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Breve História da Inércia - I: O Problema do Movimento

de Aristóteles a Copérnico
[Brief History of Inertia - I: The Problem of Motion from Aristotle to
Copernicus]

Samuel Simon * e Evaldo Rezende **

Resumo: Nesse trabalho, examinaremos os estudos sobre o movi-


mento, entendido como translação, ou deslocamento, desde as aná-
lises de Aristóteles, passando pelas críticas feitas no período medieval
ao aristotelismo, culminando com o trabalho de Nicolau Copérnico,
que aprimora a noção de movimento relativo. Se, por um lado, Co-
pérnico prepara o terreno para os estudos de Pierre Gassendi, René
Descartes e Galileu Galilei sobre a noção de inércia, por outro lado,
ainda mantém certa imagem de natureza com elementos aristotélicos.
Palavras-chave: Movimento, Inércia, Aristotelismo, Imagem de Na-
tureza
Abstract: In the present work, we examine studies regarding motion
– understood as traversal, or change of place – beginning with the
analyses of Aristotle, passing through critiques of Aristotelianism in
the medieval period, culminating in the work of Nicholas Copernicus,
who prioritizes the notion of relative motion. If, on the one hand,
Copernicus prepares the way for the studies of Pierre Gassendi,
René Descartes and Galileo Galilei on the notion of inertia, on the
other hand, he still retains a certain image of nature with Aristotelian
elements.
Keywords: Motion, Inertia, Aristotelianism, Image of Nature

Introdução lações entre imagens de natureza


e imagens de ciência. Os estudos
A noção de inércia, consolidada
do movimento, que têm suas raí-
nos Principia de Newton, possui
zes nos pensadores pré-socráticos,
uma longa história, pois está dire-
de maneira implícita ou mesmo
tamente vinculada ao problema do
explicita, como no caso de Zenão
movimento. Essa noção é um caso
(ibid., p. 40), alcança uma elabora-
admirável das relações entre his-
ção sofisticada em Aristóteles, que
tória e filosofia da ciência, ou, na
marcará o desenvolvimento pos-
terminologia empregada por Paulo
terior de parte importante da Fí-
Abrantes (Abrantes, 2016), das re-

* Professor Associado do Departamento de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Filosofia - PPG-


FIL/UnB. Trabalho parcialmente financiado pelo CNPq, na forma de Bolsa de Produtividade em Pesquisa. E-mail:
samuell@unb.br
** Mestre em Filosofia no PPG-FIL/UnB, e Membro do Grupo de Lógica e Filosofia da Ciência-UnB/CNPq. E-
mail: evaldoprezende@gmail.com

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sica, definindo-a como uma disci- ou translação, o movimento é uma


plina autônoma a partir do século das formas de mudança, na ter-
XVII. Nesse trabalho, nos limitare- minologia aristotélica. Dessa ma-
mos a mostrar as relações entre os neira, os estudos de Aristóteles,
estudos sobre o movimento, con- embora estranhos à noção de inér-
forme desenvolvida inicialmente cia nos termos modernos, certa-
por Aristóteles, evoluindo para mente foram decisivos para o de-
uma discussão sobre o movimento senvolvimento deste conceito. Já
relativo no período moderno, até no Livro I da Física, uma das prin-
preparar o terreno para a noção de cipais obras do Estagirita sobre o
inércia em Galileu, o que será apre- problema do movimento (ou mu-
sentado em outro trabalho. dança1 ), os princípios internos são
Mostraremos, nesse próximo detidamente estudados, no con-
trabalho (Breve História da Inércia texto da metafísica aristotélica.
- II: O problema da inércia em Gali- Uma conclusão importante nesses
leu), que, além dessa raiz no estudo estudos refere-se ao número des-
do movimento, a noção de causali- ses princípios para a determinação
dade tem um papel central no con- do movimento. Aristóteles conclui
ceito de inércia. Estimamos tam- que são três, consistindo naquilo
bém que Galileu pode não ter solu- que sofre a mudança e no par de
cionado completamente esse pro- contrários que representa a dico-
blema. Em parte, evidentemente, tomia falta/excesso. Esses prin-
pelo próprio desenvolvimento da cípios, associados à mudança, de
Física e da Matemática no início do uma maneira em geral, incluem
século XVII, mas, talvez também, o deslocamento, ou ainda de uma
por suas concepções filosóficas, ou maneira geral, a relação entre na-
da imagem de natureza que possuía. tureza e movimento. Como afirma
Aristóteles no Livro III da Física:

Movimento em Aristóteles
Nature is a principle of mo-
Entendido como deslocamento, tion and change, and it is the

1 Os termos movimento e mudança em Aristóteles não são equivalentes. Évora (2005) aponta as diferenças entre
essas duas noções, decisivas para o estudo da física aristotélica. Mas como bem observa Évora (ibid., p. 131), a dis-
tinção entre “mudança” e “movimento” não é algo rigidamente estabelecido, pois houve ocasiões em que Aristóteles
usou as duas palavras como se fossem apenas sinônimas, e não termos que apresentam diferentes nuances. De qual-
quer forma, a distinção entre “mudança” e “deslocamento” é bastante clara em determinadas passagens da Física,
conforme podemos observar no seguinte trecho do Livro VIII: “Now of the three kinds of motion that there are
– motion in respect of magnitude, motion in respect of affection, and motion in respect of place - it is this last,
which we call locomotion, that must be primary” (ARISTOTLE, 1991, Physics, p. 147; 260a27-260b14). Nos termos
do presente artigo, movimento será entendido no contexto da física moderna, ou seja, como deslocamento em um
dado referencial no tempo.

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subject of our inquiry. We cepção de movimento, possibili-


must therefore see that we tando uma reflexão acerca da inér-
understand what motion is; cia, embora Aristóteles nunca te-
for if it were unknown na- nha utilizado esse termo (ele não
ture too would be unknown. tinha uma noção de inércia como
When we have determined uma propriedade do movimento,
the nature of motion, our ao contrário de Galileu). De fato,
task will be to attack in the a inércia (persistência do movi-
same way the terms, which mento) não está elencada como
come next in order. (ARIS- um dos princípios internos do mo-
TOTLE, 1991, Physics, p. vimento, conforme vimos acima.
56; 200b 11-21). Ademais, Aristóteles não compar-
tilhava da ideia de que o movi-
É bem conhecida a diferença apre- mento pudesse persistir por si só,
sentada por Aristóteles entre mo- afirmando que este era uma mu-
vimento natural e não-natural de- dança de “alguma coisa para outra
fendida em Do Céu (On the heavens, coisa”, ou seja, algo que possuía um
269a33). O movimento retilíneo início e um fim (momentâneos),
admite os dois casos, enquanto o tese diferente daquela defendida
circular admite apenas o natural. É na modernidade, quando o movi-
interessante ressaltar esse aspecto, mento foi definido simplesmente
pois, para o Estagirita, o contrário como um estado. Escreve Aristóte-
de um movimento retilíneo natural les:
só pode ser violento. No caso do
movimento circular, seu contrário A consideration of the other
também seria circular pois, como kinds of movement also ma-
volta a um mesmo ponto, não é kes it plain that there is
por natureza contrário2 . Dessa ma- some point to which earth
neira, o movimento circular é sem- and fire move naturally. For
pre natural e ocorre apenas na re- in general that which is mo-
gião de cima3 (ou supralunar). ved changes from something
Os escritos aristotélicos permi- into something, the starting-
tem delinear a sua elaborada con- point and the goal being dif-

2 “Nor again can motion along the circle from A to B be regarded as the contrary of motion from A to C; for the
motion goes from the same point towards the same point, and contrary motion was distinguished as motion from
a contrary to its contrary. And even if one circular motion is the contrary of another, one of the two would be poin-
tless; for that which moves in a circle, at whatever point it begins, must necessarily pass through all the contrary
places alike. (By contrarieties of place I mean up and down, back and front, and right and left.)” (ARISTOTLE,
1991, On the Heavens, p.7-8; 271a19).
3 De acordo com Pellegrin (2010, p. 62), é preciso “notar que os termos ‘supralunar’ e ‘sublunar’ são uma criação
dos comentadores: Aristóteles fala da região ‘de cima’ e da região ‘daqui”’.

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ferent in form, and always it – retilíneo -, perpétuo.


is a finite change. For ins- Antes de analisar detalhada-
tance, to recover health is to mente a negação da inércia em
change from disease to he- Aristóteles, deve-se atentar para
alth, to increase is to change o fato de que, para o filósofo, o
from smallness to greatness. movimento tem uma finalidade, de-
Locomotion must be similar; corrência da crença de que cada
for it also has its goal and corpo possui o seu lugar natural.
starting point— and there- A partir da noção de lugar natu-
fore the starting-point and ral desenvolve-se toda a dinâmica
the goal of the natural move- aristotélica, pois tal ideia é cru-
ment must differ in form— cial para entender a finalidade dos
just as the movement of co- movimentos. Como bem lembra
ming to health does not take Koyré (1966, p.23), para Aristóte-
any direction which chance les, “todo corpo é concebido como
or the wishes of the mover possuindo uma tendência ao seu
may select. (Ibid., On the lugar natural e, portanto, a retor-
Heavens, p. 17; 277a13- nar a esse lugar, quando daí afas-
277a27). tado por violência”. Essa tendência
explicaria seu movimento natural
Essa diferenciação (mudança de al- “pelo caminho mais curto e rápido.
guma coisa para outra4 ) será re- Segue, então, que todo movimento
tomada adiante, tendo sido men- natural ocorre em linha reta, e que
cionada agora apenas para subli- todo corpo vai ao seu lugar natural
nhar que Aristóteles considerava o tão depressa que ele possa, ou seja,
movimento como uma mudança, tão rápido quanto o meio circun-
algo que tinha uma finalidade, e dante o permitir” (op.cit.)6 . Por-
que não poderia persistir indefini- tanto, o tipo de movimento reti-
damente5 . Logo, Aristóteles não líneo (ascendente ou descendente)
defenderia um movimento inercial de cada elemento é determinado

4 Talvez, pudesse se utilizar aqui o termo stoicheíon, associado a “simples corpos” (stoicheia), empregado por
Aristóteles (Do Céu, 269a). Alguns autores, como Paul Moraux (ARISTOTE, 1965, p. 20) traduzem esse termo
acima (“alguma coisa”) como “estado”, que evitamos nesse trabalho, tendo em vista o sentido utilizado no período
moderno. Preferimos manter a tradução inglesa, que nos parece mais geral e menos problemática. Peters (1967,
p. 180) lembra que Platão, no Timeu (201e), foi o primeiro a empregar o termo stoicheíon, mas em um contexto
linguístico. Nesse sentido, concordamos com Polito (2015, p.5), que identifica o movimento (deslocamento), na
física de Aristóteles, com um processo e não com um estado.
5 Aristóteles também menciona no Livro VI da Física que nenhum processo de mudança pode ser infinito com
respeito ao tempo (ARISTOTLE, 1991, Physics, p. 113; 241a 26).
6 “Tout corps est conçu comme possédant une tendance à se trouver dans son lieu naturel, et donc à y revenir
dès que, par violence, il en est éloigné (...). Il s’ensuit que tout mouvement naturel s’effectue en ligne droite, et que
tout corps va à son lieu naturel aussi vite qu’il le peut, c’est-à-dire aussi vite que le milieu ambiant le lui permet”.

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pelo fato de que cada coisa possui física moderna, o repouso é um es-
seu lugar natural, no qual tende tado do movimento.
a permanecer caso nada altere tal A citação acima mostra a dicoto-
movimento. A explicação de Koyré mia entre movimento natural e não
vem ao encontro da afirmação de natural, explicada anteriormente.
Aristóteles sobre a relação entre re- No entanto, no supracitado trecho,
pouso e ação externa (constraint)7 : o Aristóteles diz que as coisas po-
dem ser compelidas a se mante-
Now all things rest and rem em movimento. Ao dizer isso,
move naturally and by cons- ele reforça a tese de que existi-
traint. A thing moves na- ria uma tendência ao repouso, con-
turally to a place in which forme afirma Koyré:
it rests without constraint,
and rests naturally in a place Ainsi, tout mouvement im-
to which it moves without plique un désordre cosmique,
constraint. On the other une rupture d’équilibre, qu’il
hand, a thing moves by cons- soit lui-mème effet immédiat
traint to a place in which d’une telle rupture, causée
it rests by constraint, and par l’application d’une force
rests by constraint in a place extérieure (violence), ou, au
to which it moves by cons- contraire, effet de l’effort
traint. Further, if a given compensateur de l’être pour
movement is due to cons- retrouver son équilibre perdu
traint, its contrary is natu- et violé, pour ramener les
ral. (ARISTOTLE, 1991, choses à leurs lieux- na-
On the Heavens, p. 69; turels, convenables, où ils
276a22-276b22). pourraient reposer et se repo-
ser. C’est ce retour à l’ordre
Observa-se, desde já, uma impor- qui constitue justement ce
tante divergência entre a filoso- que nous avons appelé mou-
fia aristotélica e a física galileana: vement naturel. (KOYRÉ,
para a primeira, o repouso é de- 1966, p. 19)
finido pela situação transitório do
corpo e pelo lugar natural; para a Ou seja, tanto o movimento na-

7 Preferimos, aqui, não usar o termo força, como fazem alguns autores, pelo significado teórico que esse con-
ceito assume na física moderna, especialmente com Isaac Newton. Mantemos a noção de “coação” ou ação externa.
Muitas traduções utilizam o termo força em Aristóteles. No entanto, como bem observa Jammer (1999, p. 34),
Aristóteles utiliza o termo força (dynamis) em dois sentidos – ativo e passivo; Platão, como já havia assinalado
Cornford (1951, p. 236), também a utiliza nesses dois sentidos, mas a noção tem, nesse caso, origem na medicina
grega antiga.

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tural quanto o violento são dese- guinte passagem do Livro VIII da


quilíbrios, caracterizando-se como Física:
a causa da desordem (movimento
não natural ou “violento”) ou a For the line traversed in rec-
tentativa (movimento natural) de tilinear motion cannot be in-
retornar à condição anterior, que finite; for there is no such
consiste no repouso de cada coisa thing as an infinite straight
em seu lugar natural correspon- line; and even if there were,
dente. O repouso é o propósito it would not be traversed
8
(sake) do movimento . by anything in motion; for
Assim, o movimento (como the impossible does not hap-
translação) cessa (momentanea- pen and it is impossible to
mente) quando o corpo movido traverse an infinite distance.
encontra o seu lugar natural. E On the other hand, rectili-
se o movimento natural admite near motion on a finite line
um contrário, ele não pode ser cir- is composite if it turns back,
cular, afinal movimentos circulares i.e. two motions, while if
não possuem contrários (ARISTO- it does not turn back it is
TLE, 1991, On the Heavens, p. 7; incomplete and perishable;
270b32). Assim, as coisas que re- and in the order of nature,
pousam em seus lugares naturais, of definition, and of time
afastam-se deles por ação externa e alike the complete is prior to
retornam devido à natureza (admi- the incomplete and the im-
tindo sempre um movimento con- perishable to the perishable.
trário) realizam um movimento reti- Again, a motion that admits
líneo, que só pode ocorrer no mundo of being eternal is prior to
sublunar. Evidenciou-se que por one that does not. Now ro-
ser o movimento uma mudança de tatory motion can be eternal,
uma coisa para outra, ele não pode but no other motion, whether
persistir indefinidamente, logo os locomotion or motion of any
movimentos ascendente e descen- other kind, can be so, since
dente (que caracterizam contrários in all of them rest must oc-
e assim só podem ser retilíneos) cur, and with the occurrence
não são eternos. Conclui-se que of rest, the motion has pe-
Aristóteles não teria defendido uma rished. (ARISTOTLE, Phy-
inércia do tipo retilíneo ou linear, sics, 1991, p. 156; 265a17-
entendimento corroborado pela se- 27).

8 “[S]ince all the rest is for the sake of the end.” (ARISTOTLE, Physics, p. 32; 199a33)

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Ou seja, para Aristóteles é impossí- muda deve ser mudado por al-
vel um corpo mover-se sobre uma guma coisa”12 (ARISTOTLE, 1991,
linha reta infinita, pois não há li- p. 115, Physics; 241b34). Tal
nhas retas infinitas, e mesmo se princípio abrange tanto os corpos
houvesse, seria impossível de ser do mundo sublunar quanto aque-
percorrida. Afinal, é necessário les do mundo supralunar, mas en-
lembrar que Aristóteles defendia a quanto os primeiros necessitam de
existência de um mundo finito, li- uma força externa para se desloca-
mitado por uma esfera. rem de seus respectivos lugares na-
Considerando-se que Aristóteles turais, os corpos celestes não de-
tenha rejeitado a ideia de uma inér- pendem de contato para permane-
cia linear, cabe agora analisar se ele cerem em movimento, e o fazem
teria intuído algo como uma “inér- segundo sua própria natureza13 .
cia” circular9 . Em algumas pas- No entanto, como é bem conhe-
sagens de sua obra, quando trata cido, no livro XII da Metafísica,
do movimento circular, percebe- Aristóteles defendeu a existência
se que Aristóteles admitiu certa- de um primeiro movente, eterno e
mente a eternidade desse movi- imóvel, que seria a causa dos movi-
mento10 . mentos eternos e circulares no es-
Contudo, mesmo intuindo a paço, e que move sem ser movido.
conservação do movimento (circu- Além disso, Aristóteles diz que, na
lar), Aristóteles não abandonou a região supralunar, não existe ape-
ideia de causa, o que foi feito nas um único tipo de movimento es-
na modernidade11 . A sentença pacial, uma vez que existe o movi-
que inicia o Livro VII da Fí- mento irregular dos planetas; as-
sica expressa bem isso, pois Aris- sim, para cada movimento espacial
tóteles afirma que “tudo o que deve existir uma causa correspon-

9 A rigor, não se poderia falar em inércia, a não ser linear. O que queremos examinar aqui é se Aristóteles, e
posteriormente Galileu, pensam em algum tipo de movimento que persiste independentemente da ação de uma
força externa, seja retilíneo ou não. Na terminologia aristotélica, sem a ação de uma causa eficiente.
10 [...]Now rotatory motion can be eternal; but no other motion, whether locomotion or motion of any other
kind, can be so, since in all of them rest must occur, and with the occurrence of rest the motion has perished
(ARISTOTLE, 1991, Physics, p. 156; 265a 24).
11 Fátima Évora afirma que “a ideia de causa presente no conceito de movimento que sustenta e apoia a física an-
tiga e medieval é eliminada no conceito de movimento da mecânica galileano-cartesiana. De acordo com a mecânica
moderna, o movimento não mais corresponde a um processo de mudança, como ocorre na dinâmica aristotélica,
mas é um estado inteiro e absolutamente oposto ao repouso, o outro estado, e como tal não necessita de uma causa
para mantê-lo. Uma causa será necessária apenas para alterar o estado do corpo. Este novo conceito de movimento
está no cerne do princípio de inércia” (ÉVORA, 2005, p. 130, nota 6). Voltaremos a esse aspecto na continuidade
desse trabalho, quando discutiremos a inércia galileana.
12 “Everything that in motion must be moved by something”. Aristóteles retoma essa ideia em Do Céu: “Further,
since everything that is moved is moved by something” (ARISTOTLE, 1991, On the Heavens, p. 37; 288a28).
13 (Ibid., p. 4, 269a5).

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dente, sendo esta uma substância Hiparco, que contestou a expli-


eterna e imóvel. Ou seja, não existecação aristotélica acerca do movi-
apenas um movente14 . Dessa ma- mento dos projéteis, após a perda
neira, o Estagirita situa-se numa do contato com o motor. Hiparco
posição curiosa para a Física mo- elaborou o conceito de força im-
derna: para os movimentos do céu, pressa, defendendo que o projétil
defende uma espécie de causa efi- permanecia em movimento porque
ciente – pois os motores são subs- “a ação do motor (força externa)
tância -, mas sem contato, gerando imprimiria ao corpo movente (pro-
um movimento eterno, embora ir- jétil) certa ‘força impressa”’ (BER-
regular. Ou seja, é causa, mas TOLDO, 2004, p. 26). Ou seja, ao
não uma força, no sentido que será invés de o motor empurrar o ar no
aprimorada por Descartes e Gali- momento do lançamento do projé-
leu; trata-se de uma ação, ou força til (fazendo assim com que este seja
“metafísica”, se assim podemos nos impelido pelo ar e mantenha-se em
exprimir, e não física, como exi- movimento, como pretendia Aris-
girá a Física dos séculos XVII e tóteles), ele transmitiria algo ao
XVIII. Rigorosamente, não se trata próprio projétil, permitindo a con-
de uma inércia, mesmo circular, tinuidade do deslocamento deste.
pois algo causa o seu movimento. Enquanto o projétil permanecesse
No entanto, como não há contato em movimento, tal “força” dimi-
físico, temos um caso raro de movi- nuiria paulatinamente, e após sua
mento privilegiado e natural, que completa dissipação, o movimento
persiste. Ou seja, seguindo nosso cessaria e o corpo passaria ao sua
raciocínio, uma “inércia (circular) condição natural de repouso (ibid.,
metafísica”. Como veremos, Gali- p. 26).
leu ainda não irá superar comple- A tese de Hiparco não foi aceita,
tamente essa dificuldade. possivelmente por que, em parte,
contrariava os ensinamentos do Es-
As críticas à dinâmica aristoté- tagirita. Mas Bertoldo (ibid., p. 27)
lica menciona outras possíveis razões
para essa rejeição:
As primeiras críticas à mecânica
de Aristóteles surgiram menos de Provavelmente ela [a teoria
dois séculos após a morte do fi- de Hiparco] lhes devia pare-
lósofo, formuladas pelo astrônomo cer por demais abstrata ou

14 Nas palavras de Aristóteles, “That the movers are substances, then, and that one of these is first and another
second according to the same order as the movements of the stars, is evident”. (ARISTOTLE, 1991, Metaphysics, p.
177-8; 1073b17).

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especulativa. Pois, como po- dar enorme destaque à te-


deriam crer que algo empur- oria da força cinética im-
rava o projétil, mas que não pressa e incorpórea associ-
podiam ver e nem mesmo ada à explicação do movi-
imaginar? [...] Também se mento violento, ela não cons-
pode acrescentar o fato de titui um elemento inovador
que a teoria de Hiparco era isolado. Ela faz parte de toda
fraca ou mesmo insuficiente uma teoria de movimento,
porque seu autor não apre- desenvolvida por Philoponos
sentou nenhuma prova ob- que inclui um novo conceito
jetiva para dar fundamento de lugar, que implica numa
à sua revolucionária concep- nova concepção de movi-
ção de “força impressa”, o mento natural e violento, e
que também ajudou a contri- a fortiori numa nova dinâ-
buir para que ela caísse no mica, alternativa à aristoté-
mais completo esquecimento lica. De acordo com a dinâ-
durante séculos, até vir a ser mica de Philoponos, a velo-
redescoberta por outros pes- cidade de um corpo em mo-
quisadores. vimento é determinada pela
diferença aritmética – e não
Apenas no início da Idade Média a pela razão como propunha
teoria de Hiparco ressurgiu como Aristóteles – entre a potên-
uma alternativa à solução de Aris- cia motriz e a resistência
tóteles para o problema do movi- do meio através do qual o
mento dos projéteis, por meio das corpo se move. O meio, se-
ideias de João Philoponos15 (sé- gundo Philoponos, desempe-
culo VI d.C.). Como afirma Évora nha uma função unicamente
(1995a, p. 291): restritiva.

[...] apesar de a literatura Ou seja, Philoponos nega a influên-

15 A influência de Philoponos manteve-se durante a Idade Média devido à aceitação de algumas de suas ideias
por parte dos pensadores árabes. Diz Évora (1995b, p. 82): “Esta influência deu-se principalmente através dos
árabes Avicena, ou Ibn Sina (980 – 1037), e Avempace, ou Ibn Badja (1106 – 1138), que advogaram a tese de que a
lei do movimento de Aristóteles deveria ser substituída pela lei da diferença aritmética, tal qual propôs Philopo-
nos”. Ou seja, ao invés de considerar que a velocidade de um corpo em movimento é proporcional à razão entre a
força motriz (F) e a resistência ou densidade do meio (R) - ou, em outras palavras, em uma formulação algébrica
moderna para a concepção aristotélica, a velocidade do corpo é dada pelo quociente entre F e R (v = F/R)-, Avicena
e Avempace optaram por endossar a proposta de Philoponos, segundo a qual a velocidade do corpo não era dada
pelo quociente, mas sim pela diferença entre a força motriz e a resistência do meio. Novamente, em uma notação
moderna, v = F - R. Sendo assim, apesar de as primeiras edições conhecidas da obra de Philoponos acerca da física
aristotélica datarem de 1535 (grego) e 1542 (latim), “há hoje fortes evidências com respeito a sua influência no
desenvolvimento da filosofia da natureza anterior ao século XVI” (ibid., p. 82).

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cia do meio (ar) no movimento vio- ar que foi empurrado, no ins-


lento (projéteis), embora não tenha tante em que o projétil é ini-
rejeitado a ideia de que tudo o que cialmente disparado, move-
é movido deve ser movido por al- se com um movimento mais
guma coisa. A solução encontrada rápido do que a locomoção
por Philoponos foi propor que natural, para baixo do projé-
aquilo que provoca o movimento til, empurrando assim o pro-
transmite ao projétil uma força in- jétil adiante.
corpórea responsável pelo desloca-
mento das coisas após elas perde- De acordo com Évora, Aristóteles
rem o contato com o motor inicial. aparentemente preferiu a segunda
Segundo Philoponos, não haveria explicação para o movimento re-
evidências de que o movimento vi- tilíneo violento, citando algumas
olento seria causado da maneira passagens da Física para corrobo-
conforme conjecturou Aristóteles rar tal assertiva (215a15 e 266b28–
(ÉVORA, 1995a, p. 292). O Estagi- 267a15). Em todo caso, Philopo-
rita havia proposto duas possíveis nos discorda de ambas as explica-
respostas ao problema da continui- ções. No que concerne à primeira,
dade do movimento dissociado do na qual o ar empurrado pelo pro-
motor inicial, e ambas são rejeita- jétil efetua um movimento contrá-
das por Philoponos. Conforme ex- rio, retornando para ocupar o lugar
plica Évora (1993, p. 86): do corpo e impulsioná-lo adiante,
Philoponos faz a seguinte conside-
[...] os projéteis são mo-
ração:
vidos adiante mesmo depois
que aquilo que deu a eles Let us suppose that anti-
seu impulso não esteja mais peristasis take place accor-
tocando-os, ou 1) pela razão ding to the first method in-
da substituição recíproca16 , dicates above, that the air
de acordo com a qual o ar pushed forward by the arrow
empurrado adiante pelo pro- gets to the rear of the ar-
jétil volta e toma o lugar do row and thus pushes it from
projétil, e então empurra-o behind. On that assump-
adiante como alguns susten- tion, one would be hard put
tam; ou 2) pelo fato de que o to it to say what is (since

16 A ideia de substituição recíproca é denominada antiperistasis, termo que designa o processo pelo qual o ar
ocupa o lugar do projétil, impelindo-o adiante e sendo, portanto, responsável pela manutenção do movimento do
corpo. Nos termos de Cohen e Drabkin (citado também por ÉVORA, 1993, p. 87), “[t]he term is used in general of
the process whereby P1 pushes P2 into P3‘s place, P2 pushes P3 into P4‘s place,. . . , Pn-1 pushes Pn into P1‘s place
(COHEN & DRABKIN, 1966, p. 221 nota 8).

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BREVE HISTÓRIA DA INÉRCIA - I: O PROBLEMA DO MOVIMENTO DE ARISTÓTELES A
COPÉRNICO

there seems to be no coun- losofia:


ter force) that causes the
air, once it has been pushed From these considerations
forward, to move back, that and from many others we
is along the sides of the ar- may see how impossible it
row, and, after it reaches the is for forced motion to be
rear of the arrow once more caused in the way indica-
and push the arrow forward. ted. Rather is it necessary
(. . . ) Such a view is quite to assume that some incorpo-
incredible and borders rather real motive force is imparted
on the fantastic (Philoponos by the projector to the pro-
apud. COHEN & DRAB- jectile, and that the air set
KIN, 1948, p. 221-222). in motion contributes either
nothing at all or else very lit-
tle to this motion of projec-
A segunda opção é considerada
tile. (. . . ) And there will
mais plausível por Philoponos,
be no need of any agency ex-
mas igualmente equivocada. A
ternal to the projectile (. . . ).
suposição de que o ar seja capaz
(Philoponos apud. COHEN
de manter uma flecha ou pedra
& DRABKIN, 1948, p. 223.
em movimento, mesmo após o pri-
Grifo dos autores).
meiro motor não estar mais em
contato com o corpo lançado, se-
ria plausível e não haveria a ne- Aristóteles recusou a ideia da exis-
cessidade de um motor. No en- tência do vazio porque ela seria
tanto, logo a seguir ele apresenta incompatível com a sua Física (e
suas objeções, fazendo uso de ex- com a sua Metafísica), pois acre-
periências de pensamento (recurso ditava que o meio (ar) era o res-
análogo será empregado por Gali- ponsável pelo movimento violento,
leu, séculos mais tarde, também no algo que seria impossível no vazio,
problema do movimento). A con- uma vez que “le vide, en effet, n’est
clusão final de Philoponos se con- pas un milieu et ne peut pas re-
figura, certamente, com a primeira cevoir et donc transmettre et en-
formulação mais aprimorada de tretenir le mouvement”. (KOYRÉ,
um esboço para a noção de con- 1966, p. 23). Philoponos não con-
servação da quantidade de movi- sidera esse aspecto como uma difi-
mento e uma semente para o prin- culdade, pois defendia que o movi-
cípio de inércia, como será ex- mento era causado por uma força
pressa muitos séculos mais tarde incorpórea impressa ao corpo, sem
por Descartes nos Princípios da Fi- a necessidade da ação do meio. Sob
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essa perspectiva, o movimento vi- corpo pesado de ir para o


olento poderia persistir no vazio. seu lugar natural. Philopo-
No caso dos movimentos naturais, nos portanto permanece sus-
cujo “motor é a própria natureza tentando uma postura anti-
do corpo, a sua forma, que procura inercial, pois se, de acordo
reconduzi-lo ao seu lugar” (ibid., p. com sua teoria, a força mo-
26), o meio não desempenha o pa- triz incorpórea não pode du-
pel de conservar o movimento, mas rar para sempre, também o
apenas o de resistir a ele. Con- movimento não pode durar
tudo, os corpos tendem a retornar ad infinitum.
ao seu lugar natural o mais de-
pressa possível, sendo retardados
apenas pela resistência do meio, A questão do movimento segundo
inexistente no vazio. Consequen- Thomas Bradwardine
temente, para Aristóteles, no vá-
cuo, o movimento desses corpos se- A despeito das críticas, formu-
ria instantâneo. Em resumo, o Es- ladas nomeadamente por Hiparco
tagirita rechaça a hipótese do vazio e Philoponos, a física aristotélica
porque este implicaria a inexistên- continuou ditando os rumos da ci-
cia do movimento violento (como o ência medieval até o século XIII.
vazio não é um meio, ele não pode Segundo Steenberghen (1984, p.
conservar o movimento) e do movi- 145):
mento natural (a velocidade deste O aristotelismo, prolongado
seria infinita, algo absurdo). e completado pelo neoplato-
Finalmente, embora o vazio não nismo greco-árabe, não ofe-
seja algo absurdo para Philopo- recia somente aos Latinos os
nos, esse filósofo parece não ad- elementos de uma vasta sín-
mitir a possibilidade de um mo- tese filosófica, mas uma in-
vimento inercial. Como observa terpretação coerente e com-
Évora (1995b, p. 80-81): pleta, muitas vezes enge-
Essa força motriz incorpórea, nhosa, de todos os dados
segundo Philoponos, não é observáveis respeitantes ao
uma coisa de natureza per- universo corporal [...]. Se
manente, mas desaparece se acorda em chamar “fí-
gradualmente, até mesmo no sica aristotélica” a esta im-
vazio. Esta diminuição se ponente tentativa de explica-
dá devido a uma dupla re- ção integral da ordem cós-
sistência: a) devido ao meio, mica, pode dizer-se que esta
b) devido a tendência do física de modo nenhum fora
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BREVE HISTÓRIA DA INÉRCIA - I: O PROBLEMA DO MOVIMENTO DE ARISTÓTELES A
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posta em causa no século na qual se insere Thomas Bradwar-


XIII. dine. Enquanto Aristóteles bus-
cava investigar o movimento com-
Todavia, o prestígio do aristote- parando o deslocamento dos cor-
lismo diminuiu no decorrer do pos, Bradwardine defendeu que os
século XIV17 . Nesse século, um movimentos podiam ser analisados
grupo de filósofos e de lógicos por si mesmos, comparados por in-
resolveu empreender um estudo termédio de suas grandezas. Trata-
matemático acerca do movimento. se de um estudo que envolve pro-
Devido ao fato de a maioria deles porções, designado simplesmente
ter lecionado no Merton College, em por cálculo (CUSTÓDIO, 2004, p.
Oxford, ficaram conhecidos como 36). Acerca de Aristóteles, explica
“mertonianos”, termo que posteri- Custódio (ibid., p. 36):
ormente foi substituído por “cal-
culadores” (CROMBIE, 1953, p. Para Aristóteles, a questão
261), destacando assim a disposi- relevante não era o cálculo,
ção desses pesquisadores em inves- mas investigar quais as de-
tigar a natureza sob uma perspec- terminantes naturais que ex-
tiva matemática. Ademais, esta- plicam, objetivamente, a ex-
beleceram a distinção entre movi- periência sensível do au-
mento uniforme (cuja velocidade é mento ou da diminuição da
constante) e movimento uniforme- velocidade do movimento.
mente disforme, que na linguagem Esta investigação podia ser
moderna recebeu o nome de movi- feita considerando, por um
mento uniformemente acelerado. No lado o efeito e, por outro, a
caso deste último, não é a velo- causa. Não se trata ainda
cidade que é constante, mas sim de investigar o ato do movi-
a variação dessa velocidade. Wil- mento por ele mesmo, como
liam Heytesburg (1313 – 1372), propõe Bradwardine, mas de
membro do Merton College, definiu fazê-lo sob o ponto de vista
como a “velocidade da velocidade” do móvel, no primeiro caso,
(op.cit.). e sob o ponto de vista do
É nessa tradição de pensamento motor, num segundo caso;

17 Antes disso, ainda no final do século XIII, a doutrina aristotélica conforme era ensinada na Faculdade de Artes
da Universidade de Paris sofreu um claro revés quando, em 18 de janeiro de 1277, o papa João XXI pediu para que
o bispo da cidade, Estêvão Tempier, conduzisse uma investigação acerca dos ensinamentos dos Mestres de Artes da
Universidade. Pouco mais de um mês depois, em 7 de março, houve a condenação de 219 proposições baseadas no
aristotelismo, incluindo teses de Avicena (GILSON, 2007, p. 694), o tomismo (STEENBERGHEN, 1984, p. 133) e a
tese averroísta da “dupla verdade”, que por sua vez “consistia em sustentar que uma mesma proposição podia ser
considerada simultaneamente falsa, do ponto de vista da fé, e verdadeira, do ponto de vista da razão” (GILSON,
2007, p. 694).

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sendo que a estes dois estu- a resistência interna de um corpo


dos somava-se um terceiro, composto é a predominância de
relativo às causas. elementos “pesados” ou “leves” na
constituição do corpo. Da mesma
Assim como os corpos mais gra- forma, quando o peso é a qualidade
ves caem mais rapidamente, “entre predominante, ele se torna a força
dois corpos leves, o de maior leveza motriz do corpo como um todo,
subirá mais rapidamente” (ibid., p. tendo por resistência a leveza. A
38). Em suma, o estudo das cau- ideia é que a velocidade é direta-
sas (das inclinações “para baixo” mente proporcional ao peso e in-
ou “para cima” dos móveis) per- versamente proporcional à leveza.
mitia que Aristóteles comparasse Bradwardine parece ter sido pi-
dois movimentos naturais e perce- oneiro no estudo matemático do
besse qual deles era o “mais in- movimento, tendo buscado rela-
tenso” (ibid., p. 37). A veloci- cionar força, resistência e veloci-
dade de um corpo em movimento dade (CROMBIE, 1953, p. 247).
natural é igual a sua tendência de O resultado desses esforços consis-
deslocar-se para o seu lugar na- tiu na elaboração de um Tratado
tural, dividida pela resistência do sobre as proporções, onde Bradwar-
meio (ibid., p. 38), relação que, em dine tratou acerca da “precisa rela-
notação moderna, seria expressa, ção matemática entre a magnitude
como vimos acima (nota 15), pela da força motora de Aristóteles, a
expressão v = F/R18 . força do meio resistente e a veloci-
Bradwardine, por sua vez, acre- dade alcançada pelo corpo em mo-
ditava que os movimentos pode- vimento” (RONAN, 1983, p. 266).
riam ser comparados no que tange Após refutar todas as alternativas
às suas grandezas (velocidades). O existentes, por notar que nenhuma
peso e a leveza eram considera- delas condizia com a ideia aris-
dos qualidades dos corpos compos- totélica de que só há movimento
tos (ou seja, dos corpos formados quando a força é superior à resis-
por alguma combinação dentre os tência, Bradwardine propôs que o
elementos terra, água, ar e fogo), valor da velocidade dependia da
embora fossem consideradas forças razão entre a força motora e a resis-
agindo em direções contrárias no tência interna em uma formulação
interior de um mesmo corpo com- que poderia ser escrita, segundo
posto. Ou seja, o que determina a Crombie (ibid., p. 248), em uma
força motriz, e consequentemente notação moderna, segundo a fun-

18 Ver acima nota 15.

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ção logarítmica dessa razão força Ockham (1285–1347), e que se tor-


motriz e velocidade. Essa foi a nou reitor da Universidade de Paris
forma, segundo Crombie, conhe- em 1328. Todavia, não existem evi-
cida a partir do século XIV. dências de que Buridan teve acesso
Os estudos de Bradwardine re- aos escritos de Philoponos, pois
presentarem uma novidade em re- como esclarece Évora (1993, p. 91-
lação àquilo que era feito até o mo- 92):
mento, embora a sua base ainda
não fosse experimental, mas me- [...] existe certa controvérsia
ramente lógica, assim como a dos sobre a influência da “teoria
demais estudiosos do Merton Col- da força motriz incorpórea”
lege. Essa nova forma de investi- de Philoponos sobre a “teoria
gação física certamente influenciou da força motriz”, que se tor-
o trabalho de Galileu séculos de- nou amplamente aceita no
pois, especialmente com suas ex- século XIV e que foi poste-
periências de pensamento aplica- riormente elaborada por Jean
das ao estudo do movimento. Buridan (1300?-1358) sob
o nome de “teoria do impe-
tus”. Isso porque os escri-
Jean Buridan tos de Philoponus sobre este
Segundo Crombie (ibid., 246- tema só se tornaram conhe-
53), outros pensadores, além de cidos em 1535, numa versão
Philoponos, já no período clássico, grega, e em 1542, em latim.
não aceitavam a física aristotélica
do movimento não-natural. No Não obstante o provável desconhe-
período medieval, como vimos, os cimento das teses de Philoponos,
pensadores do Merton College de- Buridan também foi um comenta-
fendiam que o projétil mover-se-ia dor da obra peripatética e também
devido a uma “potência” proveni- criticou a explicação de Aristóte-
ente do meio. A ideia desenvolvida les para o movimento dos projé-
por Hiparco, e que foi aprimorada teis. Dentre os argumentos utiliza-
por Philoponos, segundo a qual o dos para contestar a solução aris-
motor transmitia algo ao movente, totélica para o problema do des-
voltou a ser defendida em meados locamento dos projéteis, Buridan
do século XIV, sobretudo pelo inte- analisa a possibilidade da antipe-
lectual francês Jean Buridan (1300 ristasis19 , ou seja, de que o ar mo-
– 1358), discípulo de Guilherme de vido pelo projétil no ato do lança-

19 Ver acima, nota 16.

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mento realiza um movimento con- impresses (imprimit) in it


trário e então impulsiona o corpo, a certain impetus (impetus)
mantendo-o em movimento. Buri- or a certain motive force (vis
dan demonstra a sua discordância motiva) of the moving body,
em relação à tese aristotélica men- [which impetus acts] in the
cionando o caso hipotético de um direction toward which the
navio em movimento, no qual ha- mover was moving the mo-
veria um marinheiro sobre o con- ving body, either up or down,
vés. Esse marinheiro não se senti- or laterally, or circularly.
ria impelido adiante pelo ar, mas And by the amount the
ao invés disso sentiria que o ar motor moves that moving
a sua frente oferecer-lhe-ia resis- body more swiftly, by the
tência. Ademais, caso o homem same amount it will im-
estivesse posicionado atrás de al- press in it a stronger im-
guma carga (como grãos ou ma- petus. It is by that im-
deira), ele seria empurrado violen- petus that the stone is mo-
tamente entre tal carga e o ar atrás ved after the projector cea-
dele, na hipótese de que o ar te- ses to move. But that impe-
ria o poder de locomover o navio. tus is continually decreased
Segundo Buridan, isso é refutado (remittitur) by the resisting
pela experiência20 . air and by the gravity of the
Em linhas gerais, trata-se de stone, which inclines it in a
considerar que o ar não impulsi- direction contrary to that in
ona os corpos, mas sim resiste ao which the impetus was na-
movimento destes. Portanto, se o turally predisposed to move
ar não é o responsável pelo des- it. Thus the movement of
locamento dos projéteis, algo deve the stone continually beco-
fazê-lo, e segundo Buridan tratar- mes slower, and finally that
se-ia de uma força motriz (virtus impetus is so diminished or
motiva) ou de um ímpeto (impetus) corrupted that the gravity of
impresso ao corpo, ou seja, the stone wins out over it
and moves the stone down
it seems to me that it ought to its natural place. (CLA-
to be said that the motor GETT, 1961, p. 534-535.
in moving a moving body Grifo do autor.)

20 Esse exemplo do navio, utilizado por Buridan para refutar a hipótese da antiperistasis, está contida no Livro
VIII, questão 12, de uma obra intitulada Questiones super Octo Physicorum Libros Aristotelis, publicada em Paris em
1509. Tal texto foi traduzido por Marshall Clagett em The Science of Mechanics in the Middle Age (CLAGETT, 1961).
Estamos utilizando aqui as citações de Buridan, conforme traduzido por Clagett.

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Da mesma forma como fizera Phi- sência de alguma força contrária.


loponos, Buridan admitiu que a Não obstante, é preciso atentar-se
força motriz reduzir-se-ia devido à às sutilezas envolvidas na formu-
resistência do meio, mas contraria- lação de cada conceito, relaciona-
mente ao filósofo neoplatônico, de- das com o contexto histórico do de-
fendeu que tal impulso seria de na- senvolvimento da ciência, no qual
tureza permanente, e que só não o impetus estaria atrelado a uma
se mantinha ad infinitum no pro- visão de mundo - imagem de na-
jétil por causa de forças externas tureza, na terminologia de Abran-
contrárias. Ou seja, Buridan admi- tes (op.cit.) -, mais marcadamente
tiu que o movimento pudesse di- aristotélica. De fato, no caso do
minuir, embora não aceitasse que impetus deve-se ter em mente que
tal processo tratar-se-ia de algo es- Buridan era adepto da teoria aris-
pontâneo, conforme parece ter sido totélica de que haveria lugares na-
para Philoponos21 . Para Buridan, turais, e sendo assim que os corpos
o impetus seria de natureza perma- visariam o repouso. Logo, o “ím-
nente (res nature permanentis) caso peto” explicaria porque o projétil
não houvesse a resistência do meio continuaria sua trajetória antinatu-
e a gravidade, que atuariam no en- ral, contrariando a condição natu-
fraquecimento dessa força motriz. ral de repouso. Nesse caso, o movi-
No entanto, esse autor não renun- mento (natural ou violento) repre-
ciou completamente à física aris- senta, como vimos, uma condição
totélica, pois manteve a ideia de de desequilíbrio.
que os corpos possuíam lugares na- Por outro lado, as concepções de
turais para os quais tenderiam a Buridan acerca do movimento di-
deslocar-se. ferem das de Aristóteles porque o
A ideia de que o impetus seria primeiro buscou aplicar a teoria do
uma qualidade permanente confe- impetus tanto para o movimento
rida ao projétil, responsável pelo terrestre quanto para o celeste, fa-
movimento, seria uma antecessora zendo com que as dinâmicas dos
da noção de inércia (CLAGETT, dois mundos fossem regidas pelo
1961, 525). De fato, existe certa mesmo conjunto de leis (ÉVORA,
similaridade entre ambos, nomea- 1993, p. 95). A unificação das me-
damente no que se refere à tese de cânicas terrestre e celeste contrari-
que o movimento persistiria na au- ava a separação entre as regiões su-

21 Conforme exposto acima, Philoponos postulou que haveria uma força motriz responsável pelo movimento dos
corpos, tanto natural quanto violento. De acordo com Évora, a força motriz incorpórea de Philoponos “não é uma
coisa de natureza permanente, mas desaparece gradualmente, até mesmo no vazio” (ÉVORA, 1995b, p. 80).

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blunar e supralunar, que, segundo que o aproximou de uma noção de


Aristóteles, seriam governadas por inércia e da relatividade do movi-
leis distintas. Entretanto, ao pos- mento.
tular que o impetus era conferido Oresme discute o movimento da
por Deus aos corpos celestes, Buri- Terra examinando o conhecido ar-
dan volta a se aproximar das ideias gumento da pedra atirada para o
aristotélicas a respeito do movi- alto. Segundo ele, a pedra rea-
mento na região supralunar. Ou liza dois tipos de movimentos si-
seja, diferente da noção de inércia multaneamente, tanto ao ser ar-
do período moderno, a ação de um remessada, quanto ao retornar ao
primeiro movente (Aristóteles), ou local do qual foi lançada. Isso
o impetus de origem divina22 (Bu- por que, enquanto se move verti-
ridan), exigem a presença de uma calmente para cima e depois para
força (metafísica). baixo, a pedra também efetua um
movimento circular, estando con-
comitantemente em trajetória reti-
Nicolas Oresme e a defesa do mo- línea e circular. Com isso, a pe-
vimento da Terra dra acompanha o movimento da
Terra23 , e assim cai precisamente
Discípulo de Buridan, Nicolas
no mesmo ponto a partir de onde
Oresme (1320/23-1382), discor-
foi arremessada. Entretanto, tal
dou de algumas ideias domestre,
solução apresenta outro problema:
inclusive em relação à teoria do
por que nós não percebemos esse
impetus. Para Oresme, o impe-
movimento composto do corpo?
tus não era uma qualidade per-
A resposta de Oresme vincula-se
manente conforme pensava Buri-
à ideia da relatividade do movi-
dan, mas algo que se consumia
mento, antecipando, assim, os ar-
com o tempo. No entanto, Oresme
gumentos de Nicolau Copérnico
não se limitou apenas a discutir
em quase duzentos anos. Resu-
os pormenores da teoria do impe-
midamente, o argumento pode ser
tus, ocupando-se também com a
descrito do seguinte modo: uma
discussão acerca da possibilidade
pessoa que estivesse a bordo de na-
do movimento da Terra (conside-
vio, mas sem ter consciência do
rado como uma hipótese, pois es-
movimento deste, pensaria que ao
taria em conflito com a fé cristã), o

22 Vale lembrar a semelhança incontestável da presença divina na origem do movimento na física de Descartes,
conforme apresentada nos Princípios da Filosofia. Voltaremos a esse problema no próximo trabalho.
23 Trata-se da ideia de que um corpo qualquer, tal como uma flecha ou pedra, “é parte do sistema mecânico da
rotação da Terra, tal qual um homem que move sua mão verticalmente para cima e para baixo em um mastro é
parte do sistema mecânico do navio” (CLAGETT, 1961, p. 599).

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deslizar sua mão em linha reta ao zão de que também compartilha-


longo do mastro, ela estaria em mos de tal movimento. Com isso,
movimento retilíneo, quando na Oresme opôs-se a Aristóteles, uma
verdade a mão realizaria um mo- vez que este defendia que o mo-
vimento composto: mover-se-ia de vimento circular era característico
forma retilínea para baixo e tam- dos corpos celestes, enquanto que
bém horizontalmente, seguindo a o retilíneo era próprio dos corpos
direção do navio, que por sua vez terrestres; contudo, isso não re-
deslocar-se-ia para leste. O tripu- presentou uma ruptura completa,
lante é partícipe do movimento da pois Oresme admitiu que os obje-
embarcação, e como tal não per- tos terrestres também pudessem se
cebe que está em movimento jun- deslocar naturalmente de maneira
tamente com ela. retilínea e para baixo, desde que
Porém, segundo Évora (1993, p. não estivessem em seu lugar na-
99), havia a necessidade de lidar tural (ibid., p. 100). Em resumo,
com o argumento aristotélico de Oresme defendeu a existência de
que cada corpo simples possui um dois tipos de movimento natural
princípio motor. No caso da Terra para os corpos terrestres: o circu-
imóvel, tal problema não se coloca- lar, devido ao fato de que a Terra
ria, mas caso ela estivesse em rota- mover-se-ia circularmente; e o re-
ção, sua trajetória seria antinatural tilíneo (para baixo), que ocorreria
e exigiria o contato direto e perma- quando o corpo buscasse retornar
nente de um motor externo, para a ao seu lugar natural.
manutenção desse movimento con- Gilson (2007, p. 850) defende
trário à natureza, em consonân- que Oresme superou Buridan e
cia com a filosofia de Aristóteles. anunciando as pesquisas de Des-
Oresme contornou a dificuldade cartes e Galileu, “Nicolau Oresme
propondo que a Terra deslocar-se- é o predecessor direto de Copér-
ia naturalmente de modo circu- nico” (ibid.). Entretanto, a teo-
lar, dispensando a necessidade de ria de Oresme ainda estava incom-
uma força externa para mantê-la pleta, pois lhe faltou a percepção
em movimento, já que este seria da propriedade inercial do movi-
natural. Consequentemente, este mento dos corpos.
também seria o movimento natural
dos corpos terrestres, na qualidade
Copérnico e o movimento relativo
de partícipes do deslocamento da
Terra, embora não possamos per- A importância de Nicolau Co-
ceber a trajetória circular dos cor- pérnico (1473–1543), não somente
pos a nossa volta, pela simples ra- para a Astronomia, mas também
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para a Revolução Científica do sé- nets must fit in a definite way”25 .


culo XVII, é muito conhecida e Copérnico, evidentemente, pres-
amplamente estudada (DUHEM, sionado pelas dificuldades religi-
1913-1959; REICHENBACH, 1942; osas da época, foi cuidadoso e
KUHN, 1985; CROWE, 1990; AP- afirma, também no Prefácio, que
PLEBAUM, 2000; HOLTON and a sua motivação para pensar em
BRUSH, 2005)24 . Consciente de formas alternativas para calcular
que a publicação do tratado As os movimentos das esferas do Uni-
Revoluções dos Orbes Celestes po- verso deu-se porque “os matemáti-
deria trazer-lhe problemas perante cos não estavam de acordo consigo
as autoridades eclesiásticas, Copér- próprios na investigação de tais
nico manteve o manuscrito em seu movimentos” (COPÉRNICO, 1984,
poder durante muitos anos, con- p. 7). Ainda nesse sentido, a van-
forme o próprio relata no Prefá- tagem para um modelo mais ade-
cio do livro, dedicado ao papa quado, ele afirma, seria a correta
Paulo III (COPÉRNICO, 1984, p. elaboração do Calendário eclesiás-
6). Nesse Prefácio, Copérnico apre- tico, discutida durante o Concílio
senta sua teoria como uma “hipó- de Latrão, que não pôde ser efe-
tese”. No entanto, o sentido desse tuada porque “a duração dos anos
termo não é isento de controvér- e dos meses, bem como os movi-
sias. Na verdade, importantes in- mentos do Sol e da Lua, ainda não
terpretes do trabalho de Copérnico estavam convenientemente medi-
avaliam que ele estaria conside- dos” (ibid., p. 11). Mas a defesa
rando seu modelo mais do que uma mais importante ele já havia vincu-
simples suposição, mas como um lado, páginas antes, à astronomia:
sistema (form) que permite a de-
terminação dos movimentos cele- E deste modo, admitindo os
tes (WALLIS, 1952, p. 484). Holton movimentos que eu à Terra
(op.cit., p. 20) afirma que o próprio atribuo na obra infra, com
Copérnico enfatiza que “the he- perguntas e longas observa-
liocentric system provided a uni- ções, descobri que, se estabe-
que pattern into which all the pla- lecermos relação entre a ro-
tação da Terra e os movi-

24 Considerando o desenvolvimento da Física no período moderno, especialmente com Galileu e seu trabalho
para os fundamentos da Física, concordamos com Infeld (1973, p. 66 ) quando ele afirma “[t]he work of Coperni-
cus represents not only the beginning of modern astronomy but also the beginning of the modern science of the
universe and of nature. (...) We know from the history of Science that the first step is always the most difficult”.
25 Essa questão é bastante complexa, pois Copérnico foi obrigado a introduzir epiciclos em seu sistema. O que
podemos dizer é que, de um ponto de vista geral, o modelo heliocêntrico corresponderia mais adequadamente a
um sistema de mundo, para usar os termos de Galileu, do que o sistema geocêntrico, exatamente por uma melhor
adequação e pelas previsões inéditas, como o tamanho do universo, problema indiferente no sistema ptolomaico.

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mentos dos restantes astros, observador. Ora a Terra


e os calcularmos em confor- é o lugar donde aquela ro-
midade com a revolução de tação celeste é observada e
cada um deles, não só se hão- se apresenta à nossa vista.
de deduzir daí os seus fenô- Portanto, se algum movi-
menos, mas até se hão-de in- mento for atribuído à Terra,
terligar as ordens e grande- o mesmo movimento apare-
zas de todas as esferas e as- cerá em tudo que é exte-
tros assim como o próprio rior à Terra, mas na direc-
céu (ibid., p. 9). ção oposta. É o caso em
primeiro lugar da rotação
diurna (ibid., p. 29).
Esse estudo dos movimentos dos
outros astros é empreendido a par-
tir do Livro II, e mantém-se até No entanto, a defesa do movi-
a última parte (Livro VI) do tra- mento terrestre implicava uma di-
tado As Revoluções dos Orbes Celes- ficuldade em relação à ausência de
tes, enquanto que no Livro I há a uma mudança aparente de posi-
descrição das posições das esferas ção das estrelas fixas enquanto a
e dos movimentos da Terra, con- Terra passa para o lado oposto de
forme Copérnico os compreende sua órbita (paralaxe estelar anual).
(ibid., p. 9-10)26 . Copérnico reconhece que tal mu-
O aspecto central para discutir o dança deveria existir, mesmo que
problema da inércia no sistema co- seja irrelevante, e justifica que ela
pernicano é a relatividade do mo- não é percebida pela falta de ins-
vimento, conforme pode ser no- trumentos capazes de medi-la, so-
tado na seguinte passagem: mado ao fato de que a esfera das
estrelas fixas estaria muito distante
Na verdade, entre objectos da Terra, o que tornaria o desvio
que se movem igualmente na insignificante.
mesma direcção, não se nota Além da questão da paralaxe,
qualquer movimento, isto é, Copérnico enfrentou outros pro-
entre a coisa observada e o blemas em sua defesa do mo-

26 O problema da finitude ou infinitude do mundo também é complexa no trabalho de Copérnico. Koyré (1957,
p.33-34) considera que o universo copernicano é francamente finito: “[...] the world of Copernicus is finite. Moreo-
ver, it seems to be psychologically quite normal that the man who took the first step , that of arresting the motion
of the sphere of the fixed stars, hesitated before taking the second, that of dissolving it in boundless space; it was
enough for one man to move the earth and to enlarge the world so as to make it immeasurable - immensum; to ask
him to make it infinite is obviously asking too much”. Mas o próprio Copérnico hesita em relação a essa questão.
No primeiro capítulo de seu livro, Copérnico afirma que o Universo tende a ser delimitado por uma esfera (ibid.,
p. 17). No entanto, no Livro I, Capítulo VIII, ele diz deixar aos físicos a tarefa de discutir se o mundo é finito ou
infinito (COPERNICO, 1984, p. 40).

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vimento terrestre. Dentre eles, Com efeito, os objectos a


destaca-se a tese ptolomaica (con- que a força ou o impulso
tida no Almagesto, I, 7) de que se a são aplicados têm necessa-
Terra se movesse com uma rotação riamente de ser destruídos
diária, tal movimento teria de ser e não subsistirão durante
bastante veloz, de modo que os ob- muito tempo, mas as coi-
jetos terrestres dispersar-se-iam no sas que são feitas pela Na-
espaço, ao invés de permanecerem tureza estão no seu estado27
em seus lugares. A rapidez com natural e continuam na sua
a qual a Terra deslocar-se-ia impe- forma perfeita. É, pois, em
diria que os corpos caíssem em li- vão que Ptolomeu teme que
nha reta em direção aos seus luga- a Terra venha a dissipar-se,
res naturais. Além disso, segundo assim como todos os objec-
Copérnico, “veríamos as nuvens e tos terrestres, devido a uma
tudo o que está impresso no ar con- rotação produzida pela força
tinuamente arrastados para Oeste” da Natureza, que é muito di-
(ibid., p. 38). Entretanto, o as- ferente do que pode ser reali-
trônomo lida com tais objeções su- zado pela arte e pelo engenho
pondo que “se alguém for de opi- humanos (op.cit.).
nião que a Terra se move, dirá por
certo que o movimento é natural e
não violento” (ibid., p. 39). Dessa Em seguida, Copérnico volta a in-
forma, a rotação terrestre não pre- sistir na ideia de que o movi-
cipitaria a desintegração do pla- mento é relativo, com a qual con-
neta, uma vez que tal movimento seguia justificar porque não perce-
seria natural. A terminologia de beríamos a rotação terrestre. Ele
Copérnico é evidentemente aristo- acreditava que os objetos terres-
télica: tres eram partícipes do movimento
da Terra, tese também defendida
[...] as coisas que são se- por Oresme. Para corroborar seu
gundo a Natureza têm efei- argumento, o astrônomo utilizou
tos contrários às que são o exemplo de um navio em mo-
provocadas pela violência. vimento, tal como fizera Oresme,

27 Mantivemos a tradução “estado” da edição portuguesa, mas, como já dissemos acima – nota 4 -, evitamos esse
termo. Concordamos com a edição inglesa, que traduz essa passage da seguinte maneira: “[b]ut the things which
are caused by nature are in a right condition and are kept in their best organization.” Grifo nosso (COPERNICUS,
1952).
28 “E por que não havemos de admitir que a rotação diária é aparente no Céu, mas real na Terra? E é assim que
as coisas se passam na realidade [...]. Na verdade, quando um navio navega com bonança, tudo o que está fora
dele parece aos navegantes mover-se pelo reflexo daquele movimento e, por outro lado, pensam que estão imóveis
com todos os objetos junto deles. Naturalmente, a mesma coisa acontece com o movimento da Terra de maneira

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mas com as devidas modifica- Quando está nesta posição


ções28 . O astrônomo concluiu que não pode ter nenhum outro
as coisas, que de alguma forma movimento excepto o circu-
estão ligadas à Terra, deslocam- lar, pois que o corpo simples
se com ela quer porque o ar está permanece totalmente em si
“misturado com a matéria terres- mesmo como um corpo em
tre e aquosa, quer porque o movi- repouso. O movimento recti-
mento do ar é adquirido, pois par- líneo manifestar-se-á nos ob-
tilha com a Terra da sua rotação in- jectos que abandonam a sua
cessante, devido à contiguidade e posição natural ou são arras-
à ausência de resistência” (ibid., p. tados para fora dela ou de
41). qualquer modo de lá saem.
A relação entre o movimento re- [...] o movimento rectilí-
lativo e o problema da inércia em neo só ocorre nos corpos que
Copérnico é apresentado em um não se encontram no seu pró-
amalgama de concepções moder- prio estado nem em harmo-
nas e aristotélica. Para ele, os cor- nia perfeita com a sua natu-
pos terrestres são dotados de um reza (ibid., p. 42).
duplo movimento: o movimento
circular (ou horizontal), pelo fato Tal ideia também fora sustentada
de que acompanham o movimento por Oresme, conforme exposto no
da Terra, e o movimento retilíneo tópico anterior. Ambos ainda não
(vertical), que ocorre quando os tinham a noção de inércia, mas as
objetos não estão em seus lugares considerações copernicanas a res-
naturais, seja quando se afastam peito das causas dos movimentos
de tais lugares devido a um movi- circular e retilíneo corroboram a
mento violento, seja quando bus- interpretação de que ele pudesse
cam retornar ao seu estado natural ter admitido a manutenção do mo-
de repouso: vimento circular (“inércia circu-
lar”), pois a causa de um movi-
[...] o corpo simples per- mento dessa ordem manter-se-ia
manece na sua posição na- constante na visão do astrônomo,
tural e na sua unidade. o que não ocorreria com desloca-

que todo o Universo parece rodar” (ibid., p. 40-41). Essas considerações serão próximas a Giordano Bruno, como
veremos na segunda parte desse trabalho, a ser publicada. Consideramos que ambos prenunciam o princípio de
relatividade clássico, enunciado posteriormente por Galileu e, em toda a sua generalidade, por Newton. Também
como veremos, consideramos que Bruno tem teses menos aristotélicas, nesse aspecto, do que Copérnico. Talvez por
sua visão de mundo antiaristotélica.
29 O movimento circular processa-se sempre sem alteração porque a sua causa é constante. Pelo contrário, os
objetos que se movem em linha reta perdem a causa que os acelera e os levou ao seu próprio lugar. Deixam então
de ser leves ou pesados, cessando esse movimento (ibid., p. 42).

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mentos em linha reta29 . certa maneira, o próprio princí-


Veremos que parte das dificul- pio de relatividade clássico foi in-
dades de Copérnico sobre esse tuído por alguns filósofos, como
tema persistirá nos estudos de Ga- Buridan, quando realiza sua crí-
lileu. tica à noção de antiperistasis, e
posteriormente por Oresme, Bruno
(como veremos no próximo traba-
Conclusão
lho) e Copérnico, nos estudos so-
Um dos sentidos de mudança na bre o movimento da Terra e sobre
filosofia do Estagirita é o de trans- o movimento relativo. Seguindo
lação, ou descolamento. Vimos que a terminologia proposta por Paulo
vários pensadores se dedicaram a Abrantes (2016), a imagem de na-
esse complexo problema ao longo tureza de Copérnico, ao lado das
de quase vinte séculos, conside- limitações próprias do desenvolvi-
rando o período que vai da Física mento conceitual da Matemática,
de Aristóteles até a publicação do da Física e da Astronomia do final
livro de Copérnico, em 1543. Os do século XVI, pode ter desempe-
estudos desenvolvidos entre os sé- nhado um papel considerável nas
culos XIII e XVI irão aprofundar a dificuldades encontradas por esse
crítica à física aristotélica em re- astrônomo30 . Com o princípio de
lação ao movimento, examinando, relatividade e o uso implícito de
sobretudo, as concepções de mo- causalidade - no contexto de uma
vimento natural e movimento vi- revolucionária conceituação algé-
olento, ou forçado. As análises brica do movimento - Galileu irá
de Bradwardine, Oresme, Buridan suplantar muitas das dificuldades
e Copérnico preparam o cenário de Copérnico.
para o desenvolvimento posterior,
que será feito por Gassendi, Des-
cartes e Galileu, especialmente no
que se refere aos estudos do mo-
vimento relativo. Essa noção per-
mitirá o desenvolvimento dos tra-
balhos sobre o princípio de rela-
tividade e do moderno conceito
de inércia. Vale notar que, de

30 Foi necessário o desenvolvimento do cálculo infinitesimal e integral, por Leibniz e Newton, para uma ade-
quada síntese entre astronomia e física, ou ainda, entre a física celeste e a física terrestre. Mas somente a dinâmica
newtoniana fará a primeira síntese mais elaborada desse problema, onde as noções de massa e força tornam-se
determinantes.

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