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Goiânia
2012
TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR AS TESES E
DISSERTAÇÕES ELETRÔNICAS (TEDE) NA BIBLIOTECA DIGITAL DA UFG
Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a
disponibilizar, gratuitamente, por meio da Biblioteca Digital de Teses e Dissertações (BDTD/UFG),
sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei nº 9610/98, o documento conforme
permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou download, a título de divulga-
ção da produção científica brasileira, a partir desta data.
1
Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. A extensão deste prazo suscita
justificativa junto à coordenação do curso. Os dados do documento não serão disponibilizados durante o período de
embargo.
MARIA APARECIDA DE ASSIS TELES SANTOS
Goiânia
2012
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
GPT/BC/UFG
CDU: 821.134.3(81):78
MARIA APARECIDA DE ASSIS TELES SANTOS
_________________________________________________________
Prof. Dr. Jorge Alves Santana (Presidente ─ Letras/UFG)
_________________________________________________________
Profª. Drª. Sueli Maria de Oliveira Regino (Letras/UFG)
_________________________________________________________
_________________________________________________________
Profª. Drª. Leila Borges Dias Santos (Suplente ─ Letras/UFG)
AGRADECIMENTOS
São muitas as pessoas que fizeram parte da concepção dessa pesquisa, limitada,
porém, pelo espaço ou por formalidades acadêmicas, não me foi possível listá-las aqui, no
entanto, gostaria que soubessem da minha eterna gratidão.
Ao CNPq pelo apoio e incentivo, sem os quais, talvez não conseguisse desenvolver
este trabalho.
Ao corpo administrativo e aos docentes do Programa de Pós-Graduação em Letras e
Linguística da UFG, especialmente aos “anjos da guarda” Consuelo e Bruno, por sua
disponibilidade e atenção com que me trataram sempre. Dentre os docentes, obrigada Dr.
Sebastião Elias Milani, foi durante suas aulas, no curso de Semiótica que começou o
desenho desse trabalho.
À professora, Drª Goiandira de Fátima Ortiz de Camargo, coordenadora do
Programa, que mesmo sem ter convivido comigo, deu-me um voto de confiança,
demonstrando que é possível dentro da Academia, coexistir atribuições, responsabilidades
e afetividade. Jamais esquecerei seu gesto de extrema humanidade.
Ao meu orientador, Dr. Jorge Alves Santana, que mais que meu mentor, exemplo
de intelectualidade aliada à sensibilidade, o meu profundo respeito e reverências, “Salve
Jorge”!
À minha família, mão que me guia e ombro que me ampara, obrigada!
A Deus, que tem me mostrado, ante todos os obstáculos e agruras pelos quais venho
passando, sua infinita misericórdia e uma força que não sabia existir em mim.
Ao compositor, cantor, dramaturgo e poeta Chico Buarque de Holanda, por sua
significativa contribuição à arte brasileira. Com a leitura de suas letras-poema, pude
desconstruir alguns estereótipos, percebendo que a reinvenção é tarefa do humano,
independente de ser masculino, ou feminino, antes disso, “gente”! Portanto, reinventar é
necessário e, reinventar, urgente: meu lugar na família, na sociedade, na cultura, no
mundo. Ouvi e li: “Vai, alegria/Que a vida, Maria/Não passa de um dia.../ Corre, Maria
Que a vida não espera/É uma primavera/Não podes perder...”, então entendi que “ficar a
toa na vida, vendo a banda passar” não me faria uma “moça diferente”, acreditando naquilo
que “O pescador me confirmou/Que um passarinho lhe cantou/Que vem aí bom tempo e
ainda,“que eu hei de ouvir cantar/ uma sabiá...”, então, “tô me guardando/pra quando o
carnaval chegar”. Chico, sendo assim, “Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi,
Deus lhe pague”!
Por fim, a todas as mulheres que resistem aos abusos da sociedade patriarcal,
vítimas ou militantes, da interminável luta por “liberar a vida lá onde ela é prisioneira”
(Deleuze & Guatarri, 1997, p.23).
Perdida
Na avenida
Canta seu enredo
Fora do carnaval
Perdeu a saia
Perdeu o emprego
Desfila natural
Esquinas
Mil buzinas
Imagina orquestras
Samba no chafariz
Viva a folia
A dor não presta
Felicidade, sim
Bambeia
Cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si
Largou a família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir
Vagueia
Devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar
This search, it‟s configured as a dissertation in Letters and Linguistics, in the field of
literary studies, entitled "The speaker in Chico Buarque: the submission to the
transgression and the incidences of multiple aspects of the feminine” discusses the female
representations in songs by Chico Buarque. Sought through analysis of twenty-five songs
on the buarqueano Songbook, build the trajectory outlined by the female figure, established
by men's speech, even when this voice modulated as feminine. For the realization of such
intent, it was made necessary a foray into several fields of knowledge, such as: the theory
of literature, sociology, philosophy, discourse analysis, psychology and psychoanalysis,
anthropology and multiculturalists studies, highlighting the gender issues there including
them, the Queer theory. Before you draw the discursive route in order to understand the
problem of feminine buarqueana lyric, it was concerned to point out the literary status in
the composer's compositions mentioned, showing dialogues between poetry and music. Of
great importance was also to understand how Chico Buarque de Holanda fits into the
context of Postmodernist.
INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 09
3. 3 Da submissão à transgressão: com quantas Carolinas se faz uma Geni? .................. 117
3.3.2 A mulher submissa: mirem-se no exemplo daquelas mulheres, mas não muito. ....123
3.3.4 A mulher liberada: parece que criou asa, é ave de arribação ..................................140
3.3.5 A mulher libertina: o meu corpo de criança não se cansa de querer ....................... 149
INTRODUÇÃO
que aquela voz masculina, portadora de um discurso machista, parecia destituir sua
interlocutora (uma mulher, acredita-se) de qualquer acesso aos bens culturais, parecendo
que para a mesma apenas interessava o lado material dos bens divididos naquela situação,
conforme podem ilustrar os versos a seguir:
Rato de rua
Irrequieta criatura
Tribo em frenética
Proliferação
Lúbrico, libidinoso
Transeunte
Boca de estômago
Atrás do seu quinhão
(...)
Saqueador
Da metrópole
Tenaz roedor
De toda esperança
Estuporador da ilusão
Ó meu semelhante
Filho de Deus, meu irmão (,,,)
Chico Buarque privilegia em suas canções o espaço urbano. É para este locus
que o poeta volta seu olhar captando o que é latente em termos de mudanças sociais e
culturais, passando, assim, a atingir o conjunto de sua obra. É nesse espaço também que se
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pode notar a sensibilidade do poeta ao traduzir uma visível percepção do ser no mundo, do
outro inserido num tempo/espaço determinado. Para Octávio Paz (2006, p. 102), ―descobrir
a imagem do mundo no que emerge como fragmento ou dispersão, perceber no uno o
outro, será devolver à linguagem sua virtude metafórica: dar presença aos outros. A poesia:
procura dos outros, descoberta da outridade‖. Em Ode aos ratos, o ―Rato de rua/ aborígine
do lodo [...] saqueador da metrópole‖ é, para o eu-lírico, ―um semelhante‖, ―filho de Deus,
[seu] irmão‖.
As letras das canções nos permitem refletir não somente quanto aos sujeitos e
suas identidades, mas também quanto ao outro como possibilidade de diferença,
considerando ainda, como trata Woodward (2000), que identidade e diferença estão em
estreita conexão com as relações de poder: o poder para definir quem é incluído e quem é
excluído.
Por isso, a pesquisadora resolveu-se utilizar ora, o método hipotético
dedutivo , ora, o dialético2. Justifica-se essa escolha, por acreditar que na era caótica em
1
1
Proposto por Popper consiste na adoção da seguinte linha de raciocínio: ―quando os conhecimentos
disponíveis sobre determinado assunto são insuficientes para a explicação de um fenômeno, surge o
problema. Para tentar explicar a dificuldades expressas no problema, são formuladas conjecturas ou
hipóteses. Das hipóteses formuladas, deduzem-se consequências que deverão ser testadas ou falseadas.
Falsear significa tornar falsas as consequências deduzidas das hipóteses. Enquanto no método dedutivo se
procura a todo custo confirmar a hipótese, no método hipotético-dedutivo, ao contrário, procuram-se
evidências empíricas para derrubá-la‖ (GIL, 1999, p.30).
2
Fundamenta-se na dialética proposta por Hegel, na qual as contradições se transcendem dando origem a
novas contradições que passam a requerer solução. É um método de interpretação dinâmica e totalizante da
realidade. Considera que os fatos não podem ser considerados fora de um contexto social, político,
econômico, etc. Empregado em pesquisa qualitativa (GIL, 1999; LAKATOS; MARCONI, 1993).
14
[Essa referência] não deve levar embora da obra de arte, mas levar ao mais fundo
dela. (...), pois o conteúdo de um poema não é a mera expressão de emoções e
experiências individuais. Pelo contrário, estas só se tornam artísticas quando,
exatamente em virtude da especificação do seu tomar forma estético, adquirem
participação no universal.
Outros elementos da poesia são encontrados nas canções analisadas, tais como:
a polifonia e a intertextualidade.
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trabalhos existentes sobre tais temas, embora com suas variações. Tampouco se espera que
as ponderações, ora feitas, possam trazer acomodação aos sujeitos, seja feminino, seja
masculino. O que se propõe com essa pesquisa é uma reflexão que oportunize a mulher o
pensar de forma crítica em relação às questões de gênero, de como ela foi e ainda está
sendo vista na sociedade, em conjunto com as suas noções de subjetividade. Daí partiu-se
do princípio de que ―toda leitura de ficção é uma forma pessoal e subjetiva de reescritura
do texto literário‖ (COMPAGNON, 2001, p. 52), o que vai transformar cada reescritura em
uma leitura ou interpretação deste mesmo texto. Assim, reescreveu-os de forma a
privilegiar o papel da mulher e suas relações com os contrapontos masculinos nos poemas-
canções que se analisou.
Acesso
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A relação entre música e poesia vem desde a Idade Antiga, como atesta a
cultura grega. Poesia e música, entre os gregos eram quase que inseparáveis e, segundo a
tradição, ambas nasceram juntas, sendo a poesia para ser cantada.
Conforme Rodrigues (1990, p. 28), ―a grande poesia medieval quase que foi
exclusivamente concebida para o canto. Na Idade Média, trovador e menestrel eram tidos
como sinônimos de poeta, provando que a poesia foi, por muito tempo designada para ser
cantada e ouvida‖. Somente na Idade Moderna, com o advento da imprensa e,
consequentemente com o domínio da escrita, a distinção entre música e poesia se tornou
mais aparente.
A partir do século XVI, a lírica foi abdicando do canto para se dedicar, cada
vez mais, à leitura silenciosa. No entanto, tal ruptura nunca aconteceu completamente,
aliás, é essa relação à característica mais forte da poesia lírica, por se preocupar com a
qualidade sonora das palavras, organizadas em sucessões rítmicas melodiosas e sugestivas.
Décio Pignatari (1997, p.9) afirmou que ―a poesia parece estar mais do lado da música e
das artes plásticas e visuais do que da literatura‖. No mesmo texto (p.9), o poeta ainda diz
que a poesia seria ―um corpo estranho nas artes da palavra‖. Tal afirmação respalda a
estreita relação entre a música e a poesia, na medida em que se percebe uma maior
afinidade entre elas do que no meio literário propriamente dito. Assim, pode-se notar que
as canções vêm sendo objeto de estudo nos meios acadêmicos pelo fato de algumas delas
apresentarem características encontradas em textos vistos como literários. Atualmente, já
há um consenso entre vários escritores e críticos de que letras de música podem conter
valor poético, podendo ser abordadas conforme os princípios da análise literária.
Contudo, mesmo com o poema se apartando da música, ainda conservaria
traços daquela antiga união. Se a separação de poetas e músicos dividiu a história de um
gênero e outro, a poesia não abandonou de vez a música, tanto quanto a música não
abandonou de vez a poesia. Isso pode ser demonstrado pela vigência de algumas formas
poéticas, como o Madrigal, o Rondó, a Balada e a Cantiga, aludindo diretamente às formas
musicais.
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Schubert, por exemplo, compositor cuja obra mais importante são os Lieder
para canto e piano, usou textos de Goethe e Schiller ao invés de subliteratura. A
mesma coisa ocorre com Bach, que em suas cantatas de câmara recorreu a
textos bíblicos, com Hugo Wolf (textos de Michelangelo, Moerike) e com Ravel
(textos de Ronsard e Villon). As condições de contato humano oferecidas pelas
manifestações musicais de câmara exigem do compositor não só um tratamento
musical mais apurado e detalhístico, mas também um maior cuidado na escolha
dos textos, pois o seu conteúdo, dada essa estreita relação intérprete-público, se
evidencia muito mais.
Durante os dois primeiros séculos de colonização, os tipos de música ouvidos no Brasil eram
os cantos das danças rituais dos indígenas (acompanhadas por instrumentos de sopro como
flautas, trombetas, maracás, apitos e bate-pés); os batuques africanos (a base de instrumentos
de percussão como tambores, atabaques, marimbas e ganzás) e as cantigas dos colonizadores
europeus – representadas por gêneros musicais do tempo de formação dos primeiros burgos
medievais dos séculos XII e XIV, conhecidos como romances, xácaras, lundus e serrarias.
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Segundo o historiador José Ramos Tinhorão (1997), o samba e a marcha surgiram e fixaram-se
no Brasil num período de sessenta anos, que vai de 1870 a 1930.
Até então, o que a elite brasileira ouvia era a música operística; as polcas,
shottishes e quadrilhas, eram gêneros apreciados pelas camadas médias e ―populares‖ e o
batuque, de origem africana, era exclusivo dos negros que formavam o grosso da camada mais
baixa. (TINHORÃO, 1997, p.17). A música brasileira começou a se formar devido justamente
à interferência desses elementos musicais. O carnaval, ainda muito parecido com o entrudo,
não levava em conta a música, mas a brincadeira de molhar os passantes com seringas d‘água,
não possuindo nenhum tipo de organização musical.
Uma fonte também muito importante para a música popular, constatada por Mário
de Andrade, é a feitiçaria, que unia em suas cerimônias o canto e a dança. Nos cultos de direta
origem africana (Candomblé, Macumba, Xangô), consegue-se notar sua influência na música
popular em formação no Brasil.
No entanto, os negros só concorreram de modo decisivo para o desenvolvimento
da música brasileira a partir do momento em que se tornaram mão de obra livre. O papel
produtivo legalizado socialmente dera ao negro um status que ele até então não possuía,
mesmo tendo contribuído significativamente enquanto escravo para a economia do país.
O aparecimento da primeira marcha carnavalesca deu-se em fins do século XIX,
com a composição ―Ó Abre Alas‖ da Maestrina Chiquinha Gonzaga, inspirada, de acordo com
Tinhorão (s/d, p. 119), ―na cadência que os negros imprimiam à passeata enquanto desfilavam
cantando suas músicas, (...) ao som de instrumentos de percussão‖; enquanto que, entre a
população branca, grupos de portugueses ainda saíam às ruas malhando bumbos no Zé-
Pereira. Naquela época, a palavra samba era usada, uma espécie de dança de umbigada, de
origem africana, com ritmo marcado por palmas, chocalhos e outros instrumentos de percussão
e às vezes acompanhados por violão e cavaquinho.
A criação do samba, como gênero musical, aconteceu de forma peculiar e está
ligada ao contexto social do início do século XX. A sociedade do Rio de Janeiro, o maior
centro cultural do país, era constituída de duas classes sociais bem distintas: de um lado
estavam os aristocratas e a classe média em franca expansão social e cultural, em decorrência
do período de industrialização pelo qual passava o país; de outro, vivendo na parte mais antiga
da cidade, amontoados em cortiços, estavam os portuários, aventureiros, escravos recém-
libertos, enfim ―uma baixa classe média‖ (TINHORÃO, s/d, p.120).
Ao invés dos saraus, nos quais se ouvia a modinha e a polca, o que se escutava
na periferia da cidade era ―um tipo de música particularmente tocada por baianos que viviam
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Ruy Castro, em seu livro Chega de Saudade, relata que João Gilberto declarava
que a poesia de Carlos Drummond de Andrade era sua favorita e que recitava trechos
inteiros das Cartas a um jovem poeta, do alemão Rainer Maria Rilke, cuja obra Manuel
Bandeira indicava como leitura obrigatória aos jovens poetas. Estes lhe indagavam a
respeito de como serem bons poetas e, consequentemente, escreverem poemas de
qualidade. Conforme Castro, ―Literatura era uma preocupação remota dos músicos,
inclusive cantores, e era inédito ouvir um deles citando escritores com tanto desembaraço‖
(CASTRO, 1990, p.138).
Afonso Romano de Sant‘Anna afirma que somente com a criação da Revista de
Música Popular Brasileira e a passagem de Vinícius de Moraes para a linha musical e com
o surgimento da Bossa Nova é que se observaria um vínculo mais sistemático entre música
popular e poesia no Brasil, no século XX:
No entanto, a posição da Bossa Nova não é hostil em relação a uma tradição viva,
porque foi inovadora em sua época. ―Assim, Noel Rosa, Assis Valente, Ari Barroso, Dorival
Caymmi, José Maria de Abreu e muitos outros são valorizados e, às vezes, retomados,
principalmente por João Gilberto.‖ (BRITO, 1974, p.22)
As inovações propostas pela Bossa Nova não abrangeriam apenas o campo da
interpretação, acompanhamento, linguagem instrumental, harmonização e ritmo; elas forjaram
a formação de um novo estilo composicional que incorporou todos os recursos musicais
conquistados, baseando-se numa temática literária do seu tempo. Suas composições eram
preponderantemente executadas por pequenos conjuntos e/ou mais comumente pelo do
intérprete e seu violão. Dessa configuração reduzida desenvolveu-se então uma técnica
composicional orientada para articulações mais sutis e de detalhe, assim como um vocabulário
apropriado e cotidiano ao seu ouvinte. De acordo com Rocha Brito,
os textos cantados não são valorizados apenas pelo que conteriam como
expressão de ideias, pensamentos, ou por obedecer o verso a uma forma
determinada. Incorpora-se a esses aspectos o valor musical portado pela palavra.
Os atributos psicológicos que surgem ao se cantar a sílaba, o vocábulo, são
considerados em sua totalidade. A palavra ganha assim um valor pelo que
representa como individualidade sonora. Quanto aos textos como veículos de
ideias, já se pronunciaram muitos dos integrantes da Bossa Nova contra as letras
de concepção ―tanguista‖: ao invés de versos de tipo ―radionovelesco‖, procura-
se reduzir as situações a seus dados essenciais através de uma expressão contida
e despojada. (BRITO, 1974, p.38).
sobre o discurso poético e seu vínculo com a música. Segundo essa estudiosa, foi a partir
do Renascimento que a literatura se configurou como matéria autônoma, capaz de ser
apreendida pela crítica. Entretanto, a literatura chegou ao seu auge, como objeto de estudo
teórico, no século XX com os estruturalistas. No entanto, com a contribuição dos estudos
semiológicos houve consenso de que, na dinâmica do texto literário, uma obra não pode ser
apartada de seu contexto histórico e também não pode ser vista fora de uma perspectiva
diacrônica, portanto, é imprescindível correlacionar texto/homem/história. Sendo assim, o
texto passa a ser encarado em função de diferentes elementos que constituem um sistema
de conexões múltiplas ou mesmo numa perspectiva simbólica. Nesse aspecto, pode-se
entender o texto como um objeto de significação que apresenta uma organização interna
peculiar, ―objeto de comunicação, cujo sentido depende do contexto sócio-histórico em
que é localizado‖ (CYNTRÃO, 1999, p. 79).
Dessa forma, segundo o ponto de vista dos estudos semióticos, as canções
populares se tornaram objeto de discussão e de estudo no meio acadêmico, principalmente
a partir da década de 1970, período de grandes dificuldades para os brasileiros, que
lutavam por direitos, dentre os quais o de liberdade de expressão e de participação social.
É nesse cenário, então, que Chico Buarque se destaca, sendo reconhecido, por
seu talento, tanto pelo público quanto pela crítica. Notadamente, na década de 1970, dá-se
a consolidação do sucesso das composições buarqueanas, seja pelas chamadas ―músicas
femininas‖, seja pelas ―músicas de protesto‖. Chico Buarque alcança ainda muito jovem, o
auge do reconhecimento. Suas letras deixam de ser apenas cantadas e ouvidas para
servirem também como motivo para análises acadêmicas.
É nesse período, também, que Chico passa a ser considerado por muitos como
poeta consoante com os estudos da corrente crítica já mostrada nesse trabalho. Mesmo nos
dias atuais, é vasta a publicação de muitos artigos em que Chico Buarque é reconhecido
como poeta, entretanto, ele sempre escapa de tal atribuição, afirmando ser a poesia um
atributo de Bandeira e de Drummond. Ainda que Chico Buarque não se designe como
poeta, curiosamente, ele foi um dos primeiros compositores a apresentar nas capas de seus
discos as letras impressas, critério importante para o acompanhamento da melodia.
Segundo SILVA (1974, p.4), há que se observar na letra poética a continuidade
e o desenvolvimento do projeto poético brasileiro, afirmando até, que em matéria de
criatividade, essas letras representam o que há de melhor na poesia brasileira da década de
1970.
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Além do uso das aliterações /p/d/r/ e das assonâncias /o/, o compositor também
se utiliza do sufixo – eiro da profissão e cria o adjetivo penseiro; troca os fonemas /p/k/ em
parece/carece e ainda, repete o ditongo nasal /em/, a fim de acentuar o ritmo às palavras
bem, quem, tem, vintém. A obra musical de Chico não merece destaque dentro da produção
do período, apenas por utilizar-se de tais elementos formais, mas, sobretudo, por veicular
uma dramaticidade narrativa agregada à poética, principalmente por retratar experiências
da vida do homem comum. A dramaticidade narrativa agregada à poética é referida quanto
à alteração na natureza dos gêneros literários. O que indica uma natureza ligada à evolução
do homem e da sociedade. É o caso, por exemplo, da criação do drama romântico, quando
o escritor Victor Hugo, no Prefácio da peça Cromwell, em 1827, recusa-se os modelos da
dramaturgia dos períodos históricos anteriores (neoclássico e barroco) e propõe uma
reformulação da tragédia clássica, defendendo o surgimento do drama, uma peça teatral
autônoma com características da tragédia e da comédia, em atendimento à nova sociedade,
ao homem renovado do Romantismo e à necessidade de uma forma de expressão
diferenciada. Esse é o caso da estética pós-moderna, que a partir dos anos 1950, defende a
maior autonomia das formas literárias, podendo haver, inclusive, em uma mesma obra a
existência de dois ou mais gêneros. Assim, a narrativa (gênero dramático) além de outros
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gêneros textuais não literários como o jornal, a publicidade, verbetes de dicionário e até
mesmo textos de outras linguagens, como o cinema, a fotografia, o desenho e outros.
Chico Buarque como um conhecedor de várias linguagens leva para sua arte as
reformulações dos acontecimentos do cotidiano, e na utilização da palavra como matéria
de seu fazer artístico.
A esse respeito (CAMPOS, 1978) analisa a linguagem e a sonoridade presentes
em canções buarqueanas, referentes à construção de significados e à presença de ―uma
poética plena de impactos emotivos‖, afirmando serem estas ―características responsáveis
por transformar Chico num dos mais interessantes fenômenos de nossa época‖.
São muitas as vozes que consideram letras de música como poesia e que
incluem o compositor e dramaturgo como um dos seus principais expoente, entretanto
Bruno Tolentino, poeta, ensaísta, crítico e professor de literatura, não compartilha da
mesma opinião. Em uma entrevista concedida à revista Veja, em 1996, Tolentino declarou
ser ―preciso perguntar dia e noite: por que Chico, Caetano e Benjor no lugar de Bandeira,
Adélia Prado e Ferreira Gullar?‖. Ele diz ainda que o Brasil deixou de reconhecer sua
produção poética, trocando cultura por entretenimento. O crítico combate duramente à
ideia de se pensar poesia e letra de música como uma coisa só:
Quem já ouviu falar de Alberto Cunha Melo, que vive escondido no Recife, e é
nosso maior poeta desde João Cabral? São dele estas palavras: ―Viver,
simplesmente viver, meu cão faz isso muito bem‖. Mas José Miguel Wisnik ora
é crítico, ora é letrista e compositor, portanto, é catedrático. Os violeiros
empoleiraram-se nas cátedras e Fernando Pessoa virou afluente da MPB
(TOLENTINO, Revista Veja, 1996).
Apesar da dureza de suas palavras, Bruno Tolentino afirma não ter nada contra
a música popular brasileira, declarando ainda gostar muito das canções de Chico Buarque,
o que ele não aceita é o fato de a crítica considerar letras de música como poesia.
A partir das exposições apresentadas por Tolentino e baseando-nos na
afirmação de Silva, anteriormente citada, de que ―em termos de criatividade, as letras
poéticas representam a melhor poesia brasileira, na década de 70‖, concorda-se que todos
os argumentos contenham uma expressiva problematização sobre a produção poética
brasileira, no tocante ao lirismo, elemento praticamente ausente da literatura poética
nacional produzida a partir daquele período, o que levou a música popular a ocupar, ainda
que transitoriamente, o papel que cabia à produção poética.
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Nesse estudo, tende-se a concordar com o fato de que letras de música, sejam
compostas por Chico Buarque, sejam compostas por outrem, não substituem a poesia.
Mesmo apresentando conteúdo emocional e lírico não se deve desprezar o fato de as letras
de música estarem envolvidas com o entretenimento. Além do que, uma canção é
composta por elementos melódicos, linguísticos e entonativos, não devendo haver a
dissociação entre letra e melodia, bem como, não se deve conceber a letra isoladamente
como apenas texto ou poema.
A esse respeito, Luiz Tatit (1996) assevera que ―o cancionista compõe a
melodia com o texto, mas recompõe o texto com a entoação‖, fazendo com que, desse
modo, cada melodia ―contemple seu texto‖. Possivelmente esteja aí a chave para
compreender porque as canções de Chico Buarque tenham conseguido destaque e
notoriedade no panorama musical brasileiro, já que nelas música e letra se afinam em uma
estrutura sígnica, conformando assim uma produção de caráter social, político e emocional.
Para que se consiga tal intento, necessita-se procurar em cada acorde, em cada nota
musical toda a intensidade, entendida como a duração e o timbre próprios de dito acorde.
Em decorrência desse processo, cada letra de música traz em si os próprios matizes que
coadunam à composição musical proposta nas canções, além de introduzir a palavra no
contexto da frase musical, o que possibilita o entendimento das canções buarqueanas no
que se reporta à letra, à música e à interpretação.
Conforme o que já vem sendo dito, em vários momentos da história, música e
poesia foram tomadas como expressões artísticas que sempre utilizaram técnicas similares
para sua realização formal, tendo como elemento estrutural mais comum o ritmo. Mas, esse
será justamente o traço que vai gerar a oposição entre música e poesia, pois cada uma delas
adquiriu seu ritmo próprio. A música necessitará mais intensamente do ritmo melódico-
instrumental para se construir esteticamente, sobrepondo-se à palavra propriamente dita.
Nem toda música precisa de um belo texto para agradar seu ouvinte. O canto pode utilizar-
se do puro dinamismo fisico-psíquico para se realizar enquanto obra artística, mas a poesia,
além da necessidade rítmica, necessita, pelo menos na maioria das vezes, da ativação do
pensamento por meio de palavras, para sua realização estética.
É nessa disparidade que música e poesia têm vivido que suscita algumas
indagações: até quando se pode considerar uma canção bela, mesmo com sua letra
verbalmente mal construída? Uma canção musicalmente e verbalmente bem construída
seria melhor do que a só musicalmente bem construída?
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outra forma para que depois sejam agregadas. Nesse processo, ambas as formas nascem
juntas. Mesmo no caso de parcerias, a letra é criada posteriormente, nunca como um
poema independente, esperando pela melodia. Sendo assim, Chico Buarque não tem a
preocupação de fazer letras exclusivamente destinadas à leitura, mas para serem ouvidas e
cantadas. O artista diz não ter a pretensão de ser considerado um poeta, mas sim, um
compositor de música popular.
Eu não concordo com essa colocação [de ser chamado de poeta], pelo fato
mesmo que o meu ofício é outro, é o do artista que faz música e letra, coisas
muito ligadas uma à outra. Eu discordo dessa coisa dos caras, às vezes, quererem
elogiar dizendo: ―Para mim você não é um compositor é um poeta‖, como
qualquer outra, e eu desafio os poetas maiores a fazerem letras de música, porque
é uma parada diferente. Não escrevo poesia, não gosto de ler minhas letras
publicadas em forma de poesia. É outra coisa para mim, como também não gosto
das músicas sem as letras. São feitas juntas, nasceram juntas, têm que caminhar
juntas (HOLANDA. Senhor Vogue. Março/1979).
E também em ―Noite dos mascarados‖, o trecho que serve de epígrafe para esta
seção, em que o eu poético se apresenta: ―Eu sou seresteiro/Poeta, cantor‖.
Ainda que para alguns críticos, Chico seja considerado um ―poeta menor‖, por
não ter escrito poemas em livro assim como ocorreu com Vinícius de Moraes, um poeta
que utilizou desse suporte e depois se evadiu para a MPB pode-se perceber naqueles
depoimentos, que Chico Buarque está consciente do estreito relacionamento entre letra e
música.
Pode-se constatar que o entrelaçamento entre música e poesia configura-se
como uma união bastante significativa, compreendendo que desde 1968, a MPB não pode
ser vista apenas como elemento sonoro, mas também como uma obra que abarca a escrita
poética e a cultura em geral. Tal afirmação encontra respaldo mediante o interesse
demonstrado por críticos e acadêmicos das mais variadas áreas do conhecimento – desde a
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literária, passando pela sociologia, antropologia, história, dentre outras – ao estudar a letra
da música popular, originando daí uma gama de diversos trabalhos de grande relevância.
Conforme atesta Afonso Romano de Sant‘Anna, ―não apenas o conceito de música
popular, mas o de literatura e, consequentemente, o de interpretação do texto‖.
(SANT‘ANNA, 1978, p.180)
A relevância do papel exercido pela MPB no cenário artístico e cultural do
país pode ser comprovada pelas palavras de Augusto de Campos ―se quiserem
compreender esse período extremamente complexo de nossa vida artística os compêndios
literários terão que se entender com o mundo discográfico. No novo capítulo da poesia
brasileira que se abriu a partir de 1967, tudo ou quase tudo existe para acabar em disco‖.
(Apud PERRONE, 1988, p.19)
As letras das canções da MPB são preenchidas pela poesia, chegando a alguns
momentos a se sustentarem a despeito do contexto musical. Ainda é de Campos a
argumentação de que, nos anos finais da década de 1960, a poesia brasileira começa a
cantar: ―a poesia da música popular foi melhor do que a poesia escrita‖. (Apud PERRONE,
1988, p.20), sendo este um dos principais motivos para a apreciação literária dos
compositores.
O cuidado com o feitio artístico das letras da música popular brasileira era de
tal forma manifestada, que muitos críticos literários acreditavam que os poetas desta
geração escolheram o suporte musical (o disco, o rádio, a televisão) devido ao grande
poder de comunicação dos meios audiovisuais em relação aos meios gráficos. Entende-se
que os novos meios de comunicação vieram prover o que a cultura tradicional, como modo
de expressão da cultura ilustrada e complexa, ignorava: o público leitor escasso no Brasil.
Talvez esteja aí um dos grandes papéis desempenhados pela MPB, ampliando suas
atribuições: provocar no leitor/ouvinte a criticidade, bem como lhe possibilitar a fruição, o
prazer estético, à educação pela palavra, papéis que caberiam às instituições formais de
ensino e á literatura, de modo geral. Nesse aspecto, há que se concordar com Augusto de
Campos quando diz: ―toda uma geração de bons poetas escolhe a música popular e não o
livro como canal de comunicação‖. (Apud PERRONE, 1988, p. 21).
Do vasto cabedal de compositores da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Tom Jobim dentre outros, Chico Buarque de Holanda, sem dúvida, tem sido o mais
aplaudido, tanto pela crítica musical quanto pela crítica literária. A propósito, utilizando
novamente das palavras de Afrânio Coutinho quando se refere a esse artista: ―A meu ver o
34
maior poeta da nova geração é Chico Buarque de Holanda. É preciso não esquecer que sua
música veicula ou se associa a uma das mais altas e requintadas formas de poesia lírica.‖
(Apud PERRONE, 1988, p.39).
fado, em Fado tropical; o samba, em Tem mais samba; a marcha, em A banda; o chorinho,
em Um chorinho; a quadrilha, em A quadrilha; o tango, em Tango do covil, a embolada,
em Embolada; o mambo em Mambordel; o blues, em Bancarrota blues, a valsa, em
Valsinha, dentre outros exemplos.
Depois dessa exposição, tentou-se analisar aspectos poético-musicais de
algumas canções de Chico Buarque a partir de seu diálogo com a tradição literária, através
da proximidade de sua obra com as cantigas trovadorescas.
Conforme CORREIA (1978), o ato de cantar o poema, costume comum na
Antiguidade Clássica, dividiu-se a partir da Idade Média, em música de uma parte e poema
de outra. Em se tratando das cantigas trovadorescas medievais. A respeito dessa
ambiguidade, cita-se Paul Zumthor (1993, p.62), porque ―o texto poético antigo‘ foi
transmitido, alguns com ―notação musical‖ e ―a maioria sem ela‖, o que permite avaliar
que, nos dias atuais, mesmo sem ter-se ouvido a interpretação sonora da canção, pode-se
considerá-la deslocada de seu contexto musical como poema.
A respeito do amor na poesia cortesã, Octavio Paz observa o desejo dos poetas
de serem ―entendidos pelas damas‖ ao escreverem seus poemas, acompanhados por
música, entretanto, admite não ter sido com música que eles chegaram até nós (PAZ, 1994,
p. 71). Ledo Ivo4 também assevera ser a poesia medieval acompanhada de dança e música,
o que permite colocar Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil na categoria de poetas,
entendendo que, ambos fazem ―poesia com música‖. Outra forma de se poderem ler os
vestígios da poesia trovadoresca portuguesa em canções buarqueanas é poder vislumbrar
no interior de um novo texto literário, quer pela forma, pela tonalidade ou pela intensidade,
ecos de outros textos produzidos anteriormente. Essa visão de intertextualidade encontra
apoio no Dialogismo de Bakthin, e consegue maior visibilidade graças aos estudos do Tel
Quel, na França, na década de 1960. Tais estudos foram publicados em Théorie
d’ensemble, que reuniu textos de Julia Kristeva, Roland Barthes, entre outros estudiosos do
assunto.
Julia Kristeva é responsável pela cunhagem do termo ―intertextualidade‖,
atestando a inscrição de todo texto literário em um conjunto de textos, terminando por
configurar ―uma estrutura-réplica‖ (função ou negação) de outro, ou de outros textos.
Kristeva (1974, p. 98), ainda afirma que o autor, pelo ‗modo de escrever‘ revela o leitor
4
IVO, Ledo. A poesia na língua portuguesa. In: Seminário sobre a Língua Portuguesa; desafios e Soluções.
Transcrição: Tânia Lúcia Oliveira Barreto. São Paulo: centro de Integração Empresa-Escola, 31 de maio de
1999. Disponível em http://www. Academia.org.br/poesia.htm. Acesso em 4 de fev. de 2011.
36
‗do corpus literário anterior ou sincrônico‘: de um lado, ele passa a viver ‗na história‘ e de
outro, ‗a sociedade se escreve no texto‘. Essa forma mais ampla de conceber o ato de ler
possibilita uma nova direção á leitura. Julia Kristeva utilizou, para suas pesquisas, o
pensamento bakthiniano acerca de dialogismo instituído na ocorrência de cada novo texto
‗‘refutar‘, ‗confirmar‘ ou ‗complementar‘ sua vinculação com outros (BAKTHIN, 1992, p.
316) para o estudioso, tudo o que se diz ou se escreve já foi dito ou escrito anteriormente, e
essa afinidade entre os textos propicia a criação de uma rede de referências, o que
possibilitará uma leitura capaz de aproximar obras, mesmo que produzidas em tempos e
espaços distintos, pois, se ―os enunciados não são indiferentes uns dos outros, nem
autossuficientes, são mutuamente conscientes e refletem um ao outro‖ (Id., p. 314). O
teórico ainda afirma a circunstância de o enunciado acusar pistas, ―ecos e reverberações de
outros enunciados, com os quais se relaciona pela comunhão da esfera da comunicação
verbal‖ (Id., p. 317).
Para Roland Barthes (1998, p. 68-69), o texto configura-se como ―um espaço
de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam escrituras variadas, das quais
nenhuma é original‖, confirmando ser o texto ―um tecido de citações, saídas dos mil focos
da cultura‖. Ainda, conforme Barthes (1998), ―o texto único vale por todos da literatura,
não porque os representa (os abstrai ou os iguala), mas porque a própria literatura é sempre
um único texto‖. Mais ainda, afiança a possibilidade de cada texto instituir
―retomadas‖, seja por ―empréstimos e trocas‖, em ordens distintas, com produções textuais
mais remotas.
Segundo a leitura feita pela pesquisadora deste trabalho, torna-se possível uma
aproximação do pensamento de Zumthor e algumas canções de Chico Buarque, ao detectar
a presença de características poéticas do cancioneiro medieval português. Com o amparo
teórico já demonstrado, afirma-se que no cancioneiro buarqueano é possível notar, em
várias letras-poema, uma identificação com a poesia medieval: as cantigas de amigo,
gênero lírico fundamental do cancioneiro peninsular da Idade Média, na qual o trovador,
utiliza-se da voz feminina e normalmente se queixa ao amigo. A amiga ou amada é quem
se manifesta. Esse tipo de composição lírica é marcado, muito frequentemente, pela presença
de um refrão e se inspira na vida rural e popular.
Conforme MOISÉS (1970, p. 24), a cantiga de amigo é
5
―Chico Buarque de Holanda, Literatura Comentada". Pequena biografia de Chico Buarque, com seleção de
textos e letras de composições do compositor organizados por Adélia Bezerra de Meneses Bolle., Abril
Cultural, 1990.
39
Em 1946, a família muda-se para São Paulo, onde seu pai é nomeado diretor do
Museu do Ipiranga. Em 1953, Chico e a família forma morar na Itália, onde Sérgio
Buarque deu aulas na Universidade de Roma. De volta a São Paulo, Chico já mostrando
interesse pela música, compõe "Umas Operetas" que cantava com as irmãs. A música fazia
parte do seu dia a dia, Ouvia músicas de Noel Rosas e Ataulfo Alves. Recebeu grande
influência musical de João Gilberto, Vinicius de Moraes de quem veio tornar-se parceiro
mais tarde Baden Powell e de outras personalidades da cultura brasileira, com as quais
conviveu desde sua infância como Oscar Castro Neves, Fernando Sabino e João Cabral de
Melo Neto, entre outros.
Em 1963, Chico Buarque ingressou no curso de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, onde participou de movimentos estudantis. Nesse mesmo ano
participou do musical Balanço do Orfeu com a música Tem mais Samba, que segundo ele,
foi o ponto de partida para sua carreira. Participou também do show Primeira Audição, no
Colégio Rio Branco, com a Marcha Para um Dia de Sol.
Em 1966, sua música A Banda, cantada por Nara Leão, venceu o Festival de
Música Popular Brasileira. Nesse mesmo ano saiu o seu primeiro LP "Chico Buarque de
Hollanda". As primeiras canções, como "Pedro pedreiro‖, impregnadas de preocupações
sociais, foram seguidas de composições líricas como Olê, olá, Carolina e A Banda. Ainda
nesse ano Chico casa-se com a atriz Marieta Severo, com quem teve três filhas, Silvia,
Helena e Luíza.
Chico Buarque mudou-se para o Rio de Janeiro em 1967, e lançou seu segundo
LP "Chico Buarque de Hollanda V.2". Nesse mesmo ano escreveu a peça "Roda Viva".
Fez parceria com Tom Jobim e venceram com a música "Sabiá", o Festival Internacional
da Canção em 1968. Nesse mesmo ano o governo da repressão, decreta o AI-5.6
Escreveu a peça Gota d'água, em parceria com Paulo pontes, o que valeu à
dupla o prêmio Molière. Escreve a música Vai trabalhar vagabundo, para o filme do
mesmo nome e a música O que será, escrita para o filme Dona flor e seus dois maridos.
6
O AI-5 (Ato Institucional número 5) foi o quinto decreto emitido pelo governo militar brasileiro (1964-
1985). É considerado o mais duro golpe na democracia e deu poderes quase absolutos ao regime militar.
Redigido pelo ministro da Justiça Luís Antônio da Gama e Silva, o AI-5 entrou em vigor em 13 de dezembro
de 1968, durante o governo do então presidente Artur da Costa e Silva.
41
Sua obra também marcou o teatro brasileiro dos anos 1960 e 1970. Escreveu
Gota D'Água, em parceria com Paulo Pontes, e Ópera do Malandro7; como escritor,
lançou o romance, Fazenda Modelo.
Em 2005, Chico lançou a série Chico Buarque Especial, caixas com três
DVDs, organizados por temas, onde fala de sua trajetória.
No dia 05 de novembro de 2011, Chico Buarque iniciou sua nova turnê
nacional, no Palácio das Arte em Belo Horizonte. Ainda em 2011, depois de quatro anos
afastado das gravadoras é lançado o disco ―Chico‖, no qual se nota um artista
amadurecido, voltado mais em suas canções para as desordens dos sentimentos do homem
atual e duas identidades fragmentadas.
Como romancista, Chico Buarque apresenta um já considerável acervo:
Fazenda Modelo - uma novela pecuária; Chapeuzinho Amarelo - livro de poema para
crianças; A Bordo do Rui Barbosa - escrito nos anos 1960 e publicado somente em 1981;
Estorvo (1991), Benjamim (1995), Budapeste (2003) e Leite Derramado (2009).
A variedade de temas da obra de Chico Buarque, além de mostrar seu
ecletismo, revela as suas vivências, suas experiências ao longo da vida. O autor vai do
samba à música de inspiração latino-americana, passando por certa influência da música
italiana e francesa, presente nas obras operísticas.
Chico Buarque é um homem nascido na classe média intelectual paulista, filho
de Sérgio Buarque de Holanda, um respeitado historiador brasileiro e de uma pianista
amadora, Maria Amélia Cesário Alvim. Esse fato influenciou sua formação intelectual, já
que desde cedo, teve contato a literatura canônica universal. Chico tem o domínio do
registro linguístico culto e de recursos próprios da literatura, fazendo uso desses elementos,
que agregados aos registros populares, constroem suas canções. Segundo Perrone:
7
A Ópera do Malandro é inspirada nos clássicos Ópera dos Mendigos, de John Gay, e A Ópera dos Três
Vinténs, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, é dedicada à lembrança de Paulo Pontes. Em 1986 o texto de Chico
Buarque é adaptado para o cinema por Ruy Guerra. http://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%93pera_do_Malandro.
Acesso em 17 de jul. de 2012.
42
Essa canção, composta em parceria com Edu Lobo no ano de 1993, na qual os
compositores utilizam a base melódica e rítmica do choro, ritmo genuinamente brasileiro e
a respeito da letra- poema, talvez uma das mais sofisticadas do repertório buarqueano em
termos de simbologias, referências e intertextualidade.
A primeira estrofe da canção traz uma reflexão acerca do fazer do artista, num
exercício metalinguístico: Mesmo que os cantores sejam falsos como eu / Serão bonitas,
não importa, são bonitas as canções. Apesar de ser um choro em sua base rítmico-
melódica, a canção não parece ser um choro para quem a ouve ─ não se pode afirmar, já
que não é a intenção dessa pesquisa elaborar um estudo sobre teoria musical, conhecimento
de que não dispõe ─ e sim, um choro ―falso‖, tal qual os ―cantores falsos‖ da letra.
Não obstante esse recurso ―falso‖, de um ―cantor falso‖ – os seresteiros
possuíam, em sua maioria, vozes potentes, belas por esse motivo, conforme o gosto da
época, no caso do Brasil, na chamada Era de ouro do Rádio, ao contrário dos cantores de
Bossa Nova ou da Tropicália, os da geração de Chico Buarque. A despeito disso, as
canções serão bonitas, não importa, são bonitas e, portanto, suficientes para encantarem
aqueles que a escutam. A mesma ideia se faz notar nos versos mesmo miseráveis os poetas/
os seus versos serão bons.
A reflexão sobre o processo de criação da música continua agora numa
abordagem mitológica: figuras da mitologia grega passeiam pela letra de Chico Buarque,
que as costura, misturando os mitos às personagens. A alusão à cultura grega, civilização
que deixou valiosa herança literária à humanidade, é feita não só no que diz respeito à arte
poética, mas também no que concerne às narrativas e criações mitológicas. O trecho
seguinte refere-se ao mito de Hermes:
como artista, pois se corria o risco de pecar por omissão ou desencontro de informações. O
que se tentou foi evidenciar, a partir de algumas fontes, fatos que poderiam servir como
respaldo para que se conhecesse um pouco mais da pessoa, a fim de compreender como
essas vivências conforma o fazer poético desse artista, compreender então, uma das muitas
formas com que esse artista multifacetado se apresenta. Por isso a opção pelo uso do
conceito de persona.
Outra faceta do artista se mostra na questão do olhar sobre os sujeitos
marginalizados na sociedade, mesmo que não se discuta agora sobre essa outra persona de
Chico Buarque convém a abordagem.
Vale ressaltar que Chico já foi alvo de várias criticas pelo fato de originar-se da
elite intelectual e burguesa e mesmo assim, falar em suas composições das pessoas
marginalizadas, advindas das classes menos favorecidas e dos seus problemas. Críticas
feitas, seguramente, por uma corrente radical de esquerda, que achava que só um operário
poderia falar de um operário, ou só um camponês poderia falar do camponês, pensamento
este, no qual apenas alguém que realmente vivesse determinada situação descrita no
artefato artístico, estaria apto a expressar com propriedade suas experiências. Tal
pensamento destoa das palavras de Friedrich (1978), ao discorrer sobre a poesia moderna:
Nesse fragmento, pode-se observar que o autor acredita que o grotesco só pode
ser compreendido em sua essência pela cultura popular e pela visão carnavalesca do
mundo.
Robert Stam (1989) defende a tese de que, embora, Bakhtin não tenha se
referido à cultura da América latina muitos de seus intelectuais encontraram na sua noção
de carnavalização a chave para compreender a especificidade da produção cultural latino-
americana.
Na condição de povos multiculturais, os artistas e intelectuais latino-americanos
assumem uma ironia peculiar, na qual palavras e imagens, geralmente, não são tomadas
literalmente, por isso a importância da paródia e da carnavalização como recursos
―ambivalentes‖ no interior de uma situação cultural assimétrica. Stam (1989) aprecia o
modernismo brasileiro, que tinha como modelo uma sociedade indígena matriarcal, sem
51
cultura popular e em suas manifestações. Sendo assim, pode-se afirmar que Chico Buarque
de Holanda configura-se como uma das expressões mais significativas dentro do cenário
cultural do Brasil, incorporando significativamente algumas ideias do modernismo do
Brasil, ao tentar apreender em sua obra o universo da cultura popular. Stam assim se refere
ao trabalho do artista ao considerar a visão carnavalesca de mundo dentro da cultura
brasileira:
Chico Buarque como representante de uma geração que sofreu forte repressão
(especialmente durante o Governo Médici), sua obra poético-musical não poderia deixar de
mostrar toda a angústia, gerada pela impossibilidade de expressar opinião e de obter
informações, a que a censura obrigava as pessoas. Ainda que não houvesse em muitas
músicas suas o protesto e a contestação esperados, e mesmo que, por força das conjunturas,
as pessoas fossem impedidas de se expressarem livremente, Chico Buarque tornou-se o
arauto daqueles que não podiam falar – apesar de suas músicas ―não serem políticas‖,
como ele sempre declara. Em Apesar de Você, um exemplo do seu extenso cancioneiro,
canção que ele diz não ter feito com o caráter de protesto a ela atribuído, mas que
ambiguamente, pode tanto ter o sentido político, quanto amoroso. É bem verdade que se há
de deduzir dessa sua afirmação a sua técnica de ―pistas e despistamento‖ (técnica que
consiste em veicular uma série de informações contraditórias – ou contrainformações – em
entrevistas, deixando os leitores e entrevistadores sem saber qual seria a informação
verdadeira). Preocupado com a censura, durante muito tempo, Chico afirma ter usado mais
a sua criatividade enganando-a do que propriamente construindo suas canções.
53
(J.A) Eu acho bobagem a pessoa falar que a censura prejudica, quando eu acho
que o negócio é fazer samba, tem que fazer muito samba mesmo, entende? Eu
faço muito samba, quer dizer, faço vários por dia mesmo (...) e faço samba
duplex também. (...) E quase todos são duplex. (...) São sambas que você pode
mudar, entende?
(J.A) Cada vez que surge um problema, para isso que eu fiz o samba duplex,
que eu pretendo, inclusive, patentear, porque é uma ideia minha que se puder
patentear ...
(U.H) Esse samba duplex, que eu acho que é uma obra aberta, que é o samba
que o ouvinte completa em casa. Você tem a oportunidade de atingir uma faixa
muito grande de ouvintes (...) É um samba que dá várias leituras, em qualquer
nível.
(J.A.) Não, aí é diferente. O samba duplex não se propõe a isso. Não é uma obra
aberta, que é o samba que o ouvinte completa em casa. É uma obra aberta até
passar pelo filtro. Quer dizer, ele é duplex, quando eu componho. Quando
54
chega aos canais competentes, o samba assume uma das duas versões. (grifos
nossos)
(U.H.) Eu tenho a impressão que o samba duplex vai ser muito bem recebido no
seio da família brasileira.
(...) a partir dos argumentos de Bakhtin sobre os ritos cômicos e profanos, não
existe repressão no momento em que ocorre a festa, pois tudo é permitido. A
exemplo do Carnaval – manifestação que possui significados semelhantes tanto
contra o domínio da Igreja na Idade Média (apontamentos de Bakhtin), quanto
do autoritarismo dos militares na obra de Chico Buarque – existe a busca pela
construção de um ―mundo utópico‖; outra perspectiva de existência movida pela
esperança e pelo prazer, diferente da realidade séria e oficializada.
Como elementos que compõem a fantasia, podemos ver sua presença na canção
Noite dos Mascarados.
Quem é você?
Adivinhe, se gosta de mim
Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:
Quem é você, diga logo
Que eu quero saber o seu jogo
Que eu quero morrer no seu bloco
Que eu quero me arder no seu fogo.
Nesta canção, podemos notar um diálogo entre um casal num baile de carnaval, o
que revela como a composição se utiliza do fato de as personagens estarem mascaradas
como pano de fundo para reflexões acerca das relações pessoais em um cenário extra-
carnavalesco.
Outros elementos do grotesco podem ser visualizados em outras composições
de Chico, toma-se a título de exemplificação a canção Não sonho mais (1980), que
seguindo a linha ―antropofágica‖ iniciada por Geni e o Zepelim, em moda na música
popular, em que o artista segue a tendência anterior, não só por abordar personagens
homossexuais (o que já configurava uma inversão dos padrões morais de uma sociedade
tradicionalista), mas também por mostrar vários valores grotescos de forma escrachada e
explicitamente.
Tal canção faz parte da trilha sonora do filme República dos Assassinos de
Miguel Faria Jr., na qual Chico Buarque apresenta um travesti, diferentemente de ―Geni‖,
esse agora além de personagem é também o sujeito lírico. Na letra da canção, o sujeito
lírico se dirige a seu amante, um policial, não muito respeitável, descrevendo um sonho
que tivera com ele. Há tensão entre os dois, o que leva a acreditar que a personagem atua
como quem se confessa (como num ritual religioso) diante do homem. O ―pecado‖, por
assim dizer, poderia ser guardado em segredo, porém desse modo não haveria punição
menor para a personagem que sonha (mesmo não sendo uma mulher, o travesti ocupa o
lugar desta, na condição de oprimido, de assujeitamento diante da figura do homem): o
censor interiorizado praticamente obriga a punição a se exteriorizar. Inscrevendo o
particular da arte no histórico de uma sociedade machista como é a brasileira, é possível
discutir como a arte – no caso, as canções de Chico Buarque – colabora ou tensiona com o
horizonte social.
O sonho, na concepção de Freud (1999) é como a fantasia, o ato falho e os
chistes, um meio de divisar o inconsciente em ação. Ainda, é a realização de um desejo, na
presença de um censor, usando elementos do real e com prejuízo para esse.
Mas, voltando à presença do grotesco na letra da canção, percebe-se que a
personagem e também sujeito da história se mostra aterrorizada com a situação pela qual
passava seu companheiro: no sonho, todas as suas vítimas o perseguem a fim de vingar-se
das atrocidades cometidas contra aquelas pessoas. Apesar do temor demonstrado pela
personagem ao narrar seu sonho, é facilmente perceptível à carga humorística presente no
texto, além do fato curioso de que ela própria estar entre os perseguidores do policial. Mas
de nada adiantava fugir desse povo humilhado, morto-vivo, flagelado, toda aquela gente
tinha um forte motivo para trucidá-lo, pois quanto mais ele corria, mais se aproxima de
seus algozes.
O relevo dado ao baixo corporal mostra-se claramente em palavras e
expressões, tais como: babar na fronha; se urinar toda; escarrei-te inteira a tua carniça;
te rasgamo a carcaça; viramo as ripas; comendo os ovos. A morte que o povo destinou ao
seu verdugo é uma morte antropofágica. Ainda que diante da atitude medrosa do policial
(Tu que foi tão valente chorou pra gente, pediu piedade), motivo de escárnio, inclusive do
58
próprio amante, seus carrascos não demonstraram nenhuma piedade, realizando o ritual
antropofágico, devorando-o.
A música apresenta um ―happy-sad end‖, (o movimento pendular dos finais das
estórias de Chico Buarque mostra-se tão rapidamente, que ocupa os dois extremos: a
infelicidade de um é a felicidade de todos), após comer o seu malfeitor aquele povo pôs-se
a cantar (imagem que Chico também usa, por exemplo, em Apesar de você e Rosados-
ventos). A situação de injustiça (policial-vítimas) além de ser invertida (destronamento do
policial, coroamento do povo), é feita de forma significantemente simbólica pela ingestão
de um pelos outros.
Segundo o próprio Chico Buarque em Carvalho (1992), Não sonho mais ―é
uma letra violenta pra burro‖. No entanto se trata, pode assim dizer, de outro tipo de
violência: alegre, festiva, assim como nas batalhas e pancadarias descritas por Rabelais.
Além do humor presente nessa letra, não permitindo que as imagens de violência se tornem
sérias ou trágicas, a tonalidade risonha prevalece também no próprio arranjo musical.
Nesse capítulo que aqui encerra, procurou-se delinear um perfil do artista
Chico Buarque de Holanda, no interior de algumas de suas letras-poema, sinalizando sua
importância dentro da lírica, destacando sua contribuição para o acervo cultural do Brasil.
59
denominava ―limiar de uma nova era‖, que levaria a humanidade para direções além da
própria modernidade e, para isso as ciências sociais deveriam corresponder à altura. Por
esse motivo, sugeriu-se uma gama de termos para esse período de transição, sendo que
alguns deles atenderam positivamente ao surgimento de um novo modelo de sistema
social, tais como ―sociedade de informação‖ ou ―sociedade de consumo‖, porém a maioria
dos termos sugere que se está chegando a um encerramento, ao que chamaram ―pós-
modernidade‖, ―pós-modernismo‖, ―sociedade pós-industrial‖.
Giddens (1991) declara ser o filósofo Jean-François Lyotard o pioneiro pela
popularização da noção de pós-modernidade. Em sua obra A condição pós-moderna,
Lyotard afirma que a ―pós-modernidade se refere a um deslocamento das tentativas de
fundamentar a epistemologia, e da fé no progresso planejado humanamente‖ (Op. cit., p.
12). Giddens ainda observa que, para Lyotard a condição da pós-modernidade caracteriza-
se por uma evaporação da grand narrative, o ―enredo‖ dominante pelo qual somos
inseridos na história como seres com um passado definitivo e um futuro predizível.
Entretanto, Giddens diverge de Lyotard em relação à condição pós-moderna,
para o crítico, a desorientação (sobre a vida social e padrões de desenvolvimento social) se
expressa na sensação de não se poder obter conhecimento sistemático sobre a organização
social que, conforme seus argumentos, resulta antes de tudo da sensação de que muitos de
nós termos sidos apanhados num universo de eventos, os quais não compreendemos
totalmente e, que, na maioria das vezes fogem ao nosso controle.
Segundo esse crítico, para analisar como isso ocorre, não basta, simplesmente
criar novos termos, como ―pós-modernidade‖, e sim, olhar outra vez para a natureza da
própria modernidade, a qual, por certas razões bem específicas, como defende, tem sido
insuficientemente abarcada pelas ciências sociais. Desse modo, argumenta, que
acrescenta que há uma íntima relação entre os termos e que essa distinção, feita por alguns
estudiosos, mesmo que seja de alguma forma útil, não se lhe configura como objetivo. O
teórico aplica seus estudos com maior rigor na esfera cultural que em formulações
requintadas da filosofia pós-moderna, tecendo uma crítica política e teórica da
contemporaneidade com ostensiva ironia. Dentre as suas pretensões, aludidas desde o
prefácio daquela obra, Eagleton acusa o pós-modernismo de em alguns momentos fabricar
alvos imaginários e de caricaturar as opiniões de seus oponentes. Eagleton assim age, por
um lado, por aspirar exatamente ao que denomina de marcas ‗populares‘ do pensamento
pós-moderno, e, por outro, porque ―o pós-modernismo‘ constitui um fenômeno tão híbrido,
que qualquer afirmação sobre o aspecto dele quase com certeza não se aplicará a outro‖
(Eagleton, 1998, p.8). Antevendo possíveis julgamentos desfavoráveis às suas ideias,
advoga em causa própria:
Mesmo que a análise feita por Eagleton acerca do tema pareça pessimista e
irônica, o teórico se defende, afirmando que admite o ―lado bom do pós-modernismo‖,
apontando seus pontos fortes e os fracos. Inclusive, esclarece que ―não se trata de se
posicionar a favor ou contra o pós-modernismo‖, ainda que, segundo ele, ―haja mais
motivos para se opor a ele do que para apoiá-lo‖ (Eagleton, 1998, p.8). Eagleton diz que
ser pós-modernista
não significa que você abandonou de vez o modernismo, mas que o percorreu à
exaustão até atingir uma posição ainda profundamente marcada por ele, deve
haver algo como um pré-modernismo, que percorreu todo o pós-modernismo e
acabou mais ou menos no ponto de partida, o que de modo algum não significa
que não tenha havido mudanças (Eagleton, 1998, p.8).
A novidade
Que tem no Brejo da Cruz
É a criançada
Se alimentar de luz
Alucinados
Meninos ficando azuis
E desencarnando
Lá no Brejo da Cruz
Eletrizados
Cruzam os céus do Brasil
Na rodoviária
Assumem formas mil
Uns vendem fumo
Tem uns que viram Jesus
Muito sanfoneiro
Cego tocando blues
Uns têm saudade
E dançam maracatus
Uns atiram pedra
Outros passeiam nus
Mas há milhões desses seres
Que se disfarçam tão bem
Que ninguém pergunta
De onde essa gente vem
São jardineiros
Guardas noturnos, casais
São passageiros/Bombeiros e babás
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças
E que comiam luz
São faxineiros/Balançam nas construções
São bilheteiras/Baleiros e garçons
Já nem se lembram
Que existe um Brejo da Cruz
Que eram crianças/E que comiam luz.
Brejo da Cruz faz parte do disco Chico Buarque, lançado em 1984, a exemplo
de Meu Guri e Pivete trata do problema da degradação social, porém alertando, mesmo que
de forma subliminar, para a banalização desse estado. Seria como aceitar o inaceitável,
onde crianças, vítimas da falta de informação, do descaso das autoridades e do desprezo da
própria sociedade, que acomodados pelas situações privilegiadas em que vivem, ou
mesmo, pela própria cultura individualista, não enfrentam o problema desde a sua raiz.
Esse conjunto de fatores faz com que cada vez mais e em maior número, crianças
convivam frequentemente com o Brejo da Cruz. Esta é uma prática desenvolvida no Brasil,
por várias gerações, em que ao miserável lhe é dada a ―esmola‖, por caridade de uma
64
sociedade dita cristã, ou, em forma de alguns ―benefícios‖ sociais, por parte das
autoridades governamentais.
A letra/poema focaliza a evolução social destas crianças, que se conseguem
escapar da criminalidade, não escapam da marginalidade, pois ao chegarem à cidade
grande se misturam a milhões de outros, seus iguais: ―se disfarçam tão bem, que ninguém
pergunta de onde essa gente vem‖. Ou seja, são pessoas que tiveram o mesmo passado
miserável e que hoje disputam tarefas socialmente inferiores, ou quando se
profissionalizam continuam executando trabalhos socialmente desvalorizados como
faxineiros, babás, baleiros, auxiliares da construção civil, dentre outras atividades, sem
nenhuma expectativa real de possível ascensão social. No mundo real tanto quanto no
ficcional, a mesma história se repete como já havia denunciado João Cabral de Melo Neto
em Morte e Vida Severina, poema, aliás, musicado pelo próprio Chico Buarque em 1965.
compostas no período da ditadura militar, época de violação dos direitos políticos e civis,
chamados anos de chumbo, conforme bem observa Meneses (2002), ―anos extremos de
repressão, censura e sufoco‖.
A metáfora é uma das mais poderosas armas no processo comunicativo, pois
possui o poder de quebrar resistências, levando as mensagens que se deseja comunicar. Foi
o que fez Chico Buarque, quando fez a versão do italiano para o português e também,
compôs algumas músicas novas para a peça ―Os Saltimbancos‖, texto de Sérgio Bardotti,
inspirada em Os músicos de Bremen, dos Irmãos Grimm e, que traz uma forte crítica social
contada em um texto infantil. Com esse texto, ele conseguiu burlar a censura durante a
ditadura militar. Como exemplo segue a canção Todos juntos (1977):
De acordo com Perrone (1988), a obra de Chico Buarque nos anos 1970 e
início dos anos 1980 é fundamental para um estudo de inter-relação da música com a
literatura no Brasil. Considera o escritor que as canções mais elaboradas de Chico
demonstram ―sutileza de ideias, especialmente com relação à ambiguidade e a
plurissignificação, estruturas textuais envolventes, usos cuidadosos da metáfora e da voz
poética, e um apurado senso de rima, ritmo e integração verbo-melódica‖ (1988, p. 83).
entanto, outros não de menor relevância, foram relegados, por parecerem inoportunos para
o momento. Não era de se estranhar, a discussão teórico-cultural, na década de 1960, de
temas como o socialismo, a sexualidade e os signos linguísticos. Eagleton não entendia
isso como desvio da política para outro foco, já que linguagem e sexualidade constituem
atos políticos por sua própria natureza, ―mas se revelou por conta de tudo isso, uma
maneira valiosa de deixar para trás algumas questões políticas clássicas, tais como por que
a maioria das pessoas não dispõe do suficiente para comer‖ (EAGLETON, 1998, p. 33).
Hutcheon (1991), a seu turno, não se atém em acusar ou em defender o ―pós-
modernismo‖, como prefere denominar, definindo-o como um elemento atual e cultural
contraditório
Usa e abusa, instala e depois subverte os próprios conceitos que desafia seja
na arquitetura, na literatura, na pintura, na escultura, no cinema, no vídeo, na
dança, na televisão, na música, na filosofia, na teoria estética, na psicanálise, na
lingüística (HUTCHEON, op. cit., p. 19).
Cabe-me agora dizer uma palavra sobre o uso adequado desse conceito: ele não
é apenas mais um termo para descrever um estilo específico. É, também, pelo
menos tal como o emprego, um conceito periodizante, cuja função é
correlacionar a emergência de novos aspectos formais da cultura com a
emergência de um novo tipo de vida social e com uma nova ordem
econômica [...] (JAMESON, 2005, p. 133)
etnia, gênero, orientação sexual) ―assume uma nova importância à luz do reconhecimento
implícito de que na verdade nossa cultura, não é o monólito homogêneo (isto é, masculina,
classe média, heterossexual, branca, ocidental) que podemos ter presumido‖. A teórica
explica que o pós-moderno tem o cuidado de não transformar o marginal em um novo
centro. Esclarece também, que o movimento no sentido de repensar as margens e as
fronteiras é claramente um afastamento em relação à centralização, conjuntamente com
seus conceitos associados de origem, unidade e monumentalidade, atuantes no propósito de
vincular o conceito de centro aos conceitos de eterno e universal. Por sua vez, o local, o
regional e o não totalizante são reafirmados enquanto o centro vai tornando-se uma ficção
―necessária, desejada, mas apesar disso uma ficção‖ (Id., p. 85).
Hutcheon acredita que grande parte do debate acerca da definição do termo
pós-modernismo deve-se ao que alguns consideram como perda da fé nesse impulso
centralizador e totalizante do pensamento humanista. Lembra, ainda, que tanto o marxismo
quanto a psicanálise freudiana foram acusados de serem ―metanarrativas‖ totalizantes. No
entanto, foram profícuos em análises do pós-modernismo exatamente porque seu modelo
―fendido‖ (aos novos tempos, à dialética e a luta de classes, ou as oposições
manifesto/latente e consciente/inconsciente) deu margem a um tipo de totalização
antitotalizante ou de centralização/descentralização que afirma ser muito pós-moderno ou
contraditório.
Considerando-se as ideias de Hutcheon, sobre as noções de ―centro‖ e
―margem‖, essa pesquisa observou, a partir do olhar inclusivo do eu-lírico buarqueano na
canção Subúrbio, que ao tratar da contraposição dos índices de referências entre ―centro‖ e
―periferia‖ da cidade do Rio de Janeiro, estimula vozes das minorias a se expressarem
através de sua música e de sua dança, conforme demonstram os versos da canção:
é a periferia fora do mapa de uma cidade, ela própria meio marginal. Mesmo
assim, o subúrbio mantém um lado idílico, com suas tradições e formas de
expressão próprias. Foi isso que me motivou. Não a saudação do velho Rio e
velho subúrbio, que todo mundo tem. O que me inspirou foi o subúrbio de hoje
(HOLLANDA, 2006, p. 17).
72
9
É a possibilidade que o sujeito tem de ver mais de outro sujeito do que o próprio vê de si mesmo, devido à
posição exterior (exotópica) do outro para a constituição de um todo do indivíduo. (Faraco, C. Aspectos do
pensamento estético de Bakhtin e seus pares. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 46, n. 1, p. 21-26, jan./mar.
2011.
73
Janeiro, incluindo no seu olhar mais especificamente, para aqueles marginalizados, alijados
da parte ―maravilhosa‖, salientando, sobremaneira, a problemática social.
Seguindo essa exposição sobre o posicionamento deChico Buarque na
contemporaneidade, evidenciará nas próximas páginas, outra estratégia utilizada pelo
artista no seu fazer poético: a autorreferenciação poética.
Silva (2000) define a lírica modernista como um processo por ele denominado
de autorreferenciação poética, que consiste em fazer do ato da criação a matéria do poema.
Esse teórico cita alguns fragmentos de poemas de Drummond para exemplificar como tal
processo pode ser compreendido, não apenas na sua, mas na obra de todo poeta moderno.
Consoante com Silva, toda a poesia de Chico Buarque, por sua vez, ilustraria um exemplo
na Música Popular Brasileira. Silva denomina a primeira concepção poética de Chico
Buarque de ―mítico mágica‖, propiciando à poesia o papel de modificar a realidade,
observando que essa concepção aparece em todas as letras-poema do primeiro LP (1966).
Desse disco, ―Tem mais samba‖, seria um indicativo de ―onde a poesia (o samba) se
constrói como um espaço lírico redimensionador da problemática humano-existencial‖. Já
no segundo LP (1967), ―A banda‖ e ―Olé Olá‖ com a poética de ―O realejo‖, recusa essa
concepção mítico mágica, buscando uma nova expressão poética. Acredita Silva que, nos
versos, ―Estou vendendo um realejo/ quem vai levar/ [...] quem comprar leva consigo/ todo
o encanto que ele traz‖, Chico estaria ―abrindo mão‖ do lirismo mágico anterior. Assim, o
poeta seguiria nesse processo de evolução até entender que aquilo chamado de realidade ―é
apenas uma metamorfose do real, operada pela linguagem, e a poesia não destrói essa
metamorfose criando outra, mas instaurando nela a ambiguidade que destrói o poder
codificante da linguagem e possibilita a criação poética‖ (SILVA, 2000, p. 155).
Uma nova concepção poética finaliza Silva, viria com ―Agora falando sério‖,
em que Chico Buarque, referenciando, de forma agressiva, o ato da criação e sua própria
obra, repudia definitivamente a concepção mítico-mágica anterior, reelaborando suas
imagens poéticas:
a cantiga bonita
que se acreditava
que o mal espanta [...] e você que está me ouvindo
quer saber o que está havendo
com as flores do meu quintal?
o amor-perfeito, traindo
a sempreviva, morrendo
e a rosa, cheirando mal.
Quando eu canto...·.
e cantora Chiquinha Gonzaga que compõe a música Abre Alas, uma das mais conhecidas
marchinhas carnavalescas da história.
No início do século XX, pela mistura de ritmos dos morros e cortiços do Rio de
Janeiro, surge a mais popular entre todos os etilos musicais de nosso país: o samba. No
ano de 1917 o cantor Ernesto dos Santos, o Donga, compõe o primeiro samba
chamado Pelo Telefone. Ainda no mesmo ano, aparece a primeira gravação de
Pixinguinha, importante cantor e compositor de nossa música. O samba-canção, que é um
gênero do samba, surge um pouco depois, no final de 1920 centrado em temáticas de amor,
solidão, representando o contraponto do samba ritmado da época.
Dentro desse mesmo estilo, outros cantores também começam a se destacar:
Dolores Duran, Antônio Maria, Marlene, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira, Ângela
Maria e Caubi Peixoto.
Nas décadas de 1920 e 1930 ocorre a popularização do rádio e os cantores da
época ficam cada vez mais conhecidos e alguns cantores se destacam: Ary Barroso,
Lamartine Babo - criador de O teu cabelo não nega, Dorival Caymmi, Lupicínio
Rodrigues e Noel Rosa. Surgem também os grandes intérpretes da música popular
brasileira: Carmen Miranda, Mário Reis e Francisco Alves.
Na década de 1940, a música regional do nordeste começa a contagiar o país
através de Luis Gonzaga, surgindo o baião, ritmo que ficou popular através desse cantor. O
baião retrada o cenário da seca do nordeste. Algumas de suas músicas são conhecidas até
hoje: Asa Branca e Assum Preto.
No final da década de 1950, outro estilo chega a todo vapor: a bossa nova, um
estilo sofisticado e suave. Por ela a música brasileira começa a ser mais conhecida no
exterior. Os principais cantores da Bossa Nova são Elizeth Cardoso, Tom Jobim e João
Gilberto.
Nessa canção, pode-se estabelecer uma relação homológica entre letra e
música, pois no início, o ritmo utilizado é o do baião, em que são usados imagens e
elementos típicos do nordeste brasileiro, berço original do baião. A partir da segunda parte,
Chico inova, mudando o ritmo para o rock, utilizando não só da guitarra elétrica, mas
também de imagens urbanas, como a televisão, cinema, Ipanema.
Me leva daqui
Eu quero partir
Requebrando um rock and roll
Nem quero saber
Como se dança o baião
Eu quero ligar
Eu quero um lugar
Ao sol de Ipanema, cinema e televisão.
E se, de repente
A gente não sentisse
A dor que a gente finge
E sente
Se, de repente
A gente distraísse
O ferro do suplício
Ao som de uma canção
Então, eu te convidaria
Pra uma fantasia
Do meu violão
Chico ainda, no seu disco ―As cidades‖ faz referências diretas a Iracema,
de José de Alencar em Iracema voou (1998),
Iracema voou
para a América
Leva roupa de lã
anda lépida
Vê um filme de quando em vez
Não domina o idioma inglês
Lava chão numa casa de chá
Tem saído ao luar
Com um mímico
Ambiciona estudar
canto lírico
Não dá mole pra polícia
Se puder, vai ficando por lá
Tem saudade do Ceará
mas não muita
Uns dias, afoita
Me liga a cobrar
É Iracema da América
síntese ou letra-convergência dos sentidos e valores éticos e estéticos que Chico Buarque
deixou registrados e entranhados em sua expressão poética‖ (CYNTRÃO, 2004, p. 113).
Nessa canção é importante observar que o ―autorretrato‖ do poeta mostra-se
mais claramente que em Baioque, porém não se registra nenhuma interferência do autor
pessoa na estabilidade estética do texto, ou melhor, em momento algum o eu-lírico se
identifica, revelando-se: ―sou Chico Buarque‖.
Outro elemento da poesia apropriada por Chico em seu fazer poético, refere-se
à estruturação, em Essa moça tá diferente, o compositor utiliza a quadra, uma forma
bastante difundida na poesia popular.
A letra-poema de Fado tropical faz parte da peça Calabar, e foi declamado pela
personagem Mathias de Albuquerque.
Além de elementos formais e métricos utilizados como parte integrante da
construção de suas canções, Chico Buarque também vai utilizar, em suas letras, vários
recursos estilísticos, como: onomatopeias, elipses, rimas ricas, neologismos, metáforas,
85
personificações, aliterações, metonímias, dentre outros. Uma canção, dentre seu extenso
repertório, na qual se podem notar numerosos recursos estilísticos é ―Pedro Pedreiro‖.
Nesta canção, o que percebemos de imediato é a afinidade direta entre nome (Pedro) e o
epíteto (Pedreiro) da personagem, estabelecida pelo morfema ―pedr‖ que nos remete à
pedra, ao que é fixo sólido e imóvel. Concorrendo assim, com a estória da canção que
narra a rotina de um migrante nordestino que pensa sobre sua vida, sugerido pelo
neologismo ―penseiro‖, enquanto espera o trem para ir ao trabalho
na sociedade. No carnaval, o pobre através da fantasia pode ser o que quiser: rei, nobre,
astro de cinema, herói, ou outros, passando por uma catarse proporcionada por um lampejo
de liberdade e utopia, características desse ritual Além do carnaval, Pedro pedreiro espera,
como a maioria de seus iguais, ganhar na loteria para vencer a sua condição miserável.
Pedro pedreiro torna-se assim, porta-voz da condição da vida trabalhadora e explorada do
povo brasileiro.
A repetição, além de representar uma grande espera temporal, enfatiza
também o sentido de angústia, na qual a personagem, após esperar por tanto tempo e com
tanto sofrimento, desiste de esperar ―quer ser pedreiro pobre e nada mais/sem ficar
esperando, esperando, esperando‖, resigna-se diante da enorme desilusão.
Nos quatro últimos versos da canção, Chico utiliza de outros recursos
estilísticos, a fim de enriquecer poeticamente a sua canção, tais como a aliteração em ―p‖,
reforçando seus efeitos rítmicos e a onomatopeia, presente no último verso, em que o
compositor busca reproduzir o movimento do trem que Pedro pedreiro espera
resignadamente:
a inserção desses elementos, onde o lirismo apresenta-se com recorrência não apenas em
textos poéticos, mas também em parte do cancioneiro popular. A esse respeito, Emil
Staiger (1975, p. 72) assevera: ―Poetizar lírico é aquele em si impossível falar da alma, que
não quer ‗ser tomado pela palavra‘, no qual a própria língua se envergonha de sua
realidade rígida, e prefere furtar-se a todo intento lógico e gramatical‖. E ainda, segundo
Koshiyama (2007, p. 84): ―A lírica é sempre uma resposta a uma experiência. Não é uma
experiência fora da história. Se voltarmos às raízes, aos radicais de poesia, poema, poética,
verificamos (...) a íntima associação entre trabalho, linguagem, poesia‖.
A lírica surgiu na Antiguidade como expressão pessoal do sujeito e da união
direta da sua forma com a música. Moisés (1978, p. 306-307) afirma a esse respeito:
A poesia pode ser analisada como um espaço lírico estruturado pela dinâmica
do sujeito e que conforme Staiger (1975, p.73): ―O Épico precisa ser recolhido, o
Dramático tem que ser arrancado à força. O lírico, porém, é dado por inspiração. Esperar
pela inspiração é a única coisa que o poeta pode fazer‖. A lírica expressa sua ligação com a
ideia pessoal do sujeito e sua ligação direta de sua forma com a música, sua origem é dada
pelos Ditirambos que eram poemas entoados pelos gregos sempre acompanhados por
algum instrumento de percussão e em especial da lira, que por sua vez deu origem ao
termo lirismo como sinônimo de canto, cujo fundamento consiste em extravar a
subjetividade ou na temática amorosa.
Os ditirambos eram compostos por corais ou cantos festivos que anunciavam
momentos alegres ou tristes. Por sua entoação é possível perceber seu caráter polifônico, já
que neles a expressão lírica aparece através do encontro de múltiplas vozes. Os diritambos
quando são entoados utilizam simultaneamente do ritmo, do metro e do canto. Também é
perceptível na sua estrutura a presença de um autor, um eu que se apresenta como narrador
A esse respeito, Koshiyama (2007, p. 91) pondera: ―O lirismo é a renovação do canto
ditirâmbico. Se o lirismo, isto é a expressão do ser humano que é portador de experiência
89
poética, não pode capitular ‗ao que quer que seja fora de si mesmo‘, é estranho que ela seja
nomeada mediante categorias negativas‖.
Desde seu surgimento, passando pelos períodos Medieval, Renascentista e
Barroco, os poemas eram criados para serem cantados, assim como a atual música popular,
estabelecendo já uma íntima relação entre poesia e música. Tal relação pode ser atestada
conforme as palavras de Rodrigues (1989, p. 90):
... a grande poesia medieval quase que foi exclusivamente concebida para o
canto. O Barroco, séculos além, fez os primeiros ensaios operísticos, que iriam
recolocar o teatro no coração da música. Depois Mozart, com a Flauta Mágica ou
D. Giovanni, levaria, como sabemos, esta fusão ao sublime.
Durante longo tempo, a poesia destinou-se à voz e aos ouvidos. No entanto, foi
no século XV com a invenção da imprensa XV que se tornou mais clara a diferença entre
música e poesia.
A partir do século XVI, a lírica foi se separando do canto, unindo-se mais á
esfera da palavra escrita, servindo-se mais para a leitura silenciosa. Em decorrência disso, a
poesia, ainda que agregada à música deixou de ser musicada pelo próprio autor do texto
dito literário e a poesia, que antes era feita para o canto passa a ser dita e declamada. Assim
sendo, em fins do século XV, a ligação estreita entre poesia e música enfraquece o que
propicia para cada uma dessas artes buscarem sua autonomia. Apesar disso, a poesia ainda
preserva alguns traços próprios da música.
A respeito da poesia lírica, convém destacar o valor do verso medieval para a
tradição da poesia ocidental.
Acerca da poesia lírica, torna-se preciso ainda ressaltar a importância do verso
medieval para a tradição da poesia ocidental. Tal verso era originário do sul da França, da
região da Provença e conformava uma poesia predominantemente lírica que assinalou os
séculos XI, XII e XIII e que serviria de base, nos séculos seguintes, para todo o lirismo
europeu.
Essas composições eram chamadas de cantigas e se associavam à música e à
dança, tornando-se a principal forma de expressão lírica na Idade Média.
De fato, as cantigas eram poemas compostos para serem ouvidos acompanhados
por música, apresentados nos castelos. Graças às cantigas, os trovadores conseguiram se
destacar no contexto literário dos séculos XII e XIII, disseminando um tipo de composição
mais próxima da poesia popular no que concerne aos aspectos formais, tais como a
90
estrutura paralelística e o refrão e ainda, pela temática apresentada: a ideia do amor como
inspiração poética, nascendo aí o amor cortês ou o ―fin‘amors‖.
A poesia provençal ou lírica de idealização amorosa estava destinada à escrita,
composta por um esquema de tonicidade em que pudesse persistir o caráter de duração das
sílabas. Entretanto, traços do lirismo medieval, cujas origens encontram-se nos versos
provençais, podem ser encontrados no lirismo galego-português, suas cantigas além de
serem acompanhadas de instrumentos musicais também eram coreografadas. Mais uma vez
pode-se atestar aí uma estreita relação entre a letra e o som das canções.
Por volta do século XI, a Península Ibérica fora palco de sangrentas batalhas
que tinham como objetivo declarado expulsar os muçulmanos que desde o VIII ocupavam
a região. Mas como ocorrerão no caso das Cruzadas, mais do que uma intenção religiosa,
estas lutas terão fortes escopos políticos e territoriais. Assim, em breve a Lusitânia se
afirmará como região politicamente independente do resto da península, e o primeiro rei de
Portugal será Afonso I, que subirá ao trono em 1139. Ainda por esta época, embora seja
matéria difícil estabelecer o momento exato do surgimento de uma língua ou variação
linguística, na Lusitânia se consolidará como língua falada e escrita o galego-português
O poeta que viverá este momento de reconquista, de religiosidade, de
batalhas, do particular ambiente de corte da Idade Media, e da língua galego-portuguesa,
será o trovador. E a sua arte refletirá o mundo que o rodeia. Contudo, o trovador não será
um artista qualquer; a sua fama, ou o valor da sua arte, será atribuído primeiro de acordo
com as suas origens familiares. Para ser um trovador, o sujeito precisava antes de tudo ser
um nobre, participar do ambiente de corte, ser culto; e se não gozasse de um bom
nascimento, precisava ser o protegido de algum nobre de grande influência. Em outro caso
seria denominado Jogral. Este, não sendo um nobre, ou não sendo um protegido, não
frequentava a corte, e cantava a sua poesia pelas ruas, muitas vezes indo de cidade em
cidade.
O trovadorismo representa a primeira escola literária galego-portuguesa. As
suas cantigas foram tardiamente organizadas em cancioneiros (Cancioneiro da Ajuda, o
Cancioneiro da Biblioteca Nacional de Lisboa e o Cancioneiro da Vaticana) e então
classificadas entre os gêneros lírico (cantigas de amor e de amigo) e satírico (cantigas de
escárnio e maldizer). Os trovadores ainda escreveram as gestas, ou estórias de cavalaria.
Nestas faz-se notar a forte influência das batalhas contra os mouros e a religiosidade cristã.
91
As cantigas de amigo tem origem popular e folclórica, nas quais o poeta fala
em nome de uma mulher, que geralmente sofre e chora pela ausência de seu amado. As
cantigas de amor apresentam os temas do amor cortês provençal, em que um trovador
idealiza uma situação amorosa, usualmente alterando a poesia primitiva produzida em
terras germânicas e italianas, cujo tema principal era a mulher e que também utilizava da
música e da coreografia. Essa poesia receberia como contribuição dos trovadores a técnica
instituída através de uma disciplina e não mais por inspiração simplesmente, bem como a
arte pela arte e a percepção dos meios para realizar essa arte poética, além da vassalagem
amorosa. Assim surge a poesia palaciana e, consequentemente a poesia popular.
Com a separação mais decisiva entre poesia e música, conforme vem sendo
abordado nesse estudo, aparecem no final do século XV e primórdios do século XVI ―as
primeiras individualidades poéticas‖ (Spina, 1972, p.44), com uma poesia com novos
contornos, trazendo novos ritmos e temas, além de novas combinações estróficas. São seus
maiores representantes Duarte de Brito, Diogo Brandão, Jorge de Aguiar e João Ruiz de
Castelo Branco.
Entretanto, no século XVIII refaz-se novamente uma ligação mais estreita entre
poesia e música, principalmente nos poemas do poeta árcade Silva Alvarenga. Antônio
Cândido (1981) afirma que a poesia de Silva Alvarenga é a primeira de nossa literatura a
sugerir um modelo de poesia lírica, de modo sistemático e absorvente, apresentando um
metro fácil e cantante, de sabor quase popular. Ainda, concentrando-se nas formas breves,
apropriadas á pesquisa lírica e a á expressão dos estados poéticos.
Durante o Romantismo, já no século XIX, tanto a poesia quanto o papel do poeta
sofrem algumas transformações, devido a questões histórico-culturais, bem como à
formação da sociedade burguesa advinda da Revolução Francesa e também, pelo progresso
científico, tecnológico e industrial. O poeta passa a desempenhar uma nova função e a
poesia lírica é vista com maior prestígio, pois a burguesia passa a perceber um esboço
profissional na manifestação artística, o que gerou uma sensação de inadequação do artista
perante a nova sociedade conduzida por aqueles avanços. Isso desencadeou nos poetas
românticos a busca pela evasão. Sendo assim, o individualismo burguês é tomado pelo
poeta como profundo subjetivismo emocional, fazendo com que o artista buscasse
expressar-se numa linguagem que incorporasse ao texto poético o mundo e as conjunturas
da modernidade que já despontava. Para conseguir tal feito, o poeta necessitou voltar-se
para a matéria-prima verbal de sua poesia, procurando aí as possibilidades de uma
92
expressão que, mesmo assentada na palavra e no som, propiciasse uma nova configuração
à linguagem poética. Os poetas românticos procuram então, expressar-se subjetivamente,
através da construção de significado ao espaço circundante, transformando-o em seu
espaço lírico, manifestando-se emocional e sentimentalmente. O poeta romântico proclama
seu lirismo no individualismo e na valorização do sentimento.
No Brasil, durante o período de construção de um projeto nacional, o lirismo
romântico acabou se impondo em decorrência de um discurso voltado para a afirmação
nacionalista, personalidade literária e eloquência retórica, possibilitando assim a integração
do ―eu‖ com a natureza na poesia.
Com o advento do Modernismo, um pouco mais à frente, a expressão lírica se
constrói a parir da dissolução da subjetividade, contida nos versos românticos.
O sujeito lírico da modernidade já não mais se fecha em torno de uma pessoa
em particular, libertando-se, tanto da figura do poeta, quanto da do leitor, que também já
não se confunde ou representa o sujeito de carne e osso. Desse modo, o sujeito lírico passa
a ser edificado conforme as escolhas de linguagem que existem no poema, atestando que
esse sujeito lírico não poderá mais ser confundido com aquele poeta ―em pessoa‖, pois sua
existência ―brota da melodia, do canto, da sintaxe, do ritmo: o sujeito lírico é o próprio
texto, e é no texto que o poeta real transforma-se em sujeito lírico‖ (Cara, 1982, p. 48). O
poema configura-se como lugar de liberdade e também, como espaço de expressão das
possibilidades essenciais à própria linguagem, dentre as quais, o ritmo, a musicalidade, a
pluralidade de sentidos e a polifonia.
As canções Atrás da porta (1980); Olhos nos olhos (1976), dentre muitas
outras, de autoria de Chico Buarque exemplificam as afirmações feitas anteriormente, uma
vez que em ambas há uma voz de autoria masculina, que se manifesta através de um eu
lírico feminino. Tais vozes falam com a pessoa amada, sendo que na primeira canção,
percebe-se uma voz dilacerada pela dor da separação e na outra, uma voz que superou
(pelo menos aparentemente) a perda amorosa.
A presença lírica nos textos modernos se vincula então, à manifestação objetiva
do sujeito lírico inserido em um espaço lírico subjetivo. Para demonstrar esse
posicionamento do sujeito lírico nos contextos romântico e moderno, buscou-se na canção
Sabiá (1968), na qual é patente o diálogo com o poema de Gonçalves Dias.
Vou voltar
Sei que ainda vou voltar
93
doloroso, mas ao mesmo tempo como uma maneira de se resgatar a memória de uma
situação. Seguindo ainda nessa argumentação, o mesmo teórico declara haver também
nessa perspectiva lírica um cuidado com a sonoridade das palavras ao se organizarem em
sucessões rítmicas melodiosas e sugestivas. Dessa forma, o lirismo seria então entendido
como a expressão do humano ao transmitir sua experiência poética. Desse modo, é
possível afirmar que o cancioneiro buarqueano se encontra nesse contexto, já que se liga à
experimentação, à vivência de emoções. Consoante com esse lirismo defendido por
Koshiyama cita-se como exemplo a letra de Futuros Amantes (1993)
Eu te vi suspirar de aflição
E sair da sessão, frouxa de rir
Já te vejo brincando, gostando de ser
Tua sombra a se multiplicar
Nos teus olhos também posso ver
As vitrines te vendo passar
Na galeria
Cada clarão
É como um dia depois de outro dia
Abrindo um salão
Passas em exposição
Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão.
Ainda de acordo com Stuart Mill, em seu livro A sujeição das mulheres (1869),
a opressão e subordinação das mulheres seriam solucionadas através de uma reforma das
instituições, impulsionada pelo princípio da ―perfeita igualdade‖. A eliminação dos
resquícios tradicionais que sustentam a dominação feminina presentes na legislação
moderna seria garantida graças à tendência inevitável de ―aperfeiçoamento moral da
humanidade‖ (Mill, 2006: 66).
Em outras partes da Europa, a mulher ainda sofria discriminações, como na
Itália, cuja reforma eleitoral de 1912 estendeu o direito ao voto aos analfabetos, mas
excluiu as mulheres, os menores, os prisioneiros e os dementes. Só em 1945 as italianas
tiveram direito ao voto, após duas guerras mundiais.
Na América do Norte, as mulheres também obtiveram conquistas. Em 1837,
fundou-se nos Estados Unidos a Universidade Feminina de Holyoke e, nesse mesmo ano,
realizou-se em Nova York uma convenção de mulheres que se opunham à escravidão. O
104
Em 1963, Betty Friedan lançou nos EUA A mística feminina, onde retomou as
ideias de Beauvoir, denunciando a opressão da mulher que, na sociedade industrial,
apresentava o problema sem nome - a angústia do eterno feminino, da mulher sedutora e
submissa. Nessa obra, ela escreve e revela toda a frustração das mulheres de sua geração e
formação – universitárias ou não, cheias de energia e criativas – obrigadas, por convenções
sociais, a escolher entre os filhos e a carreira. Mulheres que "sofriam do mal sem nome",
(Op. Cit., p.71) com o qual conviviam à custa de antidepressivos e a da felicidade pessoal.
Para a conservadora sociedade norte-americana, o nome de Betty Friedan
soava como heresia, já que ela discordava do padrão estabelecido como modelo de
felicidade familiar no qual o marido ascendia profissionalmente, solidificando sua carreira,
106
Sobre esse tema, Chico diz ainda que não foi ele quem começou a fazer
músicas no feminino. Na música brasileira sempre houve essa tradição, com compositores
da época de Ary Barroso, Assis Valente e Noel Rosa. Como não havia compositoras, os
compositores homens tinham que escrever músicas para as cantoras; ―então surgiu essa
tradição de se compor no feminino‖. O compositor também afirma que muitas canções,
inclusive as dele, eram feitas na primeira pessoa não só para cantoras como para
personagens femininas, para as atrizes que estavam em cena no teatro.
Chico Buarque complementa sua fala, colocando-se na condição de aprendiz
desse processo de compor no feminino: ―sou um discípulo de Vinícius de Moraes, que foi
o grande cantor das mulheres. Ele recorria muito às cantigas de amigo. Era um conhecedor
dos trovadores, muito mais do que eu. Eu pego ―isso por via indireta‖ 11.
Meneses (2001) fez um estudo do universo feminino e dos desejos das
mulheres no interir do cancioneiro de Chico Buarque. A autora inicia sua argumentação
afirmando que a pergunta sobre o que quer a mulher ―ressoa singularmente‖ nas canções
buarqueanas. Segundo ela, ―as canções de Chico, como poucos na Música Popular
Brasileira, tematizam a mulher e seu desejo‖ (2001, p. 15). A escritora continua, afirmando
que, se de um lado, a produção de Chico traz uma visão masculina do feminino, percebida,
por exemplo, em Tororó:
10
HOLANDA. Depoimento por ocasião da organização do DVD Chico Buarque: À flor da pele.
11
HOLANDA. Entrevista concedida ao professor Rinaldo de Fernandes por ocasião da defesa de sua
dissertação de mestrado. (A mulher nas canções de Chico Buarque, 1995, UF Paraíba).
115
mulher como algo inerente à sua constituição. O pensamento misógino justifica práticas
culturais e relações intersubjetivas na assimetria entre o masculino e o feminino,
desenvolvendo sentimentos de inferioridade e culpabilidade na mulher. A misoginia não é
uma invenção, mas um fato histórico (SCHOTT, 1996).
Toda a simbologia que aborda a expulsão do homem e da mulher do paraíso
traz para a humanidade a perda da condição divina e essencialmente para a mulher, a
nódoa do pecado, porque foi ela que se entregou ao demônio. Pecadora, ela terá de se
redimir na submissão e resignação.
Confúcio, quinhentos anos antes de Cristo afirmava ―É a lei da natureza que a
mulher deva ser mantida sob o domínio do homem (...) tal é a imbecilidade da mulher que
é seu dever, em todos os aspectos, desconfiar de si própria e obedecer ao marido‖
(STARR, 1993, pp.11,103).
Sobre a condição da não confiabilidade da natureza feminina, bem como da sua
responsabilidade pelas desgraças masculinas, recorre-se à Shott:
Pandora a primeira mulher foi criada por Zeus para se vingar de Prometeu pelo seu
crime de roubar o fogo. Conforme os desígnios dos deuses Pandora seria de bela
aparência e plena de maldade em seu coração. Os deuses deram à Pandora um
cântaro contendo os males e enfermidades do mundo. Entre outros males, Pandora
traz a cruel lição do malogro para os homens, que descobrem demasiado tarde que o
que é belo por fora abriga o mal no interior. A lenda de Pandora simboliza a
percepção grega de que o mal da morte está oculto por baixo da bela aparência da
vida. Dado que a raça de mulheres irradiou-se a partir de Pandora, as mulheres
carregam a nódoa do mal atribuído ao ato de Pandora (SCHOTT, 1996, p. 40).
ao entendimento, porém por este motivo, encanta-se com Beatriz, mas sua indagação
projeta-se no verbo ―será‖, no que está por vir.
Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu (...)
(...) (Buarque, C. Beatriz in: Edu Lobo - Chico Buarque Para o balé O grande
circo místico, Marola edições Musicais, 1998).
Sobre essa canção, Meneses (2001, p. 17) declara que ―no nível do significante
se explora a palavra atriz aí embutida, no nível do significado evoca-se (e com força!) a
mulher que conduz o Poeta ao céu, Beatriz musa-guia inspiradora de Dante na Divina
Comédia‖. Além desse movimento de ascensão que a canção imprime, evidenciado pela
recorrência da palavra céu, pode-se também perceber além da intensidade corporal, a
figuração do ‗eterno feminino‘ que, à maneira de Goethe, ‗acena/céu acima‘ (Meneses,
2001, p. 16).
Meneses (2001) afirma ainda que, por outro lado, em vários momentos, as
canções do referido compositor encerram um eu-lírico feminino, no qual transparecem a
fala da mulher, bem como o relato de suas perdas, privações, desejos e anseios, como na
canção Pedaço de mim:
Oh pedaço de mim
Oh metade arrancada de mim
Leva o vulto teu
Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu‖ (Buarque, C. in: Ópera do malandro, Biscoito Fino,
2003).
117
não correspondência ao amor expresso pelo trovador. Ao trovador só lhe resta lamentar,
não só a ausência do corpo da amada, mas a indiferença de sua alma.
A postura do distanciamento feminino, em canções de Chico Buarque, parece
repetir a figura da mulher das cantigas de amor do trovadorismo português: uma mulher
sempre jovem, bela, perfeita, endeusada, sempre em atitude de espera, caracterizada como
uma nova Penélope.
A fim de exemplificar essa representação da mulher sempre à espera,
demonstrando passividade e distanciamento, elege-se Ela e sua janela; Carolina; Januária,
dentro do cancioneiro buarqueano.
Ela e sua janela já anuncia uma nova mulher que estaria se configurando,
conforme o novo contexto social e cultural, já não parece estar disposta a ficar esperando
pelo homem que ―só pode estar dançando‖ jogando ou bebendo. Sua feminilidade já não
pode ser representada apenas por ser mãe (sua menina) ou por fazer tricô, há outro moreno
que lhe acena e há a lua, elementos que lhes servem de motivo para ir ―outra vez na rua‖ e
quem sabe ―viver duma vez a vida‖.
Na sequência, aparecem Carolina (1968) e Januária (1968) que se configuram
como as personagens que se posicionam diante da janela e, portanto, segundo Meneses ―na
posição de quem fica à margem das coisas vendo a vida e a banda passarem‖ (MENESES,
2001, p. 89).
aqueles românticos por ele invejados, eleva sua musa a mais alta condição, a mulher
perfeita, portanto, inatingível.
Quantos artistas
Entoam baladas
Para suas amadas
Com grandes orquestras
Como os invejo
Como os admiro
Eu, que te vejo
E nem quase respiro
Quantos poetas
Românticos, prosas
Exaltam suas musas
Com todas as letras
Eu te murmuro
Eu te suspiro
Eu, que soletro
Teu nome no escuro
Me escutas, Cecília?
Mas eu te chamava em silêncio
Na tua presença
Palavras são brutas
Pode ser que, entreabertos
Meus lábios de leve
Tremessem por ti
Mas nem as sutis melodias
Merecem, Cecília, teu nome
Espalhar por aí
Como tantos poetas
Tantos cantores
Tantas Cecílias
Com mil refletores
Eu, que não digo
Mas ardo de desejo
Te olho
Te guardo
Te sigo
Te vejo dormir
A última canção desse bloco a ser analisada é Abandono (1988), que também
ilustra um eu lírico feminino em face da ausência do ser amado,
3.3.2 A mulher submissa: mirem-se no exemplo daquelas mulheres, mas não muito.
Canção composta em 1941 por Ataulfo Alves e Mário Lago, na qual declaravam que Amélia era mulher
de verdade porque não tinha vaidade, porque achava bonito não ter o que comer, porque lhe sobrava
paciência e tolerância para com seu homem. http://revistaalfa.abril.com.br/entretenimento/musica/mario-
lago-e-a-nossa-amelia/ acesso em 21 de jul. 2012.
124
dependente dela. Essas manhas e artimanhas do sujeito feminino são expostas nos versos da
canção.
(Buarque, C. Com açúcar, com afeto In: Chico Buarque de Hollanda, vol. 2,
RGE, 1967).
Muito se escreveu sobre esta famosa composição pelo fato de ter sido a
primeira em que o Chico colocou como protagonista a Mulher. O texto mostra a esposa
responsável e o marido irresponsável. Não há um confronto, mas um entendimento, a
despeito da inversão de valores pregados pelos moldes sociais contemporâneos, ainda bem
patriarcais.
Com Açúcar, Com Afeto é uma Trova em Cantiga de Amigo, na qual o poeta
procurou colocar na boca da mulher as impressões que o mesmo tinha do seu próprio
comportamento cotidiano, numa típica autocrítica espelhada no comportamento da
companheira. Essa atitude feminina, apresentada aqui da perspectiva da mulher (atraindo,
assim, as simpatias para a suposta vítima de uma situação desequilibrada), pode ser vista de
outro viés, que revelará, sob a camada de afeto, a dimensão de controle e cerceamento da
liberdade estabelecida por essa mulher doméstica.
A canção Mulheres de Atenas (1976) é vista por algumas feministas como
apologia à submissão das mulheres gregas, já que parece enaltecer seu servilismo e
obediência a seus maridos, ampliando esses domínios para a realidade brasileira, ou
125
Diante das representações das identidades das mulheres gregas, surgem alguns
questionamentos: de onde viria a submissão, a paciência e o recato de Penélope? Quem lhe
ensinou a reprimir seus desejos? E o aprisionamento do tempo, nas linhas que teciam
bordados e que capturavam segredos contados em cada ponto? E quantas Helenas tiveram
seus corpos violados em nome da superioridade masculina?
Desde muito cedo a identidade de gênero vai sendo construída de acordo com a
construção social. Todos nós estamos fortemente impregnados do caráter binário de
categorias como feminino e masculino, no entanto, nas últimas décadas, uma grande zona
de desconforto foi criada, com tantas possibilidades que estão sendo declinadas na
categoria gênero. A diversidade nos coloca diante de novas formas de agrupamentos
sociais, esvaziando o discurso binário, do certo ou errado, normal ou patológico.
O gênero nos remete ao movimento, à transformação social, aos significados
que vão sendo construídos e (re) significados à medida que o homem se depara consigo
mesmo e com o seu entorno, uma busca incessante para dar sentido a sua existência.
Na mesma trilha das canções analisadas acima, A mais bonita (2011) apresenta
um eu lírico que precisa se mostra bonita e revelar-se da forma mais bonita para que seja
notada pelo homem amado. A personagem não só chora, mas também, finge que está feliz,
finge que não sabe e finge que finge para agradar seu homem. Deseja se fazer bonita para
que os olhos do seu bem não olhem para mais ninguém. Nesse jogo de dissimulações, ela
espalha seus rostos e arrasa na casa dos espelhos. Os versos da canção podem colaborar
com essas afirmações.
Essa impotência física traduz-se por uma timidez mais geral: ela não acredita
numa força que nunca experimentou em seu corpo; não ousa empreender,
revoltar-se, inventar: votada á docilidade à resignação, não pode se não aceitar,
na sociedade, um lugar já preparado. Ela encara a ordem das coisas como dadas
(BEAUVOIR, 1980, p.69).
Assim, a mulher é ensinada desde criança que não é aumentando seu valor que
será respeitada e estimada aos olhos do homem; nem com agressividade, autoridade ou
franqueza poderá conquistá-lo; mas sim, abdicando de seus desejos é que poderá agradá-lo.
O eu lírico de A mais bonita parece saber disso muito bem.
A canção Atrás da porta (1972) é tomada como emblemática para configurar a
submissão feminina. Os versos dessa canção ilustram tal posicionamento:
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito
Nos teus pêlos (sic!)
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama‖
Chico realça a noção de amor como instinto selvagem, uma série de atitudes
impulsivas, a visão selvagem dá destaque a esta ação. Um dos versos mais interessantes é
―Sem carinho, sem coberta‖. A ausência de carinho, uma palavra que assume sentido
abstrato e a da palavra coberta, como algo concreto. A primeira estrofe termina com ―No
tapete atrás da porta / Reclamei baixinho‖. O tapete atrás da porta e a gradação do advérbio
baixo para baixinho destacam a submissão do sujeito poético feminino.
Na segunda estrofe. Há uma ruptura com a submissão e a presença do
sentimento de vingança é inevitável, tendo como pano de fundo a selvageria. A
ambiguidade da canção fica a cargo de Te adorando pelo avesso que cria uma imagem
confusa de amor, tanto pode referir a não adorar, como a adorar apesar do lado ruim, dos
defeitos, das imperfeições do interlocutor, objeto desse amor desmedido.
A última canção desse bloco referente à submissão feminina na obra musical
de Chico Buarque é Meu namorado (1983). Nos seus versos percebe-se um eu lírico que
sofre de uma crise de identidade, caracterizada como a ―perda de sentido de si‖ (HALL,
2005, p.9).
(Buarque, C. e Lobo, E. Meu namorado In: O grande circo místico, Som Livre,
1983).
O eu lírico dominado pela paixão, o que a faz submissa diante do seu amor,
mostrando-o ao mundo como um homem dominante, entretanto é ela, no íntimo da relação,
quem conduz e domina a paixão, dando e recebendo o que decidiu sobre os sentimentos.
Hall relaciona o processo de deterioramento da noção de identidade única e
coerente aos novos modelos culturais da pós-modernidade, pois ―à medida que os sistemas
de representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade
desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos
nos identificar ─ ao menos temporariamente‖ (HALL, 2005, p. 13).
Quanto a esse aspecto da perda de uma identidade definida pelo sujeito, a
análise empreendida para as canções acima procurou mostrar como a busca amorosa
constitui uma tentativa de encontrar o sentido de si e a completude na união com o outro. A
canção Meu namorado revela essa entrega, sobretudo, nos seguintes versos: ―Vejo meu
bem com seus olhos / E é com meus olhos / Que o meu bem me vê‖.
progressiva gradação, a partir dos anos 1970, ocorre uma mudança na representação
buarqueana sobre a postura da mulher, que se realiza no sentido de dentro para fora. Ao
sair do interior do lar, espaço a ela destinado pelos cânones convencionais, a mulher passa
a se projetar no espaço ilimitado da rua. Essa mudança ocorre em dois níveis: tanto no
domínio sentimental e emotivo, quanto no político-social, num percurso que delineia a
libertação da mulher que sai de sua casa – moradia e o próprio corpo e alma – para viver a
vida. Uma produção artística marcada, portanto, pela lírica amorosa concomitante com a
temática de teor político-social. Mas ao se referir às mulheres, Chico Buarque não apenas
as menciona numa situação em que elas são apenas referentes. Ele extrapola essa relação, a
partir a partir do momento em que cria vários eus-líricos femininos para diferentes
manifestações.
A partir de então, é dada autonomia e voz às mulheres menosprezadas pelo
universo machista e pelo sistema. Com uma exacerbada sensibilidade, o poeta deixa de
lado seu subjetivismo como eu individual e se lança, num protesto veemente, sob a
perspectiva do outro. Não é somente uma questão de solidariedade, pois se trata de um eu
pungente que sente e se fragmenta em múltiplas faces de um mesmo individuo. Nessa
postura de assumir a voz de uma mulher, diminui-se consideravelmente o distanciamento
que havia nos textos em que a mulher era apenas referente, em muitas vezes uma figura
idealizada. Ao assumir um outro eu, Chico Buarque passa a experimentar essa outra
identidade, os sofrimentos e as alegrias nela existentes. Daí a naturalidade do compositor
em transitar por vários eus, conforme nos assegura Maria Helena Sansão Fontes:
(Buarque, C. Olhos nos olhos In: Meus caros amigos, Polygram/Philips, 1976).
Bárbara evoca um ponto de vista feminino e sensual, marcado por sua relação
amorosa-política com o companheiro Calabar13. É o corpo feminino e a terra conjugados
num mesmo plano semântico, e ambos marcados por acentuado erotismo e sensualidade. A
terra, enquanto metáfora de corpo se deixa interpenetrar através de dois sentidos (O corpo
feminino e o geográfico) e que, inevitavelmente, pela associação de imagens, sobrepõem-
se uns aos outros. Por outro lado, permite-se considerar todo esse campo semântico erótico
sexual através de outro aspecto de Bárbara, agora não mais voltada para a sensualidade e o
prazer. Essa receptividade, característica do feminino em diversas de suas abrangências,
agora empresta lugar a uma feição de cunho político e guerreiro. A parceria com Calabar
agora pode ser considerada através da luta em que ambos se engajavam, pois ela era a
companheira de seu homem nos combates. Elementos como Terra, matas, rios, campanhas,
currais, trincheiras, entranhas e pântanos de onde emergiam vazantes e correntes não mais
se referem à geografia corporal de Bárbara, mas assumem seu sentido literal: paisagens
geográficas pelas quais o casal se aventurava durante as batalhas.
Apresenta-se em versos da canção Cala a boca Bárbara (1973), cujos versos
exemplificam a relação de cumplicidade, tanto como amantes quanto guerreiros:
13
Calabar o elogio da traição, peça teatral escrita por Chico Buarque e Ruy Guerra em 1973, m que
desmitifica-se o papel de traidor e do conceito de traição.
136
Cala a boca
Olha a noite,
Cala a boca,
Olha o frio,
Cala a boca Bárbara.
Cala a boca Bárbara.
Cala a boca Bárbara.
Cala a boca Bárbara.
(Buarque, C Ela destinou, In: Chico Buarque de Hollanda, vol. 3, RGE, 1968).
O eu lírico dessa canção é o que Meneses (2002) denomina de ―mulher órfica‖
– que não respeitaria, por exemplo, o princípio da realidade, e continuaria sambando após a
quarta-feira de cinza, num carnaval continuado, não vendo que as outras pessoas já estão
sofrendo normalmente. A personagem feminina demonstra uma perda do censo,
utilizando-se do carnaval, como momento agendado para o extravasamento de pulsões
reprimidas e como um grito alegre e libertário de condenados à insanidade. Se em Essa
moça tá diferente, a manifestação da dança, como expressão da liberdade corporal, bem
como em Bárbara, cuja palavra é interditada, em Ela desatinou, a alegria só é autorizada
como sinônimo de devaneio ou desvario.
Morena de Angola (1980) apresenta outra personagem feminina que transgride
a ordem, instaurado a agitação, desfazendo o previsível, os costumes. Nada mais se podia
esperar da Morena bichinha danada minha (de Chico Buarque) camarada do M.P.L.A 14.
14
O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) é um partido político de Angola, que governa o
país desde sua independência de Portugal em 1975. Foi, inicialmente, um movimento de luta pela
independência de Angola, transformando-se num partido político após a Guerra de Independência de 1961-
74. Conquistou o poder em 1974/75, durante o processo de descolonização e saiu vencedor da Guerra Civil
Angolana de 1975-2002, contra dois movimentos/partidos rivais, a UNITA e a FNLA. Avante, nº
1793, 10.Abril.2008. http://www.avante.pt/pt/1793/emfoco/24123. /Acesso em 22 de jul. de 2012.
138
Será que ela não fica afoita pra dançar na chama da batalha?
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Passando pelo regimento ela faz requebrar a sentinela
Iá, iá, iá
(...)
Morena de Angola que leva o chocalho amarrado na canela
Morena bichinha danada minha camarada do M.P.L.A.
A mulher liberada, a partir da década 1980, é tomada como uma nova mulher:
trabalha fora; responde, consequentemente pela satisfação de suas necessidades
econômicas; compartilha com o marido, a divisão das despesas do lar; assim como
colabora fortemente para o crescimento do patrimônio familiar (em termos de bens
materiais). A mulher passa a competir com os homens e com outras mulheres pelo seu
lugar no mercado de trabalho; e escolhe se, quando e com quem deve ter filhos. Nessa
balada, passa a considerar o amor, tentando não depender dele para ser feliz.
As canções que se passa a analisar nesta seção foram selecionadas para mostrar
comportamentos femininos desviados dos padronizados pela sociedade tradicional, na qual
os papéis identitários do masculino e do feminino eram claramente definidos. A fim de
apresentar mulheres que transgridem tais padrões, utilizou-se das canções: História de uma
gata (1981); Murro em ponta de faca (1978), A Rosa (1995), A violeira (1983) e O meu
amor (1978).
Pode parecer estranho o fato de se abrir essa tentativa de análise com uma letra
de música feita para a trilha sonora de um filme voltado para o público infanto-juvenil (Os
saltimbancos Trapalhões, 1981), porém a mesma canção já havia feito parte do espetáculo
Os Saltimbancos, em 1977, para tratar de mulher liberada. Atentemo-nos, então, aos versos
da canção. Os Saltimbancos é um musical infantil com letras de Sergio Bardotti e músicas
de Luis Enríquez Bacalov, versão em português e músicas adicionais de Chico Buarque,
numa adaptação de Os músicos de Bremen recolhido pelos irmãos Grimm. Em 1981, a
peça foi adaptada para o cinema, intitulada Os Saltimbancos Trapalhões (Europa Filmes)
interpretada por Didi, Dedé, Mussum e Zacarias, Os Trapalhões.
Nos versos iniciais, pode-se perceber como era tranquila e confortável a vida
da gata, recebia todos os cuidados e não precisava se preocupar com as dificuldades do
mundo real: comida e teto. Assim como a mulher dos chamados ―anos dourados‖, que
tinha na figura masculina, pai ou marido o seu provedor e protetor. Diante da segurança do
lar, só restava aproveitar e não reclamar.
141
Me alimentaram
Me acariciaram
Me aliciaram
Me acostumaram
O meu mundo era o apartamento
Detefon, almofada e trato
Todo dia filé-mignon
Ou mesmo um bom filé... De gato
Me diziam todo momento
Fique em casa não tome vento
A voz enunciadora dos primeiros versos declara que não gostava de sair de
casas, demonstrando como se sentia acolhida, segura de seus domínios; mas sem que
percebesse criou asas, ou seja, o tempo passou, as coisas mudaram e ela, que antes não
tinha consciência de si, de repente encontra-se diante de suas possibilidades. Erros e
acertos fazem parte de seu percurso, de sua busca de encontrar-se no mundo, o sujeito uno,
já não consegue atracar em nenhum porto seguro.
(Buarque, C. & Boal, A.Murro em ponta de faca, não gravada,1978, para a peça
Murro em ponta de faca).
A Rosa
Ah, Rosa, e o meu projeto de vida?
Bandida, cadê minha estrela guia?
Vadia, me esquece na noite escura
Mas jura
Me jura que um dia volta pra casa
Desde menina
Caprichosa e nordestina
Que eu sabia, a minha sina
Era no Rio vir morar
Em Araripe
Topei como chofer dum jipe
Que descia pra Sergipe
Pro Serviço Militar
Esse maluco
Me largou em Pernambuco
Quando um cara de trabuco
Me pediu pra namorar
Mais adiante
Num estado interessante
Um caixeiro viajante
Me levou pra Macapá
Uma cigana revelou que a minha sorte
Era ficar naquele Norte
146
O eu lírico desde cedo conhecia o seu destino, não esperou contar com a sorte e
foi trilhar o seu caminho: viajou de norte ao sudeste do Brasil, teve muitos amores e filhos
bem feitos, mas apaixonar só pela beleza de Ipanema, de onde foi escorraçada pela
147
autoridade, porém resiste Não vê sentido em se casar com um qualquer e ainda ter que
refazer o caminho de volta para o sertão. È briosa, determinada, valente, dona de seu corpo
e de sua vontade, não se vitimiza nem aceita a opressão. Assim a mulher contemporânea
vai construindo suas identidades, com luta e dignidade, com tropeços e contradições, como
é próprio da natureza humana.
A última letra-poema que será analisada nessa seção é O meu amor (1983).
Nos versos dessa canção assiste-se a um duelo de forças femininas, em que ambas
ressaltam as qualidades do amante, disputando-o usando o corpo como instrumento. Esta
música fez parte da trilha sonora da peça e do filme Ópera do Malandro. No filme, a
composição é cantada por duas mulheres, a prostituta – interpretada pela cantora Elba
Ramalho – e a ―mocinha‖ – interpretada pela atriz Cláudia Ohana –, que se põem a falar
sobre as estratégias de sedução do amado, formando, nessa gravação, um jogo polifônico,
no qual vozes femininas diferentes cantam o mesmo tema. As personagens femininas aqui
abordam a questão da sensualidade e da sexualidade, num movimento semântico
desenvolvido em dois pontos distintos: ele e eu (sujeito lírico feminino), sendo o polo ele
indicativo da ação e o polo eu indicando ação:
Me beija a boca,
brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes,
me roça a nuca
e quase me machuca com
a barba mal feita,
pousar a coxa sobre as minhas coxas
Em cada estrofe, a voz feminina menciona as partes do corpo tocadas por seu
amor, descrevendo uma série de artifícios e jogos de sedução para envolvê-la e seduzi-la.
Além disso, o eu-lírico descreve também as sensações de prazer sentidas ao ser seduzido,
como se pode observar na letra integral da canção.
Teresinha:
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
148
Lúcia:
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai
As duas:
Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz
Lúcia:
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca
Quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba malfeita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita, ai
Teresinha:
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios
De me beijar os seios
Me beijar o ventre
E me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo
Como se o meu corpo fosse a sua casa, ai
A duas:
Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz
potencializa suas narrativas de vida quando enuncia discursos acerca dos seus desejos mais
íntimos e suas histórias de amor, comportamentos antes enunciados e assumidos pelos
homens. Dessa forma, tais canções passam a demonstrar uma ambiguidade textual quanto à
questão desses comportamentos vistos como próprios do sexo masculino assumido pelas
mulheres buarqueanas, na sua virilidade e energia empreendida. Ao romper com essas
binaridades, Chico Buarque consagra a indeterminação textual indicada pela teoria Queer;
mulheres com comportamentos masculinos não se transformam em homens, apenas
apresentam esses comportamentos, porém não os incorporam à sua subjetividade, não
assumem a identidade masculina. A respeito da politização do corpo, cita-se Michel
Foucault:
Qualquer amor
Me satisfaz
Qualquer calor
Qualquer rapaz
Qualquer favor
E só chamar
Pousar a mão
Qualquer lugar
Qualquer verão
E só chamar
É tudo, é do primeiro
Qualquer hora, qualquer cheiro
Qualquer boca, qualquer peito
Qualquer jeito de prazer
Qualquer prazer é pouco
Qualquer éter, qualquer louco
Que o meu corpo de criança
Não se cansa de querer
Qualquer amor
Eu corro atrás
Qualquer calor
Eu quero mais
Qualquer amor
Qual nada
conflitos durante trajeto na vida, em virtude do que já está predeterminado e prescrito nos
cânones para cada um. A esse respeito Louro (2004, p. 13) argumenta: ―Não existe um
sujeito unificado preexistente, há sujeitos modelados pelos padrões regulamentadores da
sua existência.) (...) ―não há lugar de chegar, não há destino pré-fixado, o que interessa é o
movimento e as mudanças que se dão ao longo do trajeto‖.
A próxima canção a ser analisada é Tango de Nancy (1985). Nesta letra-poema,
percebe-se que o (sub) mundo da personagem é o da prostituição. No primeiro verso, o eu
lírico faz uma indagação, demonstrando sua insatisfação diante da sua condição: ―Quem
sou eu para falar de amor‖. Assim, pode-se compreender que o sentimento amoroso é
interditado a aquela categoria feminina. No senso comum é recorrente a afirmação de que
as prostitutas não devem se apaixonar, há até quem diga em tom debochado ―que não se
deve misturar negócio com prazer‖. Em Anna de Amsterdam (1972) já se conhecia a
situação da moça que cruzara tantos mares na esperança de casar, mas chegando aqui na
Colônia só encontrou exploração e desprezo por parte da sociedade. Amor, família, filhos
pareciam ser considerados como frutos proibidos para as prostitutas.
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor, vem me buscar
O meu destino é caminhar assim
Desesperada e nua
Sabendo que no fim da noite serei tua
Deixa eu te proteger do mal, dos medos e da chuva
Acumulando de prazeres teu leito de viúva
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar
Vamos ceder enfim à tentação
Das nossas bocas cruas
E mergulhar no poço escuro de nós duas
Vamos viver agonizando uma paixão vadia
Maravilhosa e transbordante, feito uma hemorragia
Bárbara, Bárbara
Nunca é tarde, nunca é demais
Onde estou, onde estás
Meu amor vem me buscar
Bárbara
154
Bárbara é o fator determinante desse amor, é ela quem conduz, quem determina o
rumo da relação. Bárbara retrata um amor proibido, cuja figura amada está longe e ausente
mostrando a busca incessante do eu-lírico pela pessoa amada, ou seja, por Bárbara. O que nos
permite voltar o olhar para a questão do homoerotismo, uma vez que a canção retrata o amor
existente entre duas mulheres.
Fatores como distanciamento; ausência; medo; desespero; tentação e
obscuridade são mostrados no interior do discurso de Bárbara, o que foi possível apreender
nos versos da canção referenciada.
Seguindo esse percurso de análise, utiliza-se agora a canção Mar e lua (1980).
Esta também é uma canção composta inicialmente para o teatro, assim como Bárbara. Esta
para Calabar e Mar e Lua para Geni, de Marilena Ansaldi, em 1980. Ambas as canções
são consideradas como símbolos para suas épocas, pois representam a ruptura de padrões e
conceitos conservadores; a segunda até tomada como um hino para as lésbicas, dadas as
circunstancias em que se originou; inspirada em uma crônica de jornal, que contava o
duplo suicídio de mulheres, por serem discriminadas pela moral vigente. Apresenta-se a
letra-poema;
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar.
Esta canção narrada em 3ª pessoa retrata, em uma metáfora, o amor entre duas
mulheres. No entanto, um amor marcado pela dor, pelo sofrimento e pelo preconceito. É
facilmente notável a interdição desse amor nessa canção, por se tratar de uma relação
homoafetiva. As marcas da aversão da sociedade a esse amor são visíveis em muitos
momentos na canção: Amavam o amor proibido (...) E foram ficando marcadas, ouvindo
risadas, sentindo arrepios(...) E foram correnteza abaixo, rolando no leito, engolindo água(...)
E a se desmanchar(...).
Experimentar o proibido é o que cabe àqueles que transgridem as regras
preestabelecidas que delimitam o seu rumo ou direcionamento, em que as características
físicas são vistas como diferencial, atribuindo uma gama significativa de cultura.
De acordo com Louro (2004, p. 15), ―tal lógica implica que esse 'dado' sexo vai
determinar o gênero e induzir a única forma de desejo. Supostamente, não há outra
probabilidade senão seguir a ordem prevista‖. O compromisso com a masculinização e a
feminilização do ser é uma convenção do sujeito; o viver no perigo cabe aos transgressores
do percurso, não havendo como impedir aqueles que atravessam e subvertem as normas, os
quais são certamente os primeiros a serem localizados e escolhidos pelas entidades
corretivas e de recuperação, uma vez que para eles são prescritas exclusões e penalidades.
A última canção selecionada para esse corpus é Geni e o Zeppelin, uma ária da
peça teatral Ópera do Malandro (1976-77) e gravada em 1978 no álbum homônimo.
Entretanto é na sua forma como canção ter conseguido solidificar, dentro de
seu tempo e contexto sociopolítico, uma representação de mulher é o que chamou a
atenção dessa pesquisadora.
Ao cristalizar como música uma visão estabelecida sobre uma categoria
peculiar de mulher, ou seja, de uma prostituta é que se pode inferir a respeito do
156
como alegoria do Brasil e o comandante como os militares, inimigos do povo. Isso poderia
configurar como uma maneira simplista e talvez, até leviana, já que a leitura metafórica
não se sustenta diante da análise mais pormenorizada dos elementos do texto, nem musical,
nem teatral.
A música é uma canção, nos moldes das cantadas por um menestrel ou
trovador moderno. A canção é longa, estrófica e narrativa, apresentando uma história quase
fabular, na qual vários estereótipos sociológicos são apresentados e conforme essa
estruturação uma cidade moderna se constrói e a trama acontece.
Os temas tratados por Chico Buarque são: a protagonista Geni, e a situação
delicada na qual ela se envolverá. A canção cita a cidade, pois é ela o canal pelo qual o
ouvinte perceberá Geni e seu altruísmo, consoante o olhar da população. E também, é a
cidade e seus moradores que servirá como motivo para que se critique a hipocrisia e o
egoísmo.
A primeira questão a ser considerada é a do gênero que, com exceção das
teorias linguísticas e literárias, refere-se ao binarismo masculino/feminino ou
homem/mulher. Embora Geni pertença, biologicamente, ao gênero masculino, a sua opção,
aparência e expressão discursiva é feminina: todos os elementos discursivos que a ela se
referem encontram-se marcados pelo feminino: ela, donzela, namorada, rainha, menina, na,
feita, boa, maldita, formosa dama, coitada, singela, dela, bendita e, inclusive, o seu próprio
nome. Não há marca linguística que prove, pela letra da canção, que Geni é uma travesti,
no sentido de um homem travestido de mulher. Esse fato é coerente com o contexto de
composição da canção, acreditamos que a opção de apagamento dessa importante marca na
letra da canção tenha acontecido como estratégia para driblar a censura e também para
tratar a heroína com respeito à sua escolha: uma mulher, como outras, ainda que diferente.
Geni é tão diferente que ela é a escolhida, logo ela pelo comandante do Zeppelin. Talvez,
se tais marcas fossem visíveis, os censores não tivessem liberado a canção, nem a crítica
presente no texto passasse despercebida, pois até os dias atuais há quem acredite que Geni
era uma prostituta.
Essa estratégia intrigante também deixa no mesmo plano, prostitutas, travestis,
homossexuais e tudo que é nego torto. A pista seguida para interpretar Geni como um
travesti é o fato de haver na peça teatral referenciada uma personagem Genival (Geni), que
é um travesti e assim como as mulheres de um bordel barato presta serviços sexuais, cuja
clientela segue regiamente a lista descrita na canção.
158
Mais que isso, Geni não pertence ao bordel onde trabalha e frequenta. Ela é
dona de sua vida e de seu corpo. Vive como quer e decide com quem dividir seu prazer. Os
versos a seguir servem como exemplo para ilustrar essa afirmação:
Por parte de Geni não há, pela descrição feita, preconceito de gênero ou faixa
etária, mas há uma escolha implícita, sua identificação com os excluídos, seus iguais. Isso
fica claro quando, ao ser escolhida pelo comandante, responde com um não: prefere amar
com os bichos. O narrador, ao apresentar Geni, faz uma revelação: e isso era segredo dela:
também tinha seus caprichos. O lexema caprichos, usado com ironia, revela o pensamento
non sense da cidade, uma vez que os ―caprichos‖ se referem à sua liberdade de escolher
com quem quer se relacionar e de ser dona de seu próprio corpo e vontade. Essa
apresentação que parece valorar negativamente a escória social se transforma na presença
do comandante, da cidade, do prefeito, do bispo e do banqueiro. Tal postura é curiosa, já
que a chamada escória é posta a margem, como se não fizesse parte daquela comunidade.
Também se pode notar outra diferença entre as prostitutas em geral e Geni, ela
não se vende, dá-se.
Quanto ao gênero feminino de Geni, recorre-se a Foucault em A mulher e os
rapazes (1997), onde ele delineia um retrospecto a respeito das relações entre homem e
mulher, a partir de vários pensadores da Grécia clássica, origem do pensamento e do modo
de vida ocidental e a forma como ocorreu essa construção. Além disso, Foucault mostra a
contradição dessa mesma sociedade que rejeita o relacionamento sexual/amoroso entre
iguais, ser formada por forte influência daquela civilização, haja vista ser essa uma prática
comum e até pedagógica, naquela sociedade. Mesmo que de forma implícita, aquele
pensador também se refere á prostituição, independente do gênero de quem a praticasse; e
ainda mostra a instituição do casamento entre homem e mulher como forma de regulação
da vida em sociedade.
159
uma relação dialógica com as palavras do eu outro. Ao mesmo tempo em que se opera uma
subversão da autoridade da palavra do outro, há a construção de novos valores de
autoridade aos outros discursos, pois ―As palavras são tecidas a partir de uma multidão de
fios ideológicos e servem de trama a todas as relações sociais em todos os domínios‖
(Bakhtin, 2006, p.42). Assim, é possível revolver camadas da vida social ao se desfazer
supostas verdades, ao se dessacralizar valores instituídos, revelando assim, outras faces do
mundo
O embate ideológico entre os sujeitos narrados em Geni e o Zepelim é
apresentado pelas vozes orquestradas pelo narrador do texto. A voz de Geni, pelo visto
desde sua apresentação, reflete e ecoa as vozes daqueles que se encontram à margem da
sociedade. Já os discursos do prefeito, do bispo e do banqueiro representam os discursos de
algumas esferas de atividade, que, se por um lado, dirigem os meandros normativos do
discurso oficial, por outro, são dominados pelo poder do comandante, símbolo do Estado,
relativizado através da ironia presente na canção que o coloca à mercê ―dos caprichos e
vontades‖ de um travesti, Geni. Por fim, o discurso da cidade, em coro e romaria, reflete e
refrata a voz hegemônica dos três poderes citados. Em outras palavras, de maneira estética,
o diálogo entre os sujeitos se estrutura, de maneira hierárquica, mesmo que através da
ironia predominante no discurso da canção. Esse diálogo ocorre pela representação das
vozes sociais simbolizadas pelos sujeitos narrados e essas relações revelam e refratam
valores ideológicos e poder.
Em Microfísica do Poder, Foucault (1979) norteia seus estudos sobre como a
verdade passa a ser um importante mecanismo operatório do poder. Para ele, a verdade
relaciona-se com o discurso científico e com as instituições que produzem esse discurso.
Assim, há uma profunda influência da economia e da política, na proporção em que há
uma necessidade de verdade tanto para a produção econômica quanto política. É
interessante ainda evidenciar que essa vontade de verdade é veiculada pelos discursos
oficiais de instâncias e/ou instituições oficializadas, como, no caso representado na canção,
as instituições políticas, econômicas e religiosas.
A verdade é que nenhum gesto de bondade será capaz de redimir Geni, de
reverter sua função de objeto não aceitável, excluído, sujo e inútil ao olhar preconceituoso
e moralista da cidade. Geni está sem Zepelim, sem poder, sem voz, sem nada, é quase um
não sujeito, a exemplo de Madalena, a pecadora bíblica, senão um Cristo redentor
conforme convém à situação.
161
Para efeito de conclusão dessa tentativa de análise cita-se Ramos (2006, p. 147)
que ressalta:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como dar por concluído algo que, por sua natureza já é inconcluso? Quando se
pretende abordar o texto literário, sabe-se de antemão que qualquer pretensão de conclusão
consiste em uma ideia simplista da dimensão do abismo que lhe apresenta. A literatura
conforma um universo de múltiplas possibilidades, e como que levados pelo mesmo
turbilhão que transportou Alice, aqueles que pretendiam pisar em solo firme, perdem o
chão da segurança. Entretanto, para que se obedeça às regras da inteligibilidade, todo texto
necessita ter suas partes bem definidas; começo, meio e fim. Seguindo esse princípio, este
estudo alcançou o limite de suas intenções. Pretende-se apresentar aqui algumas questões
permitidas pelas leituras, discussões e análises. Entre elas a possibilidade de Chico
Buarque de Holanda configurar como grande entendedor da alma feminina, não apenas por
sua habilidade de compor no feminino, pois isso soaria como constatação óbvia, mas
demonstrar como essa voz feminina é construída por meio de uma gama variada de
discursos instituídos pela cultura e pela sociedade patriarcal, que ainda preserva alguns de
seus resquícios.
Outra questão significativa que foi observada diz respeito ao status de poeta,
que a despeito do que afirmam muitos estudiosos a seu respeito, Chico Buarque nega
veementemente. Entretanto parece haver uma discrepância entre o que o homem nega e o
que o sujeito poético confirma como fica evidenciado em muitos de seus versos. Por isso,
recorreu-se ao conceito de persona, um dos arquétipos formulados por Jung.
Para a realização deste estudo, foram levantadas teorias pertinentes sobre a
canção, desde suas origens na lírica trovadoresca e a aproximação com a produção musical
de Chico Buarque, seja pela forma, seja pela temática.
Ao tratar dos diálogos possíveis entre música e poesia, não houve a pretensão
de se debruçar sobre os conceitos referentes à teoria musical, já que isso seria leviano, por
não ser este campo do domínio da pesquisadora; o componente melódico só interessou
enquanto recurso causado pela sonoridade presente nos textos denominados como letras-
poema. Também foi importante para a percepção desses diálogos, o papel da MPB para a
reafirmação do ideal modernista no aproveitamento de elementos da cultura popular e sua
respectiva valorização.
163
e Lua e Geni e o Zepellim para conformar o bloco da mulher libertina. Como tais
representações estão configuradas dentro do imaginário coletivo, contou-se também com a
contribuição dos estudos de Carl Gustav Jung sobre arquétipos.
Para respaldar essa tentativa de análise, recorreu-se, sobretudo, aos estudos de
gênerona concepção de Judith Butler, a fim de compreender as atitudes que muitas vezes
revelaram continuidades e rupturas que contribuem para a construção da identidade da
mulher pós-moderna. O estudo de gênero nos remete ao movimento, à transformação
social, aos significados que vão sendo construídos e (re) significados à medida que o
homem se depara consigo mesmo e com o seu entorno, uma busca incessante para dar
sentido a sua existência.
Para as últimas três canções analisadas: Bárbara, Mar e Lua e Geni e o
Zepellim utilizou-se de uma vertente dos estudos de gênero, a chamada teoria Queer, para
a qual a binaridade masculino/feminino que revestiu todo o pensamento sobre os estudos
das subjetividades não fazem mais sentido, face às transformações ocorridas na Pós-
modernidade. A personagem Geni é um travesti que apresenta gênero feminino
performado. Geni, assim como Bárbara e as duas personagens de Mar e Lua são
representações desse novo perfil de feminino que a contemporaneidade vem forjando: ora
não aceita identidades fixa e papeis demarcados, ora assume novas marcas identitárias.
Para a fundamentação concernente aos estudos sobre Modernidade e Pós-
modernidade, novas configurações de sujeitos e de identidades, considerou-se o aporte
cunhado por Stuart Hall, Linda Hutcheon e Anthony Giddens.
Do questionamento inicial que problematizou esse estudo, se Chico Buarque
seria mesmo o grande entendedor da alma feminina e, caso fosse, se essa mulher falava ou
era falada, pode-se compreender que, na maioria das canções a mulher é apresentada pelo
olhar do homem, e a presença de estereótipos femininos enraizados numa variedade de
discursos, que tem como grande expoente concepções dicotômicas, como a mulher santa e
a prostituta, por exemplo. Essas concepções foram forjadas em discursos ditos
institucionais, como o da Igreja; da Medicina e até da Filosofia em diferentes contextos.
Neles, o comportamento tido como próprio da mulher seria o da castidade, da discrição, do
recato e o da submissão ao homem. Manifestações contrárias a esse padrão eram julgadas
aberrações de mulheres que contrariavam sua natureza.
Esse tipo de discurso, apresentado em algumas letras de canção neste estudo,
permaneceu sendo do homem, que mesmo fazendo-se passar por sujeito feminino relatava
165
a verdade que pensava ou desejava em relação à mulher. Santa Cruz (1992, p. 8), enfatiza
que, ―nada melhor do que as letras de música popular feitas por homens, para averiguar o
que está por trás de grande parte do discurso musical que, no seu todo, é essencialmente
masculino‖. No entanto, Chico Buarque, com sua perspicácia de artista antenado com se
tempo, cria outras possibilidades para que a mulher contemporânea se revelar para o
mundo, em O meu amor, os sujeitos poéticos possuem voz, assim como Bárbara e falam,
inclusive com o corpo, do qual elas têm pleno poder.
Portanto a hipótese que foi conjeturada se confirma: as representações do
feminino são construídas no interior dos discursos, ou das formações discursivas, que ora
vitaliza, ora apaga a subjetividade feminina.
Mas, como se pautou nesse estudo pelas mobilidades identitárias propiciadas
pelos estudos que contemplam a crise do mundo pós-moderno, da dissolução da fixidez em
todos os aspectos, é possível atenuar a desconfiança que gerou essa discussão e
compreender que na poesia de Chico Buarque, em se tratando do feminino e masculino há
um alargamento das expressões, que não fixa o ser-homem e ser-mulher, mas permite
transitar entre os sentimentos humanos.
É reconhecido nessas ponderações que muitas outras abordagens sobre as
canções do compositor/poeta Chico Buarque de Holanda serão motivo para outras
discussões acadêmicas. Espera-se com esse trabalho de pesquisa poder contribuir para
reflexões que contribuam para um novo olhar sobre a subjetividade feminina e suas tantas
identidades conforme os contextos exigirem. Que a mulher se reconheça como o ser ativo
que é, reivindicando a autoria de sua voz, iniciando sua própria história, inscrevendo-se
nela, de forma a ser a compositora e intérprete de obra mais relevante jamais escrita: sua
vida.
166
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