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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

ELIS REGINA EM ATRÁS DA PORTA

Análise de Estratégias Expressivas.

Renato Frossard
16/08/2018

O presente artigo aborda as estratégias expressivas da cantora Elis Regina na


performance de Atrás da Porta, de Chico Buarque e Francis Hime, considerando
elementos musicais e corporais.
ELIS REGINA EM ATRÁS DA PORTA: Análise de Estratégias
Expressivas.
(Renato Frossard)

RESUMO

O presente artigo aborda as estratégias expressivas da cantora Elis Regina na


performance de Atrás da Porta, de Chico Buarque e Francis Hime, considerando
elementos musicais e corporais. Procura-se realizar uma análise qualitativa,
relacionando-se as escolhas da artista em termos, principalmente, de dinâmica e
expressões faciais, com o texto da canção, buscando-se explicitar o sentimento
predominante em cada trecho da peça. Como fonte primária, é utilizado um vídeo da
cantora, gravado para a série Grandes Nomes, em 1980, apenas dois anos antes de seu
falecimento.

Palavras Chave: Expressividade no Canto, Performance de Elis Regina, Relação texto-


música-imagem

ABSTRACT

This study approaches Elis Regina’s expressive strategies in her peformance for Atrás
da Porta (Behind the Door), by Chico Buarque and Francis Hime, bearing in mind
musical and body elements. We try to accomplish a qualitative analysis, as a way of
understanding the relationship between her choices in terms of, mainly, dynamics and
facial expression and the text of the song. As a primary source for this task, we use a
video of her singing this song for the series Grandes Nomes (Great Names), recorded in
1980, only two years before her death.

Key Words: Singing Expressiveness, Elis Regina’s Performance, text-music-image


relationship

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Conteúdo
1- INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 4
2 - Análise de Aspectos Expressivos de Elis Regina em Atrás da Porta ........................................ 5
2.1 – Análise textual .................................................................................................................. 6
2.2 – Relação Texto-Música-Imagem ........................................................................................ 7
3- CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................................... 12
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................... 13
ÍNDICE DE EXEMPLOS

Ex. 1: Rosto coberto – recusa de acreditar na realidade iminente (Não quero ver). [00:47 a
01:16]. ......................................................................................................................................... 10
Ex. 2: a cantora inclina a cabeça para trás enquanto executa um glissando descendente entre as
notas das sílabas “ao e pé”, da frase “ao pé da cama”................................................................. 10
Ex. 3: punho cerrado na tentativa de expressar sentimento de vingança. Mas a expressão facial é
de dor e sofrimento [02:22]. ........................................................................................................ 11
Ex. 4: a cantora se apoia sobre o banco e mantém a cabeça baixa enquanto canta: “até provar que
ainda sou tua”. ............................................................................................................................. 11

ÍNDICE DE EXEMPLOS MUSICAIS

Ex. Mus. 1: Glissando descendente em “ao pé...”. ....................................................................... 8

ÍNDICE DE TABELAS

Tab. 1: Elementos Expressivos da Postura (adapt. WELL e TOMPAKOW, 1988) ........................ 12

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1- INTRODUÇÃO

Além de talento, a arte de cantar requer trabalho, perícia e, acima de tudo,


emoção. De fato, mais do que o domínio de capacidades técnicas, o cantar exige que o
artista esteja preparado para transmitir emoções, reforçando o conteúdo textual e
musical da canção. Muitos autores concordam com este ponto de vista. Dentre eles,
podemos citar SUNDBERG et al. (1994, p. 81) que considera a expressão das emoções
um aspecto essencial do canto, e RUNDUS (2009, p.146) para quem todas as demais
habilidades como afinação perfeita, boa dicção, ritmo correto, ressonância e entonação
adequadas estão em função do desenvolvimento de nossas capacidades expressivas.
Ao longo das eras, a música popular tem tratado de temas relacionados às mais
diversas manifestações da emoção humana como o amor, as decepções, a dor da perda,
o rancor, o arrependimento, dentre outras questões vivenciadas por nossa espécie. Por
sua vez, os artistas têm se esforçado para transmitir estas emoções através de suas
interpretações. Além de utilizar recursos intrinsecamente ligados à música como a
variação da dinâmica e do ritmo, os artistas podem e devem recorrer ao corpo e às
expressões faciais como forma de comunicar emoção.
De fato, o estudo da comunicação das emoções através de recursos não verbais
como os gestos e as expressões faciais, vem ocupando vários pesquisadores nos últimos
tempos. Em relação ás expressões da face especificamente, resultados obtidos em
diferentes estudos demonstram que há alguma concordância em torno da universalidade
de interpretação de alguns traços específicos e as emoções que eles comunicam (APA,
2011). De acordo com estes resultados, algumas emoções básicas parecem ser
comunicadas por padrões faciais semelhantes. São elas: alegria, tristeza, surpresa, raiva,
medo, nojo e desprezo (EKMAN e FIESEN, 1986 apud BORÉM, 2016, p.9). Já WEIL
e TOMPAKOW (1988), em seu livro O Corpo Fala, procuram desvendar a linguagem
silenciosa do corpo humano que às vezes afirma sem palavras, às vezes confirma, e
outras vezes nega o que é dito através da linguagem verbal.
Na música popular brasileira, um dos maiores ícones em termos de
expressividade foi Elis Regina. O motivo de a cantora fazer jus a este título é o fato de
que, além de qualidades técnicas notáveis, como impecável expressão vocal e elaborada
divisão rítmica, a cantora demonstrava grande preocupação em relação à sua

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corporalidade, através da qual buscava complementar sua interpretação (BORÉM e
TAGLIANETTI, 2014). Para isto, ela dedicava boa parte de seu tempo para desenvolver
o aspecto cênico de sua performance. De acordo com PEROTI e BORÉM (2016, p. 22),
Elis Regina extrapolava o universo meramente musical, ao agregar à sua interpretação
elementos de outras artes, como o universo circense, o teatro de revista, o teatro
tradicional e a dança.
Este artigo busca analisar aspectos expressivos da performance desta cantora na
canção Atrás da Porta, de Chico Buarque e Francis Hime, observando-se a relação
existente entre o texto, o conteúdo musical, e o gestual utilizado ao longo da
interpretação. Análises semelhantes foram realizadas por BORÉM e TAGLIANETTI
(2014) e PEROTTI e BORÉM (2016), cujas contribuições foram extremamente
relevantes para a realização do presente estudo. Como fonte primária foi utilizada a
gravação em vídeo de 1980, feita originalmente para o programa da série Grandes
Nomes, disponível em DVD e também no Youtube através do link:
(https://www.youtube.com/watch?v=35FPZR24djg). Nesta performance, considerada
um dos momentos mais marcantes da música popular brasileira, a artista demonstra
grande capacidade de aliar controle e emoção.
Para a efetivação desta análise, foi adotada uma abordagem descritiva, apoiada
em recursos visuais (cenas extraídas do vídeo de Atrás da Porta) e explicativos. A
análise do vídeo demonstrou um predomínio da expressão do sentimento “tristeza” ao
longo de toda a performance. As interpretações apresentadas neste artigo, referente às
expressões faciais, serão baseadas nas conclusões de EKMAN e FIESEN (1986 apud
BORÉM, 2016), comentadas anteriormente. Quanto aos comentários a respeito do
possível significado dos movimentos corporais, serão baseados nos estudos de Pierre
WEIL e Roland TOMPAKOW (1988) a respeito da linguagem corporal.

2 - Análise de Aspectos Expressivos de Elis Regina em Atrás da Porta

A performance de Elis Regina, a qual este artigo trata de analisar, pode ser
considerada um excelente exemplo de êxito expressivo pois, nela, a cantora parece
realmente experimentar os sentimentos evocados pelo texto e conteúdo musical da

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canção. Isto é demonstrado pelas expressões faciais usadas por ela ao longo da
interpretação, além dos gestos sutis, aparentemente espontâneos, que ela adota. Além
disso, o grande teor emotivo da performance é enfatizado através da dinâmica utilizada
pela cantora durante a apresentação, além de marcas que revelam choro e tristeza em
sua voz. Todos estes elementos, em conjunto, contribuem para que a audiência tenha a
perfeita percepção do teor sentimental da peça.

2.1 – Análise textual

O texto da canção narra, do ponto de vista feminino e em primeira pessoa, o


rompimento entre a mulher e seu amado, que a abandona. Na poesia, o eu lírico
representado por Elis se recusa a acreditar no fim do romance e tenta, de todas as
formas se agarrar ao parceiro, mostrando-se, a princípio submissa, mas depois
procurando se vingar como pode. Ao final, ela reconhece sua dependência em relação à
figura masculina e declara: “pra provar que ainda sou tua”.
Ao contrário do que ocorre em outras performances da mesma canção, gravadas
anteriormente por Elis, conforme análise realizada por BORÉM e TAGLIANETTI
(2014), desta vez ela não se preocupa em demonstrar certos sentimentos como desprezo
e raiva, mas se concentra na expressão da tristeza, demonstrando, principalmente
através do rosto e dos olhos, um profundo sentimento de angústia, dor e desespero
diante do rompimento afetivo mostrado pelo texto da canção. Além disso,
diferentemente do excesso de movimentos adotados no início de sua carreira, a cantora
opta por gestos mais contidos, menos evidentes.
A reprodução da letra, na íntegra, conforme interpretado por Elis Regina na
gravação analisada, encontra-se abaixo.

Atrás Da Porta (Chico Buarque E Francis Hime)

Quando olhaste bem nos olhos meus


E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei sobre o teu corpo
E duvidei

E me arrastei
E te arranhei

6
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teus pelos
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete, atrás da porta
Reclamei baixinho

Dei pra maldizer o nosso lar


Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ’inda sou tua

Até provar que ’inda sou tua


Humm....
Até pra provar que ’inda sou tua

2.2 – Relação Texto-Música-Imagem

A seguir procedemos a análise do vídeo, procurando relacionar o conteúdo


textual, os recursos vocais e o gestual de Elis Regina durante a interpretação com as
emoções transmitidas por ela ao longo da performance. Primeiro será apresentada uma
análise descritiva, e depois serão mostrados exemplos através de imagens extraídas do
vídeo analisado.
1- Entre [00:00 e 00:13] Elis, sentada em um banquinho, mantém o olhar fixo no
horizonte, não encarando realmente a plateia, o que sugere que a cantora (ou a
personagem incorporada por ela) está perdida em seus próprios pensamentos, como que
buscando mentalmente toda a atmosfera de sentimentos que rodeia a canção que
interpretará. Aos [00:13], entra o acompanhamento de piano, Elis abaixa a cabeça e
aguarda o momento de iniciar o seu canto.
2- Entre [00:23 e 00:39], a cantora mantém os pés pendentes no ar enquanto
ergue lentamente a cabeça, fazendo uma leve rotação da cabeça para a direita, enquanto
canta: “quando olhaste bem nos olhos meus, e o teu olhar era de adeus”. Os olhos
apertados e a testa franzida indicam que a personagem busca uma imagem visual da
cena, e revive a dor do momento em que o seu amado anuncia que está para deixá-la. Os
pés pendentes no ar podem indicar um estado de insegurança, de incerteza. A rotação da
cabeça com uma leve inclinação para o lado pode conotar uma atitude de não querer
enxergar uma determinada realidade, um desejo de se afastar de um fato incontestável.
A dinâmica adota é suave.
3- Entre [00:40 e 00:45] Elis volta a inclinar a cabeça para baixo (um sinal típico
de quem está desanimado, deprimido) movimentando-a de um lado para o outro em
sinal de descrença (negativa), ao mesmo tempo em que canta: “juro que não acreditei”.
Aos [00:46] ela cobre o rosto com a mão esquerda, como que para esconder as lágrimas
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ou externalizar seu sofrimento, mantendo-o coberto até [01:13], reafirmando o
sentimento de descrença comentado anteriormente (“Me recuso a ver isto!”). Neste
ínterim, Elis canta: “eu te estranhei, me debrucei, sobre seu corpo, e duvidei”. Dentro
deste espaço de tempo, nota-se sua voz chorosa, demonstrando profunda tristeza. A
dinâmica é extremamente suave. Ainda com o rosto coberto ela canta: “e me arrastei e
te arranhei”, aumentando ligeiramente a intensidade sonora. Ao cantar este trecho
mantendo esta configuração, a mensagem emocional transmitida é de um sentimento de
perda, de uma constatação de que, apesar de ela (a personagem) não ter acreditado, o
fato realmente aconteceu.
4- Entre [01:16 e 01:20], já com o rosto totalmente descoberto, a cantora declara:
“e me agarrei nos teus cabelos”, enquanto inclina a cabeça para trás, permanecendo com
os olhos fechados e uma expressão facial que denota sofrimento, mas ao mesmo tempo
conota a intensidade da imagem textual e melódica. A dinâmica utilizada já é mais forte.
Entre [01:21] e [01:35], mantendo a cabeça inclinada para trás, como se encarasse o teto,
os olhos ainda cerrados, ela canta: “nos teus pelos, teu pijama, nos teus pés”,
demonstrando intensa contrição. Ao pronunciar: “ao...” faz um glissando descendente
atingindo a nota mais grave em “...pé” e concluindo a frase “...da cama” (Fig. 1). Este
recurso reforça o sentido de submissão e também evoca a ideia de um movimento da
personagem de se abaixar e de se posicionar ao lado do móvel. A dinâmica forte em
“nos teus pelos, teu pijama, nos teus pés” mostra os esforços da personagem para
impedir o inevitável (a partida do amado).

Ex. Mus. 1: Glissando descendente em “ao pé...”.

5- Entre [01:37 e 01:57] Elis canta: “sem carinho, sem coberta, no tapete atrás da
porta, reclamei baixinho”. Aos [01:37] ela inicia um movimento descendente com a
cabeça, em seguida mexe nos cabelos, segurando-os atrás da cabeça, permanecendo
nesta postura, rosto voltado para o chão. A voz chorosa, novamente, sobressai. A
combinação entre a inclinação descendente da cabeça e a voz de choro demonstram
desolação e autopiedade. O mexer nos cabelos, em conjunto com o todo, pode indicar
desesperança, desalento. A personagem chega ao fundo do poço, e se prostra
literalmente ao chão.
6- Entre [01:59 e 02:07] ela aperta os olhos, franze os músculos da testa,
movimentando a cabeça de um lado para o outro, enquanto a ergue lentamente. Isto
realça o caráter doloroso do texto, enquanto canta: “dei pra maldizer, o nosso lar”. Neste
momento, já se notam claramente as lágrimas nos olhos da cantora. Ao contrário do que
afirma o texto, a expressão facial não indica um desejo de vingança, mas sim um

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sentimento de grande tristeza (“Estou dizendo isto, mas na verdade estou triste.”) Entre
[02:9 e 02:10] ela abre ligeiramente os olhos, mas mantém a direção do olhar para baixo,
mantendo o aspecto triste do rosto. Entre [02:13 e 02:17] ela canta: “pra sujar teu nome,
te humilhar”, e apoia o rosto sobre a mão esquerda, fechando novamente os olhos e
demonstrando dor. Este movimento pode conotar uma incoerência entre o texto e o
sentimento real da personagem (“Digo que quero te humilhar, mas me sinto pequena,
insignificante; Apoio minha cabeça sobre minha mão, pois mal posso me sustentar.”)
7- Aos [02:20] ela cerra o punho, enquanto canta: “e me vingar a qualquer
preço”, explicitando o caráter vingativo da personagem (texto), no entanto a expressão
do rosto a contradiz. Há um pico de intensidade sonora. Ela logo desfaz esta
configuração de punho, voltando a segurar o microfone com ambas as mãos, aos [02:25],
por um curto espaço de tempo, e depois trocando o objeto de mão, enquanto canta: “te
adorando pelo avesso”, chegando ao ápice de dinâmica da canção. A expressão triste do
rosto afirma o oposto do que diz o texto (“não me vingo, continuo amando, por isto
sofro.”).
8- Entre [02:34 e 02:40], já de pé, ela se apoia sobre o banco, parecendo estar
sem forças para se sustentar nesta posição, enquanto canta: “pra mostrar que ainda sou
tua”. Entre [02:45 e 02:54], Elis permanece apoiada com o braço sobre o encosto do
banco e canta: “até provar que ainda sou tua”, demonstrando resignação. Aqui ela dá
sinal de que seu nível real de emoção é intenso, pois parece ter dificuldade de se manter
de pé. Entre [02:55 e 03:10], mantendo a cabeça inclinada para baixo, ela canta um
vocalize, para finalizar com : “até provar que ainda sou tua”, entre [03:11e 03:24], a
dinâmica é extremamente suave. A cantora ergue a cabeça e exibe o rosto molhado de
lágrimas.
A seguir, apresentaremos alguns exemplos, através de imagens extraídas do
vídeo, mostrando a associação entre texto-música-imagem em trechos considerados
mais expressivos da canção, semelhantemente ao trabalho de análise realizado por
BORÉM e TAGLIANETTI (2014) com performances de Elis Regina para Atrás da
Porta e Ladeira da Preguiça. No exemplo 1, Elis cobre o rosto e movimenta a cabeça de
um lado para o outro, como que escondendo as lágrimas e recusando-se a acreditar no
“olhar de adeus” do ser amado. De acordo com os estudos de WELL e TOMPAKOW
(1986), a cabeça baixa geralmente está relacionada à tristeza ou desânimo. O
movimentar da cabeça de um lado para o outro é universalmente reconhecido, em nossa
cultura, como negativa.

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Ex. 1: Rosto coberto – recusa de acreditar na realidade iminente (Não quero ver). [00:47 a 01:16].

O Exemplo 2, mostra a cantora com a cabeça inclinada para trás, como se


olhasse para o teto. Ela realiza um glissando descedente ao pronunciar “ao” [01:30 a
01:32], concluindo com a sílaba “pé”, nota mais grave da passagem. O glissando
descendente indica sentimento de inferioridade e de autopiedade, o que reforça o
sentido do texto. A inclinação do corpo para trás, neste contexto, nada tem a ver com o
conteúdo semântico emitido, mas talvez denote uma tentativa de fuga da realidade por
parte da personagem (ou da própria Elis, quem sabe), ao buscar fixar o olhar no alto,
como em busca de uma porta de saída.

Ex. 2: a cantora inclina a cabeça para trás enquanto executa um glissando descendente entre as notas das sílabas “ao
e pé”, da frase “ao pé da cama”.

O exemplo 3, mostra a cantora com o punho fechado, procurando externalizar


o sentimento de vingança, mas a expressão do rosto mostra que a emoção que sobressai,
na verdade, é o sofrimento.

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Ex. 3: punho cerrado na tentativa de expressar sentimento de vingança. Mas a expressão facial é de dor e sofrimento
[02:22].

O quarto e último exemplo mostra a cantora apoiada sobre o banco enquanto


conclui sua apresentação afirmando: “até provar que ainda sou tua”. Cabeça baixa,
demonstrando submissão e resignação diante do sentimento de pertencimento à figura
masculina [02:47 a 03:32]. A configuração geral é de desânimo e tristeza.

Ex. 4: a cantora se apoia sobre o banco e mantém a cabeça baixa enquanto canta: “até provar que ainda sou tua”.

Na tabela abaixo tentamos classificar as emoções e sua relação com possíveis configurações de
posições de partes do corpo, em especial, a cabeça, o tórax, o abdômen e as mãos.

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Tab. 1: Elementos Expressivos da Postura (adapt. WELL e TOMPAKOW, 1988)

Emoção Características Posturais Frequentes

Raiva Cabeça para trás, Projeção do tórax, Retração do abdômen, Braços estendidos para
frente ou para cima, Ombros elevados.
Alegria Cabeça para trás, Tórax em posição natural, Braços erguidos acima dos ombros,
Ombros elevados.
Tristeza Cabeça inclinada para frente (olhos fitando o chão), Tórax retraído, abdômen retraído,
Braços soltos ao lado do tronco, Postura largada.
Surpresa Cabeça para trás, Tórax retraído, abdômen projetado, Braços erguidos ou estendidos,
Olhos arregalados.
Desprezo Cabeça para trás ou levemente inclinada, Projeção do tórax (sentimento de
superioridade), mãos na cintura.
Medo Cabeça para trás, Retração abdominal, Retração do tórax, braços erguidos à frente,
ombros projetados para frente.
Nojo Ombros projetados pra frente, Cabeça inclinada para trás ou levemente inclinada para
frente, Projeção do Tórax, Retração do abdômen.

3- CONSIDERAÇÕES FINAIS

O talento inegável de Elis Regina nos ajuda a compreender a importância da


expressividade no canto. Nesta performance de Atrás da Porta, de Chico Buarque e
Francis Hime, a cantora consegue, de forma intensa, expressar sentimentos que são
evocados pelo conteúdo textual e musical da canção. Os elementos gestuais, aliados aos
elementos técnico-vocais utilizados pela cantora, sobretudo em termos de dinâmica,
contribuem para que o resultado final em termos de transmissão de emoção seja
excelente.
De acordo com informações sobre os últimos momentos da vida de Elis Regina
(ECHEVERRIA, 2012; MARIA, 2015; FARIA, 2015), é possível saber que, à época da
gravação do vídeo analisado, a cantora passava por períodos difíceis, vivendo num
verdadeiro turbilhão de emoções. Desta forma, não sabemos, com certeza, se a
intensidade emocional demonstrada na interpretação foi algo puramente intencional ou
também um reflexo de toda a complexidade pela qual passava, com o fim de seu
casamento, problemas de relacionamento com familiares, sempre em meio a uma
intensa carga de atividade profissional.
Ao contrário do que ocorre em performances anteriores da mesma canção, não
fica muito explicita a divisão estrutural, conforme mostrado por BORÉM e
TAGLIANETTI (2014). Ao contrário, nota-se uma certa unidade em termos de
interpretação, como se o discurso ocorresse num contínuo. Isso talvez se deva ao fato de
a cantora ter enfatizado o caráter triste da canção, não evidenciando outros sentimentos
como a raiva e o desejo de vingança, também implícitos no texto. No entanto, pode-se
dizer que Elis foi bem sucedida no âmbito da expressividade, por ter conseguido

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transmitir as emoções associadas ao caráter principal da peça, que tem um tom geral de
tristeza e sofrimento, tanto em termos harmônicos e melódicos, quanto textuais.
É evidente que mais estudos se fazem necessários para que cheguemos a uma
maior compreensão dos mecanismos por trás da expressividade vocal e corporal com
finalidade de uso na prática artística da música. Além disso, a interdisciplinaridade entre
a música e outras áreas se faz necessária para que os horizontes de pesquisa e
abordagens possam ser ampliados. De qualquer forma, acredito que o presente artigo
pode dar uma contribuição, ainda que pequena, para o entendimento do aspecto
expressividade no canto.

REFERÊNCIAS

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Emotions. Science Brief. Disponível em: <
http://www.apa.org/science/about/psa/2011/05/facial-expressions.aspx>. Acesso em:
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BORÉM, Fausto. TAGLIANETTI, Ana Paula. Texto-Música-Imagem de Elis
Regina: uma análise de Laderia da Preguiça, de Gilberto Gil e Atrás da Porta, de Chico
Buarque e Francis Hime. 2014. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/pm/n29/n29a07.pdf>. Acesso em: 09/08/2018.
EKMAN, Paul; FRIESEN, Wallace V. 1986. A New Pan-cultural Facial
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168. apud BORÉM, Fausto. MaPA e EdiPA: duas ferramentas analíticas para as
relações texto-som-imagem em vídeos de música, 2016. Artigo. Disponível em: <
https://tema.mus.br/revistas/index.php/musica-theorica/article/view/8/14>. Acesso em:
09/08/2018.
PEROTTI, Denielle. BORÉM, Fausto. Relações Texto-Música-Imagem de
Elis Regina em Me Deixas Louca. Em Diálogos Musicais na Pós-Graduação. Práticas
de Performance, nº 1, 2016. Disponível em:
<www.musica.ufmg.br/selominasdesom/wp-content/uploads/2018/04/LIVRO-
Diálogos-Prat-Perf-N.1.pdf.> Acesso em: 09/08/2018.
RUNDUS, Katharin. Cantabilie: A Manual About Beautiful Singing. Pavane
Publishing, 2009.
SUNDBERG, J et al. A Singer’s Expression of Emotion in Sung Performance.
Artigo. Disponível em: <
http://www.speech.kth.se/prod/publications/files/qpsr/1994/1994_35_2-3_081-092.pdf>.
Acesso em: 09/08/2018.
WEIL, Pierre e ROLAND, Tompakow. O Corpo Fala: a linguagem silenciosa
da comunicação não-verbal. Editora Vozes. 1988.

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UNIVERSITY OF SOUTHERN CALIFORNIA. Gesture Handbook.
Expressing Emotion Through Posture and Gesture. Disponível em: <
http://people.ict.usc.edu/~gratch/CSCI534/Readings/ACII-Handbook-GestureSyn.pdf>.
Acesso em: 09/08/2018.
REFERÊNCIA DE VÍDEO
REGINA, Elis. Atrás da Porta (Chico Buarque e Francis Hime, 1980). Disponível em:
< https://www.youtube.com/watch?v=35FPZR24djg> Acesso em: 09/08/2018.

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