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Artigo I.S.A
Artigo I.S.A
A
dren having serious psychopa-
thological manifestations, we
often ask ourselves if certain
manifestations can be descri- presentar um texto comentando inibi-
bed as symptoms. This article ção e sintoma revela controvérsias, principalmente
discusses the distinctions and quando se objetiva compreender a distinção entre
articulations between the two
concepts. This distinction, be- um conceito e outro. Não poucas vezes, depara-
sides seeking theoretical preci-
sion, may serve as a contribu-
tion to a reconsideration of the
various psychopathological ex-
pressions seen in the clinic. Psicóloga, psicanalista, mestre em Psicologia Clínica pela
With this in mind, the au- PUC-SP, membro pesquisador do Laboratório de
thors argue for maintaining a Psicopatologia Fundamental do Programa de Estudos Pós-
necessarily cautious position on Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP.
when diagnosing children in
Sociólogo, psicanalista, Ph.D. pela Universidade Cornell
constitution.
(EUA), professor do Programa de Estudos Pós-Graduados em
Inhibition; symptom; educa-
tion; child Psicologia Clínica da PUC-SP, diretor do Laboratório de
Psicopatologia Fundamental desta universidade.
INIBIÇÃO E SINTOMA:
ALGUMAS DISTINÇÕES
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gung] desagradável, seja mantida afastada do devir-consciente
[Bewusstwerden]. A análise comprova com freqüência que a repre-
sentação se manteve como formação inconsciente” (Freud, 1926
[1925], p. 5).
O recalque seria, então, o processo psíquico por excelência
da formação do sintoma. Um processo de defesa do Eu contra
uma moção pulsional atestando, por um lado, o poder de influ-
ência do Eu sobre o acesso da representação à consciência; por
outro lado, justamente pela formação do sintoma como substi-
tuição, ou seja, pelo seu resultado, apontando para um enfraque-
cimento, uma debilidade do Eu. O Eu sempre se enfraquece no
recalcamento, ou seja, quando entra num conflito, num jogo de
forças - ele inibe e lesiona parte do Isso, mas também lhe dá uma
porção de independência, abdicando de sua soberania. Além dis-
so, “o processo que se tornou sintoma por obra do recalcamento
afirma agora sua existência fora da organização do eu e indepen-
dente dela...” (Freud, 1926 [1925], p. 11).
A partir da definição dada por Freud à inibição, observa-se,
ao contrário do ocorrido no sintoma, uma debilidade no Eu, que
não implica um trabalho de resolução dos conflitos como no sin-
toma. Diz Freud:
“A inibição é a expressão de uma limitação funcional do
eu [Funktionseinschränkung des Ichs] que, por sua vez, pode
ter causas muito diversas. Diversos mecanismos desta renún-
cia [Verzicht] à função nos são muito conhecidos...” (Freud,
1926 [1925], p. 3).
Na inibição, de saída, há um Eu enfraquecido, pois a renún-
cia realizada requer dele a força da ação inibidora. O Eu, então,
não se aventura a entrar em conflito com as demais instâncias, a
fim de encontrar uma solução, uma formação de compromisso. A
renúncia se põe como a defesa possível, por excelência, promove-
dora da inibição, dispensando o trabalho de um (novo) recalca-
mento. A partir deste Verzicht, desta renúncia, o Eu evita entrar
em conflito com o isso ou com o supereu, e a inibição se dá no
âmbito do Eu.
Freud relaciona essa limitação funcional do Eu com um as-
pecto sexual, ao exemplificar uma série de inibições em diferen-
tes perturbações neuróticas: “...a função do Eu de um órgão é
danificada quando aumenta a sua erogeneidade, sua significação
sexual” (1926 [1925], p. 3). Quando um ato de escrever, por
exemplo, assume um significado simbólico de coito, algo da or-
dem de uma ação sexual fica proibido. O Eu faz uma renúncia, a
fim de não precisar empreender um novo recalcamento e a fim de
evitar um conflito com o Isso.
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INIBIÇÕES E SINTOMAS: Sem dúvida, o terreno foi pre-
parado por uma superexcitação se-
ALGUMAS ARTICULAÇÕES xual devida à ternura da mãe de
ENCONTRADAS NA Hans; mas não sou capaz de especi-
NEUROSE ficar a causa real da excitação. Ele
receia que um cavalo vá mordê-lo na
rua...
Após as importantes distinções (...) Com exceção do fato de es-
entre sintoma e inibição, podem- tar receoso de sair à rua e de ficar
se, agora, retomar as relações entre com desânimo à noite, ele de resto
si, pois num sujeito não raro se en- é o mesmo Hans, tão alegre e ani-
contram simultaneamente inibi- mado como sempre foi” (Freud,
ções e sintomas. Assim, quando 1909, p. 33).
Freud vai se ocupar de casos singu- Evitando uma discussão por-
lares de neuroses para aprofundar menorizada do caso, das implica-
a compreensão relativa ao Eu e suas ções das observações do pai sobre o
lutas defensivas, ao sintoma e ao menino, dos efeitos de aplicação do
problema da angústia observada por método psicanalítico à criança e da
ele à espreita como pano de fundo concepção disto na época, voltemos
de todo esse tema que vem abor- nosso olhar para a manifestação tan-
dando, recomenda, ele mesmo, ini- to da inibição como do sintoma. Ao
ciar pela neurose histérica. O pri- trabalhar essas relações, associadas
meiro caso apresentado é o de uma à angústia, no seu texto Inibição,
zoofobia histérica infantil no peque- sintoma e angústia, Freud observa
no Hans. inicialmente a situação psíquica do
O tratamento do pequeno pequeno Hans, a qual se caracteri-
Hans é dirigido por Freud, por in- za, segundo ele, pelo fato de o me-
termédio do pai do menino que, nino encontrar-se numa atitude edí-
em transferência para com o “Caro pica de amor e ódio (ciúmes) em
Professor” - como ele escreve nas relação ao pai, este último senti-
cartas -, dispõe-se a observar a vida mento manifestado enquanto sua
sexual de seu filho e enviar o ma- mãe amada é posta em questão.
terial obtido, com o intuito inicial Freud observa um conflito de am-
de confirmar as teorias freudianas bivalência em relação à mesma pes-
sobre a sexualidade infantil. Al- soa, ou seja, o pai, e supõe que a
gum tempo depois, no entanto, la- fobia do menino seja uma tentati-
menta o pai, o material enviado va de solucionar tal conflito. Eis o
transforma-se em material para um sintoma? A angústia indefinida,
caso clínico: pergunta Freud, diante do cavalo?
“Como o senhor verá, nesses Antes de responder a isso, ad-
últimos dias ele vem apresentando verte que o conhecimento super-
um distúrbio nervoso que nos tem ficial do caso não nos ensina nem
preocupado muito, a mim e a mi- sequer a expressão do suposto como
nha esposa... sintoma. Este implica transforma-
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investimento afetuoso de Hans para com sua mãe também é re-
calcado em função da fobia, não deixando esse amor transpare-
cer. Em lugar de um único recalcamento, Freud observa um acú-
mulo deles. Por meio da fobia, Hans despacha os principais ele-
mentos do complexo de Édipo: o ódio contra o pai e o superafeto
para com a mãe.
A fim de enriquecer suas observações referentes às neuroses
da infância1, mais especificamente às zoofobias infantis, Freud
realiza um breve estudo comparativo entre o caso do pequeno
Hans e do Homem dos Lobos. No caso do Homem dos Lobos,
analisado somente em sua terceira década de vida, angustiado
com a idéia de ser devorado por um lobo, o problema parte de
outro lugar:
“Sua relação com o objeto feminino foi perturbada precoce-
mente por uma sedução, o lado passivo, feminino, constitui-se
nele de forma intensa, e a análise de seu sonho dos lobos desvela
pouco sobre agressões intencionais contra o pai; ... o recalcamen-
to atinge a atitude passiva, afetuosa diante do pai” (Freud, 1926
[1925], p. 21).
Apesar das diferenças entre os casos, o motor do recalcamen-
to em ambos é o mesmo: Hans, em função da angústia de castra-
ção, desiste da agressão contra o pai; o Homem dos Lobos desiste
do desejo de ser amado como objeto sexual pelo pai, devido ao
mesmo fator, pois um relacionamento de tal ordem pressupõe o
sacrifício dos genitais masculinos, que o diferenciam da mulher.
Os conteúdos angustiantes - ser mordido pelo cavalo e ser devo-
rado pelo lobo - substituem a idéia de “ser castrado pelo pai”.
“A angústia da fobia de animais é a angústia de castração
imutada, portanto, uma angústia real [Realangst], angústia dian-
te de um perigo realmente ameaçador, ou julgado real. Aqui a
angústia faz o recalcamento, e não, como eu supus anteriormen-
te, o recalcamento faz a angústia” (Freud, 1926 [1925], p. 22).
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damente livre” (Berlinck, 2000, p. so de elaboração de um conflito?
234). O humano torna-se um ser Quando a inibição produz no eu
angustiado diante dessa discrepân- uma evitação de entrar em conflito
cia, manifestando o mais primitivo com as demais instâncias psíquicas,
afeto psíquico. Assim, a angústia retomamos o considerado inicial-
“(...) não dispensa o psiquismo, ain- mente com relação ao trabalho psí-
da que se inscreva no corpo, reve- quico envolvido na inibição e no sin-
lando, assim, a natureza corporal do toma, quando foi dito ser possível
psiquismo” (p. 235). Ela se dá no observar um trabalho psíquico no sin-
âmbito do aparelho psíquico. toma, o qual, na inibição, apresen-
“Resultado de um acúmulo de ta-se impedido.
excitação ou tensão física sexual, não
podendo ser devidamente descarre-
gada, ou ab-reagida - não por falta IN-CONCLUSÕES
do aparelho psíquico, âmbito no
qual a excitação sexual pode se ligar,
graças ao trabalho de Eros, a repre- Retornemos agora à afirmação
sentantes pulsionais, que lhe dão freudiana sobre a existência de ca-
uma significação psíquica, e que a sos de doença que apresentam so-
transformam num verdadeiro afeto mente inibições, e não sintomas.
-, a angústia pode ser pura descarga Ao que Freud estaria se referindo
de excitação sexual acumulada, já aqui? Não encontramos a resposta
que é testemunha da liberdade hu- em seu texto. Neste, encontramos
mana” (Rocha, citado em Berlinck, apenas indicações para pensarmos
2000, p. 235). algumas de suas condições, dife-
Ligação, trabalho de Eros, signi- rentes para o caso da formação dos
ficação psíquica, eis a elaboração psí- sintomas, como tentamos mostrar
quica, a qual requer uma série de até aqui.
mecanismos de defesa, capazes de Em nossa experiência clínica
formar um sintoma ou de, por exem- com crianças apresentando graves
plo, configurar um distúrbio neu- manifestações psicopatológicas, não
rótico. Incluímos a inibição aqui poucas vezes nos perguntamos se
também? podemos considerar como sintomas
Ao considerar a inibição como certas manifestações. Formulamo-
proteção e anteparo contra o denun- nos esta pergunta devido à comple-
ciado pela angústia, como possibili- xidade do processo psíquico envol-
dade de barrar a emergência do pe- vida na formação do sintoma, exi-
rigo, estamos diante de uma, entre gindo do Eu uma operação em sua
tantas, defesas do aparelho psíqui- defesa, somente possível por este ter
co. Que espécie de defesa é essa? Que se tornado uma organização que en-
espécie de significação psíquica pode tra numa luta defensiva, diante do
ser elaborada, a partir de um meca- conflito com outras instâncias. Esta
nismo levando ao impedimento, ao organização, por sua vez, indica a
entrave do desenrolar de um proces- natureza do Eu diante de um con-
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inibição e o sintoma, no nível das se na criança. Em segundo lugar, o
manifestações na clínica; outra re- procedimento psicoterapêutico
lação de associação ou comparação com crianças gravemente inibidas
entre a inibição e o recalque, no é diferente do procedimento com
nível dos processos psíquicos, dos crianças apresentando sintomas.
conceitos, da metapsicologia. Quando o psicoterapeuta trata
Por ora, quanto ao primeiro ní- o desamparo de crianças com inibi-
vel de relação, cujas distinções reali- ção, resultados espetaculares fre-
zamos com a intenção de dar desta- qüentemente ocorrem, revelando
que à inibição, é possível concluir: um “falso autismo”, “uma falsa sur-
- com relação à dinâmica psí- dez” etc. (Fráguas & Berlinck,
quica, enquanto na formação do sin- 2001), e a precipitação diagnóstica
toma observa-se um trabalho psíqui- pode ser reconhecida.
co em ação, na inibição nota-se um As raras crianças que apresen-
trabalho psíquico impedido; tam autismo não reagem da mes-
- com relação ao Eu, na forma- ma maneira que crianças inibidas.
ção do sintoma, o Eu utiliza seu Elas respondem, na melhor das hi-
poder de influência sobre a moção póteses, de forma muito mais lenta
pulsional indesejada, entra em con- e parcial ao tratamento psicotera-
flito, num jogo de forças, para de- pêutico.
pois se enfraquecer; a inibição justa- Finalmente, é preciso prestar
mente é a expressão de uma limita- certa atenção à crescente agressivi-
ção funcional do Eu; dade manifestada em crianças ini-
- o sintoma afirma sua existên- bidas com tratamento psicoterapêu-
cia fora da organização do Eu; en- tico. Com o enfraquecimento da ini-
quanto a inibição dá-se no Eu; bição, a criança sente-se capaz de en-
- com relação à angústia, o sin- frentar situações desprazerosas agre-
toma resulta de um processo de de- dindo aquilo ou aquele considerado
fesa contra a angústia, por obra do responsável pelo desprazer. Elas tor-
recalcamento; a inibição surge como nam-se mais corajosas, ousadas mes-
um anteparo contra a angústia, mo, enfrentando as dificuldades di-
como medida de precaução, por ante das quais, antes, se inibiam.
meio de uma renúncia (Verzicht). Nessas circunstâncias, os pais e
Essas considerações contêm, professores podem ficar assustados,
obviamente, importantes conseqüên- especialmente porque, nas socieda-
cias para a clínica psicoterapêutica des ocidentais atuais, a agressivida-
com crianças. Em primeiro lugar, é de é vista como grave distúrbio.
necessário evitar precipitações di- Cria-se, dessa forma, um certo pa-
agnósticas. Muitas vezes, aquilo que radoxo: a criança não deve ser inibi-
médicos, pedagogos, psicólogos, da, pois isso prejudica seu rendimen-
psicopedagogos denominam autis- to escolar; mas não deve ser agressi-
mo, surdez, distúrbios fonoaudio- va, pois isto é tomado com reprova-
lógicos etc. nada mais é do que ção pelos adultos. Qual, então, a
uma grave inibição manifestando- posição da criança?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
NOTA S
1 Freud (1926 [1925]), p. 20) observa no meio do capítulo que sua intenção de
partir de casos simples de formação de sintoma em conseqüência de um recalca-
mento foi de encontro com a idéia de fazer isso estudando as mais iniciais e
aparentemente transparentes neuroses da infância.
2 “Trata-se, antes de mais nada, do meio, daquilo que envolve o humano e é
percebido sem qualquer especificação. Quando o ambiente é especificado, perde
a característica de meio e passa a ser uma sucessão de objetos. O ambiente é,
assim, o meio no qual nos realizamos nossa existência, em que somos” (Belinck,
2000, p. 233).
Recebido em março/2002.
Aceito em julho/2002.
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