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BRINCAR NO HOSPITAL: ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO DA

HOSPITALIZAÇÃO INFANTIL1

*
Alessandra Brunoro Motta
#
Sônia Regina Fiorim Enumo

RESUMO. Estudos indicam que a hospitalização pode afetar o desenvolvimento da criança, interferindo na qualidade de vida.
Para lidar com essa situação, o brincar tem funcionado como estratégia de enfrentamento. Procurando-se avaliar a importância
dada ao brincar pela criança e caracterizar atividades lúdicas possíveis no hospital, 28 crianças hospitalizadas com câncer (6-
12 anos), em Vitória/ES, foram entrevistadas e responderam a um instrumento especialmente elaborado (AEH - Avaliação das
Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização – Conjunto B: Brincar no hospital), contendo 20 desenhos de brinquedos e
brincadeiras, classificados em jogos de Exercícios, Simbólicos, de Acoplagem, de Regras e Atividades Diversas. 78,6% das
crianças relataram que gostariam de brincar no hospital, o que é justificado principalmente pela sua função lúdica, na
companhia de outras crianças internadas. Não houve diferenças significativas nas escolhas entre as categorias de brincadeiras.
O instrumento mostrou que o brincar pode ser um recurso adequado para a adaptação da criança hospitalizada, permitindo
personalizar a intervenção.
Palavras-chave: brincar no hospital, hospitalização infantil, câncer infantil.

PLAYING IN THE HOSPITAL: COPING STRATEGY IN CHILD HOSPITALIZATION

ABSTRACT. Studies have shown that the hospitalization can affect a child development interfering with his/her quality of
life. In order to deal with this situation, the act of playing has worked as a coping strategy. With the purpose to assess of the
importance children give to play and to characterize possible playful activities in the hospital, 28 children hospitalized with
cancer (6-12 years) in Vitória, ES, were interviewed and took part on an instrument specially developed (AEH Evaluation of
the Coping Strategies of the Hospitalization - group B: Playing in the hospital), consisting of 20 drawings of toys and games
classified in games of Exercises, Symbolic Game, Game of Connection, Game of Rules and a variety of Activities. 78,6% of
the children said that they would like playing in the hospital, which is justified mainly by its ludic function, in the company of
other hospitalzed children. There were no significant differences in the choices among the categories of games. The
instrument showed that playing can be an appropriated resource to jelp with the adjustment of the hospitalized child, making
the treatment a personalized intervention.
Key words: Playing in the hospital, child hospitalization, child cancer.

INTRODUÇÃO Garcia, 1996; Valle, 1997; Costa Jr., 1999 e Santos,


2000, Motta & Enumo, 2002, em nível nacional, e
A revisão bibliográfica na área de câncer infantil Van Dongen-Melman & Sanders-Woudstra, 1986;
constatou que, entre os aspectos mais freqüentemente Redd, Jacobsen, Die-Trill, Dermatis, McEvoy &
abordados nos trabalhos, encontra-se a experiência de Holland, 1987; Fegley, 1988; Manne, Bakeman,
pacientes no manejo de procedimentos médicos Jacobsen & Redd, 1993; e Chen, Zeltzer, Craske &
invasivos, considerando-se ser este um importante Katz, 2000, no exterior). Entre estes trabalhos,
estressor presente no tratamento do câncer infantil encontram-se artigos baseados em relatos de
(Bertazzi & Pandini, 1992; Valle & Françoso, 1992; experiência, como o de Garcia (1996), ressaltando a

1
Agradecimento ao CNPq, cuja bolsa permitiu a realização deste trabalho.
* Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal
do Espírito Santo.
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Professora Dra. do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento, Programa de Pós-Graduação em Psicologia,
Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo.

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importância de intervenções psicossociais que criança como pelos profissionais do hospital para
minimizem a ansiedade, o medo e a angústia, tanto das lidarem com as adversidades da hospitalização.
crianças quanto dos familiares e profissionais de saúde A importância do brincar na situação hospitalar
frente aos procedimentos invasivos. Estudos ganhou relevância social principalmente a partir do
experimentais, como os de Redd e cols. (1987), Fegley trabalho do médico Patch Adams (1999), nos Estados
(1988) e Manne e cols. (1993), também abordam essa Unidos da América, cuja história pessoal foi
problemática. Nestes estudos, são experimentadas popularizada através de filme2.
técnicas como a distração e a busca de informações, Revendo a bibliografia nacional e internacional
para auxiliar a criança no enfrentamento de tais sobre a introdução do brincar na instituição hospitalar,
situações aversivas. verifica-se que esta temática vem ocupando um espaço
O câncer, por ser uma doença crônica, também significante no estudo da hospitalização infantil,
expõe a criança e seus familiares a outras situações trazendo questões relacionadas à sua importância no
estressantes, que se somam à possibilidade de processo de humanização hospitalar, tanto no exterior
internação. De acordo com Eiser (1992), a criança (Sherlock, 1988; Lindquist, 1993; Lindquist, 1996 e
com doença crônica, que necessita de visitas regulares Adams, 1998) como no Brasil (Chiattone, 1984;
ao hospital, pode encontrar dificuldades e obstáculos Duarte, Muller, Bruno & Duarte, 1987; Guimarães,
na sua vida social e familiar, como, por exemplo, a 1988; Pinheiro & Lopes, 1993; Saggese & Maciel,
restrição do convívio social, ausências escolares 1996; Masetti, 1997; Françani, Zilioli, Silva, Sant'Ana
freqüentes e aumento da angústia e tensão familiares. & Lima, 1998; Mello & cols., 1999 e Goulart &
Acrescenta-se a esse quadro a necessidade de se Morais, 2000). Entre estes trabalhos, verificam-se
adaptar aos novos horários, confiar em pessoas até particularidades no que se refere ao direcionamento
então desconhecidas, receber injeções e outros tipos que é dado ao brincar. No trabalho de Lindquist
de medicação, ter que permanecer em um quarto, ser (1993), por exemplo, o brinquedo é utilizado como
privada de atividades de brincar - situações estas que recurso capaz de proporcionar às crianças atividades
não faziam parte da vida da criança e que caracterizam estimulantes e divertidas, mas que tragam calma e
uma hospitalização. segurança.
Essas implicações da hospitalização descritas são O brinquedo também pode ser utilizado de forma
compartilhadas por outros autores, que relatam os específica, por meio do palhaço, com a função de
prejuízos trazidos por uma hospitalização prolongada alegrar o ambiente e amenizar as sensações
e a necessidade e possibilidade de se desenvolverem desagradáveis da hospitalização, humanizando o
trabalhos que promovam a humanização da instituição contexto hospitalar. Masetti (1997) conta a
hospitalar, como Chiattone (1984); Guimarães (1988); experiência positiva do grupo "Doutores da Alegria"
Barbosa, Fernandes e Serafim (1991); Zannon (1991); na tarefa de levar o palhaço até as crianças
Saggese e Maciel (1996); Mello, Goulart, Ew, Moreira hospitalizadas. Seguindo este mesmo caminho,
e Sperb (1999) e Ceccim e Fonseca (2000), em nível Françani e cols. (1998) relatam as transformações
nacional, e Siegel (1983) e Méndez, Ortigosa e diárias que a introdução de palhaços por meio da
Pedroche (1996) no exterior. "Companhia do Riso" trouxe ao contexto hospitalar,
Estudando o desenvolvimento psicológico da tornando-o mais descontraído.
criança, Zannon (1991) discute aspectos da Em seu trabalho sobre a utilização do brincar em
intervenção comportamental no ambiente hospitalar enfermaria pediátrica, Saggese e Maciel (1996)
em nosso país, com destaque para a despersonalização discutem a questão: “Brincar - recreação ou
(grifo da autora) dos pacientes, decorrente da cultura instrumento terapêutico?”, ressaltando que os
hospitalar, que pode ser caracterizada pelo programas hospitalares que utilizam a recreação visam
reforçamento (recompensa) de comportamentos geralmente à ocupação de tempo ocioso. Propõem,
deprimidos. Dessa forma, parece inevitável encontrar porém, que a atividade lúdica, nesse contexto, seja
no hospital crianças com depressão. É fundamental, olhada como instrumento terapêutico a serviço da
portanto, criar mecanismos para promover um intervenção médica.
ambiente que não reforce esses comportamentos e Em outros tipos de intervenção psicológica, a
ajude a criança a enfrentar as dificuldades da exemplo das técnicas de Modificação de
hospitalização e da doença. Comportamento, que utilizam estratégias para redução
Entre as possíveis estratégias utilizadas por
crianças para enfrentar condições estressantes 2
“Pach Adams- O amor é contagioso”, de Tom Shadyac,
encontra-se o brincar, recurso utilizado tanto pela Universal Pictures, 1998.

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do estresse induzido pela hospitalização, é possível relacionar esses dois fatores relevantes e atuais para a
identificar componentes lúdicos como estímulos para promoção do bem-estar e da qualidade de vida de
uma adaptação positiva. O “ensaio comportamental”, crianças com câncer, fazendo uma interação entre
por exemplo, consiste na oferta de materiais pesquisa básica e pesquisa aplicada, de forma a gerar
hospitalares de brinquedo para que a criança possa, ao resultados "(...) significativos do ponto de vista de sua
manipular o brinquedo, expressar seus temores e efetiva utilização no que diz respeito ao planejamento,
ansiedades frente aos instrumentos que serão implementação e avaliação de intervenções nos
utilizados com ela (Méndez e cols., 1996). Analisando diferentes domínios da Psicologia da Saúde", como
o estudo desses autores espanhóis, percebe-se que o proposto por Fávero (1992, p. 26).
caráter lúdico pode estar presente também nas técnicas Parte da pesquisa em questão encontra-se descrita
de imaginação/distração, quando a criança é solicitada neste artigo, cujos objetivos gerais são: a) identificar e
a imaginar e fantasiar uma história com um herói que avaliar, a partir do relato da própria criança, a
ela admire, para que este possa ajudá-la a enfrentar importância dada por ela ao brincar como estratégia de
com segurança a ansiedade provocada pela situação de enfrentamento; e b) caracterizar atividades lúdicas
hospitalização. (brincar) possíveis na situação hospitalar.
A inclusão de brincadeiras, visando ao
relaxamento da criança para a administração de
quimioterapia, foi sugerida por Löhr (1998) em seu MÉTODO
trabalho sobre a intervenção psicológica em crianças
com câncer em tratamento em dois hospitais de Participantes
Curitiba, PR. Nesse mesmo trabalho, a autora coloca a Participaram desta pesquisa 28 crianças (9
atividade lúdica como uma estratégia cognitivo- meninas e 19 meninos), com idade entre 6 e 12 anos
comportamental, por meio da qual a criança com (média de 9 anos), em tratamento no Serviço de Onco-
câncer pode obter um certo controle sobre a situação a Hematologia de um hospital infantil público, em
ser enfrentada. Fazendo referência à revisão realizada Vitória/ES. A Unidade de Onco-Hematologia desse
por Ellis e Spanos em 1994, Löhr (1998) afirma: “Para hospital é considerada referência no ES para o
realizar tal controle, uma gama de atividades podem tratamento das doenças neoplásicas e hematológicas
ser benéficas, dentre elas brincadeiras estruturadas, infantis, atendendo crianças, em sua maioria,
pintar desenhos, usar das técnicas de relaxamento, da provenientes de famílias carentes e naturais de todo o
distração, da construção de imagens indutoras de Estado, e também do Sul da Bahia e do Leste de
relaxamento e hipnose” (p.56). Minas Gerais, (Hospital Infantil Nossa Senhora da
Relatos de experiências de intervenção têm Glória, 1999).
mostrado também que a oportunidade de brincar no A escolaridade das crianças variou da pré-escola
hospital tem efeitos positivos (recrear, amenizar o até a 6a. série do Ensino Fundamental, com uma
sofrimento hospitalar, favorecer a comunicação e a concentração maior de crianças na 2a série (32,1%).
expressão dos sentimentos das crianças, entre outros) Em termos clínicos, 71,4% das crianças eram
sobre a criança hospitalizada com câncer ou outras portadoras de leucemia, estando em fase de
doenças (Oliveira & Guimarães, 1979; Sherlock, manutenção (64,3%), sem recidiva (85,7%).
1988; Lindquist, 1993; Saggese & Maciel, 1996;
Adams, 1998; Françani e cols., 1998; Mello e cols., Critérios para seleção da amostra
1999). A escolha dos pacientes do Serviço de Oncologia
Diante desses dados sobre os aspectos positivos como participantes desta pesquisa deveu-se ao fato de
trazidos pelo brincar em situação de hospitalização, é o tempo de internação hospitalar e o tratamento
possível pensar ou questionar sobre a possibilidade de ambulatorial serem mais prolongados, colocando a
o brincar se constituir em uma estratégia adequada criança em situação de risco para o seu
para o enfrentamento da hospitalização. desenvolvimento.
Considerando-se a constatação de Antoniazzi; A decisão pela faixa etária de 6 a 12 anos, por sua
Dell’Aglio e Bandeira (1998) sobre a necessidade de vez, atendia à necessidade da pesquisa de que a
mais pesquisas sobre as estratégias de enfrentamento criança tivesse compreensão e linguagem
no Brasil, decidiu-se realizar uma pesquisa abordando suficientemente desenvolvidas para participar das
de forma sistemática essas duas temáticas: as entrevistas e da aplicação do instrumento de avaliação.
estratégias de enfrentamento da hospitalização e o Considerando-se que, em média, ocorrem 10
brincar no contexto hospitalar. Procurou-se, assim, novos registros/mês, estimou-se inicialmente a

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necessidade de dois meses para a coleta de dados, o Procedimento


que não ocorreu, pois foram necessários três meses A pesquisa foi executada em 4 etapas: 1.
(junho a agosto/2000), porque em alguns casos não identificação dos participantes a partir do cadastro de
coincidia a presença da criança com a disponibilidade pacientes; 2. coleta de informações gerais para
de espaço para a realização da entrevista. caracterização das crianças, a partir de prontuários
médicos e de fichas sociais e do Serviço de Oncologia,
Material
por meio de entrevista com uma assistente social; 3.
Para a coleta de dados, foram utilizados como elaboração do instrumento de avaliação das estratégias
instrumentos: 1. ficha para registro de dados obtidos de enfrentamento (AEH); e 4. aplicação do
em prontuários médicos e fichas de dados sociais; 2. instrumento para a investigação das estratégias de
roteiro de entrevista sobre o Serviço de Oncologia; 3. enfrentamento da hospitalização da criança com
roteiro de entrevista com 5 perguntas abertas a serem câncer, que incluía o roteiro de entrevista com 5
feitas para a criança, sobre: a) suas estratégias de perguntas para a criança, cujas respostas foram
enfrentamento da hospitalização (pensamentos, gravadas, iniciando-se com uma pergunta aberta: “O
sentimentos e atitudes), b) o que gostaria de fazer no que você tem feito, pensado ou sentido durante o
hospital; e c) o brincar (definição do brincar, tempo que você fica no hospital?”.
preferência sobre o quê e com quem brincar no Para a aplicação das pranchas do AEH - Conjunto
hospital); e 4. um instrumento especialmente B: Brincar no Hospital – assim como foi feito no AEH
elaborado para a avaliação das estratégias de - Conjunto A, foram oferecidos à criança 5 pequenos
enfrentamento da hospitalização e para caracterização círculos de velcro, de tamanho e cores iguais, que
do brincar no hospital, a partir dos relatos das deveriam ser fixados no círculo preso ao caderno de
crianças, denominado AEH - Avaliação das respostas, segundo sua avaliação: a criança deveria
Estratégias de Enfrentamento da Hospitalização. Este fixar 1 círculo quando considerasse que gostaria de
instrumento é constituído por dois conjuntos: AEH - brincar com o que estava desenhado na prancha
Conjunto A: Enfrentamento da Hospitalização, com apenas às vezes; 2 círculos, no caso de quase sempre;
20 pranchas com desenhos de estratégias de 3 círculos, no caso de sempre; e 0 (nenhum) círculo
enfrentamento da hospitalização, incluindo o brincar para o caso de não ter vontade de brincar nunca com o
(Prancha A1); e AEH - Conjunto B: Brincar no que estava na figura, durante a sua hospitalização.
Hospital. Este último conjunto será descrito a seguir Após a escolha de cada prancha, a criança deveria
com maior detalhe, por ter permitido a coleta dos justificar sua resposta, sendo esses relatos gravados.
dados relatados neste artigo.
O AEH - Conjunto B: Brincar no Hospital - é
constituído de um caderno de desenho espiral com RESULTADOS
24 tipos de brincadeiras desenhadas em preto e
branco. Este Conjunto B permite investigar, de modo Inicialmente, convém relatar que, por meio da
mais específico, a importância atribuída ao brincar prancha A1 (Brincar) do AEH - Conjunto A:
pela criança no seu processo de enfrentamento da Enfrentamento da hospitalização (aplicado
hospitalização. Foi utilizada a classificação por previamente ao AEH - Conjunto B: Brincar no
grupo de brinquedos, proposta pelo Sistema Esar hospital), verificou-se que o brincar fazia parte do
(Garon, 1996), com o acréscimo de uma categoria repertório de estratégias de enfrentamento da
com atividades recreativas diversas (AD), que não hospitalização da maioria das crianças (92,9%). Esses
puderam ser classificadas por esse sistema. Assim, o dados foram estudados, então, de modo mais
AEH - Conjunto B: Brincar no Hospital - contempla detalhado, por meio de entrevista e com a aplicação do
os seguintes tipos de brincadeiras: (E) jogos de AEH - Conjunto B: Brincar no hospital, cujos dados
exercício (jogar bola e tocar instrumentos); (S) jogos serão agora apresentados em duas partes: 1. dados
simbólicos (fantoches, palhaço, desenhar e médico); obtidos pelo roteiro de entrevista; e 2. dados obtidos
(A) jogos de acoplagem (montagem, modelagem, com a aplicação das pranchas do AEH - Conjunto B.
recorte/colagem e quebra-cabeça); (R) jogos de
regras (baralho, minigame, dominó, bingo e dama); e Dados obtidos pelo Roteiro de Entrevista
(AD) atividades recreativas diversas (assistir TV, ler As respostas à pergunta inicial sobre o que tem
gibi, ouvir histórias, vários brinquedos e cantar e feito, pensado e sentido durante a hospitalização
dançar). mostraram que a atividade de brincar foi a mais citada

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(38,6%) pelas crianças, sendo seguida por descrições valorativas: geralmente caracterizadas por: é bom/é
da rotina da hospitalização (21%). ruim; eu gosto/eu não gosto; é legal/é chato.
Da mesma forma, diante da pergunta: O que você Verificou-se que as brincadeiras propostas nas
gostaria de fazer no hospital, novamente, o brincar foi pranchas do AEH - Conjunto B: Brincar no hospital -
citado pela maioria das crianças (78,6%). foram bem escolhidas pelas crianças estudadas,
Ao investigar como as crianças desta pesquisa destacando-se a freqüência de respostas sempre, que
definiam o brincar, verificou-se que 67,8% das atinge mais de 50% das escolhas. Quando se agrupam
crianças o fizeram a partir de sua função lúdica, as respostas às vezes, quase sempre e sempre -
considerando as conseqüências de divertimento, constituindo um grupo de respostas sim - obtêm-se
alegria e prazer: “(...) eu acho que brincar, assim, é 79,6% de respostas afirmativas às pranchas do AEH -
uma coisa divertida. A gente brincar para se distrair, Conjunto B: Brincar no hospital.
para se alegrar, quando está mais triste, mais para Esses dados parecem indicar que o brincar, de um
baixo. Eu acho que brincar é isso” (F, 12 anos). Foi modo geral, está presente nas pretensões da criança
freqüente entre as crianças (25%) definir o brincar de quando está hospitalizada. Ela quer brincar e parece
forma descritiva, relatando as brincadeiras e não selecionar muito o tipo de brincadeira que gostaria
brinquedos utilizados para brincar. de fazer. Isso pode acontecer seja por uma privação,
Em relação ao parceiro de brincadeiras desejado, em que o acesso ao brinquedo pode ser mais difícil
a maioria das crianças relatou que gostaria de brincar por restrições socioeconômicas, seja pela privação
com as próprias crianças que freqüentavam o hospital, comumente imposta no ambiente hospitalar em
justificando sua escolha pelo fato de “serem do mesmo relação ao brincar. Então, quando é permitido
tamanho”. escolher, mesmo que no papel, o que gostaria de
brincar, parece que há uma preocupação em não
Dados obtidos pelo AEH - Conjunto B: Brincar no desperdiçar possibilidades.
hospital Os resultados observados indicaram também que
O processamento das respostas das crianças às as pranchas sobre as atividades de recortar e colar
pranchas do AEH - Conjunto B: Brincar no hospital - (prancha B22) e cantar e dançar (prancha B23) foram
seguiu o seguinte esquema: 1. foram classificadas as únicas em que a resposta não sobressaiu, mesmo
inicialmente em: afirmativas e negativas; 2. as que discretamente.
escolhas foram, então, classificadas segundo o tipo Buscando conhecer as razões que levaram as
de brincadeira de acordo com o sistema de categorias crianças a recusar a atividade de recorte e colagem,
já descrito; 3. foi criado um conjunto de categorias verificou-se que conseqüências negativas são
para classificar as justificativas dadas pelas crianças relatadas pela maioria das crianças: "(...) não tem
para as escolhas feitas, conjunto este descrito a graça, não. (Q)3 A gente fica cortando no papel,
seguir: 1. Respostas explicativas: quando a criança colando... agarra cola na mão da gente... suja" (sexo
procurava se justificar por meio de exemplos ou masculino - M, 11 anos); da mesma forma, outros
experiências vividas com a brincadeira representada destacaram a possibilidade de se sujar e até mesmo de
nos desenhos; a partir desta categoria, foram se machucar como conseqüência negativa desta
elaboradas algumas subcategorias relacionadas ao: a) atividade. Por outro lado, as crianças que a escolheram
ambiente hospitalar: experiências vividas no não explicaram os motivos, ou seja, a criança escolhe
hospital e características do ambiente hospitalar; b) brincar porque é legal, bom, ou porque gosta.
contexto da brincadeira: características particulares Características das crianças, como ter vergonha,
ao contexto da brincadeira (brinquedos, ações, estão entre as justificativas para não cantar e dançar.
exemplos de brincadeiras); c) contexto familiar: a Este sentimento também foi indicado como uma
criança recorda suas experiências com a conseqüência negativa, ligada a aspectos afetivos ou
brincadeira; d) características da criança: emocionais da atividade de cantar: "Eu fico com
características pessoais, crenças, valores e regras da vergonha" (M, 6 anos).
criança; e) aspectos afetivos e emocionais: a criança Outras pranchas chamaram a atenção pelo índice
justifica a escolha ou a recusa da brincadeira, de recusa inferior a 10% das respostas. Foi o caso da
relatando sentimentos e sensações positivos e/ou prancha A4- Assistir TV e da prancha A19- Bingo.
negativos; f) conseqüências específicas: a criança
relata conseqüências positivas e/ou negativas 3
A letra “Q” entre parênteses e no meio das respostas dadas
específicas de determinada prancha para justificar
pelas crianças indica a presença de uma questão ou
seja a escolha seja a recusa; 2. Respostas intervenção da pesquisadora.

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Segundo dados obtidos por observação informal e do justificativas, verifica-se que as crianças que escolhem
relato da assistente social, essas duas atividades brincar com palhaço, o fazem devido tanto a fatores
parecem ser comuns no cotidiano dessas crianças. relacionados ao contexto da brincadeira quanto a
Analisando as razões que as levam a querer ver aspectos afetivos ou emocionais. Entre os aspectos do
televisão enquanto estão no hospital, verifica-se que contexto da brincadeira, destacam-se relatos
aspectos afetivos ou emocionais conseqüentes da referentes à vestimenta, à aparência física e às atitudes
atividade são usados para justificar a escolha da do palhaço, que, por si sós, atraem algumas crianças:
maioria. Entre esses aspectos afetivos ou emocionais, "(...) é legal brincar com o palhaço. (Q) Ele, fazendo
destacam-se os relatos em que a atividade de assistir suas careta, rindo... com essa roupa, com o sapato
TV é escolhida por sua função de distração, diversão e grande" (M, 8 anos). Entre os aspectos afetivos ou
bem-estar: (...) é bom você passar o tempo, você se emocionais relacionados à escolha desse tipo de
distrai, tem coisas interessantes que passam (...)" (M, atividade, destacam-se as sensações de alegria e
12 anos). felicidade, as gargalhadas, os sorrisos e a diversão
Analisando os motivos que levam as crianças a proporcionados pela interação com o palhaço: "(...) é a
escolherem com certa freqüência a prancha A19- alegria da criança. Criança fica com aquele sorriso no
Bingo, chama a atenção a concentração da maioria das rosto, aí, eu gosto" (F, 9 anos).
justificativas nas conseqüências positivas de se jogar As crianças que não escolheram esse tipo de
bingo. O bingo é escolhido, principalmente, pelas atividade deram justificativas relacionadas ao contexto
chances que se tem de ganhar algum prêmio: “(...) a da brincadeira. Viu-se que, enquanto para umas
gente fica querendo ganhar, a gente fica naquela crianças a caracterização do palhaço é suficiente para
ansiedade, querendo ganhar, porque ali, a gente 'tá despertar o interesse em brincar com ele, para outras,
ganhando um prêmio” (sexo feminino - F, 12 anos). acontece o contrário: "(...) Eu acho ele muito besta.
Assim, a motivação para participar do bingo, ganhar (Q) Aquela cara pintada" (M, 11 anos); respostas estas
um prêmio, parece ser acompanhada por sensações e dadas por crianças que tinham no mínimo 10 anos.
emoções positivas, que contribuíram para a escolha da Considerando-se, agora, os resultados obtidos nas
prancha. pranchas representativas de jogos de acoplagem ou de
Analisando, agora, as escolhas das crianças por construção (A), verificou-se que, com exceção da
tipos de brincadeiras, verificou-se que, em relação aos prancha B22- Recorte e colagem, as brincadeiras
jogos de exercício (E), tocar instrumentos (B13- foram bem escolhidas: montagem (B4- 89,2%),
85,7%) foi o mais escolhido, com justificativas modelagem (B20- 85,7%) e quebra-cabeça (B24-
relacionadas a ser divertido e facilitar a aprendizagem. 85,7%). As escolhas desses jogos foram justificadas
As escolhas e rejeições para jogar bola (B3- 71,4%) pelo contexto da brincadeira (o que pode ser montado
não foram justificadas de modo detalhado; sintetizadas ou modelado na atividade).
em relatos como: "Eu acho legal esse tipo de De modo geral, os jogos de regras (R) foram bem
brincadeira" (M, 8 anos); ou seja, deseja-se jogar bola escolhidos, principalmente pelo contexto da
porque é bom, é legal, porque se gosta, sem brincadeira caracterizado por ações e pelo clima de
especificar as sensações e/ou utilidades que a competição típicos de jogos dessa natureza: "(...) fica
brincadeira tem ou proporciona. querendo ganhar dos outros" (F, 12 anos). Esse
Entre os jogos simbólicos (S), desenhar (B9- contexto parece ser acompanhado de sensações de
89,2%) e brincar com palhaço (B8- 78,6%) foram as prazer e alegria: "(...) você se distrai com as cartas (...)
brincadeiras mais escolhidas. O contexto da você acaba se divertindo mais em ganhar o jogo (...)"
brincadeira justificou as respostas afirmativas nas (M, 12 anos). Além dessas justificativas baseadas em
pranchas B8- Palhaço, B9- Desenhar, B12- Médico e aspectos afetivos e emocionais, foram citadas outras,
B16- Fantoches. Provavelmente, os materiais (objetos relacionadas a experiências vividas no ambiente
coloridos e atraentes) e as possibilidades de uso hospitalar, no contexto familiar, além de
influenciaram as crianças a escolher tais atividades no características das crianças e conseqüências
hospital. específicas das brincadeiras.
Brincar com palhaço (prancha B8) foi a prancha Por fim, no subconjunto representativo de
relacionada a jogos simbólicos que obteve o segundo brincadeiras alternativas, inseridas na categoria
maior número de respostas afirmativas. Como esta Atividades Recreativas Diversas (AD), o contexto da
atividade é muito enfatizada nos hospitais (inclusive brincadeira mostrou-se relevante, principalmente para
nesse), havia uma expectativa especial em relação ao as escolhas das atividades de ouvir histórias (B10-
que a criança pensa sobre o assunto. Analisando as 89,3%) e brincar com brinquedos variados (B17-

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75%). “Lendo revistinha, divertindo-se e aprendendo de resultados referentes à “(...) oferta de experiências
mais" (M, 12 anos), foram as justificativas mais naturais, cotidianas, de interação organismo-ambiente,
relatadas pelas crianças na prancha B5- Ler gibi com ampliação e compensação de oportunidades,
(89,3%), juntamente com seus aspectos afetivos e dados o estado de fragilidade bio-psico-social, a
emocionais (divertir, distrair e sentir-se feliz), e, por história e o momento de restrições organísmicas e
fim, cantar e dançar (B23- 53,6%) tiveram suas poucas situacionais experimentadas pela criança
respostas afirmativas sem justificativas detalhadas. hospitalizada” (Zannon, 1991, p.131).
Diante disso, a proposta de um instrumento como
o AEH - Conjunto B: Brincar no Hospital, se
DISCUSSÃO aproxima dessas intervenções, ao menos em relação às
experiências lúdicas, no sentido de propor atividades
O presente relato faz parte de uma pesquisa mais recreativas mais familiares ao cotidiano e interesse da
ampla, em que o propósito foi identificar e avaliar a criança.
importância dada ao brincar pela criança com câncer, O material proposto não é apenas uma escala que
como estratégia de enfrentamento da hospitalização, mede valores numéricos do comportamento, uma vez
elaborando um instrumento com desenhos para a que usa o inquérito para aprofundar as respostas. Este
avaliação de suas estratégias de enfrentamento, com é um diferencial, juntamente com o estímulo do
ênfase nas possibilidades do brincar no contexto desenho para as perguntas a serem feitas para a
hospitalar. Foi possível, assim, caracterizar atividades criança, e também a forma de registro oferecida, que
lúdicas possíveis no hospital, tema específico do se assemelha a um jogo. Este caráter lúdico do
presente artigo. Procurou-se conhecer esse tema por material se mostrou capaz de envolver e motivar a
meio do relato da própria criança, uma vez que há participação da criança na entrevista.
pesquisas mostrando divergências entre a auto- Analisando os estressores típicos da
avaliação infantil e as percepções de familiares e da hospitalização e aqueles específicos do tratamento de
equipe médica que cuida da criança (Assumpção, câncer e que são associados ao hospital, destaca-se a
Kuczynski, Sprovieri & Aranha, 2000). exposição aos procedimentos médicos invasivos (Van
Em termos metodológicos, pode-se considerar que
Dongen-Melman & Sanders-Woudstra, 1986; Fegley,
a proposição de pranchas com desenhos ampliou as
1988; Bertazzi & Pandini, 1992; Manne, Bakeman,
possibilidades de expressão dos sentimentos,
Jacobsen & Redd, 1993; Costa Jr., 1999; Santos,
comportamentos e pensamentos das crianças com
2000; Chen e cols, 2000; Motta & Enumo, 2002).
câncer sobre a hospitalização. Essa ampliação pode
Diante disso, discute-se a importância do investimento
ser constatada frente à diferença de conteúdos obtidos
por meio das questões abertas e das questões em técnicas que visem a alterar estratégias de
intermediadas pelas pranchas. Estas últimas serviram enfrentamento negativas ou então a associá-las a
como potenciais facilitadores para a identificação e outras mais positivas. Caberia aqui a sugestão do uso
compreensão da importância do brincar para a criança de estratégias positivas, como o brincar, para o
com câncer hospitalizada, podendo assim fornecer enfrentamento do estresse em face dos procedimentos
subsídios para intervenções psicológicas e ações invasivos.
institucionais consistentes. Retoma-se aqui a discussão já colocada
Considerando-se a possível contribuição desta anteriormente em relação ao brincar como instrumento
pesquisa para as ações institucionais voltadas à de recreação e o brincar como recurso terapêutico
promoção de uma qualidade de vida adequada no (Sagesse & Maciel, 1996). Em ambos os casos, ele
ambiente hospitalar, o material proposto pode indicar pode caracterizar-se como estratégia de enfrentamento
alguns caminhos quando a criança relata não fazer uso adequada.
de estratégias positivas - como, por exemplo, brincar - Do ponto de vista da criança, o interesse e o uso
pela falta de recursos materiais e humanos fornecidos da brincadeira devem-se principalmente ao efeito
pelo hospital (Motta & Enumo, 2002). Neste caso, imediato que têm ao se divertir e se entreter. E a
intervenções no ambiente hospitalar com vistas à criança faz uso dele quando e porque o hospital
promoção do desenvolvimento psicológico da criança fornece recursos para tanto. Ao brincar no hospital, a
hospitalizada têm sido investigadas e, segundo estudo criança altera o ambiente em que se encontra,
feito por Zannon (1991) sobre a intervenção aproximando-o de sua realidade cotidiana, o que pode
comportamental no ambiente hospitalar, existe uma ter um efeito bastante positivo em relação a sua
perspectiva que busca melhorias na qualidade da hospitalização. Com isso, a própria atividade
experiência hospitalar de crianças, a partir da obtenção recreativa, livre e desinteressada, tem um efeito

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terapêutico, quando se considera terapêutico tudo deveriam ser empenhados por parte da instituição, no
aquilo que auxilie na promoção do bem-estar da sentido de organizar atividades recreativas que
criança. subsidiem o uso do brincar como uma estratégia de
Por outro lado, o brincar pode ter uma aplicação enfrentamento positiva. Entretanto, não parece haver
que é preferível chamar de técnica no lugar de ações institucionais estruturadas para este fim. De
terapêutica. Esta aplicação refere-se principalmente ao certa forma, ainda prevalece nas instituições um
seu uso junto à criança hospitalizada, como, por investimento maciço em ações voltadas para o
exemplo, para ajudá-la na compreensão e na tratamento medicamentoso. Sua atuação para além
adaptação mais adequada ao procedimento médico desse investimento caracteriza-se somente pelo
invasivo (Garcia, 1996) e como recurso para a técnica estabelecimento de parcerias com instituições não-
de imaginação/distração, utilizada para a adaptação de governamentais, que buscam atender a aspectos
crianças à hospitalização (Méndez e cols., 1996), entre relacionados à adaptação psicossocial ao tratamento,
outros já citados. utilizando a recreação. Esta parceria tem se mostrado
Essas duas possibilidades do brincar discutidas benéfica, especialmente no caso do hospital em
anteriormente remetem a uma questão de fundamental estudo.
importância, quando se analisam as estratégias de Como relatado anteriormente, algumas
enfrentamento mais adequadas para auxiliar a criança brincadeiras são escolhidas por razões bastante
na sua relação com o contexto hospitalar. A criança específicas da própria brincadeira. Não cabe aqui
tem em seu repertório comportamental formas de discuti-las uma a uma, porquanto isso estenderia o
enfrentar situações adversas particulares e, no caso da estudo a outras perspectivas. No entanto, uma
hospitalização, estas parecem atuar no sentido da brincadeira escolhida pela maioria das crianças
promoção de um ambiente mais familiar e menos hospitalizadas com câncer merece ser debatida. É o
ameaçador. Nesse sentido, uma intervenção que vise a caso da atividade recreativa com o palhaço no
inserir estratégias de enfrentamento mais eficazes deve hospital.
levar em conta o que já existe em seu repertório, no Os relatos de experiência sobre a presença do
sentido de estender e tornar significativa ou eficaz a palhaço no hospital têm mostrado o efeito positivo que
sua aplicação. este tipo de atividade exerce sobre o bem-estar da
As questões discutidas anteriormente, assim criança hospitalizada, desencadeando sorrisos e
como dados específicos sobre o brincar no contexto alegria (Masetti, 1997 e Françani e cols., 1998). De
hospitalar, mostraram que, para as crianças modo geral, as crianças respondem de maneira
hospitalizadas com câncer, brincar é considerado positiva às estimulações do palhaço. Nesta pesquisa, a
uma estratégia positiva para o enfrentamento da maioria delas pôde confirmar esta afirmação. Por
hospitalização. Essas crianças já brincam enquanto outro lado, relatos de algumas crianças levantam
estão hospitalizadas, e o fato de desejarem continuar questões sobre a intervenção do palhaço no ambiente
brincando demonstra os efeitos positivos que este hospitalar, no sentido de que existem variáveis, como
comportamento traz. Brincando, ela reproduz, no a idade e a experiência anterior com palhaços, que
espaço hospitalar, experiências cotidianas; e a podem influenciar a responsividade da criança a essa
própria preferência por brincar com crianças, atividade. Essa discussão não implica no
identificada neste trabalho, a aproxima ainda mais do questionamento da eficácia e das contribuições que
seu contexto familiar ou cotidiano. Esta preferência esse tipo de serviço, quando bem estruturado e
não descarta a importância do adulto, pois um supervisionado, tem trazido para o bem-estar da
recreador ou um familiar podem facilitar a criança hospitalizada; apenas alerta para que tais
aproximação das crianças. atividades sejam orientadas no sentido de respeitar a
Ao escolherem aquilo com o que gostariam de autonomia que a criança, mesmo hospitalizada, tem
brincar no hospital, as crianças identificaram razões para escolher quando e com o quê brincar,
específicas para suas respostas. Contudo, de modo respeitando-se o tempo que ela tem para sentir-se
geral, não apresentam muitas restrições aos tipos de familiarizada e confiante para interagir com o palhaço.
brincadeira, mostrando que o importante é brincar. De modo geral, os dados mostraram que brincar
Somente evidenciaram certa preocupação quanto ao constitui-se de fato em um recurso viável e adequado
fato de que determinada brincadeira, ao ser proposta para o enfrentamento da hospitalização e pode ser
muito freqüentemente, pode acabar enjoando. Denota- mais utilizado quando a criança encontra apoio nas
se aí um cuidado em não tornar a brincadeira uma ações institucionais que viabilizam e disponibilizam
atividade mecânica no hospital. Para tanto, esforços recursos humanos e materiais para este fim.

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Brincar e hospitalização infantil 27

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Endereço para correspondência: Alessandra Brunoro Motta, Rua Vicente de Oliveira, 13, Mata da Praia, CEP 29066-260,
Vitória-ES. E-mail: abmotta.vix@zaz.com.br

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