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LICENCIATURA EM HISTÓRIA

MARCELO VIEIRA FRAYHA

A EDUCAÇÃO E A AUTORREALIZAÇÃO: COMPARAÇÃO


ENTRE A VISÃO DE SNYDERS E ROGERS

POÇOS DE CALDAS, SETEMBRO DE 2020


MARCELO VIEIRA FRAYHA

A EDUCAÇÃO E A AUTORREALIZAÇÃO: COMPARAÇÃO


ENTRE A VISÃO DE SNYDERS E ROGERS

Trabalho de Psicologia da
Educação apresentado no Curso
de Licenciatura da Uniplena
Educacional sob orientação do
Professor Ivan Canovas, Turma:
285

POÇOS DE CALDAS, SETEMBRO DE 2020


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 4
2 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO PARA CARL ROGERS 6
3 PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO PARA GEORGES SNYDERS 9
4 CONCLUSÃO 11
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 13
1 INTRODUÇÃO

Existe um grande debate acerca da natureza da Psicologia da


Educação, isto é, se ela é uma ciência autônoma, apesar de
multidisciplinar, ou se ela é a aplicação na prática educacional de
uma teoria específica, como a psicanálise ou o cognitivismo. Os
defensores da Psicologia da Educação como algo autônomo
defendem que a pratica educacional é uma ciência à parte das
outras visto que sua aplicação tem características particulares que
devem ser estudadas por si mesmas e não em relação à alguma
teoria geral. Por outro lado, os defensores da subordinação dessa
ciência à uma teoria geral defendem que o aprendizado não está
limitado ao saber ensinado, mas está presente em todas as
atividades humanas, incluindo aprendizados não conscientes
provenientes dos hábitos e do meio social, por isso, há que se
compreender o desenvolvimento humano para que se possa pensar
na educação.
Análoga a essa discussão está a discussão sobre o que é a
educação. Também pode-se traçar um eixo com diferentes teorias da
educação onde em um extremo a educação é vista como algo
hierárquico, onde o professor detém o saber e o aluno deve
memorizar e repetir o conteúdo até que o comportamento desejado
se torne habitual, e do outro lado do eixo está a crença de que o
aluno é parte ativa do processo educacional, e o despertar da
consciência do aluno é o meio eficaz para se alterar o
comportamento do aluno de forma duradoura e construtiva.
Enquanto a primeira teoria olha para a influência dos hábitos no
comportamento, a outra olha para a influência da consciência no
comportamento. A primeira é um campo fértil para a criação de
técnicas pois o que interessa é o estímulo e a resposta, e não o que
acontece entre uma coisa e a outra. Apenas o que pode ser medido
é considerado, sendo por isso, uma ciência, capaz de ter seus
resultados analisados e ser replicada por outras pessoas. Já a
segunda teoria é um capo fértil para a especulação filosófica, visto
que se preocupa com um ideal de consciência a ser atingido, que
apesar de haver discussões acerca do que seria esse ideal, nesse
trabalho usaremos o termo autorrealização, visto que acreditamos
ser ele capaz de abarcar todas as diferentes teorias acerca do que é
o ideal de consciência.
Essa discussão é análoga à primeira, pois a Psicologia da Educação
vista como uma ciência única também está preocupada com o
aspecto prático e científico da matéria, enquanto que quando vista
como uma aplicação de uma ciência geral sobre o funcionamento da
mente humana e seus comportamentos associados também está
preocupada com um ideal a ser atingido, visto que a educação não
pode ser vista separada dos objetivos sociais nos quais ela está
inserida. Temos aqui, portanto, um lado do eixo preocupado com a
finalidade da matéria (educação e psicologia da educação) e o outro
lado do eixo preocupado com sua aplicação prática.
Dito isto, consideramos que para essa discussão poder fluir e termos
uma compreensão da Psicologia da Educação, devemos considerar
a primazia do ideal a ser atingido, sendo que a discussão dos meios
a serem empregados deve ser subordinada à ela. Adicionalmente,
consideramos que o ideal a ser atingido é a autorrealização através
do progressivo despertar da consciência. Por isso, dedicamos esse
trabalho ao estudo comparativo de dois autores que focaram suas
teorias na definição da finalidade da educação através da referida
abordagem, de modo que possamos compreender quais desafios se
colocam para a compreensão das questões que emergem ao
considerarmos esse tema fundamental.
2 A PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO PARA CARL ROGERS

Carl Rogers acreditava que o objetivo da educação é a autorrealização. O meio


pelo qual isso pode ser atingido é através do conhecimento de si mesmo, que,
por sua vez, permitirá uma melhor compreensão do mundo. O conhecimento
de si mesmo permite que a pessoa deixe de buscar a avaliação exterior e
passe a ter maior confiança em suas próprias capacidades de avaliação e
julgamento. Isso faz com que a pessoa passe a se respeitar mais, pois ao
assumir a responsabilidade pela avaliação e julgamento ela tende a fazer
menos distorções acerca da realidade, e com isso pode encarar e compreender
os próprios defeitos, o que leva a uma maior autoaceitação, confiança e
consequentemente um olhar amoroso para o mundo.
Portanto, para Rogers, o dever do professor é auxiliar o aluno nesse processo
natural de autoconhecimento, e o pre-requisito para isso é que o professor
tenha um bom bom conhecimento acerca de si mesmo, pois só assim ele
poderá desenvolver verdadeira empatia pela realidade de todos os alunos e
assim ser capaz de assumir o ponto de vista do aluno. Essa condição é central
para que o aluno desenvolva confiança no professor para que possa espelhar
essas atitudes de respeito ao próximo e honestidade em relação a si mesmo.
Para o autor, é importante que não se passe duas mensagens, apenas uma, e
para isso a honestidade em relação às próprias limitações e sentimentos é
fundamental para o professor guiar os alunos no processo de autorrealização.
Segundo sua teoria, cada indivíduo é o centro de seu mundo de experiência,
que muda constantemente. Os indivíduos reagem à essas experiências
formando percepções, que por sua vez, serão encaradas como a realidade. Por
um lado, o indivíduo reage de maneira coerente à realidade percebida, isso é,
as atitudes em um ambiente podem explicar as atitudes em outro ambiente, por
outro, começa a perceber que uma parte de sua percepção do mundo na
verdade é uma projeção de si mesmo. Nesse ponto o indivíduo começa a
ganhar consciência do EU. Através da interação entre o EU e o mundo uma
estrutura consistente de padrão de percepção é formada, apesar da percepção
em si ser fluida, e essa estrutura é formada por valores formando o próprio
conceito de EU, que objetivam a manutenção e aperfeiçoamento dos recursos
que experimentam a realidade, isto é, mente e corpo.
Por isso, a melhor maneira de compreender o comportamento humano é
compreendendo o padrão de percepção da pessoa, revelado por seus valores,
daí a importância de ser capaz de se colocar no ponto de vista do aluno. O
comportamento humano deve ser entendido como resultado da necessidade de
experiência do indivíduo direcionado paraa atingir seus objetivos a partir de sua
percepção da realidade, e seus sentimentos são recursos facilitadores da
consecução desses objetivos, variando em grau conforme a importância do
comportamento, ou melhor, da experiência desejada, para a consecução dos
objetivos percebidos.
Já os valores que formam a estrutura do EU são associados às experiências,
porém, apenas parte deles são resultados das experiências vividas, uma outra
parte é introjetada a partir da experiência de outros e acabam sendo
distorcidas, assumindo a forma de uma experiência vivida. Por isso, algumas
experiências vividas acabam sendo negadas ou distorcidas por serem
incoerentes com a estrutura do EU, quando na verdade a estrutura do EU se
tornou incoerente pela incorporação de experiências não vividas. Isso leva aos
problemas de comportamento, visto que o comportamento geralmente é
coerente com a estrutura do EU. Já outras vezes, o comportamento nunca foi
simbolizado e por isso pode não respeitar a estrutura do EU, porém, nesses
casos o comportamento é invonluntário e não está sob controle do indivíduo.
O caminho para a autorrealização portanto é resultado de uma percepção de si
mesmo capaz de incorporar as experiências vividas pelo aparato sensorial e
sentimental. Já a tensão psicológica ocorre quando as experiências não são
incorporadas ao EU, seja por que não foram simbolizadas, seja por que não
foram experienciadas realmente. Então, cabe ao professor criar um ambiente
onde o aluno não sinta seu conceito de EU ameaçado para ser capaz de
incorporar experiências que possam expandir seu autoconhecimento. Quando
isso acontece e o aluno é capaz de incorporar todas as experiências vividas ao
seu conceito de EU, ele simultaneamente se torna mais empatico às diferenças
dos outros, o que lhe permite viver novas experiências, substituindo os valores
introjetados por valores experienciados, alterando progressivamente seu
sistema de valores e se tornando uma pessoa autorrealizada.
Entretanto, para que o professor seja capaz de desencadear esse processo,
deve centralizar a educação nas necessidades do aluno, compreendendo que
não se pode ensinar diretamente, pode-se apenas facilitar o aprendizado, que
por sua vez, só pode ser percebido como algo que mantém ou melhora o
próprio conceito de EU. Por isso, cabe ao professor estimular nos alunos uma
mente aberta, capaz de considerar conceitos dos quais não se acredita, desde
que esses conceitos sejam relevantes e associáveis à experiência de vida dos
alunos. Para que isso seja possível, o professor deve criar um ambiente onde o
aluno não se sinta ameaçado, visto que a ameaça é encarada como um ataque
ao EU, o que criará uma barreira às informações apresentadas já que o EU se
torna mais rígido sob ameaça. Resumindo, cabe ao professor reduzir ao
mínimo os obstáculos levantados pelo conceito de EU dos alunos e maximizar
as experiências vividas. Para isso a educação deve ser centrada no aluno, com
o professor disposto a aprender com os alunos, a ter interações frequentes e
ensinar de modo não impositivo.
3 A PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO PARA GEORGES SNYDERS

Snyders (1988) considerava o objetivo da educação a alegria cultural. Para ele,


a cultura existe em duas dimensões, a primária é constituida pelas experiências
vividas pelos alunos, enquanto a secundária é constituida pelos conhecimentos
transmitidos, as descobertas científicas, artísticas e literárias, compondo a
cultura elaborada coletivamente. Para ele, a educação é centrada na cultura
elaborada e ignora a cultura primária, enquanto que teorias críticas acabam
cometendo o erro oposto. O objetivo da escola é ajudar os alunos a cruzar a
ponte entre as duas culturas, despertando o desejo de aprender. Isso ocorre
pois ao cruzar a ponte, o aluno vai se distanciando da cultura de massa e
desenvolvendo uma cultura elaborada, resultado da comunicação entre sua
cultura primária e secundária. Dessa forma, a cultura secundária passa a
“iluminar a cultura primária” (Snyders, 1986) despertando no aluno o interesse
pela cultura e o desejo de aprender.
Para que a escola seja capaz de atingir esse objetivo é central a escolha do
conteúdo a ser ensinado aos alunos. Esse conteúdo deve ser centrado no
ensino das artes, da música e da filosofia de modo a despertar a alegria
associada à luta pela transformação de si mesmo. O tempo dentro da escola
deve ser vivenciado com alegria pelo aluno, essa é a medida da eficiência da
educação praticada. Uma escola que desperte bons sentimentos no aluno
estará cumprindo sua missão social, enquanto que uma escola concebida por
manuais, que exige disciplina e silêncio se assemelha a um adestramento e
causa insatisfação nos alunos. Para a alegria emergir, e portanto, a
autossatisfação, é necessário dar liberdade ao aluno de modo a permitir sua
individualização, isto é, a formação de um sujeito autônomo.
Para Snyders (Carvalho, 1999), o problema da educação tradicional não está
nos métodos mas no conteúdo ensinado. Por isso, a solução proposta pelos
escolanovistas era insuficiente para superar os problemas da educação
tradicional, porém, a solução se torna mais complexa, visto que é necessário
selecionar novos conteúdos de forma a traduzir o novo espírito da educação
onde o aluno participa ativamente. Esses conteúdos deverão despertar alegria
em relação à cultura e espírito crítico em relação à realidade. Dessa forma, a
escola seria um ambiente transformador da sociedade, onde os alunos se
habituariam a tomar decisões de forma autônoma e a somente obedecer regras
que os levassem a novas experiências formadoras que não seria possível
atingir de outro modo, aproveitando de maneira virtuosa o método tradicional.
4 CONCLUSÃO

Como pudemos ver, ambos consideram a autorrealização como objetivo do


ensino (Em Snyders ela aparece em seu aspecto sentimental, a alegria) e
também podemos ver que a cultura primária de Snyders é análoga ao EU de
Rogers, ao menos em seu aspecto cultural, enquanto que a cultura secundária
de Snyders é análoga às experiências introjetadas de Rogers. Porém, se
diferenciam quanto ao sentido que dão para a comunicação entre uma cultura
e a outra. Para o primeiro, a cultura secundária ilumina a cultura primária
enquanto que para o segundo é o conhecimento de si que permite o
conhecimento do outro, portanto, a ponte deve ser cruzada em sentido inverso,
da cultura primária à secundária. Essa diferença resulta em duas abordagens
diferentes. O foco da obra de Snyders está no conteúdo a ser transmitido, daí
os livros sobre como obter a alegria dos alunos através da literatura, música
(Snyders, 1988) e luta de classes, sendo que para Rogers o conteúdo não
pode ser diretamente transmitido, mas conduzido pelo professor enquanto o
aluno apreende aquilo que se relaciona com seu EU. Já o foco da obra de
Rogers está nos processos psicológicos do aluno e as influências exercidas
pelo professor. Sua preocupação é criar um ambiente confortável onde o aluno
permita que sua concepção de mundo seja desafiada com o mínimo de
resistência possível, de modo a habitua-lo a pensar de diferentes maneiras.
A diferença das abordagens é resultado do pressuposto inicial de cada autor.
Para Snyders existe um modelo social a ser transmitido, o modelo socialista. A
educação tem uma função revolucionária na luta de classes e deve ser
utilizada pelos socialistas de modo a transformar o mundo em direção ao seu
ideal. Já para Rogers não há um modelo definido de mundo que a educação
deve realizar. As transformações são fruto do processo de individualização das
pessoas e da criatividade que as acompanha, não cabendo à escola impor
nada que influencie no processo autônomo de percepção da realidade. O que
cabe à escola é formar pessoas capazes de pensar criticamente e isso é
contraditório à implantação de um modelo definido, visto que esse modelo não
poderia ser questionado dentro da escola sem deixar de ser um modelo
definido.
Portanto, pudemos ver que mesmo abordagens com objetivos semelhantes se
tornam bem diferentes quando consideradas as hipóteses fundamentais de
cada autor. O autor que parte de uma idéia concreta da realidade a ser atingida
acredita que o sujeito é formado a partir da sociedade, portanto, a essência do
conteúdo ensinado pode ser integralmente transmitida ao aluno, daí a crença
na possibilidade de se controlar as mudanças sociais. Já o autor que parte de
uma idéia abstrata da realidade, focando-se nos elementos internos da
transformação desejada ao invés das manifestações externas, acredita que a
sociedade é formada a partir do sujeito, e por isso, não é possível transmitir a
essência do conteúdo de maneira integral, pois essa será interpretada pelo
aluno a partir de suas experiências individuais, e quanto mais ele for capaz de
fazer isso menos influência as experiências introjetadas terão. Dessa forma
não há contradição entre a formação do pensamento crítico e o modelo de
ensino, por outro lado, as técnicas de ensino se tornam mais variadas e dificeis
de serem transmitidas aos professores em formação pois dependerão da
experiência vivida pelo professor.
REFERÊNCIAS

CARVALHO, R. M. Georges Snyders: em busca da alegria na escola.


Revista Perspectiva. Florianópolis, no.32, v. 17, 1999.

ROGERS, Carl. Client-centered therapy: Its current practice, implications


and theory. London: Constable. ISBN 978-1-84119-840-8, 1951.

ROGERS, Carl. Tornar - Se Pessoa. Editora Martins Fontes, 1961

SNYDERS, G. A Alegria na Escola. São Paulo, Editora Manole, 1988.

SNYDERS, G. A escola pode ensinar as alegrias da música? São Paulo,


Cortez, 1997

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