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Mestrado em Administração
Rio de Janeiro
Maio de 1997
ii
Aprovada por:
____________________________________
Profa. Anna Maria Campos, DPA.
____________________________________
Profa. Ângela Maria da Rocha, PhD.
Rio de Janeiro
Maio de 1997
iii
Maio de 1997
Programa: Administração
Esta dissertação tem por objetivo explorar e discutir o que a Antropologia oferece para o
desenvolvimento do estudo do Comportamento do Consumidor. As possibilidades da
Antropologia podem ser exploradas tanto nos seus aspectos teóricos, de interpretação de
fenômenos, quanto metodológicos, de geração de novos conhecimentos.
May 1997
Department: Administração
This dissertation has as objective the discussion and inquire into Anthropology’s
potentialities to the development of the consumer behavior study. These potentialities
arouse both from its theory, in its ability of interpreting social and cultural phenomena,
and from its methodology, when it allows for new knowledge generation.
This work also explores the epistemological bases of the interpretive paradigm, put against
the positivist paradigm, and presents some important contributions from Anthropology to
the study of consumption as a social phenomenum. The interpretive approach privileges
the symbology contained in the social actors’ discourse, and seeks to understand their
motivations based on the interpretation of themes emerging from these discourses.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadros
Gráficos
SUMÁRIO
1 Introdução 1
2.4 Conclusão 29
3 Antropologia e Consumo 30
3.3 Conclusão 66
4.6 Pára-quedismo 90
4.7 Conclusão 94
5.1 Metodologia 96
5.3 Temas 99
7 Bibliografia 117
8 Anexo 123
1
1 Introdução
Assim, entender o simbolismo dos objetos é entender as categorias culturais que norteiam
a sociedade, e pelo raciocínio inverso, é possível entender as categorias culturais pela
compreensão dos objetos como seus significantes.
O paradigma lógico-positivista entende que o estudo dos fenômenos sociais devem replicar
o mais fielmente possível os métodos das ciências naturais, pois entende que os fenômenos
sócio-culturais não diferem fundamentalmente dos fenômenos físicos ou químicos. Assim,
este paradigma busca retirar a subjetividade implícita na coleta de dados destes fenômenos
2
O paradigma interpretativista, ao invés, considera que o estudo do ser humano deve não
fugir da subjetividade explícita na apreensão da realidade social, e pelo contrário, utilizá-la
como método válido de compreensão dos processos e fenômenos sociais. Este paradigma
entende que o ser humano é basicamente um construtor de símbolos, e a partir desta
constatação, o estudo dos fenômenos sócio-culturais deve levar em conta a "interpretação"
das "teias de significados" que compõe a cultura que define o empreendimento humano.
Para estudar estes códigos culturais e sistemas simbólicos é preciso lançar mão da
"descrição etnográfica", que se utiliza da "descrição densa" (Geertz, 1989), que é a
interpretação precisa das intenções dos atores sociais a partir da análise de seus discursos,
escolhendo as estruturas de significação e determinando sua base social e sua importância.
Num segundo nível de análise, é discutida a utilização dos objetos como acessórios de
rituais. Rituais podem ser definidos como "convenções que estabelecem definições
públicas visíveis" (Douglas & Isherwood, 1980, p. 65). O indivíduo usa o ritual para
organizar sua compreensão dos eventos, através da representação simbólica de
determinadas categorias culturais, que podem ser definidas como a representação das
segmentações básicas pelas quais uma cultura distingue o mundo circundante, criando um
sistema de distinções que organizam a interpretação do mundo fenomenal (McCracken,
1988). Assim, os rituais ajudarão a compartimentalizar e a categorizar o espaço-tempo
circundante, de forma a torná-lo inteligível e "administrável".
Num quarto nível de análise, é explicitada como, numa sociedade moderna, os objetos
servem como diferenciadores dos seus membros pela organização destes objetos num
sistema-código coerente. Esta organização ocorre pela diferenciação sistematizada das
qualidades objetivas dos bens (Sahlins, 1979) que leva a uma diferenciação de seus
possuidores. Esta sistematização é semelhante ao totemismo existente nas sociedades
“primitivas”, pelo qual estas sociedades traçam paralelos entre os fenômenos da natureza e
os grupos sociais, e assim singularizam estes últimos em contraponto aos outros grupos. O
4
“operador totêmico” que permite esta diferenciação existe na forma de criação publicitária
(Rocha, 1990).
Depois, coerente com os níveis de análise anteriores, mas numa perspectiva mais ampla, é
possível identificar o consumo como uma estratégia de diferenciar um dado grupo através
de consumo de bens a ele específicos. No caso da estratégia de diferenciação mais óbvia e
conhecida, as classes superiores usam o consumo de bens caros como instrumento de
exclusão dos que nelas tentam penetrar. No outro lado da mesma moeda é possível
reconhecer uma estratégia de imitação, que ocorre no momento em que um grupo social
almeja os atributos de outro grupo. No entanto, esta estratégia de imitação não se processa
pela apropriação incondicional de todos os símbolos de um grupo, mas por um processo de
assimilação que preserva alguns dos símbolos ou estilos do grupo apropriador.
No Capítulo 4, dentro de uma revisão bibliográfica, são feitos comentários acerca das mais
representativas pesquisas etnográficas realizadas no domínio do Comportamento do
Consumidor. Foram escolhidas para análise estudos que têm em comum o fato de valorizar
o discurso dos atores sociais. Além disso, coerente com o paradigma interpretativista,
todos buscam interpretações dos temas que emergem durante a pesquisa. Comum também
a todos os trabalhos é o forte embasamento teórico da Antropologia na interpretação dos
discursos.
No entanto, de dez anos para cá alguns acadêmicos têm começado a apontar as deficiências
do paradigma lógico-empirista, ainda dominante na pesquisa de Marketing (conforme
Anexo), de acordo com as últimas contribuições da história e da sociologia da ciência. Em
alguns artigos (Anderson, 1983; Deshpande, 1983; Peter & Olson, 1983) é proposto o
estabelecimento de outro paradigma no estudo dos fenômenos de interesse do Marketing.
Baseando-se nos trabalhos de Kuhn, Feyerabend e outros, eles sugerem que o modo como
o conhecimento é gerado e difundido é fundamentalmente um empreendimento subjetivo e
social, e relativo a cada visão de mundo compartilhado por dada comunidade científica.
Dentro deste quadro, alguns autores (Hirschman, 1986; Holbrook & O'Shaughnessy, 1988;
Hudson & Ozanne, 1988) propõem uma nova perspectiva à pesquisa de comportamento do
consumidor. Eles sugerem que o pesquisador deve buscar não fugir desta subjetividade
explícita na apreensão da realidade social, e pelo contrário, utilizá-la como método válido
de compreensão dos processos e fenômenos sociais. Assim, a subjetividade deve ser
reforçada, e a "interpretação" das "teias de significados" deve ser valorizada.
Estas crenças vão atuar como "estratégias" para entender os fenômenos sociais e são
asserções acerca de valores e não acerca de fatos. As teorias, proposições e hipóteses de
uma ciência estão embasados em macroestruturas chamadas de "paradigmas" ou "áreas de
pesquisa". Elas podem ser assim definidas (Anderson, 1986, p. 159):
(3) Valores;
"...[os modelos] auxiliam a determinar o que será aceito como uma explicação
ou como uma solução de quebra-cabeça, e inversamente, ajudam a estabelecer
a lista dos quebra-cabeças não-solucionados e a avaliar a importância de cada
um deles".
Os valores são critérios, às vezes com grande variabilidade entre indivíduos, que são
utilizados mais comumente para a avaliação da pertinência e da relevância das teorias.
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Em resumo, um paradigma inclui uma série de teorias que dependem em parte das crenças
metafísicas compartilhadas pela comunidade científica. Em termos mais práticos, estas
suposições filosóficas acerca da natureza da realidade e do conhecimento irão influenciar:
(1) o significado dos termos da linguagem utilizada na área de pesquisa; (2) os cânones do
controle e design experimental; (3) padrões de avaliação da adequação de uma teoria; (4) a
relevância da informação para o conjunto de teorias; (5) questões e problemas que estas
teorias vão tentar resolver (Hunt, 1991, p. 325). Exemplos de paradigmas nas ciências
naturais seriam a mecânica newtoniana, a teoria evolutiva de Darwin e a teoria quântica.
Nas ciências humanas poderiam ser considerados paradigmas a psicoanálise freudiana e a
teoria econômica marxista.
sociedade (Berger & Luckmann, 1991). Isto não é diferente para os membros de dada
comunidade científica. Segundo Anderson (1988, p. 156),
A relação entre conhecimento e sua base social é dialética e vai depender de vários fatores,
tais como interesses sociais em jogo, grau de requinte teórico do conhecimento em questão
e importância social deste conhecimento (Berger & Luckmann, 1991, p. 161).
Nesta seção se tentará estabelecer como as suposições filosóficas de dada área de pesquisa
acerca da natureza da realidade e do conhecimento influenciam a constituição de seus
métodos (Hudson & Ozanne, 1988). A grosso modo, sob o nome de "positivismo" são
incluídas todas as correntes que consideram que a realidade pode vir a ser percebida de
forma objetiva e sem viéses cognitivos. Podem ser incluídos sob este termo o empirismo
lógico, o neo-empirismo e o positivismo lógico. O paradigma interpretativista inclui
pesquisas denominadas "etnográficas", "hermenêuticas", "interativas" e
"fenomenológicas". Segundo Hudson e Ozanne, estes tipos de pesquisa são
interpretativistas no sentido de que buscam um entendimento dos eventos sociais e
culturais baseados nas perspectivas e experiências das pessoas sendo estudadas. Além
disso, se baseiam também no fato de que o entendimento da realidade social tem de ser
feita sempre através da "interpretação" das relações simbólicas construídas pelos
participantes.
diferenciado, pelos desafios específicos oferecidos por um objeto de estudo capaz de criar
símbolos (Hudson & Ozanne, 1988). Holbrook e O'Shaughnessy (1988, p. 400) abordam
com clareza a necessidade da interpretação no estudo do comportamento do consumidor:
Quadro 1
Além disso, o termo utilizado pelos positivistas para designar as ciências humanas e
sociais, "ciências do comportamento", ajuda a entender a importância dada ao estudo do
homem grandemente baseada nas suas ações e seus comportamentos.
Já para o interpretativismo, a realidade social não pode ser apreendida sem se entender
como estão constituídos os estados subjetivos dos agentes sociais. A realidade é construída
socialmente, e para entender como os fenômenos sociais ocorrem é fundamental entender
qual é a percepção da realidade pelos participantes, já que é esta Weltanschauung que irá
balizar suas ações e atitudes. No entanto, não existe apenas uma visão de mundo, sendo a
realidade socialmente construída, "na medida em que todo conhecimento humano
desenvolve-se, transmite-se e mantém-se em situações sociais" (Berger & Luckmann,
1991, p. 14). Assim a cada visão de mundo corresponde uma realidade, existindo assim
múltiplas realidades.
Portanto, o interpretativismo considera que todos os fatores agindo em dado fato social são
relevantes, e assim uma análise excludente pecaria sempre por reducionismo.
Finalmente, dado que a realidade é única e que se pode identificar causas e efeitos de
maneira inequívoca, a predição é claramente possível, pois as leis são deterministas - ou
estatísticas - e universais.
No entanto, diferentemente das ciências da natureza, existe uma incerteza muito grande em
relação ao grau de previsibilidade das teorias em ciências sociais. Os filósofos da ciência
lógico-empiristas consideram a dedução como o raciocínio lógico mais rigoroso a ser
utilizado na previsão teórica de fenômenos, pois na dedução a conclusão deriva
necessariamente das premissas. Contudo, nem as ciências exatas são capazes de serem tão
rigorosas, pois elas se baseiam também na explicação indutiva e na explicação
probabilística.
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Visão de causalidade
suporte teórico: novas teorias devem ser compatíveis com teorias já existentes
sobre assuntos semelhantes ou correlatos".
Os três primeiros critérios implicam uma particular visão sobre a natureza das relações
entre os diversos fatores implicados em qualquer contexto social. Supõe-se que as relações
entre fatores sejam sempre causais e diacrônicas, ou seja, por definição a causa sempre
precede temporalmente o efeito; implica-se que toda relação de causa e efeito tenha um
componente quantitativo, ou seja, que se possa medir matematicamente o "grau de
causalidade" de uma relação; e finalmente, que possa se separar com clareza as diversas
relações e processos existentes num fenômeno social. Notadamente esta última implicação
é extremamente polêmica nas ciências sociais. Ela tem como consequência a utilização de
15
Metodologia
O que será chamado de metodologia aqui diz respeito aos procedimentos operacionais e
práticos para a consecução de uma pesquisa científica. Estes métodos se ocupam da
observação e medida, formação de conceitos e hipóteses, e realização de experimentos.
Num continuum de operacionalidade eles seriam o "meio caminho" entre as técnicas e os
métodos científicos gerais. As técnicas são procedimentos de mensuração de dados
empíricos tais como questionários e os métodos científicos gerais são procedimentos que, a
partir de princípios lógicos ou metafísicos, se dedicam a efetuar generalizações a partir da
coleta de dados, da criação de conceitos, do teste de hipóteses, e posteriormente da
elaboração de explanações científicas.
valores e modos de pensar de culturas diversas da nossa, e que tem atualmente encontrado
aplicações em nossa própria sociedade.
Dados quantitativos podem ser definidos como dados em forma de números, sejam eles
escalas numéricas ou estatísticas. Os dados qualitativos seriam aqueles dados apresentados
na forma de descrições e narrações.
Quadro 2
Métodos específicos
pertinentes à problemática estudada (Gil, 1987). No entanto, para evitar confusão com
"técnica", método específico aqui é definido como um conjunto de procedimentos
suficientemente gerais para permitir o desenvolvimento de uma investigação científica.
Podem ser identificados cinco métodos específicos utilizados comumente na pesquisa em
ciências do homem (op. cit., p. 34): o experimental, o estatístico, o comparativo, o
observacional e o clínico. O último não interessa aqui por ser utilizado quase que somente
pela Psicologia.
O positivista em geral valoriza o método científico das ciências naturais como o único
método científico que cria e valida o conhecimento científico. A validade do conhecimento
está fundado numa justificação metodológica que passa pelo rigor lógico de suas
proposições acerca da realidade empírica. Ademais, cientistas com uma orientação
positivista geralmente possuem um ponto de vista realista. Com isto quer-se dizer que eles
partilham da crença de que existe um mundo exterior passível de aproximação através de
observações empíricas(Peter & Olson, 1983). Portanto,
"Teorias são tratadas como afirmações gerais acerca do mundo real. O objetivo
[da ciência] é desenvolver teorias crescentemente mais próximas de serem
afirmações verdadeiras acerca da realidade" (Peter & Olson, 1983, p. 120).
evidências empíricas gradualmente aperfeiçoadoras destas leis, até que um dia se chegaria
a uma teoria explicativa única e definitiva (Anderson, 1986, p. 157). Para o positivista, o
conceito de verdade é fundamental na avaliação da relevância do conhecimento gerado.
Uma teoria ou proposição é pouco ou muito verdadeira se ela se aproxima pouco ou muito
da realidade, dentro dos padrões de validade considerados científicos.
"O relativista crítico não tem nenhum disputa com a noção metafísica de que
possa haver uma única realidade social e natural, mas ele ou ela resiste à
afirmação de que a ciência é capaz de revelar ou até de convergir para esta
realidade".
O importante é fato de que não existe um único método científico privilegiado para
apreensão desta realidade.
A perspectiva relativista da ciência crê que as percepções diretas dos pesquisadores não
são objetivas e sim influenciadas por uma multitude de fatores, que incluem experiências
anteriores e treinamento. Desta forma, pesquisadores de diferentes comunidades
científicas, que "vivem, em certo sentido, em mundos diferentes" (Kuhn, 1989, p. 239),
diante dos mesmos dados, podem a vir a designar diferentes sentidos para o mesmo
fenômeno, e formular diferentes teorias para explicá-lo. Consequentemente, o relativismo
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"... saber o modo de produção da teoria, os critérios pelos quais ela é julgada,
os compromissos ideológicos e valorativos que informam sua construção e as
crenças metafísicas que subscrevem seu programa de pesquisa" (Anderson,
1986, p. 156).
O critério de avaliação da importância científica de uma teoria deve passar pela sua
utilidade para a comunidade científica e para sociedade. Dentro da comunidade, a utilidade
da teoria pode ser avaliada pela capacidade de gerar novos conceitos que oferecem
explicações mais precisas ou mais interessantes; ou fornecer uma base para geração de
novas idéias e novas teorias. Em termos sociais, a utilidade de uma teoria deve ser medida
pela sua capacidade de gerar bem-estar para a coletividade (Peter & Olson, 1983).
Segundo o paradigma positivista, a teoria pode ser definida (Kerlinger, 1973, p. 9) como:
conjeturais sobre duas ou mais variáveis, e fruto de uma investigação científica definida
como "...uma investigação sistemática, controlada, empírica e crítica de proposições
hipotéticas sobre as relações presumidas entre fenômenos naturais" (op. cit., p. 11).
O método científico tal como é entendido por este paradigma é perpassado por conceitos
que reforçam a sua filosofia metafísica e excluem outras definições possíveis (e
provavelmente tão válidas quanto) do empreendimento científico. E também se torna clara
a disposição de se colocar as ciências sociais dentro de um quadro teórico unificador das
ciências, tendo as ciências naturais como modelo a ser seguido.
- Todo A é B;
Estas leis são consideradas somente protótipos, pois explicações baseadas nestas leis
pressupõe um determinismo que hoje em dia não é mais admitido nem nas ciências
naturais. Para suprir esta deficiência, foram desenvolvidos outros tipos (modelos) de
explicação baseados em leis. Eles seriam o dedutivo-estatístico, o indutivo-estatístico e o
hipotético-dedutivo (Hunt, 1991). Os dois primeiros modelos se baseiam respectivamente
na indução e na dedução para a constituição de leis probabilísticas indeterminadas. O
modelo hipotético-dedutivo é o mais relevante para o entendimento dos modelos
explicativos positivistas. Ele é baseado na constituição de um conjunto de postulados ou
hipóteses a partir de observação dos fenômenos de interesse; destes postulados são
deduzidos logicamente consequências observáveis que são submetidas a teste empírico
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para sua verificação; daí as hipóteses são refutadas ou corroboradas. Este método tem duas
derivações, a lógico-empirista e a falsificacionista (Anderson, 1983).
Além desta constatação, foi apresentado um método de justificação teórica que busca
resolver o problema da "evolução" das teorias rumo a uma explicação cada vez mais
aperfeiçoada, que é a derivação falsificacionista. O "falsificacionismo" (Popper, 1993)
prega que uma teoria é sempre formulada para resolver determinados problemas científicos
e as consequências lógicas (dedutivamente inferidas) desta teoria devem ser submetidas a
testes empíricos pela comunidade científica ("teste intersubjetivo"). Se os testes refutarem
as consequências lógicas, então a teoria também é refutada. Se a teoria não for refutada, ela
é "corroborada", até surgir alguma observação para a qual a teoria não oferece explicação,
quando então novo problema é apresentado. A qualidade deste método é o de admitir o
caráter provisório das teorias e a importância da subjetividade da comunidade científica na
formação dessas teorias. No entanto, as observações e testes empíricos ainda são
considerados fundamentais para o "progresso da ciência" (Anderson, 1983).
Gráfico 1
26
feedback negativo
imagens da
estrutura do
mundo real
modelo ou
teoria
apriorístico
hipóteses
não confirmado
testes empíricos
confirmado
tentativamente
aceita
modelo ou teoria
apriorístico
Gráfico 2
sim
consistente aceita teoria
?
existente
não
hipóteses
falsificado
não falsificado
Hunt (1991, p. 21), por exemplo, concede que uma Verstehen do sistema de valores dos
atores sociais é possível e até apropriada no contexto da descoberta, mas só se torna
ciência quando as generalizações passam por testes empíricos e são articuladas em leis
gerais. Esta segunda etapa, de teste e organização em leis, ocorre no contexto de
justificação, o qual define propriamente o método científico. Em outras palavras, a
formulação de uma hipótese pertence ao contexto da descoberta e nada impede que para
isto seja utilizada uma Verstehen das motivações e valores dos atores sociais, assim como
são válidos o sonho e a intuição; no entanto, esta hipótese somente ganha status científico
quando a dedução de suas implicações passa por algum teste empírico.
Sistemas Abertos - cientistas sociais não podem ter controle sobre todas as variáveis
relevantes para dado fenômeno cultural, ao contrário das condições óptimas de controle de
variáveis num laboratório físico, por exemplo.
Ideologia - As teorias não são avaliadas apenas em termos de lógica e rigor científico, mas
também em termos ideológicos. Assim, não raro teorias são atacadas ou defendidas não
29
pelo seu valor explicativo, mas em termos de implicações morais ou políticas. Portanto,
fatores extra-científicos possuem importante papel na aceitação ou rejeição de teorias.
De acordo com o modelo padrão, algo é explicado quando está tão relacionado com um
conjunto de outros elementos, que juntos compõem um sistema unificado. A compreensão
de algo ocorre quando ele é identificado como parte específica de um todo organizado.
Assim, o desconhecido é identificado a algo conhecido não por propriedades locais, mas
em termos de sua posição em uma rede de relações (Kaplan, 1975).
2.4 Conclusão
vista a dominância do paradigma positivista, é natural que esta análise tenha sido
comparativa, pois o surgimento de um novo paradigma sempre se dá em contraposição ao
já estabelecido.
O método antropológico aqui discutido se baseia numa das várias interpretações possíveis
do fenômeno cultural. A Antropologia se caracteriza pela sua base pluralista e que sempre
está num processo de autoquestionamento e autocrítica (DaMatta, 1987). Assim, em seu
seio podem conviver várias definições de cultura, muitas vezes baseadas em contribuições
de outras ciências como a economia, a psicanálise, a psicologia, a linguística, etc. No
entanto, para definir a especificidade do interpretativismo, é fundamental explicitar o que
ele entende como "cultura".
31
"O organismo humano não possui os meios biológicos necessários para dar
estabilidade à conduta humana. A existência humana, se retornasse a seus
recursos orgânicos exclusivamente, seria a existência numa espécie de caos".
Portanto, a cultura acaba por se tornar uma espécie de mapa do comportamento dos
indivíduos em sociedade e até mesmo em relação à natureza.
"A Cultura, distintivo das sociedades humanas, é como um mapa que orienta o
comportamento dos indivíduos em sua vida social. Puramente convencional,
esse mapa não se confunde com o território: é uma representação abstrata dele,
submetida a uma lógica que permite decifrá-lo" (Rodrigues, 1983, p. 11).
Assim, a sociedade pode ser entendida como uma construção do pensamento, uma entidade
provida de sentido e significação. E sendo a vida coletiva feita de representações, ou seja,
das figurações mentais de seus componentes, para o seu conhecimento é necessária uma
teoria social do conhecimento (op. cit., p. 11).
Provavelmente, uma das maneiras mais diretas de se expor com precisão o ideário de uma
corrente antropológica é através de sua definição de cultura, pois esta definição encerra em
si explicitamente os conceitos e a perspectiva pela qual o fenômeno cultural será abordado.
Talvez a concepção de cultura que melhor representa o interpretativismo é a de Clifford
Geertz (1989). O conceito de cultura defendido por ele é essencialmente semiótico. Geertz
acredita que o homem é um animal amarrado a teias de significado que ele mesmo teceu, e
a cultura são essas teias. Segundo ele (op. cit., p. 24), a cultura opera como:
Indo além, pode-se dizer que a vida social pode ser entendida como um sistema cujos
componentes só existem para significar; e as relações entre eles também são produtoras de
significação (Rodrigues, 1983); estes sistemas de significações vão ser orientadores de
todo comportamento social. Afirmar-se-ia que é possível olhar para "as relações do homem
33
Ou seja, ele acredita que é possível apreender as diversas realidades da cultura a partir da
linguística, interpretando as manifestações objetivas de uma sociedade sempre a partir da
perspectiva de que são um código a ser decifrado, e que possuem a sua própria gramática e
sintaxe.
Assim, fica claro que, para melhor entender a riqueza da proposta interpretativista e a sua
busca de significados, é importante também definir o que é "símbolo" e quais são as suas
implicações para o estudo do social. Para Geertz (1989, p.105), o símbolo é...
Estes elementos carreadores de significado (os significantes) são formas perceptíveis aos
sentidos de noções ou abstrações, são incorporações concretas de idéias, atitudes,
34
julgamentos, etc. e por isto se tornam uma preciosa fonte de informação sobre os
elementos não-concretos da realidade social de dada cultura. Uma ciência que se ocupe do
simbólico estudará fenômenos tão observáveis quanto qualquer outro fenômeno. Com isto
se escapa de tentar estudar obscuros processos psicológicos internos à mente humana,
iluminando-os. “Os atos culturais, a construção, apreensão e utilização de formas
simbólicas, são acontecimentos sociais como quaisquer outros; são tão públicos quanto o
casamento e tão observáveis como a agricultura”(op. cit., p. 106).
Desta forma, partindo da idéia que toda produção humana é dotada de significação, é
possível ultrapassar a idéia de "produção material", contraposta a idéia de "produção
espiritual". Dentro desta linha de raciocínio, argumenta Rodrigues (1989, p. 117) que ...
E todas as "coisas" existentes numa sociedade são significantes, pois nunca são coisas em
si, elas sempre são algo para alguém. São núcleos nos quais se condensam relações
simbólicas. Nelas sempre estarão contidos saberes técnicos, padrões estéticos e morais,
investimentos emocionais, etc. (op. cit., p. 117). Localizar e estudar o símbolo, que é
perceptível, permite penetrar no universo dos significados que compõe o sistema simbólico
de dada cultura.
Segundo Geertz (1989, p. 31), as características que definem a descrição etnográfica são:
(1) ela é interpretativa; (2) o que ela interpreta é o fluxo do discurso social; (3) ela é
microscópica; (4) a interpretação envolvida consiste em fixar o discurso em formas
35
pesquisáveis. E acrescentando mais uma, (5) ela busca a apreensão da totalidade das
relações e comportamentos em estudo.
A "descrição superficial" seria a descrição "objetiva" dos fatos, sem atentar para os valores
sociais e os códigos de significação implícitos na ação social. A "descrição densa" seria a
interpretação precisa das intenções dos atores sociais. "O objeto da etnografia estaria entre
a "descrição superficial" e a "descrição densa": uma hierarquia estratificada de estruturas
significantes em termos das quais...[as categorias e/ou os fenômenos culturais]... são
produzidos, percebidos e interpretados, e sem as quais eles de fato não existiriam" (op.cit.;
p.17).
A sua análise se revela não a de uma ciência experimental em busca de leis, mas a de uma
ciência interpretativa em busca de significado. Fazer uma análise antropológica é escolher
entre as estruturas de significação e determinar sua base social e sua importância. O
etnógrafo tem de trazer sentido a uma "multiplicidade de estruturas conceptuais
complexas", irregulares, implícitas e contraditórias, primeiro apreendendo-as e depois
apresentando-as. Como bem define Geertz (1989, p. 20):
"(..) há uma série de fenômenos de grande importância que não podem ser
registrados através de perguntas, ou em documentos quantitativos, mas devem
ser observados em sua plena realidade. Denominemo-los os imponderáveis da
vida real. Entre eles se incluem coisas como a rotina de um dia de trabalho, os
detalhes do cuidado com o corpo, da maneira de comer e preparar as refeições;
o tom das conversas e da vida social ao redor das casas da aldeia; a existência
de grandes amizades e hostilidades e de simpatias e antipatias passageiras entre
as pessoas; a maneira sutil, mas inquestionável, em que as vaidades e ambições
pessoais se refletem no comportamento do indivíduo e nas reações emocionais
dos que os rodeiam" Malinowski (1990, p. 55).
Por fim, a etnografia só faz sentido se ela fixa a sua interpretação numa forma pesquisável,
pois a antropologia é uma ciência, e como tal é inerente que seu saber possa ser fixado e
transmitido, de forma que suas conclusões e inferências possam ser divulgadas e
assimiladas pelo seu corpo teórico.
Por tudo acima exposto, pode-se dizer que a prática antropológica pode ser definida pelo
esforço de interpretação de redes de significações implícitas ou explícitas que são
apresentadas ao etnógrafo no seu trabalho de campo, e não apenas na escrita de seu diário
e na sua atividade de coleta de material. O seu objeto de estudo é claramente delimitado, e
a sua abordagem, a de imersão no universo simbólico dos atores envolvidos. A sua
ambição é fazer com que o trabalho de campo permita o surgimento de novos conceitos
úteis e de novos questionamentos.
Canclini (1996, p. 92) oferece uma definição do trabalho do antropólogo que ajuda a
concluir todo o exposto acima:
"O antropólogo se parece menos com o detetive do que com o psicanalista. (...)
O antropólogo (...) interroga o que os atos significam para os sujeitos que os
vivem, porque sabe que o significado (já não a verdade) dos fatos não está
contido neles, mas sim no processo pelo qual os sujeitos os constituem e os
sofrem, os transformam e experimentam a resistência do real".
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Aqui vale a pena uma digressão sobre o significado do "fato social total" tal como
explorado por Lévi-Strauss, para apontar as diversas dimensões do fenômeno sócio-
cultural que são o objeto de estudo da Antropologia e ajudam a definir o porquê da
importância da idéia de totalidade para a seu escopo de atuação. Segundo a análise de
Lévi-Strauss (1988, p. 23):
"A noção de fato social total está em relação direta com a dupla preocupação
(...) de ligar o social e o individual por um lado, o físico (ou fisiológico) e o
psíquico por outro. Mas compreenderemos melhor a razão de ser desta questão,
que é ela mesma dupla: por um lado, é só no termo de uma série de reduções
que estaremos de posse do fato social, o qual compreende: 10 - diferentes
modalidades do social (jurídico, econômico, estético, religioso, etc.); 20 -
diferentes momentos de uma história individual (nascimento, infância,
educação, adolescência, casamento, etc.); 30 - diferentes formas de expressão,
desde fenômenos fisiológicos como reflexos, secreções, abrandamentos e
acelerações, até categorias inconscientes e representações conscientes,
individuais ou coletivas. Tudo isto é, num certo sentido, perfeitamente social,
já que é apenas sob a forma de fato social que esses elementos de natureza tão
diversa podem adquirir uma significação global e vir a ser uma totalidade. Mas
o inverso também é verdadeiro: porque a única garantia que possamos ter de
que um fato total corresponde à realidade, em vez de ser a acumulação
arbitrária de pormenores mais ou menos verídico, é a de que ele seja
apreendível (sic) numa experiência concreta".
"[A prática etnográfica leva] o estudioso a tomar contato direto com seus
pesquisados, obrigando-o a entrar num processo profundamente relativizador
de todo o conjunto de crenças e valores que lhe é familiar".
Esta ponte de comunicação estabelecida entre dois universos faz com que a prática
antropológica se defina por um processo descrito por DaMatta (1987) como o de
"transformar o exótico em familiar" e o de " transformar o familiar em exótico". Estas
transformações somente podem ocorrer se a ponte de comunicação, o etnógrafo, se
"movimenta com tranquilidade" nos dois universos simbólicos. A primeira transformação,
do exótico em familiar, é característica da prática antropológica em sociedades primitivas,
e procura ir ao encontro de outras culturas sem idéias pré-concebidas e na busca de
entendê-las dentro do seu próprio sistema, de sua própria lógica, sem simplesmente
considerar como irracional o que a princípio não é inteligível. A segunda transformação,
do familiar em exótico, é o que ocorre quando o antropólogo, versado nos universos de
significação de sociedades primitivas, começa a utilizar os conceitos originalmente
construídos para o entendimento destas na compreensão da sua própria sociedade. Assim,
ele vai introduzir na interpretação do seu próprio universo simbólico, que carrega em si
quase como que por definição a certeza de ser a única verdade, a semente da incerteza: o
nosso mundo quotidiano, dado como a realidade absoluta, se torna objeto de
estranhamento, os fatos sociais já não se apresentam com a mesma obviedade de antes, e o
antropólogo se torna um observador distanciado, à margem, marginal.
A Antropologia, dentro da sua vocação pluralista e da sua perspectiva cultural, não tem
uma visão única sobre o fenômeno do consumo. Além disso, no estudo do consumo em
sociedades avançadas também há a convergência de interesses e ferramentais da
Antropologia e da Sociologia, coerente com a crescente pluridisciplinaridade que
41
caracteriza os estudos das ciências humanas em sociedades modernas. Por tudo isto, o
entendimento do consumo passa sem dúvida por várias modelos conceituais, que às vezes
são até contraditórios, mas certamente esta exploração do fenômeno sob enquadramentos
teóricos distintos tornam a sua compreensão mais enriquecedora.
No entanto, pouco tem sido feito para trazer este instrumental de análise antropológica e
etnográfica para o estudo do consumo em sociedades industriais ocidentais. Em grande
parte isto ocorre porque tradicionalmente o estudo do comportamento do consumidor ainda
é contaminado fortemente pela idéia utilitarista de que se consome para subsistir
(influenciada pela economia) ou para exibição competitiva de status social (influenciada
por certa sociologia).
Entender o consumo somente faz sentido se primeiro entendermos qual a função dos
objetos dentro do contexto da interação humana. Obviamente, esta análise pode ser feita
em diversos níveis.
42
Um primeiro passo para este esforço é buscar compreender como as pessoas usam os
objetos como transmissores de "mensagens" para outras pessoas no seu relacionamento
quotidiano.
Uma apresentação básica desta interação está em Berger e Luckmann (1991), onde é
discutida a interação pessoal face-a-face e a problemática da comunicação da subjetividade
de um sujeito social a outros dentro da vida quotidiana, esta entendida como o campo
primário de interação social. Mesmo não abordando diretamente a utilização de objetos
dentro desta problemática, seguir sua análise tendo-os em mente faz com que se revele a
pertinência desta discussão ao presente estudo. Assim ficará claro como dentro deste
quadro se insere o papel dos objetos materiais como viabilizadores da comunicação
interpessoal enquanto objetivação da expressividade humana.
Na vida quotidiana está-se sempre em interação direta com os outros, e ela apresenta-se
como um mundo intersubjetivo, sendo esta característica o que diferencia a vida quotidiana
das outras realidades das quais se tem consciência. Não se pode existir na vida quotidiana
sem interação e comunicação com os outros. E a forma de comunicação mais intensa da
vida quotidiana é a interação face-a-face, onde a subjetividade do outro se torna mais
plenamente real e maciça. Além disso, pode-se considerar que esta é o caso protótipo da
interação social, todas as outras, de uma forma ou outra, dela derivando.
Para os indivíduos, a realidade da vida diária aparece já objetivada, ou seja, constituída por
uma ordem de objetos designados como tal antes da "entrada em cena" dos indivíduos, e
que provavelmente continuará existindo após seu desaparecimento.
43
Portanto, as objetivações que interessam aqui são as que servem de referências perenes dos
processos subjetivos de seus produtores - produtores aqui entendidos não apenas como os
participantes da interação face-a-face mas também, e principalmente, como as categorias
culturais associadas aos processos subjetivos particulares àquela cultura.
A realidade da vida quotidiana não é apenas cheia de objetivações, ela somente é possível
por causa delas. Assim está-se sempre envolvidos por objetos e comportamentos que
"proclamam" as intenções dos outros. Sem esta troca de significados por meio de
comportamentos, ou mais especificamente, por meio de objetos, a vida quotidiana seria
impossível, pois não se poderia compreender, mesmo que parcialmente, a subjetividade do
outro, e todo relacionamento social seria conflituoso e improdutivo.
Pelo exposto acima, fica claro a importância dos objetos para a interação pessoal. Eles
também, dentre outros tipos de carreadores, vão "encarnar" as intenções, emoções e outros
aspectos da subjetividade humana, de forma a organizar a interação interpessoal,
44
permitindo que um sujeito consiga transmitir ao outro seus estados subjetivos. Esta
organização é importante para facilitar a própria interação, já que esta, pelo seu caráter de
intersubjetividade, apresenta muitas variações e o intercâmbio de significados subjetivos é
extremamente variado e sutil.
Além disso, os rituais se desenrolam numa sequência de eventos na qual tanto a sequência
quanto cada evento já estão estabelecidos de antemão.
Cada membro da sociedade se serve do ritual para organizar sua compreensão dos eventos,
através da representação simbólica de determinadas categorias culturais. Pode-se defini-las
seguindo McCracken (1988, p. 73):
Por outro lado, muitas vezes conceitos abstratos são "materializados" em objetos, ou seja,
os objetos são embebidos de significados abstratos, de forma a serem manipulados junto
com outros, e assim conseguirem ser entendidos de tal maneira que talvez não fosse
possível pela manipulação de conceitos puramente abstratos (Leach, 1978).
Um ritual funciona como mecanismo de enfoque quando fornece um quadro que permite
delimitar as experiências que estão ocorrendo ou ocorrerão, e assim contextualizar os
46
O ritual serve para reforçar e dirigir a experiência, revigorando a percepção e agindo como
um diagrama daquilo que é conhecido, quando ele funciona como controle para a
experiência. No entanto, ele serve não apenas para repetir o já conhecido, mas para
formular a experiência, possibilitando o conhecimento de algo que de outra maneira não
seria conhecido. Assim, há coisas que não podemos experimentar sem ritual. Por exemplo,
o sentimento temporal de passagem dos anos não existiria sem as festividades de final de
ano e sem todos os objetos que caracterizam estas cerimônias.
Toda interação pessoal é baseada e estruturada a partir de normas e valores sociais. Para
que estas interações transcorram sem maiores problemas e dentro do que a sociedade
considera normal ou aceitável é necessário que as pessoas inter-agentes encarnem
determinados papéis sociais considerados a priori como adequados. Estes papéis são
impostos diretamente aos atores sociais pelos outros atores através de expectativas sobre
sua conduta. Portanto, o desempenho de papéis sociais pressupõe uma interação entre duas
ou mais pessoas baseada em expectativas socialmente definidas.
47
Em termos conceitualmente mais rigorosos (Berry, 1974, p. 77), papel social é o conjunto
de expectativas impingidas a um indivíduo que ocupa uma dada posição social. As
expectativas são "duplicatas" das normas sociais. Portanto, pode-se dizer que os papéis
são definidos pelas normas sociais: somos obrigados a fazer nos nossos papéis
ocupacionais, familiares, etc., o que a sociedade espera de nós. Existem dois tipos de
expectativas envolvidas no desempenho de papéis: as obrigações, ou seja, as expectativas
que a sociedade impõe ao ator; e os direitos, ou as expectativas do ator em relação à
sociedade e às pessoas com as quais ele interage no desempenho de seus papéis.
A definição da situação feita pelo indivíduo constitui a base para a sua maneira de agir
numa dada situação. É o membro individual da sociedade quem formula suas próprias
interpretações dos acontecimentos e das ações dos outros, e é ele também quem define a
situação. Obviamente, ele será influenciado por normas sociais na definição dos elementos
da situação e da sua avaliação. Porém, em última análise, a definição dependerá da
interpretação e compreensão individuais (op. cit., p. 56).
No entanto, é quase impossível um conhecimento total sobre este momento social. Assim,
as pessoas, diante da necessidade de definir a situação pelo menos satisfatoriamente,
buscam por qualquer sinal informativo - deixas, provas, insinuações, gestos expressivos,
símbolos de status - da situação vivida.
desenvolveu-se pelo uso de jeans mais caros de grifes famosas (cuja diferença em relação
aos jeans de outras marcas é unicamente a etiqueta) pelos mais abastados, de forma a
diferenciá-los mesmo quando vestindo um "uniforme" comum a todas as classes.
Fachada é definida (op. cit., p. 29) como "o equipamento expressivo de tipo padronizado
intencional ou inconscientemente utilizado pelo indivíduo durante a sua representação". A
fachada pode ser dividida em cenário e fachada pessoal.
Algumas das "pistas" que o consumidor pode perceber, por exemplo num dado ambiente
de prestação de serviços, estão relacionadas com a qualidade dos materiais usados, peças
49
Por outro lado, o ambiente, ajudando a construir a expectativa, pode dizer muito sobre o
tipo de comportamento apropriado na situação que virá. Por exemplo, a partir da qualidade
dos objetos e materiais decorativos utilizados, um cliente de restaurante pode avaliar se o
ambiente exige formalidade, se induz ao relaxamento, se estimula a conversação, etc..
Maneiras seriam os estímulos que servem para informar o papel que o ator espera
desempenhar na situação que se aproxima. No exemplo de uma interação de serviços, uma
atitude gentil, prestativa e cordata em geral são as maneiras mais adequadas. Porém,
podem existir situações em que é parte da função do empregado tomar uma atitude
agressiva, de comando da situação, como no caso de um gerente de hotel chamado para
resolver uma emergência.
Existe uma série de objetos materiais dos quais uma pessoa deve quase que
obrigatoriamente lançar mão para poder satisfatoriamente interagir face-a-face com outras
pessoas. A obrigatoriedade da utilização destes objetos advém da sua imposição por meio
das expectativas da sociedade em geral, ou do grupo em específico, sobre os atores que vão
interagir. Assim, a definição da situação socialmente esperada por todos os agentes
envolvidos impõe comportamentos e objetos adequados.
Portanto, uma condição, uma posição ou um lugar social não são coisas materiais que são
possuídas e exibidas; são um padrão de conduta adequada, apropriada e coerente, mas que
envolvem objetos complementares e estimuladores da ação (Goffman, 1985, p. 74).
Dentro deste quadro teórico, Sahlins faz uma análise estrutural dos códigos associados ao
vestuário na sociedade americana, identificando oposições binárias nas características do
vestuário moderno, tais como: corte do tecido; textura, qualidade, densidade e cor do
material; e combinação de acessórios; e associando as relações binárias a determinadas
situações e classes sociais.
O próprio Lévi-Strauss (1973; apud Rocha, 1990) afirma que a natureza é demarcada
como a dimensão anti-humana por excelência. Como argumenta Rocha (op. cit., p. 105):
"Torna-se cada vez mais impossível determinar qual o papel que desempenha o
trabalhador individual na produção do produto final. O produto final é algo
onde, tanto do ponto de vista lógico quanto do ponto de vista do sensível, o
trabalhador individual é o grande ausente" (op. cit., p. 63).
Da mesma forma, a criação publicitária pode ser entendida também como um processo de
bricolage (Rocha, 1990). Para criar uma peça publicitária, o profissional usa um vasto
arsenal de saberes originários de outras ciências e artes tais como Sociologia, Psicologia,
Economia, Cinema e Teatro. A sua especialidade é justamente a diversidade, é juntar os
fragmentos de saberes de campos distintos de forma a montar a mensagem publicitária. O
seu instrumental já é dado de fora por saberes já constituídos pela sociedade, e ele é o
bricoleur por excelência, "pois o seu saber se constrói pela apropriação de pequenos
pedaços de outros saberes dentro do princípio de que tudo é aproveitável" (op. cit., p. 54).
Quadro 3
Urso Clã A
Águia Clã B
Tartaruga Clã C
Etc. Etc.
Etc. Etc.
"Pensamento Burguês"
Produção (não humano) Publicidade Consumo (humano)
(natureza) (cultura)
Etc. Etc.
Foi visto como os objetos podem ser entendidos como signos enquanto diferenças
significantes, e também abordou-se como a sociedade moderna se vale da publicidade
enquanto operador totêmico para "marcar" os objetos com significados e portanto
classificar os objetos e seus usuários.
Agora o foco de análise se desloca ligeiramente dos objetos para os mecanismos pelos
quais os indivíduos usam os objetos para manutenção e afirmação de seus valores, por
meio de estratégias de diferenciação e de imitação.
Estratégias de diferenciação
O consumo pode ser visto como uma estratégia de se diferenciar um dado grupo através de
consumo de bens específicos a este grupo. No caso da estratégia de diferenciação mais
óbvia e conhecida, as classes superiores usam o consumo de bens caros como instrumento
de exclusão dos que nelas tentam penetrar (arrivistas).
No entanto, este modelo, apesar do forte poder explanatório que possui - notadamente para
entender o fenômeno da moda, tem apresentado falhas na compreensão de alguns
fenômenos de diferenciação e imitação. Primeiramente, a competição por status não é tão
difundida como pressupõe o modelo, pois a necessidade de demonstração de status é mais
importante em grupos cujas interações interpessoais são fugidias, pouco duráveis e
inconstantes. Ao contrário, indivíduos colocados em redes de interrelações mais estáveis
necessitariam de menos visibilidade de status. Além disso, as sociedades modernas têm
apresentado cada vez mais um elevado grau de mobilidade e pequeno grau de
estratificação, onde as classes médias são cada vez maiores, e portanto os símbolos de
diferenciação hierárquicos têm menos importância. Complementarmente, a difusão dos
meios de comunicação de massa e a massificação extensiva dos bens de consumo têm
permitido o acesso simultâneo das camadas altas e médias da população aos bens de
consumo, retirando das camadas altas a autonomia para a sua estratégia de diferenciação
constante.
Por tudo isto, uma interpretação realmente ampla das estratégias de utilização dos bens
deve levar em conta que os esforços de distinção e imitação são hoje em dia função muito
mais de grupos que de classes, apesar de as estratégias de diferenciação e imitação
interclasses ainda indiscutivelmente terem importância.
Estratégia de imitação
grupo, mas sim através de um processo de assimilação que preserva alguns dos símbolos
ou estilos do grupo apropriador. Dentro desta linha de raciocínio, McCracken (1988, p. 98)
analisa a mudança no vestuário feminino de trabalho devida ao acesso de parcelas cada vez
maiores da mão de obra feminina a atividades ocupacionais de escritório antes reservadas
apenas a homens. Ele argumenta que as mulheres modificaram seu vestuário de maneira a
incorporar "atributos" reconhecidamente masculinos que seriam desejáveis a uma
profissional possuir num ambiente de trabalho competitivo.
Ademais, estes atributos masculinos são justamente o que é considerado desejavél para um
bom desempenho profissional. Cores sóbrias, tecidos pesados e corte pouco elaborado
serviriam como indicadores de respeitabilidade, seriedade e confiabilidade, características
importantes a serem destacadas no trabalho.
A mulher neste contexto não é motivada por algum sentido vago de imitação de todos os
símbolos masculinos; nem imita na simples procura por status e prestígio. Sua motivação é
mais específica e estratégica: diferenciar-se do vestuário estereotipado assinalado a elas e
incorporar no seu arsenal expressivo atributos desejáveis, e assim serem aceitas como
parceiras competentes no mundo do trabalho.
Existe uma complementaridade e consistência muito grande entre todos os bens adquiridos
e utilizados por um consumidor. McCracken (1988) chamou a "força" coercitiva que os
ajuda a manterem-se unidos de "efeito Diderot", e os bens sujeitos a esta força de
"unidades Diderot" (op. cit., p. 118). A idéia aqui é tentar estabelecer em bases teóricas as
motivações relacionadas a uma certa "consistência" no padrão de consumo, o que leva a
uma identificação de "harmonia" entre os bens, motivada por considerações simbólicas.
O processo pelo qual os objetos são imbuídos de significados também ajuda a criar
consistência de conjunto. Os publicitários e os designers de moda e de produtos procuram
transmitir o significado de dado produto através de sua proximidade com outros produtos
que são anunciados juntos, de forma a construir o significado da propaganda e ligar este
significado ao bem em questão. Outro processo de estabelecimento de consistência de
conjuntos de bens ocorre em grupos inovativos da sociedade (em geral grupos marginais)
61
que “rearrumam” a organização dos bens de forma a recriar novos padrões de consistência
do conjunto dos produtos.
Estilo de vida
"O estilo de vida é um conceito ligado à noção de sistema. Ele se refere aos
diferentes modos de vida (no seu senso mais amplo) da sociedade inteira ou de
seus segmentos. O estilo de vida é concernente aos elementos distintivos ou às
particularidades que podem descrever o modo de ser de um grupo cultural ou
econômico e permite distingui-lo de outros grupos. Ele compreende as
estruturas que se desenvolvem e emergem da dinâmica da vida em sociedade.
62
Pela abrangência e riqueza de detalhes de sua definição vê-se que o conceito se presta a
amplas aplicações no domínio do conhecimento do consumidor, inclusive com nítidas
implicações antropológicas. No entanto, as pesquisas empíricas de estilo de vida têm
historicamente se fixado na mensuração das atividades dos consumidores, em termos de:
como eles gastam seu tempo; seus interesses, o que eles valorizam nas suas imediações;
suas opiniões, em termos de sua visão de si mesmos e do mundo à sua volta; e por fim,
algumas características básicas como estágio no ciclo de vida, renda, educação e moradia
(Plummer, 1974). O que transparece claramente desta definição é o fato de que a pesquisa
em estilo de vida se limitou a cruzar variáveis psicográficas e demográficas, no intuito de
segmentar os consumidores em termos de atividades individuais, perdendo de vista as
perspectivas sócio-culturais do conceito inicialmente proposto, perspectivas estas que
acabaram por tornar-se implícitas, e portanto, de importância secundária.
A importância do conceito de estilo de vida para o Marketing foi e tem sido enorme.
Segundo Wells e Trigert (1971), a pesquisa baseada neste conceito aliou as dimensões
demográficas e psicográficas no comportamento do consumidor, permitindo assim uma
maior proximidade com a sua realidade quotidiana, e com isso possibilitando a emergência
de retratos reconhecíveis dos consumidores. Para Plummer (1974), padrões de estilo de
vida provêem uma visão mais ampla e tridimensional dos consumidores, o que possibilita
um estudo mais relevante em termos de posicionamento, comunicação, mídia e promoção.
Em termos estratégicos, seu estudo tem particularmente facilitado tanto a identificação de
novas oportunidades de mercado e o desenvolvimento de estratégias para novos conceitos
quanto a elaboração de estratégias publicitárias.
Realmente o que os estudos empíricos nesta área têm alcançado é uma visão mais
quotidiana e factível dos consumidores, no momento em que tentam captar, além de seu
comportamento, suas aspirações, interesses e opiniões, conseguindo obter um quadro mais
"humanizado", distante dos agregados econômicos impessoalizantes e dos psicologismos
63
Segundo Douglas e le Maire (1976), as pesquisas em estilo de vida têm se dividido em três
perspectivas básicas: "centros de interesses"; "Atitudes, Atividades, Interesses e Opiniões";
e "conjunto de bens".
A segunda abordagem tem sido bastante privilegiada nos últimos anos e que tem se
beneficiado de mais pesquisas empíricas. Os estudos concentrados nesta área são mais
amplos, pretendem abarcar uma série de aspectos sociais e psicológicos do comportamento
do consumidor, não somente em termos do seu comportamento de compra. Estes estudos
enfatizam aspectos tais como o trabalho e as atividades de lazer, relacionamento
interpessoal dentro e fora da família, percepção por parte dos indivíduos do ambiente
social, econômico e político. É claro que nem todas estas variáveis são consideradas em
cada estudo, mas potencialmente isto seria possível.
Finalmente, a terceira abordagem implica que o estilo de vida dos consumidores pode ser
analisado em termos do total de produtos que o indivíduo consome. Esta perspectiva parte
do princípio de que os bens de consumo possuem caráter eminentemente simbólico. Este
64
Duas linhas de pesquisa tem se destacado dentro desta perspectiva particular. As mais
comuns são as que estão preocupadas em revelar os benefícios em termos sociais e
individuais que os consumidores buscam em cada categoria de produto. Uma outra linha
de estudo, que possui poucos estudos empíricos, se concentra em identificar estilos de vida
a partir dos conjuntos de produtos adquiridos ou utilizados pelos consumidores. É
justamente nesta linha de pesquisa que este trabalho vai desenvolver sua linha de
raciocínio.
Seria oportuno avaliar aqui os problemas de validade encontrados nos estudos que têm
sido empreendidos na área. Wells (1975) discute as dificuldades de validação e
confiabilidade dos resultados e admite que as conclusões dos estudos de estilo de vida se
ressentem de maior precisão numa série de aspectos. A maior parte da discussão versa
sobre problemas de validade dentro dos critérios pertinentes à metafísica positivista, mas
afinal ele conclui que a grande contribuição destes estudos para o Marketing é a abertura
de novas relações no entendimento do consumidor, mais do que uma sua capacidade
descritiva (quantificação) ou explicativa.
Alguns artigos versando sobre as dimensões gerais da pesquisa em estilo de vida constatam
a ausência de quaisquer bases conceituais advindas das ciências comportamentais, além da
sempre presente dificuldade de se forjar uma definição apropriada (Wells, 1975; Douglas
& le Marie, 1976; Zins, 1976). Sempre é oportuno destacar os problemas que surgem
quando estudos empíricos que visam a realidade social são feitos com pouco embasamento
teórico.
Apesar da sua ampla utilização, o conceito de "estilo de vida" acabou por se tornar um
"saco de gato" onde diversas teorias sociológicas e psicológicas se misturam. Portanto, se
torna evidente que ainda não existe uma teoria explicativa que unifique as suas diversas
dimensões, ademais pelo fato de que seus estudos em estilo de vida são quase que
unicamente empíricos. Seguindo McCracken, é feita uma tentativa de se estabelecer, pelo
menos parcialmente, esta base teórica com a análise do "efeito Diderot".
Efeito Diderot
Seguindo McCracken, o "efeito Diderot" pode ser definido como "a força que encoraja o
indivíduo a manter uma consistência cultural na totalidade de seus bens de consumo". (op.
cit., p. 123)
Este efeito age de três maneiras. Na sua manifestação mais direta, ele evita a entrada num
conjunto existente de bens de um bem que seja culturalmente inconsistente com este
conjunto. No seu segundo modo de atuar, mais radical, ele força a adequação de todo o
conjunto já existente ao novo bem entrante. E por fim, no seu terceiro modo, o efeito
Diderot pode ser deliberadamente manipulado pelo indivíduo visando propósitos
simbólicos.
3.3 Conclusão
Todos estes estudos têm em comum o fato de ser baseados em pesquisas etnográficas e
portanto valorizar o discurso dos atores sociais envolvidos nos objetos de estudo. Além
disso, coerente com o paradigma interpretativista, todos buscam interpretações dos temas
que emergem durante a pesquisa. Comum também a todos os trabalhos é o forte
embasamento teórico da Antropologia (mas não somente) na interpretação dos discursos.
Devido à relativa novidade desta abordagem de pesquisa etnográfica dos fenômenos do
comportamento do consumidor, foi considerada relevante a descrição da metodologia de
cada pesquisa, mesmo por que dentro da prática antropológica não existe nenhum modelo
acabado de pesquisa, havendo algumas variações na pesquisa de campo.
Apesar de serem relativamente pouco numerosos, por questão de espaço nem todos os
trabalhos de etnografias em comportamento do consumidor pesquisados são analisados
neste capítulo. Preferiu-se explorar mais a fundo alguns artigos cujas metodologias de
pesquisa e interpretações dos discursos dos atores sociais fossem mais representativos e
oferecessem um panorama claro da situação da pesquisa etnográfica, além de, é claro,
serem relevantes nos seus achados para o estudo do comportamento do consumidor.
Alguns outros trabalhos merecem ser citados e rapidamente comentados, apesar de, por
razões descritas abaixo, não ter sido aprofundada sua análise aqui.
69
Hill e Stamey (1990) fizeram outra pesquisa dentro da abordagem etnográfica, procurando
estabelecer os padrões de consumo (e a partir daí as estratégias de sobrevivência) de um
grupo de sem-teto numa grande cidade americana. Apesar do interesse antropológico de se
conhecer um subgrupo marginalizado, e a originalidade de se centrar a pesquisa nos
comportamentos de consumo, as conclusões são dificilmente generalizáveis, limitando o
escopo do trabalho ao universo estudado.
Belk (1992) realizou uma pesquisa que vale mais pela originalidade do material e pelo
esforço interpretativo. A partir de diários, autobiografias e histórias escritos por migrantes
mórmons (adventistas do sétimo dia) na sua marcha para o Oeste americano ocorrida no
século XIX, o autor busca interpretar os significados para os migrantes dos bens que eles
carregaram em sua epopéia. Apesar de não ser poder ser considerada uma etnografia, e
muito menos ser uma observação participante, a interpretação da teia de significados existe
e foi possível identificar diversos significados associados à manutenção das identidades
pessoal, familiar e comunitária. No entanto, como frisa o próprio autor, o alcance das suas
conclusões está limitado ao estudo de migrações, sejam coletivas ou pessoais.
A pesquisa realizada por Levy (1981) teve por objetivo desvelar de forma sistemática
como as pessoas interagem com os bens de consumo através da análise e interpretação das
histórias quotidianas e familiares associadas à utilização destes bens.
Para entender como as pessoas consomem, se parte do princípio de que os produtos são
usados simbolicamente e a descrição de sua utilização é uma maneira de simbolizar a vida
e a natureza da família. Portanto é preciso uma teoria de interpretação para o entendimento
do material coletado.
A forma escolhida de interpretar este fenômeno de consumo foi através da coleta e análise
de histórias familiares associadas às refeições e tipos de alimentos consumidos. Estas
histórias podem ser tomadas como criações mitológicas, e sua interpretação se baseia na
análise estrutural dos mitos elaborada por Lévi-Strauss.
Os mitos, tais como definidos por Lévi-Strauss (1963; apud Levy, 1981), têm os seguintes
aspectos: os mitos fornecem um modelo lógico capaz de superar contradições ou
paradoxos na experiência natural ou social; a análise estrutural dos mitos permite revelar
processos cognitivos universais no homem; estas operações mentais criam padrões a partir
da percepção de relações de oposição binária.
Para a obtenção destes pequenos mitos familiares, foi constituída uma amostra de seis
donas de casa casadas de classe média com filhos pequenos. Elas foram entrevistadas
acerca dos membros de suas famílias, suas características individuais e suas atitudes e
hábitos em relação à comida, através do estímulo a narração de histórias familiares,
principalmente fatos cotidianos que ajudam a tipificar os membros da família.
Temas e interpretações
A questão mais longamente analisada é a última, sendo que a discussão das três primeiras
questões servem mais como uma introdução à quarta.
(2) Existe uma hierarquia de alimentos aceitáveis. Todo extremo é problemático, tais
como comidas muito gordurosas ou muito temperadas. Ademais, a adequação das
comidas está relacionada a efeitos desagradáveis.
(3) Preferências são explicadas de diversas maneiras, desde uma herança genética até
uma socialização por contexto étnico, passando por hábitos originados de novas
experiências e crenças.
No primeiro eixo, as categorias sexuais e de faixas etárias podem ser bem definidas por
meio das comidas e métodos de preparação considerados adequados a cada uma. É
possível a distinção entre bebês e adolescentes, meninos e meninas através das comidas
normalmente consideradas apropriadas. Bebês precisam de leite e comidas pastosas, leves
e indiferenciadas, que transmitem idéias de conforto e fácil digestão. Dentro da mesma
linha, estes tipos de alimento servem para os idosos e os doentes. À medida que ficam mais
73
Quadro 4
No segundo eixo, foi possível identificar uma tendência a relacionar posições sociais mais
elevadas com profissionalismo no preparo, enquanto preferências de pessoas de status mais
baixo estão mais ligadas a leveza, gordura e suavidade/doçura (sweetness). Subindo a
escala social, as preparações convencionais dão lugar à elaboração crescente, com a maior
utilização de ervas, temperos e ingredientes pouco comuns. O quadro abaixo indica estas
relações.
Quadro 5
Classe alta Sofisticado Amargo, herbáceo brócolis, batata ao forno, carne grelhada
Quadro 6
Primitivismo Piquenique
Separação Lanchonete
Convenção Lar
Resultados
A interpretação dos pequenos mitos familiares revelados nos discursos das respondentes
revela que os atos de cozinhar e comer são carregados de simbologia. A análise estrutural
75
revela que estes atos servem para expressar categorias culturais tais como infância,
juventude e velhice, sexo e status social. Algumas distinções simbólicas são feitas dos
tipos de comida e dos lugares onde são consumidas, e idéias são transmitidas. Alguns dos
pares de oposição identificados são unidade/dispersão familiar, simplicidade/sofisticação,
rotina/festividade, conformidade/desvio, sagrado/profano etc.. Ademais, a mitologia
relacionada à comida ajuda a organizar as categorias culturais de sexo, idade e posição
social em termos de dimensões psicológicas e atributos da comida tais como gosto, textura,
aparência e métodos de preparação.
Por tanto, esta pesquisa se mostra relevante principalmente pela sua aplicação eficiente de
um instrumento teórico caro à Antropologia, a análise estrutural dos mitos, no estudo do
consumo. No entanto, as suas conclusões, evidenciando a constituição de categorias
culturais por intermédio de bens de consumo, fornecem um rico campo de análise para o
Marketing na apropriada adequação dos bens (e serviços) ao seu segmento-alvo.
(1) Descrever em detalhes uma loja de presentes, notadamente aqueles aspectos que podem
transformar a loja em um local apropriado para a preparação da doação de um presente.
O trabalho de campo busca uma abordagem de pesquisa naturalística (Lincoln & Guba,
1985) e se baseia no estudo das práticas quotidianas de forma a se entendê-las dentro de
seu próprio contexto. A pesquisa foi feita dentro do paradigma interpretativista, que
estabelece que o pesquisador deve se tomar também como instrumento de pesquisa,
enquanto tenta entender e explicar o mundo dentro da perspectiva dos atores realmente
envolvidos no processo social. Ademais, ela se utiliza dos métodos antropológicos da
observação participante e de entrevistas em profundidade.
Para a pesquisa foi escolhido o período de Natal por ser esta uma época estabelecida
culturalmente como de troca de presentes. A loja escolhida se categorizava como de
presentes, e foram excluídas lojas dominadas por artigos de vestuário ou de cozinha. A
similaridade notada entre as diversas lojas de presentes visitadas para a escolha foi a
predominância de mercadorias decorativas, colecionáveis e não-funcionais. A
pesquisadora, para efetivar a observação participante, foi admitida como assistente de
vendedora sem remuneração. Doze a dezesseis horas por semana foram gastas na loja,
durante as três semanas que precederam três Natais. Adicionalmente, a pesquisadora
retornou ao local após o Natal para entrevistar os funcionários e o dono da loja acerca da
temporada que passou. O material coletado foi composto de notas de campo, anotações
diárias interpretativas e fotografias. À medida que evoluia o estudo, os relatórios de
pesquisa eram discutidos com os informantes e seus comentários incorporados a relatórios
subsequentes.
A pesquisa insere a loja e seu contexto na sociedade mais ampla, com a descrição da
cidade e suas características sócio-culturais fundamentais. Ademais, há a descrição da
decoração da loja, da sua história, do tipo de mercadoria vendida, dos empregados, dos
consumidores e finalmente dos ritmos temporais associados às compras natalinas.
Durante a primeira temporada deste estudo as observações foram utilizadas como parte de
um estudo comparativo entre duas lojas de presentes (Sherry & McGrath, 1989). Devido
ao fato de os temas emergentes e a metodologia serem parecidos, aqui não será analisado
este outro estudo.
Temas e interpretações
Existe uma evidente predominância das mulheres tanto no papel de vendedoras como no
de consumidoras de presentes. Os homens são distinguidos pela sua impaciência e
desconforto com o ritual de compra de presentes. Ademais, as mulheres mantêm mais
relacionamentos de troca de presentes que os homens, os percebem como relações mais
íntimas, e apreciam mais o ambíguo processo de compra de presentes.
78
Resultados
compreender de forma muito mais presente e profunda as diversas interações que ocorrem
num contexto de varejo, e também permite a emergência e análise de temas de discurso
que revelam as expectativas e motivações de cada um dos participantes da situação de
compra de presentes. Os resultados desta pesquisa sem dúvida têm implicações
importantes na concepção do ambiente de serviços (servicescape) (Bitner, 1992) e na
percepção dos comportamentos dos clientes e as atitudes dos profissionais de varejo.
A intenção desse artigo (McGrath, Sherry & Hesley, 1989) é revelar as interações
vendedor-comprador e os padrões de comportamento de fazendeiros cum feirantes numa
feira-livre (farmer's market) periódica numa cidade de porte médio nos Estados Unidos.
Para isto foi feita uma etnografia visando a "descrição densa" dessa feira. No contexto
americano, as feiras-livres têm se revelado cada vez mais importante canal de distribuição
no mercado alimentício. Ademais, elas (tanto lá como cá) têm se revelado espaço relevante
de contatos interpessoais no varejo, reação a uma crescente "dessocialização" no ambiente
de varejo. O estudo de um dos poucos ambientes de varejo em que as relações
interpessoais ainda estão presentes pode fornecer importantes insights sobre este
relacionamento e a valorização que os consumidores dão a isto.
Temas e interpretações
A feira descrita neste trabalho aparece como uma comunidade periódica com sua própria
ecologia, limites, periferias, desenvolvimentos, membros, relações sociais e
relacionamento com outras comunidades.
Ativismo
A origem desta feira se deve a um ativismo cívico, de raízes feministas, e foi concebido
como um mecanismo de revitalização urbana. Este tipo de mercado oferece um tipo de
economia holística e se define pelo caos controlado, ciclos naturais, e distribuição direta do
produtor ao consumidor. A importância dos relacionamentos pessoais neste mercado ajuda
a criar um sentido de comunidade. Ele também ajuda a estabelecer um sentimento cívico e
de responsabilidade individual, pois - mesmo que apenas periodicamente - os clientes se
tranformam em compradores conscientes e cidadãos.
Autenticidade
Artificialidade
Ambientação
Resultados
a descoberta de temas que podem não aparecer em estudos de consumo mais mundanos. O
objeto de estudo desta pesquisa é o consumo de cirurgia plástica estética, e parte do
interesse advém do fato de este tipo de operação ser potencialmente perigosa, dolorosa e
cara, e mesmo assim crescentemente popular.
(1) Uma auto-imagem negativa a respeito de uma parte específica do corpo pode motivar
o consumo de uma cirurgia plástica. O corpo é uma das mais importantes expressões
da personalidade (self), tanto em termos psíquicos quanto culturais.
Correspondentemente, um importante componente do auto-conceito é a imagem do
corpo. Curiosamente, as pessoas depois de uma cirurgia plástica tendem a perceber
mudanças para melhor em partes do corpo não afetadas pela operação.
(4) A cirurgia cosmética pode servir para se afastar ou para se aproximar possíveis selfs.
Este tema a priori se baseia na noção de auto conceito enquanto "um constructo
cognitivo formados de sistemas de símbolos chamados 'auto-esquemas' (self-
schemas)" (Schouten, 1991, p. 413). Os possíveis selfs são considerados self-schemas
84
O estudo teve dois objetivos principais: examinar os temas acima levantados no contexto
do consumo das cirurgias plásticas; e, identificar e analisar temas que emergissem da
pesquisa, com o objetivo de largar o conhecimento atual do self-concept na pesquisa em
comportamento do consumidor.
Muitos temas foram analisados durante o período de coleta das informações e ajudaram a
direcionar a pesquisa. Os dados, à medida que iam sendo coletados, eram submetidos à
comparação com os anteriormente obtidos, buscando-se pontos de similitude e diferença.
As interpretações feitas pelo pesquisador foram submetidas a profissionais de diversos
campos, que as questionaram, propuseram alternativas, expuseram os vieses pessoais do
pesquisador e recomendaram outras pesquisas para sustentar as interpretações. As
interpretações também foram submetidas aos informantes para conferência da sua
fidedignidade.
85
Temas e interpretações
Transição de papéis
Os dados coletados sugerem que a alteração do próprio corpo é um poderoso ato simbólico
que pode ajudar a pessoa a reintegrar um self-concept que se tornou ambíguo no processo
de transição de papéis; especialmente quando a imagem do próprio corpo não se coaduna
com o novo papel. Por outro lado, a modificação cirúrgica de parte do corpo pode servir
como catalisador para mudanças futuras, no momento que funcionam como instrumento de
auto-aperfeiçoamento e auto-valorização que dão força a estes processos de mudança.
Dois subtemas emergiram: a cirurgia como um meio percebido de exercer controle sobre o
próprio destino e sobre o próprio corpo; e como instrumento para afirmar este controle,
especialmente quando ele está ausente. Ambos estão relacionados com a satisfação
intrínseca percebida por alguns informantes de poder controlar tudo em suas vidas,
inclusive a aparência e a resposta emocional dos outros a esta aparência.
Além desses temas emergentes, ficou claro no decorrer da pesquisa que os estágios pré e
pós-operatórios são muitos parecidos aos ritos de passagem (Van Gennep; 1978). Segundo
ele, os ritos de passagem geralmente se compõem de três fases: separação, quando a pessoa
se desengaja de seu papel social ou status; transição, no qual a pessoa se adapta e muda
para se adequar ao novo papel; e incorporação, quando a pessoa integra em seu self o novo
papel ou status. Ademais, segundo Van Gennep, existe uma experiência coletiva de
"liminalidade", que são uma série de rituais que dão ao indivíduo suporte psicológico nos
86
A operação plástica pode ser interpretada como um rito de passagem pessoal auto-imposto,
que permite à pessoa separar-se de um atributo físico associado a um papel social e
incorporar um outro atributo associado a um novo papel. Além disso, a decisão de fazer a
operação é muitas vezes feita durante um estado liminóide, em que há frequentemente uma
reflexão profunda sobre a validade dos papéis sociais vividos pelos informantes. Para
estes, a operação permitiu restabelecer um senso de coerência perdido nos estados
liminóides, apressando a passagem para estados mais estáveis pós-liminóides. Além disso,
a cirurgia evidencia símbolos físicos desta transição bem sucedida. Assim, as pessoas
passam por ritos de passagens pessoais para modificarem seus papéis, se valendo de
atividades e símbolos disponíveis pela sociedade de consumo, tais como a cirurgia plástica.
Resultados
Dez diferentes conjuntos de dados foram usados nesta pesquisa. Três foram primários e os
outros sete forneceram materiais suplementares, comparativos e históricos.
Temas e interpretações
Abundância
Inclusão na família
Por ser um evento que celebra também a união familiar, aparecem alguns temas associados
à harmonia e ao pertenecimento à família: discussão do ciclo de vida dos participantes;
conselhos aos mais jovens; reforço do senso de união através de histórias familiares e
álbuns fotográficos.
Universalismo e particularismo
O trabalho duro está presente no ritual de arrumação da casa, limpeza das louças ou
preparação da refeição. Poucas pessoas entrevistadas disseram preferir ter menos trabalho
comendo em restaurantes ou encomendando buffets. Algumas até explicitamente
observaram que encomendar buffets foge ao espírito da ocasião.
Esta ritualização é feita de diversas formas. A primeira é servir comidas associadas ao dia,
e não sejam cotidianamente consumidas, tais como o peru assado e o molho de cranberry,
criando assim um contexto de "anomalia temporal" associada ao dia. Outra maneira é
90
Resultados
Este estudo etnográfico das celebrações de Dia de Ações de Graças permite aumentar a
compreensão do comportamento de consumo americano de diversas maneiras.
A primeira ilustra como o consumo ritual ajuda a construir a cultura, e não apenas refleti-
la. Os participantes se apossam dos significados associados ao evento retrabalhando-os e,
através do consumo neste dia, constroem um modelo de vida social.
Finalmente, e mais importante, este estudo torna possível entender como os consumidores
reelaboram produtos industrializados pela sua singularização e sacralização, de forma a
tornar seus significados compatíveis com os significados da celebração.
4.6 Pára-quedismo
A intenção do artigo (Celsi, Rose & Leigh, 1993) é desvendar as motivações que levam as
pessoas à prática de desportos de alto risco. Este tema foi escolhido devido ao crescente
aumento na prática deste tipo de atividade, a despeito do altos riscos de ferimento e morte
a eles associados, e à crescente exposição deste tipo de atividade na mídia e o consequente
impacto na propaganda e na indústria da moda.
Foi escolhido o pára-quedismo por causa do altíssimo risco inerente, sub-estrutura sócio-
cultural claramente definida e ser facilmente acessível.
Um modelo dramático é utilizado como explicação das motivações para o esporte de alto
risco. Segundo os autores, a estrutura dramática faz parte da cosmovisão da sociedade
ocidental, enquadrando as percepções e induzindo comportamentos. Basicamente, o drama,
derivado do teatro grego, compõe-se de três estágios sucessivos: agon, onde forças
oponentes se enfrentam e ocorre o acúmulo de tensões derivado dos conflitos, estes
últimos internalizados nos atores e platéia; denouement, ou "desenlace", a resolução do
conflito; e catarse, a liberação emocional das tensões, resultado do denouement (Cheney,
1952; apud Celsi, Rose & Leigh, 1993).
Temas e interpretações
Foi possível perceber seis fatores que influenciam a prática do pára-quedismo. Três seriam
pertencentes ao macro-ambiente: os mass media, a especialização social e a tecnologia; e
três de caráter pessoal e interpessoal: hedonismo, motivações normativas, e competência
pessoal.
Os mass media podem influenciar a motivação para o consumo deste tipo de esporte de
duas maneiras. A primeira é introjetando a visão dramática, através de desenhos animados,
novelas, filmes, etc., onde o desenrolar das histórias seguem a estrutura do drama. A
92
Em contraste com o estrutura de resolução de tensões e conflitos oferecido por uma visão
dramática, a especialização de tarefas na sociedade moderna dilui a percepção das relações
de causa-efeito das atividades profissionais e aumenta a alienação em relação ao fruto do
trabalho de cada um. A visão dramática leva os indivíduos a buscar o denouement, o alívio
das tensões, mais do que aceitar de maneira fatalista as tensões das circunstâncias
alienantes. Assim, na sociedade ocidental, os indivíduos frequentemente reconhecem seu
trabalho como instrumento para atingir a auto-realização em outro atividade. Além disso, o
trabalho se enquadra no modelo dramático, sendo o locus de geração de tensões que vão
ser aliviadas nas atividades de lazer.
A tecnologia tem contribuído para a disponibilidade dos esportes de alto risco a grandes
parcelas da população, através do barateamento do equipamento e da maior segurança na
sua prática.
Percepção do risco
caso todas as medidas de segurança sejam tomadas. Ademais, os casos de acidente são
interpretados sempre como tendo causa erro humano, e não falha do equipamento.
Resultados
4.7 Conclusão
Neste capítulo 4, foi feita uma revisão de pesquisas etnográficas e "descrições densas"
colhidas na literatura de Comportamento do Consumidor. Os trabalhos aqui comentados
procuram sempre valorizar o discurso dos atores sociais e privilegiam a interpretação
desses discursos, buscando sempre o simbólico nos comportamentos de compra e uso de
objetos.
O tema "decoração" hoje em dia suscita grande interesse pela crescente expansão deste
mercado. Esta expansão é evidenciada pela abertura de shopping centers especializados
exclusivamente na comercialização de objetos para casa, e pelas frequentes feiras de
decoração e de utilidades domésticas que têm atraído milhares de pessoas a centros de
convenções. Este mercado têm crescido bastante em função de uma tendência mundial de
valorização do privado em detrimento do público, principalmente nas mega-cidades, em
parte relacionada com o aumento da violência urbana nos grandes centros urbanos. As
pessoas têm dedicado a maior parte do seu tempo de lazer a ficar em casa, vendo televisão,
TV a cabo ou vídeo, recebendo amigos, etc., e um dos reflexos disso é que se tem gasto
proporcionalmente mais da renda disponível para a adequação do espaço da casa a esta
nova realidade.
5.1 Metodologia
As entrevistas foram feitas nas residências dos entrevistados, em que ambos membros de
cada casal participaram simultaneamente, o que permitiu interagir com os atores no próprio
contexto em estudo e facilitar a identificação dos objetos e da sua disposição dentro dos
diversos ambientes das casas. As entrevistas se inseriram num contexto mais amplo de
observação participante, na medida em que elas foram feitas em encontros informais nos
quais o entrevistador examinou minuciosamente os ambientes. Além disso, no decorrer
destes encontros foi possível um processo simultâneo de observação e conversação que
posteriormente facilitou a formulação das perguntas e respostas. Cada encontro durou
aproximadamente de cinco a seis horas, perfazendo um total de cerca de 30 horas de
observações e entrevistas.
nascimento de filhos, a partida destes mesmos filhos e a separação. Estes são estágios de
transição entre diferentes fases da vida que se caracterizam por papéis sociais distintos, e
eles exigem uma redefinição destes mesmos papéis que acaba por ter um reflexo na própria
maneira como a casa é (re)decorada.
A escolha feita nesta pesquisa, do que pode ser considerado o primeiro estágio de transição
de um casamento, se revela muito rica do ponto de vista simbólico. Isto porque, dentre
outras coisas, a negociação do espaço que é agora comum contém componentes que vão
ajudar a estabelecer a própria definição do matrimônio. Por outro lado, neste momento as
individualidades estão, por assim dizer, mais "destacadas", e o casamento não possui
elementos, tais como filhos, que atuem como referência básica na definição da decoração.
Em outras palavras, casais recém-casados possuem mais liberdade de criação deste espaço
compartilhado, e podem se permitir que ele reflita as suas próprias individualidades e a sua
definição da relação de maneira mais explícita.
Segue abaixo uma breve descrição de cada casal, em que os nomes são fictícios, conforme
a tradição da análise etnográfica. Todos têm em comum o fato de serem de classe média
média, com renda mensal oscilando entre 30 a 40 salários mínimos.
Renato e Sandra estão casados há sete meses, e moram num apartamento próprio de dois
quartos. Ele tem 27 anos e ela 25, sendo que ele é economista, e ela é micro-empresária.
Ambos viviam nas casas dos pais antes do casamento. São pessoas que se definem como
"viciados" em cinema e têm uma atividade social intensa.
Orlando e Helena têm dez meses de casados. Moram num apartamento de dois quartos
alugado, que eles consideram uma transição para o imóvel próprio. Ele tem 30 anos, é
engenheiro e ela tem 35, e é funcionária pública. Também moravam anteriormente nas
casas dos pais. São muito caseiros e raramente saem, sendo seu hobby principal ver vídeo.
Roberto e Camila estão casados há quatro meses. Moram num apartamento dos pais dele,
que não consideram propriamente como deles. Ele é economista e ela é analista de
sistemas, ambos com 30 anos. Residiam antes com os pais. Se definem como pessoas de
hábitos simples, gostam de sair à noite e estar com a família e amigos.
99
Verônica e Celso são casados há dois anos. Moram num apartamento de 3 quartos que é
próprio. Ela é economista, 35 anos e ele, ator, 38 anos. Ambos já foram casados. São
bastante cientes da sua privacidade, e procuram sempre preservá-la. Viajam sempre ao
exterior e frequentam cinemas, teatros e eventos culturais.
5.3 Temas
Para melhor organizar a interpretação dos significados dos objetos decorativos, optou-se
por dividir a interpretação por "temas". Estes temas são categorias de pensamento ou
conceitos que ajudam a explicitar ou definir determinados padrões simbólicos por detrás
dos discursos dos entrevistados. Eles servem então para ajudar a estabelecer "chaves
interpretativas" dos discursos dos informantes. Num segundo momento, estes temas podem
abrigar sub-temas, em que os conceitos-chave são desdobrados, a depender da
complexidade do conceito trabalhado ou dos discursos analisados.
"É o que falta para transformar o quarto confortável para mim. Falta isso, falta
personalizar, botar um quadro (...) Transformar o ambiente naquilo que
caracteriza mais a gente".
Neste discurso fica claro que é possível ter um determinado tema convivendo em duas
categorias, sem risco de incoerência interna do discurso. O informante associa conforto,
que quase sempre é uma questão de simples bem-estar físico, à personalização do espaço,
100
Portanto, apesar de os temas emergentes terem sido agrupados sob categorias que
acreditamos ajudem a organizá-los e a melhor pensá-los e interpretá-los, estas categorias
não são estanques e indivisíveis, podendo haver interpenetrações de significados.
Individualismo
Dentro da mesma lógica, o domínio da casa, por ser talvez o único verdadeiramente
privado e exclusivo, deve traduzir a identidade dos ocupantes através de objetos que
101
tenham sido por eles selecionados e estejam de acordo com suas preferências. Afirmações
do tipo "deixar a casa do nosso jeito", ou "a casa tem de ter a nossa cara" são frequentes
nos discursos dos informantes e revelam esta percepção de que a casa tem de espelhar os
donos, através da concretização de seus gostos e preferências na forma de objetos. Em
geral a seleção vai ocorrendo dentro de um longo período de escolha, até mesmo com a
ajuda de algum especialista, mas sempre com o aval do morador.
"Eu não admito esse negócio de arquiteto bom. A minha arquiteta tem muita
competência, mas na verdade o gosto tem que ser meu. Para mim é um
absurdo, tem gente que mora, mas para mim é inconcebível eu morar num
negócio que eu não dou um último palpite".
"Você sempre compra aquilo que gosta e quase sempre aquilo tem a sua cara.
A não ser que você peça para uma pessoa vir e decore teu apartamento, aí, eu
acho que você está mostrando para os outros 'olha só como é que eu sou
moderna, olha o que é que eu tenho', mas não é você. Aqui não. Eu acho que é
a nossa cara, porque a gente escolheu, a gente que viu".
Além disso, é evidente uma preocupação em esclarecer que a decoração da casa não segue
modelos e que ela é específica e irredutível a rótulos ou modismos.
"Eu acho que lá em casa não é clean nem moderno, não tem esta pretensão. (...)
Ela tem a pretensão de ser a nossa cara!"
No entanto, mesmo que se procure fugir de rótulos mais amplos, que ameacem a perda do
que é "característico", é possível identificar a utilização de algum tipo de referencial que
ajuda a definir esta individualidade mesma da decoração. Por exemplo, no depoimento
abaixo a informante recusa a cor preta no seu apartamento, baseada na categorização de
que esta cor "é suntuosa e sofisticada" e assim incompatível com o seu estilo de vida,
considerado "simples".
“(...) Preto é uma coisa muito sofisticada, geralmente é uma coisa muito
suntuosa, e eu acho que o apartamento é pequeno, eu sou nova e ele também
102
(...) Nós somos pessoas muito simples e achava que não combinava realmente
com o nosso estilo de casa. (...) Por isso é que a gente preferiu optar por esses
materiais que têm um estilo jovem”.
"Ah, eu acho que sempre revela. Eu acho que isto acontece quando as pessoas
vêm à minha casa. É uma forma de conhecimento".
"É uma roupa, né. Eu quero me vestir de um jeito que parecesse comigo e não
parecesse com o que se tem de parecer, sempre procurei uma coisa que falasse
em meu nome. (...) Então eu acho que você se revela por aí, óbvio que por mil
transformações. (...) Mas, revela, é uma roupa mesmo".
"Eu acho que não intencionalmente se quer mostrar, 'olha, eu sou isso que está
aqui'. Mas acaba ficando, porque você sempre coloca o seu gosto, as coisas que
você gosta, você sempre acaba passando aquilo que você é pelo que você tem
em casa, pelo que você escolhe".
"Tudo é pessoal. Eu acho que quem faz sou eu. Uma pessoa chega e pode olhar
uma coisa ou outra, mas a minha leitura é bem discreta, é mais para mim".
"Gosto das coisas diferentes. A decoração tem que ser diferente. A casa tem
que ter uma decoração que você não viu. Para mim tem que ser. Aquele
negócio de um armário, um sofazinho, a poltroninha e tal, não sei, vai parecer
que não é a minha casa. Todo mundo tem um sofá. Já o estrado que eu vou
mandar fazer, já é uma coisa mais diferente".
"Eu acho que é o detalhe que revela a personalidade... É, eu acho que sim.
Porque um sofá, você vai a uma loja que você compra e cem pessoas compram,
também, o mesmo sofá. Cada pessoa compõe a sua casa com outras coisas
também, em tons diferentes. O detalhe é o que enriquece o ambiente. Por
exemplo, eu vou a uma loja e compro uma televisão, mas se eu colocar uma
outra coisa em cima dessa televisão, ela já não vai ser igual àquela outra. O
detalhe é muito importante".
O que está claro aqui é a contraposição do domínio da produção, em que os produtos são
fabricados em série e sem a marca do humano, e o domínio do consumo, onde o indivíduo
é tudo, e a diferenciação, fundamental (ver Rocha, 1990, p. 66). Esta pode ser reconhecida
como uma das estratégias de "individualização" e “humanização” de produtos sem
identidade através de sua arrumação particular, de forma que, apesar dos elementos serem
indiferenciados, o conjunto seja único e singular.
O processo de "humanização" dos objetos pode atingir uma forma radical. Nos diversos
depoimentos citados abaixo são utilizadas metáforas de relações amorosas para definir o
relacionamento dos informantes com determinados objetos de casa. Estes exemplos
mostram bem a carga de emoção associada a alguns objetos considerados até triviais. Estas
emoções fazem com que eles sejam muitas vezes alvo de sentimentos que normalmente
somente seriam dedicados a pessoas, e são percebidos como "seres" merecedores de
atenção e cuidados.
"Sou apaixonada pela minha geladeira, eu namoro a minha geladeira, juro por
Deus! (...) Ela é um charme, ela é linda".
Histórias
No entanto, a "individualização" da própria casa não existe apenas para identificá-la como
sua. Os objetos que compõem a casa, à medida que são incorporados, têm o efeito de
servirem como "disparadores" de lembranças e de histórias passadas, histórias estas que
ajudam a compôr a própria trajetória pessoal dos envolvidos e a do próprio casamento.
Portanto, servem também para fortalecer a própria existência do casamento e para afirmar
a individualidade do seus membros. As narrativas baseadas nestes objetos servem para
lembrar experiências significativas e momentos importantes do casal, e fixar valores
comuns.
Narrativas são parte integrante fundamental de qualquer cultura, pelo seu potencial de
transmissão e fixação de valores, conceitos e categorias culturais. Incorporando este
potencial ao caso específico de histórias pessoais, narrativas são um mecanismo eficiente
de estabelecer emoções e sentimentos, e as recordações de acontecimentos ocorridos com
outras pessoas são mais vívidas quando "armazenadas" como histórias. Além disso, nossa
cultura valoriza muito o senso histórico. Países têm história, idéias têm história, pessoas
têm história. Toda nossa interpretação dos fatos cotidianos e da própria experiência pessoal
está baseada num sentido de encadeamento sequencial de fatos, e além disso, explicamos
todos os acontecimentos sociais e pessoais em termos de sucessão de causas e efeitos
definidos temporalmente, acreditando que o que fomos no passado define o que somos no
presente. Enfim, as histórias permitem a organização das nossas próprias percepções da
realidade, e em especial da nossa própria realidade
Então, nada mais natural que objetos sejam utilizados como recurso mnemônico para
ajudar a lembrar acontecimentos reputados como importantes. Eles podem ajudar a definir
a individualidade e a especificidade da pessoa, pois funcionam como referências
simbólicas do passado atuando no presente. Assim, fixam momentos importantes da
própria vida e ajudam a estabelecer e transmitir conceito sobre si mesmas.
106
A primeira função mnemônica dos objetos decorativos adquiridos com esta intenção é a de
servir para lembrar momentos positivos da vida. Em geral, e dependendo da trajetória de
vida de cada um, os objetos dizem respeito a experiências vividas pelo casal, mais do que
por algum deles separadamente. Isto ajuda a reforçar a experiência comum da vida a dois,
em parte por ser a decoração da casa um projeto de ambos, e em parte pelo fato de o
casamento representar um novo status social e pessoal, representando uma ruptura
fundamental com o passado.
“Eu gosto de me lembrar das coisas que eu fiz. Das coisas gostosas. São
Lourenço me dá aquele ar de nostalgia, saudade. Sempre quando eu fui lá,
sempre foi bom, nunca tive problemas. Então, eu tenho que trazer um
pouquinho de São Lourenço para cá". (...) E isto em todos os lugares. A gente
trouxe um monte de coisas dos Estados Unidos. Se foi bom, tem que trazer
lembranças".
Outro entrevistado possui uma coleção de 300 itens de diversos objetos dedicada quase
exclusivamente a servir de referencial mnemônico para sua trajetória de vida.
"Eu tenho uma vitrine enorme que eu fiz para guardar uma coleção de
miniaturas, sem tema específico, ela tem carrinhos, bonequinhos de
personagens do século XX, de artista de cinema, de personagem de historinhas
em quadrinhos, deve ter uns 300. (...) Eu gosto de ficar olhando para um monte
de figurinhas tridimensionais que você comprou em vários lugares diferentes,
aquela bobagem, comprar o bonequinho, lembrar do lugar, lembrar da
história".
107
"(O processo de decorar é importante) para ter história, (...) para ter uma
lógica para história. Você se coloca dentro da história e diz que você atuou,
você viu todos os pontos, os objetos você encontrou aqui e porquê, naquela
hora quando compramos e foi juntando tudo, até que tudo no conjunto deu
alguma coisa legal (...) apesar de estar espalhado, comprado cada coisa num
lugar, de repente em cidades diferentes, no final foi a gente que comprou e
tudo tem uma história".
O processo de decorar a casa, tal como compreendido por este depoimento, é um processo
fechado que termina quando todos os móveis estão comprados.
No entanto, a decoração de uma casa pode ser entendida como um processo contínuo e
interminável, evoluindo de acordo com a própria dinâmica da vida a dois. Assim,
argumenta um casal informante:
Ele: "Como este projeto é de longo prazo, eu acho legal você brincar com este
longo prazo, (...) Talvez não fosse tão bom se você pegasse todo o dinheiro e
jogasse e tudo para ficar pronto dois meses, e pronto! Eu acho mais gostoso
você ir achando. E a casa é ir vivendo junto mesmo, o projeto em si. É por isso
que eu acho que é demorado mesmo".
Ela: "Nunca vai chegar um ponto e a casa vai estar pronta. Claro que não, por
que a casa acompanha sua vida, a não ser que você pare de viver".
108
Assim, pode-se entender que o processo de decorar não apenas serve como balizador e
referencial para a geração de histórias, mas acaba por se tornar parte da dinâmica do
casamento, na forma de experiências a dois que são continuamente renovadas na busca da
melhoria do espaço da vida em comum.
No entanto, o maior engajamento masculino está na atividade de decorar. Talvez por não
envolver esforço físico nem habilidades especiais, e possuir um certo glamour, pois afinal
de contas decoração envolve gosto e senso estético. Todos os homens entrevistados
participam ativamente nas compras relacionadas à casa: vão às lojas com as esposas,
conferem preços, verificam a qualidade dos objetos, escolhem cores, etc. Surge ainda a
preocupação com o arranjo do espaço arquitetônico da casa:
mesmo com uma maior participação masculina, compras de objeto de decoração ainda são
fortemente baseadas nos critérios e preferências da esposa.
O espaço masculino
Ele: "O escritório foi idéia minha. Na planta original estava fechado, era um
quarto de empregada. (...) Como ela já estava planejando a casa toda, o
escritório era meu".
"De repente trabalhar mais tarde com alguma coisa. Botar um fax, a Internet, e
usar. Talvez, não sei, de repente, botar uma poltroninha para ficar lendo
alguma coisa”.
Cozinha a dois
Todos os entrevistados descrevem sua própria cozinha como prática e funcional e é um dos
lugares da casa menos discutidos em todas as entrevistas. Apesar do reconhecimento geral
de que o homem participa de alguma das atividades culinárias da casa, é visível que a
ajuda dele na cozinha é apenas uma maneira de diminuir o peso de uma atividade
aborrecida, e fundamentalmente feminina. Apesar do aparente maior envolvimento do
homem na cozinha, isto não é de nenhuma maneira considerado uma atividade prazerosa e
geradora de prazer e satisfação. O envolvimento do homem na compra e no arranjo de
objetos de cozinha é mínimo, sendo que aqui se identifica o menor grau de envolvimento
masculino de todos os ambientes da casa.
Ele: “Eu gosto de fazer algo rápido, e prático também. Não gosto de prato
elaborado. (...) Gosto de fazer coisas diferentes, contanto que não demorem
muito”.
Ela: “Mulher moderna não fica mais dentro da cozinha, fica na cama, no
quarto, na sala, decorando a casa. Mulher moderna não entra na cozinha,
homem moderno não entra na cozinha”.
“Nossa cozinha é prática. (...) Apesar de ela ser toda branca e o piso dar um
pouquinho de trabalho, ela é prática. Por que o que acontece na cozinha? É só
varrer, passa um paninho, pronto, ela está limpa. Você só tem que ter
disposição de varrer e passar o paninho”.
Hedonismo
Como já foi comentado, existe uma tendência atualmente bem marcada de se dedicar a
maior parte do tempo disponível de lazer para se ficar em casa. Esta é a idéia de se "curtir"
a própria casa, evitando assim a agressividade percebida no mundo "público", faz com que
as pessoas despendam bastante tempo e dinheiro aparelhando a própria casa, de forma a
fazer com que o "cantinho" se torne um lugar tranquilo, confortável e "aconchegante",
contrapondo-se a um mundo "lá fora" tumultuado, confuso e hostil. Este é o espaço para
um certo tipo de hedonismo, uma busca de prazer e de conforto físico e mental, dentro do
universo restrito da intimidade da casa.
A casa se torna o lugar que se pode ser você mesmo, sem interferências, o espaço
privilegiado para si mesmo, um refúgio para onde se volta escapando das tensões e
112
exigências de uma vida urbana moderna estressante. Mas um refúgio pelo qual que tem de
se lutar para manter preservado e distanciado da realidade.
"Eu acho bem legal fazer a sua casa, gostar da sua casa, gostar de voltar para
sua casa, lutar sempre para não deixar que interfiram tanto nisso, ter um
horário para você, para seu lugar, é a 'toca'. (...) É o lugar para você ficar
mesmo meio isolado".
"Tem ser aquele ambiente em que você se sinta à vontade e não precise do
mundo. Ou seja, você entrou ali e se fechou, mas está também na sua
intimidade, está com tudo que você precisa ali, está satisfeito, e fica bem ali".
"O passar dos anos te permite ter um espaço mais teu. Você com 18 anos, com
sorte, tem um quarto, quando você tem um pouco mais, você racha com três
amigos, depois de uma idade, você vai começando, digamos assim, a colocar
conforto para tuas manias. Então, se você gosta de ver vídeo, você já vai ficar
com uma televisão mais legal e um sofá mais legal, ou se você escreve, um
computador".
seleção de móveis. O conforto é tão dominante que chega a ser considerado o elemento
que reúne e dá harmonia aos diversos cômodos da casa:
5.4 Conclusões
A intenção desta investigação, de escopo limitado, era oferecer um roteiro básico de como
funciona uma pesquisa qualitativa de fundo interpretativo, nos seus aspectos de
levantamento, registro e análise de informações, visando ao maior conhecimento de um
determinado aspecto do consumo. No caso, foram estudados os aspectos simbólicos
associados ao consumo de objetos decorativos de alguns casais de classe média sem filhos.
Esta dissertação se propôs justamente a ajudar a aplainar este caminho, articulando quatro
etapas consecutivas das possibilidades da Antropologia no estudo do consumo: contribuir
na investigação de suas bases epistemológicas; apresentar a teoria e prática que
caracterizam a Antropologia como um empreendimento científico específico;
redimensionar algumas teorias antropológicas de forma a realçar uma leitura reveladora
sobre o que é consumo; e por fim, propor uma pesquisa que demonstre a potencialidade da
antropologia interpretativista no estudo de uma, digamos assim, "situação real de
consumo".
• Consumo destes objetos em outros estágios do ciclo de vida de casais, tais como nova
residência, primeiro filho, ou quando os filhos já estão criados;
nas práticas quotidianas dos consumidores, e muitos estudos podem ser realizados tanto em
ambientes de compra, quanto em situações de consumo propriamente dito de objetos.
117
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