08m de betão complementar, dimensão da
área carregada 0.10x0.10m. Posição da carga concentrada:
a) a eixo da laje a meio vão
b) a eixo da laje junto ao apoio.
- 4ª Fase – 4 Painéis de laje com 4.8m x 2.9m no total – com 0.05m de betão complementar,
Posição das cargas concentradas: a eixo dos painéis a meio vão.

Os ensaios relativos às três primeiras fases são executados no Laboratório de Estruturas da


Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, tendo já sido realizados
dois dos ensaios planeados. Os ensaios relativos à quarta fase do programa experimental
decorrerão no Laboratório de Estruturas e Resistência de Materiais do Instituto Superior
Técnico da Universidade Técnica de Lisboa.

4. RESULTADOS EXPERIMENTAIS

Nesta comunicação apresentam-se apenas os resultados já obtidos nos ensaios da fase 1a)
(primeira fase com carga concentrada aplicada a eixo da laje, a meio vão). Foram efectuados
dois ensaios que seguiram o procedimento de aplicação de carga que se descreve em seguida.
A carga foi aplicada sobre uma chapa que foi colocada no centro do painel da laje. A laje
alveolada é do tipo LAP-20-6 fornecida pela Secil Prébetão. O esquema do ensaio apresenta-se
nas figuras 3 a 5.
0,20m
1,20m
Figura 3: Laje em análise: LAP-20-6 – secção transversal

Célula de Carga CC2


Macaco Hidráulico

Laje Alveolada
LAP-20-6
2,00m
1,20m

Placa de Aplicação da Carga


100x100 mm

Célula de Carga CC1


Macaco Hidráulico

0,50m 1,00m 0,50m

2,00m

Figura 4: Esquema de ensaio –Planta


Célula de Carga CC1

Macaco Hidráulico
Tipo RRH 307

Laje Alveolada
LAP-20-6

Tela em Neoprene

Apoio Fixo Rótula Cilindrica


Ø 50mm
Bloco de Betão Bloco de Betão

0,50m 0,50m 0,50m 0,50m

Barra Dywidag Ø 26mm


Laje do Laboratório

Figura 5: Esquema de ensaio –Alçado


A carga foi incrementada até surgir uma fenda longitudinal por tracção na lâmina inferior de
um dos alvéolos adjacentes à nervura carregada. O ensaio é bastante simples, uma vez que
devido à grande rigidez da laje, em resultado do reduzido vão e da existência do pré-esforço,
não são relevantes as deformações da laje e não se observaram fendas transversais devido à
flexão. Em ambos os ensaios a fenda longitudinal formou-se ao longo de um fio de pré-tensão.
A carga de fendilhação registada em cada ensaio está indicada na Tabela 1.

Figura 6 – Fendilhação transversal Figura 7 – Rotura por punçoamento

Posteriormente a carga foi incrementada até se atingir, em simultâneo, a rotura por corte da
nervura carregada e a rotura da ligação desta nervura à restante laje ao longo do outro alvéolo
adjacente. A carga na rotura verificada para cada ensaio está também indicada na Tabela 1.

Na Tabela 1 comparam-se os valores experimentais com os valores para a carga de fendilhação


e de rotura por punçoamento calculadas através da prEN1168-1 [6]. Os valores resistentes
indicados na Tabela 1 foram determinados considerando não os valores característicos nem os
valores de cálculo das propriedades dos materiais, mas sim os valores médios determinados por
ensaio em laboratório. Assim, os valores de Fk e VRd são substituídos na Tabela 1 por Fm e
VRm.

Tabela 1: Comparação entre valores experimentais e valores recomendados


Valores Experimentais /
Valores Experimentais prEN1168-1
prEN1168-1
Laje Carga de Carga de Carga de Carga de Carga de Carga de
Fendilhação Rotura Fendilhação Rotura Fendilhação / Fk Rotura / VRD
[kN] [kN] – Fm [kN] - - VRm[kN]-
1 133.4 147.6 2,62 1,09
50,9 135,2
2 119.5 129.7 2,35 0,96
5. CONCLUSÕES

Na presente comunicação apresenta-se o problema do comportamento de pavimentos de lajes


alveoladas sujeitas a forças concentradas. Estes pavimentos, tendo a particularidade de
resistirem às acções predominantemente numa direcção e não possuírem armadura na direcção
transversal ao vão, possuem um comportamento singular quando sujeitas a cargas pontuais.

Os ensaios realizados revelam que as cargas concentradas aplicadas longe dos bordos dos
painéis conduzem, em primeiro lugar, ao aparecimento de fendas longitudinais em resultado da
flexão transversal da laje. Estas fendas dividem a laje longitudinalmente, reduzindo a sua
capacidade de distribuição transversal da carga aplicada pelas diferentes nervuras. A rotura por
punçoamento da laje acontece quando numa determinada secção transversal de uma nervura se
atinge a tensão da rotura do betão à tracção, em resultado das tensões tangenciais, devido à
força aplicada, e das tensões axiais de compressão, devido ao pré-esforço.

Constata-se.que poucos investigadores se debruçaram sobre este assunto e que os resultados


dos ensaios já efectuados, no âmbito do presente projecto de investigação, permitem prever que
os valores propostos pela prEN1168-1 para quantificar a resistência à fendilhação por flexão
transversal são conservativos.

6. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Secil Prebetão o fornecimento dos modelos de laje alveolada.

7. REFERÊNCIAS

[1] Faria, Duarte Miguel, “Comportamento Sísmico de Lajes Alveoladas Pré-moldadas”,


Dissertação de Mestrado, IST, Lisboa, Outubro 2003
[2] FIP – “Planning and design handbook on precast building structures”, 1994. p. 175.
[3] Alex Aswad, Ph.D., P.E.; Francis J.Jacques, P.E. – “Behaviour of Hollow-Core Slabs
Subject to Edge Loads”, PCI Journal, V37 No2, Março - Abril 1992. p. 153-203.
[4] John F. Stanton, M. ASCE – “Point Loads on Precast Concrete Floors”, Journal of
Structural Engineering, V109. 11 Novembro 1983.
[5] John F. Stanton, Ph.D. – “Response of Hollow-Core Slab Floors to Concentrated Loads”,
PCI Journal, V37 No4, Julho – Agosto 1992. p. 98-113.
[6] CEN, prEN1168-1 – “Precast Concrete products – Hollow core slabs”, Abril 2003, p. 14-
16.
[7] CEN, prEN 1992-1-1 – “Eurocódigo 2: Design of concrete structures – Part 1: General
rules and rules for buildings”, Novembro 2002, p. 86.

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