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Recado dado,
Boa leitura!
Sara Fidélis.
CAPÍTULO 01
CAPÍTULO 02
CAPÍTULO 03
CAPÍTULO 04
CAPÍTULO 05
CAPÍTULO 06
CAPÍTULO 07
CAPÍTULO 08
CAPÍTULO 09
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
EPÍLOGO
LIVRO DE RECEITAS DA ROBIN
AGRADECIMENTOS
NOTAS DA AUTORA
Cordilhéus - MG
O sonho era bom.
Seja lá com o que estava
sonhando, sei que era bom porque não
acordei com a sensação sufocante do
choro e a tristeza esmagando meu peito.
Acontece algumas vezes.
Hoje, não. Na verdade, é bem
provável que eu perdesse a hora, já que
meu celular não despertou — maravilha.
Mas tenho um pequeno despertador
humano, que nesse momento desfere,
sem muito cuidado, cutucões seguidos
em meu rosto.
Os dedinhos gorduchos
encontram minha narina e abro os olhos,
assustada.
— Mamãe... Acoda, mamãe.
— Hum... — Me viro, tentando
fugir do alcance de suas mãozinhas.
— Acoda, acoda, acoda,
acooooooda, mãe.
Coloco o travesseiro sobre a
cabeça, minha última tentativa de dormir
uns minutos a mais. Óbvio que nada
adianta quando está determinado. Ele
sobe na cama e parece ter tomado como
missão descobrir meu rosto.
— Mããããe... Tá na hora de
acodar, dorminhoca.
Eu sorrio, reconhecendo as
mesmas palavras que costumo usar todas
as manhãs para arrancá-lo da cama e,
por fim, desisto do sono e descubro o
rosto. Me sento e encontro dois olhinhos
verdes me encarando.
— Bom dia, Minduim! — Ele
sorri diante do apelido que lhe dei logo
que descobrimos sua alergia a
amendoim, quando ele tinha apenas dois
anos.
— Quero o cereal do erefante
mãe, eu não alcanço.
Claro que ele não alcança.
Coloquei propositalmente na prateleira
mais alta do armário na cozinha, do
contrário Bernardo comeria tudo de uma
vez.
Fito a carinha dele, os olhos
praticamente implorando, o pijama de
leãozinho com direito a touca com juba
e tudo, e não resisto. Como sempre.
Levanto-me e alongo os braços,
antes de calçar as pantufas ao lado da
cama e seguir até a cozinha.
Começo a preparar o cereal
enquanto vejo Bernardo se pendurando
na banqueta até conseguir subir. Ele tem
quatro anos, mas ainda é bem pequeno,
apesar de muito esperto.
— Hoje eu vou pa escola?
Ergo os olhos para ele outra vez.
— Minduim, você está de férias.
A mamãe já explicou que vamos nos
mudar de cidade por causa do trabalho
da mamãe e para ficar perto da vovó.
Você vai pra uma escola nova, assim que
as férias acabarem.
Vejo que os olhinhos dele se
acendem. Bernardo é apaixonado pela
minha avó.
Desde que minha vida mudou há
quase cinco anos atrás, me vi sozinha,
sem pai ou mãe, sem Derek, grávida e
em luto, então eu e minha avó nos
aproximamos muito e moramos juntas
por algum tempo.
Mas a idade avançada e a morte
de seu filho cobraram um preço na
mente fragilizada dela. Quando as
confusões e os esquecimentos
começaram, percebemos logo e ela
mesma decidiu se mudar para uma casa
de repouso.
Não era o que eu ou Bernardo
queríamos, mas infelizmente a
alternativa não existia. Eu não podia
deixar de trabalhar para cuidar dela,
porque preciso sustentar meu filho, vovó
não podia ficar mais sozinha e dinheiro
para cuidadores simplesmente não
existia.
Dessa forma, a casa de repouso
veio a calhar. Ela se mudou para uma
cidade vizinha e Bernardo e eu ficamos
sozinhos.
Desde então, deixo meu filho na
escola todos os dias em período integral
e trabalho como atendente em uma
joalheria no shopping.
Por sorte — não posso dizer que
achei ruim — a empresa está em
constante expansão, e com a abertura de
uma filial em Lagos fui transferida para
lá. O que é bom, não temos mais
ninguém aqui e poderemos ficar perto da
vovó Rute.
O pensamento me faz lembrar
que há outra pessoa que mora em Lagos.
Alguém que prefiro não reencontrar.
— Hein, mãe???
Só então percebo que me perdi e
não ouvi o que disse.
— O que perguntou, Bê? —
questiono, colocando a tigela de cereal
com leite na sua frente.
— Vovó Rute disse que minha
outa avó mora lá. Vou conhecer ela?
Ela, a outa avó, já tentou uma
reaproximação milhares de vezes,
ligações, mensagens e aparições
esporádicas no meu trabalho. Todas
ignoradas.
Minha mãe nos deixou e vive em
Lagos. A atitude dela resultou no
incidente com meu pai e impediu que
meu filho conhecesse o seu. Minha vida
mudou completamente em cinco minutos.
Todos os projetos da moça
recém formada deixaram de existir,
meus planos foram moldados outra vez,
porque de repente só o que importava
era o bebê que carregava em meu ventre.
Tudo mudou por uma decisão egoísta da
parte dela e por isso mesmo, evitei a
todo custo que soubesse da existência do
neto.
— Não, querido. Vovó Rute não
devia ter falado disso com você, ela
sabe que não vai acontecer. Além disso,
você já tem duas avós e um avô, pra que
precisa de mais? — falo, me referindo
aos pais do Derek, que apesar de
morarem em outro estado, vez ou outra
aparecem para ver o neto.
Bernardo apenas dá de ombros
enquanto enche uma colherada e coloca
na boca. Graças a Deus, ele ainda não
consegue entender muito bem tudo isso e
dá pouca importância.
— Você vai ficar na Mari, tá
bom? A mamãe te pega depois do
trabalho. Come tudinho aí enquanto eu
vou me vestir.
Deixo-o comendo e caminho na
direção do quarto, mais irritada que dez
minutos antes. Odeio ter que falar na
minha mãe.
Abro o guarda-roupas e tento me
decidir entre um vestido cinza, largo e
longo ou um conjunto social preto.
Sempre me visto com seriedade e com o
máximo de discrição possível para não
atrair atenção, na verdade, os óculos
enormes que uso e o coque preso são
minhas ferramentas usuais para afastar
qualquer interessado.
Quando tudo aconteceu e eu tive
alta do hospital, fui morar com minha
avó, que me acolheu naquele momento
tão difícil. Ela também sofreu muito e
nós nos demos apoio em meio à
tragédia. A casa em que morava com
meu pai não era nossa e, apesar de muito
trabalhador, não nos deixou nada além
de alguns trocados no banco, que
ajudaram muito quando precisei
comprar as coisas para um bebê
totalmente inesperado.
Perdi muita coisa naqueles dias.
A mãe — porque, infelizmente para
todos nós, eu a culparia sempre por tudo
que veio depois da sua partida — e os
dois homens que eu amava. Algo assim,
tão doloroso, faz com que algumas
mudanças sejam necessárias.
Eu tenho alguns colegas no
trabalho, mas não falo sobre o passado e
com certeza não me envolvi
emocionalmente com mais ninguém
depois do Derek. Não é algo que eu
queira pra mim e pro Bernardo, estamos
bem sozinhos e prefiro que as coisas
continuem assim.
Não estou pronta para mudar
isso e já tenho meus vinte e sete anos.
Sendo bem honesta, acho que nunca vou
estar.
Lagos - MG
— Perfeito! Com certeza, vou
ficar com esse apartamento. Se eu puder
alugar o cômodo embaixo também,
claro.
A corretora abre um sorriso
contente e eu torço para que não precise
chamá-la pelo nome, mesmo porque não
consigo me lembrar qual é.
— Claro, senhor Duarte!
Tento soar gentil e não aparentar
irritação.
— Eu prefiro que me chame de
Dominic, apenas.
O sorriso da mulher aumenta.
Olhando direito, ela até é bem bonita
quando sorri.
Claro que pensa que estou dando
intimidade por algum motivo qualquer;
ninguém entende que eu simplesmente
não quero que me associem ao meu pai.
Não no momento, quando ele parece
rejeitar todas as minhas escolhas, se não
houverem antes sido escolhidas por ele
mesmo.
— Claro, Dominic. Então quer
alugar o apartamento e o cômodo
comercial. O que pretende abrir ali?
A moça se aproxima um pouco e
pelo brilho nos olhos dela, sei que suas
intenções não são muito profissionais.
— Estou transferindo meu
consultório particular pra cá. Vou
trabalhar em uma clínica, atendendo
como psicólogo, mas quero também
manter um lugar para atender fora de
hora, quando necessário.
— Certo... — A mulher corre os
olhos pela grande sala vazia. — Se
preferir, temos outro apartamento nesse
prédio, um pouco menor. Dois quartos...
— Mas não com essa vista,
tenho certeza. Prefiro ficar com esse.
— A vista aqui é mesmo
fantástica... — A voz dela adquire um
tom rouco, sedutor.
Retribuo seu olhar com menos
ânimo do que deveria. Eu realmente me
referia a vista das janelas, do alto da
cobertura posso ver toda a cidade de
Lagos e, mesmo que seja um município
pequeno, ainda assim é uma visão
incrível. Amo esse lugar.
Quando ela percebe que não
respondi seu comentário, prossegue
retornando ao modo profissional.
Ótimo. Não estou no clima.
Aguentar minha madrasta ao telefone,
dizendo pela décima vez que preciso me
reconciliar com meu pai, me tira o
apetite. Inclusive o sexual.
— Bom, costumamos alugar esse
local para estudantes justamente pela
quantidade de quartos, eles gostam de
dividir o aluguel. Mas se o senhor o
prefere, por mim, ótimo.
Me volto para a corretora
pensando no que acabou de dizer.
— Sabe, não seria má ideia
dividir o aluguel com um amigo. Mesmo
porque vou ter que arcar com o contrato
do cômodo também.
A moça aquiesce concordando,
apesar de não conseguir disfarçar o
olhar intrigado que me direciona. E é
bem óbvio o porquê.
Sabendo quem eu sou, ou mais
precisamente quem é meu pai, fica
difícil acreditar que eu teria motivos
para cogitar a possibilidade de dividir o
aluguel ou que tenha dificuldades em
arcar com os dois imóveis. Mas a
verdade é bem diferente do que era um
tempo atrás.
Como alguém com influência
política e com investimentos nos mais
variados tipos de negócios, era natural
que meu pai desejasse que seu legado
fosse transferido um dia para o herdeiro
de tudo aquilo que ele almejou e
alcançou.
O problema é que convivendo de
perto com aquele jogo de interesses de
todo mundo a sua volta e as outras fontes
de renda dele durante minha vida toda,
soube que não era pra mim e mais tarde
descobri o que queria fazer. Seu
Henrique, meu pai, não aprovou minha
decisão pela psicologia e, em uma
atitude no mínimo insensata, decidiu que
não apoiaria mais meus planos e nem
mesmo os financiaria, ao menos não até
que eu voltasse à realidade, em suas
palavras, e retornasse para os negócios
da família.
Isso não aconteceu. Cursei
psicologia fora da cidade, contando
minhas moedas, e estudei muito para
chegar onde estou hoje. Trabalhei algum
tempo na própria universidade, onde
adquiri alguma experiência.
Agora, retorno à Lagos com
pouco dinheiro, que vou investir nos
móveis que faltam para a casa e o
consultório, e no aluguel. Mas até que eu
receba meu primeiro pagamento na
clínica, alguém com quem dividir as
contas viria a calhar.
Os meus rendimentos serão bons
e pretendo atender alguns pacientes
particulares, de modo que logo vou
conseguir equilibrar minhas finanças, e
o melhor, sozinho, por mérito próprio.
Além disso, sempre posso vender meu
carro se precisar.
— E então? Podemos assinar o
contrato? — pergunto ansioso. —
Pretendo me mudar ainda essa semana
se tudo der certo.
— Claro, vou cuidar dos papéis
necessários para o contrato. Pode me
procurar amanhã mesmo com seus
documentos para assinar e pegar as
chaves, precisa também transferir para o
proprietário o depósito.
Deixamos o prédio e sigo em
direção ao hotel em que estou
hospedado até a mudança, gastando o
que não devia para não ter que encarar
minha complicada relação pai e filho e
ficar com minha família até arrumar um
lugar definitivo.
Me decido por um banho rápido,
antes de poder me jogar na cama e
dormir algumas horas. Entro no chuveiro
e deixo que a água quente escorra por
meu corpo enquanto penso na
possibilidade de realmente dividir o
apartamento. Mas com quem? A maioria
dos meus amigos acabou se mudando e
com os outros perdi o contato
totalmente.
O vidro do box já está embaçado
e ainda não pensei em uma opção
viável. Acho que não existe. Não dá pra
colocar um anúncio nas redes sociais
procurando um colega de quarto. Eu não
sou um adolescente de mudança pra
faculdade.
Quando fecho o chuveiro e saio
do banho, pego o celular para ver se
tenho alguma chamada perdida e me
deparo com uma mensagem no
WhatsApp de um número desconhecido.
"Boa noite, Dominic. Uma
amiga em comum me passou seu
contato. Parece que está procurando
alguém com quem dividir o aluguel em
Lagos... É isso mesmo?"
Pelo visto a corretora foi rápida
em espalhar minha intenção.
"Bom, sim. Qual seu nome?"
Procuro pelo nome da pessoa no
status, mas tudo que encontro é uma
frase que deve ser de algum filme e a
foto de um céu muito azul.
Isso deve ser um indicativo de
que se trata de um cara reservado e isso
é muito bom. Alguém que com certeza
vai saber respeitar limites, o que torna a
convivência mais fácil.
Cordilhéus - MG
Ela respondeu! Tomara que
Dominic ainda não tenha encontrado
alguém. É segunda-feira e seguimos sem
moradia até agora.
Apesar do pavor que sinto em
me arriscar em algo assim, as garantias
de Mari são suficientes. Além disso, se
ela for muito espaçosa, festeira ou algo
pior, podemos nos mudar quando eu
começar a receber.
Respondo com o máximo de
informações possível para assegurar a
necessidade urgente.
"Meu nome é Robin. A empresa
em que trabalho me transferiu para
Lagos e preciso me mudar na quinta-
feira, mas ainda não consegui um
apartamento. Procuro por alguém de
confiança para isso e me indicaram
você..."
A resposta chega instantes
depois.
"Bom, Robin, não vou dizer que
não me sinta desconfortável em dividir
a casa com alguém que não conheço.
Mas a ideia não parece ruim, levando
em conta as despesas e os cinco
quartos..."
Se ela se sente assim em dividir
o espaço, será que vai aceitar fazer isso
com alguém que tenha um filho? Sei bem
como crianças tendem a ser bagunceiras.
Bernardo já está dormindo no
sofá-cama ao meu lado. Passo a mão por
seus cabelos claros e suspiro, um pouco
desanimada. Acho difícil Dominic estar
disposta a isso.
Como será que ela é? A foto no
perfil é o brasão de psicologia. Tomara
que não seja cheia de frescuras, porque
com certeza não daríamos certo.
"Claro. Também acho estranho
tudo isso, mas te garanto que sou
alguém fácil de lidar e conviver. Só que
tem uma coisa... Não sei se tem alguma
ressalva, mas meu filhote vai comigo. O
Bernardo precisa de um lugar separado
também, sei que em um apartamento,
um quintal para correr e brincar seria
pedir muito, mas o espaço geral é bom?
Você teria problemas em ceder um
quarto pra ele?"
Dessa vez a resposta demora a
vir e já estou roendo as unhas de
ansiedade quando vejo que ela começou
a digitar.
"Sem problemas. Posso
inclusive preparar o cantinho dele pra
te dar uma mão. Vamos precisar
depositar o valor referente a três
aluguéis, para segurar o imóvel. É um
valor que podemos resgatar ao final do
contrato, acha que consegue enviar a
metade?"
Huuum. Não sei se o que eu
tenho guardado pode suprir isso e mais
os móveis, e ainda durar o mês todo.
Mas antes metade que tudo.
"Acredito que sim. Até que eu
receba meu primeiro salário vou estar
um pouco sem dinheiro, mas tenho
algumas economias para o aluguel e
móveis novos. Preferi vender os antigos
por aqui e comprar aí, para não ter que
lidar com mudança de uma cidade para
outra."
Nem acredito que esteja mesmo
acontecendo. A Mari é um anjo. Além de
todo apoio de sempre, ainda me arrumou
uma pessoa confiável e compreensiva,
quando eu mais precisava.
"E se você pagar o valor dos
aluguéis no total e eu comprar os
móveis para a casa? Mesmo porque já
estou em Lagos e posso preparar tudo
pra quando chegar."
Ai meu Deus! Mais uma santa na
minha vida. Só de pensar que vou chegar
e tudo vai estar pronto, sinto que um
peso foi retirado de mim.
Apesar que... E se for um golpe?
Eu deposito o dinheiro e essa mulher
some no mundo? Em questão de
segundos estou enviando uma mensagem
pra Mari, perguntando outra vez se
Dominic é mesmo confiável.
Ela não demora um segundo para
responder:
"Já te coloquei em enrascadas?
Confia em mim!"
Suspiro, entre aliviada e
resignada.
"SERIA ÓTIMO! Não sabe como
me sinto mais leve com isso, agora. A
Mari foi ótima em nos unir; vamos nos
dar muito bem."
"Ah! Então o nome dela é
Mari..."
Será que isso foi uma
brincadeira? Talvez não. Ela pode não
saber quem foi que indicou, mesmo
porque eu não disse. Eu deveria ter
começado dizendo isso...
"É... Acho que é a primeira
coisa que eu deveria ter dito, né?"
"Com certeza, cara! Mas então
está certo. Vou te passar os dados do
locador para depósito e amanhã,
quando estiver comprando as coisas, te
mando fotos. Até mais Robin, estou na
expectativa dessa nossa aventura!"
Cara? Pelo menos, não me
parece ser uma garota mimada e fresca.
Não é o tipo de gíria que alguém assim
usaria.
Menos mal. Eu e Dominic vamos
nos dar bem.
Lagos - MG
Entrar em lojas e comprar
móveis para casa. Apesar de nunca ter
precisado fazer isso antes, porque
primeiro morava com meu pai e depois
aluguei um apartamento mobiliado e
minúsculo na época da faculdade, é bem
mais divertido do que imaginei. Depois
de escolher um conjunto de sofás e a
geladeira, fui procurar por uma cama.
Eu já tenho a minha e os móveis do meu
antigo quarto foram trazidos para cá e
levados para o endereço novo, então não
preciso me preocupar com isso.
Escolhi uma cama de casal pra
Robin, porque afinal, um homem solteiro
precisa de espaço tanto quanto um
casado... Ou não, mas espaço é sempre
bom.
— Qual o próximo item? — O
vendedor me pergunta e checo o papel
na minha mão, antes de responder.
— Fogão e forno.
— E como prefere? Quatro
bocas ou cinco? Também temos alguns
modelos de seis... Pode ser cooktop e
um forno elétrico, ou os dois a gás em
um modelo único. Prefere um forno de
embutir?
Caralho. O rapaz me leva para a
área em que os produtos estão dispostos
e uma fileira interminável de fogões está
ali, além de fornos, coifas e outras
coisas.
Simplesmente travo na hora
dessa escolha. Se for optar por algo
bonito eu ficaria com o forno de embutir,
mas realmente não sei se é a opção mais
prática.
Vou pedir a opinião do Robin
outra vez. O cara é quem vai cozinhar,
então ele que decida.
— Só um minuto... — peço ao
vendedor, enquanto já digito uma
mensagem.
"Robin... Fogão de quantas
bocas? Com forno a gás ou prefere
tudo separado? Me ajuda aí..."
Ele demora um pouco a
responder e decido ligar para saber, mas
antes de sair da tela do WhatsApp vejo
que está digitando.
"Estamos querendo economizar
ou está dentro do planejado? Porque se
puder ser qualquer um, eu escolheria o
forno elétrico, seja de embutir ou não.
É mais rápido pra assar bolos..."
Bolos? Além de comida o cara
me fala que faz bolos. Será que ele é
gay? Não que isso signifique alguma
coisa, mas acho que é bom saber, pra
caso desça do carro de peruca e chegue
aos ouvidos da minha família que agora
moro junto com um namorado. Vai
saber...
"Robin, posso fazer uma
pergunta indiscreta?"
"Claro, mas escolho responder
ou não."
Ok. Pode ser que ele não
responda.
"Certo, você é gay?"
A resposta vem logo em seguida,
com uma enxurrada de risos de duas
formas: Emojis e palavras para
demonstrar a risada e depois finalmente
ele digita palavras compreensíveis:
"Que pergunta mais aleatória!
Não, não sou gay. Eu tenho o Bernardo,
lembra?"
O que isso tem a ver? Será que
acha que é uma raça de cachorro muito
hétero? É muito grande realmente, mas
pra mim não faz sentido nenhum. Cada
coisa...
"Só perguntei por perguntar.
Curiosidade."
A próxima mensagem dele, no
entanto, me pega de surpresa.
"Olha só, sei que vamos morar
no mesmo apartamento. Me desculpe
por dizer isso assim, mas como estou
de mudança hoje preciso que fique
claro. Eu sou hétero e vou continuar
assim, mesmo que não saia com outras
pessoas..."
O quê? Parabéns Dominic, agora
o cara pensa que você está interessado
nele. Idiota.
"Não, cara. Não viaja,
perguntei por curiosidade só..."
"Tudo certo, então. E o fogão?
Pode ser o cooktop e o forno elétrico?"
"Pode, sem ser o de embutir
porque assim já podemos usar."
— Decidido — digo para o
vendedor que me espera pacientemente.
Finalizo as compras e deixo a
loja com tudo acertado. Farão a entrega
em poucas horas e acredito que tudo
esteja no lugar até a noite. Aproveito a
saída para já comprar algumas coisas
que tinha esquecido para o São
Bernardo. Estou preocupado por ser um
cachorro que fica muito grande e
torcendo para que seja bem treinado, ou
então as coisas podem se complicar um
pouco.
Verifiquei se o prédio aceitava
animais, mas mesmo que tenham dito
que sim, um cachorro desse porte não é
a mesma coisa que um Poodle, mesmo
ainda sendo um filhote e se tivermos
problemas com isso não sei como Robin
vai lidar. Não creio que dar ou vender o
cão esteja em seus planos.
Cacete. Devia ter pensado nisso
direito, o cachorro fica imenso.
Passo no supermercado antes de
retornar para casa e compro algumas
coisas básicas para abastecer a
despensa. Acho que Robin acabou
gastando muito com os aluguéis, então
estou fazendo o possível para equiparar
as coisas.
Claro que móveis são caros, mas
muitas coisas eu já tinha e mantive,
como a televisão e a mesa de cozinha. Já
armários e guarda-roupas fazem parte do
mobiliário planejado do apartamento.
Quando chego na nova casa,
começo a arrumar as coisas e logo o
local vai tomando cara de lar de
verdade. Os entregadores chegam um
pouco depois e já colocam as coisas no
lugar, montam a cama e me deixam com
a organização pesada que tenho pela
frente.
Os sofás pretos na sala, uma
mesa de centro que já presenciou muitos
copos de cerveja e a televisão fixada em
um painel, isso me faz sentir que foi
feito algum avanço. Logo depois, leio o
manual de instruções para ligar o fogão
e coloco o forno no lugar.
Quando me dou conta de que
finalmente terminei o trabalho, percebo
também que já escureceu e que Robin
deve estar chegando por aí. Aproveito e
mando uma mensagem.
"Já estão em Lagos?"
Dessa vez sua resposta demora
um pouco mais e imagino que esteja
dirigindo, mas pouco depois, meu
celular vibra com a notificação:
"Em uns dez minutos... Está no
apartamento?"
"Sim, vou tomar um banho. Sua
chave está na portaria, pode pegar e
subir."
"Ok! Nos vemos daqui a pouco."
Na estrada - MG
Deixamos nossa casa, a cidade
de Cordilhéus e poucos amigos para trás
quando o sol ainda estava se pondo. A
viagem não será muito longa e logo que
pegamos a estrada, me vejo pensando
em todas essas mudanças e em como
isso tudo pode ser desastroso.
Mas logo Bernardo, que está
sentado em sua cadeirinha no banco
traseiro do carro, me pede para ligar o
som. Enquanto as músicas infantis,
animadas e repetitivas enchem o ar, nós
cantamos juntos e eu esqueço por um
tempo toda a apreensão.
Criar um filho sozinha é muito
difícil. Não simplesmente por não ter o
pai dele ao meu lado, mas por não ter
ninguém. Todas as decisões são minhas,
todas as obrigações também e,
principalmente, toda a responsabilidade
da vida dele está nas minhas mãos. Mas
olhando-o agora, alegre enquanto canta,
percebo que tenho feito um bom
trabalho.
Talvez não com a minha vida e
minhas escolhas, mas ao menos com ele.
— Mamãe, a gente zá chegou?
Já, mamãe? — pergunta agitado.
— Ainda não querido, mas
estamos quase lá... — respondo
observando pelo GPS do celular que
realmente estamos perto.
Instantes depois, quando olho
pelo retrovisor — hábito de mãe —
vejo sua cabecinha inclinada para o lado
e os olhos fechados. É sempre assim, ele
pula, brinca, se agita e de repente é
vencido pelo cansaço.
Meu celular se acende com a
notificação de uma nova mensagem de
Dominic e paro no acostamento,
tomando o cuidado de ligar o pisca-
alerta para ler.
"Já estão em Lagos?"
Aproveito para verificar outra
vez a distância.
"Em uns dez minutos... Está no
apartamento?"
Espero que esteja. A parte mais
complicada e difícil será esse primeiro
momento, então o melhor a se fazer é
passar por ele logo.
"Sim, vou tomar um banho. Sua
chave está na portaria, pode pegar e
subir."
Perfeito!
"Ok! Nos vemos daqui a pouco."
Digito rapidamente a última
mensagem e logo voltamos para a
rodovia.
Troco de música no som e
abaixo o volume, outra vez volto meus
pensamentos para o novo.
E bem, tudo é novo...
Uma nova casa, emprego, escola,
rotina, uma nova amiga. A chance de
estar perto da minha avó. Poder
aproximar ela e Bernardo também é uma
mudança, e uma muito bem-vinda.
Tudo isso me faz pensar na
minha mãe, não que eu queira, mas é
inevitável me lembrar de que anos atrás
ela fez esse caminho. Se mudou para
essa cidade e recomeçou sua vida do
zero. Anulando a antiga.
Tenho receio de encontrá-la
pelas ruas, mas sem que saiba que me
mudei, não deve acontecer. Apenas
precisarei manter suas tentativas de
aproximação o mais distante possíveis.
Talvez ela nem descubra que
estamos aqui...
Talvez descubra e não se
importe.
As luzes da cidade começam a
surgir e logo estamos na avenida
principal, seguindo em direção ao
centro.
O trânsito não está intenso e o
trajeto todo leva poucos minutos, avisto
o prédio alto e bonito um pouco antes de
ouvir a voz robótica do GPS me
informando que cheguei ao meu destino.
Enfim, em casa.
Entro com o carro no
estacionamento do prédio e encontro
uma vaga; pego minha bolsa e abro a
porta de trás, retiro Bernardo ainda
dormindo. Depois que colocar ele na
cama, vou voltar para buscar as caixas.
Encontro a portaria e dentro de
uma cabine, um senhor assistindo
televisão totalmente concentrado.
— Boa noite... — falo, atraindo
sua atenção. — Meu nome é Robin, sou
a nova moradora do 901, me disseram
para pegar a chave aqui.
Os olhos do homem se voltam
para mim e ao ver que estou com meu
filho adormecido nos braços, ele logo se
levanta apressado e pega a chave de um
painel na parede atrás de sua mesa.
— Boa noite! Aqui está a chave,
meu nome é Antônio, sou o porteiro do
prédio. Qualquer coisa que precisar
pode ligar aqui e me pedir.
Os olhos do velhinho parecem
sorrir ao olhar de mim para Bernardo.
— Que bela família vocês
formam!
Bom, uma família um pouco
pequena, mas é a que eu tenho. Aceno
agradecendo o comentário gentil.
— Obrigada, seu Antônio. Vou
subir e colocar esse menino na cama.
Boa noite!
Me viro em direção as escadas,
mas o senhor deixa sua cabine e me guia
até o elevador, aperta o botão do último
andar e depois se afasta.
Quando as portas se abrem
diante do pequeno hall, saio com meu
filho ainda adormecido e me dirijo até a
porta que dá acesso ao apartamento.
Com apenas uma das mãos, consigo com
algum esforço destrancá-la.
Passo por ela e a fecho em
seguida. Uau! Está realmente incrível.
Ouço o barulho do chuveiro e
decido colocar Bernardo em um dos
sofás, antes de sair procurando o quarto.
Coloco-o recostado sobre algumas
almofadas e sigo pelo corredor, abrindo
as portas uma a uma.
A primeira porta que testo está
fechada e é de lá que vem o som do
chuveiro. Imagino que seja o quarto da
Dominic e sigo adiante. Abro a porta
seguinte e vejo um quarto muito bem
organizado e limpo, nenhuma peça de
roupa à vista, então deduzo que este seja
o meu.
Continuo me distanciando pelo
corredor e entro no quarto depois desse,
preparada para encontrar o que ela
organizou para meu filho.
Mas o que é isso?
Entro e fecho a porta atrás de
mim. Acho que temos um problema...
Dominic tem um cachorro em um
apartamento? Será que não é proibido?
Dou uma olhada ao redor. Não tem uma
casinha, mas uma espécie de colchonete
no chão.
Me aproximo mais e vejo
também os vasilhames, um cheio de
ração e o outro de água. Definitivamente
um cachorro. Minha expressão de
desagrado é automática, não pelo
cachorro em si, mas pelo nome gravado
nas vasilhas... Bernardo! Que horror, o
cachorro tem o mesmo nome do meu
filho.
Isso é... bizarro.
— Tem alguém aí? — ouço uma
voz chamando. Uma voz de homem,
aqui, dentro do apartamento. — Tem um
menino no sofá! Olha, eu estou
armado!
Armado? Ai, meu Deus do céu!
Meu filho sozinho com um bandido.
Senhor Deus, me ajuda, protege meu
Minduim. E Dominic! Dominic vai sair
do banho e dar de cara com o bandido...
— Não toque no meu filho! Pode
levar, leve o que quiser, mas deixe meu
filho em paz! — grito em resposta ao
ladrão, torcendo para que seja apenas
isso, um roubo.
— Levar? Quem é você? — o
homem pergunta e deixo o quarto o mais
rápido que posso. Preciso proteger meu
filho com minha própria vida, se
necessário.
Com as mãos erguidas, sigo na
direção da sala. Quando passo pela
porta do quarto de Dominic, percebo
que o chuveiro foi desligado, ela deve
estar apavorada lá dentro.
— Dominic! — grito. — Não
saia do banheiro! Tem um ladrão armado
aqui... — aviso, torcendo para que ela
tenha levado o celular junto e possa
ligar para a polícia.
Celular. Deixei o meu no carro...
Droga.
Quando finalmente paro na sala,
o que vejo me deixa estática.
Primeiro: o homem está armado
com uma panela. Sério isso? Segundo:
ele só usa uma toalha enrolada na
cintura, muito à vontade.
E terceiro, mas que não deveria
sequer ser registrado aqui, noto que o
corpo dele é bastante atraente... Roubar
casas tem lhe feito muito bem.
Os olhos castanhos me fitam
curiosos e seu rosto transmite confusão.
Quem está confusa aqui sou eu! Os
cabelos molhados pingam sobre o tapete
e escorrem sobre a pele, sobre os
braços e ombros fortes, o abdômen
marcado... Meu olhar acompanha as
gotinhas, contra meu bom senso, mas não
é todo dia que um homem seminu e
molhado invade minha casa.
Ele não deveria ser um pirralho
magrelo e feio? O homem também me
encara sem dizer nada, mas ao contrário
de mim, seu olhar não desce pelo meu
corpo que está extremamente coberto
pelo blusão e as calças.
— Pode me dizer o que está
fazendo aqui? — pergunta, parecendo
irritado.
Noto um movimento no sofá e
vejo Bernardo, que esfrega os olhos e se
senta, assustado.
— Mamãe? — me chama com a
voz chorosa.
— Estou aqui, Bê. — Corro para
o lado dele e o abraço forte e apenas
então, olho outra vez para o homem de
pé. — Eu moro aqui... Você por outro
lado está invadindo. Dominic! — grito
outra vez.
— Pode parar de gritar meu
nome como se eu não estivesse na sua
frente?
Ai. Meu. Deus...
Lagos - MG
— Quer dizer o que com isso?
— a mulher pergunta, aparentando
confusão.
— Como assim? Quero dizer que
estou aqui na sua frente e que está
gritando meu nome como se fosse uma
doida! Aliás, quem é você e o que está
fazendo aqui? — questiono e então volto
meu olhar para o menino que me encara
assustado. — Você disse que mora aqui?
Não vai me dizer que isso é uma espécie
de golpe e que vai falar agora que esse
menino é meu filho, porque não vai
colar.
Só pode ser isso. Uma dessas
mulheres loucas com ideias ainda mais
insanas. Ela parece bem doida, com
umas roupas imensas e óculos maiores
ainda.
— Seu filho? Você está louco?
— responde parecendo sincera.
— Menos mal... — Suspiro mais
aliviado e deixo a panela de lado. —
Pode me explicar o que está fazendo
aqui, então?
A moça me olha diretamente nos
olhos, ou é mesmo uma boa atriz ou está
tão confusa quanto eu.
— Eu sou Robin, parece que
houve algum equívoco entre nós, eu
tinha certeza de que você era uma
mulher...
Robin! Robin é uma mulher... Ai
que inferno.
— Estamos quites então —
respondo contrariado. — Eu acreditava
que você era um rapaz.
— Isso explica por que ficou me
chamando de cara.
Apesar da situação absurda, não
posso deixar de abrir um sorriso ao
lembrar do modo como questionei sua
sexualidade. Que loucura.
— Bom, Robin... Parece que
temos um problema aqui. Eu sou
Dominic, um homem como pode ver e
você não é um. O que vamos fazer? Quer
que eu chame a corretora e peça pra ela
te mostrar um dos outros apartamentos?
A mulher parece que vai chorar.
Tudo bem que em meu trabalho lido com
lágrimas o tempo todo, mas prefiro não
ser o causador delas.
— Eu não posso ir para outro
lugar! Não tenho dinheiro, paguei o
aluguel adiantado, se não se lembra! —
Sua resposta me desanima. Que merda
eu faço agora?
— Eu comprei os móveis,
arrumei seu quarto e o do cachorro...
Até o próximo mês não posso arcar com
outro aluguel.
Robin se levanta e coloca as
duas mãos na cintura enquanto me
encara com raiva, parece estar se
preparando para uma batalha.
— Você disse que tinha
arrumado o quarto do Bernardo também,
não vi nada disso aqui. Mentiu pra mim,
como vou saber se não tentou me fazer
acreditar que era uma mulher pra pegar
meu dinheiro?
— Mas eu acabei de dizer que
arrumei o quarto pro... — Merda. Olho
dela para o menino sentado
confortavelmente no sofá e minha ficha
cai. — Esse garoto é o Bernardo?
Ela assente ainda irritada.
— Mas... — Que confusão. —
Tinha certeza que você havia dito que
era um cachorro... Você disse sim, vou
levar meu filhote, eu me lembro bem!
— Um cachorro? Eu não
acredito que aquele quarto, com
RAÇÃO é o que preparou pro meu filho!
Filhote é só um modo de dizer. Por que
um cachorro se chamaria Bernardo?
Pelo amor de Deus!
Começo a me irritar também, não
é culpa minha se ela não explicou nada
direito.
— SÃO BERNARDO é uma
raça de cachorro! — falo exaltado.
— E quem teria um São
Bernardo em um apartamento? Você é
louco!
— Eu? Você que pensou que eu
fosse mulher! Dominic é nome de
homem, está me ouvindo? Robin também
— completo.
Vejo os olhos dela estreitando-se
na minha direção, como se fosse
possível ficar ainda mais irritada.
— Eu tive uma colega na
faculdade que se chamava Dominic e era
mulher, tenho certeza.
— Dominic com C é nome de
homem, o dela provavelmente era
escrito com q u e... — explico e nem sei
porque isso parece tão relevante agora,
quando temos coisas muito mais sérias a
resolver.
— E como eu ia saber disso?
Nunca trabalhei em cartório de registro!
Preciso pensar e tentar encontrar
uma solução sensata. Não adianta
discutir e brigar por algo que não foi
culpa de nenhum de nós.
— Espere aqui, eu vou me vestir
e volto pra conversarmos sobre o que
fazer agora.
Ela aquiesce e se senta outra vez
ao lado do garoto.
Me afasto na direção do quarto,
mas ainda ouço a voz do menininho
falando com a mãe:
— Mãe, esse moço é muito,
muuuito brrravo, né?
Coitado do moleque. Deve ter
tomado um susto e tanto, mas em minha
defesa, nosso primeiro encontro não foi
nada natural pra mim também.
Me visto rapidamente,
colocando uma camiseta preta e calças e
dou uma olhada rápida no espelho. Com
certeza não causei a melhor das
impressões, mas não dava pra prever
uma coisa como essa.
Quando retorno à sala encontro
os dois na mesma posição que deixei.
Ambos me fitam constrangidos e um
pouco temerosos.
— Certo, precisamos conversar
então, Robin. As coisas estão
bagunçadas aqui e eu não esperava por
isso. Imagino que também foi uma
surpresa e tanto pra vocês dois, chegar
no apartamento novo e me encontrar ao
invés da Dominic que esperavam...
A mulher apenas dá de ombros.
Agora que a raiva inicial cedeu, ela
parece bastante envergonhada e pouco à
vontade comigo.
— O que vamos fazer? —
pergunto, dando a ela a oportunidade de
encontrar uma solução.
Robin me fita com os olhos
verdes amedrontados por trás dos
óculos, mas suas palavras saem com
firmeza.
— Eu, infelizmente, não vejo
outra opção a não ser a de que se mude e
nos deixe com o apartamento. Já paguei
pelo aluguel e você pode levar seus
móveis, eu dou um jeito depois...
Ergo a mão interrompendo o que
ela diz e vejo sua boca se fechar
rapidamente.
— Escute... Eu não posso sair.
Primeiro porque escolhi o apartamento
nesse prédio pra trabalhar aqui embaixo
em uma sala comercial que aluguei. Eu
adoro a vista, também...
Ela se levanta, os braços
cruzados em uma atitude clara de defesa,
mas está tentando ser forte diante do
problema.
— Dominic, eu não tenho
dinheiro agora. Vou começar a trabalhar
na segunda-feira e preciso de um lugar
pra ficar. Não me importaria em ir
embora se tivesse como pagar outro
aluguel, mas não tenho.
Penso por um instante nas poucas
economias que possuo, antes de
apresentar outra alternativa.
— E se... eu chamar a corretora
aqui, pedir pra ela te arrumar o outro
lugar e pagar pelo primeiro mês? No
próximo vencimento eu pago também e
por hora divido os móveis com você.
Pode levar as coisas do seu quarto e da
cozinha, porque eu não vou cozinhar
mesmo... Acha que poderíamos chegar a
um acordo?
Quase ouço as engrenagens do
cérebro dela analisando a proposta e eu
sei que não há razão para não aceitar,
porque o que proponho é justo.
Então quando a vejo assentir,
não é uma grande surpresa. Pego o
telefone e ligo para a corretora
imediatamente, mas ela não atende.
Claro que não, já é noite.
— Olha, hoje acho que podemos
nos virar por aqui. A imobiliária já
fechou e amanhã, logo que abrir,
resolvemos isso. Pode ser?
Vejo que ela não se sente
confortável, mas não temos muito o que
fazer.
— Tudo bem, então. Ainda bem
que me comprou uma cama de casal, ou
meu filho teria que dormir na casinha de
cachorro — ela fala, enquanto pega o
menino no colo.
— Não tem casinha. Um São
Bernardo é muito grande pra caber em
uma — comento aleatoriamente.
Robin passa por mim na direção
do quarto, levando também sua bolsa no
ombro e o garoto acena enquanto se
distanciam.
Que situação absurda, meu Deus.
Depois de ir à delegacia e
confirmar que André havia mesmo sido
solto, voltei para buscar Bernardo e
acabamos almoçando por lá. Bárbara e
Minduim se deram muito bem e meu pai
parecia estar satisfeito em ter a mesa
cheia.
Alice contava vários absurdos à
mesa, fazendo com que ríssemos a todo
instante.
Quando terminamos de comer,
perguntei a Bernardo o que ele queria
fazer, afinal tinha prometido a Robin que
ela teria o dia livre.
Ele sugeriu várias coisas, mas
quando perguntei se queria ver a avó,
saiu pulando de alegria. Bernardo pula
muito.
Fomos juntos até o asilo e dona
Rute ficou muito feliz em nos ver. Eles
brincaram um pouco, Bernardo contou
as novidades sobre a escola e depois
começou a correr pelo jardim, na
algazarra típica de criança.
Me sentei ao lado da senhorinha
e conversamos por algum tempo.
Perguntei como ela estava e como a
tratavam, e ela pareceu sincera ao dizer
que não achava ruim morar ali.
Falei sobre Robin e aí sim a
conversa rendeu:
— Ela me contou tudo, dona
Rute... Sobre o pai e o namorado, a
gravidez. Tudo.
Ela abriu um sorriso.
— Que bom, meu filho. Já estava
desanimada. Tive medo de sair de lá e
vocês não aproveitarem a casa vazia.
Nem respondi. O que poderia
dizer?
Sim, dona Rute. Temos
aproveitado a varanda, os quartos e
inclusive a mesa da cozinha.
Algo me diz que ela iria aprovar.
— Estou com umas ideias, se
tudo der certo, quem sabe posso tirar a
senhora daqui e levar de volta, hein?
Mas tudo depende dela. Se Robin
aparecer, me ajuda aí, viu? Pode
começar a falar sobre minhas almofadas
e tentar dar um empurrãozinho nas
coisas — brinco com ela, que solta uma
gargalhada.
— Claro que ajudo. Mas que
planos são esses, menino? — Ela se
aproxima, para ouvir o segredo.
Penso em contar os detalhes da
minha ideia, mas nesse instante
Bernardo, que saiu correndo há pouco,
me chama.
— Vovó! Dominic! É a minha
mãe e ela tá bonita!
Eu imaginava que ela fosse
aparecer por aqui hoje, só não sabia que
iríamos nos encontrar.
Me levanto para a encontrar e
acabo ficando tão surpreso quanto
Bernardo.
Robin não está bonita. Ela é
linda. Mas a mulher que vejo aqui...
Os cabelos dela estão soltos,
voando com a brisa suave e os lábios
rosados, que indicam alguma
maquiagem. Eu nunca a vi assim.
Mas o que realmente muda tudo,
são as roupas. Robin não usa as calças
largas de costume. Na verdade, ela não
usa calças.
Um vestidinho rosa, de um tom
discreto, mas muito contrário às roupas
sóbrias que costuma usar, está
emoldurando seu corpo.
As mangas são mais volumosas
nos ombros e descem soltinhas até o
meio dos braços. O vestido é justo até a
cintura e rodado na saia, indo até pouco
acima dos joelhos.
Estou parado a encarando,
completamente encantado.
Valeu a pena cada post-it, valeu
a pena correr ao estacionamento do
shopping de manhã e levar o carro dela,
e valeu a pena esperar que Robin
estivesse pronta.
Nas mãos, ela traz uma bandeja,
provavelmente com algo que preparou
para a avó. Mas, essa mulher diante de
mim é o presente mais doce que eu
poderia ter recebido.
Robin, que havia parado no
lugar, constrangida com nossa atenção,
volta a caminhar até nós. Bernardo já
saiu correndo ao seu encontro e anda
com ela, a enchendo de perguntas.
Ela para diante de mim e abre
um sorriso tímido.
— Oi... — fala, simplesmente.
Não posso resistir ao leve rubor
no rosto delicado. Me inclino um pouco
e roubo um beijo rápido dela.
Ela não me repreende, nem tira o
sorrisinho dos lábios, mas se vira para a
avó um pouco constrangida e fita
Bernardo, esperando outra avalanche de
questionamentos.
Mas o menino apenas se afasta
na direção da bisavó e cochicha alguma
coisa com ela, que assente animada.
Nos aproximamos dos dois, no
banco e Robin dá um beijo na avó.
— Como você está linda,
querida. Parece uma princesa... — dona
Rute tem os olhos marejados.
— Obrigada, vó. Eu trouxe isso,
seus preferidos. — Robin destampa a
vasilha e começo a rir ao perceber que
ela confeitou os doces com pequenos
alienígenas e uma nave espacial.
— Ah, que delícia! — Dona
Rute exclama, retirando um doce. —
Mas menina! Tem extraterrestres no
doce!
Robin se abaixa, conspirando
com a avó.
— Eu sei, considere uma
proposta de paz, vó. Eles não vão mais
invadir o apartamento...
— Quanta bobagem, minha filha
— comenta a velhinha. — O que eles
iriam fazer na sua casa?
Vai entender.
— Quer um, Minduim? — Robin
pergunta pro pequeno, que agora olha
dela pra mim e vice-versa.
Ele assente e logo já está
mordendo o confeito, em silêncio.
— Minduim, está tudo bem? —
pergunto. Eu devia ter pensado melhor
antes de beijar a mãe do garoto na frente
dele. Devia ter conversado.
Ele ergue o rosto e me fita com
os olhos verdes um pouco lacrimejantes.
— É que eu nunca tive um pai. A
vovó disse que você vai ser meu pai,
agora.
Sinto uma pontada no peito,
como um soco bem forte.
Espero pelo desespero de saber
que Bernardo já tem expectativas altas,
mas ele não vem. Na verdade, sendo
honesto comigo, percebo que, por mais
rápido que tenha sido, a ideia de ser pai
dele só me traz sentimentos bons. A
sugestão de ter os três na minha família
é a melhor coisa que já passou pela
minha cabeça.
Robin e eu olhamos para dona
Rute, porque independentemente de
como eu me sinta, ela não podia ter dito
isso ao garoto. É uma decisão
exclusivamente nossa. Mas a velhinha
apenas dá de ombros e enfia outro
alfajor na boca.
Chegamos em casa um pouco
mais tarde, quando a noite já sobrepunha
o sol. Robin parece diferente e apesar
de ter presenciado as pequenas
mudanças que vinham ocorrendo, vê-la
assim ainda é um impacto.
— Vou preparar o jantar... — ela
diz, logo que passamos pela porta.
— Tem certeza? Podemos pedir
alguma coisa, assistir a um filme... Me
ofereço inclusive pra te abraçar nas
partes românticas — brinco.
Ela concorda, animada. O que
chega até a ser estranho, porque Robin
quase não abre mão de ir para a cozinha.
— Antes que termine o dia...
Estou querendo ver esse filme desde de
manhã. Sobre o que o Bernardo disse...
Faço um gesto com a mão,
interrompendo.
— Não precisamos falar sobre
isso, ainda não.
Ela assente, satisfeita. Sei que
ficou sem graça com o comentário dele.
— Tá bom, vou me trocar e já
volto.
— Pode tomar o tempo que
precisar, porque esse Minduinzinho aqui
está suado e precisando de um banho.
Bernardo ergue os olhos pra
mãe.
— Posso levar meu barrco? —
pergunta, agitando-se.
— Pode, Super Minduim, vamos
lá...
Os dois correm para o banheiro
e eu fico aqui, os observando. Desde
que Bernardo comentou sobre eu ser seu
pai, ele não voltou a tocar no assunto e
não me questionou sobre nada.
Graças a Deus, porque eu não
saberia o que responder. Sei bem como
me sinto com relação aos dois, mas não
o que vai na mente de Robin, como ela
reagiria caso eu apressasse as coisas e
eu sei, de verdade, eu sei que é muito
cedo quando pensamos em tempo, dias,
semanas... Mas sinto como se
estivéssemos juntos há séculos.
Também vou para meu quarto me
vestir e fico encarando os patos de dona
Rute e o crochê que colocou ali.
Planejei tirar tudo depois que ela se
fosse, mas não consegui. A senhorinha
faz falta.
Sento-me na cama e esfrego o
rosto, suspirando.
— Dominic, Dominic... Que belo
palerma sentimental você se tornou —
falo, sozinho.
Visto uma bermuda de moletom e
uma regata velha e volto a sala para
esperar pelos dois. Procuro opções de
comida no aplicativo do celular, quando
ele começa a vibrar com uma ligação do
meu pai.
— Pai... — atendo.
— Oi, filho. Escuta, já cuidei da
situação. Entrei em contato com o
proprietário da loja e o informei sobre
os incidentes.
Me levanto, agora mais atento.
— E o que houve?
— Ele queria saber o nome da
sua namorada, parece que vai
recompensá-la de alguma forma. Eu dei
a entender que poderíamos entrar com
um processo contra a joalheria e ele
decidiu ser generoso. Mas eu não sei
nada sobre a moça... Inclusive
precisamos corrigir isso. Passei seu
contato e ele vai procurar você.
Abro um sorriso. Isso é ótimo.
— E o André? — pergunto,
ansioso.
— Sobre os assédios, com a
ausência de provas e as outras
funcionárias se negando a depor, seria
difícil comprovar, mas quando
comentei sobre as joias, o patrão dele
ficou furioso. Disse que não havia
como o rapaz pagar por elas e que iria
verificar as encomendas, as entregas e
checar o estoque, mas pelo que percebi,
as coisas não vão terminar bem pro
gerente.
— Obrigado, pai. Isso é muito
bom. Fico feliz pela indenização que ela
vai receber, mas principalmente porque
esse imbecil não vai sair impune.
— Não foi nada. Agora, sobre a
outra coisa que conversamos... Eu
analisei as possibilidades, a possível
rentabilidade e acho que você deve
investir. Sei que não está pensando
nisso por dinheiro, mas ainda é um bom
empreendimento. Vai falar com ela
sobre isso?
— Mais ou menos — respondo.
— Vou levar minha namorada amanhã
pra ver o lugar, mas vou manter
discrição até dar tudo certo.
— Certo. Dominic... — ele fala
e faz uma pausa. — Eu tenho muito
orgulho de ser seu pai e estou
admirado com tudo o que está disposto
a fazer por essa moça. Só espero que
ela mereça...
O tom dele não é maldoso, hoje
eu entendo que é apenas preocupação de
pai. Ele teme que Robin possa ser
interesseira, se aproveitando do pouco
que eu tenho e visando o nome e o bolso
dele. Mas eu a conheço.
— Ela merece, pai. Fique
tranquilo, eu não sou um idiota...
Ouço a gargalhada dele ao
fundo.
— Eu espero mesmo que não,
Dom.
Desligo o celular e acabo
pedindo porções de frango frito, arroz e
salada. Uma refeição com menos cara de
fast-food.
Robin e Bernardo voltam para a
sala pouco depois, ele agora veste um
pijama de palhaços e uma pantufa do
mesmo tema, o que me faz questionar
quantas pantufas esses dois possuem.
Ela, usando uma camisola de
malha, que não deveria ser sexy, mas
agora que conheço tudo que tem
embaixo...
Coloco o filme e Bernardo acaba
adormecendo nos primeiros dez minutos,
o tema não o interessou, claro. Nosso
pedido chega e Robin o acorda para
comer um pouco, o que ele faz
reclamando bastante e tão logo termina,
corre para a cama de carro vermerio e
se deita.
Robin e eu terminamos a noite no
sofá, abraçados.
Se a vida seguir esse curso, não
tenho do que reclamar. Eu posso me
habituar a viver assim...
Merda.
Eu deveria ter previsto que algo
assim pudesse acontecer, que ela
poderia vir ao meu encontro e descobrir
a farsa. Mas não previ.
Por mais que não grite, xingue ou
exija uma explicação, vejo a mágoa nos
olhos dela, o modo desconfiado com que
me fita quando pensa que não estou
vendo.
Ela acha que menti, e bom, eu
menti mesmo. Mas por um bom motivo.
Entramos em casa e eu espero
que a raiva dela ceda. Não posso me
explicar, ainda não.
Sigo até a cozinha, rondando-a,
esperando que me conte as novidades.
Mas ela se mantém em silêncio.
— E então, como foi seu dia? —
pergunto.
Robin lava a louça na pia com
força brutal, ameaçando todos os copos
no processo.
Está furiosa.
— Docinho... Não vai falar
comigo?
— Não tenho nada a dizer.
Fiquei aqui fechada o dia todo, comendo
e engordando. Com certeza seu dia foi
mais interessante.
Onde será que ela pensa que eu
estive com essa roupa? Com outra
mulher, pelo jeito.
— Na verdade o meu foi muito
bom. — Vejo o papel com suas
anotações em cima da mesa. — O que é
isso? Recebeu uma encomenda? Isso
tudo é um pedido?
Ela assente, ainda de costas,
como se não fosse nada demais.
— E você não está feliz? —
questiono, começando a ficar chateado
com o descaso.
— Fiquei, sim — responde
apenas.
Olho dela para o papel e vejo
pelo canto do olho que Bernardo está
observando tudo.
— A mamãe dançou comigo na
sala e a gente pulou, sabia? São
muuuuuitos bolos.
Então ela ficou feliz. Só está
brava comigo.
— Imagino, Minduim. Eu vou
tomar um banho e volto já...
— Não precisa — ela diz. — Eu
vou dormir mais cedo, estou indo me
deitar agora mesmo.
Olho no relógio e vejo que passa
pouco das seis da tarde.
— Agora? — Isso é ridículo. —
Vamos ver um filme antes, eu te deixo
escolher e prometo ficar no outro sofá,
já que está tão irritada comigo.
Ela dá de ombros, mas não nega
que esteja brava.
— Robin... — Me aproximo e a
abraço por trás. — Não precisa ficar
nervosa. Eu juro que só tenho olhos pra
você, docinho.
Ela sai dos meus braços, se
afastando na direção dos armários, os
abrindo e fechando como se procurasse
alguma coisa.
— Não sei do que está falando,
Dominic. Só estou cansada e tenho todos
esses bolos pra fazer. Na verdade, nem
posso dormir, não sei porque disse que
iria... Vou ter que começar a preparar as
coisas e faltam vários ingredientes.
Acho que vou ao mercado agora.
Essa é uma ótima ideia.
— Tudo bem, vou com você. Me
espere um pouco, tá bom?
Robin finalmente me encara,
analisando-me.
— Não precisa, pode ficar aqui
que volto rápido.
— Eu quero comprar algumas
coisas também... Preciso de umas
bebidas, o sabonete também acabou e
você não saberia encontrar. — O olhar
enviesado que me dirige, mostra que
estou só piorando as coisas. — Me
espera, Robin. Vamos os três, tá bom?
Ela acaba assentindo.
Me troco rapidamente, nem me
dando ao trabalho de tomar um banho,
mesmo que esteja precisando. Vai que
ela foge...
Volto à sala e ela está calçando
um par de tênis no pequeno.
Quando termina, pega a lista da
encomenda e eu pego Bernardo no colo.
Me concentro nele, porque se continuar
vendo toda a raiva dela, vou acabar me
entregando.
Pelo jeito, hoje vou dormir
sozinho.
— Onde estão suas chaves? —
ela pergunta.
— Vamos no seu carro porque o
porta-malas é maior — respondo e ela
aquiesce.
Seguimos para um mercado que
vende em atacado e varejo e enquanto
Robin reúne os ingredientes que precisa
em um carrinho, eu encho outro com
fardos de refrigerante e frutas frescas.
Ela me olha cada vez parecendo
mais irritada, como se eu fizesse
escolhas absurdas, mas ignoro, fingindo
não notar. Qualquer desculpa que eu der,
será ruim.
Se ela soubesse tudo que fiz
hoje...
Cancelei meus atendimentos na
clínica e no consultório pelo restante da
semana, reagendando tudo para a
próxima. Transformar o sonho dela em
realidade não é tão fácil, ainda mais em
poucos dias.
Apesar do imóvel estar com a
pintura impecável, precisei pedir a um
pintor para cobrir uma das paredes
brancas com tinta rosa claro. E depois
disso, passei o dia de ontem inteiro em
busca dos móveis perfeitos.
Robin foi muito específica e eu
não quis fazer menos do que ela
visualizou.
As mesas altas para a calçada
não foram difíceis, as de dentro que me
exigiram uma busca maior. Por sorte,
encontrei seminovas em ótimo estado,
de uma loja que fechou as portas no
shopping. Não é a melhor ideia, mas
uma mão de tinta resolveu os pequenos
desgastes e fiquei satisfeito.
Mandei instalarem os vidros nos
balcões, a pintura deles e dos armários
também foi feita. Encomendei a cozinha
com tudo de mais moderno, seguindo as
instruções que ela me deu e pegando
dicas na loja, torcendo para não errar
em nada. Esse é o risco de se fazer uma
surpresa, mas a pesquisa foi intensa.
Não poupei gastos em relação às
formas, vasilhas e utensílios. Os
melhores fornos, duas batedeiras que
custaram mais do que minha televisão,
cada uma, e todos os outros aparatos
para uma cozinha completa.
Depois de arrumar todas essas
coisas, o sonho dela foi tomando forma
e se tornando, no processo, um sonho
meu também. Mas ainda faltava o mais
importante para que pudéssemos
inaugurar: a comida. Me encarreguei
disso, pedindo a Marta que fizesse a
encomenda. Me lembrei dos itens que
Robin gostaria de vender, deixando
alguns de fora, para que ela faça em
outro dia depois de descobrir a
surpresa.
Pedi a ajuda de Alice, também
liguei pra Mari e as duas se dispuseram
a trabalhar, servindo as mesas no fim de
semana. Depois, Robin pode cuidar de
contratar alguém para a ajudar.
Hoje, deixei Bernardo no
colégio, tendo que lidar diretamente com
a professora atirada e, depois disso,
meu dia consistiu em limpeza. O que não
tenho feito em casa, fiz
multiplicadamente na confeitaria. Lavei
o chão e fui obrigado a passar um
produto pra dar brilho — coisa da
Marta —, limpei as mesas, os balcões e
desinfetei tudo que ela vai precisar usar
na cozinha.
À tarde, entregaram o jogo de
sofás e os posicionei dentro do salão, ao
lado de uma estante branca abarrotada
de livros. Nos fundos, o trabalho está
sendo mais complicado, porque a grama
só será instalada no dia seguinte. O
lugar não tem um jardim pronto, mas
nada que mais um pequeno gasto não
resolva.
Os postes de luz e os bancos
brancos de madeira remetem aos séculos
passados e me fazem sentir exatamente o
que ela me fez quando descreveu sua
doceria ideal.
A não ser por alguns ajustes e
pelo gramado, tudo está quase pronto,
mas esqueci as bebidas. O freezer segue
vazio.
Então, aproveito a ida ao
mercado para abastecê-lo. Depois,
podemos fazer um pedido maior.
Ela caminha ao meu lado agora,
colocando os itens que veio buscar no
carrinho e evitando me olhar. Quero só
ver a cara dela quando descobrir o que
eu estava fazendo.
— Mamãe, posso levar esse?
Deissaaaa — Bernardo pede com a
expressão do gatinho do Shrek.
— Não, Minduim. Já me fez
comprar muita coisa, pode colocar esse
aí no lugar que pegou. A mamãe não tem
mais dinheiro...
Olho para o pequeno, que encara
a caixinha de biscoitos com tristeza e
não resisto.
— Eu te dou, Minduim, pode
levar.
Ele faz festa e coloca a caixa no
meu carrinho, antes de sair correndo em
busca de mais alguma coisa.
— Você não devia fazer isso —
ela fala. — Bernardo vai começar a
querer mais coisas e vou ter que chamar
a atenção dele porque é muito feio
criança que pede as coisas pros outros.
Abro um sorriso meio
debochado. Os outros... Mas que
marrenta!
— É mesmo? Então que bom que
não me importo de dar o que ele quiser,
não é?
Ela estreita os olhos e para de
andar, se virando pra me encarar.
— É mesmo? Pelo que me
lembro, estava tão ferrado quanto eu.
— Estava. Já recebi meu
primeiro pagamento e agora vamos ficar
tranquilos... — explico.
Não é mentira, realmente recebi
da clínica, mas a fonte do meu dinheiro
repentino não é só essa.
— Não vamos, Dominic. Você,
vai. É o seu salário e não é justo gastar
com Bernardo.
Me aproximo dela e a abraço
aqui mesmo, no meio do vai e vem do
mercado.
— Claro que é justo. O que mais
um pai faria? — Dou um beijo rápido na
boca dela, que nem mesmo fecha os
olhos, tamanha a surpresa e depois, me
viro e continuo andando sem esperar sua
resposta.
Termino de pegar algumas coisas
e me encontro com os dois outra vez e
apenas então, seguimos para o caixa.
Robin paga por suas coisas, sei que ela
insistiria com isso principalmente agora
que está chateada e não tento intervir
porque sei que o valor que transferi pra
sua conta mais cedo vai bastar.
Pago tudo que coloquei no
carrinho e as coisas que acabei
comprando para o Minduim. Depois de
guardar tudo no porta-malas seguimos
para casa, Robin ainda em sua greve de
silêncio, mas agora acredito que muito
mais pelo que eu disse, do que pela
irritação.
Mesmo que ela não peça, coloco
o avental extra e a ajudo no que posso,
por fim ela acaba melhorando um pouco
o humor e me dá algumas tarefas.
Prepara alguns recheios e leva à
geladeira, faz geleias de frutas, tudo que
pode ser feito antes para se preocupar
na sexta com assar e montar as coisas.
Quanto mais ela faz, mais
percebo o quanto vai precisar de ajuda.
Não acho que ela consiga preparar tanta
coisa todos os dias, atender o balcão e
servir as pessoas. Pretendo ajudar após
o trabalho, mas não consigo sair antes
das cinco e a menos que Robin decida
manter o lugar parte da noite aberto, não
serei de grande valia.
Paramos tarde da noite e ainda
temos dois dias pela frente. Resolvo
tomar um banho e depois, tentar amansar
a fera.
Alegria.
Fim.
Ingredientes:
125 g de manteiga sem sal em
temperatura ambiente
3/4 xícara de açúcar
1/2 xícara de açúcar mascavo
1 ovo
1 e 3/4 de xícara de farinha de trigo
1 colher (chá) de fermento em pó
300 g de meio amargo picado
1 colher (chá) de essência de baunilha.
Modo de Preparo:
Misture a manteiga, açúcar mascavo,
açúcar, essência de baunilha (chocolate
em pó, se for fazer cookies com base de
chocolate).
Adicione o ovo batido aos poucos e
misture bem.
Acrescente a farinha aos poucos e
misture bem (pode ser na mão ou na
batedeira planetária)
Por último, adicione o fermento e
misture só para incorporá-lo à massa.
Depois da massa bem misturada,
adicione o chocolate picado.
Forme bolinhas pequenas e asse em
forno preaquecido, sobre papel
manteiga, por aproximadamente 15 a 20
minutos (250° C).
Modo de Preparo:
Em uma batedeira, bata a manteiga com
o açúcar, o ovo e as gemas. Reserve.
À parte, misture a farinha de trigo, o
mel, o bicarbonato de sódio, o fermento
em pó e a essência de baunilha.
Junte à mistura de manteiga.
Trabalhe bem a massa até ficar lisa e
macia. Deixe descansar por 30 minutos.
Abra com um rolo a massa entre dois
plásticos-filme, deixando-a com
espessura de 0,5 cm aproximadamente.
Com um cortador, recorte círculos de 5
cm de diâmetro.
Arrume-os em uma assadeira untada
com manteiga e polvilhada com farinha
de trigo.
Asse em forno médio (180 °C),
preaquecido. Por 8 minutos (sem dourar
muito).
Retire do forno e deixe esfriar na
própria assadeira, coberta com papel-
manteiga.
Depois de frios, una dois discos com
uma camada de doce de leite, retirando
o excesso. Reserve.
Cobertura:
Derreta o Chocolate conforme as
indicações da embalagem e banhe os
alfajores um a um.
Coloque-os sobre papel-alumínio ou
papel-manteiga e deixe secar.
Modo de Preparo:
Coloque todos os itens em uma panela e
leve ao fogo.
Mexa até desgrudar da panela, evitando
que o doce se queime.
Massa:
Em um liquidificador coloque os ovos, o
chocolate em pó, a manteiga, a farinha
de trigo,
o açúcar e o leite, depois bata por cinco
minutos.
Adicione o fermento e misture
calmamente com uma espátula.
Unte uma forma e coloque toda a massa
sobre ela. Leve para assar em forno
médio
(180 ºC) preaquecido por cerca de 40
minutos.
Dica da Robin:
Use uma forma alta, porque o bolo
cresce bastante ou coloque apenas 1
colher de
fermento.
Calda:
Aqueça a manteiga em uma panela e
misture o chocolate em pó até que esteja
homogêneo.
Acrescente o creme de leite e misture
bem até obter uma consistência cremosa.
Desligue o fogo e acrescente o açúcar
Recheio:
700 ml de leite
4 colheres de amido de milho
2 gemas peneiradas
1 e 1/2 lata de leite condensado
Cobertura:
Morangos lavados e cortados ao meio
1 gelatina de morango
Modo de Preparo:
Massa:
Coloque a farinha em um vasilhame,
faça um buraco no centro do pó e
coloque todos os outros ingredientes.
Depois disso, mexa até a massa ficar
homogênea e bem lisinha.
Forre a assadeira com a massa, como se
já fosse uma torta.
Coloque no forno por 20 minutos ou até
começar a ficar douradinha nos lados e
depois, reserve.
Recheio:
Mexa todos os ingredientes na panela
até o creme se soltar por completo,
ficará com um sabor delicioso e uma
aparência incrível.
Deixe esfriar e jogue tudo na assadeira
com a massa já assada.
Cobertura:
Coloque os morangos um ao lado do
outro, até que feche por completo de
morangos em cima
Gelatina:
Depois de feita, deixe-a gelar até ficar
na consistência de um creme, ainda não
completamente endurecida.
Nesse ponto, coloque a gelatina aos
poucos em cima da torta, deixando os
morangos completamente cobertos e por
fim, coloque novamente para gelar.
Cobertura:
Derreta em banho-maria, uma cobertura
de chocolate de qualidade, assim não
precisará fazer o processo de
temperagem outra vez.
Banhe as bolinhas na calda e coloque-as
sobre papel manteiga para não
grudarem.
Depois disso, pode deixar secar.
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RITMO ENVOLVENTE – A
VIRGEM PROIBIDA (TRILOGIA
AMOR & RITMO – LIVRO 1)
Ashton Ray é o vocalista da
Dominium, uma das maiores bandas de
rock da atualidade e aproveita ao
máximo o que a vida de rockstar
oferece: festas, mulheres e brigas
também.
Em seu último excesso, Ash se
viu diante um problema maior, um
processo que pode destruir sua imagem
e a da banda.
Festas estão proibidas e
manchetes vetadas!
Julia Foster é uma mulher
determinada a ter o que deseja: uma
família e uma carreira de sucesso.
Grávida e trabalhando como
estagiária em uma grande firma de
advocacia, Julia vê as coisas saírem do
eixo ao ter que mudar sua vida para
vigiar o astro do rock arruaceiro e
auxiliar em sua defesa diante dos
tribunais.
Para vencer o caso ela precisará
mantê-lo na linha, porém, ao contrário
do que imagina, será muito mais
complicado controlar seus próprios
instintos.
Acompanhe a história desse
casal completamente oposto em meio a
muito rock, romance e bem... roupinhas
de bebê.
RITMO SENSUAL – A
VIRGEM PROIBIDA (TRILOGIA
AMOR & RITMO – LIVRO 2)
Josh Nicols é o baterista da
Dominium, mas apesar de todas as
loucuras advindas disso, é um homem
sensato e que pesa muito bem cada uma
de suas decisões.
Um passado doloroso, uma
família destruída...
Tudo isso apenas serviu de
material para moldar quem ele é e em
cada um dos momentos difíceis que
viveu, Ashton Ray, seu grande amigo,
esteve ao seu lado e a família dele se
tornou a sua própria.
Por isso, nada fica fácil quando
Josh começa a sentir-se atraído por
Anelyse Ray, a irmã virgem de seu
melhor amigo e a garota por quem
sempre jurou sentir apenas afeto
fraternal.
Mas, Anelyse o conhece como ninguém
e nada pode ser mais inevitável, que
uma mulher decidida.
O que fazer quando os dois lados
da balança têm o mesmo peso?
Quando a distinção do certo e do
errado, não é mais tão visível e o desejo
se torna mais forte que o senso de
lealdade?
Venha descobrir o amor com
Josh Nicols e seu Anjo impuro e
infernal.
O OGRO E A LOUCA –
TRILOGIA PAIXÕES
IMPROVÁVEIS (LIVRO 1)
Mathew Calston, o marquês de
Wheston vive recluso em sua mansão no
campo desde que acontecimentos em seu
passado o fizeram repensar a vida e
mudar completamente sua visão do
mundo e das pessoas.
A senhorita Nicole Smith, aceita
o cargo de governanta na mansão, porém
ela não esperava que houvesse tanto
trabalho para tão poucos criados.
Também não esperava conhecer
o patrão em circunstâncias impróprias
que o levassem a crer que ela era uma
louca, desvairada.
Mas foi o que aconteceu.
Agora, com a pior impressão
possível um do outro, eles terão que
aprender a conviver, superando a
aversão inicial e descobrindo um desejo
incontrolável que aumenta a cada
embate entre eles.
Será que a linda governanta
conseguirá colocar ordem, tanto na casa
quanto no coração desse marquês
turrão?
E ele, poderá manter seu juízo
diante dessa mulher que o tira do sério
com tantas loucuras?
Venha conhecer o marquês ogro
e sua governanta louca e se apaixonar
por este casal.
O HIGHLANDER E A
DEVASSA – TRILOGIA PAIXÕES
IMPROVÁVEIS (LIVRO 2)
A senhorita Juliette Smith
sempre se orgulhou de seguir seus
instintos e desejos.
Convencida de que nunca se
casará ou poderá desfrutar dos prazeres
dentro da proteção de um matrimônio,
ela decide conhecê-los com ninguém
menos que Lorde Gregor MacRae, o
libertino mais viril e belo no qual já pôs
os olhos.
Porém, contrariando as
expectativas da moça, um belo dote lhe
é cedido e junto com ele a oportunidade
de se casar.
Agora ela precisará atrair a
atenção de um cavalheiro disposto a se
comprometer, o que pode não ser nada
fácil quando se tem a lembrança de
olhos azuis e selvagens para assombrá-
la.
Lorde Gregor é imprudente e
adora ostentar suas conquistas
amorosas, mas não essa. Se possível
levará o segredo para o túmulo para não
perder os amigos que tanto estima.
Mas então, ela decide se casar e
a mera ideia de que todo aquele fogo
indomado estará nos braços de outro
homem faz com que o guerreiro
highlander que habita nele, desperte.
A senhorita Juliette Smith
sempre se orgulhou de seguir seus
instintos e desejos.
Convencida de que nunca se
casará ou poderá desfrutar dos prazeres
dentro da proteção de um matrimônio,
ela decide conhecê-los com ninguém
menos que Lorde Gregor MacRae, o
libertino mais viril e belo no qual já pôs
os olhos.
Porém, contrariando as
expectativas da moça, um belo dote lhe
é cedido e junto com ele a oportunidade
de se casar.
Agora ela precisará atrair a
atenção de um cavalheiro disposto a se
comprometer, o que pode não ser nada
fácil quando se tem a lembrança de
olhos azuis e selvagens para assombrá-
la.
Lorde Gregor é imprudente e
adora ostentar suas conquistas
amorosas, mas não essa. Se possível
levará o segredo para o túmulo para não
perder os amigos que tanto estima.
Mas então, ela decide se casar e
a mera ideia de que todo aquele fogo
indomado estará nos braços de outro
homem faz com que o guerreiro
highlander que habita nele, desperte.
O DUQUE E A FUGITIVA –
TRILOGIA PAIXÕES
IMPROVÁVEIS (LIVRO 3)
Maryelen Lorena Somerset, filha
do distinto duque de Beaufort, cresceu
sob a mão rígida de seus progenitores e
foi preparada desde o berço para um
casamento político que tornaria sua
família ainda mais poderosa.
Sebastian Cavendish, o filho
mais novo do duque de Devonshire
surge em sua vida e ao vê-lo Maryelen
sente que encontrou alguém especial.
Em meio ao florescer dos
sentimentos, descobrem que uma união
entre os dois não é bem quista pela
família da jovem e o destino com suas
intempéries os separa em uma sucessão
de tragédias.
Agora, anos depois, Sebastian é
o novo duque de Devonshire e um
reencontro inesperado o coloca frente a
frente com a moça que acreditava estar
morta ou algo ainda pior.
As circunstâncias não são
adequadas e a mulher que agora atende
pelo nome de Helen não é mais a menina
que um dia conheceu, mas uma fugitiva
que forjara a própria morte
impiedosamente.
Após um acidente que poderia
ter fatalmente lhe tirado a vida,
Sebastian tem um novo objetivo, um
motivo para persistir: encontrá-la e
descobrir quais outros segredos oculta e
por quais razões o deixou.