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CAPÍTULO I

ORIGEM,TIPOS E FUNÇÕES DA MOEDA

SECÇÃO I

INTRODUÇÃO AO ESTUDO DA MOEDA

I-1. DEFINIÇÃO DE MOEDA

Nas sociedades modernas, os agentes económicos estão


especializados, sendo a divisão do trabalho em muito elevado
grau. Por esta razão, necessitam de trocar entre si
mercadorias e serviços, estabelecendo fluxos físicos e fluxos
de moeda.

Como resultado da actividade desenvolvida pelos agentes


económicos na economia real são produzidos mercadorias e
serviços que, somados, constituem o produto social gerado por
toda a sociedade, sendo essas mercadorias e serviços objecto
de oferta e procura no mercado (entendido este como sendo um
espaço abstracto onde se encontram a oferta e a procura dos
agentes económicos no seu todo).

Na óptica da produção temos, pois, o produto social gerado,


geralmente designado por PN (Produto Nacional), e os fluxos
relacionados com as transacções de mercadorias e serviços
oferecidos no mercado (daí se dizerem circuitos reais). Já na
óptica da despesa, temos fluxos de contrapartida relacionados
com as transacções das mercadorias e serviços procurados no
mercado (DN - Despesa Nacional) e que são constituídos por
movimentos de moeda ligados aos pagamentos dessas mercadorias
e serviços (circuitos monetários), sendo a moeda originada
(óptica do rendimento) pelos rendimentos gerados no processo
económico (salários + lucros + rendas de alugueres +
impostos), cujo somatório nos dá o RN (Rendimento Nacional).

Assim, na actualidade, na economia de um qualquer País, a par


de fluxos de mercadorias e serviços, encontramos fluxos de
moeda. Ou seja, nos circuitos que se estabelecem entre os
vários agentes económicos (famílias, empresas, Estado),

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circulam bens e serviços (circuito real da economia) e moeda


(circuito monetário da economia).

NOTA : Alguns dos circuitos monetários não têm a contrapartida de um circuito


real - caso do pagamento de impostos ao Estado pelas famílias e as empresas.

Como diz o Professor João Calvão da Silva, na sua obra


Direito Bancário, “O dia a dia das pessoas e das empresas
repousa muito no dinheiro indispensável à realização dos seus
projectos e satisfação dos seus interesses e necessidades”.

Daí poder inferir-se o grande interesse que a moeda e os


assuntos monetários sempre despertaram aos que estudam os
problemas económicos.

Na verdade, desde longa data, a moeda e o seu papel na


economia têm sido objecto de acaloradas discussões. Embora
alguns autores defendam haver outras teorias a ter em
consideração pelo facto, argumentam, de não se esgotarem nas
duas correntes de pensamento tradicionais, é usual os manuais
considerarem apenas estas : a teoria keynesiana, desenvolvida
pelo conhecido economista inglês John Maynard Keynes e seus
seguidores; ii).- e a monetarista (baseada na teoria
quantitativa da moeda), em que há a destacar o economista
norte americano Milton Friedman (ver no Ponto IV-3 deste
capítulo a equação das trocas de Irving Fisher, um outro
conhecido economista norte americando da escola monetarista).

Os monetaristas relacionam a procura agregada de moeda à


quantidade de moeda que é usada para comprar bens e serviços
nos mercados, enquanto os keynesianos concentram-se nos
motivos que as pessoas têm para consumir ou fazer
investimentos.

Sobre estas duas abordagens ao estudo da moeda, diz o


Professor José Martins Barata, na sua obra Moeda e Mercados
Financeiros, “As duas correntes estão em desacordo no domínio da
política económica, mas as teorias em que se fundamentam têm mais
pontos de contacto do que poderia parecer”.

E uma coisa é certa : dificilmente um economista defenderia


nos dias de hoje a posição da chamada escola clássica (em que
despontaram Adam Smith, David Hume e John Stuart Mill,
séculos XVIII e XIX), que considerava a esfera monetária
separada e sem ligação com a esfera real da economia (“a
moeda é apenas um véu, nada tem com os problemas económicos”,
segundo um outro economista clássico muito conhecido, Jean
Baptiste Say).

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Está hoje claro, como refere Denise Flouzat no prefácio da


sua obra Economia Contemporânea – Os Fenómenos Monetários,
que “a moeda é um elemento decisivo da actividade económica, a
nível nacional e internacional”.

Mas, podemos perguntar, afinal o que é a moeda ?

Não há uma definição precisa – porém, e como ponto de partida


para uma posterior análise mais aprofundada, podemos
considerar :

moeda é o conjunto de meios de pagamento directamente


utilizáveis para efectuar as liquidações de contas nos
mercados de mercadorias e serviços.
A moeda traduz, por conseguinte, a capacidade dada aos
agentes económicos que a detêm de poderem adquirir uma certa
quantidade de mercadorias e serviços, ou seja, de poderem
sacar sobre o produto social criado no espaço económico onde
essa moeda tem aceitação generalizada.

A moeda surge-nos então como um activo, que pode ser retido,


emprestado ou trocado, e que deve ser aceite por todos, em
qualquer parte e em qualquer ocasião.

Para ser aceite por todos os agentes económicos, o valor da


moeda deve basear-se na confiança que nela depositem os seus
portadores. Esta confiança normalmente apenas se manifestará
no seio de uma comunidade monetária, geralmente representada,
por uma Nação (ou por um conjunto de Nações, situadas
relativamente próximas umas das outras numa mesma região do
mundo e geralmente fazendo fronteira entre elas, que tenahm
estabelecido entre si um qualquer monetário). Mas pode haver
aceitação de uma moeda de um país num ou em vários outros
países ou mesmo a nível internacional.
NOTAS :

i).-Nas últimas décadas, mercê da cada vez maior abertura dos países ao exterior e
consequente globalização da economia, a moeda de alguns países passou a ser
utilizada no exterior das respectivas fronteiras, adquirindo as características de
moeda internacional ( dólar dos EUA e, mais recentemente, euro da UE ) – situação
não comparável à do passado, quando havia moedas cunhadas em metais preciosos
(ouro e prata) e que eram utilizadas fora de fronteiras mas em razão do valor
intrínseco do metal em que eram cunhadas. Por outro lado, mercê de acordos
monetários regionais, há paises que adoptaram a mesma moeda – casos do Franco
CFA (moeda de vários países africanos) e do Euro (moeda de vários países
europeus).

ii).-Como é sabido, em Angola circula a moeda dólar dos EUA a par da moeda
nacional, o Kwanza.

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iii).-A utilização do dólar dos EUA como moeda internacional generalizou-se a partir
do Acordo de Bretton Woods – 1944 (ver segunda parte do curso).

I – 2. FUNÇÕES DA MOEDA
A moeda não é um bem de consumo, uma vez que não proporciona
directamente qualquer satisfação - é um bem específico,
procurado em si mesmo, devido às funções essenciais que
preenche na economia. E provavelmente a melhor forma de
definir moeda é, exactamente, identificar as funções que
desempenha na economia.

Tradicionalmente, atribuem-se à moeda três funções :

A - As duas primeiras são as funções primárias :


a)- intermediária das trocas

b)- unidade de conta ou de medida de valores

B - A última é uma função derivada das duas primeiras

c)_- instrumento de reserva de valor

NOTA : Como se verá mais adiante (ponto I-3), a análise moderna veio
demonstrar que estas três funções se explicam por uma propriedade
essencial da moeda : ela constitui a liquidez por excelência.

a) - A moeda, intermediária das trocas – A função


da moeda como meio de troca é óbvia. O surgimento
da moeda veio evitar o escambo (isto é, a troca
directa de mercadorias e serviços), permitindo, em
sua substituição, a realização de duas trocas
independentes. Ou seja, como intermediário geral
das trocas, a moeda serve para adquirir bens e
serviços (e também para liquidar dívidas).

Isto traduziu-se num grande benefício para a humanidade ao


facilitar o comércio, porque a concretização de uma operação
de troca directa não é fácil, já que exige que duas condições
se encontrem reunidas :

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Ø a existência de duas contraprestações simultâneas e


complementares quanto às prestações de ambos os co-
permutantes;

Ø a atribuição, por ambos os co-permutantes, de um


valor idêntico a essas duas contraprestações.

A troca directa apresenta, pois, o inconveniente de limitar


as transacções e de impossibilitar a formação de um conjunto
de preços, ou seja, a formação de uma escala de valores que
facilite a avaliação dos bens e dos serviços.
O recurso a um bem intermediário, a moeda, permite
dissociarem-se as duas contraprestações simultâneas da troca
directa (compra - venda) e instaurarem-se duas transações
distintas e sucessivas : i) primeiro, a venda de um bem ou
serviço a troco de moeda e, posteriormente, ii) a troca da
moeda assim obtida por um outro bem ou serviço.

NOTA : - É possível ainda distinguir na moeda, considerada como meio de troca,


aspectos relacionados com a quantidade e aspectos relacionados com a velocidade
(ver mais adiante, neste Capítulo, a Secção IV):

Ø aspectos quantitativos : como meio de troca, a moeda tem de existir em


quantidade bastante para garantir o volume de trocas necessárias ao
normal funcionamento da economia real. Ou seja, não pode ser escassa,
dificultando e retardando as trocas, nem pode ser em excesso – neste
caso, a superabundância de moeda relativamente ao volume de trocas
provocará perturbações no próprio valor da moeda. Este é o fenómeno
bem conhecido da depreciação monetária (uma mesma unidade
monetária passa a poder comprar menos bens e serviços) em razão da
inflação (subida dos preços dos bens e serviços nos mercados).

Ø aspectos relacionados com a velocidade : a mesma unidade monetária


pode prestar, durante um determinado periodo de tempo, mais do que um
serviço de intermediação de trocas de bens e serviços. Dito de outro
modo : pode ser utilizada em mais do que uma operação de troca. Isto
quer dizer que a moeda gira na economia, podendo-se, então, procurar
calcular a velocidade com que ela gira num certo período de tempo
(normalmente usa-se fazer o cálculo na base anual). Quanto mais cada
unidade da moeda girar durante um ano, isto é, quanto mais vezes cada
unidade for utilizada num ano para servir de intermediária nas trocas,
menor é quantidade de moeda necessária para intermediar as trocas.

A história económica ensina-nos que, em certos períodos de


forte depreciação monetária, os agentes económicos podem
concluir que a moeda constitui um deficiente intermediário
das trocas, deparando-se-lhes a necessidade de regressarem à
técnica da troca directa (foi o que aconteceu em Angola nos
primeiros anos após a independência nacional - 1975, com os
camponeses e outros produtores a negarem-se a trocar os seus
produtos contra notas de banco).

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Para que a moeda preencha plenamente a primeira função, de


intermediária das trocas, torna-se necessário, pois, que ela
assegure correctamente as duas funções que se seguem.

b) - A moeda, medida de valor - a moeda é uma


unidade de conta (ou medida de valor) que serve
para medir e expressar o valor de todos os bens e
serviços, permitindo comparar bens heterogéneos.
Constitui um instrumento universal de medida
aplicável a bens, serviços e direitos, sejam estes
presentes, passados ou futuros. O valor dos bens
expressa-se pelos respectivos preços em moeda, ou
ainda pela relação entre uma certa quantidade de
moeda com determinado número de bens. O uso da
moeda permite que seja determinada uma escala geral
de preços, ou seja, de relações de troca
comparativas, ao passo que as trocas directas dão
lugar a taxas de permuta particulares, sem qualquer
relacionamento entre si, por carência de uma medida
comum.
Estas duas primeiras funções da moeda (intermediária das
trocas e unidade de conta ou medida de valor) são conhecidas
como funções primárias. Há ainda uma terceira, como antes
referido, e que é explicada de seguida - esta última é
considerada uma função secundária, já que se pode dizer ser
derivada das duas primeiras.

c) - A moeda, instrumento de reserva de valor - A


moeda deve ser estável, garantindo a permanência
dos valores medidos. Esta qualidade é muito
importante no que se refere aos empregos da moeda
no tempo, pois as flutuações do poder de compra da
moeda alteram consideravelmente a qualidade dessa
mesma moeda enquanto instrumento de reserva de
valor - o valor representado por uma certa
quantidade de moeda deve ser sempre o mesmo,
qualquer que seja o momento em que essa moeda é
utilizada. A poupança (que é uma opção por consumir
ou investir menos no tempo presente para consumir
ou investir numa data futura, ou seja, um
consumo/investimento diferido) assenta precisamente
na presunção de que o valor dos bens de consumo ou
de investimento a que se renunciar hoje poderá vir
a ser integralmente recuperado no futuro, logo que
a utilização dos fundos poupados postos de reserva
for decidida. E assim, é óbvio que os agentes
económicos não estarão dispostos a poupar sob a
forma de moeda se esta não for estável ao longo do
tempo, causando aos mesmos a perda de uma parte do
valor que supunham ter posto de reserva. Por outro
lado, cada agente económico pode fazer recurso a
poupanças que outros agentes tenham realizado, pela
via do crédito, recorrendo assim a uma antecipação

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de valores, que consiste em utilizar hoje em


consumo ou investimento um valor que só será
recebido no futuro – aqui assenta o conceito de
crédito, que é fundamental para o funcionamento e
desenvolvimento das economias modernas. Mas todo
aquele que contrair um crédito, deve ter a garantia
de que não se verá obrigado a reembolsar no futuro
um valor superior àquele que pediu emprestado (para
além do valor do juro calculado à taxa que aceitou
pagar). É esta a base do funcionamento dos sistemas
bancários.
NOTAS :

i) deve ter-se em consideração que a necessidade de uma poupança


preventiva (por razões normalmente ligadas à doença e velhice) pode
levar as pessoas a pouparem inclusivamente em períodos de depreciação
monetária.

ii) à preferência por conservar valor em moeda em vez de o fazer em


outros activos deu-se a designação de preferência pela liquidez.

iii) o conceito de juro (preço da moeda, como será visto mais adiante)
está ligado ao preço da renúncia à liquidez. A idéia é que alguém que faz
poupança, renunciando a utilizar a moeda (liquidez) que possui na compra
de mercadorias e serviços, tem de ser compensado. Ou seja, quem poupa
deve receber um valor adicional (calculado com base na taxa de juro)
que compense o facto de ter adiado a utilização da moeda durante algum
tempo (além disso, o valor adicional que receber -o juro - deve compensar
eventual depreciação da moeda que se tenha registado no período
durante o qual não foi utilizada).

I – 3. A MOEDA, LIQUIDEZ POR EXCELÊNCIA


A análise moderna esforça-se por esclarecer esta propriedade
essencial da moeda, e que se encontra subjacente às três
funções anteriormente descritas e permite melhor explicá-las.
Quando a moeda é utilizada, quer como intermediária das
trocas, quer como medida de valor, quer ainda como reserva de
valor, está sempre subjacente uma qualidade constante, que
consiste em a moeda ser imediatamente convertível num
qualquer bem ou serviço.
A moeda oferece a quem a possuir uma vasta possibilidade de
opções, motivo pelo qual é denominada "portadora de
escolhas", já que permite a aquisição de um qualquer bem ou
serviço em qualquer ocasião. Na moderna análise económica,
este poder é posto em evidência pela noção de liquidez :
todos os bens possuem um fim particular que lhes confere uma
relativa rigidez, salvo a moeda : esta, ao contrário dos
outros bens, que estão pré-destinados a uma dada utilização,
não tem qualquer destino especial e, portanto, não apresenta
qualquer rigidez na sua utilização, já que pode ser aplicada

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na aquisição dos bens e serviços que o seu detentor bem


entender – constitui, pois, liquidez por excelência.

Aplicada num activo (real ou financeiro), a liquidez


caracteriza o grau de certeza do seu detentor em vir a
dispor, facilmente e em qualquer ocasião, de uma soma em
moeda pelo menos equivalente ao valor nominal desse activo.
Esta definição corresponde à constatação de que "os activos
são tanto mais líquidos quanto maior for a certeza da sua
convertibilidade em moeda a breve prazo e sem qualquer perda
para o seu detentor".

Dentro deste princípio, é comum distinguir três graus de


liquidez :

a)- a liquidez primária, ou seja, os activos


perfeitamente líquidos que permitem efectuar pagamentos
imediatos. É o que presentemente se verifica com as
notas de banco, as moedas divisionárias (moedas
metálicas utilizadas para trocos) e os depósitos à ordem
nos bancos (que circulam principalmente sob a forma de
cheques ou de transferências bancárias de verbas).

b)- a liquidez secundária, constituída pelos activos não


imediatamente líquidos mas que podem ser convertidos
muito rapidamente em moeda (ou liquidez primária), sem o
risco de grandes perdas. Esses activos dizem-se
monetizáveis. Trata-se basicamente de depósitos a prazo
em bancos, bem como de haveres financeiros de vencimento
próximo, tais como os títulos de dívida do Estado a
curto prazo. A liquidez secudária é, pois, constituída
por “meios quase imediatos de pagamento”, expressão que
ajuda à sua comparação com a liquidez primária, ou
moeda, que é constituída “por meios imediatos de
pagamento”.
c)- a liquidez terciária, cujo grau de liquidez é ainda
menos elevado e é constituída pelos haveres financeiros
cujo vencimento se verifica unicamente a médio ou longo
prazo. A sua transformação em liquidez primária só pode
processar-se por uma venda que pode envolver elevado
risco em caso de baixa de preço desses mesmos haveres. A
liquidez terciária é constituída por duas categorias de
títulos: os valores mobiliários privados (acções e
obrigações a não curto prazo) e os valores mobiliários
públicos de médio e longo prazo (dívida do Estado e das
colectividades públicas).
Somente a liquidez primária constitui moeda stricto sensu,
devido ao seu carácter de liquidez perfeita. Todavia, a
liquidez secundária é chamada liquidez "monetizável" (ou

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quase moeda) por se apresentar facilmente transformável em


moeda.
A fronteira que demarca as operações monetárias é portanto
nítida, muito embora facilmente transponível.

Para melhor se compreender quais são os activos que preenchem


as condições atrás descritas para poderem ser considerados
activos monetários, procederemos à análise, numa primeira
secção, dos diferentes tipos de moeda, para depois, numa
segunda secção, procedermos à sua tradução estatística em
termos de massa monetária.

SECÇÃO II

OS DIFERENTES TIPOS DE MOEDA AO LONGO DA


HISTÓRIA E SEGUNDO A ENTIDADE EMISSORA

Existem dois critérios classificativos que permitem apreender


os diferentes tipos de moeda :

Ø o primeiro está relacionado com as formas da moeda,


formas essas que conheceram uma evolução descrita
pela história monetária (ver adiante II – 1).

Ø o outro está relacionado com a natureza da


instituição que emite a moeda, classificação esta
que deriva de uma óptica diferente da anterior, já
que permite que seja dada uma definição funcional
da moeda no contexto dos actuais sistemas
monetários (ver adiante II – 2).

II - 1. TIPOS DE MOEDA E A SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A evolução histórica da moeda mostra uma tendência para a sua


desmaterialização, tendência essa que resulta da substituição
da moeda metálica (moeda mercadoria) pela moeda-papel (moeda
represenativa) ou, numa fase posterior, papel-moeda (moeda
crédito, com circulação forçada), a que se seguiu a
progressiva predominância da moeda escritural (ou moeda
bancária), principalmente depois da introdução dos modernos
sistemas de pagamento por via electrónica, que permitem hoje
falar em moeda electrónica ou digital.

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Numa primeira fase o tipo de moeda que existia era a moeda-


mercadoria plena (ou apenas moeda-mercadoria). É a moeda que
tem um valor como mercadoria plenamente igual ao seu valor
como meio de troca. O exemplo mais fácil é o de uma moeda de
ouro – utilizar a moeda na compra de mercadorias ou, se a
derretermos, o ouro de que ela é feita, dá o mesmo valor ao
seu proprietário.
Depois surgiu um tipo que é a moeda plenamente representativa
(moeda-papel). Trata-se de um tipo de moeda que em geral não
tem quase nenhum valor intrínseco, mas pode ser resgatada sob
a forma de moeda-mercadoria plena. É apenas um certificado
dando ao dono o direito de receber uma determinada quantidade
de moeda-mercadoria. Às vezes, é mais conveniente transportar
um pedaço de papel do que carregar o ouro que ele representa.

E existe então a moeda manual moderna (também chamada moeda


crédito ou papel-moeda). Não tem, como mercadoria, um valor
plenamente igual ao seu valor monetário e não pode ser
resgatada em moeda plena. Não se pode ir ao Banco Nacional de
Angola ou ao Tesouro Nacional pedir ouro ou outro metal
precioso em troca de papel-moeda. As notas e moedas
metálicas, como se verá mais adiante, têm curso legal – têm
de ser aceites no pagamento de mercadorias e serviços e de
dívidas.
Além dos créditos sobre o Banco Nacional de Angola daqueles
que detêm notas e moedas de Kwanza (moeda manual), há também
a moeda escritural, sob a forma de créditos sobre os bancos
por parte daqueles que têm saldos em contas à ordem junto dos
bancos.
A moeda moderna tem a grande vantagem de economizar recursos
escassos (metais preciosos). Em vez destes, que além de
escassos têm um alto custo de produção,agora usam-se artigos
com custos de produção insignificantes, como são os registos
contabilísticos dos bancos (para os depósitos bancários),
papel (para o papel-moeda) e, para o caso das moedas
metálicas, metais abundantes e baratos.

II - 1.1. MOEDA METÁLICA (moeda-mercadoria)

Quando as primeiras comunidades de homens começaram a


especializar-se na produção de diferentes bens e serviços e a
dividir o trabalho, surgiu a tendência para permutarem esses
bens e serviços. Eram comunidades que não conheciam a moeda
e, quando recorriam a actividades de troca, realizavam trocas
directas em espécie (escambo).

Com o aprofundamento da especialização na produção e


consequente maior divisão do trabalho, aumentou o volume de

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trocas e tornou-se cada vez mais difícil a prática do


escambo. Surgiu então a necessidade de estabelecer uma
unidade de referência comum para definir o valor de cada bem.
Em algumas comunidades a unidade de referência foram as
cabeças de gado, noutras foram as conchas, noutras foi o sal,
tecidos, etc.

NOTAS :

1.-Segundo os historiadores, tudo indica que a moeda metálica foi introduzida


nos territórios que deram origem à Angola de hoje pelos comerciantes
portugueses, embora haja evidências de que à data da chegada dos primeiros
navegadores portugueses alguns povos desses territórios já conheciam e
trabalhavam o ferro e o cobre.

2.-Foram diversos os instrumentos de troca utilizados nesses territórios, sendo


de fazer referência especial ao zimbo, pequeno búzio, que foi um dos mais
importantes instrumentos de troca, com aceitação em vastos territórios ao
longo da costa ocidental de África (com um tal grau de circulação e
generalizada aceitação que retardou a aceitação das moedas metálicas). O
outro instrumento muito utilizado nesses territórios, à semelhança de muitos
outros povos de várias paragens do mundo, foi o sal (de notar que a palavra
“salário” vem de “sal”).

3.-O zimbo aparecia em toda a costa de Angola, mas os da Ilha de Luanda


(“Ilha das Cabras”, nome pelo qual era designada em escritos da época) eram
os mais belos. Por esta razão, a sua apanha era controlada por um delegado
do rei do Congo, o que permite dizer que a Ilha de Luanda era uma verdadeira
“casa da moeda” do reino do Congo.

Progressivamente, estas incómodas mercadorias que serviam de


unidade de referência foram sendo substituídas por bens mais
manejáveis, mais perduráveis, e que, com menor peso,
concentravam maior valor aquisitivo. O ferro, o cobre, a
prata e o ouro foram metais que desempenharam estas funções
de mercadoria de referência, e passaram a desempenhar as
funções de instrumento de troca separada e diferida - vender
uma mercadoria a um agente e comprar uma outra mercadoria
diferente a outro agente, no mesmo instante ou em momentos
distintos, evitando a troca directa.

O ouro, naturalmente, foi o metal que rapidamente ganhou


maior aceitação, pela sua raridade, manuseabilidade,
conservação, beleza e, possivelmente, por motivos religiosos.
A sua crescente aceitação garantiu-lhe valor. Os pedaços
deste metal que eram usados na troca passaram em certo
momento a ter marcas ou cunhos para se indicar, com maior ou
menor garantia, o seu peso e "toque" (isto é, a percentagem
de ouro puro contida na liga). Gradualmente esses pedaços
tomaram forma redonda, com as marcas a cobrirem as duas faces
e uma serrilha à volta para impedir que o diâmetro fosse
reduzido com a simples raspagem, o que permitia reduzir a
quantidade de metal e, assim, enganar terceiros.

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II- 1.2. NOTAS DE BANCO, OU MOEDA DE PAPEL (papel-moeda e


moeda-papel)

Com o desenvolvimento do comércio, os pagamentos entre


territórios aumentaram de volume e tornava-se cada vez mais
incómodo, pelo seu elevado peso e volume, transportar grandes
montantes de moeda metálica de um lugar para outro,
principalmente quando se tratava do comércio internacional,
que obrigava ao transporte do metal entre regiões distantes.

Como boa parte destes comerciantes de moeda e de ouro eram


judeus (que, por motivos étnicos e religiosos, sempre
mantiveram fortes laços entre si), conheciam-se razoavelmente
bem uns aos outros. Este conhecimento especializado permitia-
lhes trocar missivas (bilhetes, notas ou letras) entre si,
devidamente identificadas com as respectivas assinaturas, em
que solicitavam que, a débito daquele que assinava, fosse
entregue ao portador da missiva uma certa quantia em metal.

No século XIII, os ourives de Londres (goldsmiths)


progressivamente passaram a estandardizar o valor destas
notas (goldsmith notes). Deste modo nasceu a moeda-papel,
emitida pelos mais conhecidos e respeitados ourives da Europa
– estes, contra o depósito da devida quantidade de metal
precioso (ouro ou prata), entregavam em troca notas, muito
mais facilmente guardáveis e transportáveis. Assim, os
comerciantes foram deixando de ser obrigados a transportar
metal precioso quando se deslocavam a outras localidades ou
regiões para fazer compras e a moeda-papel começou a
vulgarizar-se.
No século XVII a moeda-papel (no fundo , as primeiras “notas
de banco”) passou a ser estandardizada e a estar na moda
porque permitia a circulação de valores sem a circulação do
metal correspondente. E mais : se uma nota se extraviasse ou
fosse roubada, ainda havia a possibilidade de avisar o
“banqueiro” e evitar assim o levantamento do ouro ou prata
depositado – o que conferia maior segurança.

E no século XVIII deu-se um facto de extrema importância : um


banco em Estocolmo concluiu que a maioria do metal precioso
depositado em troca das notas que emitia não era levantado,
pois a preferência pela moeda-papel ia crescendo
relativamente à preferência pela moeda metálica e, por este
facto, as notas emitidas demoravam cada vez mais a regressar.
Resolveu então emitir notas às quais já não correspondia
qualquer depósito de ouro ou prata – a estas notas chamou-se
papel-moeda.
Este banco passou, pois, a emitir notas sem uma
correspondente cobertura em metal precioso (notas emitidas a
descoberto), confiado na probabilidade de que nunca os

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detentores de moeda-papel viriam todos reclamar


simultaneamente a sua conversão em metal.

Assim, com a emissão a descoberto, a moeda-papel tornou-se


papel-moeda. A diferença entre os dois tipos de moeda é
grande e relevante : antes (no caso da moeda–papel) o
detentor das notas sabia que havia uma quantidade de metal
precioso de igual valor depositada e que ele podia, em
qualquer momento, proceder à troca das notas pelo metal
depositado. Com o papel-moeda já não se passava o mesmo –
como o banco deixou de estar limitado pela quantidade e valor
do metal depositado, podia agora emitir uma quantidade tal de
notas que os portadores destas corriam o risco das mesmas
baixarem consideravelmente de valor.

Pelo risco que representava a possibilidade de cada banco


emitir quantidades exageradas de notas, sem controlo, e assim
lesarem gravemente os seus portadores, e também pelos lucros
que dava, os Estados centrais, ou os Governos, como hoje se
diz, bem depressa tomaram conta deste rendoso negócio nascido
na Suécia. Passaram então a reservar para si o privilégio da
emissão do papel-moeda e a assegurar a sua conversão a quem
isso interessasse.
Nasceram então as entidades reguladoras (autoridades
monetárias) para controlarem os bancos – com a segurança de
um banco central a garantir a sua cobertura, os agentes
económicos tinham confiança nessa conversão e, desta arte,
nasceu a moeda fiduciária (do latim fiducia, que quer dizer
confiança), que passou a gozar dos favores do público devido
à sua maior maleabilidade.
Mais tarde, com início nos fins do século XIX, perante a
crescente carência de metais preciosos face ao cada vez maior
volume de trocas de mercadorias e de serviços, os Governos
começam gradualmente a retirar a possibilidade de conversão
do papel-moeda em metal, processo que finalizou em 1971,
quando o governo dos Estados Unidos da América tomou tal
medida em relação ao dólar americano.
NOTA : Como se verá na segunda parte deste curso, o governo dos EUA
assumiu em 1944 (Acordo de Bretton Woods) que o dólar seria
convertível em ouro. Este acordo foi denunciado unilateralmente em 1971,
quando os EUA deixaram de poder omitir o facto de que não possuiam
reservas em ouro suficientes para manterem o compromisso assumido. A
partir de 1971, pois, os EUA reconheceram que a sua moeda era emitida
sem cobertura suficiente das suas reservas em ouro (a “descoberto”), a
que estavam obrigados pelo referido acordo.

Deste modo, a nota de banco representativa de metais


preciosos, que era um certificado representando uma certa
quantidade de metal precioso depositado num banco,
convertível a qualquer momento em ouro ou prata, deixou de
ser convertível, e a moeda fiduciária deu lugar à moeda com

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


14

circulação forçada - ninguém pode recusar a sua aceitação


como meio de pagamento. A nota de banco passou pois a ter
circulação imposta pela lei, a ter circulação legal, no
sentido de que o Estado e os particulares se encontram
obrigados a aceitarem as notas em igualdade de circunstâncias
com as moedas metálicas.

A partir de então a nota de banco não mais fica a dever o seu


valor a uma contrapartida em metal precioso ou à confiança
(fiducia) no banco emissor, naquilo que à convertibilidade em
ouro ou prata respeita, mas tão somente ao facto de ser
aceite generalisadamente por todos os agentes económicos como
meio de pagamento.

II - 1.3. MOEDA ESCRITURAL (OU MOEDA BANCÁRIA)


A moeda escritural, assim denominada por se encontrar
inscrita na contabilidade de certas instituições financeiras
(em Angola, na contabilidade das “instituições financeiras
bancárias”,segundo a Lei nº 13/05 – Lei das Instituições
Financeiras, que no seu artigo 3º diz que “são instituições
financeiras bancárias os bancos em geral”), surgiu com os
primeiros bancos, precedendo deste modo as notas de banco,
cuja invenção apenas data do século XVII. Todavia, só
recentemente se processou a difusão da moeda escritural, ao
mesmo tempo que se multiplicavam e se diversificavam as
trocas.
O crescente desenvolvimento da moeda escritural explica-se
por razões de comodidade e de segurança : i) comodidade nas
liquidações de contas efectuadas por simples escrituração
contabilística (ou, nos dias de hoje, em que se utilizam
sistemas computorizados, por simples tratamento informático),
sem a exigência da deslocação quer do devedor quer do credor;
ii) segurança nas liquidações de contas, já que a utilização
deste tipo de moeda facilita a comprovação dessa liquidação,
graças à contabilidade das instituições financeiras, evitando
o perigo de extravio e, em certas condições, o perigo de
roubo.
Nas últimas décadas, com o desenvolvimento dos modernos
sistemas informáticos e de teleprocessamento por via
electrónica, a moeda escritural conheceu um ainda maior
crescimento, dada a cada vez maior rapidez e facilidade na
realização de transferências entre contas, no mesmo banco ou
em bancos diferentes. Com a disseminação das máquinas
automáticas e a muito rápida divulgação da internet a que
hoje se assiste, processo facilitado com a larga introdução
dos meios de comunicação sem fios (já é possível a utilização
dos telemóveis para efectuar operações) é de prever que em
muitos países, a curto prazo, praticamente deixe de circular
moeda manual, sendo apenas utilizada a moeda escritural na
sua forma digital.
Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I
15

NOTA : No “Fórum para o Futuro”, conferência organizada em Julho de 2001 no


âmbito da OCDE – Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento, os
conferencistas concluiram na altura que o “destino do dinheiro é tornar-se digital”,
o que, passados cerca de 10 anos, é de facto cada vez mais uma realidade,
mercê dos avanços registados nos suportes tecnológicos utilizados pelas Bancos.

Para constituir um meio de pagamento cómodo e seguro, a moeda


escritural, porém, deve preencher certas condições quanto à
sua composição e quanto aos instrumentos que lhe asseguram a
circulação, a saber :

II – 1.3.1. COMPOSIÇÃO DA MOEDA ESCRITURAL

Devendo encontrar-se ao imediato dispor dos seus


proprietários, a moeda escritural é constituída apenas pelos
saldos dos depósitos à ordem que os agentes económicos detêm
junto das instituições finaceiras bancárias (os bancos), e
que são susceptíveis de circular entre esses mesmos agentes
como meio de pagamento.

Assim, os depósitos existentes nos bancos mas que não estejam


à ordem (isto é, os depósitos a prazo) não constituem moeda
escritural :
a.1)- Depósitos à ordem - estes depósitos dizem-se
"à ordem" porque os seus titulares, sem necessidade
de aguardarem que decorra um certo prazo ou que
haja um aviso prévio, podem utilizar o saldo
disponível na conta em qualquer momento : i) quer
para fazerem levantamentos de notas ou moedas
metálicas (troca de moeda escritural por moeda
manual); ii) quer para fazerem transferências para
outras contas; iii) quer para fazerem pagamentos
mediante emissão de cheques. Esta categoria de
depósitos pode circular, pois, sob a forma de
levantamentos de notas, de transferências bancárias
de verbas e de cheques.

Os depósitos à ordem compreendem :

a.1.1) - conta corrente : tipo de conta


geralmente reservado às empresas. Uma conta
corrente pode em certos momentos ser devedora
(isto é, apresentar saldo negativo) se o
Banco conceder ao seu cliente a possibilidade
de efectuar operações a débito sem que a
conta tenha saldo (diz-se, neste caso, que a
conta pode ser movimentada a descoberto).

a.1.2) - conta de cheques : aberta em nome de


empresas e de particulares. Em princípio, uma

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


16

conta deste tipo não pode ser devedora, isto


é, o cliente não pode fazer operações a
débito se não tiver valores na conta.

a.2)- Depósitos a prazo - confiados a um Banco por


um período determinado, estes depósitos não podem
circular imediatamente. Os titulares deste tipo de
depósito só podem movimentar a totalidade ou parte
do montante depositado após decorrido o prazo
acordado com o Banco ou após negociar com este as
condições para a sua desmobilização antecipada.

Verifica-se portanto que só os depósitos à ordem circulam


imediatamente. Por outras palavras, são eles os únicos que
apresentam as necessárias condições para serem considerados
como activos monetários, oferecendo uma perfeita liquidez.

II – 1.3.2. CIRCULAÇÃO DA MOEDA ESCRITURAL

Para se assegurar a circulação da moeda escritural, existem


diversos instrumentos cujo objectivo consiste em materializar
a ordem dada pelo titular de uma conta ao respectivo Banco,
no sentido de que determinado montante lhe seja pago a ele
próprio ou a um terceiro. Mencionaremos o cheque, a
transferência de verbas e o aviso de levantamento.

b.1) - o cheque é uma ordem dirigida pelo titular de uma


conta à ordem ao seu Banco no sentido do imediato
pagamento ao portador da importância nele inscrita.
Tratando-se de uma conta bancária, o titular da mesma
chama-se sacador, o Banco é o sacado e o portador do
cheque é o beneficiário.

O beneficiário pode ser : ou o próprio titular da conta,


que assim retira fundos da sua conta (ficando com moeda
manual por contrapartida da redução do saldo na sua
conta de depósito), ou um terceiro. Neste caso o cheque
é um instrumento de pagamento do sacador. O
beneficiário, que em princípio é um credor do sacador,
pode levantar o montante desse cheque em dinheiro, ou
pode depositar o cheque numa sua conta bancária.

NOTA : No caso de o cheque ser cruzado (trata-se de um cheque


com duas barras oblíquas paralelas no canto superior esquerdo da
face), o Banco sacado só poderá pagá-lo a um outro Banco, ou a
um dos seus próprios clientes depositando o valor na sua conta.
Esta regra existe para proteger o portador do cheque contra os
riscos de roubo ou extravio.

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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O cheque pode servir de instrumento de pagamento entre


sucessivos portadores – qualquer beneficiário de um
cheque pode fazer a transmissão do mesmo a um outro, por
meio do endosso.

O cheque é cada vez menos utilizado nas economias


modernas, à medida que os sistemas electrónicos de
pagamento se desenvolvem e aumenta a facilidade e
comodidade na utilização da moeda bancária para fazer
pagamentos, mesmo de valores muito pequenos.

b.2)- a transferência de verbas efectua-se por ordem do


titular da conta e consiste numa ordem para o Banco
debitar a sua conta por certo montante e transferir esse
dinheiro para a conta do beneficiário, creditando-a. A
operação traduz-se numa simples escrituração
contabilística, com o débito na conta do titular da
conta que ordena a transferência e o crédito na conta do
beneficiário, podendo esta conta ser no mesmo Banco ou
num outro Banco.

NOTA : O Banco Nacional de Angola, através do Aviso nº 1/2000, de 8 de


Fevereiro, institucionalizou o Documento de Crédito (DC), que em muito
veio facilitar a transferência de fundos entre contas de empresas e de
particulares domiciliadas em bancos diferentes. Mediante o
preenchimento do DC, uma empresa ou um particular (o emitente) dá uma
instrução ao banco onde possui conta para transferir uma certa quantia
para uma sua conta ou de um terceiro num outro banco. Mais tarde, em
2005, foi criado o chamado Sistema de Pagamentos em Tempo Real
(SPTR) que permite encurtar ainda mais o tempo das transferências de
valores entre bancos, que devem ser executadas no mesmo dia. O Aviso
nº 3/05, de 9 de Novembro, do BNA, e restantes normas reguladoras do
sistema, estipulam a obrigação de todas as transferências interbancárias
em moeda nacional de valor superior a Kz 5 milhões terem de ser feitas
via este sistema, sob pena de aplicação de multa. Com o SPTR o DC
praticamente deixou de ser utilizado.

A operação de transferência de verbas entre contas,


dentro do mesmo banco ou entre bancos, está cada vez
mais facilitada com a possibilidade de utilização dos
cartões de plástico e a generalização, por um lado, da
adopção das máquinas automáticas por parte dos
estabelecimentos comerciais e, por outro, do recurso à
internet.

b.3)- o aviso de levantamento é utilizado pelas empresas


que recebem periodicamente somas provenientes de
numerosos devedores, como é o caso das empresas que
abastecem as cidades de água e electricidade, ou que
exploram redes de telefones ou de televisão. O Banco
deve antecipadamente receber uma autorização do titular
da conta que lhe permita pagar ao seu credor, que será
uma daquelas empresas, sempre que estas apresentem um

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


18

aviso de pagamento relativo aos consumos do período em


causa.

Se é certo que a moeda escritural ou bancária circula por


intermédio dos cheques, das transferências e dos avisos de
levantamento, estes não passam de instrumentos que facilitam
a circulação monetária, não constituindo, por si mesmos, a
moeda escritural. São os registos contabilísticos dos saldos
das contas de depósito à ordem nos Bancos que constituem a
moeda escritural, e daí a sua designação.

***
NOTAS SOBRE MOEDA DIGITAL E DINHEIRO DE PLÁSTICO

Os cartões de plástico (também conhecidos por dinheiro plástico, e que podem


ser de crédito ou apenas de débito) permitem que o seu titular prescinda de notas
de Banco ou de cheques para efectuar o pagamento de mercadorias e de
serviços. Na verdade, o utente de um cartão, de débito ou de crédito, pode
ordenar a transferência de verbas da sua conta para a conta de outros por via
electrónica, através dos chamados ATM´s (caixas automáticos) e TPA´s
(terminais de pagamento automático). Pode ainda proceder ao levantamento de
notas num ATM sem ter que se dirigir a um Banco.

Os cartões são normalmente emitidos por entidades ligadas ao sistema bancário,


sendo mandados emitir pelos Bancos em nome dos seus clientes, devendo estes
indicar uma conta à qual o cartão fica ligado. O titular de um cartão, quando
pretende pagar uma despesa num estabelecimento comercial, apresenta o cartão
ao vendedor; este, mediante utilização de um TPA, procede de imediato ao
pagamento da despesa, debitando a conta do comprador no Banco indicado no
cartão, ao mesmo tempo que credita a sua própria conta, que pode ser no
mesmo ou num outro Banco.

Estes cartões facilitam não só o pagamento de compras, substituindo as notas de


banco e o cheque, mas permitem também, se se tratar de um cartão de crédito,
que o titular realize despesas recorrendo a crédito bancário, uma vez que, neste
caso, o Banco consente ao seu cliente um adiantamento de curto prazo - há,
aqui, portanto, a concessão de um crédito, ou seja, há lugar à criação de moeda.

Os cartões de plástico permitem ainda realizar transferências de verbas e o


pagamento de despesas via internet ou num ATM (por exemplo, despesas
relacionadas com certos serviços – água, electricidade, telefones, televisão, e até
mesmo o pagamento de impostos – além da aquisição de mercadorias e serviços
: o chamado comércio electrónico, em franca expansão.

Há um outro tipo de cartão, que não permite recurso ao crédito bancário, que é o
chamado cartão de débito - só permite levantar notas ou efectuar pagamentos
se o seu utente tiver saldo na conta de depósito a que o mesmo está ligado.

Em meados de 2001, os bancos estabelecidos em Angola, em associação com o


BNA, criaram uma empresa (EMIS – Empresa Interbancária de Serviços, SA) que
tem por objecto social instalar e gerir as infraestruturas e tecnologia do sistema
electrónico de pagamentos. Logo em 2002, a referida empresa criou a “Rede

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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Multicaixa”, que é uma rede interbancária de pagamentos constituída por


máquinas electrónicas que permitem efectuar levantamentos de notas e
pagamentos de mercadorias e de serviços com utilização de cartões de débito
(os chamados “Cartões Multicaixa”).

Com a EMIS e a Rede Multicaixa estão criadas as bases para a generalização do


dinheiro digital no País, tarefa em muito facilitada com os modernos sistemas de
telecomunicações que já existem em Angola.

***
Em resumo : após esta análise da evolução histórica dos
diferentes tipos e formas de moeda, verifica-se :
· Presentemente a moeda é composta :

o por um lado, da moeda tangível, constituída por


símbolos monetários com circulação obrigatória :
notas de Banco e moedas metálicas para trocos
(créditos sobre o Banco Central;

o por outro, de créditos sobre os Bancos, moeda


escritural (esta cada vez mais moeda digital),
constituída pelos saldos existentes nas contas de
depósitos à ordem junto dos Bancos, que circulam
por meio do cheque, das transferências bancárias de
verbas e dos avisos de levantamento.

· E que é muito fácil um agente económico trocar um tipo


de moeda por outro – isto é, trocar notas e moedas por
moeda bancária (basta ir a um banco e depositar as notas
e moedas numa conta de depósito à ordem) e trocar moeda
bancária por notas e moedas (basta ir ao banco e
levantar notas e moedas da sua conta de depósito à
ordem).

II – 2. OS TIPOS DE MOEDA SEGUNDO A ENTIDADE


EMISSORA

A análise antes feita das formas e evolução da moeda ao


longo da história permite uma abordagem simplificada dos
tipos de moeda. Porém, a divisão histórica da evolução
monetária em diferentes fases esbarra com a dificuldade
existente em limitar, com precisão, as etapas caracterizadas
por um tipo especial de moeda. Nos dias de hoje admite-se
como muito provável que já na antiguidade eram realizados
pagamentos por transferência de valores entre contas através
dos primitivos bancos então existentes, o que leva a dúvidas
sobre se a moeda sob a forma de depósitos bancários foi
anterior ou não a outros tipos de moeda que antes se supunha
terem surgido mais cedo.

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


20

Assim, modernamente dá-se preferência a uma classificação da


moeda fundamentada na natureza da entidade que a emite, que
distingue dois tipos de moeda.

II – 2.1. – MOEDA EMITIDA PELO BANCO CENTRAL

A moeda emitida pelo Banco Central é constituída pelas notas


de banco (moeda-papel) e a moeda divisionária (as moedas
metálicas para facilitar os trocos).

NOTA : Em alguns países as notas e as moedas metálicas são


emitidas pelo Tesouro (caso das notas e moedas de dólar dos
EUA), cabendo ao Banco Central apenas colocá-las em
circulação. Em Angola, quando ainda colónia portuguesa, as notas
eram emitidas por um banco privado (o Banco de Angola,
entidade que tinha um contrato com o Estado que lhe conferia
esse direito) e as moedas eram emitidas pelo Tesouro, embora
depois colocadas em circulação via Banco de Angola.

Como adiante se verá mais desenvolvidamente, o sistema


monetário tem o seu “centro” no Banco Central, banco do 1º
nível – a liquidação das transacções entre as famílias e as
empresas processa-se ao segundo nível, isto é, através dos
bancos do segundo nível. Mas a liquidação das transacções
entre os bancos opera-se no primeiro nível, por intermédio do
Banco Central. Esta instituição é, por isso, muitas vezes
designada por “banco dos bancos”, e as transações entre os
bancos do segundo nível são realizadas (via sistema de
compensação) utilizando as contas que estes bancos possuem no
Banco Central.

A moeda emitida pelo banco central é fundamental, pois, para


estabelecer uma comunicação entre os circuitos monetários no
segundo nível e assegurar a liquidez não só dos bancos deste
nível como de toda a economia.
NOTA : O Banco Central tem a faculdade de conceder empréstimos aos
bancos do segundo nível (ver artigos 22º, alínea a) e 23º da Lei nº 16/10 e,
mais adiante, o Ponto II.1.1. do capítulo V destas lições) e ao tesouro (ver
neste capítulo a Secção III, sobre o Tesouro Público e o agente económico
Estado). Ao conceder empréstimos a estas entidades, o Banco Central não
emite de imediato moeda mas i). - aumenta a capacidade dos bancos do
segundo nível de criarem moeda via crédito; ii). - permite ao Estado fazer
pagamentos às famílias e às empresas que acabam por provocar o aumento do
volume de moeda na economia.

De registar que os bancos do segundo nível só estão


autorizados a criar moeda escritural via concessão de
crédito, pois o Banco Central tem o exclusivo da emissão de
notas e moedas metálicas (ver Artigo 6º da Lei nº 16/10).

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


21

De registar ainda que, enquanto os bancos do segundo nível só


podem criar moeda escritural dentro de certos limites fixados
pelo banco central, como se verá mais desenvolvidamente no
Cap.IV, teoricamente o banco central não obedece a qualquer
limite para emitir notas e moedas para trocos ou para
conceder empréstimos aos bancos do segundo nível.

II – 2.2. - MOEDA EMITIDA PELOS BANCOS


A moeda emitida pelos bancos é constituída pelos saldos
credores existentes nos depósitos à ordem que as famílias e
as empresas têm junto dos bancos.

II. 3. – OS ACTIVOS MONETÁRIOS


Os activos monetários que relevam dos dois tipos de moeda
existentes na economia devem ser procurados nos activos dos
agentes económicos do sector não bancário.

II - 3.1. As famílias

Os activos de uma família são constituídos pelos activos


reais, móveis e imóveis, e pelos créditos sobre outros
agentes económicos. Estes créditos podem ser de diferente
natureza : sobre outras famílias, sobre empresas, sobre o
Estado e, finalmente, créditos sobre os bancos.

Dentre estes diversos activos, somente têm carácter de


activos monetários, isto é, somente são considerados como
moeda, os créditos seguintes :

- os créditos sobre o Banco Central (em Angola, o


Banco Nacional de Angola) - trata-se das notas de banco
e das moedas metálicas emitidas pelo Banco Central que
se encontram em circulação e estão na posse das
famílias.

- os créditos sobre os bancos – relativos aos


saldos credores nas contas de depósitos à ordem que as
famílias possuem junto dos bancos.

II - 3.1. As empresas

Os activos monetários detidos pelas empresas são do mesmo


género dos pertencentes às famílias :

- os créditos sobre o Banco Central - as notas de


banco e as moedas metálicas;

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


22

- os créditos sobre os bancos - os saldos credores


nas contas de depósitos à ordem (contas correntes e
contas de cheques) que têm em bancos.

SECÇÃO III
O SECTOR BANCÁRIO
Numa primeira abordagem, poder-se-á definir o sector bancário
como o conjunto constituído pelo Banco Central (também
referido como banco dos bancos, ou banco do primeiro nível) e
pelos bancos do segundo nível (ou, simplesmente, bancos, como
veremos mais desenvolvidamente no capítulo III destas
lições).

III - 1. OS BANCOS

Os bancos têm necessidade de disponibilidades que constituem


um crédito sobre o Banco Central. Estas disponibilidades
assumem duas formas :

Ø 1) - a forma de um fundo de notas de banco e de


moedas metálicas que os bancos são obrigados a
possuir nos seus cofres, para assim responderem aos
pedidos de notas e de moedas por parte dos seus
clientes, detentores de contas de depósito à ordem,
que pretendam levantar moeda manual (isto é,
transformar moeda bancária em notas e moedas para
trocos – moeda manual).

Ø 2) - a forma de uma conta de depósito (conta


corrente) junto do Banco Central que, além de
servir para satisfazer a obrigação de manutenção de
uma reserva, é destinada a garantir, por meio de
simples escrituração, as transferências de fundos
entre bancos.

Nota : Ter em atenção que as notas e as moedas


metálicas nos cofres dos bancos e os saldos que
os bancos têm nas suas contas junto do Banco
Central não constituem moeda.

As transferências de fundos entre bancos são garantidas pelo


Banco Central através do mecanismo de compensação.
Diariamente, cada banco apresenta os créditos que detém sobre
outros bancos do sistema, resultantes de transferências de
fundos desses outros bancos para o banco apresentante -
opera-se, então, um processo global de compensação, no termo
do qual se apuram os bancos credores (aqueles que, em termos
líquidos, têm a receber fundos de outros bancos) e os bancos

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


23

devedores (aqueles que, também em termos líquidos, têm que


transferir fundos para outros bancos).

Através da conta que cada banco é obrigado a ter junto do


Banco Central, realizam-se então transferências de fundos das
contas dos bancos devedores para as contas dos bancos
credores. Os bancos que não tenham saldo suficiente na conta
junto do Banco Central (para a manutenção da reserva a que
estão obigados e para pagar aos outros bancos) estão
obrigados a "alimentá-la" de imediato - recorrendo a
empréstimos de outros bancos ou do próprio Banco Central.
As contas dos bancos junto do Banco Central servem, pois, de
meio de realização de pagamentos entre bancos, tal como as
contas das famílias e das empresas junto dos bancos do 2º
nível servem de meio de realização de pagamentos entre elas.
É este mecanismo de pagamentos (compensação) entre bancos que
forma a base do sistema de pagamentos de um país. Ao permitir
a transferência de fundos entre bancos também permite a
transferência de fundos entre contas dos agentes económicos
devedores e credores quando essas contas estão domiciliadas
em bancos diferentes (em acréscimo à transferência de fundos
entre agentes económicos devedores e credores que possuam
contas no mesmo banco).
A nível internacional (ver Segunda Parte do curso) também se
coloca a necessidade de garantir a transferência de fundos
entre agentes económicos devedores e credores. Para que este
sistema funcione é necessário que os bancos situados em
países diferentes consigam transferir fundos entre si, pondo-
se aqui uma dificuldade adicional que é a necessidade de
conversão de moedas de países diferentes (câmbio de moedas
diferentes, com base na taxa de câmbio que estiver a vigorar
no momento).
Pelo exposto, pode dizer-se que “o sistema de pagamentos é um
mecanismo que permite transferir fundos de um agente
económico para outro dentro do País e que atende também às
necessidades de transferências de fundos entre agentes
económicos situados em países diferentes”.Ou, como diz a Lei
n.º 5/2005) – é o “ conjunto estruturado de intervenientes,
serviços, subsistemas, instrumentos de pagamento, tecnologia
e procedimentos que facilita a transferência de fundos ou de
dinheiro para a finalização de pagamentos e a circulação
do dinheiro na economia”.

Para o bom funcionamento da economia, é importante que o


sistema de pagamentos seja eficiente, pratique custos baixos,
confira segurança às operações de transferência de fundos
entre os agentes económicos e seja rápido na liquidação das
operações para que estas sejam encerradas num prazo curto.

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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II - 2. O BANCO CENTRAL

Acaba de se constatar que o sistema monetário encontra-se


hierarquizado :

Ø a liquidação das transacções no seio do sector não


bancário processa-se por intermédio das contas de
depósito à ordem junto dos bancos (bancos do
segundo nível).

Ø a liquidação das transacções entre bancos opera-se


por intermédio do Banco Central (banco do primeiro
nível).
O Banco Central surge, deste modo, como o banco dos bancos e
emissor de “moeda central”. A moeda central é utilizada para
estabelecer uma comunicação entre os circuitos monetários do
segundo nível, assegurar a liquidez dos intermediários
financeiros e, indirectamente, a liquidez da economia.
NOTAS :

1.- Numa economia com relações com o estrangeiro (caso de todas as


economias modernas), o Banco Central deve possuir uma reserva em
moedas de outros países, que garanta o pagamento dos compromissos
assumidos no exterior. Assim, a posição do Banco Central de um País no
seio do sistema monetário internacional pode comparar-se à de um banco
do segundo nível no sistema monetário nacional, já que está forçado a
efectuar pagamentos em moedas que ele é incapaz de criar (questão
desenvolvida na segunda parte do curso).
2. - Muitos bancos centrais também possuem reservas em ouro, metal
que, pelas suas características, já foi a base do sistema monetário
internacional e que nos últimos anos, face à crise de muitas moedas,
voltou a ser muito procurado como moeda de reserva pelas famílias e
empresas, tendo o seu preço aumentado bastante.

Nos termos da Lei nº16/10, de 15 de julho (Lei do Banco


Nacional de Angola, que revogou a Lei nº 6/97, de 11 de
julho), são as seguintes as funções principais do Banco
Central :

Ø emitir as notas e moedas – o Banco Central tem o


exclusivo da emissão de notas e moedas metálicas, as
quais têm curso legal e poder liberatório (Artigo 6º).

Ø ser banco dos bancos, assegurando a estabilidade do


sistema financeiro – o Banco Central tem como clientes
os outros bancos do sistema (bancos do segundo nível),
sendo o depositário das reservas dos outros bancos
(Artigos 20º e 25º). É também o financiador de última

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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instância dos bancos com dificuldades de liquidez -


concede-lhes crédito quando não conseguem obter a
liquidez necessária no mercado (Artigo 16º, nº 1, alínea
e. e Artigos 22º e 23º).

Ø participar na definição e executar a política monetária


(Artigo 3º) – para isso o banco Central tem poderes para
intervir em matérias tais como taxas de juro, taxas de
reserva, espécies de crédito e de depósitos, montantes
de crédito, etc.

Ø participar na definição e executar a política cambial,


gerir as reservas do País em divisas e ser intermediário
nas relações monetárias internacionais – o Banco Central
deve manter reservas de moeda estrangeira com
aceitabilidade internacional (divisas) que sirvam de
fundo de maneio e de garantia para as transacções
internacionais (Artigo 3º, Artigo 16º, nº 1, alíneas c.
e f., e nº 2, alíneas b. e c. e Artigos 39º e 40º).

Ø aconselhar e ser banqueiro do Estado, participando na


definição da política financeira e na programação
financeira do Estado – contra o privilégio da emissão de
moeda, o Banco Central presta certos serviços ao Estado,
além de lhe entregar a maior parte dos lucros que obtem
com a sua actividade (Artigo 16º, nº 1, alíneas a.e g.,
Artigo 36º, artigo 37º). O Estado (representado pelo
Tesouro) possui a sua conta junto do Banco Central
(Artigo 34º) e realiza todas as suas operações via esta
conta.

· O facto de ser banco dos bancos e ter de velar pela estabilidade


do sistema financeiro, além de lhe caber a execução da política
monetária, confere ao Banco Central um poder regulador sobre
o sistema bancário, a fim de garantir a aplicação da política
monetária e a segurança do sistema em geral e dos depósitos em
particular. Neste âmbito, o Banco Central deve ainda assegurar
os seguintes serviços : publicação regular das estatisticas
monetárias (ver Artigo 16º, nº 2, a.) ; um sistema de compensação
entre os bancos via as contas que estes possuem junto do Banco
Central (ver neste Cap. O Ponto II-2.2.1) ) ; um serviço de
centralização de riscos – ver Artigo 64º da lei nº 13/2005 e Aviso
do BNA nº 2/2010, de 20 outubro).

· As funções cometidas ao Banco Central são, como visto, tão


importantes que em muitos países a lei lhe confere um elevado
grau de autonomia, embora estando subjacente a necessidade de
coordenação de políticas com as outras instituições do Estado
ligadas à gestão económica e financeira .

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


26

· Entende-se ainda mais a necessidade desta autonomia se


tivermos em conta que o Banco Central deve ser o garante da
estabilidade do valor da moeda que emite, (ver Artigo 3º da Lei
16/10), o que nem sempre é fácil se estiver na dependência de
outras instituições do Estado que possam exercer pressão para a
emissão de moeda (neste caso, moeda emitida no vazio) para
financiar despesas do Orçamento do Estado, o que, quase
sempre, perturba o equilíbrio monetário, provocando um aumento
dos preços (inflação) pelo aumento da oferta de moeda e
consequente aumento da procura de bens e serviços sem haver
uma contrapartida no aumento da oferta desses mesmos bens e
serviços.

SECÇÃO IV
O TESOURO PÚBLICO

As relações entre o Tesouro Público(instituição que é a


personificação financeira do Estado pois a ela compete a
gestão das finanças do Estado) e os bancos centrais
apresentam sempre alguma complexidade, embora menos agora que
no passado. Na verdade, apesar de os bancos centrais gozarem
por lei, de uma forma generalizada, de um elevado grau de
autonomia, na prática o exercício desta depara-se amiúde com
alguns constrangimentos porque, mesmo naqueles paises onde a
autonomia se pode considerar total, as políticas financeiras
dos governos, pela dimensão das estruturas estatais e
consequentemente do orçamento do Estado, acabam por
condicionar/influenciar as políticas do banco central.
A este propósito é de reter que o Tesouro, tem (teve) em
muitos países a possibilidade de exercer pressão para obrigar
o banco central à criação de moeda para cobrir défices das
contas públicas. Nos países em que isto sucedeu, registaram-
se graves problemas económicos em resultado das altas taxas
de inflação provocadas pelo excesso de moeda na economia
(como no caso de Angola durante muitos anos), pelo que foi
aumentando o número dos especialistas que defendem uma ampla
autonomia do Banco Central, com o objectivo de evitar que o
sector público possa recorrer à emissão de moeda para cobrir
défices do orçamento do Estado.
Hoje, na maioria dos países, em que se inclui Angola, é a
própria Lei (ver artigo 32º da Lei nº 16/10) a não permitir o
financiamento dos défices do orçamento público pela via da
emissão de moeda (“emissão no vazio”, por não ser uma emissão
de moeda ligada a necessidades da economia real), obrigando o
Tesouro Nacional a recorrer a empréstimos junto dos mercados
(monetário e financeiro) mediante a colocação de títulos de
dívida pública. O Banco Central apenas pode fazer

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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adiantamentos ao Tesouro por prazos curtos e dentro de


limites restritos, como estabelece o artigo 33º da Lei 16/10.
NOTA : Num passado não distante era vulgar em muitos paises o tesouro
público desempenhar um papel em tudo semelhante ao dos bancos comerciais,
tendo instituições que recebiam depósitos das famílias e das empresas. Em
França, por exemplo, os serviços postais, um serviço do Estado, abriam
“contas postais” que podiam ser movimentadas com “cheques postais”.

O Tesouro Público (em Angola, Tesouro Nacional), tem a sua


conta junto do Banco Central – quer isto dizer que o Estado
canaliza todos os seus recursos monetários(basicamente
resultantes da cobrança de impostos e taxas) para esta conta.
O saldo credor na conta que o Tesouro possui junto do Banco
Central não é considerado moeda - não entra para o cálculo
dos meios de pagamento existentes na economia e, por
conseguinte, não faz parte da massa monetária, como se verá
mais adiante. E quando o Tesouro ordena a transferência de
valores da conta junto do Banco Central para contas junto de
bancos do 2º nível, o Banco Central obriga estes bancos a
manter aqueles valores nas suas contas de reserva enquanto
não são utilizados para efectuar os pagamentos do Tesouro a
que se destinam, evitando assim que os bancos os utilizem
noutros fins (chama-se a isto “esterilização dos fundos do
Tesouro”).

SECÇÃO V

MASSA MONETÁRIA E AGREGADOS MONETÁRIOS

V – 1. CONCEITO DE MASSA MONETÁRIA

Da definição de moeda depreende-se ser a massa monetária (


reprsentada pela letra M ) constituída pelo somatório dos
meios de pagamento detidos pelos agentes do sector não
bancário.

Este conceito tradicional de massa monetária, a que


denominaremos M1, é restritivo : considera como possuindo
natureza de moeda apenas os activos perfeitamente líquidos
(liquidez primária) detidos pelas famílias e empresas.

Neste conceito considera-se moeda apenas :

- a moeda manual – é a moeda em circulação fora dos


bancos, e é constituída pelo conjunto das notas e das

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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moedas metálicas emitidas pelo Banco Central que se


encontram na posse das famílias e das empresas - é a
também chamada Circulação Monetária – C.

C (= Circulação Monetária) – É constituída pela moeda


manual em posse das famílias e empresas, isto é, pelas notas
e moedas metálicas emitidas pelo Banco Central que estão
em circulação fora dos bancos.

- e a moeda escritural - constituída pelos saldos


credores existentes nos depósitos à ordem que as
famílias e as empresas possuem junto dos bancos.

A estrutura da massa monetária e a sua amplitude variam


consoante os países, podendo ser entendida em sentido mais ou
menos amplo.

Assim, podemos considerar, em primeiro lugar:

M1 – conceito de massa monetária em sentido estrito, e que


inclui apenas os activos monetários (moeda manual e
escritural) que estão imediatamente à disposição das famílias
e das empresas para a liquidação das transacções que realizam
entre si.

M1 = Depósitos à ordem (DO) + Circulação Monetária (C)


Ou :

M1 = Moeda bancária + Moeda manual

NOTAS :
1.- Ter em atenção que não são considerados moeda - i) os saldos nas
contas que os Bancos do 2º nível possuem junto do Banco Central; ii) as
notas e as moedas metálicas existentes nas caixas dos Bancos – porque
são valores que não são “meios imediatos de pagamento”, não podem ser
utilizados pelas famílias e pelas empresas para o pagamento imediato de
transacções.

2.-Como referido antes, também os meios monetários do agente


económico Estado não entram no cálculo de M1.
.

O cálculo e conhecimento de M1 não é suficiente para o Banco


Central controlar eficazmente a evolução da liquidez na
economia (isto é, da quantidade de moeda).

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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Além da moeda manual e dos depósitos à ordem, as famílias e


as empresas possuem outros activos que, por não serem
totalmente “líquidos”, não entram no M1.

Porém, podem ser activos, como os depósitos a prazo em bancos


(poupança líquida), que são muito facilmente convertidos em
meios imediatos de pagamento, e que o Banco Central tem
necessidade de calcular e acompanhar.

Daí um conceito mais lato de liquidez, representado por M2,


que engloba os depósitos a prazo:

M2 – trata-se de um conceito mais amplo de massa monetária


que inclui, para além de M1 (liquidez primária), os depósitos
a prazo (poupança líquida, que integra a quase-moeda) que as
famílias e as empresas detêm junto dos bancos.

M2 = M1 + Depósitos a prazo (DP)

Em Angola, até há não muito anos eram considerados apenas


estes dois agregados : M1 e M2. A partir de 2001 passou a ser
calculado um agregado monetário mais amplo que o M2
(designado por M3), que inclui, além da liquidez primária
(M1) e dos depósitos a prazo em bancos, outras aplicações
financeiras a curto prazo das empresas e famílias que são
consideradas “quase moeda”. São aqui consideradas as
aplicações de curto prazo (até 360 dias), em Títulos do Banco
Central (TBC), emitidos pelo Banco Nacional de Angola ao
abrigo do Artigo 18º da Lei nº 16/10, e em Bilhetes do
Tesouro, emitidos pelo Tesouro Nacional ao abrigo do Artigo
8º da Lei nº 16/02, de 5 de Dezembro, DR nº 97 (Lei Quadro da
Dívida Pública).

M3 = M1 (meios imediatos de pagamento) + (depósitos a prazo) + (aplicações


noutros instrumentos financeiros de curto prazo)

NOTAS :
1. - O cálculo destes agregados monetários visa dar ao
Banco Central um conhecimento o mais exacto possível
dos meios de pagamento imediatamente disponívies na
posse das famílias e das empresas, assim como das

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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aplicações financeiras que as famílias e as empresas


possuem e que, embora não estando imediatamente
disponívies para liquidar transacções, podem, de uma
forma simples e rápida, ficar disponíveis. Daí que cada
Banco Central, de acordo com a realidade do País em que
se insere, considere em cada agregado as aplicações que
entende deverem ser bem conhecidas e controladas, para
lhe permitir melhor controlar a oferta de moeda (ou seja, a
quantidade de moeda na economia).
2. - Importante : pelo facto de circular moeda estrangeira
na economia angolana e de uma elevada percentagem
dos depósitos nos bancos serem em moeda estrangeira
(principalmente dólares dos Estados Unidos da América
do Norte) o BNA inclui nos cálculos da massa monetária
os depósitos em moeda estrangeira (à ordem e a prazo)
que as famílias e as empresas detêm em contas junto dos
bancos em Angola. Por razões óbvias (impossibilidade de
cálculo e controlo), não inclui, porém, as notas de moedas
estrangeiras que se encontram nas mãos das famílias e
das empresas.

V – 2. EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA DA MASSA MONETÁRIA

A tendência que se verifica em todos os países é no sentido


de o peso da moeda escritural no total da massa monetária se
ir acentuando cada vez mais, em razão da maior segurança nas
operações e da comodidade que oferece, a um custo também mais
baixo.

Além disso, o alargamento das redes de balcões dos bancos


(ultimamente ampliadas com as redes de caixas automáticos) e
os progressos registados nas comunicações com o emprego do
teleprocessamento permitem que a circulação da moeda
escritural seja cada dia mais facilitada e mais rápida,
preferindo os agentes económicos utilizar cheques,
transferências bancárias e cartões plásticos no lugar da
incómoda e menos segura moeda manual.

No caso angolano, o peso da moeda manual no total da massa


monetária é ainda muito acentuado em comparação com o que se
passa noutros países, o que se justifica se tivermos em conta
que a expansão da moeda escritural é prejudicada porque :

Ø existe ainda uma fraca cobertura bancária a nível


nacional, sendo muito raras as agências a funcionar fora
das capitais de Província;

Ø a rede de telecomunicações não abrange todo o País e é


ainda muito ineficiente, o que dificulta a circulação da
moeda escritural. Isto é agravado com a muito fraca
aceitação que o cheque tem como meio de pagamento.

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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Ø ainda não existe uma rede alargada de máquinas


automáticas que permita a generalização dos pagamentos
via electrónica mediante a utilização de cartões de
débito e de crédito.

Ø São poucos os bancos que já disponibilizam o acesso às


contas via internet.

V – 3. A MOEDA E O PRODUTO : VELOCIDADE DE


CIRCULAÇÃO DA MOEDA E VALOR DA MOEDA

Uma visão estática da moeda corresponderá ao conceito de


massa monetária (M1). Uma visão dinâmica da moeda permitirá
apreender o seu movimento, a sua circulação.

A ideia de circulação da moeda acha-se necessariamente ligada


à de velocidade dessa circulação, isto é, ao número de vezes
que cada unidade monetária é utilizada para efectuar
pagamentos durante um certo período de tempo. A velocidade de
circulação da moeda dá-nos o ritmo a que esta circula, o
número de vezes que uma mesma unidade gira (isto é, que serve
de intermediária de trocas), durante um certo prazo de tempo
(normalmente os cálculos são feitos para períodos de um ano).

De outro modo : a velocidade de circulação da moeda dá-nos a


taxa de rotatividade anual da massa monetária.

Numa economia monetária há sempre circulação da moeda, mas a


velocidade de circulação é que pode ser maior ou menor,
variando ao longo do tempo de acordo com as condições
económicas.

Quanto maior é o ritmo da circulação da moeda, menor tende a


ser o volume de liquidez detido pelos agentes económicos não
bancários (diz-se então que a preferência pela liquidez
diminui); inversamente, quanto menor é aquele ritmo, maior
tende a ser o volume de liquidez que estes agentes detêm,
maior é a preferência pela liquidez.

Em períodos de alta taxa de inflação, diminui drasticamente a


preferência pela liquidez (porque a moeda perde valor a cada
momento que passa) e assiste-se então ao aumento da
velocidade da circulação da moeda – no fundo, os agentes
económicos rejeitam a moeda, porque sabem que ela perde valor
muito rapidamente. Diz-se mesmo que há uma “fuga à moeda”,
pois as famílias e as empresas perdem confiança na moeda e,
quando recebem valores monetários, apressam-se (ou seja, usam

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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a moeda com uma maior velocidade) em transformar esses


valores noutros activos (geralmente desfazem-se da moeda “má”
comprando bens ou trocando-a por uma moeda “boa”
estrangeira).

Como antes analisado, a quantidade de moeda na economia deve


ser a bastante para garantir as trocas : assim, as
autoridades competentes devem procurar controlar a massa
monetária existente, de modo a conseguirem uma marcha
concertada entre a massa monetária e o volume das trocas de
mercadorias e serviços, pois, de contrário :

Ø a falta de moeda cria dificuldades e atrasa as


trocas na economia;

Ø o excesso de moeda provoca uma situação de dinheiro


fácil que conduz ao aumento dos preços das
mercadorias e serviços (inflação), com a
consequente depreciação da moeda que perde valor.

Recorrendo a uma conhecida equação (conhecida por “equação


das trocas” de Fisher – Irving Fisher, como antes dito, foi um renomado economista
norte americano defensor da teoria quantitativa da moeda), pode-se mais
facilmente perceber a ligação entre a massa monetária, o
volume de trocas e a velocidade de circulação da moeda :

M1 x V = P x T
Sendo:

- M1 = massa monetária
-P = preço médio dos bens e serviços trocados durante um ano
-T = quantidade de bens e serviços trocados durante um ano
- P x T = volume das trocas realizadas durante um ano
-V = velocidade de circulação da moeda

Reparando bem, esta igualdade não passa de uma tautologia : o


lado esquerdo (M1 x V) descreve com outras palavras
(expressão monetária) a mesma realidade (P x T) descrita do
lado direito (expressão física). No lado esquerdo está
expresso o valor das transacções monetárias (circuito
monetário) que foi necessário realizar para garantir as
trocas de bens e serviços expressas do lado direito (circuito
real de bens e serviços).

Explicitando o valor de M1 na equação, fica: M1 = P x T : V


Esta igualdade permite abordar o problema do valor da moeda,
ou seja, do seu poder de compra : que mais não é, afinal, do
que o poder que é conferido aos que detêm moeda para

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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adquirirem uma certa quantidade dos bens e serviços


produzidos na economia.

Para mais fácil compreensão, vamos admitir que V (a


velocidade de circulação da moeda) é constante e igual a 1
durante o período em análise - neste caso, a equação fica
reduzida a :

M1 = P x T
Então, podemos inferir o seguinte :

i)um aumento da massa monetária na economia (M1), não


havendo correspondente aumento no volume de bens e
serviços disponíveis (T), provoca necessariamente um
aumento dos preços dos bens e serviços (P) - ou seja,
pelo facto de haver mais moeda, verifica-se um aumento
na procura de mercadorias e serviços sem que haja um
aumento na oferta destes, levando os preços a subirem;

ii)um aumento das mercadorias e serviços na economia (T)


sem que aumente a moeda (M1) ao dispor dos agentes
económicos provoca uma descida nos preços (P) - ou seja,
há aumento da oferta de bens e serviços mantendo-se o
mesmo volume de procura porque a massa monetária não se
alterou, provocando a baixa dos preços.

Desta equação pode concluir-se ainda que o valor da moeda


será tanto maior quanto mais baixo for P (o preço das
mercadorias e serviços). Na verdade, quando P diminui, com a
mesma quantidade de moeda M1 pode adquirir-se uma maior
quantidade de mercadorias e de serviços T. E a inversa também
é verdadeira.

A destrinça entre valor de uso e valor de troca, fundamental


na teoria do valor dos bens, perde o interesse em relação ao
valor da moeda. Com efeito, sendo a moeda utilizada através
da capacidade de aquisição de outros bens, o seu valor de uso
acaba por confundir-se com o seu valor de troca (poder de
compra). Mas enquanto o valor de troca dos outros bens pode
resultar de uma comparação entre dois termos apenas, o valor
da moeda só pode ser determinado em comparação com o valor de
todos os bens e serviços que podem ser adquiridos contra
pagamento com moeda.

O valor desses bens e serviços tem uma expressão monetária –


o preço. Será precisamente o nível geral médio de preços
(isto é, o nível médio dos preços de todos os bens e serviços

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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transaccionados na economia) que determina, em cada momento,


o valor da moeda.

Daqui terá de concluir-se, desde já, que o poder de compra da


moeda, o seu valor, nunca é rigorosamente determinável,
porquanto o nível geral de preços que pode calcular-se
resulta necessariamente de abstracções.

Contudo, a necessidade de estudar o valor da moeda e as suas


variações impõe a determinação de um nível médio dos preços,
ainda que abstracto, cujas variações são geralmente estudadas
na base do processo estatístico dos números-índices.

Não obstante todas as dificuldades e insuficiências na sua


construção, é através dos números-índices de preços que se
fixa o nível geral de preços, através do qual, por sua vez,
se define o poder de compra da unidade monetária de um País.

O valor da moeda (poder de compra), variará na razão


inversa do nível geral médio de preços – quanto mais elevado
for o nível geral médio de preços mais baixo será o valor da
moeda, isto é, menos bens e serviços poderão ser adquiridos
com uma unidade monetária.

V – 4. MOEDA, PREÇOS E INFLAÇÃO

O grande interesse no estudo da moeda reside na questão do


problema do seu valor e do valor em geral das mercadorias e
dos serviços existentes numa economia.

Vimos que o valor da moeda nos dá o seu poder de compra - ela


confere poder de compra aos agentes económicos. Quando em
determinado momento se regista um excesso de moeda (entendido
como um valor que excede o volume de transacções multiplicado
pelo nível geral médio de preços, pelo facto de o fluxo
adicional de moeda não ser acompanhado por um fluxo adicional
de bens e de serviços do lado da oferta) então os agentes
económicos ficam com capacidade de “procurar” mercadorias e
serviços no mercado “em excesso” relativamente à oferta
existente, provocando o aumento dos preços. Isto é, o
equilíbrio é restabelecido com a subida dos preços (dá-se
aquilo a que se chama inflação), ou, dizendo de outro modo, e

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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analisando o fenómeno do lado do valor da moeda, com a


depreciação da moeda (redução do poder de compra da moeda).

Assim, numa economia podem registar-se dois tipos de


desequilíbrio :

Ø na esfera real – entre oferta e procura de bens e


serviços;

Ø na esfera monetária – entre oferta e procura de


moeda.

Um desequilíbrio na esfera monetária por excesso de oferta de


moeda pode provocar um excesso de procura de bens e de
serviços – ou seja, um desequilíbrio no mercado monetário
pode desencadear um desajustamento no mercado de bens e de
serviços (economia real).

V – 5. O MERCADO MONETÁRIO, OFERTA E PROCURA DE


MOEDA E PREÇO DA MOEDA

A moeda é um activo que os agentes económicos procuram deter


(procura de moeda), sendo este activo, como antes analisado,
constituído por M1 (circulação monetária mais depósitos à
ordem) – o aumento da massa monetária significa que houve uma
procura de moeda acrescida que foi satisfeita pela oferta de
moeda.

Nas economias modernas a oferta de moeda é feita


principalmente via crédito concedido pelos bancos : através
do crédito os bancos emprestam fundos às famílias e empresas
que procuram activos monetários (procura de moeda), fundos
esses que dão lugar ao aumento dos depósitos.

O facto de existir oferta e procura de moeda faz com que haja


um mercado próprio – o mercado monetário. O mercado monetário
é pois onde se encontra a procura e a oferta de moeda, onde
se realiza a compra e venda de moeda (liquidez).

Quando há grande oferta de liquidez é porque há muita moeda


na economia. Ao contrário, quando a procura de liquidez
excede a oferta existente no mercado, é porque a economia tem
falta de liquidez (diz-se que está “enxuta”).

Como em qualquer mercado de bens e de serviços, o jogo entre


oferta e procura de liquidez também estebelece o preço do
produto, que neste caso é a moeda.

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I


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Ao preço da moeda, ou da liquidez, é usual chamar-se juro,


designando-se por taxa de juro a relação entre o juro e a
quantidade de moeda trocada.

Dizer que a taxa de juro anual do kwanza está em dez por


cento (10% ou, de outro modo, 0,1 de cem) significa dizer que
quem pedir emprestado um montante de 100 Kz tem de pagar por
ano 10 Kz. Assim, o juro (preço) dos 100 Kz é de 10 Kz, sendo
a taxa de juro de 10% (relação entre o preço e o montante do
empréstimo = 10 Kz :100 Kz).

Quando se dá um excesso de procura, o preço da moeda (juro)


sobe, assistindo-se à descida deste no caso inverso.

Normalmente existe um mercado monetário especial, que é o


“mercado monetário interbancário”, onde os bancos
transaccionam liquidez entre si. Sendo aqui negociada entre
os bancos a liquidez excedentária do sistema bancário, trata-
se de um mercado essencial para a fixação da taxa de juro de
curto prazo (isto é, a taxa de juro da liquidez primária).

Há ainda um outro mercado, que é o “mercado aberto” (open


market, na terminologia inglesa), onde são transaccionados
títulos de dívida do Estado de muito curto prazo - embora não
constituam liquidez primária no verdadeiro sentido, o facto
de se tratarem de títulos considerados quase líquidos
(extremamente fáceis de converter em liquidez exactamente
através deste mercado), o “mercado aberto” é considerado um
segmento do mercado monetário.

NOTA : Como se verá mais adiante (Cap. V), as operações em mercado aberto (o
“open market”) constituem um dos instrumentos da política monetária que o Banco
Central utiliza para aumentar ou reduzir a liquidez na economia.

Lições de Moeda, Crédito e Bancos – versão 16 agosto/2011 – PARTE I - CAP. I

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