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Relações Internacionais

Problema de Pesquisa: A teoria econômica dos países desenvolvidos é inaplicável às economias


dos países periféricos.

Luiz Carlos Bresser Pereira, em seu trabalho “A teoria econômica e os países


subdesenvolvidos”, busca trazer uma análise que contrapõe os esforços para a aplicação de uma
teoria econômica predominante nos países desenvolvidos na realidade dos países
subdesenvolvidos, considerados a “periferia” do sistema internacional. Dessa maneira, para
defender sua argumentação, ele disserta sobre as características dessa teoria econômica,
mostrando como ela diverge da realidade periférica em suas principais bases, provando que é
necessário um olhar direcionado às especificidades dessas regiões subdesenvolvidas que não
podem viver a mercê da adaptação de elementos que não foram criados para reparar suas
fragilidades.
A teoria econômica estudada refere-se a desenvolvida desde Adam Smith, que pode ser
também chamada de capitalista e defende princípios como a desregulamentação e privatização
das atividades econômicas e a redução do Estado a funções definidas​1​. Foi a teoria que mais
recebeu seu aprimoramento teórico, em comparação com as outras duas existentes, a socialista​2 e
a de desenvolvimento e do subdesenvolvimento econômico. Isso não significa, no entanto, que
esta seja superior às demais, mas sim que não se estagnou ou enfrentou problemas profundos
como as outras duas.
Assim sendo, pode-se definir que a teoria econômica capitalista se divide em dois
princípios principais: a micro e a macroeconomia. Em resumo, enquanto a microeconomia
“​explica e orienta o comportamento dos agentes econômicos dentro do mercado”​3 e pretende
demonstrar que se mantida a concorrência perfeita, o sistema capitalista opera de forma racional,
a macroeconomia “limita o significado e a extensão dessa racionalidade, (...) descreve o sistema
econômico em termos agregados (produto nacional, investimento e consumo globais)”​4 e oferece

1
​MORAES, Reginaldo. Neoliberalismo - de onde vem, para onde vai. São Paulo: Senac, 2001, p 5.
2
Bresser reconhece que essa teoria: “​é um ramo da teoria econômica capitalista clássica”, p. 18
3
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A teoria econômica e os países subdesenvolvidos. ​Revista de Administração de
Empresas​, [S.L.], v. 7, n. 24, p. 15-40, set. 1967. FapUNIFESP
(SciELO).​http://dx.doi.org/10.1590/s0034-75901967000300001​, p. 20
4
Ibid, p. 20
instrumentos da política econômica, por meio de intervenção governamental, para tentar superar
possíveis limitações dessa racionalidade do sistema. Ademais, Bresser argumenta que os dois
elementos da teoria, a microeconomia e a macroeconomia, estão impregnados de conteúdo
ideológico​5​, tendo em vista que

A teoria econômica dos países desenvolvidos, como aliás não poderia deixar de
ser, está inteiramente permeada pela ideologia liberal e capitalista, que dominou
o mundo ocidental a partir da emergência da burguesia como classe dominante.
Na verdade, a micro e a macroeconomia fazem parte integrante dessa ideologia,
para a qual se constituem suporte teórico e instrumento de ação​6​.

Em síntese, Bresser elucida que a teoria econômica dos países desenvolvidos se


caracteriza pela redução da estrutura econômica para atender as condições da economia de
mercado integrada, que se constitui de outras formas de mercado mesmo sem concorrência
perfeita, como por exemplo os monopólios e oligopólios, ou seja, não há uma ausência de
mercado. Além disso, existe um mercado financeiro que leva ao estabelecimento de um preço
único, tendo em vista que deve existir também um número expressivo de compradores, que
devem comprar e vender produtos padronizados e homogêneos. Os integrantes desse sistema
precisam ter uma renda que permita o acesso e a participação no mercado, logo o produto
nacional deve ser distribuído de forma a possibilitar esse acesso. Por fim, há muitos fatores de
produção e a preocupação é a promoção de uma distribuição “ótima” desses fatores, lembrando
que a intervenção econômica governamental é secundária.

Além disso, ele afirma que existem três razões para compreender como a teoria alcançou
seus padrões de operacionalidade: sua origem está atrelada a natureza humana ou “​homo
economicus​”, limita a análise do sistema com ênfase nos modelos de equilíbrio e simplifica o
mundo real, além de ignorar a estrutura social e psicológica individual (ao pressupor o ​homo
economicus)​. Assim, é necessário analisar se esse pressuposto da natureza humana também é
válida para países subdesenvolvidos, com base em duas condições: “a hegemonia de uma
civilização ocidental utilitarista e racionalista e da existência de um mercado integrado”​7​. Em
relação à primeira questão, o autor defende que o processo de desenvolvimento econômico, ao
estar profundamente imbricado com a industrialização, define-se como uma assimilação dos
valores ocidentais e não apenas das técnicas de produção. Logo, quanto mais sólida forem as

5
O autor também afirma que a teoria econômica socialista é ideológica
6
​Ibid, p. 20
7
Ibid, p. 24
bases e valores tradicionais de uma civilização, mais difícil é a introdução da cultura ocidental,
como por exemplo, a diferença da influência ocidental na América Latina, em comparação com
as regiões da África Negra, que foram muito menos influenciadas pela civilização ocidental.
Basicamente, quanto mais subdesenvolvido o país é, menores as chances de penetração dos
valores ocidentais.

Dessa maneira, ao conceituar que o ​homo economicus se mantém graças a existência de


um mercado integrado, é possível iniciar a análise da segunda condição, tendo em vista que não
há teoria capitalista sem esse sistema ao qual os preços são determinados pela lei da oferta e da
demanda, com intensas trocas de bens e serviços. Primeiramente, para haver um mercado
integrado, é preciso que antes exista um mercado em que a maioria dos “agentes econômicos”
façam parte para viabilizar as trocas, mas nos países periféricos, apenas uma pequena parte
participa do setor mercadológico de produtos industriais. Ademais, a dualidade das economias
dos subdesenvolvidos, divididas em um setor mais tradicional de agricultura para consumo
interno e artesanato local, e outro moderno constituído de indústrias e agricultura para
exportação, resulta em um cenário de diferenças salariais entre os trabalhadores rurais e urbanos,
resultando na impossibilidade de se estabelecer um sistema único de preços, o que é fundamental
para o mercado integrado, situação agravada também pela inexistência da mobilidade dos fatores
de produção.

Além disso, nos países periféricos há muitas áreas de setores tradicionais que não
possuem uma economia monetária, principalmente pela economia de subsistência ou de
pequenas trocas, então o sistema monetário ainda está muito longe de se integrar, dificultando
uma questão importante para a macroeconomia: a existência de um mercado financeiro atuante.
Logo, a falta de um mercado integrado faz com que haja a necessidade do envolvimento do
governo, pois qualquer esforço para o desenvolvimento nestes países, necessita do intermédio
governamental para que isso seja possível. Portanto, os próprios objetivos da teoria econômica
capitalista e de uma teoria de desenvolvimento, por exemplo, são diferentes. Em primeiro lugar,
é preciso elucidar que um conceito importante para a análise econômica é o equilíbrio. Então,
enquanto que a macroeconomia define o equilíbrio como situação em que há pleno emprego,
para a microeconomia o equilíbrio está na concorrência perfeita e este contexto pode gerar o
desenvolvimento econômico. O objetivo da micro e da macroeconomia é o equilíbrio e o
desenvolvimento é tratado de forma implícita, já que sendo os fatores de produção abundantes,
todos os problemas econômicos são gerenciados pela boa aplicação destes fatores. Não obstante,
os países subdesenvolvidos não podem ser guiados por uma teoria econômica que tenha esses
mesmos objetivos, já que a teoria econômica do desenvolvimento pressupõe o contrário: os
recursos econômicos e fatores de produção são escassos. O objetivo dessa teoria não é o
equilíbrio e sim promover o desenvolvimento, preocupando-se em criar meios para que surjam
recursos econômicos e não em aplicar seus vastos recursos de forma ótima.

A partir da análise dos fatos supracitados, é possível concluir que a teoria econômica
capitalista ou teoria econômica dos países desenvolvidos, não é aplicável à realidade das
economias dos países periféricos. Assim, tão diferentes são as realidades dessas regiões, que é
impossível estruturalmente impor os mecanismos de uma teoria a outra, tendo em vista que
existem profundas assimetrias políticas, econômicas e sociais entre Estados desenvolvidos e em
desenvolvimento, impedindo que adaptações na teoria sejam suficientes para serem aplicadas nos
países periféricos. Então, mesmo que se reconheça as contribuições e a necessidade de
continuação dos estudos da teoria econômica dos países desenvolvidos, ainda assim “temos
necessidade de uma teoria econômica do subdesenvolvimento e do desenvolvimento que seja
autônoma, sistemática e integrada”​8​.

Fontes bibliográficas:

MORAES, Reginaldo. Neoliberalismo - de onde vem, para onde vai. São Paulo: Senac, 2001

PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. A teoria econômica e os países subdesenvolvidos. ​Revista de


Administração de Empresas​, [S.L.], v. 7, n. 24, p. 15-40, set. 1967. FapUNIFESP (SciELO).
http://dx.doi.org/10.1590/s0034-75901967000300001

8
Ibid, p. 37.

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