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Meu melhor amigo na época parecia que tinha saído do mundo dos espelhos.

O Edu, vulgo
Diabo Loiro, era inverso a mim em tudo. Nascera na noite e por lá mesmo aprendeu todas as
regras antes de se aventurar pelas ruas desgraçadas dessa cidade. Enquanto eu nasci sob o
forte sol do meio dia e queimava minhas mãos ao simples contato com qualquer coisa fora do
meu quarto de dormir.

Edu costumava entrar no meu quarto sem bater, sem chamar, de supetão sem eu chamar.
Apenas aparecia do nada como uma assombração. Não tinha o que fazer, ele era assim mesmo
e assim me acordou em algum momento da madrugada, puxando os dedos de meus pés que
estavam para fora da cama.

Acordei com seus grandes olhos verdes me observando e quando eu sentei na cama ele logo
disse sem eu perguntar: “levanta mano, tem uma festa pra gente ir”. — Festa? Mas que festa?
— Perguntei em resposta.

— Lá na boate do meu amigo. Lembra, que eu falei que ele deixa eu entrar de graça. Eu falei
pra ele que ia levar você hoje. — Sem deixar eu entender o que estava acontecendo ele jogou
em mim uma calça jeans e uma camisa limpa qualquer que ele achou no guarda roupa.

Entramos em seu chevetinho 94 arrancamos a toda pela avenida que cortava o estado ligando
a capital com a baixada. Não sei porque eu não sentia medo daquelas aventuras que ele me
levava. Só sei que nessa época eu estava tão derrotado que qualquer sentimento que não
fosse o não sentir estava valendo. Eu tinha desistido de tentar se o motorista da minha própria
vida e por coincidência o Diabo Loiro tinha acabado de tirar sua carteira de habilitação.

Mas mesmo com todo o niilismo tomando conta da filosofia de vida, senti medo quando ele
parou o carro numa rua deserta e saiu dizendo que já voltava. Olhando pelo retrovisor do
carro tive a impressão ver alguém correndo. Um vulto vermelho, apenas. Senti os pelos das
minhas costas arrepiarem. Olhei para o céu pela janela do passageiro, a lua se escondia entre
as nuvens. Um vento passou assobiando na noite negra e curiosa. Ouvi passos se aproximando
e meu corpo todo se tencionando e quando me virei era apenas Edu voltando da sua voltinha.

Jogou em meu colo uma garrafa pet de 2 litros com vinho de barril e copos de plástico. Sentou
no banco do motorista e ficou procurando algo no porta luvas do carro. Pegou um CD de
música, a capa dizia que era o melhor da Eurodance dos anos 80 incluindo o hit Self Control do
Raf. Achei que ele iria colocar o cd para tocar no rádio mas ele puxou um cone do nada e
derramou 4 carreiras na capa cortando com um cartão de banco velho.

Carai, mano. Foi buscar droga e me deixou aqui só. — Eu falei enquanto ele dava duas belas
cafungadas no cd. “Relaxa. É tudo nosso, a noite é nossa. ” Ele respondeu enquanto me
passava o cd e pegava o garrafão de vinho. Também dei duas cafungadas no prato enquanto
ele enchia os copos. O chevetinho saiu cantando pneu novamente na noite.

Pela janela do carro vejo as luzes em neon piscando o nome BOYTE CHIC. Estacionamos em
algum canto e fomos em direção ao segurança enorme que estava guardando a entrada. O Edu
falou alguma coisa com ele puxando uma intimidade que claramente ele não tinha. Disse o
nome do dono e o segurança foi lá dentro confirmar. Passados alguns minutos o segurança
volta e nos libera a entrada.

Ao entrar pelo ambiente escuro, logo fui arrebatado pelo cheiro forte de álcool e a batida
quente de funk proibidão tocando aos plenos pulmões a mesma batida que mudava apenas a
letra.
Segundos após sentarmos numa mesa Edu já foi logo abordado por um homem negro alto de
chapéu panamá vermelho. O homem parecia que tinha saído de dentro da noite tamanha sua
força magnetizadora. Seus olhos amarelos pareciam ouro bruto e seu rosto sério se
transformou um sorriso de perola quando viu Edu: “Diabo Louro! Que prazer ter você aqui!
Como anda seu pai? ” O homem perguntou.

— Ele tá muito bem. Disse que já terminou seu serviço. — Edu disse levantando da cadeira
vermelha.

— Ótimo! Amanhã mesmo mandarei Gabriel ir buscar.

— Ah esse aqui é aquele meu amigo que eu disse que iria gostar daqui.

— Ah sim, é aquele que é quase virgem mas tem uns talentos escondidos? — Jorginho disse
isso enquanto estendia a mão para mim e abria um sorriso acolhedor e misterioso.

— Ele não é virgem haha só um pouco tímido. Edu disse rindo também.

— Fique à vontade para perder essa timidez aqui com minhas meninas porque hoje é por
conta da casa! Amigo dos meus amigos é meu amigo! — Jorginho estalou os dedos e logo um
garçom colocou na mesa uma cerveja trincando e copos americanos. — Você fique a vontade
para andar em qualquer lugar da minha casa. Mi casa su casa — Jorginho disse em espanhol
macarrônico enquanto não tirava aquele sorriso da boca. Aquilo me assustou um pouco mas
antes que eu pudesse raciocinar o que aquele sorriso queria dizer suas palavras
interromperam meus pensamentos. — Agora nos de licença que eu preciso conversar com o
Diabo Louro sobre uns pormenores. E se liga: esse menino tem futuro só não sabemos qual
futuro será.

Os dois saíram e foram conversar em algum canto do salão enquanto eu bebericava a cerveja
geladinha olhando para o nada e pensando porque Edu, tinha me falado tanto desse lugar. Ele
deve me ver como um derrotado solitário mesmo. Eu não quero putas. Não mentira, talvez eu
queira sim. Só não sei como fazer. Eu sempre tive a impressão de que na escola da vida a
professora sempre preferiu o Edu enquanto me atormentava até eu abandonar o curso
sonhando em ser poeta.

Aquilo já estava ficando chato. Eu já estava no terceiro latão e o Edu tinha sumido da minha
vista. Aquele funk bate estaca tocando na escuridão do lugar semi vazio e aquele mormaço
quente com cheiro de cigarro estavam fazendo meu estomago embrulhar. Eu já ia me levantar
para ir embora quando vi saindo da escuridão dois saltos alto brancos brilhando roxamente
por causa da luz neon do salão de dança. Meus olhos foram lambendo aquelas pernas bem
torneadas e pretas como a noite e se deparou com um biquíni branco destacando a pele negra
que brilhava como estrelas no universo sem fim do meu mundo entediado. No seu cabelo
cacheado e volumoso um arco com duas orelhinhas de coelho branco.

A segui como se toda a verdade do universo estivesse contido naquela raba preta linda. Ela
olhava de lado tentando não virar a cabeça e me chamava com seu sorriso branco que brilhava
igual neon no meio das florescentes.

Tudo parecia lento como um sonho quando a vi descendo por uma escada ao chegar no limite
do corredor em que nos metemos. Entrou numa porta no fim da escada deixando apenas uma
fresta por onde me olhou pela última vez. Continuei a seguindo a minha intuição que agora
estava concentrada na ponta de minha cueca do flamengo.
Entrei pela porta ao fim da escada. Continuei descendo cabreiramente olhando o ambiente ao
redor, penumbroso, luz na escuridão. Já nem se ouvia o funk lá fora e aqui dentro tocava
apenas versões lentas e sampleadas de tudo que rolava nas ruas da vida real.

Numa cama gigantesca, sombras se embolavam como se fossem água do rio se encontrando
com as águas do mar num grande oceano de luxuria, gemidos e fluidos corporais. Senti meu
corpo todo tencionar excitando com a energia do lugar mas não ousava sair de onde estava. Eu
não sabia onde estava mas alguma coisa em meu corpo queria entrar naquele caldeirão de
lava quente que cozinhava as serpentes dos seres que ali regozijavam prazer e loucura.

Senti uma mão no meu ombro. Mãos negras, unhas vermelhas virei-me para seu rosto que já
não usava mais as orelhas de coelha. Ela sabia de tudo e enfiou sua língua quente dentro da
minha boca e eu também soube de tudo. Segurei sua raba com as mãos e levantei sua coxa
grossa segurando toda aquela sabedoria divina nos meus braços.

A cama vertical em que nós nos amassávamos era a parede quente ao pé da escada e minha
língua deslizava pelo seu pescoço suado rodando no bico dos peitos chocolate meio amargo.
Enquanto me deliciava naquele mundo estrelado senti o baque na porta que tinha entrado e
logo reconheci a voz que xingava e gritava de dor. Era meu amigo diabo loro com a cara toda
ensanguentada levando vários bica do segurança.

Seu cabelo dourado rolou escada abaixo caindo aos ao lado das minhas calças que já estavam
aos meus pés. Só tive tempo de subi-las rapidamente e agarrar meu irmão pelo pulso e sair
correndo o máximo que pude por entre as pessoas nuas que assustadas deixavam a gente
passar.

Estouramos a saída de emergência que tinha aos fundos daquele lugar e por algum motivo
divino loirinho tinha estacionado o carro ali próximo. Saímos correndo em direção ao
chevetinho 89 enquanto balas perdidas zumbiam em nossos ouvidos. Tudo foi tão louco que
eu nem lembro como entramos no carro, só lembro de ouvir o pneu cantando no asfalto e a
pista andar cada vez mais rápido a minha frente.

Uma 4x4 corria em nossa cola naquela avenida longa e o silencio da noite era cortado pelo
som das balas atrás de nós. Um tiro acertou o vidro de trás do chevete fazendo cacos se
espalharem pelo meu colo e pelo chão do veículo.

Quando aquela hylux enorme encostou ao nosso lado e eu vi o brilho das armas dos
seguranças em nossa direção eu sinceramente pensei que era nosso fim e já estava recitando
baixinho uma oração antiga que minha vó me ensinou quando vi o rosto do Diabo Loro. Ele
estava calmo como se aquele fosse só mais um dia comum em sua vida.

Na verdade, ele parecia até sorrir pelo canto da boca quando de repente ele falou: “se segura
aí mano” e jogou o carro com tudo na hylux que perdeu o controle e ficou um pouco para trás.

— Caralho, mano. Cê é loko! — Eu disse ainda me recompondo do baque que numa situação
normal deveria ter destruído nosso pequeno carro.

— Eu falei pra você se segurar. — ele disse rindo mas sua fisionomia logo mudou quando a luz
do farol do carro que nos perseguia passou pelo espelho retrovisor e fez seus olhos azuis
brilharem como um pedaço de céu no meio do inferno.

— Cara, bota o cinto. — Ele disse friamente enquanto virava entrava num bairro que era
cortado pelo rio Calombé. Entrou na rua do frigorifico e acelerou o máximo que pode com o
chevetinho enquanto a Hylux do Jorginho com seus seguranças corria atrás de nós dando tiros
quando conseguia se aproximar mais.

A rua do frigorifico dava para o rio da Avenida Calombé, eu quando vi que o carro estava
rápido demais para virar para um lado ou para o outro me segurei no banco do carona e
segurei a respiração quando senti o pneu pegando o meio fim e pulando por cima do rio. Gritei
em câmera lenta puuuutaaa meeerdaaaa enquanto caíamos no outro lado rio sem o Hylux
poder nos alcançar mais.

Na porta da minha casa, o chevete todo fudido destruído saindo fumaça da capota, um pneu
furado. Retrovisor não sei aonde, estava só o pó da rabiola aquele veículo velho. — Cara, que
porra-foi-essa? — Perguntei assim lentamente.

— Ihhh relaxa, a gente tá suave.

— Que relaxa o que? Eu perdi a foda da minha vida com uma preta espetacular, quase morri
de tiro ou de acidente de carro e você não quer me falar porque eu quase morri? Pode
soltando. Vai vai!

— Tá. Depois que eu deixei você lá, fomos para o escritório do Jorginho e a mulher dele tava
lá. Ele foi buscar um pó em outro lugar e quando ele voltou viu a mulher dele dando UMA
MAMADA GOSTOSA em mim shaushuahsuba kkkkkkkkkkkkk. Aí o cara ficou louco e eu tive
que correr.

— Porra, loirinho. Tanta mulher no mundo e tu vai logo pegar a do trafica bixo! E agora ele vai
atrás de você.

— Não vai, porque eu gravei a mamada haha veja só hasuhaus — Ele disse me mostrando a
cena que eu não queria ter visto. — Se ele vier pra cima de mim eu divulgo essa porra e ele vai
ficar com fama de corno manso.

— Tu é foda man

— E também ele tem negócios com meu pai e dinheiro pra esses caras é mais importante que
o chifre.

Entrei pra dentro de casa como se tivesse vivido umas dez vidas naquelas horas que se
passaram. Embora meu corpo ainda pulsava de medo e adrenalina eu ficava rindo quando
lembrava do motivo que fez a gente quase morrer. Eu queria as vezes viver assim no limite e
arriscar a vida por causa de mulher deve ser melhor que passar os dias pensando na morte da
bizerra num quarto mal ventilado. Mas eu não sou o diabo loiro e as mulheres simplesmente
não vão me boquetear como fazem por aquele par de olhos azuis. Talvez eu nem queira
também. Tudo tem um preço. O que eu queria mesmo era aquela coelha preta novamente.
Toquei uma pensando naquele sorriso branco e dormi quase imediatamente. A encontrei
novamente nos meus sonhos muitas outras vezes. Fizemos um pacto astral para nunca mais
sairmos daquele nosso sonho de prazer e luxuria, mas isso é história para outra hora.

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