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diz o pesquisador Silvio Ferraz, da Uni-

versidade Estadual de Campinas (Uni- o PROJETO O PROJETO


camp) e da Pontifícia Universidade Ca-
Laboratório de Projeto e Simulação Acústica
tólica de São Paulo (PUC-SP), principal Interfaces Gestuais de Ambientes para Escuta Musical
articulador do instituto virtual. "Com
isso, vamos dar peso, prestígio e um nor- MODALIDADE MODALIDADE
te comum a essas linhas de pesquisas, Programa jovem pesquisador Projeto temático
respeitando, logicamente, as individua-
lidades de cada uma delas", comenta COORDENADOR COORDENADOR
JÔNATAS MANZOLLI - Nics/Unicamp FERNANDO IAZZETTA - ECAlUSP
José Fernando Perez, diretor científico da
FAPESP. Inicialmente, quatro grandes INVESTIMENTO
INVESTIMENTO
vertentes de trabalho serão estimuladas: R$ 44.176,01 R$ 123.205,00
o estudo da acústica de salas de concer-
to; a análise de obras com o auxílio de
computador; a promoção de composi- próximos anos, trazendo ao país, por Na primeira imagem usada para ilus-
ções e performances que se utilizem, exemplo, pesquisadores do Centro de trar esta reportagem, dá para ver uma
em tempo real, do micro ou de outros Nova Música e Tecnologias em Áudio, bailarina dançando de traje escuro, ilu-
equipamentos como se fossem instru- de Berkeley (EUA), e o Grupo de Músi- minada por um spot de luz à sua di-
mentos musicais; e uso de técnicas de ca Experimental de Marselha (Gmem). reita e envolvida por grafismos verme-
inteligência computacional no estudo O Brasil não tem muita tradição lhos que parecem sair de seu corpo,
da cognição e da criatividade musical. em fomentar pesquisas que juntam num belo efeito visual criado pelo fotó-
À medida que o instituto virtual ganhe arte e ciência, duas formas distintas, grafo a partir de um conjunto de luzes
corpo, outros temas poderão se incor- mas não incompatíveis de conhecimen- preso à roupa da artista. Há ainda, ao

.N
porar à sua pauta. to, de sentir e interpretar o mundo. fundo, um teclado. Acredite: essa bai-
Mas isso não significa que o instituto larina, Andréia Yonashiro, está "tocan-
rimeiraatividade promovi- virtual de música e tecnologia parte do do" o instrumento com os seus movi-
da pelo instituto, que con- zero em sua missão de estreitar as mentos, com cada trajetória descrita
tará em breve com um site amarras entre esses dois campos. Parte por sua coreografia. Não, não se trata
para integrar seus mem- justamente de projetos que já existem e de ilusão de ótica, ficção científica ou
bros e respectivos proje- se mostram instigantes. E o que já exis- assombração. A resposta a esse falso mis-
tos, será o evento Ircarn-Brasil, entre 8 te, somente em São Paulo, é um peque- tério está na superfície escura tocada pe-
e 14 de agosto, em São Paulo. Durante no guarda-chuva de idéias capaz de los pés de Andréia, que quase não apa-
sete dias, dez pesquisadores do centro dar abrigo ao cruzamento da pesquisa rece na foto: um tapete especial de um
francês darão palestras e concertos e e criação musicais com áreas tão dis- metro quadrado, que está conectado ao
participarão de reuniões científicas tintas, como ciências da computação, sintetizador.
com seus colegas brasileiros. Com exce- física, biologia e matemática, para não O tapete é dotado de 12 sensores pie-
ção da palestra do dia 8, que será no mencionar os flertes com outras disci- zo-elétricos, que, quando pressiona-
Instituto das Artes da Unicarnp, duran- plinas do terreno das artes, corno dan- dos pelos deslocamentos da bailarina,
te o 9° Simpósio Brasileiro de Com- ça e teatro. registram pequenas variações de po-
putação Musical, as demais serão rea- Com 20 anos de existência quase si- tencial elétrico. Com o auxílio de um
lizadas no Instituto Itaú Cultural, na lenciosa para quem não transita no conversor analógico-digital, essas alter-
capital paulista, que cedeu suas instala- universo da música e tecnologia, o Nú- nâncias elétricas, medidas em micro-
ções para o evento. Sempre à noite, as cleo Interdisciplinar de Comunicação volts, são transformadas em eventos
apresentações musicais serão no Teatro Sonora (Nics) da Unicamp faz muito do protocolo Midi (Music Instrument
da Aliança Francesa e Teatro Cultura barulho em uma de suas vertentes de Digital Interface), uma espécie de lin-
Artística, em datas ainda não confirma- pesquisa: a criação de dispositivos - in- guagem musical que se utiliza de uma
das. Embora tenham sido concebidas terfaces, no jargão da área - que reali- tabela de números para representar as
especialmente para os pesquisadores da zem a transferência de um modelo abs- alturas das notas musicais (dó, ré, mi,
área, as atividades do workshop também trato (pode ser o movimento na dança, fá, sol, lá, si...) e sua intensidade. "Esses
serão abertas ao público em geral, me- modelos matemáticos ou do código números podem acionar qualquer ins-
diante prévia inscrição no Itaú Cultu- genético) para o agente sonoro, em ge- trumento eletrônico compatível com o
ral. "Queremos aumentar o intercâmbio ral um instrumento musical digital protocolo Midi, como um teclado': ex-
com instituições internacionais que são ou o computador. Falando assim, tudo plica o músico e matemático Iónatas
referência na pesquisa em música e ciên- parece complicado, fora do tom. Um Manzolli, coordenador do núcleo, que
cia': comenta Ferraz. Eventos nos mol- exemplo ajuda a entender o tipo de tra- desenvolveu o tapete no âmbito do pro-
des do Ircam-Brasil, que conta ainda balho feito pelo núcleo, composto por grama Jovem Pesquisador, financiado
com o apoio do consulado francês em cerca de 30 pessoas, entre professores e pela FAPESP. Além do piso que faz
São Paulo e do Centro Franco-Brasilei- alunos, tanto da música como de outras música, a equipe do Nics criou luvas e
ro de Documentação Técnica e Cientí- áreas (matemática, ciências da compu- sapatilhas de dança que também fun-
fica (Cendotec), deverão se repetir nos tação e engenharia). cionam como interfaces sonoras. Em-

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bora de caráter experimental, todos es-
ses dispositivos já foram usados em es-
petáculos artísticos concebidos pelos
pesquisadores e apresentados em even-
tos no Brasile exterior.

Luthier digital - O Nics também de-


senvolveu uma série de ferramentas
computacionais que podem ser usadas
para produzir eventos sonoros simples
ou complexos - desde que seu usuário
sejahabilidoso e aprenda a usá-los cor-
retamente. O Rabisco, por exemplo, é
um programa que gera música a partir
de traços feitos de forma livre numa
tela em branco. "Somos uma espécie de
luthier digital", afirma Adolfo Maia Jr.,
professor do departamento de Mate-
mática Aplicada da Unicamp e coor-
denador associado do Nics. Curioso pa-
radoxo entre o passado e o futuro, pois
a luteria é a delicada e antiga arte da
fabricação manual de instrumentos de
corda com caixa de ressonância, como
violinos, celos ou violões. Um proje-
to inusitado da equipe de Manzolli e
Maia Jr., tocado em parceira com o Ins-
tituto de Neuroinformática da Poli-
técnica de Zurique, Suíça, é uma espé-
ciede instalação sonora que utiliza um
robô no controle de um instrumento
musical digital.
Trabalhando numa linha de estudo
diferente do Nics, FIo Menezes, do Ins-
tituto de Artes da Universidade Esta-
dual Paulista (Unesp), é mais um pes-
quisador que vai engrossar as fileiras do
instituto virtual de música e ciência.
Esse compositor paulistano se dedica a
explorar as possibilidades da chamada
música eletroacústica, uma vertente ex-
perimental criada no final do anos 40
na Europa (França e Alemanha), cuja
maior referência histórica é o alemão
Karlheinz Stockhausen. Não confundir,
por favor, a paixão e o objeto de traba-
lho de Menezes, que toca piano desde
os 5 anos de idade, com a música ele-
trônica, aquele som de bate-estaca que
embala festas intermináveis de boa par-
te da juventude. O artista que abraça a
música eletroacústica, às vezes chama-
da de música concreta ou acusmática,
compõe obras que são uma elaborada
montagem de sons modificados pelos
modernos recursos da computação. A
maior parte dos sons é pré-gravada e se
origina de instrumentos musicais ou de
qualquer outra fonte de áudio, como
uma porta que bate, o soar de uma bu-
caixa dedicada a reproduzir exclusiva- um software, com tecnologia nacional,
o PROJETO mente sons graves. "Com esse equipa- para a realização de análises da dis-
mento, que pode ser transportado para persão de sons em pequenos auditó-
Aplicação da Idéia Filosófica
de Ritornelo no Desenho os locais de apresentação, poderemos rios, locais com até 100 assentos na
de Interfaces Digitais para a Criação fazer concertos eletroacústicos de óti- platéia. Em princípio, a idéia é desen-
e Tratamento de Áudio em Tempo ma qualidade sonora", afirma Menezes. volver um aplicativo para lugares de
Real em Improvisações Livres dimensões modestas e, num segundo
Simulação acústica - Por falar em momento, adaptá-lo para uso em am-
MODALIDADE
Linha regular de auxílio à pesquisa qualidade sonora, o estudo da acústica bientes mais amplos. "Hoje, existem
de salas de concerto, um dos alicer- produtos importados que fazem isso,
COORDENADOR ces do nascente instituto virtual de mas podem custar até US$ 40 mil", diz
SILVIO FERRAZ - PUC/SP música e ciência, já é alvo de um pro- Iazzetta, que, no projeto, conta com a
jeto temático desde o ano passado. Co- colaboração de pesquisadores das
INVESTIMENTO
R$ 47.949,68 ordenada por Fernando Iazzetta, do de- áreas de matemática, arquitetura e
partamento de música da Escola de engenharia civil. "Nossa meta é criar
Comunicações e Artes da Universidade um programa de arquitetura aber-
zina. Os mais maldosos diriam que a de São Paulo (ECA/USP), a iniciativa to, que poderá ser copiado por qual-
música eletroacústica é mais eletroacús- tem como objetivo final desenvolver quer pessoa."
tica do que música, mas tal estranha-
mento se deve ao caráter vanguardista
do movimento. "Muitos colegas meus,
músicos inclusive, me vêem como o cien-
tista maluco da música', comenta Me-
nezes, em tom de brincadeira.

mdos traços mais mar-

U c~n~es d~s obras eletroa-


cústicas e a extrema preo-
cupação com a forma de
difusão espacial das mú-
sicas diante da platéia num teatro ou
casa de concerto. Um bom som esté-
reo, com as tradicionais duas saídas de
áudio, não basta. Músicos como o pes-
quisador da Unesp, que estudou na
Alemanha, Itália, Suíça e França (Ir-
cam), querem, no mínimo, a quadrifo-
nia, a possibilidade de espalhar sua mú-
sica num palco dotado de quatro saídas
independentes de áudio. O ideal é até .
mais do que isso. Para eles, o movimen-
to do som pelos alto-falantes, o trajeto
de suas colagens sonoras pelas caixas
acústicas, é parte indissociável de suas
obras. Tanto que Menezes aguarda, com
ansiedade, a chegada de sua "orques-
tra de alto-falantes" para construir o seu
"teatro sonoro", este último um termo
emprestado do Renascimento Italiano.
Projeto financiado pela FAPESP, o Puts
(PANaroma/Unesp: Teatro Sonoro) será
uma "orquestra" composta, inicialmen-
te, por 12 alto-falantes de altíssima qua-
lidade e quatro subwoofers, um tipo de

Montagens sonoras da música


eletroacústica são concebidas para
serem excutadas por uma
orquestra de alto-falantes
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Como funciona esse tipo de aplica- qualquer lugar que se deseje estudar,
tivo? O software roda num laptop dota- desde que seja abastecido com as di-
o PROJETO
do de microfones especiais que captam mensões e outras características físicas
PUTS - PANaromalUnesp-
sons, de freqüências previamente co- do local. "Dessa forma, poderemos fazer Teatro Sonoro
nhecidas, que foram emitidos no ambi- alterações virtuais na planta dessa sala
ente cuja acústica se deseja estudar. Em de concerto e antever quais seriam as MODALIDADE
seguida, o programa compara a fre- implicações sobre a sua acústica", expli- Linha regular de auxílio
qüência registrada na sala de concerto ca Iazzetta. "O software pode ser um à pesquisa
com a original do som e, dessa forma, instrumento útil para propormos repa-
fornece um parecer sobre o local. Essa é ros nos locais de apresentação:' COORDENADOR
FLO MENEZES - Instituto
uma explicação esquemática. O proce-
de Artes/Unesp
dimento, obviamente, não é tão sim- Vampiros de som - Antes de iniciar o
ples assim. Na verdade, o software não temático sobre acústica, Iazzetta parti- INVE':TlMENTO
se limitará a registrar e dar um veredic- cipou do programa Jovem Pesquisador R$ 150.679,63
to sobre as propriedades de propagação com seu colega Silvio Ferraz, o articu-
sonora de salas de concerto. Num am- lado r do instituto virtual de música e
biente virtual, ele funcionará também ciência. Na ocasião, ambos tentaram no processo de criação e explorar no-
como um simulador da acústica de entender como a tecnologia interfere vas formas de compor e tocar. No iní-
cio de suas carreiras como músicos,
Iazzetta estudou percussão e Ferraz,
trompa. Mas hoje ambos freqüente-
mente se definem como tocadores de
laptops. Isso porque atualmente os com-
putadores os acompanham em quase
todas as suas performances, nas quais
utilizam muito material pré-gravado e
processado pelos micros. "Tenho hoje
muito interesse no desenvolvimento
de softwares que compõem sozinhos,
em programas que picotam o som",
afirma Ferraz, que, no passado, chegou
a atuar como músico de estilo mais
clássico em orquestra dos estados de
São Paulo, Bahia e Paraná. "Somos vam-
piros de sons, para usar uma expressão
de meu colega Rogério Moraes Costa
(da ECA/USP)."
Além de ser um músico adepto de
performances embaladas pelo som de
computadores, Ferraz, a quem caberá
em grande parte o trabalho de fazer a
equipe do instituto virtual tocar, jun-
ta e afinada, os projetos dessa inicia-
tiva interdisciplinar, desenvolve tam-
bém um lado de pesquisador mais
conceitual, teórico. Lançando mão dos
ensinamentos de áreas como a semió-
tica (o estudo dos signos) e a cognição,
gosta de discutir o que é música para
as pessoas. "Muita gente associa a idéia
de música à existência de uma batida e
de uma melodia", afirma ele. "Mas há
cantos indígenas que não têm esses ele-
mentos. Por que ao ler um poema, al-
gumas pessoas o acham musical e ou-
tras, não? O que transforma uma sopa
de sons em música?" Essas e muitas ou-
tras indagações e buscas serão a pauta,
a partitura, que irá reger a atuação do
instituto. •

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