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1. Introdução
Se por um lado, ao analisarmos a moeda fiduciária hoje existente, comparando-a com sua
evolução – uma representação em formato digital – nossa intuição nos diz que sua
substituição é muito provável, senão inevitável, por outro, sua existência nos revela mais do
que uma mera representação do dinheiro, mas uma lei que rege o valor.
É preciso olhar para a moeda fiduciária e para a moeda digital como semelhantes antes de
opô-las, analisando-as conjuntamente com o tipo de moeda que possui valor intrínseco. E
nesse cenário, ter ou não valor intrínseco é o que poderá definir o rumo da história daqui por
diante.
Ao imitar a natureza, a humanidade desenvolveu algo que nela se baseia, uma criação que
suplanta o domínio humano e se comporta autonomamente, interagindo com o que há de
material e imaterial na natureza: a economia.
Nessa ótica, o dinheiro representa a tentativa de conservar essa energia gasta na criação
de uma determinada riqueza, e a moeda é a forma objetiva com que essa riqueza, o
dinheiro, transita entre as pessoas, passando de uma mão para a outra ao longo do
tempo.
O trabalho nada mais é do que o gasto de energia em suas mais diversas formas, que todos
praticamos, seja ele um esforço físico ou intelectual, e que ao final gera resultados e cria
riqueza.
A moeda, por sua vez, é a representação material e jurídica dessa riqueza criada.
Hoje o custo energético para manter a rede Bitcoin rodando é de $4 bilhões/ano, e o volume
de transação está na casa de $1,34 trilhão sem burocracia, um custo elevado, porém, com
perspectiva de se tornar infinitamente mais barato do que o atual sistema, baseado em
bancos e autoridades monetárias.
Parece-nos que o Bitcoin ou qualquer outra criptomoeda existente no mercado ou ainda por
vir tem o poder de se tornar o sistema econômico mais eficiente já criado: não há inflação,
não há desperdício, é indestrutível, não é garantido por monopólios bélicos, é
completamente descentralizado, permite uma forma muito eficiente de transmissão de
riqueza entre as pessoas, com baixo custo de transação e alta velocidade, em que cada Watt
gasto na criação da riqueza é convertido em valor real.
Por outro lado, se compreendermos o valor da moeda como algo subjetivo, atribuído
diferentemente por cada indivíduo, então ativamente alterará a economia, uma vez que
decorrerá da percepção de cada indivíduo quanto ao real valor que ela representa,
adquirindo, portanto, a capacidade de gerar e destruir riqueza. É preço sem valor.
Portanto, se a criptomoeda tiver somente um valor objetivo, terá um preço e não será
especulativa, tal como é hoje em dia. Se, por outro lado, desempenhar nas pessoas um papel
além da mera unidade de equivalência geral, terá então a capacidade de gerar e destruir
riqueza, pois o preço representará a percepção das pessoas e não a energia objetivamente
despendida de forma útil à sociedade. E nesse compasso, as criptomoedas, em sua essência
genética, possuem o condão de substituir as demais formas de moeda existentes, ou ao
menos dominar boa parte de seu meio de circulação, pois além de preço têm valor intrínseco,
conforme se verá adiante.
2. A moeda
Todo sistema econômico é formado em torno de uma moeda, seja ela física ou digital.
Essa é a preocupação manifestada pelos economistas liberais, com suas soluções geralmente
apontando para a redução dos gastos públicos, exatamente porque é a necessidade de
financiamento estatal que leva ao abuso da moeda fiduciária.
A solução parece simples: permitir a sua criação apenas quando houver falta de moeda no
mercado, garantindo o lastro e estabelecendo um prazo para o retorno à normalidade.
Na prática, no entanto, não é bem assim: para a percepção atual, após cinquenta anos de
moeda fiduciária e noventa anos de moeda não-conversível, a moeda não é vista mais pela
percepção comum como uma ferramenta neutra, mas como um instrumento que tem a
capacidade de criar riqueza real.
Porém, como é possível que isso ocorra num ambiente descentralizado tal como é proposto
pelas criptomoedas, em que a política de expansão da base monetária não está sob o
domínio de uma autoridade central? E nesse contexto, qual é o valor real da moeda?
A moeda possui três atributos básicos que são a essência de sua natureza: ser uma reserva de
valor, um meio de troca e uma unidade de conta.
Nas palavras do economista e professor N. Gregory Mankiw (Mankiw, 2009, p. 80)[1], o atributo
da reserva de valor está relacionado à função da moeda de “transferir o poder de compra do
presente para o futuro”.
O termo valor aqui é tratado como sinônimo de poder de compra, e neste sentido, a moeda
não pode ser valorada, mas apenas precificada em comparação com outras moedas.
Por exemplo: no caso das moedas fiduciárias, elas não têm valor intrínseco (não se faz nada
com um real ou um dólar numa economia que não os aceita, são mero pedaço de papel),
mas podem ser precificadas em comparação com outras moedas.
Portanto, reserva de valor é o atributo da moeda que diz respeito à sua capacidade de
conservar ao máximo uma energia que é produzida ao longo do tempo, e que ao final é
gasta ou desperdiçada na economia.
Por sua vez, a função da unidade de conta da moeda está relacionada ao consenso que se
forma em seu uso como unidade de medida, que nada mais é do que a unidade de riqueza
em que os contratos se expressam, e em que as receitas dos indivíduos e os lucros das
empresas são medidos (Law, 2016).
Nas palavras de Mankiw, a moeda precisa representar os termos em que os preços são
estabelecidos e as dívidas são registradas (Mankiw, 2009, p. 80).
Por fim, a moeda desempenha aquela que é considerada a mais importante de suas funções
pelos economistas: a de ser um meio de troca[2].
Define-se meio de troca como qualquer item que é amplamente aceito em troca por bens e
serviços, e que faz com que transações indiretas possam ser possíveis, sem depender da
troca direta de mercadorias e serviços como ocorre nos mercados de escambo.
Ao longo da história, inúmeros bens serviram como meios de troca: metais preciosos, gado,
peles, sal, ervas etc. Eles mantiveram essa função por muito tempo, principalmente devido a
duas características: seu valor intrínseco e seu grau de comercialização.
Ter um valor inerente era importante no início como uma forma de seguro para as pessoas
em caso de inadimplência ou escassez de recursos. Se uma pessoa não pudesse obter o bem
desejado, ou receber o que alguém prometeu em pagamento por uma troca, essa pessoa
ainda permaneceria com algo valioso / útil em suas mãos.
O grau de comercialização de um bem, por sua vez, diz respeito à facilidade com que esse
bem pode ser escoado no mercado sem perder nada ou perdendo pouco de seu valor. Uma
alta taxa de comercialização de uma mercadoria consiste no fato de que ela pode ser fácil e
seguramente vendida a todo momento a um preço correspondente, ou pelo menos não
discrepante da situação econômica geral.
É o que chamamos de moeda com curso legal, que é a forma com que o mercado opera
desde então, principalmente após a substituição desses bens preciosos pelo papel-moeda.
Uma breve análise histórica nos permite visualizar de que forma se comporta o mercado e o
ciclo da moeda: i) é criado o papel-moeda para representar riquezas reais, ii) essa moeda
lastreada passa a ser fiduciária, iii) a crise de confiança advinda da sua hiper emissão
inevitável e iv) o consequente retorno à situação de segurança (lastro).
E essa mesma análise histórica vai nos mostrar como este ciclo da moeda pode sofrer uma
alteração considerável com o surgimento das criptomoedas, em que o lastro passa do
material para o imaterial, deixa de ser real e passa a ser virtual, deixa de ser amparado pela
natureza e passa a se pautar pela lógica humana.
A seguir estudaremos a mais antiga experiência com papel moeda que temos
conhecimento, a experiência chinesa, para depois olharmos para a mais antiga experiência
européia e posteriormente a primeira experiência européia que ganhou grandes dimensões.
O registro mais antigo de uso do papel-moeda produzido por um governo central vem da
China, durante a Dinastia Sung (960 a 1279). A crise do império chinês levava ao escoamento
de suas moedas para economias mais prósperas, acarretando a falta de moedas no mercado
interno, e o custo de transportar moedas metálicas, cada vez mais volumosas, conforme o
império se expandia em direção ao sul levaram à criação de certificados de depósito que
eram negociados no mercado, emitidos por um banco criado pelas dezesseis famílias mais
ricas do império, também responsável por receber depósitos.
Com o tempo, porém, a emissão passou a superar o nível de depósitos, fazendo com que os
papéis perdessem valor. Isso se manifestou através de um deságio sobre o valor nominal do
certificado, intensificado ao longo do tempo na medida em que as famílias que detinham o
poder de emiti-los aumentavam essas emissões para fazer frente às suas dívidas, o que
culminou na desvalorização dessa moeda, na queda no nível de confiança e por fim na
quebra desse sistema.
O império chinês criou então o Jiaozi, lastreado em cobre, permitindo que as trocas
ocorressem mesmo na ausência de moedas com valor objetivo. Esse evento marcou o
primeiro registro do monopólio estatal sobre a emissão de papel-moeda, popularizando-o
em todo o império e mantendo seu valor relativamente ao cobre por vinte anos.
Dando início ao que conhecemos hoje como o ciclo da moeda, o resultado foi o aumento
considerável da base monetária, com a impressão de quantidades crescentes de moeda –
para fazer frente à expansão dos mongóis, o que levou a uma inflação descontrolada e à
consequente quebra do sistema – o declínio da Dinastia Sung.
Nesse cenário, a criação de papel-moeda pelo Banco de Estocolmo foi um grande sucesso e
rapidamente se espalhou por todo o território. A experiência, porém, durou apenas dois anos,
visto que a emissão descontrolada criou uma crise de confiança quando o banco começou a
recusar a conversão do papel por metal.
Esse evento fez com que o parlamento assumisse o controle da emissão e passasse a utilizar
o tesouro do reino para garantir a conversão, e até 1667 todas as notas já haviam sido
convertidas por metal, momento em que novas emissões foram proibidas. O criador do
sistema foi responsabilizado por fraude contábil e condenado à prisão perpétua.
Para muitos estudiosos tais como LAWRENCE LANDE e TIM CONGDON[3], o fundador do
sistema monetário presente foi John Law. À época muitos o consideravam um charlatão, e o
culparam pelo fiasco do papel moeda em 1720 na Europa e pela Grande Bolha do Mississippi
nos EUA, a primeira falência que afetou o novo mundo.
Porém, para esses estudiosos John Law, com o “Seu Sistema”, introduziu nosso presente
sistema monetário na economia da França.
Law propôs reformas baseadas no aumento do crédito (stock jobbing), dividindo as ações em
porções menores para aumentar a base da pirâmide – não só a aristocracia poderia participar
do sistema, mas pequenos agricultores, mercadores, fazendeiros etc.; no incentivo à maior
circulação de dinheiro com o Banco Geral; na redução das taxas de juros (que passaria de
30% para 4%); e na implementação de uma tributação mais equânime.
Em seu livro intitulado Money and Trade Considered, with a Proposal for supplying the Nation
with Money, publicado em Edinburgo em 1705, sugeriu a instituição de um banco nacional
que imprimisse papel moeda em substituição às moedas de ouro, prata ou bronze em
circulação, e esse papel seria lastreado em terra fértil arável.
No entanto, o Reino Unido não se interessou por sua proposta. Foi quando a França o
acolheu: em 1716 Law pôde fundar o La Banque Générale, que tinha as atividades de
depósitos, poupança e empréstimo a juros baixos.
O sucesso foi tão grande que em abril de 1717 as notas do Banco Geral eram aceitas para o
pagamento de tributos. Porém, em dezembro de 1718, o banco era tão rentável que o
Regente decidiu tomá-lo para si, para operar como uma instituição do governo, o Banco Real
(The Royal Bank).
Os diretores do banco não resistiram à tentação de imprimir moeda, e isso fez com que Law
passasse a focar seus esforços nos outros negócios, tal como a Companhia das Índias, em que
foi muito bem-sucedido.
Em 1720, o Banco Real e a Companhia das Índias se fundiram em uma única empresa, na
aparente ideia de que iriam se fortalecer mutuamente. Porém, uma crise de confiança
causada pelo excesso de emissão levou a uma corrida bancária frenética, e apesar dos
esforços de Law em manter o valor dos papéis (fixando seu preço, como geralmente fazem),
milhares de acionistas venderam suas ações e trocaram por moedas metálicas, voltando ao
sistema original com moedas de ouro, prata e cobre..
O movimento é claro: uma economia criada com base em uma moeda com lastro, ao entrar
em crise, encontra como solução imediata a criação de uma moeda fiduciária, que,
temporariamente, resolve o problema, mas em seguida, leva ao agravamento da crise inicial,
retornando-se ao lastro.
Se o aumento da base monetária é causa ou efeito dos movimentos econômicos reais, não é
importante para a conclusão deste trabalho; relevante é a associação entre essas duas
variáveis.
Nesse ponto cumpre fazer uma observação: discutimos aqui a criação de papel-moeda de
curso forçado, oficial, hábil ao pagamento de impostos, e não de qualquer título
representativo de riqueza, criado e exercido por depositários que gozam de boa reputação.
Apesar da associação existente entre os dois, consideramos moeda apenas aquela que pode
ser utilizada sem restrição.
Como é evidente a partir dos fatos históricos narrados acima, e seguindo a predileção pela
liquidez dos keynesianos, o papel-moeda como instrumento oficial surge sempre para suprir
a falta de meios de pagamento no mercado e permitir a retomada da economia, inicialmente
representando bens preciosos mantidos em reserva, resgatáveis pelo seu valor de face,
diretamente da pessoa ou da autoridade emissora.
O objetivo era tornar as transações mais fáceis, velozes, baratas e seguras, reduzindo ainda
mais os limites espaciais e temporais entre as pessoas e os custos de transação envolvidos.
É então estabelecida a moeda de curso legal, com o monopólio da emissão de moeda detido
por uma autoridade central. O cenário muda por completo: o fator confiança passa a se
concentrar em um grupo de instituições e não em todo o mercado. Uma autoridade central,
ou quem estava encarregado de emitir dinheiro (principalmente bancos), torna-se fiadora da
legitimidade do papel-moeda e de seu valor de face.
As pessoas precisavam confiar que essas instituições cumpririam sua obrigação de pagar
pelo valor de face do dinheiro emitido, e isso só foi possível porque o valor de face do
papel-moeda representava uma reserva monetária, que os emissores deveriam manter (bens
preciosos, principalmente prata e ouro) e que se acreditava ser resgatável a qualquer
momento.
Porém, uma vez estabelecida a confiança na moeda, os emissores que detêm o poder de
criá-la não resistem à tentação do poder de Midas, e mais cedo ou mais tarde aumentam a
base monetária para fazer frente à expansão de gastos (inevitável, pois sempre será do
interesse do governo desvalorizar as próprias dívidas), rompendo, consequentemente, com o
seu lastro para permitir uma expansão sem limites.
Periodicamente, portanto, o próprio sistema gera, após a fase de crescimento, crises
generalizadas cada vez mais intensas, e fecha um ciclo de lastro e fidúcia recorrente,
conforme já demonstramos.
Todos esses exemplos mostram que a adoção do papel-moeda, se por um lado reduziu os
custos de transação, por outro facilitou a fraude contábil, ao permitir que os bancos criem
moeda por meio da emissão de papéis sem lastro, não com o intuito de tornar as trocas mais
eficientes, mas para atender às ambições de indivíduos e governantes.
Nos dias de hoje, o dólar serve de lastro para as outras moedas nacionais, criando uma
situação assimétrica no mercado global, como por exemplo, na crise dos petrodólares, em
que o aumento do custo do petróleo promovido pela OPEP fez com que o governo
americano tirasse o lastro real do dólar, permitindo a emissão ilimitada de papel-moeda,
anulando o poder de barganha dos produtores de petróleo e criando uma crise sem
precedentes nos países exportadores de commodities.
A criptomoeda surge como uma possível solução para esse retorno à segurança, funcionando
em teoria de maneira semelhante ao ouro, ou seja, a um ativo com valor real, apesar de
imaterial. Sua emissão é dependente do número de transações, seu lastro está na energia
necessária para sua produção, e seu valor na garantia de autenticidade das transações (prova
de consenso do Blockchain), na impossibilidade de se fraudar a moeda (indestrutibilidade) e
na ausência de uma autoridade central.
Uma análise mais detida sobre as criptomoedas no cenário comparativo regulatório nos
permitirá tirar conclusões sobre seu futuro e o futuro do dinheiro.
3. A criptomoeda e a regulação
Por meio de um sistema de consenso e confiança entre seus usuários, o blockchain garante a
segurança das operações, sendo despicienda a existência de uma autoridade central neutra
como intermediária para validar e liquidar as transações. Esta rede de confiança é mantida
criptograficamente através de assinaturas e um sistema de dupla chave (uma pública e outra
privada), conhecida por autenticação assimétrica, o que, além da segurança, possibilita, em
tese, o anonimato dos participantes.
Com uma grande imprecisão no conceito, as criptomoedas também são conhecidas como
moedas digitais, e surgiram como uma forma de dinheiro digital 100% transparente e
descentralizado.
A ideia por trás dessa inovação é essencialmente excluir os intermediários de todas as
transações financeiras e ao mesmo tempo reduzir os custos de transação, garantindo a
segurança da rede e das suas operações de influências externas.
No entanto, é preciso que não nos deixemos enganar pelas palavras. Não é porque um ativo é
chamado de criptomoeda que ele o é. Na verdade temos inúmeros exemplos de pirâmides
financeiras que foram vendidas aos investidores como se criptomoedas fossem. O mesmo
pode ser dito da regulação estatal, que podem descaracterizar as criptomoedas tornando-as
semelhantes ao atual sistema baseado na fidúcia.
E apesar do uso generalizado do termo, ainda não há consenso entre economistas, cientistas
da computação, autoridades públicas ou acadêmicos sobre a definição de criptomoeda e sua
natureza (se é moeda, commodity, ativo, colecionável, etc), sendo essencial compreender sua
real essência, examinando como elas funcionam num âmbito de regulamentação que a
define impositivamente, e na sua ausência, em que sua essência é ampla e irrestrita,
revelando sua real natureza jurídica.
Em um cenário sem regulação é necessário analisar as criptomoedas não como uma criação
do Estado, mas como uma instituição que evoluiu espontaneamente na sociedade. Não há
necessidade de uma autoridade central para que o dinheiro exista. Pelo contrário, seu
objetivo final é excluir terceiros das transações, inclusive o estado.
Como falamos anteriormente, para que as criptomoedas funcionem como moeda elas
precisam executar as três funções básicas que geralmente definem o dinheiro (valor): reserva
de valor, unidade de conta e meio de troca.
Além disso, as criptomoedas i) têm a escassez como atributo indispensável, uma escassez
relativa[4], ii) podem ser usadas para pagar pessoas não especificadas pela compra ou
arrendamento de bens, e como contraprestação por serviços prestados; iii) podem ser
negociadas entre pessoas não especificadas; iv) possuem valor financeiro; v) são registradas
por meios eletromagnéticos em dispositivos eletrônicos; vi) podem ser transferidas por meio
de sistemas eletrônicos de processamento de dados; e vii) demandam uma prova de esforço
ou de participação para serem criadas e validadas.
Como podemos ver, a criptomoeda busca simular as propriedades de uma moeda ideal no
mundo digital, e como tal, apresenta os mesmos problemas dos metais preciosos: falta de
escalabilidade e altos custos de transação.
As soluções apontadas para esses problemas, tais como o lightning chain e o side chain, são
análogas ao papel moeda e às outras moedas escriturárias, num movimento que leva à
redução dos custos de transação às custas da segurança e confiabilidade do sistema.
4. Conclusões
Do exposto podemos concluir que o atual sistema monetário baseado em moeda fiduciária
representa o último estágio do ciclo da moeda, ponto em que o sistema tende a retornar à
segurança e liquidez que o padrão ouro oferece. Entretanto, nossa época apresenta uma
particularidade. Ao invés do retorno ao padrão ouro, surge como esperança as criptomoedas
exercendo função análoga ao ouro mas com menores custos de transação e principalmente,
a criação de soluções que permitam a escalabilidade que o papel-moeda oferece sem que
seja possível o rompimento de seu lastro original, como ocorre com o sidechain e o lightning
chain. A tentação do toque de Midas não estará mais ao alcance de ninguém.
Entretanto, conforme constatado pelo arguto professor Rezende (2018) a própria mudança
de um sistema baseado em moedas físicas para moedas digitais, por um atributo intrínseco
aos sistemas digitais, apresenta menor segurança e maior centralização. Isso porque uma
fraude eletrônica, possível por exemplo no caso do vazamento da chave privada, é impossível
de ser verificada, visto que, diferentemente da moeda física, uma cópia digital é exatamente
igual à original, e esse é um problema que por mais que possa ser remediado jamais poderá
ser anulado. Além disso, a comunicação entre os agentes descentralizados (mineradores)
depende de uma infraestrutura física centralizada, como antenas e cabos, tornando possível
a priorização de uns dados sobre outros, outro problema de difícil solução, visto que, ao
menos no horizonte tecnológico dos nossos dias, não é possível imaginar uma infraestrutura
descentralizada.
Por isso, a utilidade da moeda física jamais poderá ser extinguida, pelo menos não no longo
prazo, visto que esta confere uma segurança e privacidade que as moedas digitais jamais
serão capazes de oferecer, e portanto, caberá aos agentes avaliar os riscos que estão
dispostos a assumir em cada transação e assim, avaliar qual o meio mais propício de
realizá-la.
REFERÊNCIAS
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Reino Unido: J. G. & F. Rivington, 1839.
Costa, Antonio Luiz M. C. História Do Dinheiro, V.1: O Valor das Moedas. Brasil: Draco.
Lande, Lawrence, and Congdon. Tim. John Law and the Invention of Paper Money. RSA
Journal, Impresso. Vol. 139. N. 5414 (jan. 1991): pp. 916–928. JSTOR,
www.jstor.org/stable/41375433. Acessado em 30 de maio de 2021.
Lui, Francis T. Cagan's Hypothesis and the First Nationwide Inflation of Paper Money in
World History. Journal of Political Economy, Impresso. Vol. 91 N. 6 (1983): pp. 1067–1074
Pickering, John. The History of Paper Money in China. Journal of the American Oriental
Society, Impresso. Vol. 1. N. 2 (1844): pp. 136–142
Standish, David; Armour, Tony. Dunn, Joshua. The Art of Money: The History and Design of
Paper Currency from Around the World. Reino Unido, Chronicle Books, 2000.