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I SIMPÓSIO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES

INTERNACIONAIS

O ACESSO A INFORMAÇÃO COMO POLÍTICA ESSENCIAL AO DIREITO A


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VERDADE EM PAÍSES EM REGIMES TRANSICIONAIS
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PASTRO, Tamara Claudia Coimbra

RESUMO

O presente trabalho busca compreender de que forma a garantia ao acesso de informação atua
como parte fundamental do chamado “Direito a Verdade” em sociedades que passaram por
regimes de exceção caracterizados por violações sistemáticas aos Direitos Humanos e quebra
do regime democrático. Dentro desse contexto, as Comissões da Verdade foram elevadas a
instituição principal para promover a reconciliação nacional através dos testemunhos, da
memória e da história dos países. São oito experiências no continente sul-americano de
constituição dessas instituições: Argentina (1983), Bolívia (2016), Brasil (2011), Chile (1990
e 2001), Equador (2007), Paraguai (2003), Peru (2001) e Uruguai (2000). Em cada um desses
países, dentro de suas especificidades, é possível encontrar leis que garantem o Acesso a
Informação. A partir disso, esse trabalho pretende analisar as relações entre a existência de
leis de acesso a informação, com a facilidade de realmente ter acesso a documentos de
períodos de exceção para pesquisa e manutenção da memória e da História e por fim, para a
própria atuação das Comissões que foram e são criadas com o objetivo central de averiguar e
manter a memória desses países e pessoas e também perceber a efetividade dessas ações para
a Justiça de Transição.

Palavras-chave: Comissões da Verdade, Acesso a Informação, Memória, Justiça de Transição.

EIXO TEMÁTICO: Instituições e Regimes Internacionais

RESUMO EXPANDIDO

INTRODUÇÃO

Os crimes contra a humanidade, em uma definição utilizada por Wellington Carneiro,


“são produtos da história e das contradições profundas de sociedade em conflito e, ainda que
implica na tomada de decisão de pessoas concretas, sua complexidade extrapola a estrita
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formalidade jurídica da “responsabilidade penal”.

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Esse trabalho está inserido no âmbito da pesquisa de mestrado “Comissões Nacionais da Verdade na América
do Sul: uma análise histórica e comparativa” desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia, sob orientação da professora Dra. Marrielle Maia Alves
Ferreira.
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia,
Mestre em História (UFU), Uberlândia, MG. E-mail: tahcoimbra@gmail.com
3
CARNEIRO, Wellington P. Crimes contra a humanidade – entre História e o Direito nas Relações
Internacionais: do holocausto aos nossos dias. Tese de Doutorado. Brasília: IREL-UnB. 2012. p. 23
A segunda metade do século XX foi marcada por “pequenos holocaustos”, no
chamado terceiro mundo, sendo que alguns países latino-americanos foram submetidos a
regimes de ditadura civis-militares, que trouxeram rompimento com a ordem social vigente e
dificultaram a implementação universal da democracia, usualmente sob o pretexto da proteção
contra o perigo socialista, além disso, em muitos, se não em todos, os regimes adotaram a
prática sistemática de tortura e desaparecimentos forçados sendo utilizados como ferramenta
de coerção do Estado contra civis.
Dessa forma, é possível perceber a necessidade de se estabelecer comissões que
buscassem confrontar e reparar esse passado. De acordo com Maia e Ramanzini:
As comissões da Verdade são mecanismos de investigação com mandato específico de investigação de situações
de violações sistemáticas de direitos humanos. Elas devem ser independentes,
imparciais, preservar os direitos dos acusados, vítimas e testemunhas, bem como ser
um mecanismo para a preservação de arquivos sobre as violações. O informe da
Comissão deve ser publicado como forma de garantir a memória do período
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analisado.

Nesse contexto, na América do Sul, foram criadas oito comissões, entre o período de
1974 a 2016, sendo dos seguintes países: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Paraguai,
Peru e Uruguai.
Dado as semelhanças que são possíveis elencar entre os regimes vividos e os processos
de redemocratização, sendo que esses não foram “vencidos”, muitas vezes, surgindo o
sentimento de impunidade, por conta das Leis de Anistia aprovados, é possível pensar
comparativamente essas comissões, tanto em suas origens como em suas ações, pensando
inclusive em como eles se reportam tanto no âmbito doméstico quanto a nível internacional,
principalmente em relação ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos e na necessidade
vital que elas possuem de acesso a informação.

JUSTIFICATIVA

Um dos pontos relevantes para a confrontação dos abusos cometidos contra os Direitos
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Humanos visando sua proteção é através do Direito a Verdade . Compreendido como o direito

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MAIA, Marrielle; RAMANZINI, Isabela G.G. O papel do Sistema Interamericano de Direitos Humanos na
Promoção da Justiça de Transição nos Estados Sulamericanos. In: ​Seminário interdisciplinar​: “O juízo, o
jurídico, o justo: racionalidades, organizações da justiça e elites na construção do Estado constitucional no
Brasil”. 2014.
5
O Direito a Verdade é bastante amplo e tem sido estudado e defendido por diferentes pesquisadores com base
nas experiências da Justiça de Transição. Para mais informações, cf.: SANTOS, Queila R. C. dos; BUCCI,
Alexandre. Direitos Humanos e breves notas a respeito do Direito à Memória e do Direito a Verdade. ​In: ​Direito
internacional dos direitos humanos [Recurso eletrônico on-line] organização. CONPEDI/UFS; Florianópolis:
do conhecimento, informação e divulgação da autoria e circunstâncias de atos tipificados
como crime. É possível estabelecer uma coerência as diretrizes internacionais de proteção aos
Direitos Humanos e acesso a Justiça e as políticas domésticas desses países, uma vez que elas
são criadas dentro do âmbito jurídico interno de cada um.
De acordo com Hayner, as comissões da verdade são instituições criadas para
investigar o passado de violações aos direitos humanos em um país particular - que pode
incluir ações perpetradas pelos militares ou outras forças governamentais ou forças armadas
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de oposição .

DIREITO A VERDADE E ACESSO A INFORMAÇÃO

Dessa forma, podemos perceber que o Direito a Verdade pode tanto partir do próprio
Estado quanto de sua sociedade civil. As Comissões da Verdade são instituições importantes
para o exercício do direito a verdade, reparação e memória. Sendo um recurso muito válido
para a justiça de transição, dos países que vivenciaram estados de exceção no continente
É preciso reafirmar, igualmente, a importância das instituições, uma vez que de acordo
com Lima, a justiça de transição “ainda não foi tratada de forma sistemática por nenhum
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regime democrático em processo de afirmação do continente” , além disso, segundo a autora,
citando Genro:
Na verdade, nenhum dos regimes de fato foi derrotado ou derrubado, por movimentos revolucionários
de caráter popular; logo os valores que sustentaram as ditaduras ainda são
aceitos como “razoáveis” para a época da guerra fria, e também face às
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barbáries também cometidas pela resistência de esquerda

É preciso pensar nas Comissões como instituições relevantes para a consolidação


democrática justamente por permitir escancarar esses valores e suas deturpações morais.
Buscando fazer com a sociedade perceba o quão bárbaro eles são, não sendo apenas uma
questão maquiavélica e maniqueísta de grupos de direita ​versus grupos de esquerda, ou seja,
pessoas a favor da intervenção militar e pessoas contra. Entretanto, adentrando em um nível

CONPEDI, 2015. OSMO, Carla. ​Direito à Verdade – origens da conceituação e suas condições teóricas de
possibilidade com base em reflexões de Hannah Arendt. Tese de Doutorado. Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo, 2014.
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HAYNER, Priscilla B. Fifteen Truth Commissions – 1974 to 1994: a comparative study. ​Human Rights
Quarterly​. The Johns Hopkins University Press. Vol. 16, No. 4 (No., 1994), pp. 598. Tradução livre de: “​Truth
commissions – official bodies set up to investigate a past period of human rights abuses or violations of
international humanitarian law – are being considered for a number of countries now in the midst of political
transition.​ ”
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LIMA, Jozely T. O que é a justiça de transição? In: ​Revista Projeção, Direito e Sociedade.​ Vol. 3, n. 2, p. 32.
8
​Idem.
mais profundo de pessoas torturando e assassinando outras de forma sistematizada e
sistemática em nome do Estado e de uma ordem.
No entanto, conforme a tabela a seguir é possível perceber que com uma única
exceção, as leis de acesso a informação são posteriores a publicação do informe final da
comissão:

Tabela 1: Quadro de Informações sobre as Comissões e Leis de Acesso a


Informação
País Comissão Publicação do Relatório Lei de Acesso à Ano
Informação
Argentina Comisión Nacional sobre 20 de setembro de Decreto 1172 2003
la Desaparición de 1984 Lei 27.275 2016
Personas (CONADEP)
Bolívia Comisión de la Verdad Não possui relatório, Decreto 2009
Comissão instituída em Supremo 0214
dezembro de 2016.
Brasil Comissão Nacional da 10 de dezembro de Lei 12.527 2011
Verdade (CNV) 2014
Chile Comisión Nacional de 8 de fevereiro de 1991 Lei 20.285 2009
Verdad y Reconciliación
(CNVR)
Equador La Comision de la Verdad Maio de 2010 Ley 24 2004
Paraguai Comisión de Verdad y 28 de agosto de 2008 Projeto de Lei 2013
Justicia Paraguay S-136271
Peru Comisión de la Verdad y 28 de agosto de 2003 Lei 27.806 2002
Reconciliación Perú
(CVR)
Uruguai Comisión para la Paz 10 de abril de 2003 Lei 18.831 2008

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Direitos Humanos tiveram ganhos significativos nos últimos anos tanto em matéria
de referencial jurisprudencial quanto de efetividade e implementação social, no entanto, ainda
é necessário que muito seja feito, principalmente considerando os países que vivem regimes
de exceção e que mantém essa memória muito viva, geralmente, com evocação nostálgica
desse período, numa necessidade de buscar um culpado externo pelos problemas gerais que os
infligem, fazendo com que a violência institucionalizada se torne uma alternativa atrativa.
As Comissões da Verdade encontraram bastante resistência em seu trabalho, não só
pela dificuldade do pesquisador lidar com um evento traumático por si só, mas também por
apresentar uma vulnerabilidade social e a necessidade de mudança e a efetivação da justiça de
transição, dessa forma, seu fim não está na entrega dos relatórios, mas vai muito além disso,
ao fazer recomendações para a sociedade. Muitas vezes, encontrando barreiras no acesso a
informação proposital, ou não.
O Direito a Verdade é essencial para essa discussão, uma vez que evidencia o que é
essa verdade buscada e almejada pelas sociedades e atores civis e que dialogue também com a
necessidade de preservação da memória e da história dos países. Sendo assim, buscou-se
relacionar essas instituições nacionais a partir de uma perspectiva histórica e comparada,
almejando as relações entre suas constituições e formas de efetivação do direito à justiça,
memória e verdade. E abordando também o papel que elas assumem a nível internacional a
partir do momento que seus relatórios são lançados e utilizados como documentos e que
servem para embasar questões judiciais como os casos levados à Corte Interamericana de
Direitos Humanos e como podem ser utilizadas para a manutenção da paz em sociedades que
vivenciaram conflitos, além de auxiliarem na efetivação dessas jovens democracias.

BIBLIOGRAFIA

CARNEIRO, Wellington P. Crimes contra a humanidade – entre História e o Direito nas


Relações Internacionais: do holocausto aos nossos dias. Tese de Doutorado. Brasília:
IREL-UnB. 2012.

HAYNER, Priscilla B. Fifteen Truth Commissions – 1974 to 1994: a comparative study.


Human Rights Quarterly​. The Johns Hopkins University Press. Vol. 16, No. 4 (No., 1994)

LIMA, Jozely T. O que é a justiça de transição? In: ​Revista Projeção, Direito e Sociedade.
Vol. 3, n. 2,

MAIA, Marrielle; RAMANZINI, Isabela G.G. O papel do Sistema Interamericano de Direitos


Humanos na Promoção da Justiça de Transição nos Estados Sulamericanos. In: ​Seminário
interdisciplinar​: “O juízo, o jurídico, o justo: racionalidades, organizações da justiça e elites
na construção do Estado constitucional no Brasil”. 2014.

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