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! / MIGALHAS DE PESO

Financiamento de projetos
de eletricidade: Quais os
riscos a serem endereçados?
E como ?
L EO N A R D O M I R A N DA

O objetivo deste artigo é discutir a identificação


e alocação, pela via contratual, de riscos comuns
a projetos de eletricidade, notadamente em
geração de energia elétrica, sob a modalidade de
project finance, bastante desenvolvida na
Europa e Estados Unidos da América,
principalmente, e cada vez mais adotada em
economias emergentes como o Brasil e países
da Ásia.

QUARTA-FEIRA, 17/1/2007

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Financiamento de projetos de
eletricidade: Quais os riscos a serem
endereçados? E como ?

Leonardo Miranda*

O objetivo deste artigo é discutir a identificação


e alocação, pela via contratual, de riscos comuns
a projetos de eletricidade, notadamente em
geração de energia elétrica, sob a modalidade de
project finance, bastante desenvolvida na
Europa e Estados Unidos da América,
principalmente, e cada vez mais adotada em
economias emergentes como o Brasil e países
da Ásia. Pretende-se mostrar que a análise
acurada dos riscos do projeto e a escolha dos
parceiros adequados tornam facilitado o
exercício de alocação de riscos (e minimização)
via contratos1.

Introdução

Project finance é um exercício de alocação de


riscos de determinado projeto. Conforme as
negociações evoluem, pretende-se que cada
risco seja alocado à parte com melhores
condições de gerenciá-lo. Portanto, é essencial
se ter em mente, sempre, que os riscos do
projeto não desaparecerão, apenas serão
alocados à parte que está em condições de
endereçá-los. Procurar-se-á, sempre, evitar
deixar riscos sob a responsabilidade da
sociedade de propósito específico - SPE
constituída para o projeto, pois isto afetará o
crédito da SPE perante os bancos, já que, a
princípio, a SPE é o próprio projeto.

No que diz respeito à energia elétrica, trata-se de


produto bastante especial. É consenso no
ambiente econômico que a demanda por
energia não costuma seguir a regra de que
preços altos levam à demanda mais baixa e vice-
versa, posto que a demanda por energia tem
como fator, dentre outros, a renda do usuário e o
preço dos produtos substitutos ou
complementares.

Maiores riscos em Project finance Apesar de


cada projeto conter seus próprios riscos e
armadilhas, a experiência mostra que, em se
tratando de project finance, alguns dos riscos
mais expressivos são comuns a qualquer tipo de
projeto, dentre os quais destacamos:

(i) Risco de Conclusão do Projeto (ou


Completion Risk) – Associado aos riscos
envolvidos na construção do projeto. Além do
risco de atraso na obra e na liberação do projeto
para operação (licenças, alvarás, etc.), bem como
de aumento de preços dos materiais e
equipamentos, a fase de construção do projeto
carrega outros riscos como força-maior, danos ao
meio-ambiente e alterações no desenho do
projeto (seja por razões legais ou mesmo por
erro de desenho do projeto).

Todas essas possibilidades de problemas na


conclusão da obra normalmente levam ao
aumento dos custos acordados e financiados
(chamados cost overruns), ponto que deve ser
previsto e endereçado na documentação do
projeto (por exemplo, via garantias de conclusão
ou completion guarantees, financiamento pelos
sponsors via dívida subordinada aos bancos,
etc.), sob pena de suspensão ou mesmo
cancelamento do projeto. E, vale dizer, aumento
de custos no decorrer do projeto é algo bastante
comum. Em projetos de transmissão de energia
elétrica no Brasil, por exemplo, há diversos
fatores sob responsabilidade exclusiva da
concessionária, como por exemplo a obtenção
das servidões administrativas e desapropriações
necessárias ao curso do projeto. Tudo isso,
naturalmente, gera custos, que poderão
eventualmente ser superiores ao planejado.

(ii) Risco de Performance – Associado ao dia a


dia das operações do projeto. Alguns dos riscos
identificados no item anterior, sobre completion,
também se aplicam à operação do projeto (ex.
força maior e danos ambientais). Na fase
operacional, ou de performance, há riscos
regulatórios específicos, como por exemplo
novas normas sobre operação das instalações,
segurança, poluição, etc. No setor elétrico
brasileiro, é comum haver medidas novas
adotadas pela ANEEL e ONS nesse sentido.

(iii) Risco de Preços – Derivado do fato dos


preços/tarifas de eletricidade poderem ser
altamente voláteis. Se considerarmos um projeto
de geração de eletricidade, por exemplo, esse
risco pode ser endereçado das seguintes formas:

(1) SPE (gerador) pode celebrar contratos de


longo prazo, com preço fixo e com cláusulas de
take-or-pay2, com os tomadores da
eletricidade (ou offtakers). Nesse caso, sempre
haverá quem argumente que se há
possibilidade de venda no mercado spot, a
SPE, sempre que os preços estiverem em alta,
terá feito pior negócio ao contratar por prazo
longo a preço fixo. Contudo, deve ser
compreendido que (a) há vários mecanismos
disponíveis para contratos de longo prazo que
evitam preços não competitivos no longo-
prazo, como por exemplo (i) price escalators
(mecanismo que vincula o preço ou ao
mercado spot ou a um determinado
combustível – gás por ex., ou a índices
financeiros), e (ii) renegociação de preços
(mecanismo pelo qual as partes acordam que
ou de tempos em tempos, ou mediante a
ocorrência de determinado evento (ex.
aumento dos preços spot acima ou abaixo de
determinados patamares), as partes
renegociarão o preço acordado originalmente
para a eletricidade vendida pelos geradores); e
(b) o objetivo dos contratos de longo-prazo
com cláusula de take-or-pay é proteger o
vendedor contra flutuações de preço, e não
garantir o máximo retorno possível em
qualquer cenário. Não deve ser esquecida,
entretanto, a periodicidade legal que a lei
determinar, para reajustes de contratos.

(2) Pode-se negociar que um ou mais sponsors


será offtaker, de parte ou mesmo da totalidade
da eletricidade produzida.

(3) A SPE pode celebrar “contratos de


diferenças”, ou contracts for defferences, por
meio dos quais a SPE será paga pela diferença
entre o preço da eletricidade vendida no
contrato e um preço “X” acordado com o
tomador.

(4) A SPE pode acessar os chamados mercados


de hedge.

(iv) Risco de Volume – Consiste no risco da


produção de energia ser superior à demanda
existente. Este risco pode ser endereçado
mediante alguns dos instrumentos
mencionados acima (ex. contatos de longo
prazo, sponsors assumindo o papel de offtakers,
ou acesso aos mercados de hedge).

(v) Risco de Combustível – Num projeto de


geração de eletricidade, o combustível da planta
normalmente é o fator de custo preponderante
quando a planta começa a operar. Esse risco
compreende, portanto, não só o preço do
combustível utilizado, como também a sua
disponibilidade. Novamente, contratos de longo
prazo com preço fixo, entre o operador e o
fornecedor do combustível, minimizam esse
risco para a planta. O ideal, inclusive, é que o
prazo do contrato de fornecimento de
combustível esteja sempre em compasso com o
prazo do PPA (chamados contratos back-to-
back). Neste ponto, vale destacar que se a planta
for operar em mercado spot, é interessante ao
operador da planta negociar um contrato ou
sem take-or-pay, ou com as contra-medidas
explicadas anteriormente. Ademais, pode haver
a possibilidade de repasse dos custos de
combustível ao tomador no PPA. Ou ainda,
dependendo do combustível, acesso aos
mercados de hedge de combustível. Este ponto
é crucial ao projeto, notadamente se o
combustível for adquirido em moeda mais
valorizada do que a dos preços da eletricidade a
ser vendida no PPA no mercado local.

Peculiaridades dos projetos de eletricidade (i)


Mercados Liberalizados - Há que ser feita uma
distinção entre financiamentos em mercados
liberalisados e financiamentos em mercados
fechados. Financiar projetos em mercados
abertos à concorrência pode ser bastante
desafiador. Mesmo quando a planta começa a
operar antes do prazo previsto, se o mercado é
aberto os preços flutuam e isso pode retardar o
repagamento do projeto, afetar o NPV do
projeto, etc. Normalmente, alguns pontos que os
investidores deverão observar, sob o ponto de
vista regulatório, são (i) como se dá o acesso às
instalações de transmissão (o chamado open-
access) e (ii) os preços praticados pelos
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(ii) Mercados Não-Liberalizados -
Financiamentos em mercados não liberalizados
são, teoricamente, menos arriscados do que nos
mercados liberalizados. A razão para esse fato é
que, ao contrário dos mercados liberalizados, os
mercados não liberalizados experimentam, no
máximo, uma competição de pequeno vulto (em
muitos casos não há competição alguma).

(iii) Desvalorização de Moeda – Este tipo de


situação compreende não apenas o risco
cambial, mas também o risco de conversão e
transferência (ou não conversão e não
transferência) de moeda. O primeiro se refere à
dissociação de moedas no que diz respeito aos
custos do projeto, de um lado, e às receitas do
projeto, do outro lado. Grande parte (ou a
maioria) dos recursos para projetos de infra-
estrutura em países emergentes advém do
exterior. Portanto, os empréstimos são
negociados em “moeda forte”. O combustível de
uma planta geradora, dependendo do tipo de
combustível, poderá ter sido negociado também
em moeda forte. Entretanto, o produto
(eletricidade) ou serviço (transmissão) vendido
(output), na maioria dos casos, será precificado
em moeda local. Alem disso, a operação
provavelmente estabelecerá que os pagamentos
pelo empréstimo deverão ser feitos a uma conta
no exterior (assim como estarão no exterior as
contas-reserva, contas de recebimentos de
receita do projeto, contas para receber recursos
de pagamento de seguro ou indenizações, etc.).
Daí o chamado risco de transferência.

Estruturas contratuais para cobrir os riscos de


projeto

Não obstante o disposto acima sobre riscos de


projeto, é plenamente possível cobrir, pela via
contratual, todos esses riscos, de maneira que
não restem dúvidas maiores sobre a viabilidade
contratual/jurídica de um projeto.

(i) Sindicatos – Uma das formas que os


financiadores normalmente utilizam para
minimizar sua exposição em um financiamento
de projeto de infra-estrutura é a formação de um
sindicato com outros financiadores. Um dos
bancos ficará responsável pela coordenação do
sindicato (o agente), tendo com função essencial
o monitoramento do crédito concedido.
Algumas questões a serem negociadas entre os
bancos do sindicato são (a) quorum para
formação da maioria vis-à-vis os poderes
discricionários do agente, (b) medidas em caso
de descumprimento de obrigações pelos bancos
perante o sindicato – ex. obrigação de
desembolsar a sua quota respectiva, (c) o que
fazer em caso de inadimplemento por um único
banco ou por uma minoria de bancos
(possibilidade de não cumprimento pelos
demais bancos? diluição dos bancos
inadimplentes no sindicato?).

(ii) Contrato de Empréstimo – Principal arranjo


contratual pelo lado dos bancos. Detalha a
estrutura do empréstimo, ou seja, sob quais
condições haverá desembolsos e repagamentos,
qual a forma de desembolso, formas de
subordinação de crédito, de controle do projeto
pelos financiadores, etc. Normalmente, os
bancos estabelecem, por exemplo, que não
haverá qualquer desembolso em caso de
inadimplemento ou evento de inadimplemento
em qualquer dos demais documentos do projeto
– o que, inclusive, gera aceleração da dívida.

Esse instrumento estabelece, ainda, o NPV do


projeto e as chamadas cover-ratios (por exemplo,
a relação entre fluxo de caixa e dívida pendente)
esperadas no projeto, etc. As cover-ratios são
mecanismos por meio dos quais os bancos
controlam a performance do projeto em face da
dívida contraída. Normalmente, se uma cover-
ratio está sendo inadimplida, os bancos terão
acordado com os sponsors que estes últimos
deverão capitalizar o projeto para restabelecer a
ratio acordada originalmente.

E finalmente, é justamente por meio deste


contrato que as partes acordam se o
financiamento será full-recourse, non-recourse
ou limited-recourse.

(iii) Contrato de Construção – Usualmente, o


risco de conclusão do projeto é endereçado
nesse instrumento. O construtor poderá ser
tanto a SPE quanto um terceiro, que também
poderá ser sponsor do projeto. Quando o
construtor não for a SPE, a forma mais adequada
de afastar o risco de não-conclusão do projeto
será via a estrutura conhecida como turn-key,
por meio da qual o construtor será responsável
também por fazer com que o projeto esteja apto
a operar, sem o que não receberá o preço
acordado.

Algumas questões principais a serem definidas


no âmbito do contrato de construção são (i)
como será feito o “teste de conclusão”
(completion test), (2) quais fatores podem atrasar
a conclusão do projeto, (3) alterações de preço
devido a atrasos nas obras (cumprimento dos
chamados milestones). Alem disso, é importante
definir (4) perdas e danos por atraso e outros
descumprimentos, (5) quais são as garantias
oferecidas pelo construtor, (6) qual o tratamento
para os chamados custos extras (cost overruns).

Finalmente, questões como performance bond,


carta de fiança e conta reserva terão que ser
igualmente definidas.

(iv) Contrato de Fornecimento de Combustível


– O ideal é que esse contrato possa atender
quaisquer demandas da planta no âmbitos dos
chamados PPA. Esses contratos normalmente
possuem cláusulas de take-or-pay.

(v) PPA Power Purchase Agreement – A


existência de PPAs assume que existe a
possibilidade de venda de energia em contratos
bilaterais de longo prazo. Isso pode não se
verificar se, por exemplo, apenas mercados a
vista (spot) estiverem disponíveis. Normalmente,
contratos de PPA possuem cláusula de demanda
por capacidade e cláusula de demanda por
energia. A primeira cobre os custos fixos da
planta, enquanto a segunda cobre os custos
variáveis.

(vi) Pacote de Garantias do Projeto –


Normalmente engloba garantias sobre o fluxo de
caixa do projeto, com a verificação prévia de que
os contratos que originam o fluxo de caixa
podem ser cedidos e dados em garantia.
Inclusive, é usual que os financiadores, de forma
a garantir seu acesso a esses contratos, celebrem
contratos diretamente com as partes que
contrataram com a SPE (os chamados direct
contracts), que irão garantir que os financiadores
podem assumir os contratos se houver
inadimplemento pela SPE (chamados step-in-
rights). Além disso, os financiadores também
buscarão garantias sobre os ativos do projeto. E
as ações da SPE também serão oneradas em
favor dos financiadores. Cláusulas de negative
pledge garantirão que as mesmas garantias não
sejam outorgadas a outros credores.

Garantias sobre as licenças do projeto podem ser


algo de difícil aplicação prática, na medida em
que em projetos de infra-estrutura normalmente
algum órgão do poder público terá ingerência
sobre transferência de licença.

Conclusão

Project Finance é, portanto, um exercício de


alocação de riscos que consiste basicamente em
(1) reconhecer as peculiaridades do mercado
onde o investimento será feito, (2) escolher os
parceiros certos, (3) elaborar o arranjo contratual
adequado.

Em projetos de eletricidade, deve ser apurada no


mínimo a regulação do setor, principalmente
sobre como é feita a venda do produto ou
serviço, quais as garantias de pagamento, qual o
mercado consumidor final, qual o mecanismo
de cálculo da tarifa, etc.

_____________

1Alguns termos abreviados utilizados neste artigo: (i) NPV,

Net Present Value, (ii) PPA, Power Purchase Agreement, (iii)


ANEEL, Agência Nacional de Energia Elétrica, (v) ONS,
Operador Nacional do Sistema.

2Mecanismo pelo qual o offtaker se compromete a pagar

por uma quantidade mínima do produto. Há, contudo,


contra-medidas como o chamado make-up right (quando o
offtaker fica com crédito do volume pago em take-or-pay
porem não retirado; esse volume poderá ser usado em
retiradas futuras, mas desde que observado o take-or-pay
no momento da compensação, ou seja, se o take-or-pay for
de 70% da quantidade acordada e o offtaker tiver 10% de
crédito, poderá utilizar desde que esteja retirando mais do
que 70%, podendo portanto usar o crédito para retirar o
volume solicitado acima do take-or-pay). Mais flexível ao
offtaker é o chamado carry-forward right, pelo qual o
mesmo crédito de 10% poderia ser utilizado mesmo dentro
do limite de 70% do take-or-pay.

______________

*Advogado do escritório Pinheiro Neto


Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de


informação e debate, não devendo ser considerado
uma opinião legal para qualquer operação ou
negócio específico.

© 2007. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO


NETO ADVOGADOS

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