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Eu sou Lilah

Índice
1 – A substituta.....................................................................................................................................3
2 – Os Profanos....................................................................................................................................6
3 – Medo.............................................................................................................................................10
4 – Abstinência...................................................................................................................................13
5 – Escuridão......................................................................................................................................19
1 – A substituta

Não conseguia entender por que ela tinha se jogado da janela do sexto andar, não
a conhecia tão bem e nem estava num momento sentimental. Mas, ela sempre
pareceu tão bem, tão sã. Nunca é um de repente, bom que fosse, ela bem sabia.
Entretanto, também não sabia por quê aquilo importava naquele momento.
Olhou para o taxista que brigava com o celular mais uma vez, o GPS não devia
funcionar adequadamente novamente. Desde que chegaram naquele lugar os
sinais de celulares e o GPS funcionavam a bel prazer, isso quando eles
apareciam.
Não queria perder seu tempo observando o estressado taxista, colocou os fones
de ouvido e deixou o verde crescer diante de seus olhos, o dia estava cinzento e a
névoa densa parecia brotar das enormes árvores, tão velhas que ela não
conseguia mensurar, com raízes profundas e copas prontas para agarrarem o
céu.
A suicida veio novamente em sua mente. Aquilo estava incomodando, talvez seu
cérebro insistisse naquilo porque ela estava a substituindo. Um homem rico com
seus caprichos a estava pagando para ser bruxa naquele lugar remoto. Como se
houvesse qualquer mistério naquilo.
De certa forma o ocultismo esteve sempre em voga, mas magos reais eram difíceis
de encontrar, diziam. Alguns falavam que era uma questão de sangue, você tinha
que nascer assim, bruxo ou mago, outros diziam que era uma questão de
profundo treino e conhecimento.
Naquela altura Lilah não achava mais nada. Se via às voltas questionando se em
algum momento tornara-se niilista e sentia prazer em pensar não haver uma vida
após a morte. Mas, sabia que não conseguia sustentar aquilo, por mais que
quisesse. Teve experiências profundas demais para negá-las.
Tirou o fone de ouvido quando o taxista falou com ela, apenas para avisar que
chegaram na mansão. O que a fez erguer um pouco o torso e se balançar de um
lado para o outro para dar uma olhadela no lugar. O caminho do portão até a
mansão parecia infinito.
Quando finalmente alcançaram a porta, Lilah viu-se de boca aberta. Era enorme
e linda. Uma mistura de arquitetura moderna com arquitetura gótica, numa cor
cinza que parecia combinar bem com o céu daquele dia. Rapidamente pagou o
taxista, que retirou a enorme mala vermelha do porta-malas, despediram-se e ela
apertou a campainha.
Não se surpreenderia se tivessem vampiros naquela casa e o pensamento infantil
a fez soltar um sorriso fácil. Olhou para a piscina coberta por um plástico
enquanto esperava que alguém lhe atendesse e se questionou se alguém a usava.
Ele era a coisa mais bonita que poderia ter aberto a porta, fosse quem fosse. Os
cabelos naturalmente ruivos e lisos eram compridos ao ponto de alcançar a
cintura. Os olhos eram azuis e os traços do rosto eram tão delicados, que era
impossível não desejá-lo.
— Você deve ser Lilah. Eu sou Klaus. Por favor, sente-se e fique à vontade, logo
Dante falará com você.
— Obrigada.
As paredes brancas da sala eram tediosas, mas gostava do contraste do tom café
dos móveis e do corrimão de uma escada que estava logo atrás dela, a escada se
perdia numa curva e as paredes em quadros abstratos. Ouvir o som dos próprios
sapatos batendo no chão foi confortante.
Estava ansiosa, de certo. Sabia de antemão que moraria ali com outras pessoas
que ela desconhecia, um tipo de retiro. O que significava uma nova rotina, um
novo estilo de vida e seja mais o que fosse, o que era motivo suficiente para estar
ansiosa.
Mas, não queria estar. Nunca queria sentir o que estava sentindo e sempre
querendo sentir qualquer outra coisa. Pelo menos naquela situação gostaria de
estar se sentindo um pouco mais confiante. Que mulher não quer se sentir um
pouco mais confiante?
Dante era um pouco mais alto que Klaus, contudo, era loiro e o cabelo liso um
pouco mais comprido. Os olhos eram duas safiras que se apertaram num sorriso
malicioso, que dava a face apessoada duas belas covinhas. Como se ele
precisasse de mais alguma coisa para ser bonito.
Ele olhou Lilah com esmero. Os cabelos vermelhos num tom cereja gritante,
destoava do rosto, que era bonito, com delicados olhos verdes com um quê de
sarcasmo. Era alta para os padrões de onde ela nascera, mas baixa o suficiente
para ele. Ele fez um sinal para que ela se sentasse.
O escritório tinha três enormes estantes de livros, a mesa em jacarandá, tinha o
busto de algum filósofo que ela desconhecia de pronto e alguns papéis. Ele pegou
uma pasta que estava sobre a mesa, provável que era o questionário que a
fizeram responder quando se indicou.
— Parece estranho ser paga para ser bruxa?
— Um tanto quanto. - Ela respondeu, puxando a mala para perto da cadeira que
sentara.
— Contudo, se Pietro te enviou ele deve acreditar que você pode conseguir.
— Não sei o que Pietro poderia dizer, mas tenho uma carta de recomendação dele.
Ela abriu a pequena bolsa que estava em seu colo e retirando um envelope
entregou para Dante, que a leu pacientemente. Ele olhou para ela em seguida
como se algo não estivesse certo e depois leu a carta novamente.
— Não gosto da cor do seu cabelo. - Ele disse, abrupto.
— Que?
— Não gosto. Se puder mudar, agradeço. Venha, vou mostrar onde será seu
quarto.
Lilah tentava entender se ele estava falando mesmo sério ou se estava brincando,
enquanto arrastava a enorme e vermelha mala, fazendo barulho com suas
rodinhas. Começaram a subir a escada e ela achou que fosse morrer, pois que
não tinha fim.
Já não tinha mais ar quando ele parou no quarto andar, onde havia quatro
portas onde a segunda da esquerda para a direita era o quarto dela. O suor
escorria nas têmporas, quando ele abriu a porta com a chave. Ela queria xingar –
Logo no quarto andar? - mas, não tinha ar.
— Não temos sinal de internet aqui, então o computador é quase que um
acessório ilustrativo. Nós não nos misturamos. A irmandade fica com a
irmandade e os profanos com os profanos. E você por enquanto é profana.
A cama de casal enorme era chamativa, para quem subira a escada carregando
aquela mala pesada sem a ajuda do loiro bonitão.
— Os lugares e portas marcadas com placas que é proibido o acesso de profanos
devem ser evitados, aquele que não cumprir essa regra será punido pela primeira
vez e expulso na segunda.
Ele deu alguns passos e pegando um papel na mesa de cabeceira, entregou para
ela, que logo viu que se tratava da rotina da casa, horário de dormir e acordar,
refeições, tarefas e etc.
— Eu mesmo me sentarei para dar forma ao seu treinamento como bruxa, já que
cada um aqui tem seu treinamento personalizado de acordo com suas
capacidades ou a falta delas. Tire o dia para organizar suas coisas e descansar da
viagem.

2 – Os Profanos

Lilah não tinha visto ninguém da irmandade durante o jantar, exatamente como
Dante informara e as pessoas que serviam o jantar usavam máscaras, o que fez
Lilah pensar que eram eles. De toda forma estava se sentindo frustrada. Não
tinha conversado com ninguém.
Alegre ao ver que tinha ao menos chá, tomou uma xícara e deixou a casa para
ficar na varanda para fumar um cigarro. Outra moça parou ao lado dela e
acendeu um cigarro. O cabelo preto e liso, escorria-lhe como um manto negro e
sedoso, contrastando com a pele alva. Ela disse:
— Você chegou hoje, não é? Sou Mile.
— Lilah. E sim. Ainda não tenho ideia nem de como será meu dia amanhã.
— No seu lugar eu não ficaria tão ansiosa. Nada de bom acontece com as pessoas
que ficam no quarto andar. Acho que no momento estão você, Alice e Cassius no
quarto andar.
— O que você quer dizer com isso?
— Que não é tão fácil quanto parece. Pra ninguém. Se existe alguma magia que
você conheça, use-a sempre que necessário, estamos sempre sendo testados.
Lilah engoliu em seco antes da próxima tragada. Não porque se sentia assustada,
há muito nada a assustava, mas pelo modo como Mile referiu aos andares da
casa. Questionou se cada andar tinha algum tipo de magia ou algo do tipo.
Lembrou-se do aviso para não entrar em determinados lugares.
— Não queria te assustar.
— Não me assustou. Não me assusto tão facilmente.
— Há coisas sobrenaturais nesses bosques também. Você sabe, a natureza com
seus seres imorais, por isso é sempre bom manter-se atenta.
— Ao menos vou ter com quem conversar em minhas noites insones.
As duas riram.
— É meu segundo ano aqui. Eu pago para estar nesse lugar, um luxo que minha
família pode me dar, já que se interessam por esse projeto também. Dou o
máximo que posso em tudo, mas parece que nunca é o suficiente.
— Porque você é muito exigente consigo mesma. - Disse outra voz feminina.
Lilah virou-se e a olhou, era linda, todos os traços do rosto eram perfeitos, o
corpo era proporcional, os cabelos ondulados e castanhos misturavam-se com a
pele bronzeada e suave. Os olhos pareciam duas gotas de chocolate. Era Marie,
como apresentou Mile.
— Ela é a maior candidata para abrir o portal esse ano. - Disse Mile.
— Abrir o portal? - Perguntou Lilah, confusa.
— Não te falaram sobre isso? - Perguntou Mile, que ao ver a negativa de Lilah
com a cabeça, prontificou-se a explicar: — A irmandade tem um pergaminho
muito antigo, dizem que é, na realidade, instruções para abrir um portal, contudo
eles precisam de uma bruxa poderosa para isso. Dizem que é por isso que somos
testadas.
— E o que vem com esse portal? - Perguntou Lilah.
— Eu não faço ideia. Sou profana como você e isso é assunto para a irmandade.
— Mas, mesmo sendo profanas podemos caber para o tal ritual que é um ritual
da irmandade?
— Sim. - Finalmente falou Marie. — E é o que a maioria de nós queremos.
— Entendo. - Disse Lilah, vaga, por que não entendia como elas poderiam querer
abrir um portal sem saber o que estava por detrás daquilo.
Sem saber se a conversa a deixou mais agitada ou mais tranquila, as
acompanhou casa adentro para conhecer os outros, ao menos os que estavam
disponíveis como Cassius, um homem baixo, de cabelos ondulados, olhos verdes
e um rosto angelical.
Assim como Lívia, uma baixinha de óculos, com cara de poucos amigos. Enzo,
um moço apessoado e risonho. E Alice, que lhe chamou a atenção pela palidez e
as olheiras, como se há muito não dormisse direito. Parecia definitivamente
cansada, como se estivesse sendo drenada.
O cabelo num tom castanho meio dourado, caia abaixo dos ombros em tímidos
cachos que não sabiam se queriam se enrolar ou continuar lisos. Os olhos
pareciam ter a mesma cor do cabelo. Era linda, não fosse por aquele aspecto de
doente que exibia.
Lilah olhou para Cassius prontamente quando se lembrou que Mile disse que os
três estavam no mesmo andar da casa. Ele, ao contrário de Alice, parecia
esbanjar saúde. Teve vontade de se aproximar dela, mas assim que pensou nisso,
ela se levantou e foi para o quarto.
“Quando se é um oráculo, você precisa aprender a linguagem dos símbolos para
conversar com o universo. Deixe que as vozes fale, Lilah, deixe que as vozes falem.
Ouça o universo. Veja seus sinais”. - Ela disse mentalmente para si mesma e foi
cuidadosa suficiente de anotar aquilo no seu caderno quando foi para o quarto.
Na manhã seguinte foi levada ao escritório de Dante. Ele vestia uma roupa
confortável, que consistia de bermuda e regata. Não que o dia estivesse
especialmente quente, já que amanhecera tão nublado quanto estava no dia
anterior.
— Não vou exigir muito de você no começo, mas terá que manter uma rotina para
começar. Parte desse problema já temos resolvido porque você tem hora para
dormir e acordar, os finais de semana são livres, mas falo também de uma rotina
voltada para a magia.
Ele entregou um papel onde estava as instruções. Certamente ele a faria
trabalhar com a energia lunar num momento ou outro. Sim, ele devia saber da
facilidade que ela tinha com determinadas coisas, mas mexer com as emoções era
um pouco demais.
Sua primeira atividade era anotar o sonho da noite anterior e só depois praticar
um ritual de banimento, que ele passou um específico que ela desconhecia e que
teria que tirar o dia para decorar. Pedia “apenas” uma hora de meditação na
postura do dragão. Uma longa lista de livros para leitura e um banimento antes
de dormir.
Simples era, não podia negar, as pernas doeriam bastante por um tempo, mas
depois se acostumariam. Mas, por que se sentia tão incomodada? Talvez fosse o
modo como ele a olhava. Reparou que a rotina de magia tinha que ser seguida
mesmo nos finais de semana.
— Você será a minha queridinha da segunda-feira. Estava pensando em deixar
você com o Klaus, mas acho que ele está sobrecarregado e não me custará muito.
Quero tudo anotado no seu diário, seus pensamentos, seus sentimentos, eventos
que você julgar importantes e o que mais achar necessário. Eu vou saber se você
estiver me ocultando algo.
— O que quer dizer com queridinha da segunda-feira?
— Que você vai me entregar seu diário todas as segundas-feiras, porque vou te
acompanhar de perto. Acho que o dia da lua combina com você, não acha? Como
foi sua tentativa de suicídio?
— Tenho que falar sobre minha vida pessoal?
— A partir de agora sim, vai compartilhar tudo o que é seu comigo. Alguns vêm
por espontânea vontade para fazer isso, você está sendo paga para isso e bem
paga. Serei mais exigente com você, certamente.
— Vai me fiscalizar?
— Sim. Todos são fiscalizados.
— Vamos, Lilah. - Ele sorriu. — Com o tempo você vai perceber que sou um cara
legal. Mas, ainda não gosto da cor do seu cabelo.
— Conviva com ele. Posso me retirar?
— Claro. Nos vemos na próxima segunda, quando eu te tirar para um passeio.
Ela deixou a sala se sentindo um pouco confusa e nauseada. Ele parecia exercer
algum tipo de pressão sobre ela que não conseguia compreender. Ao mesmo
tempo que Dante era vistoso, também era insuportável e repugnante.
Levou a mão ao bolso, sentiu a cartela de remédios. Não poderia deixar que
soubessem que era viciada em remédios também. Por que ele foi perguntar sobre
sua maldita tentativa de suicídio? O que aquilo tinha a ver com o que estava
fazendo ali?
Lembrou-se da suicida que estava substituindo. O bolso cheio de calmantes era
bastante atrativo, mas tinha uma rotina para seguir e não se doparia até apagar
novamente. Olhou para a longa lista de livros, começaria com a biblioteca.
3 – Medo

“Não fosse um sentimento de que estava me sentindo perdida, o medo me era


agradável, pois que se eu não acreditava naquele mundo como insistia em dizer
para eu mesma vezes sem conta, por que estava fazendo aquilo? Por dinheiro, era
uma boa resposta. Mas, havia algo mais”.
Ela anotou apressada no caderno pela manhã, ainda sonada e com medo de
perder o sonho que teve naquela noite. Eles ainda escapavam, especialmente
quando tomava calmante para dormir como vinha fazendo, já que o barulho do
bosque ao redor da casa a incomodava.
Assustou-se ao ver a porta do quarto aberta e Alice parada diante dela, vestindo
uma longa camisola branca, com o cabelo despenteado, como se tivesse acabado
de saltar da cama. Lilah esperou um pouco, mas ela nada disse, então ela tomou
a vez:
— Quer ficar aqui comigo?
— Eu posso?
— Claro. Preciso anotar meu sonho antes que eu o esqueça, se isso não te
incomodar.
— Não me incomoda. - Ela respondeu, sentando-se ao lado de Lilah, que ainda
estava em seu pijama amarelo.
Alice esperou até que Lilah anotasse seu sonho no caderno, assim que percebeu
que ela colocou o caderno na mesa de cabeceira ao lado da cama, onde havia
uma jarra de vidro repleta de água, Alice finalmente disse:
— Acho que estou enlouquecendo. Eu não sei mais o que é real e o que não é.
Sempre quis muito conversar com alguém sobre isso, mas nunca confiei em
ninguém até você chegar.
— Por que eu?
— Não sei, intuição talvez. Acho que você é parecida comigo, acha que é frágil e
se comporta como se fosse frágil, mas na verdade não é, apenas faz isso porque
diz isso para si mesma várias vezes. Queria parar de dizer para mim mesma que
sou assim ou assado e simplesmente ser eu.
— Nós somos um processo que vai se modulando, se refazendo e fazendo
continuamente. Eu não tenho pensado sobre o que eu sou.
— Você me entende. - Ela sorriu, mas logo o sorriso sumiu dos lábios ressecados.
— Eles vão te enlouquecer também, Lilah, da mesma forma que estão fazendo
comigo. Ele gostou tanto de você. Sim, ele gostou muito de você. O que é
perturbador.
— De quem está falando?
— Do demônio. - Ela gargalhou.
— Conheço alguns demônios por aí. - Disse Lilah, não a levando a sério.
— Ele é o demônio, realmente o demônio e está num nível muito acima do nosso,
tão acima que não podemos lhe causar nenhum mal com nossa magia barata.
— De quem você está falando? - Lilah insistiu.
— Dante. - Sussurrou a outra no ouvido dela, como se ele estivesse presente no
ambiente e a pudesse ouvir.
— Você faz a sua rotina de magia? - Perguntou Lilah.
Ela balançou a cabeça positivamente, parecia mais um tanto faz, apático, do que
aquilo fosse de fato importante para Alice naquela altura. Por mais estranha que
Alice fosse, Lilah se sentia bem com ela, parecia que podiam conversar sobre
qualquer coisa absurda que uma entendia a outra.
Nos tempos livres ficavam juntas, às vezes Mile se juntava as duas, mas parecia
que Mile sentia algum receio de Alice. Alice nada demonstrava contra ela, mas
Mile ficava sempre mais calada quando estava na presença de Alice, enquanto
que falava pelos cotovelos quando estava apenas com Lilah.
Naquele dia o sol resolveu aparecer depois de mais de uma semana com dias
nublados, Lilah colocou seus fones de ouvidos e levou a almofada para fora, onde
se colocou na postura do dragão para meditar. O celular que carregava no bolso
informaria o tempo da prática.
Fechou os olhos, era bom sentir o sol aquecendo a pele alva, com aquele tipo de
heavy-metal que ninguém escutaria com ela de bom grado, estrondeando em seus
ouvidos. Já sabia que tinha se passado meia hora, porque suas pernas doíam
como se estivessem quebradas.
Não queria falhar, não daquela vez. Passara dias que ficou apenas naquele
exercício porque não conseguia ficar na posição por uma hora completa. Se
esforçou e conseguiu, logo o celular apitou avisando que tinha ficado na posição
por uma hora.
Abriu os olhos e o sol cegou-lhe, mas viu que alguém estava diante dela, tentou
se acostumar com a claridade e quando o conseguiu, viu Dante na mesma
posição de dragão, com a face voltada para ela. Se assustou com aquilo, sem
motivo e então ele desapareceu, como se nunca tivesse ali antes. Ficou ali por um
tempo alongando as pernas, pois não as conseguia mexer.
Provável que fora apenas uma ilusão de ótica por causa da claridade, esteve o
tempo todo de olhos fechados, era normal que alguma imagem aparecesse.
Quando se sentiu pronta, levantou-se, carregando sua almofada consigo e foi
para o quarto de Alice em seguida.
Alice estava esticada na cama, com aquele aspecto de doente de sempre, lendo
um livro, mas logo o deixou de lado ao ver que Lilah entrou no quarto. A ruiva
sentou na cama e disse:
— Acho que poderíamos inserir uma nova rotina na nossa vida, minha e sua
apenas.
— Que rotina?
— Eu te pergunto: O que a Alice é? E você me responde alguma coisa boa que
você acha que é e você faz isso comigo.
— Por que isso?
— Se somos aquilo que dizemos que somos para nós mesmas, talvez mudamos
aquilo que não gostamos. E vai ser ao menos algo que vou fazer com alguém
nessa casa além de compartilhar das refeições.
— O que a Lilah é?
— Exímia praticante de Yoga. - Respondeu pensando na dificuldade com sua
postura e riu. — O que a Alice é?
— Forte, uma mulher muito forte. - Riu também. — Você está preocupada com os
remédios que vão acabar, não?
— Como sabe disso?
— Sou uma bruxa e estou aqui há bastante tempo. É claro que ele sabe que você
está com remédios. - Ela riu. — Ele espera pacientemente, pela sua abstinência,
sua insônia, sua loucura.
— Você está me assustando, Alice?
— Não deveria. Sabe que estou sendo sua amiga. Ele está esperando por você,
quer ver do que você é capaz.

4 – Abstinência

As noites mesclavam-se entre ficar ouvindo musica a noite inteira enquanto lia
um livro, escrever qualquer coisa aleatória num caderno, rolar de um lado para o
outro na cama, meditação e voltando desde o início com a musica. Para noites
onde o sono era pesado pela exaustão.
E então noites onde o sono era leve demais, sonhos que se tornavam alucinações
quando acordava, para retornar a dormir e voltar para o mesmo sonho que
alucinou uma continuação no quarto. Já tinha acontecido antes, depois daquela
fase ficaria com o sono leve e ele jamais seria pesado novamente.
Todos percebiam que Lilah tremia incontrolavelmente ao ponto de mal conseguir
segurar um copo muito cheio sem derramar o líquido. Estava impaciente e se
isolava na maior parte do tempo. O que tornava os outros curiosos a respeito
dela.
— Ela começou a sonhar pra valer. - Disse Alice para si mesma.
— Está falando da Lilah? - Perguntou Mile.
— Sim. Ela é boa com sonhos, então não me preocupo muito. Vai ficar tudo bem.
— Por que você tem essa mania de falar sobre coisas as quais não temos ideia? -
Perguntou Marie.
— Marie, o que você sabe sobre descer ao submundo?
— Conheço alguns mitos.
— O que você faz em sua prática mágica? Não precisa responder se não quiser.
— Estou estudando para quê cada erva serve.
— Eu estou aprendendo alguns feitiços. - Disse Mile.
— Eu e Lilah estamos sangrando.
— Não liga para o que ela fala, não tem sentido algum isso. - Disse Lívia.
— Vai ver elas estão menstruadas. - Disse Cassius.
— Pelo humor que Lilah está, eu não duvido.
Naquele sábado Lilah estava com dificuldade para dormir para variar. Eles não se
importavam se ela bebesse aos finais de semana, desde que ela mantivesse sua
rotina de magia, assim foi que a despensa se encheu de bebidas alcoólicas, que
ninguém mexia, pois sabia que eram dela.
Os fones estrondeavam a musica para dentro dos ouvidos quando ela deixou o
quarto, mas algo rapidamente lhe chamou a atenção. A porta do quarto de Alice
estava aberta e parecia estar iluminado por velas. Pensou em deixar aquilo de
lado e desceu dois degraus, mas curiosa voltou.
Ao olhar pela porta viu que ela e Klaus transavam, ela não a viu, pois estava por
cima dele, mas ele a olhou, o que a fez se afastar rapidamente da porta.
Questionou o que acontecera com a regra de que irmandade e profanos não se
misturavam enquanto descia a escada.
Já na despensa procurava por algo não muito doce, mas forte o suficiente para
ajudá-la dormir. A casa estava escura, com pouquíssimas luzes acesas e a nada
ouvia além da musica que tocava no celular. Por algum motivo estava se sentindo
bem consigo mesma e disse mentalmente:
— Eu sou Lilah. E eu tenho facilidade para dormir.
Aquilo já tinha virado um hábito de tanto que ela e Alice se perguntavam o que
eram uma para a outra e o adjetivo mudava de acordo com o que queriam. Lilah
começou a usar a frase “Eu sou Lilah” para confirmar a realidade no seu trabalho
com os sonhos.
Durante todo o dia, de hora em hora, olhava para as palmas das mãos e dizia
para si mesma “Eu sou Lilah”, como uma forma de confirmar de que estava
acordada. Se fizesse aquilo num sonho algo estaria completamente diferente,
como as mãos ou ela não conseguir falar e saberia que estava sonhando
prontamente.
Há algum tempo atrás era muito boa naquilo, especialmente antes de ter que
tomar a medicação para a depressão. Depois que adoeceu, os remédios
interferiram completamente em todas as funções mediúnicas que tinha. Não
ouvia mais as vozes, não ficava lúcida enquanto sonhando, sequer se lembrava
bem dos sonhos.
O aparente niilismo foi se tornando maior do que as crenças e se viu jogada num
barquinho, num grande mar de nada e os dias a correr enquanto ela esperava
pela morte, já que falhou na tentativa e não tinha coragem suficiente naquele
momento para tentar de novo.
Pietro sabia de tudo isso quando a indicaram para ele, mas ela tinha sido a
melhor bruxa que ele conhecera desde então e com poucos exercícios lá estava
ela pronta para qualquer tipo de magia, exatamente o que ele precisava. Pietro
cheio de seus significados, colocando todas as fichas no vazio dela.
Cômico se não fosse trágico! - pensava, enquanto levava a garrafa da bebida
escolhida à boca. Contudo, ainda se sentia bem consigo mesma, estranhamente
bem. Foi a sala e ficou dançando sozinha na penumbra, claro que as musicas que
ouvia não era do tipo que se dança, mas ela conseguia.
Ela dançava e bebia. Oh, como precisava daquilo! Precisava tanto que esvaziou a
segunda garrafa e foi buscar a terceira. Sequer percebeu que na penumbra ele a
observava, curioso por descobrir o que é que fazia ela mover o corpo de forma tão
sensual.
Assustou-se quando sentiu a mão dele no pescoço dela, encostando o corpo
contra o da ruiva por trás. Ela julgou ser ele pelo perfume, mas não estava certa.
Ele desceu a mão sobre o braço esquerdo dela, entrelaçando os dedos nos dela.
Com a outra mão tirou delicadamente os fones de ouvidos e colocou no próprio
ouvido para matar a curiosidade.
Depois deixou o fone pendurado no pescoço de Lilah que estava de certa forma
assustada. Pensou em Klaus transando com Alice e bem, não estava esperando
por Dante ali. Ele colocou a mão livre sobre o baixo abdômen dela e sussurrando
no ouvido dela, disse:
— Você está buscando a escuridão, entende?
Ele começou a guiar pela casa, Lilah podia ouvir as próprias batidas do coração,
a veia do pescoço que saltava, talvez fosse o corpo quente, mas estava com medo.
Não sabia dizer exatamente do que, apenas sentia. Ele a guiou na penumbra por
um corredor longo o suficiente para ela não ter certeza onde estava.
Depois a virou para a direita e ela ouviu a chave quando ele tirou o molho do
bolso, parando por um momento para encontrar a certa. A porta se abriu num
rangido abafado e o ar parecia pesado. Questionava se tinha bebido demais.
Queria perguntar o que iam fazer, mas não tinha coragem nem de respirar.
— Você está buscando a descida para o submundo. Estamos descendo, meu
bem. Sente isso?
Sim, ela sentia cada degrau que a impulsionava para baixo e o corpo dele que
guiava e segurava o dela, para não deixá-la cair na escuridão. Quando a
escadaria terminou, ele acendeu algumas velas ao redor e na parede havia o
símbolo de uma entidade que ela conhecia.
— Achei que tivesse que esperar mais. - Ele disse, servindo vinho para ambos. —
Pietro tinha razão sobre você.
— Por que eu estou nesse cômodo, Dante? E por que estou com você se não é
segunda-feira?
— Só estou dando um empurrãozinho no seu processo. Foi o que você disse, não
foi? Que estava pronta para abraçar sua escuridão.
— Eu não te disse isso, eu disse isso para eu mesma anos atrás.
— E eu ouvi, meu anjo. - Ele tocou o rosto dela. — Sempre tem alguém ouvindo.
Naquele momento a sala se preencheu com pessoas usando longos capuzes
vermelhos e máscaras. Tomaram ela nos braços e a despiram completamente, a
colocando sobre um altar, o que era, na verdade, uma larga e retangular mesa de
mármore, sendo os pés da mesa colunas também em mármore.
— O que você está fazendo? - Ela perguntou assustada.
Munida de pincel e tinta rena, um deles desenhou o mesmo símbolo que estava
na parede sobre o ventre dela. Outros a seguravam, pois que não estava
entendendo a situação e queria sair dali. Dante parou ao lado dela, ainda
bebendo vinho, deslizando a mão vazia sobre o corpo esbelto.
— Isso deve ser um sonho. - Ela disse.
— Não é. Você fará sexo comigo agora ou quer que eles saiam?
— Como assim?
Alguém a tocou sexualmente, fazendo-a chutar alguns que estavam pelo caminho
de suas pernas. Dante disse, severo:
— Não a toquem.
Então, era aquilo que Klaus também estava fazendo no quarto de Alice. Pietro
nada tinha dito sobre magia sexual ou sobre transar com os membros da
irmandade, tentou argumentar, mas Dante abriu as pernas dela e começou a
lamber.
— Sabe que em cada relação sexual nasce uma criança, não é? Você não é leiga.
Se essa criança não for física, ela é astral.
Ele penetrou os dedos na vagina dela, pois queria conferir se ela estava úmida o
suficiente e ao perceber que sim, a penetrou, fazendo-a exprimir um gemido
involuntário. Era prazeroso de todo jeito. Ele quase não olhava para o rosto dela,
os olhos se fixavam no símbolo.
— Prometo que serei mais romântico da próxima vez.
— Vou virar sua escrava sexual?
— Se preferir BDSM, eu não vejo o menor problema.
Finalmente ele invadiu a boca dela com a língua úmida e quente, apertando o
seio roliço e rijo, que ele colocou na boca em seguida, sem parar de apertar. A
penetração tornava-se cada vez mais rápida e violenta, Lilah sentia prazer, mas
aquilo era praticamente um estupro.
Ele beijou os lábios dela, assim que a encheu de seu gozo, acariciando o cabelo
vermelho dela. Ao que ele se afastou, ela se levantou. Não fazia ideia de onde
estavam suas roupas. Sentou sobre o altar sentindo-se tonta e confusa.
— Quer dormir comigo para se sentir melhor?
— Não sei se dormir com o meu estuprador me faz sentir melhor. Não sou como
as outras idiotas que esperam que você faça isso com elas.
— Por isso que te escolhi. Venha, vamos dormir juntos. Será bom para nós dois.
Ele não se importou com a roupa dele e a guiou escada acima, pelo corredor
escuro, até darem noutra escada, com lustres de paredes elegantes a iluminar o
caminho. O quarto dele também ficava no quarto andar da casa e era semelhante
ao quarto dela.
Exceto que uma parede era reservada para um altar enorme, onde não se podia
ver muita coisa exposta. Exceto por dois crânios que mais pareciam decorativos
do que de fato fazer parte de um rito religioso sobre um móvel amadeirado. Ele
tirou uma garrafa de vinho do bar que tinha no quarto e perguntou:
— Quer continuar bebendo?
Ela balançou a cabeça afirmativamente, enquanto olhou para os dedos da mão
que se tocavam como se não houvesse nada melhor para fazer.
— Dionisíaca e insaciável.
— Quem?
— Você. Sente falta disso, mas não gosta de admitir que sente.
— Você é mago ou psicólogo?
— Os dois, por que não?
— Klaus fez o mesmo com a Alice, não foi?
— Mais ou menos, sim. Eu não esperava te encontrar na sala, fiquei um longo
tempo te esperando no seu quarto. Achei bonito te ver dançando para a escuridão
e curioso sobre que tipo de musica te induzia aquilo. Depois eu fiquei abismado.
Você é meio doida, Lilah. Folk eu entenderia mais.
— Eu tenho um gosto peculiar, eu sei.
— O que é mau, Lilah? - Ele perguntou, abrupto.
Fazia parte do que tinha que estudar naquela semana, o olhou como se não
pudesse acreditar que ele estava fazer aquele tipo de pergunta, comum às
segundas-feiras, naquele momento onde os dois estavam no quarto dele, pelados
e bebendo vinho.
— Separação, penetração, outro e multiplicidade.
Ele sorriu e colocou mais vinho na taça dela, como uma recompensa por
responder corretamente. Ele afagou o cabelo dela e ambos ficaram se olhando, ela
sem o entender e na cabeça dele não passava absolutamente nada, apenas que
ela era mais bonita do que julgara previamente.
Sonada e cansada, ela colocou a taça sobre a mesa de cabeceira e deitou sobre a
cama dele, sem sequer dizer qualquer palavra. Ele entendeu, apagou a luz e
deitou-se ao lado dela, a abraçando e sussurrando em seu ouvido:
— Se você fizer tudo direito, eu vou cuidar de você. Eu te darei tudo.
O que ele queria dizer com aquilo? A pergunta sufocou-se quando sentiu Dante
beijando seu pescoço e acariciando seu corpo. Ele não insistiu com o carinho por
muito tempo e nem forçou transar com ela novamente. E Lilah nunca soube
como conseguiu dormir aquela noite.
5 – Escuridão

Alice e Lilah estavam sentadas na varanda naquela manhã, ambas não diziam
uma palavra sequer e nem precisavam, sabiam o que tinha acontecido na noite
anterior. Contudo, os símbolos tatuados eram diferentes, embora estivessem no
mesmo local. E aquilo fez Lilah questionar e tentar responder, sem importunar a
amiga.
— Gostou dele? - Alice perguntou.
— De quem? Dante?
— Sim.
— Eu não sei nem o que pensar sobre o que aconteceu ontem à noite.
— Klaus me adoece. Acho que Dante te adoecerá também.
— Está falando de magia sexual ou vampirismo?
— Ambos.
— E por que continua aqui?
— Eu não sei. Nunca sei responder essa pergunta. É como se a vida em qualquer
outro lugar fosse muito pior. Mile e os outros acham que sabem o que
exatamente se passa nesse lugar, mas ninguém sabe de nada. Eles apenas veem
alguém da irmandade transando com um profano e acham que isso é algo muito
importante. Que é algo especial.
— De certa forma é algo especial, o que não significa que seja bom. Somos só nós
duas?
— Por enquanto sim, acho que logo Mile se junta ao quarto andar. E um demônio
vai devorá-la como fazem conosco.
— Num momento fala deles como se fossem objetos decorativos e depois diz que
talvez Mile se junte a nós. Eles estão sendo ensinados, estão recebendo
treinamento.
— Alguns sim. Ficaria mais fácil para você entender se enxergasse a aura das
pessoas como eu faço. Contudo, você é um oráculo também, só tem outra forma
de perceber o universo. Escuta, mas não enxerga.
— Alice, no final pode ser que sejamos apenas duas esquizofrênicas estupradas.
— Oh, não! Que triste fim! - Ela encenou de modo tão dramático que fez Lilah
gargalhar. Depois retomou sua cara apática e disse: — Klaus não me estuprou.
Eu quis ficar com ele. Os íncubos são assim mesmo, você sabe que eles te
drenam até a última gota de energia, mas, ainda assim, você quer ficar com ele.
Lilah a olhou absorta. Talvez aproveitasse o próximo final de semana para ficar
longe daquela casa e loucura toda. Poderia ficar em algum hotel na cidadezinha
vizinha e não ter que pensar absolutamente em nada sobre eles, só tinha que
manter sua rotina de magia e tudo ficaria bem.
Procurava evitar se preocupar com os olhares que caiam sobre as duas e todas as
pessoas cochichando. Todos viram quando Klaus deixou o quarto de Alice e
Dante fez questão de deixar Lilah no hall principal com seu cavalheirismo fajuto e
promessa de que será um par melhor para ela.
A noite se jogou na cama com os fones de ouvidos, deixando apenas o abajur
ligado. Lá fora o vento balançava as árvores criando sombras na janela do quarto,
sempre usou a musica como uma forma de meditação, concentrando-se apenas
em ouvir e nada mais. Às vezes tornava o exercício ainda mais profundo e
prestava atenção em um instrumento só.
E aquilo fazia enquanto acariciava a barriga, sentia aquele símbolo como se ele
estivesse vivo, como se pulsasse. Não queria pensar no símbolo, não queria trazer
a imagem para a mente como estava fazendo, sabia que estava num estado muito
relaxado e poderia induzir o transe facilmente.
Os olhos começaram a ficar pesados, com o símbolo a se iluminar cada vez mais
em sua mente. A melodia da musica era hipnótica, poderia se mexer e sair
daquele estado, mas estava curiosa. Logo entrou num estado hipnagógico, onde
imagens e sons se misturaram.
Logo se viu fora do próprio corpo, num estado que era chamado de projeção
astral, onde teoricamente a alma saia do corpo e perambulava livremente pelo
ambiente e qualquer dimensão. Ainda ouvia a musica no ambiente, olhou para as
mãos, a iluminação estava diferente, virou-se e viu o próprio corpo adormecido na
cama.
— Yesod ou Gamaliel? - Ouviu alguém perguntar.
Ela não conseguia falar, queria responder que iria para onde quisesse, mas a voz
não saía, coisa que acontecia com ela quando estava naquele estado com certa
frequência.
— Você vem pra baixo. - Outra voz.
Algo a puxou pelo pé e tudo era apenas penumbra diante de seus olhos, como se
tivesse afundando num lamaçal negro. Tentava de todas as formas se soltar, mas
quanto mais lutava, mais afundava. Era ótima com runas e traçou a primeira que
lhe veio à mente.
— Eu conheço uma canção, se o inimigo me impor grilhões em meus membros,
então eu canto e posso ir, as correntes se soltam de meus pés e os grilhões de
minhas mãos.
Lilah sorriu satisfeita ao que ouviu a própria voz, enquanto traçava a runa duas
vezes mais e se via subindo, livre, do negrume. Quando caiu para trás, quando se
viu completamente livre. Uma mulher nua com o corpo tão escuro quanto a
própria noite a encarava.
Os olhos eram duas chamas que ardiam um fogo místico, Lilah sentiu medo e
conseguinte a mulher enfiou a mão dentro de seu ventre, exprimindo um grito
horrendo. Lilah queria fugir, mas não conseguia se mover. Rapidamente a mulher
cravou as presas no pescoço leitoso da ruiva, que em desespero acordou em sua
cama.
Gritou ao ver que a mulher ainda estava em seu quarto. Falso despertar? -
pensou consigo mesma. Acontecia em alguns sonhos lúcidos, onde a pessoa
acordava apenas para notar que estava sonhando novamente. Olhou para as
mãos:
— Eu sou Lilah! Eu sou Lilah!
Contudo, a mulher não desaparecia. Era real? Não era possível que era real. Ela
se beliscou e sentiu dor, sim, era real e a mulher continuava lá, a encarando,
como se fosse outro ser vivo que ela trouxe dos infernos. Rapidamente se
levantou e fez um ritual de banimento.
A mulher não se movia. Gritar por ajuda estava fora de cogitação, não com seu
orgulho colocado à prova daquele jeito. Num piscar de olhos a mulher
desapareceu, Lilah ainda girou sobre o próprio eixo para ter certeza de que ela
não estava em qualquer lugar do quarto.
Jogou-se na cama levando um caderno consigo, onde escreveu: “Os anjos tiveram
filhos com os humanos, tão doce era a nova relação de conhecimento e sabedoria e
um por um eles caíam. Tão semelhante com Prometeu e seu fogo, onde terminou
castigado por Zeus”.
Escrever não era suficiente, nada tirava aquela mulher de sua cabeça. Como ela
tinha vindo para o mundo real? Ou ela mesma estava ficando louca? Dante
passou por sua cabeça, certamente tinha algo relacionado com seu ritual na noite
anterior. Não dormiu aquela noite.
Pela manhã fez tudo o que tinha que fazer naquele dia, para que pudesse tirar
um cochilo depois do almoço, assim poderia por cerca de duas horas antes de se
encontrar com o Dante para entregar o diário.
Almoçou com os outros que ficaram curiosos com seu comportamento mais
calado e apenas os informou que estava sem dormir. Subiu para o quarto logo
após almoçar e colocou o celular para despertar duas horas mais tarde. Não
demorou muito para pegar no sono.
Acordou com o vento a balançar a cortina leve e branca de seu quarto, agarrando
o celular apenas para verificar que mais de quatro horas tinha passado. Saltou
da cama de pronto e quase morreu de susto, quando se virou e viu que Dante
estava na poltrona com o diário dele em mãos.
— Tenho certeza que eu coloquei o celular para despertar.
— Eu desliguei. - Disse ele, despreocupado folheando o diário.
— Quê? - Perguntou ela, surpresa, sem conseguir disfarçar sua face abismada.
— Permiti que você dormisse.
Ele se levantou colocando o diário dela sobre a mesa de cabeceira e após se
aproximar da ruiva, beijou-lhe suavemente os lábios, dizendo:
— Sei que teve uma noite difícil. E também te disse que se fizesse tudo direito, eu
cuidaria de você. E bem, eu estou cuidando. - Acariciou o rosto dela. — Você tem
sido perfeita.
Ele era carinhoso e aquilo era tão terrível para ela, pois que soava tão falso que
não conseguia se sentir à vontade com toda aquela história de par. Não sabia
como ele poderia pensar que estavam indo bem, se precisavam de harmonia como
um casal, algum tipo de intimidade ou profundidade que eles não tinham.
— Eu gostaria de convidá-la para sair, mas acredito que ainda é cedo para isso.
Então, podemos à noite ficar num lugar confortável da casa bebendo vinho ou
algo do tipo. Sempre digo vinho, não é? Acho que você tem gosto de vinho.
— Tudo bem.
— Venho te pegar em seu quarto às oito.

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