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DECISÃO:

Vistos.
Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela Defensoria
Pública da União em favor de Lucas da Silva Copque, apontando como
autoridade coatora a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que
negou provimento ao RHC nº 76.406/BA, Relator o Ministro Félix Fischer.
Sustenta a impetrante, em síntese, o constrangimento ilegal imposto
ao paciente, tendo em vista que o juízo de primeiro grau determinou a
produção antecipada de provas sem demonstrar a urgência exigida pelo
art. 366 do Código de Processo Penal.
Ao ver da impetrante,

“o simples fato da testemunha ser policial não caracteriza


a urgência e excepcionalidade da produção antecipada de
provas, além do mais, utilizar essa argumentação, é,
indiretamente, justificar a antecipação no decurso do tempo.
A excepcionalidade deve ser demonstrada, levando-se em
consideração a relevância e a imprescindibilidade de seu
conteúdo, bem como a impossibilidade de ser feita em
momento posterior. Ora, a condição de policial não revela o
caráter emergencial da produção probatória, utilizar este
argumento nada mais é que fundamentação genérica, pois não
indica elementos concretos que possam ensejar tal medida”

Defende a impetrante que

“deve ser rechaçada a possibilidade de antecipação de


provas no presente caso, em homenagem aos princípios do
contraditório e ampla defesa e seu desdobramento (autodefesa),
uma vez que o réu faz jus ao comparecimento de todos os atos
processuais e não havendo nenhuma circunstância excepcional
que justificasse a antecipação da produção da prova
testemunhal prevista no art. 225 do Código de Processo Penal,
portanto, não há que se falar em motivação idônea para a
exibição prévia”.

Ante o exposto, requer-se o deferimento de liminar, a fim de que


“deixe de ser tomada qualquer medida prejudicial em desfavor do réu ou mesmo o
eventual prosseguimento da ação penal até que haja o julgamento definitivo do
presente mandamus”. No mérito, requer-se a “concessão da ordem de habeas
Corpus, em definitivo, em homenagem aos princípios do contraditório e ampla
defesa e seu desdobramento (autodefesa), uma vez que o réu faz jus ao
comparecimento de todos os atos processuais, não havendo se falar em motivação
idônea para a exibição prévia”.
Examinados os autos, decido.
Transcrevo a ementa do acórdão ora hostilizado:

“PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM


HABEAS CORPUS. SUSPENSÃO DO PROCESSO COM
ESTEIO NO ART. 366 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.
PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS.
FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. POSSIBILIDADE.
RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO.
I - "A antecipação da produção de prova, com base no art. 366
do Código de Processo Penal, encontra-se, no caso em exame,
concretamente fundamentada em razão do decurso do tempo
aliado à condição de policial militar da testemunha,
circunstância fática relevante que autoriza a medida antecipatória e
que não implica ofensa ao teor do Enunciado n. 455 da Súmula do
STJ" (RHC n. 51.861/AL, Sexta Turma, Rel. Ministro Nefi
Cordeiro, Rel. p/ Acórdão, Ministro Antonio Saldanha
Palheiro, DJe de 19/5/2016).
II - Na hipótese, está devidamente motivada a referida
antecipação, visto que se cuida de delito ocorrido no ano de
2008 e se trata da oitiva de testemunhas policiais militares, as
quais atendem a ocorrências semelhantes à ora em apuração
todos os dias e não teriam condições de guardar a recordação
de detalhes do fato em questão por longo período.
Recurso ordinário desprovido.”

Contra esse julgado, insurge-se a impetrante invocando a


inexistência de fundamentação idônea para a antecipação da prova
testemunhal.
Integral razão lhe assiste.
O juízo de primeiro grau, após suspender o processo e o curso do
prazo prescricional, nos termos do art. 366 do Código de Processo Penal,
“determino[u] a produção antecipada de provas que são urgentes, com prova
testemunhal”, “visando preservar a prova nas suas circunstâncias originais,
como meio seguro da busca da verdade e atendimento aos princípios do devido
processo legal e da ampla defesa”.
Esse entendimento, placitado pelo Superior Tribunal de Justiça,
não pode subsistir.
Como já tive oportunidade de assentar no voto condutor do HC nº
114.519/DF, Primeira Turma, de minha relatoria, DJe de 12/4/13,

“[e]sta Suprema Corte tem entendido que toda a


antecipação de prova realizada nos termos do art. 366 do
Código de Processo Penal está adstrita à fundamentação da
necessidade concreta desse ato.
A conveniência quanto à realização da antecipação da
prova limita-se às hipóteses previstas no art. 225 do mesmo
codex, dando-se, quanto ao citado dispositivo, contudo, alguma
discricionariedade ao magistrado para justificá-la, de modo a
demonstrar, no caso concreto, a efetiva necessidade da
antecipação e o perigo de dano à instrução processual futura
caso a prova não seja coligida de imediato” (grifei).

Na espécie, o juízo de primeiro grau valeu-se, em sua decisão, de


fórmulas de estilo genéricas aplicáveis a todo e qualquer caso, sem
indicar elementos fáticos concretos que pudessem autorizar a medida.
Não restou evidenciada, portanto, a necessidade concreta de
antecipação da produção da prova nos termos exigidos pela legislação
processual penal e pela jurisprudência desta Suprema Corte.
Nesse sentido:

“AÇÃO PENAL. Processo suspenso. Prova. Colheita


antecipada ad perpetuam memoriam. Inquirição de
testemunhas. Inadmissibilidade. Revelia. Réu revel citado por
edital. Não comparecimento por si nem por advogado
constituído. Prova não urgente por natureza. Deferimento em
grau de recurso. Ofensa ao princípio do contraditório (art. 5º,
LV, da CF). Ordem concedida. Inteligência dos arts. 92, 93 e
366 cc. 225, todos do CPP. Se o acusado, citado por edital, não
comparece nem constitui advogado, pode o juiz, suspenso o
processo, determinar colheita antecipada de elemento de prova
testemunhal, apenas quando esta seja urgente nos termos do
art. 225 do Código de Processo Penal (HC nº 85.824/SP,
Segunda Turma, Relator o Ministro Cezar Peluso, DJe de
22/8/08).

HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL


PENAL. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVA.
ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO
CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. HABEAS
CORPUS CONCEDIDO. 1. A decisão que determina a
produção antecipada da prova testemunhal deve atender aos
pressupostos legais exigidos pela norma processual vigente
(‘Art. 255. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou,
por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao
tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de
ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe
antecipadamente o depoimento’). 2. Firme a jurisprudência
deste Supremo Tribunal no sentido de que ‘[s]e o acusado,
citado por edital, não comparece nem constitui advogado, pode
o juiz, suspenso o processo, determinar produção antecipada de
prova testemunhal, apenas quando esta seja urgente nos termos
do art. 225 do Código de Processo Penal’. Precedentes. 3.
Ordem concedida” (HC nº 96.325/SP, Primeira Turma, Relatora
a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 21/8/09);

“AÇÃO PENAL. Processo suspenso. Prova. Produção


antecipada. Inquirição de testemunhas. Inadmissibilidade.
Revelia. Réu revel citado por edital. Não comparecimento por si
nem por advogado constituído. Prova não urgente por
natureza. Deferimento em grau de recurso. Ofensa ao princípio
do contraditório (art. 5º, LV, da CF). Recurso provido.
Inteligência dos arts. 92, 93 e 366 cc. 225, todos do CPP. Se o
acusado, citado por edital, não comparece nem constitui
advogado, pode o juiz, suspenso o processo, determinar
produção antecipada de prova testemunhal, apenas quando
esta seja urgente nos termos do art. 225 do Código de Processo
Penal” (RHC nº 83.709/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro
Joaquim Barbosa, DJ de 1º/7/05);

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS.


PRODUÇÃO ANTECIPADA DE OITIVA DE TESTEMUNHAS.
AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE.
INDEFERIMENTO. O artigo 366 do Código de Processo Penal
prevê a possibilidade da produção antecipada de provas e o
artigo 225, ao dispor especificamente sobre a prova
testemunhal, fornece os parâmetros que autorizam a
antecipação da oitiva de testemunhas. O juiz não está vinculado
a fórmulas genéricas, válidas para todo e qualquer caso, como o
esquecimento pelo decurso do tempo e a possibilidade de
mudança de domicílio, ora invocados pelo Ministério Público
estadual. Recurso ordinário em habeas corpus a que se dá
provimento para restabelecer a decisão que indeferiu a
produção antecipada da oitiva de testemunha” (RHC nº
95.311/SP, Segunda Turma, Relator o Ministro Eros Grau, DJ de
1º/4/05).

Nos citados arestos, adotou-se o entendimento de que o fundamento


invocado – possibilidade de a testemunha se esquecer de detalhes
importantes dos fatos em decorrência do decurso do tempo – não
atenderia aos pressupostos legais exigidos pela norma vigente para a
adoção dessa medida excepcional.
Nesse diapasão, não pode prevalecer o entendimento esposado no
julgado ora impugnado de que, no caso de policiais militares, autoriza-
se a antecipação de prova.
Com efeito, o art. 366 do Código de Processo Penal somente permite
a produção antecipada de provas consideradas urgentes.
Como bem salienta Damásio Evangelista de Jesus, somente podem
ser consideradas provas urgentes os casos de necessidade de a
testemunha ausentar-se da Comarca, de velhice, de doença (p. ex.:
iminência de cirurgia cardíaca) etc. que inspirem ao Juiz receio de que
não possam ser produzidas no futuro (CPP, art. 225).

“Não se trata, pois, segundo entendemos, de antecipar-se


a realização de qualquer prova, como, v.g., a testemunhal, sob
a alegação de que é comum não se encontrar pessoas que
devam depor em juízo por razões de mudança de residência,
morte, etc. Caso contrário, não teria sentido a qualificação
“urgentes” empregada no texto (Código de Processo Penal
Anotado. 27ª ed. São Paulo : Saraiva, 2015, p. 322, grifei).

Nesse sentido, destaco ainda outros dois precedentes de minha


relatoria:

“Habeas corpus. Constitucional. Processual penal.


Produção antecipada de prova. Alegação de ofensa aos
princípios do contraditório e da ampla defesa. Writ concedido.
1. ‘No mandado de segurança impetrado pelo Ministério
Público contra decisão proferida em processo penal, é
obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo’. Súmula
nº 701 do STF. 2. A decisão que determina a produção
antecipada da prova testemunhal deve atender aos
pressupostos legais exigidos pela norma processual vigente –
CPP, art. 225. 3. Firme a jurisprudência deste Supremo Tribunal
no sentido de que ‘[s]e o acusado, citado por edital, não
comparece nem constitui advogado, pode o juiz, suspenso o
processo, determinar produção antecipada de prova
testemunhal, apenas quando esta seja urgente nos termos do
art. 225 do Código de Processo Penal’. Precedentes. 4. Ordem
concedida” (HC nº 109.726/SP, de Primeira Turma, DJe de
29/11/11).

“Habeas corpus. Constitucional. Processual penal.


Produção antecipada de prova. Alegação de ofensa aos
princípios do contraditório e da ampla defesa. Writ
concedido. 1. A decisão que determina a produção antecipada
da prova testemunhal deve atender aos pressupostos legais
exigidos pela norma processual vigente – CPP, art. 225. 2. Firme
a jurisprudência deste Supremo Tribunal no sentido de que ‘[s]e
o acusado, citado por edital, não comparece nem constitui advogado,
pode o juiz, suspenso o processo, determinar produção antecipada de
prova testemunhal, apenas quando esta seja urgente nos termos do
art. 225 do Código de Processo Penal’. Precedentes. 3. Ordem
concedida (HC nº 108.064/RS, Primeira Turma, DJe de 27/2/12).

Vide, ainda, o RHC nº 130.038/DF, Segunda Turma, de minha


relatoria, DJe de 11/12/15.
Portanto, na linha desse raciocínio, não havendo nenhuma
circunstância excepcional que justificasse a antecipação da produção da
prova testemunhal prevista no art. 225 do Código de Processo Penal, é de
rigor o reconhecimento da ilegalidade da colheita antecipada da prova
oral.
Ante o exposto, nos termos do art. 192, caput, do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal, concedo a ordem de habeas corpus para
declarar a nulidade da decisão que determinou a produção antecipada de
provas e, por via de consequência, da prova testemunhal produzida
antecipadamente, cujos respectivos termos de depoimento deverão ser
desentranhados dos autos.
Publique-se.
Brasília, 28 de março de 2017.

Ministro DIAS TOFFOLI


Relator
Documento assinado digitalmente

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