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Arquitas, um dos discípulos de Pitágoras, filósofo da era Helênica, definiria o

saber matemático em quatro grandes áreas, geometria: grandeza em descanso;


aritmética: números absolutos, que levam à compreensão do universo físico e
espiritual; astronomia: grandeza em movimento e MÚSICA: NÚMEROS APLICADOS, O
MELHOR EXEMPLO PERCEPTÍVEL DE UM EVENTO HARMÔNICO UNIVERSAL. A esse
conjunto de saberes deu o nome de “Quadrivium”.
Pitágoras já havia definido, com a canônica, ciência dos intervalos musicais, que
o som se relaciona com a medida, que dois sons consonantes são gerados por razões
de tamanhos entre os objetos que os produzem, sendo peculiares ao material e sua
forma transmissora. Hersey, em outras palavras, diria que “a música é, em parte, uma
questão de geometria espacial.”
O objeto produtor de som gera timbres, melodias, harmonias, fraseados,
prosódias e AFETOS - e aqui, define-se afeto como harmonia capazes de promover
dado tipo de emoção ou sentimento construído previamente pelo intérprete – por
intermédio de uma geometria material de tamanho e formas definidos. Visto isto,
indaga-se: o que o meio propagador do som seria capaz de ressoar com sua geometria
formal, materialidade e tamanho?
Na tese de mestrado “Arquitetura e Música – Interseções Polifônicas” do
Arquiteto goiano, Frederico André Rabelo, é dito que: “Os mundos físico e emocional
poderiam ser descritos por números sensíveis e existia uma relação harmônica entre
todos os fenômenos perceptíveis.” O encadeamento musical na música erudita
ocidental busca a estabilidade tonal. Sensíveis, percebidas pela tenção e culminância
geradas na lógica harmônica, direcionam os ouvidos à esta resolução, provocando
constante estado de interesse por expansão e relaxamento. Esse encadeamento gera
formas geométricas sonoras, projetadas numa dimensão apenas audível, que
desencadeiam uma série de percepções emocionais no ouvinte. Essa sensível
harmônica, que anseia por sua resolução poderia, de alguma forma, ser sentida,
repercutida, vivenciada ou até mesmo condicionada pela arquitetura?
Pitágoras definiu três tipos de música: a música “instrumentalis”: produzida por
instrumentos musicais, a aí também se considera a voz humana; a música “humana”:
inaudível, pois que é produzida por cada ser humano como indicativo da ressonância
entre corpo e alma, e a música “mundana”: produzida pelo cosmos, o que denominou
“Música das Esferas”. Os astros geram sons nos seus padrões de movimento e
organização, os seres vivos também. Suas respectivas trajetórias e velocidades
guardam a mesma proporção das consonâncias musicais. Poderíamos pensar o que
viria a ser “arquitetura instrumentalis”, “arquitetura humana” e “arquitetura
mundana” e, neste sentido, indagar qual seria o som produzido pela arquitetura, se
não mais a considerarmos como abrigo de uma atmosfera gerada por sons, mas sim
como fonte do deles.
Em “Por uma arquitetura”, Le Corbusier diz que uma possível definição para
harmonia é o momento de concordância com o eixo que está no homem, logo com as
leis do universo, retorno à ordem geral. A alma humana é uma das harmonias do
indivíduo. Cada corpo sutil tem uma harmonia específica em cada uma das dimensões.
O universo, como número que se manifesta geometricamente tem como geratriz os
sólidos platônicos. Essa fala delineia uma possível metodologia de pesquisa que se
respalde na astrofísica, na física quântica e na geometria.
Como se codificaria a sensível harmônica que se resolveria em uma entidade
geométrica? Teria a arquitetura uma GERATRIZ HARMÔNICA?
Com base nos experimentos sobre frequência sonora aplicadas nas geometrias
biológicas a partir de interações psicossomáticas, como poderíamos detectar a
repercussão da “harmonia arquitetônica” no “afeto” do usuário?
A evolução do pensamento nos remete à Platão, Vitrúvio e Bóccio, na
antiguidade clássica; Santo Algostinho, São Tomás de Aquino, Alberti e Palladio, na
idade medieval e renascença; Fludd e Kepler, no século XVII. As partículas elementares
são vibrações de minúsculas cordas, consideradas entidades geométricas de uma
dimensão. “Mesmo que a matéria prima tenha suas especificidades, as leis de
proporção harmônica eram geralmente aceitas como conexão básica e unificadora”,
diz Rabelo ao se referir provavelmente as leis de composição geométrica áurea e a
sequência de Fibonacci. “Esses e outros princípios e práticas geométricas faziam parte
de um conjunto de crenças transcendentais sobre ARQUITETURA DO COSMOS.”
Será que é na geometria áurea e na sequência de Fibonacci que se encerra a
resposta para o que viria a ser a arquitetura regida pelo cosmos?
Rabelo continua: “A utilização da geometria quer seja na arquitetura ou em
qualquer outro campo, era um modo de repetir no plano dos homens, a perfeição das
proporções e razões do universo.” Vitrúvio em “De Arquitetura” fala sobre a
importância das proporções entre as dimensões das edificações, porém, o que
anteriormente chamamos de “arquitetura humana” e “arquitetura mundana” não
poderia se limitar, ao meu ver, em questões meramente formais e materiais tangentes
à ordenação e composição de planos e volumes “equilibradamente” dispostos, sob
predeterminadas medidas. Onde se procurar a proporção harmônica que rege os usos,
apreensões, afeições, funções como resolução e resposta à uma problematização ou
condicionante de programa projetual?
Entendeu-se durante muito tempo que o senso de proporção, inclusive entre as
partes componentes do dimensionamento humano, seria capaz de conciliar as partes
do ser: o físico e o espírito. Alberti já diria que o objetivo do arquiteto é alcançar a
“concinnitas”, a correta relação entre os três componentes da obra: número,
proporção e posição. A consonância entre as três entidades se traduziria em beleza. O
belo, restrito ao conceito estético, foi sempre uma questão perseguida durante toda a
história da arte e nunca definida, porém, o “belo imutável” é regido por uma precisão
harmônica universal ainda não explicada no seu conteúdo energético.
A música tem geometria codificada a nível auditivo, ela se expressa de maneira
visual em dada dimensão não acessada pela percepção humana. Nesta dimensão,
onde também se encontra a “sensível arquitetônica” que se resolve em forma material
tridimensional, é que está o belo imutável, as formas perfeitas. Falamos neste instante
de material energético, aqui devemos transcender a dimensão do que acessamos
visualmente.
Toda estrutura tem uma assinatura, ou componente energético. Entende-se
energia em tal contexto como código informacional que atua como que um código
genético, um blueprint transmitido por frequências que encerram em si mesmas tal
consciência de formação. A sensível arquitetônica fica aqui clarificada como o código
que precede a matéria. Sendo verdadeiro o caminho de ida, sua volta se faz de forma
recíproca, quero dizer aqui que: configurações espaciais, por desdobramentos de si
mesmas acessariam a configuração energética que lhe deu origem. Haveria nesta linha
de raciocínio uma maneira de trazer as multidimensões para o espaço arquitetônico.
Ousaria falar aqui sobre um possível conceito de “ARQUITETURA
MULTIDIMENSIONAL”, para além do que definiria-se como cinergia de funções.
Blondel presumiu que a unidade entre as proporções arquitetônicas e musicais
não era simplesmente um assunto da matemática pura, mas também da FÍSICA
EXPERIMENTAL. Ribeiro continua: “de todos os tratadistas contemporâneos e seus
predecessores até o século XIX, Blondel foi o que, seguindo a tradição que une
Pitágoras à Alberti, mais esforços empreendeu para o estabelecimento de analogia
entre arquitetura e música, tendo a matemática e a geometria como denominadores
em comum. Mais uma vez a ideia era a de que os arquitetos deveriam utilizar em suas
obras as mesmas proporções que agradavam o ouvido, garantindo assim uma
harmonia também perceptível aos olhos.”
A análise comparativa entre arquitetura e música torna-se cada vez mais
apurada, complexa e até mesmo sustentável quando a fazemos por intermédio da
física moderna e é por isso que mais adiante, Kandinsky e Schoinberg passarão a ser
nossos parâmetros de reflexão.
Muito se tentou, desde idade média se traduzir as proporções harmônicas
arquitetônicas em metodologia de composição musical. Em “Numerologia em Bach”,
se sistematizo a tradução de toda obra do compositor barroco, em expressões
numéricas, que se revertidas em padrões da arte escultórica ou arquitetônica,
admitiriam formas áureas ou “divinas” de composição. Ribeiro diz que: “deve-se,
porém, ressaltar que existe uma infinidade de proporções no mundo dos números e
comparativamente, poucas possibilidades de combinação das razões musicais.” A fala
se baseia no entendimento de harmonia tonal erudita ocidental. As possibilidades de
combinações nas razões musicais se tornariam infinitas ao se considerar todas suas
frequências.
Entendendo-se que a geometria tem som e que, portanto, a arquitetura ressoa,
assim como cada uma de suas matérias componentes, inferiríamos que a arquitetura
pode gerar “acordes” consonantes e dissonantes, que existiria, por assim dizer, um
encadeamento arquitetônico. Poderia, ao se considerar o todo de uma obra, haver
uma resolução à tensão da dissonância arquitetônica no transitar de um ambiente
para outro, como ocorre entre as formas musicais?
Kames (1761) critica o uso das consonâncias musicais na arquitetura,
concluindo que muitas delas não são realmente agradáveis aos olhos humanos como
queria Alberti, e mais, que elas sofreriam uma variação considerável, dependendo do
ponto de vista do observador, modificando, portanto, sua condição original. A
arquitetura possui uma variante até então não explicitada na música: A PERSPECTIVA.
Como relacionar a perspectiva arquitetônica com a “perspectiva musical”, que não se
encontra na mesma dimensão da anterior?

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