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BOTTOMORE
Lente de Sociologia da Universidade de Londres
AS ELITES
E A SOCIEDADE
Tradução de
Segunda edição
ISBN: 85-245-0064-6
ZAHAR EDITORES
RIO DE JANEIRO – 1974
Nota de Esclarecimento
Caro(a) leitor(a)
Atenciosamente.
Projeto Prometheus.
ÍNDICE
2. V. Pareto, The Mind and Society, III, pp. 1422-3 (tradução inglesa do seu
Trattato di Sociologia Generale).
4. Lausanne, 1896-7.
5
Em Les systèmes socialiste foi adiante, argumentando, em primeiro
lugar, que se os indivíduos fossem agrupados de acordo com outros
critérios, tais como nível de inteligência, aptidão para a Matemática,
talento musical, caráter, etc., provavelmente resultariam curvas de
distribuição semelhantes às da riqueza; e, em segundo lugar, se fossem
agrupados de acordo com seu grau de poder ou influência política e
social, verificar-se-ia, na maioria das sociedades, que todos ocupariam
os mesmos lugares nessa hierarquia que na hierarquia de riquezas.
"As chamadas classes altas são também em geral as mais ricas. Essas
6
classes representam uma elite, uma 'aristocracia'..."
6. Op. cit., p. 28.
7. Caetano Mosca, The Ruling Class. Esta versão inglesa, organizada por Arthur
Livingston, é uma fusão e reordenação de capítulos de duas edições
separadas do Elementi di scienza política de Mosca (1ª ed., 1896, 2ª ed., revista e
aumentada, 1923). Um ótimo estudo recente da obra de Mosca — J. H. Meisel, The
Myth of the Rulíng Class — deixa claro já ter Mosca formulado os elementos
fundamentais de sua doutrina em seu primeiro livro, Sulla Teoria del gocerni e sul
governo parlamentarei Studi storici e sociali (Turim, 1884), e mostra como foi essa
doutrina desenvolvida e aperfeiçoada em seus trabalhos posteriores. Meisel
também discute, com muita imparcialidade (op. cit., cap.8), as relações entre as
idéias de Mosca e Pareto, e demonstra que este último dificilmente pode ser
acusado de puro plágio (como alegou Mosca); todavia, a descrição final
de Pareto da elite governante parece realmente dever algo à doutrina de
Mosca.
Mosca explica o domínio da minoria sobre a maioria pelo fato daquela ser
organizada. "... o domínio de uma minoria organizada, obedecendo ao
mesmo impulso, sobre a maioria desorganizada, é inevitável. O poder de
qualquer minoria é irresistível ao se dirigir contra cada um dos membros
da maioria tomado isoladamente, o qual se vê sozinho face à totalidade
da minoria organizada. Ao mesmo tempo, a minoria é organizada
exatamente por ser uma minoria" — e também pelo fato da minoria ser
geralmente composta de indivíduos superiores — "... os membros de
uma minoria dominante sempre possuem um atributo, real ou aparente,
que é altamente valorizado e de muita influência na sociedade em que
vivem".9
9. Ibid., p. 53.
15. Cf. Meisel, op. cit., p. 303 "... como as classes marxistas, as forças sociais de
Mosca refletem de perto todas as mudanças econômicas, sociais, culturais, de uma
civilização que se expande. Cora cada nova necessidade surgem novas forças sociais
para enfrentar o desafio e reclamar sua fração de poder dos velhos interesses
estabelecidos".
Os estudos posteriores sobre as elites acompanharam de perto Pareto
e Mosca, especialmente este último, em sua preocupação com as
questões relacionadas com o poder político. Assim, H. D. Lasswell, tanto
em seus trabalhos iniciais, que foram recomendados pelo próprio Mosca,
quanto mais recentemente nos Estudos do Instituto Hoover sobre elites,
tem-se dedicado principalmente ao estudo 'da elite política, definida nos
seguintes termos: "A elite política compreende os detentores do poder de
um organismo político. Os detentores do poder incluem a liderança e as
formações sociais das quais surgem normalmente os líderes e às quais
estes prestam contas durante um determinado período".16
19. Isso foi também proposto por Raymond Aron em seu artigo "Classe sociale,
classe politíque, classe dirigeante", European Journal of Sociology, I (2), 1960; e sigo
suas sugestões até certo ponto.
25. Karl Mannheim, Ideology and Utopia (1929, tradução inglesa 1936), p. 119.
[18]Porém isso não significa que a sociedade não seja democrática, pois
basta para caracterizar uma democracia que os cidadãos, embora
impossibilitados de participar diretamente do governo o tempo todo,
tenham ao menos a possibilidade de tornar suas aspirações sentidas em
intervalos regulares".26
28. Raymond Williams, Culture and Society (Penguin Books edit), 236.
30. M. Kolabinska, op. cít., p. 5. S. F. Nadei, em seu ensaio sobre "The Concept of
Social Elites", International Social Science Bulletin VIII (3), 1956, acentua, também, a
"superioridade social" como o traço que caracteriza uma elite, sem perceber o
elemento ideológico contido nessa concepção.
[22]CAPÍTULO II
3. Vide Marc Bloch, Feudal Society, Vol. II, 3.a parte, cap. I.
5. Ver W. L. Guttsman, The Brítish Political Elite, cap.3 — "The changing social
structure of the British politícal elite: 1868-1955".
12. Carl J. Friedrich, The New Image of the Common Man, pp. 259-60.
Mills rejeita essa doutrina tão à moda liberal, a qual assim sintetiza:
"Longe de serem onipresentes, as elites são consideradas tão dispersas
que não possuem nenhuma coerência como força histórica..., Os
ocupantes dos postos formais de autoridade são de tal forma mantidos
em xeque-mate pelas outras elites exercendo pressão, pelo público como
eleitorado ou por códigos constitucionais — que, embora possa haver
classes altas, não há classe dominante; embora possa haver homens de
poder, não há uma elite do poder; embora possa haver um sistema de
estratificação, este não possui, de fato, uma cúpula".14
18. Como observou Croce a propósito de toda a teoria do materialismo histórico: "A
visão materialista da história surgiu da necessidade de explicar um fenômeno social
definido, não de um estudo abstrato acerca dos elementos da vida histórica". B. Croce,
Historical Materialism and the Economics of Karl Mane, p. 17.
Isso serve também como prova, vendo a questão por outro ângulo,
de que a classe alta na Grã-Bretanha se tem mostrado capaz de resistir
com bastante sucesso aos ataques contra seus interesses econômicos, e
que nesse sentido, da posse do poder necessário para defender seus
interesses, tem-se mantido durante este século como uma classe
dominante. A situação nos demais países democráticos, com exceção dos
escandinavos, não é muito diferente. Em todos eles, governos de direita
têm estado no poder durante quase todo este século, e a redistribuição
de riquezas e rendimentos tem-se dado lentamente, se tanto. Assim, não
há como deixar de ser cético em relação à idéia de que a extensão do
direito de voto à massa da população pode estabelecer imediatamente —
ou tenha[40] estabelecido de fato, no curto período de tempo em que
existem as democracias modernas — o domínio popular, eliminando o
poder da classe dominante. O que parece ter acontecido nos países
democráticos até agora não é tanto a redução do poder da classe alta, e
sim a diminuição do radicalismo da classe trabalhadora.
O segundo tipo de situação em que existe um desvio em relação ao
modelo de "classe dominante — classes dominadas" é aquele no qual o
grupo dominante não é uma classe no sentido emprestado por Marx ao
termo. Um exemplo é fornecido pelas sociedades em que uma camada
de intelectuais ou de burocratas pode ser considerada detentora "do
poder supremo — na China sob o domínio dos literati ou na índia sob o
domínio dos brâmanes. Outro exemplo pode ser encontrado nos países
comunistas de hoje, onde o poder está concentrado nas mãos dos chefes
de um partido político. Nesses casos, entretanto, precisamos examinar
cuidadosamente até onde o estrato dominante é facilmente distinguível
de uma classe dominante. Na Índia, os brâmanes, na época em que
eram mais poderosos, eram também importantes proprietários de terra,
e nos períodos imperial e feudal da história da índia estavam
estreitamente aliados às castas guerreiras de proprietários de terra. Por
vezes, eles próprios fundavam casas reais ou nobres, e parece ter
havido, algumas vezes, certa mobilidade de indivíduos entre as castas
brâmane e xátria (guerreira), que as doutrinas de impermeabilidade de
castas expostas nos textos clássicos não registram.
Também na China os literati eram recrutados, no período feudal, no
seio das mais importantes famílias proprietárias de terras, e, em outras
23
épocas, principalmente dentre as famílias ricas; assim, estavam
sempre estreitamente ligados à classe alta.
25
Um dos principais instrumentos de produção na China e na índia (e em
muitas[41] outras sociedades antigas) era o sistema de irrigação; e os
literati e brâmanes, sem serem donos desse bem do qual dependia a
produção econômica, exerciam entretanto um controle mais ou menos
completo sobre seu uso.
[44]CAPÍTULO III
1. The Mind and Society, III, p. 1430. A idéia é formulada em termos quase
idênticos em seu livro anterior, Les systèmes socialistes, pp. 28-30.
2. De acordo com Pareto as principais esferas de ação lógica são a econômica (ou
dos negócios) e a científica. Ele exagera a racionalidade do comportamento nessas
esferas, especialmente na primeira, e subestima o grau de racionalidade em outras
formas de ação social, como por exemplo na política.
4. Cf. Kolabinska, op. cit., p. 9, "Em geral, as elites que recebem elementos
estranhos ficam em posição melhor para manter-se que as que excluem tais
elementos".
9. William Miller, "American Historians and the Business Elite" em William Miller
(organizador), Men in Business. Esse ponto de vista é confirmado por um estudo
comparativo do recrutamento de elites, o qual conclui que nenhum dos quatorze
países sobre os quais se dispõe de dados apresenta um movimento digno de
consideração entre o estrato da população composta dos trabalhadores manuais e os
níveis mais altos. Ver S.M.Miller, "Comparative Social Mobility", Current Sociology, IX
(I), 1960.
13. Ver especialmente W. L. Guttsman, The British Political Elite; e o estudo sobre
os deputados franceses de Mattei Dogan, em Dwaine Marvick (organiz.), Political
Decision-Makers.
[63]CAPITULO IV
3. Ver Jacques Le Goff, Les intellectuels au Moyen Age, e Karl Mannheim, "The
Problem of the Intelligentsia" em Essays on the Sociology of Culture.
4. Seus livros são em russo e não foram traduzidos. Suas idéias foram expostas
pela primeira vez em inglês por Max Nomad em Rebels and Renegades, donde extraí
este relato.
7. Alain Girard (org.), La réussite sociale en France, pp. 239-40. Como observa o
organizador, seria interessante obter material semelhante de diversos países a fim de
estabelecer uma base para comparar o prestígio e influência dos intelectuais em
diferentes meios. Infelizmente isso ainda está por ser tentado ou mesmo considerado.
O simpósio mais recente sobre os intelectuais, volumoso e cheio de minúcias — The
Intellectuals: A Controversial Portrait, organizado por G. B. de Huszar — ainda se baseia
em grande parte em relatos impressionistas de seu papel social.
15. Cf. C. Wright Mills, The Power Elite (p. 133), "A carreira burocrática
propriamente dita não significa apenas subir de nível em nível numa hierarquia de
cargos. De fato significa isso, porém, o que é mais importante, significa também
estabelecer exigências estritas e unilaterais para ocupar cada cargo. Em geral essas
exigências incluem tanto um treinamento formal específico quanto exames de
habilitação".
21. Esse estudo será publicado sob o título Bureaucracy and Social Classes in
France.
25. Carl J. Friedrich, The New Image of the Common Man, pp. 257-8.
[84]CAPÍTULO V
7. Raymond Aron, "Social Structure and the Ruling Class", Brítísh Journal of
Sociology, I (2), 1950, p. 135.
8. Mosca, op. cit., p. 70. "... as classes dominantes não justificam seu poder
exclusivamente pelo fato em si da posse, mas procuram encontrar uma base moral e
legal para o poder, apresentando-o como a conseqüência lógica e necessária de
doutrinas e crenças reconhecidas e aceitas de modo geral... Essa base legal e moral, ou
princípio, na qual repousa o poder da classe política, é o que alhures denominamos ... a
'fórmula política'."
10. Para uma discussão geral dos fatores envolvidos ver S. E. Finer, The Man
on Horseback; especialmente os caps. 8 e 9 sobre os países subdesenvolvidos.
13. Edvvin Lieuwen, op. cit., p. 132. Os exemplos fornecidos são a Bolívia em 1936,
a Guatemala em 1944, a Argentina em 1943 e a Colômbia em 1953.
14. Ver, por exemplo, o estudo das Nações Unidas, Community Development
and Economic Development (Bancoque, 1960).
[101]CAPÍTULO VI
2. Ibid., p. 200.
5. Ibíd., p. 285.
7. Até o presente, entretanto, a teoria dos jogos tem sido mais utilizada no estudo
de conflitos internacionais, especialmente nos jogos de guerra" muito em voga
atualmente. Sua utilização nesse campo f examinada criticamente em Raymond Aron,
Paix et Guerre entre les nations, Note finale, "Stratégie rationnelle et politíque
raisonnable" , pp. 751-70.
8. Raymond Aron, "Social Structure and the Ruling Class", British Journal of
Sociology, I (1), p. 10.
11 Ver acima, cap. III. Ver também W. L. Guttsman, The British Political Elite, cap.
XI, onde se mostra o número pequeno de indivíduos em condições de tomar parte na
formulação de diretrizes políticas nacionais. Na Grã-Bretanha há um pequeno grupo de
"os bons e os grandes" — no máximo alguns milhares de pessoas, oriundos pre-
dominantemente da classe superior da sociedade — que participam do trabalho de
comitês consultivos, Comissões Reais e outros órgãos públicos semelhantes.
14. Ver, sobre essas questões, Georges Friedmann, The Anatomy of Work.
17. T. S. Eliot, Notes Towards the Definition of Culture. Eliot critica a idéia de
Mannheim segundo a qual as elites nas sociedades modernas podem executar
adequadamente as funções das antigas classes dominantes, sem notar que o próprio
Mannheim já formulara a crítica. Na verdade, Mannheim parece nunca ter chegado a
uma visão definitiva do lugar das elites na sociedade moderna. As vezes ele argumenta
a favor da competição entre elites como uma salvaguarda para a democracia; outras
vezes advoga o domínio duma única elite composta de intelectuais; e finalmente
sugere que nenhuma elite, ou grupo de elites, pode assegurar a estabilidade política
a não ser assumindo as características duma classe dominante, possivelmente
associando-se com uma classe alta existente, tornando-se um grupo hereditário e
proprietário. A única concepção excluída inteiramente por Mannheim é a duma
sociedade igualitária, sem classes.
18. Raymond Aron, "Social Structure and the Ruling Qass", British Journal of
Sociology, I (2), p. 129.
[116]CATÍPULO VII
Igualdade ou Elite?
Não podemos afirmar com nenhuma certeza até onde têm correspondido
entre si esses dois tipos de desigualdade na maioria das sociedades
existentes até os tempos modernos. A teoria da circulação de elites
pretendia entre outras coisas sugerir haver a correspondência; que os
indivíduos mais capazes em toda sociedade conseguiriam penetrar na
elite ou formar uma nova elite que no seu devido tempo tomar-se-ia
preeminente. Mas já vimos anteriormente que o testemunho histórico
apresentado a favor dessa tese é muito inconcludente, e os dados mais
abundantes existentes para o caso das sociedades modernas (que em
geral se considera apresentarem um volume excepcional de mobilidade
social) não a confirmam. As principais desigualdades no seio da
sociedade são fundamentalmente produtos sociais, criados e mantidos
pelas instituições da propriedade e herança, do poder político e militar, e
apoiados em crenças e doutrinas particulares, embora nem sempre
resistam inteiramente às ambições de indivíduos fora do comum.
Essas considerações conduzem ao terceiro ponto que preciso colocar
acerca do caráter dos argumentos igualitários. Como[118] nem a
desigualdade nem a igualdade são fenômenos naturais, que os homens
têm de aceitar sem contestações, a defesa de uma ou de outra não
consiste na apresentação duma argumentação científica baseada
inteiramente em fatos concretos, mas na formulação dum ideal moral e
social. Nós podemos optar pela igualdade e, embora ao fazê-lo
precisemos prestar atenção aos fatos objetivos que digam respeito à
praticabilidade do ideal e aos meios apropriados para alcançá-lo, a
justificativa fundamental da nossa opção não consiste ela mesma num
fato objetivo, mas numa convicção baseada no raciocínio de que a
procura da igualdade provavelmente conduzirá a uma sociedade melhor.
Ao utilizar a palavra "nós" pretendo referir-me especificamente aos
homens que vivem nas sociedades do século XX; pois era difícil em
qualquer época anterior criar uma concepção prática duma forma estável
e durável de sociedade igualitária, devido à insegurança da vida
econômica, à ausência de meios eficazes de comunicação, à educação
inadequada, e à falta de conhecimentos acerca de estrutura social e
caráter individual. O século XX é o único a oferecer aos homens, pela
primeira vez, a oportunidade e os meios de moldar a vida social de
acordo com os seus desejos; e ele é, por esta razão, ao mesmo tempo
repleto de esperanças e terrível.
Não pretendo aqui expor os argumentos morais a favor da
igualdade,2 mas considerar os problemas sociais e políticos que
dificultam seja ela atingida, e as críticas, com exceção das objeções
morais, apostas pelas teorias de elite.
5. Ver, por exemplo, sua discussão no Capital, Vol. I, dos meios de superar os
efeitos danosos da 'divisão do trabalho, e no Capital, Vol. III, das condições de
liberdade humana; seus encômios à Comuna de Paris por sua instituição de um genuíno
antogoverno democrático, em The Civil War in f rance; e seus comentários sobre o
programa do Partido dos Trabalhadores Socialistas da Alemanha em Critique of the
Gotha Programme.
Sob esse aspecto uma sociedade sem classes é definida como aquela
onde os homens possam exercer um controle muito maior, e igual, sobre
seus destinos individuais; onde se libertem da tirania de suas próprias
criações, tais como o Estado e a burocracia, o capital e a tecnologia;
onde seriam produtivos ao invés de aquisitivos; onde encontrariam
prazer e apoio na cooperação social com outros homens, e não
antagonismo e rancor na competição com eles. Marx nem sempre se
expressou com o mesmo otimismo acerca da possibilidade de se atingir
uma sociedade nessas condições,6 mas nunca deixou de considerá-la
como um ideal.
6. Por exemplo, na passagem sobre a liberdade humana no Capital, Vol. III, Marx
declara ser a esfera da produção econômica um domínio da necessidade "sob qualquer
possível modo de produção". "O domínio da liberdade só começa, de fato, onde cessa o
trabalho determinado pela necessidade e por propósitos exteriores; está, portanto, por
sua própria natureza, fora da esfera da produção material propriamente dita".
7. Marx refere-se aqui aos Jovens Hegelianos, que denominavam sua filosofia
hegeliana modificada de "criticismo crítico".
12 Para uma breve descrição do sistema iugoslavo, ver Fred Singleton e Tony
Topham, "Yugoslav Worker's Control: The Latest Phase", New Left Review (18), pp. 73-
84.
Não parece haver nenhuma razão para supor que nas sociedades
industriais avançadas, que não precisam empenhar-se na árdua tarefa de
acumulação primária de capital, o controle da economia como um todo
por uma autoridade planejadora central precise ser mais rigoroso ou
autoritário sob um sistema de apropriação pública, tal como o que acabei
de expor, do que sob um sistema de iniciativa privada; pois em ambos
os casos haverá problemas muito semelhantes a serem enfrentados e
técnicas semelhantes podem ser empregadas. Na França, por exemplo,
os planejadores do pós-guerra têm tido poderes muito consideráveis e
não têm sido sujeitos a qualquer controle de perto por parte dos
representantes eleitos do povo. Na Grã-Bretanha, o Conselho Nacional
para o Desenvolvimento Econômico recentemente criado, para que suas
atividades tenham de fato um sentido, será obrigado a propor restrições
e incentivos a serem aplicados pelo governo central, os quais provocarão
o tipo e o nível desejado de crescimento econômico.
Essas considerações são suficientes, creio eu, para lançar sérias dúvidas
sobre as afirmações de Aron de que seria impossível alcançar, numa
economia coletivista, uma genuína descentralização do poder, ou escapar
à uniformização intelectual e cultural. É verdade, evidentemente, que
mesmo numa sociedade sem classes que tivesse levado bem longe a
descentralização, e na qual medrassem numerosas associações
independentes, existiria um mínimo de concordância fundamental entre
os membros da sociedade em torno das características gerais de
sua[128] organização. Porém, isso não pode deixar de ser assim em
qualquer sociedade que espere manter-se, e, como vimos, aqueles que
imaginam a democracia escorada por uma pluralidade de elites
competindo entre si, ainda assim não deixam de fazer uma observação
no sentido de que a competição não deve ser exagerada, e de que
precisa haver um consenso de opinião subjacente a ela. A esperança
daqueles que advogam a igualdade é que a experiência de vida numa
sociedade que se estivesse aproximando rapidamente deste ideal
persuadisse os homens, finalmente, de seu valor. Caso isso ocorresse,
continuariam a existir toda espécie de divergências intelectuais quanto à
escolha dum modo de vida pessoal, mas haveria um acordo geral quanto
à conveniência da igualdade social e da oposição àquelas desigualdades
que produzem e mantêm distinções duradouras entre categorias inteiras
de homens.
Permitam-me agora retornar a outro problema suscitado pela concepção
de Marx duma sociedade sem classes. De acordo com Marx, a divisão do
trabalho não só é em si um impedimento ao pleno desenvolvimento de
cada indivíduo, uma forma de sujeição, mas é também a fonte donde
surgem as principais classes sociais, as quais estabelecem limitações
ainda mais fortes à liberdade humana. A divisão do trabalho precisa,
portanto, ser "superada", isto é, ser abolida e ultrapassada. Mas será que
faz sentido falar em "abolir" a divisão do trabalho numa moderna
sociedade industrial? À primeira vista, o problema parece mais
inabordável hoje do que na própria época de Marx, pois a especialização
de ocupações, inclusive de ocupações intelectuais, tem-se processado
com rapidez, e na esfera da produção industrial em massa a subdivisão
de tarefas chegou a um ponto onde o operário individual parece cada vez
mais um apêndice à máquina, cujo trabalho diário limita-se à execução
de uns poucos movimentos simples, mecânicos e repetitivos. Entretanto,
tem havido outras mudanças no trabalho, e toda uma nova gama de
possibilidades pode ser entrevista agora, tornando muito mais plausível a
visão de Marx do futuro. Primeiro, tem havido mudanças na natureza das
ocupações, provocadas pelo desenvolvimento da automatização. O efeito
da automatização é eliminar o operário na linha de montagem e
substituí-lo por um indivíduo mais instruído e responsável cuja função é
supervisionar cadeias de produção muito complicadas que[129] são
controladas em detalhe por máquinas. Atualmente, essas mudanças
afetam apenas uma pequena parte da indústria, mas elas se tornarão
cada vez mais importantes. Segundo, a alta produtividade da indústria
moderna já tornou possível uma redução nas horas de trabalho, e seu
ritmo de crescimento acelerado fará com que todos os países industriais
avançados sejam capazes, na próxima década ou na seguinte, de
estabelecer uma semana de trabalho de cerca de vinte e cinco a trinta
horas. Esses países estão a ponto de produzir um fenômeno novo e
revolucionário; ou seja, uma "classe ociosa" compreendendo toda a
população. Nos E.U.A. os primeiros sinais disso já podem ser percebidos;
em 1962, por exemplo, a filial de Nova York da Associação Internacional
de Trabalhadores em Eletricidade conseguiu para seus membros um dia
de trabalho básico de cinco horas e uma semana de vinte e quatro
horas.13
14. Alfred Marshall, "The Future of the Working Classes", em A. C. Pigou (org.),
Memoriais of Alfred Marshall, pp. 101-18.
16. A Study of History, Vol. III, p. 239. Todavia, no seu volume final, quando
reexamina sua obra, Toynbee aproxima-se mais das teorias de elites, ao dizer: "Por
minoria criadora pretendo designar uma minoria dirigente em que a faculdade criadora
da natureza nu-mana encontra oportunidades de expressar-se através de ação efetiva
em benefício de todos os participantes da sociedade ... Por minoria dominante refiro-
me a uma minoria governante que se impõe menos pelo fascínio que pela força" (op.
cit., Vol. XII, Reconsiderations, p. 305).
Todavia, ela pode ser encontrada. Até agora não temos nenhuma
experiência direta do modo de vida numa sociedade igualitária, e não
podemos fazer mais além de estimar a probabilidade dela ser capaz de
criar e preservar um alto nível de cultura. A criação é um ato individual,
mas é facilitada por um entusiasmo e vitalidade geral na sociedade como
um todo, e podemos racionalmente supor ser uma sociedade igualitária,
onde exista uma disponibilidade de tempo generalizada e onde os
indivíduos seriam encorajados a desenvolver seus talentos, pelo menos
tão criadora quanto aquelas que realizaram grandes coisas em períodos
anteriores, quando as condições econômicas e a estrutura de classes da
sociedade estariam sofrendo rápida transformação. Quanto à
conservação e transmissão duma cultura superior, podemos
perfeitamente discordar da visão segundo a qual ela tem sido e precisa
ser primariamente tarefa da família. No passado, muitos outros grupos
sociais — associações religiosas, escolas filosóficas, academias — têm
sido pelo menos tão importantes quanto a família na transmissão de
cultura; a família, i.e., as famílias da classe superior da sociedade têm
em geral passado[134] do adiante, se é que o fazem, algo conservado e
mantido vivo alhures, por associações que não gozavam de nenhuma
grande estabilidade, quanto a seus membros, de geração a geração.
Numa sociedade sem classes a distância entre a cultura superior e os
tipos inferiores de cultura seria menor, e as diversidades regionais e
locais poderiam tornar-se mais pronunciadas; e a herança cultural seria
transmitida, mais ainda que no passado, por instituições educacionais e
associações voluntárias de todo gênero, e menos que antes através de
determinadas famílias. É possível, também, que a conservação da
cultura, interligada nas sociedades de hoje inextricavelmente à
manutenção de privilégios de classe, seria menos acentuada — ou pelo
menos mudaria sua fisionomia — vindo a ser aceita como um dado
inicial; ao passo que o poder de criar novas formas de cultura, de realizar
novas descobertas nas artes e nas ciências seria mais considerado e
encorajado.
Os teóricos das elites defendem, por esses diversos meios, o legado
das sociedades não-igualitárias do passado, embora fazendo concessões
ao espírito igualitário. Insistem enormemente na distinção absoluta entre
dirigentes e dirigidos, apresentada como uma lei científica, mas conciliam
a democracia com esse estado de coisas, definindo-a como uma
competição entre elites. Aceitam e justificam a divisão da sociedade em
classes, mas procuram tornar essa divisão mais aceitável, descrevendo
as classes superiores como elites e sugerindo serem as elites compostas
dos indivíduos mais capazes, independente de suas origens sociais. Sua
causa depende, em grande parte, da substituição da idéia de igualdade
pela de igualdade de oportunidades. Porém esta última noção, além de
possuir um significado moral bem diferente, é na verdade
autocontraditória. Igualdade de oportunidades, no sentido em que é em
geral utilizada a expressão, pressupõe desigualdade, visto como
"oportunidade" quer dizer "a oportunidade de ascender a um nível mais
alto duma sociedade estratificada". Ao mesmo tempo, pressupõe
igualdade, pois implica que as desigualdades engastadas nessa
sociedade estratificada precisam ser neutralizadas em cada geração a fim
de os indivíduos poderem realmente desenvolver suas aptidões pessoais;
e toda investigação acerca das condições de igualdade de oportunidade,
por exemplo na esfera da educação, tem[135] mostrado quão forte e
generalizada é a influência sobre as oportunidades de vida das
enraizadas distinções de classe social. A igualdade de oportunidades só
se concretizaria numa sociedade sem classes ou elites, e, então, essa
noção seria, ela mesma, sem sentido, pois as oportunidades de vida
equivalentes dos indivíduos em cada nova geração seria um fato
positivado, e a idéia de oportunidade significaria não o esforço para
ascender a uma classe social superior, mas a possibilidade de cada
indivíduo desenvolver plenamente aquelas qualidades de intelecto e
sensibilidade que possui como pessoa, numa associação sem peias com
outros homens.