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Alessandro Ventura: concepções e desafios do ensino de projeto na

FAU-USP
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Luciene Ribeiro dos Santos

Resumo

Alessandro Ventura, nascido em Torino (Itália) em 1938, formou-se arquiteto em 1962 pela Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Ao graduar-se, trabalhou nos escritórios de
Vilanova Artigas e de Carlos Cascaldi, nos quais aprendeu a dar os primeiros passos na profissão. No
período entre 1967 e 1968, atuou como estagiário no escritório do arquiteto e designer George
Nelson. O contato com o tipo de detalhamento americano ensinou a usar novos materiais e técnicas
construtivas, com detalhes mais precisos, decorrentes da grande variação climática ao longo do ano.
A convivência no escritório com desenhistas industriais e comunicadores visuais o introduziu nesse
novo universo até então completamente desconhecido. Lentamente, esse contato com os
desenhistas industriais do escritório levou-o a decidir por uma dedicação integral ao estudo das
técnicas de projeto industriais. Matriculou-se no curso de pós-graduação em desenho industrial da
Pratt Institute, e em 1968 defendeu a sua dissertação de mestrado: Mechanization and Architecture.
Foi docente do grupo de disciplinas de Desenho Industrial do Departamento de Projeto na FAU-USP
de 1970 a 1980, quando afastou-se das atividades docentes para dedicar-se exclusivamente à
atuação no mercado industrial. Após quase vinte anos de atuação na indústria, retomou a carreira
docente na FAU-USP em 1998, obtendo os títulos de doutor (2000) e livre-docente (2002) na área de
desenho industrial. Em virtude de sua experiência, foi convidado em 2003 para coordenar as
atividades da criação do curso de Design da FAU-USP, que iniciou suas atividades em 2006. Este
artigo buscará retomar a trajetória pessoal de Alessandro Ventura, aspectos de sua formação, de sua
obra e de sua atuação como professor de projeto, na área de Desenho Industrial. Pretendemos
investigar as tensões e os desafios enfrentados na produção e transmissão do conhecimento, no dia-
a-dia e nas atividades do ensino de projeto na FAU-USP, a partir das memórias e histórias de vida do
professor. Este estudo é realizado à luz dos conceitos da História Social e da História Oral, tomando o
sujeito como ser concreto, lançado em uma cotidianeidade, na qual o sujeito é, a um só tempo,
produto e produtor. Interessa-nos, no âmbito da pesquisa maior, conhecer como e por que
profissionais de diversas áreas do conhecimento se encontram, em algum momento de suas
trajetórias de vida, exercendo o oficio da docência de Projeto.

Palavras-chave: Arquitetura e Urbanismo. Design. História Social. Memória.

Abstract

Alessandro Ventura, born in Torino (Italy) in 1938, graduated in architecture from the School of
Architecture and Urbanism of the University of São Paulo in 1962. After he graduated, he worked in the
offices of Vilanova Artigas and Carlos Cascaldi, in which he learned to take the first steps in the
profession. In the period between 1967 and 1968, he worked as an intern at the office of architect and
designer George Nelson. The contact with the American detailing type taught him to use new
materials and constructive techniques, with more precise details, due to the great climatic variation
throughout the year. The coexistence in the office with industrial and visual designers introduced him
in this new universe completely unknown until then. Slowly, this contact with the office's industrial
designers led him to decide for a full dedication to the study of industrial design techniques. He

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Mestra em Design e Arquitetura pela Universidade de São Paulo - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Bacharel em Letras
com dupla habilitação (Língua Portuguesa e Língua Francesa) pela Universidade de São Paulo. Especialista em Ensino e
Aprendizagem de Língua e Literaturas de Expressão Francesa pela PUC-SP. Atualmente é professora de Língua Portuguesa e
Literatura na educação básica e no ensino superior, e secretária do Departamento de Projeto da FAU-USP.
lucyene@usp.br
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enrolled in the master course in industrial design at the Pratt Institute, and in 1968 he defended his
master's thesis: Mechanization and Architecture. He was a lecturer in the Industrial Design disciplines
group of the Design Department at FAU-USP from 1970 to 1980, when he moved away from teaching
activities to dedicate himself exclusively to the industrial market. After almost twenty years of work in
the industry, he resumed his teaching career at FAU-USP in 1998, becoming PhD (2000) and Associate
Professor (2002) in the area of industrial design. Due to his experience, he was invited in 2003 to
coordinate the creation of the Design course at FAU-USP, which began its activities in 2006. This
article will seek to recapture Alessandro Ventura's personal trajectory, as well as aspects of his
formation, his work and his role as teacher in the project area of Industrial Design. We intend to
investigate the tensions and challenges faced in the production and transmission of knowledge, in the
day-to-day and in the project teaching activities at FAU-USP, from the teacher's memories and life
stories. In the light of the concepts of Social History and Oral History, we take the individual as a
concrete being, launched in a daily life, in which he is both a product and a producer. We are
interested, in the scope of a larger research, to know how and why professionals of different areas of
knowledge are, at some point in their life trajectories, exercising the office of teaching in the Design
area.

Keywords: Architecture and Urbanism. Design. Social History. Memory.

1. O ensino de projeto na FAU-USP

Um dos grandes desafios contemporâneos do Departamento de Projeto (AUP) é a articulação


entre os conteúdos profissionais e as finalidades acadêmicas, em sintonia com os grandes eixos de
produção e disseminação de conhecimentos determinados para a USP em seu todo.

Nas Reformas de 1962 e de 1968, que definiram a estrutura curricular da FAU-USP com base
em uma visão multidisciplinar da arquitetura e do urbanismo, as articulações entre conteúdos se
deram esquemática e respectivamente em dois planos. Primeiro, no plano da convergência entre os
saberes das humanidades, das artes e das técnicas para a formação de um profissional que não era
apenas um humanista, um artista ou um tecnólogo, mas um pouco dos três simultaneamente.
Segundo, no plano da incorporação de conteúdos de desenho industrial, comunicação visual e
paisagismo, ampliando o espectro de escalas e práticas de projeto, desde o sistema
regional/ambiental até o objeto isolado e seus componentes. O profissional formado a partir dessa
amplitude de abordagens capacita-se para responder às necessidades do processo de
desenvolvimento, seja pela satisfação direta das necessidades de reprodução social – em projetos de
habitação, sistemas urbanos e outros – seja por meio da produção econômica de bens e serviços
para os quais suas habilidades são requeridas.

Essa formação ampla e multifacetada permite que o arquiteto e o designer formados pela
FAU-USP atuem como profissionais e como intelectuais, podendo optar entre a trajetória profissional
no mercado de trabalho e a carreira acadêmica em docência e pesquisa, ou mesmo conciliar as duas
atividades. No entanto, esse caráter dual pode também gerar tensões vivenciadas entre a atividade
profissional e a atividade acadêmica, bem como oposições entre a atividade de projeto propriamente
dita e a análise/crítica da arquitetura e do design. O próprio edifício da FAU-USP, exemplo máximo e
principal referência para as atividades de ensino de projeto, é uma matriz geradora de conflitos a
serem enfrentados durante a formação de arquitetos, urbanistas e designers, por sua condição de
mito e paradigma:

A FAU, na condição de mito, paralisa-nos e desestimula a


investigação que move o fazer reflexivo e propositivo da atividade de projeto.
Na condição de paradigma, ao contrário, permite a inovação, ou até a sua
superação, desde que reconhecidas as exigências das suas lições de obra de
arquitetura de excelência. Questionar o mito significa, paradoxalmente, uma
atitude de respeito à tradição que o forjou: a da busca pela necessária
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complementaridade entre forma e conteúdo como expressões de um mesmo


desígnio. (JORGE, 2010).

Segundo Barossi (2005), a reflexão sobre o ensino de projeto “requer a utilização de


procedimentos, conceitos e objetivos próprios da produção da arquitetura: a forma, o olhar, o vazio, a
totalidade e a identidade”. De acordo com o autor, a maior instância capaz de exprimir uma
aproximação abrangente e consequente do ensino de projeto, de forma plena, é a inserção do aluno
no contexto da cidade. O aluno deve ser considerado como indivíduo, com identidade e
personalidade, que traz em si a própria materialização desse ensino. E a cidade, espaço da realização
do ensino de projeto, apresenta o edifício da FAU-USP como elemento gerador e gerado pela cidade,
sendo a sua ocupação uma expressão totalizadora desse ensino.

A maneira como o AUP procura responder a esses desafios é pela articulação das finalidades
acadêmicas com temas de interesse social, que perpassem a pesquisa, o ensino e a atividade de
extensão. Nos últimos anos, temas como a habitação de interesse social, a urbanização de favelas, a
reutilização de edifícios ociosos, o projeto de moradia e mobiliário emergencial após a ocorrência de
catástrofes, as novas demandas da vida metropolitana, o projetar para a sustentabilidade, a
preservação e restauração do patrimônio construído (com destaque para os estudos sobre a recente
reforma estrutural do Edifício Vilanova Artigas) e a interação entre a cidade, a paisagem e o meio-
ambiente, entre outros, têm sido investigados nas atividades de Estúdio das disciplinas do AUP, com
propostas de projeto que são reformuladas ano a ano, apoiadas em um corpo de conteúdos estáveis
a orientá-las.

É também nesse contexto que se inseriu, na Graduação, a instituição do curso de bacharelado


em Design (2006), centrado no desenho industrial e no projeto gráfico. Foi também nesse processo
que se diversificaram as áreas de concentração da Pós-Graduação, de maneira a permitir maior
intercâmbio com a Pesquisa e com os vários conteúdos da Graduação, assim como o acesso franco
e sistemático aos novos conhecimentos gerados, diante de novos problemas a serem enfrentados.

No presente trabalho, buscou-se investigar as concepções do professor Alessandro Ventura a


respeito do ensino de projeto na FAU-USP, a fim de apurar verificar as influências de sua vivência
como profissional no mercado de trabalho, bem como de sua atuação na indústria, sobre as suas
representações e práticas no âmbito do ensino de projeto, mais especificamente na área de Desenho
Industrial.

2. Alessandro Ventura e o ensino de projeto na FAU-USP

2.1. Formação

Alessandro Ventura nasceu em Torino (Itália) no ano de 1938, e veio com sua família para o
Brasil com apenas um ano de idade. Prestou vestibular para o curso de Arquitetura e Urbanismo da
FAU-USP em 1957.

A arquitetura brasileira já era reconhecida internacionalmente, tendo obtido destaque por


meio da exposição Brazil Builds, realizada em 1943, no Museu de Arte Moderna de Nova York, e
mediante o lançamento do livro de Phillip Godwin com mesmo nome. Os arquitetos brasileiros, agora
prestigiados, começavam a discutir e planejar a educação e formação dos novos profissionais.

O I Congresso Brasileiro de Arquitetos, organizado pelo Departamento de São Paulo do


Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-SP), em janeiro de 1945, apontava, em suas conclusões, a
urgente autonomia dos cursos de arquitetura em relação às escolas Politécnica e de Belas Artes. O
ensino da arquitetura deveria ser reformulado de maneira a garantir aos novos arquitetos uma
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formação compatível com o processo de modernização da sociedade brasileira, absorvendo


questões relativas à industrialização e aos novos campos de trabalho que se abririam para esses
profissionais.

Nesse contexto, o curso de Arquitetura da Escola Politécnica da USP havia dado lugar à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, que iniciara suas atividades em 1948.

Inicialmente, a organização da Faculdade previa a existência de dois cursos: o de graduação


em arquitetura, com duração de 5 anos, e o de graduação em urbanismo, que se daria em 2 anos.
Este último não chegou a ser implantado. A estrutura do curso de arquitetura permaneceu
basicamente a mesma de 1948 a 1962 (ano da formatura de Alessandro Ventura), ou seja:

1º ano: matemática superior; geometria descritiva e aplicações; arquitetura analítica;


composição de arquitetura - pequenas composições; normografia; desenho artístico; e plástica.

2º ano: mecânica racional; materiais de construção; topografia - elementos da astronomia de


posição; teoria da arquitetura; composição de arquitetura - pequenas composições; desenho artístico; e
plástica.

3º ano: resistência dos materiais e estabilidade das construções; construções civis -


organização dos trabalhos e prática profissional - higiene dos edifícios; física aplicada; mecânica dos
solos - fundações; composições de arquitetura - grandes composições; composição decorativa; e
plástica.

4º ano: concreto simples e armado; economia política - estatística aplicada - organizações


administrativas; hidráulica: hidráulica urbana e saneamento; grandes estruturas; composições de
arquitetura - grandes composições; composição decorativa; e plástica.

5º ano: história da arte e estética; arquitetura no Brasil; urbanismo; arquitetura paisagística;


composições de arquitetura - grandes composições; composição decorativa; e plástica.

Apesar da importância atribuída à criação do curso de arquitetura, o conteúdo programático


adotado não alcançou plenamente as expectativas de alguns de seus precursores. Essa combinação
envolvia uma grande assimetria programática e didática entre conteúdos, uma vez que as cadeiras de
formação técnica eram habitualmente regidas por engenheiros, enquanto as chamadas cadeiras
artísticas eram dadas por artistas plásticos. Essas disciplinas eram lecionadas de formas muito
semelhantes, senão idênticas, às adotadas para a formação de engenheiros e de artistas plásticos.

A Reforma de 1962 representou um papel decisivo não apenas para a FAUUSP, dando ao
curso uma nova identidade e rompendo com os padrões da antiga carreira de engenheiro-arquiteto,
como também foi um marco no próprio ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, uma vez que
essa estrutura se tornou referência para as reformulações da maioria das escolas de arquitetura no
país (NARUTO, 2007, p. 39). Nessa ocasião, as Cátedras do curso de Arquitetura e Urbanismo foram
distribuídas em quatro unidades autônomas: o Departamento de Projeto, o Departamento de História,
o Departamento de Ciência Aplicada e o Departamento de Construção.

As disciplinas abarcadas pelo Departamento de Projeto procederam principalmente das


matérias da cátedra de Composição de Arquitetura (Pequenas e Grandes Composições), que foram
transformadas na nova sequência de Projeto de Edifícios. O Departamento de Projeto absorveu
também as cadeiras de Urbanismo e Arquitetura Paisagística, que juntas formaram a nova sequência
de Planejamento. As cátedras de Desenho Artístico e Composição Decorativa, por sua vez, foram
totalmente reformuladas, e vários de seus docentes migraram para as recém-criadas áreas de
Desenho Industrial e Comunicação Visual.

A criação da área de Desenho Industrial manifestava os ensejos de garantir ao profissional de


arquitetura uma maior atuação em um mercado de trabalho nascente, promovido pelo crescimento
do campo do desenho industrial no país. Por outro lado, os exercícios e as aulas da sequência de
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Comunicação Visual proporcionariam o desenvolvimento da capacidade técnica e criativa dos


arquitetos em formação, possibilitando em sua atuação profissional a realização de projetos de
design gráfico de qualquer porte, ou ainda a inclusão do design gráfico em seus projetos de
arquitetura e planejamento urbano.

Alessandro Ventura formou-se em 1962, ano da grande reforma particular da FAU-USP. Após
se graduar, trabalhou nos escritórios de Vilanova Artigas e de Carlos Cascaldi, nos quais aprendeu a
dar os primeiros passos na profissão. Ao participar como arquiteto estagiário, trabalhou em vários
projetos, entre os quais os vestiários das piscinas do São Paulo Futebol Clube, o ginásio da
Portuguesa de Desportos e a Colônia de Férias do Sindicato dos Metalúrgicos.

Enquanto a escola me dera a oportunidade de desenvolver uma


formação intelectual, o escritório de Vilanova Artigas forneceu-me o primeiro
instrumental profissional. Aí aprendi como se elabora um projeto – o que é
importante e o que é secundário. Foi minha segunda escola profissional. E
que escola! (VENTURA, 2009, p. 312)

Ventura trabalhou com Artigas até que o 31 de março de 1964 os obrigou a separar-se. O
envolvimento político anterior de Ventura (havia sido presidente do DCE da USP e representante dos
alunos da USP no Conselho Universitário) forçou-o a um afastamento temporário de São Paulo.
Foram meses de angústia, porque não se sabia o que lhe reservava o futuro. Ao retornar à vida normal
em São Paulo, a falta de oportunidades de trabalho levou-o a executar alguns projetos de menor
importância.

Em 1967, em uma viagem em que acompanhava a sua esposa Dora, surgiu a oportunidade de
um estágio nos Estados Unidos. Ventura nunca fora muito entusiasta pela arquitetura americana. A
única qualidade que podia lhe interessar nos Estados era sua indústria. Após algumas articulações,
Alessandro Ventura foi trabalhar como estagiário no escritório do arquiteto Gerorge Nelson.

O escritório George Nelson, na parte baixa de Nova York, contava com


dimensões maiores do que os escritórios brasileiros, mas pequeno para os
padrões americanos. Estava instalado em um edifício de quatro andares e um
subsolo. Cada andar abrigava uma especialidade. O primeiro andar reunia os
especialistas em programação visual. O segundo os desenhistas industriais,
e, o terceiro, os arquitetos e decoradores. O último andar era a residência de
George Nelson. O subsolo abrigava a oficina de modelos. (VENTURA, 2009, p.
312).

Em sua estada em Nova York, no escritório de George Nelson, Ventura participou de vários
projetos, principalmente em arquitetura, aprendendo as técnicas de projeto americanas muito mais
precisas do que as no Brasil. O contato com o tipo de detalhamento americano ensinou-o a usar
novos materiais e técnicas construtivas, com detalhes mais precisos, decorrentes da grande variação
climática ao longo do ano. A convivência no escritório com desenhistas industriais e comunicadores
visuais introduziu-o, lentamente, nesse novo universo até então completamente desconhecido por ele.
Lentamente, esse contato com os desenhistas industriais do escritório levou-o a decidir-se por uma
dedicação integral ao estudo das técnicas de projeto industriais.

A forma que encontrou foi se matricular no curso de pós-graduação em desenho industrial da


Pratt Institute, a melhor escola em Nova York e uma das melhores nos Estados Unidos.

O curso foi altamente instrutivo, com disciplinas completamente


novas para minha formação. Completei-o em 1968 com a aprovação de
minha dissertação de mestrado: Mechanization and architecture. A obtenção
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do título de master of arts, na Pratt, encerrou o ciclo que considero


correspondente ao de minha formação profissional. (VENTURA, 2009, p.313).

Após o término do mestrado em Nova York, Alessandro Ventura decidiu voltar para o Brasil.
“O meu primeiro filho ia nascer, e eu não queria que ele fosse americano, então eu voltei pro Brasil, em
meados de 1968”, declarou em entrevista à autora.

2.3. O escritório de desenho industrial e a primeira experiência acadêmica

Ao retornar ao Brasil, em 1968, Alessandro Ventura decidiu abrir um escritório de arquitetura,


mas principalmente voltado para projetos de desenho industrial. Foi uma decisão arriscada para a
época, pois não havia qualquer tradição no Brasil para essa atividade.

O primeiro trabalho de desenho industrial desse período foi um rádio portátil feito para a
Semp, em 1969, que tentava inovar, lançando seu primeiro produto fabricado em plástico. No período
de 1968 até 1969, Ventura executou projetos de embalagens, caixas plásticas para transporte de leite,
expositores, uma pia para cozinha em fiberglass e um conjunto de ventiladores para a Eletromar.

Os anos 1970 foram marcados por projetos de maior expressão. Pela primeira vez executou
um projeto de alta complexidade em desenho industrial – uma motocicleta de 150cc para a
representante da Lambretta no Brasil. Outro cliente importante desse período foi a Baumer, fabricante
de equipamentos hospitalares, para quem executou vários trabalhos durante os anos seguintes.

Saliento a característica desse tipo de fabricante, que produz grande


quantidade de produtos, mas em pequena escala, típico dos fornecedores de
equipamentos hospitalares. Essa forma de operação faz sua fábrica mais
parecer-se com uma grande oficina e não com uma fábrica convencional.
(VENTURA, 2009, p.316).

O cliente mais importante e duradouro dessa época foi a Frata, fabricante de acessórios para
fotografia, especializada, e a única fabricante de flashes no Brasil. Os projetos com a Frata se
estenderam até o ano de 1995.

No ano de 1970, Alessandro Ventura foi convidado pelo professor Lúcio Grinover para
ingressar como docente no grupo de Desenho Industrial do Departamento de Projeto da FAU-USP, e
teve a oportunidade de trazer para a escola sua experiência adquirida nos Estados Unidos e no início
de sua prática profissional. Nesses primeiros anos dedicou-se com entusiasmo ao ensino, aplicando
em suas atividades didáticas as pesquisas realizadas em seu escritório.

Eu dei aula aqui de 1970 a 1980. No meu primeiro contrato a


dedicação era em tempo parcial, eu tinha o escritório de arquitetura e de
desenho industrial, principalmente desenho de produtos, mas fiz também
algumas obras de arquitetura. Eu tinha o escritório, e tinha muitos alunos da
FAU trabalhando comigo. O Julio Maia foi um dos alunos que trabalhou
comigo por muito tempo, o Wilhelm Rosa também, tem muita gente aqui que
trabalhou no meu escritório. E no meu escritório eu tinha a participação de
engenheiros, e tinha oficina de modelos, tinha modelistas, foi um período
realmente produtivo. (Alessandro Ventura, em declaração à autora).
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Alessandro Ventura teve participação regular em disciplinas obrigatórias e optativas da


sequência de Desenho Industrial da FAU-USP. No ano de 1971, foi o responsável pela elaboração do
programa da sequência de disciplinas “Projetos de Sistemas de Objetos Industriais”, uma ideia
inovadora que integrava horizontal e verticalmente, ao longo dos cinco anos do curso de Arquitetura e
Urbanismo, os conteúdos de projetos de desenho industrial. Outras disciplinas ministradas no período
de 1970 a 1980 foram: AUP0804 - Produto do Planejamento ao Consumo, AUP0402 - Programação do
Projeto do Produto, AUP0404 - Teoria da Fabricação: do Planejamento ao Consumo, AUP0401 - O
Desenho Industrial e suas Implicações na Edificação.

No ano de 1972, Ventura participou da exposição do setor de Desenho Industrial da Bienal de


Arquitetura de 1972, o que o introduziu no meio profissional dos desenhistas industriais e, a partir
desse momento, começou a receber vários convites para palestras, congressos e outras atividades
de caráter comunitário e de política industrial. O escritório de desenho industrial expandiu muito suas
atividades nesse período, desenvolvendo vários tipos de produtos, principalmente eletrodomésticos e
componentes construtivos (torneiras, louças sanitárias, fechaduras, etc.)

Nos anos de 1975 e 1976, chegaram ao seu escritório as primeiras solicitações de projetos
para computadores. “Eu projetei vários computadores. Toda a primeira geração de computadores do
Brasil, com exceção do Patinho Feio da Poli, durante muitos anos”, declarou à autora.

Nesse período, também participou de entidades ligadas à organização e à promoção do


desenho industrial, como a antiga Associação Brasileira de Desenho Industrial – ABDI; elaborou o
primeiro estatuto do Núcleo de Desenho Industrial – NDI; e participou de órgãos colegiados, como o
grupo de desenho industrial da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, de congressos, júris e
outras inúmeras atividades.

O escritório foi, por outro lado, um laboratório experimental de importância não apenas
pessoal, mas também na formação de muitos profissionais, os quais, depois, atuaram no mesmo
setor, e alguns também se tornaram, posteriormente, professores da FAU-USP.

A oficina de modelos, mantida no escritório, além de ser fonte de muitos ensinamentos e


experiências, também formou profissionais sob sua orientação, os quais depois se tornaram
modeladores especializados na indústria. O desenvolvimento de projetos, ao lado da oficina, foi
também uma escola no sentido de criação da rotina de aliar o desenho ao modelo tridimensional,
técnica usada até hoje.

A tradição de fazer modelagem ainda não existia na FAU-USP, e, certamente, Ventura foi um
dos primeiros professores a tentar consolidar sua necessidade. A falta dessa técnica na escola se
justificava porque os arquitetos, trabalhando com grandes volumes e massas, não podiam reproduzir
em modelos seus projetos. O máximo que podiam almejar era uma simulação visual dos mesmos,
para uma verificação de volumes e proporções. No caso dos produtos industriais, suas dimensões
menores permitem ir além dessas verificações e examinar também outros aspectos, como, por
exemplo, o comportamento funcional do conjunto e de suas partes, eventuais movimentos dos
componentes, detalhes construtivos, etc. “Era preciso acrescentar esse tipo de treinamento para os
alunos, sem deixar de lado as outras formas de representação, das informações de ordem técnica e,
acima de tudo, dos conceitos básicos a orientarem a concepção de um projeto.” (VENTURA, 2009, p.
321).

Além dessa ênfase sobre a utilização do modelo, Ventura sempre trazia para os alunos as
pesquisas e descobertas surgidas a partir das atividades profissionais em seu escritório, bem como
as discussões sobre componentes antropológicos e culturais que envolvem os produtos, a forma
como os objetos eram usados e qual o significado para aqueles que os usavam.

Em uma aula magna proferida aos alunos do curso de Design da FAU-USP, em 2009,
Alessandro Ventura sintetiza a sua visão sobre a concepção de projeto, com base na sua experiência
profissional em concomitância com a atuação docente:

Finalmente, devo mencionar que esse período me mostrou, com


clareza, a pertinência de um conceito metodológico da arte do projeto – a
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impossibilidade de manutenção de raciocínios lineares do pensamento. O


processo criativo não pode ser aditivo, pois é preciso manejar vários
parâmetros, simultaneamente, de forma randômica, ou aleatória. Esse tipo de
raciocínio vai contra o aprendizado normal dos fatos culturais e exige um
longo treinamento o qual apenas o tempo e o amadurecimento podem
proporcionar. A meu ver, esse é um ponto essencial quando se pensa no
ensino e no preparo dos futuros profissionais de projeto. (VENTURA, 2009, p.
321).

2.4. Trajetória profissional versus carreira docente

Em 1978, Alessandro Ventura iniciou as atividades da sua fábrica, a Ventura Produtos


Industriais – VPI. O setor industrial escolhido foi o da transformação da matéria plástica usando a
técnica de injeção, com a opção por fabricar produtos para uso doméstico.

Nos primeiros dois anos de operação da fábrica, Alessandro Ventura ainda atuava como
docente na FAU-USP. As atividades de docência e pesquisa demandavam muito de seu tempo, além
da participação em comissões e colegiados e da coordenação do TGI – Trabalho de Graduação
Interdisciplinar. Por fim, em 1980, Ventura decidiu desligar-se da FAU-USP para dedicar-se
integralmente às atividades na indústria. “Eu comecei a perceber que o tempo que eu perdia nas
reuniões era um tempo que eu precisava na fábrica, então por isso eu saí”, declarou à autora.

A empresa operou com sucesso durante vinte anos, tendo produzido uma linha de mais de 30
produtos em plástico injetado e alguns em plástico soprado. Os produtos se tornaram muito
conhecidos e divulgados, tendo alguns deles atingido a marca de três milhões de unidades vendidas.
Ao longo desses anos, Alessandro Ventura adquiriu uma série de novos conhecimentos sobre o
processo industrial e familiarizou-se com seus problemas, características e formas de operação.
Esses conhecimentos se refletiram em seu modo de pensar os projetos de produtos, concedendo-
lhes uma característica mais atualizada e pertinente a uma organização industrial. De forma sintética,
o incremento de conhecimento adquirido nesse período da vida industrial foi conhecer, em detalhes, o
processo completo da tradução de uma ideia em um produto acabado. E, em seguida, como esse
produto é encaminhado, recebido e utilizado pelo usuário.

Em entrevista à autora, Ventura citou ainda um exemplo de problema com patentes:

Eu tinha a patente de um produto e vi que uma fábrica do Rio de


Janeiro começou a fazer um produto igual ao meu, mas com qualidade
inferior e material inferior. E eu mandei uma carta pra eles, dizendo: olha, eu já
tenho o pedido de patente desse produto. Eles ignoraram, e continuaram
vendendo. Depois de três anos, eu recebi a patente. E, na hora que eu recebi a
patente, eu não tive que dizer nada pra eles: eles pararam de vender o
produto. Não só isso: eu teria o direito de processá-los, de pegar todas as
ferramentas que eles usaram, e de receber todos os prejuízos que eu tive pela
venda deles. Eu não fiz isso, porque na indústria você não provoca essas
coisas gratuitamente. Porque amanhã você é que pode ser o acusado; então
existe uma espécie de ética. Você já sabe, você fez a sua parte e já entendeu
que não pode fazer, então eu estou satisfeito. (Alessandro Ventura, em
declaração à autora).

Em 1997, Ventura decidiu vender sua fábrica e retornar à Universidade, onde poderia sintetizar
e transmitir toda a experiência acumulada durante esses anos. Podendo dedicar-se exclusivamente à
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vida acadêmica, prestou concurso e reingressou como docente no grupo de disciplinas de Desenho
Industrial do Departamento de Projeto (AUP) em 1998. No ano 2000 defendeu sua tese de doutorado,
intitulada “Produção Seriada e Projeto Arquitetônico”, e em 2002 obteve o titulo de livre-docente, com
a tese “Arquitetura, Indústria e Produção Modular: sistematização crítica”.

Neste segundo período na vida acadêmica, de 1998 até os dias atuais, Alessandro Ventura
tem se dedicado à docência, à pesquisa, à participação na organização de novos cursos de
graduação da Universidade (com destaque para os cursos de Design e de Tecnologia Têxtil e da
Indumentária) e às atividades externas de cooperação universitária. As atividades docentes na
graduação, encerradas em 2008, foram dedicadas à visão dos problemas de projeto sob a ótica da
indústria, abordando temáticas do design em produtos industriais e temáticas industriais do projeto
de edifícios. Na pós-graduação, vêm sendo desenvolvidas discussões sobre a temática da produção
modular aplicada à arquitetura, tema central de suas pesquisas recentes.

Questionado sobre haver tensões ou entrelaçamentos entre a atividade acadêmica (docência


e pesquisa) e a atividade profissional (criar e projetar), conforme aventado por Bonsiepe (op. Cit.),
Ventura afirma que, em sua opinião, existe um conflito entre atuar na área acadêmica e ter uma vida
profissional intensa, e que é difícil conciliar as duas atividades. Por um lado, na área de desenho
industrial é fundamental ter a experiência externa:

Se você não tem a experiência externa, você vai ser um bom teórico
do assunto, mas você não conhece a realidade. Existe uma série de
componentes que fazem parte de um produto, e de técnicas e de dificuldades
que existem, que você não domina. Você pode ser o melhor professor do
mundo, mas você não sabe. Na indústria, você tem o segredo industrial. Na
indústria você tem as patentes, que são feitas pra você ter proteção. Coisas
que você não tem na arquitetura, ou pelo menos não é tão extenso. (...) Por
exemplo, o cara que fabrica um liquidificador há muito tempo, ele conhece os
problemas que tem, ele sabe que se ele usar um plástico x, depois de 6 meses
ele vira y. Ele sabe que o tipo de motor que ele usa é um motor que tem uma
durabilidade x, enfim, ele conhece os segredos do produto. Você como
professor não conhece os segredos do produto. Então, se você vai dar um
projeto para um aluno, seja um computador, seja um liquidificador, você vai
estar falando em tese, em teoria. (idem).

Ressalta também a importância do conhecimento técnico e dos segredos industriais, como


requisitos importantes para a docência de projeto na área de Desenho Industrial. Cita, como exemplo,
os perigos da utilização de materiais recicláveis de forma inadequada:

Um outro exemplo, hoje se fala muito em recicláveis. Eu como


fabricante nunca usei reciclagem e explico por quê. Eu trabalhava no setor
plástico, e realmente você tem muito resíduo plástico, a tua própria indústria
gera resíduos. Não é um volume grande, mas tem os rabichos, e isso e aquilo.
Ou seja, o reciclado é o cara que compra dessa fábrica, que pega no lixo, mói
tudo e diz: isso aqui é um material x. Eu trabalhava com produtos domésticos,
e eu não podia correr o risco de ter uma contaminação por um produto
químico qualquer. Você por exemplo tem plásticos que tiveram contato com
baterias, e isso contamina o plástico. E você ao usar ou ao comprar um
produto reciclado... você não sabe a origem. Então veja, se você está dando
aula pros alunos, você pode dizer: vamos, tem que fazer a reciclagem!, mas

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1º contrato: (MS-1, em RTP) de 01/05/1970 a 01/03/1980 (solicitou rescisão). 2º contrato: (MS-2, em RDIDP) a partir de
16/02/1998, no claro decorrente da aposentadoria da Profa. Elvira P. S. de Almeida (GDDI). Tornou-se estável em 2003 - claro:
202703, decorrente de exoneração da Profa. Maria Angela Faggin P. Leite. Aposentado em 22/12/2008. Professor Sênior a
partir de 2010.
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se você não conhece os meandros, você pode estar falando besteira. O tipo
de produto que eu tinha que fazer, não podia usar, por questões de
segurança. Esses problemas muitas vezes são segredos industriais. (idem).

Por outro lado, Ventura destaca que a carreira acadêmica também tem extrema importância,
por representar a vanguarda do pensamento em determinada área:

Existe uma grande afluência à pós-graduação, porque você precisa


ter a titulação pra poder ser docente. E por que você quer ser docente? Você
quer ser docente para poder estar no meio que se espera que seja a
vanguarda do pensamento na área, você poder ter contato com os colegas.
Então a docência é importante, mas a titulação é trabalhosa, não é feita assim
gratuitamente, porque ela entra um pouco em conflito com a atividade
profissional. Agora, isso depende muito da vontade da pessoa. (idem).

2.5. A criação do curso de Design na FAU-USP

Em virtude de sua vasta experiência na área de Desenho Industrial, Alessandro Ventura foi
convidado em 2003 para coordenar as atividades da criação do curso de Design da USP, a ser
sediado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo.

Para esse trabalho foi organizada uma equipe multidisciplinar, composta por professores da
FAU, Escola Politécnica, ECA (Escola de Comunicação e Artes) e FEA (Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade).

Existia uma corrente que queria levar o curso de Design para a ECA, e
então nós juntamos forças para trazer ele pra FAU. E eu acabei sendo o
coordenador, com muita luta interna, porque as pessoas não concordavam
muito, existiam opiniões diferentes. Não foi fácil. (Alessandro Ventura, em
declaração à autora).

O curso foi organizado a partir de sugestão da Fiesp, encaminhada à Reitoria da USP, com a
intenção de constituir-se em referência no país e formar quadros para a indústria, com sólida base
cultural e técnica. Segundo Ventura, o design, na época, era uma força muito importante para o
desenvolvimento da indústria brasileira, e tinha apoio governamental.

A ideia inicial de Alessandro Ventura para o curso de Design era que esse novo curso pudesse
alavancar a FAU-USP, tornando a escola conhecida em vários setores da indústria, bem como dando
novas perspectivas ao curso de Arquitetura e Urbanismo, expandindo seus horizontes.

Minha visão naquele momento era que se nos conseguíssemos


montar um curso avançado de Desenho Industrial aqui na FAU, ele arrastaria
a Arquitetura também. Então, em vez de você ter a arquitetura como principal
e o desenho industrial como um acessório, não: inverter a situação, e fazer
com que o curso de Desenho Industrial, que poderia dispor de recursos, não
só de informações técnicas, mas de recursos que poderiam ser levantados,
pudesse fazer a vanguarda de todo o processo e renovar a arquitetura.
Existiam alguns setores da área industrial que eram fundamentais. Um deles
era o setor de máquinas e bens de capital em geral. Então, a minha visão era:
se nos atrelarmos à política de bens de capital, e formarmos profissionais
preparados para trabalhar nesse setor industrial, nós vamos ter muitos
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recursos de todo tipo, e transformar a escola numa escola conhecida. Porque


nós vamos colocar gente que está sendo necessária lá fora, e estaremos
sendo reconhecidos como formadores desse pessoal. (idem).

Ventura buscou estabelecer parcerias com a ABIMAQ - Associação Brasileira da Indústria de


Máquinas e Equipamentos, para colaborar com informações específicas de projetos de produtos, e
também buscou contatos e pesquisadores na área de engenharia e nanotecnologia para a criação de
um grande laboratório industrial na FAU-USP; mas, por problemas internos, esse laboratório acabou
não sendo implantado. Posteriormente, houve uma grande e importante ampliação e aprimoramento
do trabalho inicial de elaboração do currículo do curso, com a colaboração de docentes das várias
unidades participantes, mas o professor Ventura não teve nenhuma participação direta nesses
desdobramentos.

O curso de Design da FAU-USP iniciou suas atividades em 2006, tendo já completado dez
anos de existência. No entanto, na opinião do professor Alessandro Ventura, o curso ainda não
ingressou na sociedade produtiva.

O conflito era que os arquitetos, mesmo atuando na área de desenho


industrial, acharam que não, que a tradição da FAU é generalista, entende? E
que tinha que dar tudo, enquanto eu via uma coisa muito mais dirigida, muito
mais direcionada. Então, o que aconteceu? (...) Hoje a posição da indústria é
muito frágil, enquanto que naquela época não. Em relação ao curso, eu acho
que nós perdemos tempo, e perdemos o bonde da história. (idem).

Conclusões

A investigação da trajetória de Alessandro Ventura permitiu identificar a existência de tensões


entre a atividade acadêmica (docência e pesquisa) e a atividade profissional (criar e projetar). A
principal dificuldade identificada é a escassez do tempo, que, em certos aspectos, torna difícil
conciliar as duas frentes – embora esse acúmulo de atividades seja muito recorrente entre os
professores que atuam na área de projeto na FAU-USP. Outra questão levantada durante esta
investigação é a importância de ter vivenciado o mercado de trabalho como profissional antes de
atuar como docente na área de projeto, principalmente na esfera do desenho industrial.

O professor Alessandro Ventura sempre se pautou pelo compromisso em dedicar-se


totalmente ao desenvolvimento do desenho industrial brasileiro, seja no âmbito profissional, seja na
carreira acadêmica, sendo reconhecido pelo perfeito rebatimento de sua atividade profissional no
ensino e na pesquisa.

O projeto nunca é um trabalho terminado em si; ele é sempre fruto de trabalhos anteriores,
ligados prospectivamente aos projetos que virão, nem que leve muitos anos para serem retomados. E
o sentido maior da palavra projeto é tentar reconhecer um problema em sua forma mais simples, de
maneira a que tenha um sentido didático: todo projeto é uma forma de aprendizado. Essa maneira de
trabalhar nos permite afirmar que, sem dúvida, projeto é pesquisa. Essa postura pressupõe um
método, uma atitude consciente e deliberada anterior ao próprio projeto.

Alessandro Ventura construiu, ao longo de seu trabalho como designer e professor de projeto,
os mecanismos para registrar o fazer de sua obra, de modo a tornar, tanto sua postura como seus
projetos, referências para muitos outros professores e designers.

No trabalho apresentado visando à livre docência, refleti sobre os


conceitos de produção modular e suas possíveis aplicações na arquitetura.
Não posso afirmar que tenho absoluta certeza sobre a correção dos
caminhos apontados, talvez até mais incertezas, mas as ideias expostas,
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certamente, deverão suscitar reflexão entre meus colegas. É um caminho


possível, e está aberto para os arquitetos.

Ao concluir essa revisão de minha trajetória profissional, industrial e


acadêmica, posso afirmar: foi um longo processo de assimilação e
amadurecimento de conceitos, experiências, acertos e erros, mas, acima de
tudo, tive o prazer de conviver com as mais variadas e interessantes pessoas,
seja no campo universitário, seja no empresarial e político.

Muitos amigos e colegas me acompanharam nesses 50 anos de


profissão. Não tenho dúvidas nem remorsos quanto ao caminho percorrido.
Sempre tive absoluta certeza sobre a trajetória que escolhi. Se ela foi útil à
Universidade e à sociedade, só o tempo dirá.

Referências

Entrevista realizada com Alessandro Ventura, em 08 de julho de 2016, na cidade de São Paulo, com
26 minutos de duração.
Processos da Universidade de São Paulo, nº 70.1.10823.1.0 (vol.1) e 04.1.420.16.1 (vol.2). Contrato
docente de Alessandro Ventura.
Programas do curso de Arquitetura e Urbanismo – FAU-USP (1948-1961).
Programas das Disciplinas do Departamento de Projeto – FAU-USP (1962-2008).

BAROSSI, Antonio Carlos. Ensino de Projeto na FAUUSP: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da


Universidade de São Paulo. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). São Paulo: FAUUSP,
2005.
BONSIEPE, Gui. “The Uneasy Relationship between Design and Design Research”. In: MICHAEL, R.
(ed.). Design Research Now. Berlin: Birkhauser, 2007.
BRAGA, Marcos da Costa. “A pesquisa em história do design no Brasil: uma experiência na pós-
graduação da FAU-USP”. In: Cadernos de Estudos Avançados em Design, Vol. 9 – História.
Barbacena: EdUEMG, 2014.
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo:
Unesp, 1991.
JORGE, Luís Antônio. “Ensino de Projeto e o projeto de ensino da arquitetura e do urbanismo na FAU-
USP”. Drops, São Paulo, ano 10, n. 030.05, jan. 2010. Disponível em:
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/drops/10.030/2113>. Acesso em: 04 mar. 2015.
LAFIGLIOLA, Leandro G. “Ensino de desenho industrial na formação do arquiteto: a experiência da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.” In: SILVA, José Carlos Plácido; SANTOS, Maria
Cecília Loschiavo (orgs..). Estudos em Design nas universidades estaduais UNESP e USP. São
Paulo: UNESP, 2006.
NARUTO, Minoru. Repensar a formação do arquiteto. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo).
São Paulo: FAUUSP, 2007.
PEREIRA, Juliano Aparecido. Desenho industrial e arquitetura no ensino da FAU-USP (1948-1968).
Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). São Carlos: EESC-USP, 2009.
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SANTOS, Luciene Ribeiro dos. Os professores de projeto da FAU-USP (1948-2018): esboços para a
construção de um centro de memória. Dissertação (Mestrado em Design e Arquitetura). São
Paulo: FAU-USP, 2018.
SANTOS, Maria Cecília Loschiavo dos. “Design e Pesquisa: celebrando vinte anos”. Estudos em
Design, Revista (online). Rio de Janeiro: v. 22, n. 3 [2014], p. 49-56
SILVA, Helena Aparecida Ayoub. Abrahão Sanovicz: o projeto como pesquisa. Tese (Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo). São Paulo: FAU-USP, 2004.
VENTURA, Alessandro. Uma trajetória no campo do desenho industrial. Pós, v.16, n.25. São Paulo,
junho 2009, p. 310-332.
__________. Arquitetura, Indústria e Produção Modular: sistematização crítica. Tese (Livre Docência).
São Paulo: FAUUSP, 2002.

Alessandro Ventura e Luciene Ribeiro (2016). Foto: Acervo pessoal da autora.

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