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All content following this page was uploaded by Nariá Assis Ribeiro on 23 July 2020.
Sara Cohen
saracohen.ufrj@gmail.com
Resumo: Neste artigo, apresentamos o conceito de métrica incomum com pulso obscuro,
desenvolvido por Allen Winold para caracterizar o ritmo de determinado repertório da música do
século XX. Esse conceito integra uma série de cinco campos rítmicos que ilustram novas formas de
organização das durações em música. A ausência de sensação de pulsação é o grau máximo de
desconstrução da métrica da prática comum. Outros autores apontam essa mesma característica em
obras do século XX, como Howard Smither, Brian Simms, Sara Cohen e Salomea Gandelman.
Utilizamos como exemplificação dos campos de Winold algumas peças do repertório contemporâneo
brasileiro, de compositores como Marcos Lucas, Sérgio Roberto de Oliveira e Almeida Prado. Ao final,
realizamos uma pequena análise da peça Sem Título, de Gabriel Katona.
1Neste texto abordaremos apenas a caracterização que Winold faz em relação à camada métrica, não
abordaremos a camada dos padrões duracionais.
Anais do 15º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ (2020) – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 209
O conceito de métrica incomum com pulso obscuro
articula pulsos no nível da mínima, semínima e colcheia, ou seja, cada nível possui
uma velocidade diferente de pulso. São os agrupamentos de pulso que possibilitam
o estabelecimento da métrica. Na Figura 2, alguns elementos melódicos e
duracionais apontam para uma métrica binária: a nota sol é a mais grave do padrão
de acompanhamento, além de ser a que possui maior duração (Idem, ibidem).
Anais do 15º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ (2020) – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 210
O conceito de métrica incomum com pulso obscuro
Na peça Mot Pour Laura, do compositor Sérgio Roberto de Oliveira (2012; ver
Figura 3), a organização das colcheias, na parte da segunda flauta, em grupos de 2 +
2 + 3 e 2 + 3 + 2 sustenta-se por fatores melódicos (repetição das notas si-lá) e pelas
ligaduras de expressão. Nesse exemplo, a sensação de previsibilidade, regularidade
e consistência é grande, uma vez que a segunda flauta articula esse padrão idêntico
por 32 compassos seguidos. Por esse motivo, Winold considera o campo 1 muito
próximo à prática comum (1975, p. 220).
Do ponto de vista da escuta, o que se pode perceber nesses casos é que muitas
vezes a figura mínima está presente como organizadora das durações, uma pulsação
isócrona constante em um nível mais abaixo. No nível mais alto, entretanto, é
impossível prever como os agrupamentos serão formados, o que causa uma sensação
de perda de previsibilidade em relação ao campo anterior (Figura 4).
Figura 5 - Campo 3 - estrutura métrica incomum com agrupamentos de pulsos não sincrônicos.
Albion para flauta e oboé, c. 112-124 (LUCAS, 2013).
staccato e por estar dentro da ligadura escrita. Ao mesmo tempo, o oboísta articula
as colcheias de três em três. No nível da colcheia, a segunda nota do grupo de dois da
flauta coincidirá com a nota mais forte do grupo de três do oboé.
afirmar que todos os eventos rítmicos sonoros são ouvidos como uma
superfície gestaltiana projetada sobre um fundo de silêncio ou o próprio
tempo6 (WINOLD, 1975, p. 233).
Figura 7 - Tempo medido e tempo livre. Cartilha Rítmica (ALMEIDA PRADO, 2006, vol. II n. 32).
6 “When pulse is drastically obscured, the traditional dichotomy between a regulative background
of metric structure and a configurative foreground of durational patterns is no longer valid. In this
case it can be said that all of the sounding rhythmic events are heard as a foreground gestalt
projected against a background of silence or time itself”.
7 Optamos por manter a palavra beat como no original para não confundir com pulso (tradução de
pulse). Winold, diferentemente de Smither, utiliza o termo pulse em seus campos rítmicos. Cooper e
Meyer (1960) propõem uma diferenciação entre beat e pulse, na qual o beat é específico para tratar
de contextos métricos e pulse refere-se a qualquer sequência de estímulos regulares.
Anais do 15º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ (2020) – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 214
O conceito de métrica incomum com pulso obscuro
fuga de um beat claro, sem o qual a métrica não poderia existir (SIMMS,
1986, p. 95).8
8 “In late-nineteenth
and early-twentieth-century music, conventions of rhythmic organization were
increasingly disregarded. Perhaps the most radical innovation in rhythm of this time was the
suspension or outright avoidance of a clear beat, without which meter cannot exist”.
Anais do 15º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ (2020) – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 215
O conceito de métrica incomum com pulso obscuro
Figura 10 - Ausência de apoio na cabeça de tempo. Sem Título (KATONA, 2012, c. 40-42).
9 A polirritmia nesse trecho é tipificada por Cohen como n contra m, na qual ocorrem “diferentes
divisões simultâneas de uma mesma unidade” (COHEN, 2007, p. 72).
Anais do 15º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ (2020) – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 216
O conceito de métrica incomum com pulso obscuro
intensa faz com que nenhum padrão rítmico se estabeleça. O trecho, quase todo em
pp, tende a soar como um flageolet10 da flauta.
Em conversa informal com o compositor Gabriel Katona, obtivemos algumas
informações que sustentam a argumentação sobre o gradativo obscurecimento do
pulso. O processo de composição envolveu uma série de gravações de improvisos
feitos pelo próprio compositor ao piano. No contexto da improvisação é possível que
ritmos bastante complexos sejam articulados, uma vez que o intérprete não
necessariamente precisará basear as durações das notas em uma pulsação
subjacente. Por esse motivo, a música aleatória ou improvisada é um dos exemplos
de Winold para atingir o campo 5 – métrica incomum com pulso obscuro.
10Flageolet é um efeito obtido na flauta transversa que imita a sonoridade de um assobio. A flauta
alcança alturas além de seu registro normal; o som é suave, menos rico em harmônicos e mais instável,
ou seja, mais difícil de controlar e articular com precisão.
Anais do 15º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ (2020) – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 217
O conceito de métrica incomum com pulso obscuro
Referências
Anais do 15º Colóquio de Pesquisa do PPGM/UFRJ (2020) – Vol. 2 – Processos Criativos – p. 218