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Telenovela e
Representação Social
Benedito Ruy Barbosa e a Representação do
Popular na Telenovela Renascer
9 Prefácio
13 Introdução
25 Construção Social da Representação do Popular nas Telenovelas
33 Como Pensar a Representação do Popular nas Telenovelas Brasileiras?
36 Empresários Morais
38 Peritos Realizadores de Telenovelas
48 Profissionais da Produção Simbólica
54 Campo da Telenovela: uma proposta de análise
64 Representações do Popular nas Telenovelas: Principais Hipóteses de Trabalho
75 Representação do Popular nas Telenovelas
79 Melodrama
87 Melodrama e o Romance-folhetim
102 Romance-folhetim e Telenovela
111 Campo da Telenovela
116 O Estado na Formação e Regulação do Campo
129 O Mercado na Formação e Regulação do Campo
143 Os Telespectadores na Formação e Regulação do Campo
155 Campo Artístico e as “Regras da Arte” na História de Produção das Telenovelas
Brasileiras
171 Emissoras e Realizadores Disputam no Campo a Representação Realista do
Popular
180 O Realismo nas Telenovelas e a Consagração de Benedito Ruy Barbosa
197 Benedito Ruy Barbosa, Empresário Moral de Questões Sociais Representa o Popular
203 Personagens Populares de Benedito Ruy Barbosa
212 O Companheiro de Jornada, Luiz Fernando Carvalho, e a Representação do
Popular em Renascer
227 O Popular em Cena na Telenovela Renascer
234 Renascer Coloca em Primeiro Plano o Poder, a Família e o Trabalho
238 Primeiro Capítulo
245 Trabalho e Cultura Inundam Passagens
247 O Amor, a Ascensão Social e a Tragédia da Modernidade
251 Teca, as Crianças de Rua e a Família
257 Tião Galinha, o Trabalho e a Pobreza
265 Considerações Finais
273 Bibliografia
9
Prefácio
Introdução
6 A forte presença do popular nesse horário não supõe sua ausência nos demais. Vale
lembrar, por exemplo, telenovelas como Que rei sou eu? (1989), de Cassiano Gabus
Mendes e Deus nos acuda (1993), de Sílvio de Abreu, no horário das 19:00h; e Barriga
de aluguel (1991), de Glória Perez e Sinhá moça (1986), de Benedito Ruy Barbosa, no
horário das 18:00h.
Introdução 17
5 Das muitas críticas que Bourdieu tem recebido, merecem destaque aquelas que
reclamam do enfoque centralizado na reprodução. Martín-Barbero diz que Bourdieu
elaborou um dos modelos teóricos mais abertos, complexos e menos mecânicos para
compreender a relação das práticas com as estruturas. Todavia, ele sentia falta de
uma análise da produção das inovações e transformações (1987, p. 92). Também
Canclini (1987, p. 34) seguia por essa via e afirmava: “Bourdieu no examina como los
habitus pueden variar según el proyeto reproductor o transformador de diferentes
clases y grupos. (...) De cualquier modo, su aporte nos permite precisar en qué condiciones
socioculturales opera el conflicto politico entre lo hegemônico y lo subalterno. Permite
situar la potencialidad transformadora de las clases populares en los límites que le
pone la lógica de los hábitos y del consumo, esse consenso interior que la reproducción
social establece en la cotidianeidad de los sujetos.”
30 Telenovela e Representação Social
9 Lauro César Muniz lembra que no Brasil a telenovela é escrita durante sua exibição,
permitindo, por isso, interferências de todo tipo (L. C. Muniz, em Mesa-redonda,
ECA/USP, 1998). Ver também Pallottini (1998).
Construção Social da Representação do Popular nas Telenovelas 35
Deve ser retido, dessa análise feita por Canclini, que no bojo
do processo de modernização e urbanização acentuadas se de-
senvolveu um modernismo cada vez mais mesclado com a ex-
pansão do mercado, da indústria cultural e com um debate
sobre a identidade nacional. Nesse contexto, forma-se um con-
junto de profissionais, especialmente os mais ligados aos movi-
mentos culturais e aos grupos de esquerda, dispostos a enfren-
tar os desafios colocados pelo projeto de “socializar a arte, co-
municar as inovações do pensamento a públicos majoritários,
com o intuito de fazê-los participar da cultura hegemônica” (p.
83). Mais do que isso, não se furtaram em desenvolver as práti-
cas artísticas de produção e consumo mais adequadas às ques-
tões postas por um Brasil que se modernizava.
O depoimento de Dias Gomes é exemplar. Ele conta que
fazia “parte de uma geração de dramaturgos que levantou
entre os anos 50 e 60 a bandeira quixotesca de um teatro po-
lítico e popular. Esse teatro esbarrou numa contradição bási-
ca: era um teatro dirigido a uma platéia popular, mas visto
unicamente por uma platéia de elite. De repente a televisão
ofereceu-me essa platéia popular.”10 Oferta que não obteve
recusa. Dias Gomes passou a ocupar posições de destaque
nessa nova prática, tornado-se um dos principais defensores,
criadores e renovadores de uma teledramaturgia genuinamen-
te brasileira.
Isso tudo leva a crer que formular representações sociais
do popular nas telenovelas estaria associado aos debates tra-
vados no campo artístico e político sobre a questão nacional,
onde se conferia aos realizadores de programas massivos um
importante papel na conformação da idéia de homem brasi-
leiro (Kehl, 1979). Uma função que pretendia ser regulada
pelo Estado e, de algum modo, pelos grupos do campo artísti-
co que o ser nacional e popular conferia prestígio e reconheci-
mento (Ortiz, 1988 e Ortiz et al, 1989).
Observações e referências teóricas a partir das quais os
formuladores de telenovelas serão compreendidos como em-
presários morais, peritos e profissionais da produção simbóli-
10 Entrevista com Dias Gomes, Opinião, 26 de fevereiro a 4 de março de 1973, p. 19,
citado por Ortiz (1988, p. 180).
36 Telenovela e Representação Social
Empresários Morais
A idéia de empresários morais é sugerida por Featherstone e
faz juz a essa função de construção de representações sociais
coletivas conformadoras do sentimento de communitas, de um
consenso moral capaz de gerar, em meio a uma sociedade
complexa e bastante diferenciada, o sentimento de valores
comuns compartilhados, um ideário unificador, capaz de trans-
por as diferenças, divisões e exclusões sociais. O interessante
dessa acepção é que não se pressupõe a existência da efetiva
integração. Com efeito, seriam sentimentos e experiências ali-
mentadas por momentos liminares que criariam a sensação
de integração (os exemplos podem ir da coroação que recria a
monarquia às olimpíadas que recriam os traços nacionais e
mundiais). Se não existe a possibilidade de uma efetiva inte-
gração nacional, seria importante considerar a constante for-
mulação de representações sociais que possam favorecer os
momentos e as experiências emocionais propiciadoras de uma
comunidade imaginada. Assim sendo, são de extrema impor-
tância os profissionais que exercem essa função – os empre-
sários do consenso moral.
Essas reflexões levam a supor que as representações soci-
ais do popular colaboram na construção de um ideário nacio-
nal, onde as noções de povo e de homem brasileiro fornecem
experiências emocionais e reflexivas que podem anular as dis-
tâncias sociais, construindo a experiência comum e compar-
tilhável de nação e de povo brasileiro. Os empresários morais,
participando do processo de construção e desconstrução des-
sas representações, teriam condições de fazer existir o que
Featherstone chama de cultura comum. Para efetivá-la, lan-
çam mão de representações passadas, traçando continuida-
des e descontinuidades com o presente, ao mesmo tempo, que
as transformam em valores que poderiam orientar práticas
Construção Social da Representação do Popular nas Telenovelas 37
literário), sem precisar desconsiderar os lugares de lutas que guardam apostas espe-
cíficas e perseguem poderes e prestígios absolutamente particulares (Bourdieu, 1988).
26 Vale lembrar que “a posição ocupada no espaço social, isto é, na estrutura de
distribuição de diferentes tipos de capital, que também são armas, comanda as repre-
sentações desse espaço e as tomadas de posição nas lutas para conservá-lo ou
transformá-lo”. (...) O espaço social engloba o agente como um ponto, “mas esse
ponto é um ponto de vista, princípio de uma visão assumida a partir de um ponto
situado no espaço social, de uma perspectiva definida em sua forma e em seu conteú-
do pela posição objetiva a partir da qual é assumida. O espaço social é a realidade
primeira e última já que comanda até as representações que os agentes sociais podem
ter dele” (p. 27).
56 Telenovela e Representação Social
Representação do Popular
nas Telenovelas
2 Aqui não se fará uma análise dessas influências na história de produção das teleno-
velas de Benedito Ruy Barbosa e Luiz Fernando Carvalho, apenas pressuporá a exis-
tência das mesmas. Esse pressuposto permitirá construir alguns vetores de análise que
relacionam a história das principais formas narrativas das telenovelas com as repre-
sentações do popular, o que se estará chamando de relações entre os espaços de
possíveis do campo e os modos de representar o popular. O que permitirá, então, fazer
uma análise dos modos de representar o popular na telenovela de Benedito Ruy
Barbosa – Renascer (ver o quinto capítulo).
3 Escritora de telenovela que durante muitos anos compôs a equipe de Aguinaldo
Silva (TV Globo). Naquele momento era contratada da TV Plus, escrevendo telenove-
la como autora responsável para a TV Bandeirantes.
78 Telenovela e Representação Social
Melodrama
A primeira proposição que salta aos olhos quando se lê sobre
o melodrama refere-se à sua origem e destino populares. Data
dos idos de 1790, sendo identificado com os espetáculos de
teatro popular encenados principalmente na França e na In-
glaterra. O melodrama representaria formas e modos popula-
res de expressão ligados “à revolução francesa: a transforma-
80 Telenovela e Representação Social
Melodrama e o Romance-folhetim
O folhetim nasce por volta de 1830, no bojo do desenvolvi-
mento das tecnologias ligadas aos sistemas de impressão. Ele
designa um lugar preciso do jornal: o rodapé. Quando sur-
giu na França, era um espaço vazio destinado ao entreteni-
mento, a uma espécie de vale tudo das formas e modalida-
des de diversão escrita. Com o advento da revolução jornalís-
tica, associada à ousadia criativa de editores como Emile de
Girardin (La Presse), esse espaço transforma-se em impor-
tante atração para as vendas dos jornais, favorecendo o sur-
gimento do folhetim ficcional e serial. Sua consolidação, em
1836, estabelecerá o consumidor das histórias fundadas a
partir da fórmula do “continua amanhã”. Será pelos idos de
18409 que se consolidará também um importante parceiro
desse consumidor – o romance-folhetim (pois nem todos os
folhetins podem ser nomeados dessa forma), e suas fortes
interfaces com o melodrama e o drama romântico, que por
sua vez, têm a ver com a “forma romanesca que precede o
folhetim em termos de popularidade: o chamado romance
negro” (Meyer, 1996, p. 57-60).
A penetração expressiva do romance-folhetim, pós 1840,
gerou uma nova definição para o gênero. Desde então ele passa
a ser designado tanto em função do seu modo de publicação,
quanto em função da sua estrutura, a qual passou a contar
com “exigências próprias de cortes de capítulo, de fragmentos
que não destruíssem a impressão de continuidade e totalida-
de”. Marcas que, segundo Meyer influenciaram todos os ro-
mances, a ponto de se verificar que estavam muito presentes
até mesmo no campo literário brasileiro (p. 63).
Além da influência da estrutura narrativa do romance-
folhetim nos escritores brasileiros, seria possível observar se-
9 Meyer (1996) lembra que já em 1838 foi publicado o primeiro romance-folhetim
traduzido do Francês.
88 Telenovela e Representação Social
10 O fait divers, esclarece Meyer (1996, p. 98), era a “notícia extraordinária, transmi-
tida em forma romanceada, num registro melodramático, que vai fazer concorrência
ao folhetim e muitas vezes suplantá-lo nas tiragens”.
Representação do Popular nas Telenovelas 93
Romance-folhetim e Telenovela
Meyer, ciente das particularidades de cada um deles, afirma
ser o folhetim um dos fundamentos da telenovela, sugerindo
que ela seria sua tradução atualizada. Aponta, ainda, que os
Representação do Popular nas Telenovelas 103
Campo da Telenovela
1 Isso não quer dizer que o governo de Getúlio não tivesse tido interesse em estruturar
um sistema nacional e estatal de radiodifusão, recorda Ortiz. O fato é que inteligen-
temente, frente às condições econômicas e políticas da época, o governo optou pelo
apoio às empresas culturais, regulamentando a publicidade do rádio e utilizando-o
como veículo publicitário (Ortiz, 1988).
Campo da Telenovela 117
11 Florisbal dizia que isso se sucederia devido aos preços mais baratos dos televisores,
atingidos em função do desenvolvimento tecnológico aliado a abertura da economia
brasileira.
132 Telenovela e Representação Social
12 A televisão brasileira, quando faz a opção de construir sua economia sobre “os
ombros confortáveis da telenovela”, estaria, segundo Ramos e Ortiz (1989, p. 113),
seguindo uma tendência internacional.
Campo da Telenovela 133
17 Dias Gomes considera que a terceira fase das telenovelas no Brasil, os anos 80,
mostram um impasse, já que não ocorreu uma transformação temática ou formal na
fórmula que se estruturou na década anterior (klagsbrunn e Rezende, 1991). Lauro
César também aponta que o panorama atual (Folha de S. Paulo, 28/9/1980) das
telenovelas mostra temas repetitivos, empobrecimento no tratamento das histórias,
dos conflitos, apresentando soluções semelhantes. Afirma que quando principia a
abertura política, momento em que as produções começam a respirar mais tranqüilas,
as emissoras retrocedem e caem nos temas superficiais e de consumo fácil.
Campo da Telenovela 139
40 Remake de telenovela escrita em 1971 por Janete Clair, exibida no horário das
18:00h em 1996.
Campo da Telenovela 153
42 Vale a pena lembrar as recentes estratégias do SBT, que não só criou dois horários
para exibição da mesma novela, como manteve a exibição de novelas venezuelanas e
mexicanas e ampliou o sistema de produção das suas próprias.
Campo da Telenovela 155
50 Regis Cardoso lembra que nessa época a TV Paulista também realizava o teledrama
Três Leões, e Álvaro Moia buscava “fazer o nosso teatro parecer mais um filme, mais
cinema. Tanto que tudo era bem ensaiado, muito bem planejado, todos os takes, coisa
que a Tupi já fazia de uma maneira mais industrial” (depoimento em Klagsbrunn e
Rezende, 1991, p. 128).
164 Telenovela e Representação Social
4 “Para não haver dúvidas de que os duques, arquiduques e barões das novelas ante-
riores estavam enterrados, Janete transformou seu galã num piloto de Fórmula 1.
Com Emerson Fittipaldi iniciando sua carreira européia, não podia haver nada mais
moderno na ficção da TV. Pela primeira vez, também, utilizava-se uma trilha sonora
especialmente para a novela. Quando os personagens pobres apareciam no vídeo,
ouvia-se Gente Humilde, de Vinícius de Moraes, Chico Buarque e Garoto. A entrada
da personagem abilolada de Betty Faria era anunciada pela canção Irene de Caetano
Veloso. O mundo de corredores secretos, masmorras, calabouços, galeões espanhóis
de Glória Magadan foi substituído por imagens de um Rio de Janeiro luminoso, casas
de campo em Petrópolis, autódromos movimentados. Hoje isso tudo pode parecer
banal. Mas em 1969 era moderníssimo” (Xexéo, 1996, p. 71).
176 Telenovela e Representação Social
5 Tramas, temas e dramas dicotômicos mais freqüentes nas telenovelas desse primeiro
período foram: a doméstica numa relação amorosa com o patrão milionário, o
relacionamento conturbado entre a mãe e a filha que desconhecia a verdadeira
maternidade, a mulher misteriosa que, num jogo de dupla personalidade, se faz freira
durante o dia e dançarina cigana durante a noite, a mulher má com cara de anjo que
flerta com homem casado, bebês trocados com duelo de culpa e vingança, a paterni-
dade desconhecida, uma pluralidade de assuntos que circulariam pelo amor, o dever
à família, numa rede de polarização entre o bem e o mal, ricos e pobres, justos e
injustos, felicidade e tristeza (Ramos e Borelli, 1989).
178 Telenovela e Representação Social
7 Nesse mesmo ano, seria bom lembrar, a TV Globo, bastante atenta às disputas
concorrenciais, incentivou as telenovelas realistas e permitiu, no horário das 20:00h,
as criações de Janete Clair. Véu de Noiva (1969), a primeira delas, de acordo com
Xexéo (p. 72), foi aquele sucesso que teria dado a partida para a emissora conquistar
nos anos seguintes a liderança de audiência no país.
8 Beto Rockefeller foi, também, um importante resultado das batalhas travadas pelos
realizadores em prol de telenovelas mais criativas, inovadoras e representativas da
realidade brasileira. Um dos mais expressivos mentores desse projeto foi Cassiano
Gabus Mendes, um dos importantes homens da televisão brasileira, que com 23 anos
assumia a direção da primeira emissora de TV do País, a TV Tupi de São Paulo.
Responsável por trabalhos como a TV de Vanguarda (1967), Beto Rockefeller (1968)
e mais tarde, nos anos 80, como escritor na TV Globo, da telenovela Que rei sou eu?,
um dos marcos da comédia política do gênero (Walter Durst, FSP, 21.8.1993; Ramos
e Borelli, 1989 e Klagsbrunn e Rezende, 1991).
180 Telenovela e Representação Social
13 Além disso, o tom de crítica social estende-se também para os outros horários.
192 Telenovela e Representação Social
14 Esta seria uma tendência presente no próprio campo, onde as emissoras concorren-
tes, como a Manchete e a Bandeirantes, buscaram assumir uma orientação da pro-
gramação bastante próxima dessa. A SBT desenvolveu uma estratégia diversa, ado-
tando telenovelas mexicanas e venezuelanas, que em princípio, negariam a aborda-
gem realista – isso sem antes tentar com Brasileiros e Brasileiras de Avancini, uma
versão frustrada do gênero que não tinha ricos, só pobres – mas não sem antes
convidar os telespectadores para que depois de assistirem a telenovela das 20:00h da
Globo, dessem a preferência para a deles, que seria exibida em seguida.
194 Telenovela e Representação Social
15 “Tenho consciência [que a novela pode contribuir para a luta pela reforma agrá-
ria]. Aliás, foi a nossa única preocupação quando estávamos começando a escrever a
novela, com a sinopse já pronta. Falei com a direção da Globo que eu queria abordar
esse tema da reforma agrária há muitos anos. Não queria mais fazer a história do Tião
Galinha que se enforcava. Dessa vez a intenção era aprofundar-me no tema. Em
nenhum momento a Globo deixou-me inibido “não faça isso nem aquilo. E fui sentindo
a repercussão e me cuidando. Eu tenho absoluta certeza que levei o público a entender
a reforma agrária” (Roda Viva, TVE, 1997).
Emissoras e Realizadores Disputam no Campo a Representação Realista do Popular 197
17 “Nasci e fui criado num ambiente de classe média (até a morte de meu pai, em Vera
Cruz, os ricos eram só os fazendeiros). Os comerciantes também estavam bem de vida.
Os jornais ... era uma luta para fazer. A tipografia de meu pai era a única da região.
Ele tinha um ganho razoável que nos permitia viver bem. Conseguiu comprar um
rádio enorme, que era símbolo de status” (entrevista Souza, 28.9.1998).
18 Benedito Ruy Barbosa ganhou, ainda bem jovem, o segundo lugar no concurso
para revisor do Jornal O Estado de S. Paulo (Jornal do Brasil, 29.4.1990).
19 Xexéo (1996) não deixaria de apontar essa dimensão em Janete Clair e Dias
Gomes, assim como Ortiz (1988) já dizia da atração que a indústria cultural em
expansão exercia sobre os jovens de pouco capital econômico e cultural.
Emissoras e Realizadores Disputam no Campo a Representação Realista do Popular 199
to, o que deve ser feito, mas a partir de princípios que conde-
nam práticas autoritárias, misóginas e preconceituosas.
Por estar mexendo com os Sem-terra, sempre andei
na corda bamba, tentando conduzir a trama sem
criar atritos. (...) Mas acho que a novela já cumpriu
a sua missão: pregou a mensagem de paz no campo
ao mesmo tempo em que mostrou que o problema é
grave e tem de ser resolvido (TV Folha – 26.1.1997).
Pode-se afirmar que uma das principais características das
telenovelas de Benedito Ruy Barbosa tem sido a ênfase na
questão do poder: das práticas do Estado e de instituições so-
ciais, como a Igreja, a Escola, os partidos e a família, até a
expressão das redes de dominação presentes na intimidade e
no relacionamento amoroso.
Essa característica do escritor tende a trazer a questão do
poder e da representação social do popular para o primeiro
plano da telenovela, sempre que as regras de funcionamento
do gênero assim o permitam22. Observa-se em suas obras uma
preocupação constante em construir personagens populares
a partir dos problemas da sociedade brasileira, não só para
estabelecer denúncias (o caso da bandeira vermelha 23, do des-
caso do governo diante da praga da vassoura de bruxa e o
problema da educação no país em Renascer), como também
para apontar soluções (a defesa da dimensão técnica da re-
22 O termo primeiro plano visa a frisar o lugar secundário que, em geral, se tem dado
aos indivíduos e grupos que representam a pobreza nesse gênero. O depoimento de
Tony Ramos, um dos atores do núcleo de pobres da telenovela Torre de babel (1998,
TV Globo, Sílvio de Abreu), ilustra bem essa tendência: “Já trabalhei em 35 novelas.
A vida inteira fiz novelas com as pessoas dizendo “Ah! Já sei, o mocinho vai ajudar a
pôr o bandido na cadeia e ficar com a mocinha. Não tem realidade. Parece novela
mexicana! Agora está lá o ferro-velho sujo e purgando realidade e todo mundo diz
que é chato! (Super TV/Jornal do Brasil, 21.6.1998, p. 9)”
23 Na entrevista que deu ao Roda Viva (TVE, 24.2.1997), perguntaram sobre a
polêmica criada pela questão da bandeira vermelha, já que ele dizia apoiar o Movi-
mento dos Sem-Terra. Barbosa respondeu: “Uma coisa nada tinha ver com a outra. A
bandeira vermelha sugerida era a de foice e martelo e não à dos Sem-Terra.(...) O que
tem a foice e o martelo a ver com esse movimento? O comunismo acabou e a gente
tem que pensar de outra forma. (...) O assunto da reforma agrária tem que ser
tratado tecnicamente. Ideologicamente não tem mais lugar. Você não pode misturar
ideologia com reforma agrária.”
202 Telenovela e Representação Social
verdadeiro. Mauro Mendonça Filho, Emílio di Biase e Carlos Araújo são co-diretores
sensíveis, sem falar de toda a equipe que lutou junto comigo para que o conceito
original da novela não se desgastasse tanto. Não fiz nada sozinho” (Revista da TV –
Jornal do Brasil, 13.11.1993).
30 “Eu trabalho na TV Globo. Tenho orgulho de trabalhar na TV Globo porque acho
que...não dá prá falar mal do lado de fora. Tem que ir lá e chacoalhar. Se você tem a
oportunidade de gravar uma cena, faça-a da forma que você acredita. Se você tem
que escalar, vá prá ‘pqp’ do interior mineiro e ache o Jackson Antunes. E tem que lutar
pelo nome do cara, pois vão te dizer que fulano de tal vende mais revista. O retorno vai
ser muito maior se o personagem for identificado com o ator. Tenho 34 anos, mas não
sou da nova geração. Vocês são os diretores e atrizes que mexerão com o que deve ser
feito” (Terminou assim sua fala no Seminário sobre televisão-ECO/UFRJ, 24.10.1994,
sendo imediatamente ovacionado pelos alunos de comunicação da UFRJ/RJ).
Emissoras e Realizadores Disputam no Campo a Representação Realista do Popular 217
31 Jacy Campos, depois de uma breve experiência de formação nos EUA, volta com a
novidade: usar só uma câmera em movimento, ao invés de três. Mudança importante
em termos de linguagem. Criou o “Camera Um”, trabalhando com teleteatro. Depois
ele foi saindo do estúdio, chegando às primeiras externas. Filmava em circos quando
a história assim o exigia, por exemplo. “Câmera Um” deixaria sua marca na busca de
uma linguagem própria para a televisão, inovando no tratamento cênico, brincando
com o telespectador ao lidar com a câmera e os seus limites, uma câmera que, muitas
vezes, narrava sem cortes (Klagsbrunn e Rezende, 1991, p. 43).
Emissoras e Realizadores Disputam no Campo a Representação Realista do Popular 219
32 Novas pesquisas são necessárias para examinar os aspectos que poderiam ser
aferidos a partir desse debate para se pensar a história das formas de expressão
audiovisuais das telenovelas e as relações ali estabelecidas com os critérios de reco-
nhecimento e consagração tanto do gênero quanto dos realizadores.
33 Renascer foi considerada a “novela que deixa nova marca na televisão brasileira”
Um dos grandes responsáveis é o diretor Luiz Fernando Carvalho, que acrescentou ao
esquema industrial um estilo que intervém criativamente no texto, criando um produ-
to de alta qualidade. Os primeiros quatro capítulos de Renascer foram considerados
os melhores da TV Brasileira (Revista da TV, Jornal do Brasil,13.11.1993).
34 O jornalista Hugo Sukman pergunta a Carvalho: “por que se diz que quando a TV
tem qualidade é cinematográfica e, quando é ruim é TV mesmo?” Ele responde: “há
uma tendência geral em diminuir a televisão e sou completamente contra isso. As
pessoas costumam fazer a comparação: é cinema, é bom, mesmo que não seja; é
televisão, é ruim, mesmo que seja bom. A narrativa cinematográfica é totalmente
diferente da televisão, não lida com tantos diálogos, tantos planos fechados” (Jornal
do Brasil, cad. B, 12.5.1995).
35 Interessante a fala em que distingue sua obra da de Monjardim, o diretor conside-
rado pela crítica como um inovador estético nas telenovelas por intermédio de Panta-
nal. Marcia Penna Firme pergunta se Pantanal, que estreou uma forma anticonvencional
de fazer TV, influenciou Renascer. Luiz Fernando responde: “Acho que Pantanal, nos
seus melhores capítulos, imprimiu uma estética contemplativa. Renascer, em seus
220 Telenovela e Representação Social
38 Walter Carvalho foi incisivo defensor das diferenças entre as formas de expressão
cinematográficas e televisivas, ilustrando essas diferenças a partir das cores e tons que
se pode alcançar em um e outro meio. Não cansava de reclamar da forma equivocada
de elogiar a televisão a partir da expressão “igual ao cinema” (Seminário na Cândido
Mendes, 1994).
Emissoras e Realizadores Disputam no Campo a Representação Realista do Popular 223
6 Eixo que já havia sido observado nos melodramas e romances-folhetins. Ver capítulo 2.
7 1980 é atravessado pelas telenovelas: Gigantes, Água viva, Coração alado. A primei-
ra se passa numa cidade do interior marcada pelos conflitos entre a industrialização
proposta pelas multinacionais e aquela proposta pelo capital nacional. Água viva,
que explora o urbano, como todas as telenovelas de Gilberto Braga, retoma astensões
urbano/rural, moderno/tradicional a partir dos conflitos entre os personagens que
vivem no coração do urbano – a zona sul carioca – e a sua periferia, o subúrbio.
Janete Clair, em Coração alado, usa o urbano para contar histórias sobre os migrantes,
suas trajetórias de sucesso e fracassos nas grandes cidades.
O Popular em Cena na Telenovela Renascer 231
8 Símbolo da saga familiar, pois para poder morrer em paz, o filho rejeitado deveria
desenterrá-lo e oferecê-lo ao pai, selando assim o perdão e a benção para o filho que
iniciaria ali um novo ciclo.
236 Telenovela e Representação Social
Primeiro Capítulo
Uma breve descrição do primeiro capítulo objetiva trazer as
principais características dos personagens e situações da tra-
ma e os modos de narrar e representar o popular ao longo de
toda a telenovela. Os primeiros 20 capítulos expressam, em
geral, a “cara da telenovela” (Pallotini, 1996) e o estilo de seu
diretor geral. Nesse momento, ainda se pode trabalhar em um
ritmo menos intenso. Além disso, as características de fabri-
cação desse produto exigem que se forme uma trilha básica
por onde os outros diretores da equipe possam seguir. Algu-
mas ocasiões poderão ser melhor cuidadas, com uma quali-
dade dramática diferente, mas apenas algumas. Luiz Fernando
Carvalho tem uma expressão interessante frente a essa ur-
gência que se instala: “Na TV, a esteira vai passando, cada um
bota sua peça e o produto final fica acéfalo. O que me interes-
sa é que o trabalho tenha alguma coisa de mim, porque se
tiver 20% que seja, vai ter 20% de quem estiver assistindo”
(Revista de Domingo – Jornal do Brasil, 27.6.1993).
Para evitar a elaboração de um produto comercial
“acéfalo”, Carvalho apóia-se na idéia do “conceito”. A teleno-
vela deve ser formulada a partir de um projeto estético narra-
tivo mais amplo, para que ela possa ser minimamente prote-
gida das muitas encruzilhadas que podem retirá-la do prumo.
Barbosa a cuidar das bases da história e da carpintaria do
texto de modo a garantir a integridade da narrativa9 e Carva-
9 Barbosa é categórico quando afirma que nada e ninguém têm poder sobre o seu
texto. Na espinha dorsal de sua história não se mexe.
O Popular em Cena na Telenovela Renascer 239
10 “Tudo que é meu eu fui buscar. Aprendi a viver e caminhar entre os bons e maus, e
me guardar. Fico me remoendo, com meus remendos, para me lembrar, que lá vem
desavenças e eu tenho que enfrentar. Isso que me alimenta, que me sustenta, me faz
amar. Nesses confins de mundo, nada vai me assustar”. Ivan Lins cantando o ‘grito de
guerra’ do Coronel Inocêncio.
O Popular em Cena na Telenovela Renascer 241
11 Barbosa contou que quando esteve na região de Renascer, em 1971, viu umas
lavadeiras cantando, parou o carro e “fiquei feito besta!” Quando voltou no local com
Carvalho, comentou que, na Bahia, nesses rios, as mulheres costumam lavar as roupas
– na tábua, como se fala – e elas cantavam... “Se achasse isso.... Quando o Luiz
Fernando começou a gravar ligou-me para contar que as lavadeiras estavam lá, “pode
escrever!” e eu fui atrás. Elas ficaram famosas... ficaram tão felizes – Meu Deus do
Céu! A vida delas mudou. Largavam o marido lá e não queriam saber de acordar
quatro horas da manhã para fazer comida ... “Faço mais isso não! Eu ganho 500 mil
réis quando venho aqui. Vou para a roça, ganho 50. Eles que se matem lá...” (entrevis-
ta Souza, 28/9/98).
12 “A ficção sai em busca da brasilidade e abandona os velhos estereótipos”. Título de
artigo da Revista da TV (Jornal do Brasil, 6/3/93) que descreve os procedimentos
adotados pela equipe de realizadores de Renascer para a representação da festa do
boi. O bumba meu boi foi realizado por um mestre local chamado Aureliano. Sob sua
foto lia-se: o grupo não é uma ficção mas uma tradição da Bahia. O depoimento da
responsável pelas pesquisas, que ‘dissecou o Brasil’ para mostrar ao brasileiro o chão
que ele pisa, evidenciava esse cuidado com a representação do popular. Dizia que
“nunca se consegue colocar na tela a cultura popular na sua verdadeira forma, mas é
possível, através da TV, despertar cada brasileiro e mostrar que o interior do Brasil não
se reduz à caipira de trancinhas.”
13 As lavadeiras, seu trabalho e suas canções, retornaram várias vezes, seja como no
caso do banho de Maria Santa, onde a lavadeira divide a cena com a protagonista,
seja quando elas se tornam protagonistas, de segundos para minutos na telinha,
narrando a própria história.
246 Telenovela e Representação Social
19 “Vou fazer uma brincadeira com o padre Lívio, o barbudo que substituirá o padre
Santo em Renascer. A barba é o símbolo do Partido dos Trabalhadores. Um símbolo
antigo. Eu sou originalmente petista, mas acho que o partido perdeu seus rumos.
Quero colocar uns cacoetes no personagem. Aquela barba, o jeito de falar, as expres-
sões típicas. Eu tenho a impressão de que no PT são todos papagaios. Apesar dos
chavões, o padre Lívio é bem intencionado” (Jornal do Brasil – Cad. B, 11.4.1993).
258 Telenovela e Representação Social
Considerações Finais
Bibliografia
Quadro 1: continua...
Quadro 1: continua...
Adaptação do original de
1976 O Feijão e o Sonho Gl obo (18:00)
Orígenes Lessa
A Sombra dos Novel a de Veriato Corrêa
Gl obo (18:00)
Laranjais Adaptação
1977/ 8
Sítio do Pica Pau Reformul a, a pedido de Boni,
Gl obo (18:00)
Amarel o 12 capítul os da série
Adaptação do original de
1979 Cabocl a Gl obo (18:00) Ribeiro Couto Prêmio da
APCA de mel hor novel a
Bandeirantes
1980 Pé de Vento
(19:00)
Quadro 2: continuação