Você está na página 1de 176

Suzy de Mello

• Brasil-História - vol. 1 - Colônia - A . Mendes Jr. ,


R. Maranhão e L. Roncari (orgs. )
• Cultura Brasileira e Identidade Nacional - Renato Ortiz
• Produzindo o Passado - Estratégias de Construção do
Patrimônio Histórico - Antonio Augusto Arantes (org.)

Coleção Primeiros Passos Barroco mineiro


• O que é Arquitetura - Carlos A. C. Lemos
• O que é Arte - Jorge Coli Prefácio:
• O que é Patrimônio Histórico - Carlos A . C. Lemos Afonso Arinos de Melo Franco
Coleção Primeiros Vôos
• Barroco - Susy de Mel/o

Apoio:

-~--~
1
Credireal
BANCO DE ~AEALDE MINAS GERAIS
IP
1985
Índice___ _ _ _ _ _ __
Este volume constituiu tese de concurso público de títulos e provas para Pro-
fessor Titular da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais,
realizado em Belo Horizonte, em 22-24/8/1984. A Comissão Julgadora, composta
pelos profs. Eduardo Kneese de Melo e Eduardo Corona (da FAU-USP), Edgar A.
Graeff (PUC-GO e MEC) e Raphael Hardy Filho e Luciano A. Péret (EAUFMG) Prefácio - Afonso Arinos de Melo Franco .......... . 9
aprovou a candidata com nota dez em todas as provas.
Introdução ..................................... . 11
Condicionamentos específicos ..................... . 16
Agradecimentos As vilas do ouro ................................. . 65
A minha mãe, e a toda a família, pelo indispensável apoio e constante O casario ...................................... . 91
confiança;
A Márcia de Moura Castro, pelo incentivo e contribuições bibliográficas; As construções religiosas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122
A Márcio Cotta Rocha, aluno da EAUFMG, pelos excelentes desenhos,
feitos com a maior dedicação; A arquitetura do poder português . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165
Às arquitetas Cláudia Márcia Freire Lage e Lívia Romanelli d' Assump- A paisagem urbana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 203
ção e à advogada Terezinha Lopes Machado, da Pró-Memória, pela
grande ajuda com levantamentos; Fazendas mineiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
A Décio Pereira de Vasconcellos, bibliotecário-chefe, e a Jandira Rosa Construtores, projetos e sistemas construtivos ......... 239
do Amaral, Nylcéa Landre Romanelli, Simone Dornelles de Brito, Se-
nhorinha Antônia da Silva e Geraldo Furtado, da Biblioteca da EAU- Conclusões ..................................... . 260
FMG, pelas valiosas contribuições à bibliografia, na qual também cola-
borou Paulo Augusto Gomes; Anexos ........................................ . 275
A Archimedes C. de Almeida, Marcos C. Mazzoni e Luiz Pedro Soares, Bibliografia .................................... . 282
do Serviço de Fotodocumentação da EAUFMG, pelo importante auxílio
com as fotos;
A Domingos Magno Ferreira e Odette Gomes, pelos bons trabalhos de
datilografia;
Aos colegas professor Celso de Vasconcellos Pinheiro, diretor da EAU-
FMG, e professor Martim Francisco Coelho de Andrada, chefe do De-
partamento ACR, e às professoras Maria das Mercês V. Bittencourt e
Marina E. W. Machado, pelo apoio e amizade.
Prefácio~--------

Àcabo de concluir a leitura, de crescente interesse,


desse primoroso trabalho de pesquisa sobre o Barroco Mi-
neiro, manifestamente isento de sentimentalismos ou compro-
missos, senão os da interpretação cuidadosa e meditada, forta -
lecida pela vivência na preservação e na restauração do nosso
patrimônio histórico e pelo estudo metódico a que o magisté-
rio obriga.
Não fossem a exigüidade do tempo disponível para o pre-
paro da edição e a premência dos compromissos que já assumi
p ara os próximos meses, tentaria desenvolver de maneira ade-
quada minhas impressões sobre a excelente obra da profes-
sora Suzy de Mel/o.
Mas, ainda que sucintamente, registrarei aqui a entusiás-
tica opinião de um constante interessado e modesto estudioso
do caráter barroco da arte colonial mineira. Não hesito, assim,
em afirmar que nos escritores clássicos sobre a arte mineira,
desde Monsenhor Pizarro, no princípio do século passado, os
viajantes estrangeiros do Brasil-Reino e os historiadores de
Minas Gerais setecentista, até os mais recentes escritores es-
trangeiros que se têm ocupado do Barroco Mineiro, pelo que
deles conheço, nenhum outro trabalho de conjunto me pare-
ceu tão completo no que se refere a suas características de sin -
tético na exposição, preciso nas fontes, exaustivo nos dados,
esclarecedor nas interpretações e estimulante para aqueles
que, por predestinação ou por gosto, venham a empreender
10 SUZY DE MELLO

novos estudos sobre o complexo cultural mineiro do século


XVIII, que verdadeiramente não foi um fenômeno brasileiro,
mas da própria cultura ocidental.
Não tenho dúvidas de que esse precioso trabalho abrirá
·novas perspectivas ao conhecimento desse aspecto particular e
de características tão variadas da cultura brasi!eira e de seus
condicionamentos sociais específicos.

Rio de Janeiro, novembro de 1984

Afonso Arinos de Melo Franco

Introdução___ _ _ _ _ __

"Da brenha tenebrosa aos curvos montes,


do quebrado a/mocafre aos anjos de ouro
que o céu sustém nos longos horizontes,
tudo me fala e entende do tesouro
arrancado a estas Minas enganosas,
com sangue sobre a espada, a cruz e o louro. "
Cecília Meireles ( 1953)

'À primeira vista, pode parecer que esse volume sobre a


arquitetura do Barroco Mineiro não apresente maior inte-
resse, dado o já significativo número de textos sobre o assunto.
Entretanto, muitas e diversas razões o justificam, principal-
mente se levados em conta vários aspectos que decorrem de
nossa vivência no campo da preservação e da restauração do
patrimônio histórico e, mais diretamente, de nossa ainda
maior experiência universitária como professora da disciplina
"Arquitetura Brasileira" na Escola de Arquitetura da UFMG
desde 1970.
Em todas essas atividades que, naturalmente, exigem
constantes e exaustivas pesquisas bibliográficas, tivemos sem-
pre a oportunidade de verificar a necessidade de consulta a
um sem-número de publicações as mais variadas - desde li-
vros até separatas, artigos em periódicos ou textos de confe-
rências - nem sempre facilmente acessíveis, quer por serem
12
SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 13

edições esgotadas quer pela dificuldade de sua obtenção ou


pelo alto custo dos volumes. Considera, ainda na mesma obra, o citado autor: "A his-
Porém, a tantos percalços, sem dúvida importantes mas tória de conjunto, portanto, servirá de ponto de partida para
de ordem material, juntavam-se problemas bem mais sérios: a uma cultura historiográfica especializada e de fonte de refe-
dispersão dos temas, as especificidades dos textos, um trata- rências. ( ... ) Quer dizer: uma história geral, dispensando o
mento quase sempre cronológico e que incluía, em muitos historiador de pesquisas diretas fora de seu campo, permite a
casos, outras manifestações arquitetônicas e artísticas de todo especialização. E esta conduz ao aprofundamento".
o país, impedindo uma visão global do Barroco Mineiro, sem Finalmente, Oliveira Torres conclui: "E o grande pú-
dúvida um conjunto de excepcional significação do panorama blico? Será justo deixar o comum das pessoas sem uma infor-
da arte colonial brasileira. Daí resultam imensas dificuldades mação razoável, cabal e satisfatória, unicamente porque ain-
para todos os que procuram conhecer melhor a arte do Ciclo da não a podemos dar completa? Uma história geral, mesmo
do Ouro em Minas - e, felizmente, é cada vez maior o nú- sujeita a posteriores retificações tr'ará, sem dúvida, uma ele-
mero desses interessados - , não só de profissionais ligados às vação do nível médio de conhecimentos pelo fato de dar ao
áreas de restauração e conservação de monumentos históricos público um alimento mais sólido e consistente. Desta elevação
como de alunos de arquitetura e história da arte ou mesmo o do nível geral médio resultará, sem dúvida, uma cultura histó-
grande público, levado pela sua própria sensibilidade artística rica melhor e mais aperfeiçoada".
ou motivado pelo chamado "turismo cultural" que visa, pri- Porém, se essas foram as razões mais imediatas da esco-
mordialmente, às cidades históricas que em Minas têm espe- lha feita, outros motivos de importância também devem ser
cial destaque, não obstante as inúmeras outras, igualmente obrigatoriamente mencionados. O primeiro ponto é que, no
ricas, espalhadas pelo território brasileiro. geral, os textos sobre arquitetura são muito técnicos, recor-
Aliás, esses aspectos da maior validade são reforçados rendo a uma terminologia bastante específica ou que dependa
pelas considerações mais amplas e objetivas de João Camilo de de um nível mais especializado de conhecimentos. Ê óbvio que
Oliveira Torres em sua História de Minas Gerais 1 quando não podem ser dispensadas as denominações próprias dos ele-
considera "um obstáculo ao progresso da historiografia mi- mentos arquitetônicos mas, tanto quanto possível, são elas ex-
neira a quase total carência em que nos achamos de obras plicadas e procuramos adotar uma abordagem que fizesse a
gerais" . Continuando em sua argumentação, que se aplica leitura mais fácil e objetiva, relembrando a sábia advertência
também ao nosso tema, observa Oliveira Torres: "Duas são as de Carlos Drummond de Andrade: "Outra que, de verdade,
vantagens principais de uma história geral para o progresso foge ao meu entendimento é a linguagem criptográfica das
da pesquisa. A primeira e mais evidente, consiste em reunir e dissertações de mestrado, posta em vigor nas universidades e
armazenar informações e dados gerais, que esparsos por toda destinada a consumo exclusivo dos elementos universitários,
a parte, estão fora de alcance de muita gente. ( ... ) Uma pes- pois não contribui para o esclarecimetno dos fatos culturais
soa que se inicia na pesquisa histórica necessita de uma visão nela estudados, antes torna mais duvidosa a compreensão des-
de conjunto da área interessada, mesmo que seja uma visão ses fatos, sem qualquer vantagem social". 2
provisória, pois é sobremodo dificultoso andar às cegas e no Um outro aspecto a ser salientado decorre de um fato
escuro, como quem abre picada em floresta virgem. Um ro- que, com muita freqüência, não é lembrado ou levado em con-
teiro geral, mesmo com falhas e deficiências, é indispensável, sideração mesmo pelos que, por dever de ofício, não poderiam
sob pena de perder-se o viajante no cipoal de situações iso- esquecê-lo, qual seja, o de que a arquitetura vincula-se e é
ladas". produto das condições sociais, históricas, econômicas e polí-
ticas de uma determinada época, bem como do meio físico e
(1) Oliveira Torres, João Camilo de. História de Minas Gerais . Belo Horizonte,
Lemi; Brasília, Instituto Nacional do Livro, 1980, v. 1, p. 75-8. (2) Andrade, Carlos Drummond de. "Não dá para entender". Jornal do Bra-
sil , Rio de Janeiro, 3 de dezembro de 1983, cad. B, p. 8.
14 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 15

geográfico em que ocorre e, ainda, dos materiais e das técni- rência os mais importantes trabalhos e estudos já publicados
cas de construção nele disponíveis. Portanto, para um mais no Brasil e no exterior sobre o Barroco Mineiro, pois sem as
completo entendimento do Barroco Mineiro são indispensá- observações precisas e as profundas pesquisas de Rodrigo
veis pelos menos alguns dados fundamentais, referentes aos Melo Franco de Andrade, Germain Bazin, Sylvio de Vascon-
fatores peculiares ao processo civilizatório que caracterizou cellos, Lúcio Costa, Paulo F. Santos, Lourival Machado, Au-
Minas Gerais tanto quanto são imprescindíveis observações gusto Carlos da Silva Telles, Robert C. Smith, Carlos Lemos,
complementares que esclareçam a adoção ou a predominância Leopoldo Castedo e tantos outros não poderíamos ter sequer
de determinadas soluções. tentado essa empreitada que se fundamentou, basicamente,
Através dessa visão mais ampla, a arquitetura é não ape- no riquíssimo legado de tantos estudiosos. Sem fazei uma
nas "vista" como um conjunto simplesmente belo e harmo- "colcha de retalhos" dos principais textos, procuramos orga-
nioso mas antes como o repositório de toda uma época e ex- nizar, tão didática e objetivamente quanto possível, as mais
tremamente válido para as mais variadas leituras como bem significativas características da an1uitetura do Barroco Mi-
nos ensina o Mestre Lúcio Costa: "A história da arte mostra neiro em suas mais importantes formas, sem maiores preten-
que a arquitetura sempre foi parte integrante fundamental no sões, dando aquela "visão geral" que Oliveira Torres consi-
processo da criação artística como manifestação normal de dera fundamental e que também nos parece básica, mesmo
vida. Ela engloba, portanto, a própria história da arquitetura, que sujeita a revisões posteriores.
constituindo-se, então, por assim dizer, no "álbum de famí- No mais, "de original só o pecado", como já foi dito com
lia" da humanidade. É através dela, através das coisas belas tanta sabedoria, e a confissão sincera de nosso amor às coisas
que nos ficaram do passado que podemos refazer, de teste- mineiras que nos levou a escolher esse tema como tão exata-
munho em testemunho, os itinerários percorridos nessa apai- mente escreveu o poeta: 5
xonante caminhada, não na busca do tempo perdido, mas ao
encontro do tempo que ficou vivo para sempre porque entra- "o que amas de verdade não te será arrancado
nhado na arte". 3 o que amas de verdade é tua herança verdadeira".
Assim é que procuramos apresentar pelo menos os fatos
fundamentais que deram a Minas condições muito próprias
de desenvolvimento no contexto brasileiro e que nem sempre
são claramente expostos nos textos sobre o Barroco Mineiro,
mais freqüentemente dedicados aos aspectos diretamente liga-
dos a detalhes dos elementos artísticos e arquitetônicos, preju-
dicando, assim, o entendimento mais abrangente desse pe-
ríodo tão rico e, ao mesmo tempo, tão original da arte brasi-
leira.
A abordagem da tipologia arquitetônica como tema cen-
tral desse trabalho visa, justamente, enfatizar a colocação
acima citada de Lúcio Costa pois, muito mais que a pintura e
4
a escultura, "arquitetura é coisa para ser vivida" e, portanto,
essencial. Para esse fim, tomamos, naturalmente, como refe-

(3) Costa, Lúcio. Arquitetura. Rio de Janeiro, Bloch, FENAME, 1980, p. 5 . (5) Pound, Ezra. Poesia. (Canto 81), Brasília, Ed. Universidade de Brasília;
(4) Costa, Lúcio. Op . cit., p. 8. ~11 1' 1\ll l o ,
HUCITEC, 1983, p . 202 .
BARROCO MINEIRO 17

nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro nem o vi-


mos".(. .. ) 2
Assim, os primeiros séculos da colonização portuguesa
no Brasil refletiram uma frustração básica ainda que, econo-
micamente, tivessem ensejado rendosas atividades na extração
de especiarias e corantes (principalmente o pau-brasil) e, a
seguir, motivado o estabelecimento dos engenhos de açúcar no
litoral nordeste. Dessas empresas, mesmo que os corantes na-
turais levados para a Europa abastecessem os teares de Flan-
dres, a economia açucareira se desta.c ou pelo alto valor do seu
Condicionamentos produto: - o açúcar chegou mesmo a ser "artigo de grande
raridade e muita procura; até nos enxovais de rainhas ele che-
gou a figurar como dote precioso e altamente prezado". 3
~ecíficos Não é nossa meta detalhar as etapas da colonização do
país mas apenas relembrar os dados mais importantes para
um entendimento global do quadro civilizatório brasileiro em
seu início que, sob o ponto de vista econômico, apoiou-se nos
"Nem há pessoa prudente que não confesse haver Deus permi- ciclos do pau-brasil e da cana-de-açúcar, enquanto eram ten~
tido que se descubra nas minas tanto ouro para castigar com tadas inúmeras formas de fixação de grupos estáveis, desde as

l
ele ao Brasil . .. feitorias e entrepostos até o estabelecimento das capitanias
Antoni1(1711) hereditárias visando, igualmente, à mais efetiva proteção do
território contra as incursões de piratas.
Porém, de uma forma ou de outra, o litoral permanecia
r b esde a descoberta do Brasil que os portugueses se res- como a área de maior interesse e de mais constante presença .·
sen 1am de sua evidente falta de sorte em comparação com os dos portugueses, a ponto de Frei Vicente do Salvador, nosso thS~
~spallhóis, que logo encontraram minas de ouro e prata nas primeiro historiador, criticá-los pois "que sendo grandes con- rt1r
erras em que desembarcaram na América. Ainda que o flo- quistadores de terras não se aproveitam delas, mas conten-.
resc~ht ' · com a A-f nca
~... e comercio · e O nen
· t e - com especia· 1 d es- tam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caran-
taqu~ para a Índia - os fascinasse pela variedade de produtos guejos, em sua clássica e exata observação. Entretanto, não
coma
d mar f"im, ouro, especiarias
· · e escravos 1 t o d os os navega- foram poucas as expedições que se aventuraram para o inte-
f'ore.s sonhavam com as lendas do Eldorado, de inúmeras e rior, enfrentando não só os índios e animais ferozes mas as
acei~ riquezas, sendo válido destacar a pouco divulgada ob- densas florestas e os obstáculos naturais que eram constituí-
~rv:Jão de Pero Vaz de Caminha na sua famosa carta ao Rei dos pelas Serras do Mar, da Mantiqueira e do Espinhaço.
V· '"'l&nuel, datada "deste Porto Seguro, da -vossa Ilha de Quase sempre incentivados por ordens reais, muitos grupos se
er~ C:ruz, hoje, sexta-feira; primeiro dia de maio de 1500" embrenharam pelo sul da Bahia e pelo norte do Espírito Santo
que em mostra a preocupação dominante: à procura de metais preciosos. Entre esses, podem ser citadas
( ·, .) "Nela, até agora, não pudemos saber se há ouro,
(2) Gasman, Lydnéia. Documentos Históricos Brasileiros . Rio de Janeiro,
FENAME - MEC, 1976, p. 23.
p( l ) Prado Júnior, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, (3) Prado Júnior, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo, Bra-
1967 , . l..s. siliense, 13!' edição, 1973, p. 28.
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 19
18

as "entradas" de Martim Carvalho (antes de 1568), as de Se- reconhecida resignação à condição servil, o qut: não acontecia
bastião Fernandes Tourinho (anteriores a 1573) e de Antônio com os silvícolas:lâ para os portu gu-eses o motivo era bem
Dias Adorno (1574), que chegaram a alcançar os rios Jequiti- mais ambicioso: - nos territórios colonizados pelos espa-
nhonha e Doce, na região leste de Minas, retornando "com nhóis , as dificuldades para exploração das minas, não só pelas
interessantes amostras mineralógicas".
4
técnicas mc1piêífte~_<:.Q!!l.9 12elas süãs Eró~riãs ~ c.s.rnçtwsJicas
Embora os dados sobre tais descobertas tenham interpre- geolõg1cas (millas pr~fimdas), criaram uma situação crítica.
tações próprias e diversificadas para os historiadores, parece PõrtantO, " ã dlmínufçã~ da produção do ouro e da prata da
certo que o ouro e a prata tão ambicionados não haviam se América Espanh,olãifão- ãpenãs-e'"hfraqueceu a J?!~p.r.ia_:Esp_~­
_llha mas gerou ~leJl!aS e.!!1 toda a Euro~~l'!_!"edu,ção do
-·----
tornado realidade e as cobiçadas esmeraldas eram apenas tur-
~-
matinas de menorv_alor. Ainda assim, tornara-se óbvio que nas
..... estoque de numerário em disponibilidade no Velho Mundo,
terras dos portugueses jaziam, sem dúvida, tesouros valiosos o
fãiisformando sé~ulo XVII num período de "fome monetá-
cuja pesquisa carecia ser aprofundada. ria", com uma St?PsiveLbaixa _n9s preços e _um pequeno índice_
01 f". Mais diretamente, porém, dois aspectos primordiais iriam de crescimento econômico". 5
modificar esse quadro, revitalizando as incursões para o infê- - Paraêompleta-r·a-difícil situação, se o ano de 1640 mar-
nor - principaiiiiênte na atual área de Minas Gerais, e, cou a chamada Restauração da Coroa Portuguesa, após ses-
ainda, para as regiões de Goiás e Mato Grosso - e tornando senta anos de domínio espanhol, também o período seria de
as expedições mais bem montadas e numerosas. O 'pr imêfro outras e maiores dificuldades econômicas para Portug~l. com
:)
deéorreu da qµ~da-.JlQ_çQ!!1~rc_io ~~~c~r~i~o português na su- a hegemonia do comércio das Índias passan_do 12.ara a Holanda
ropa, em meados do século XVII, quando os holandeses ôrga- e o surgimento aeãinaã mais graves problemas financeiros
'fiizà ram vastas plantaçõ~s- de cana-de~~J!a.S Au!ilhàs para o país que, no sistema mercantilista vigente, sofria uma
que, mais próximas da Europa, tinham sua produção vendida de suas maiores crises.
com fretes reduzidos e preços mais compensadores. Nesse complexo quadro, a única saída seria uma explo-
2., O segundo foi motivado pela ampliação do chamado "ci- ração maior do Brasil e, em particular, das riquezas do seu
clo das bandeiras de apresamento" - ou de caça aos índios - solo, eminentemente concentradas no interior, principalmente
que, mesmo antes da chegada de Martim Afonso de Souza a na região central de Minas Gerais. Assim, o incentivo às ban-
São Vicente (na região de São Paulo), em 1532, já tinha sido deiras e as recomendações para que procuras"Sêill as riquézas
iniciado visando à captura de indígenas para sua escraviza- "Sõii:nadàs tóriíaram-se cada vez mais objetivas e incisiv'ãs cÕmo
~· A essa ampliação das bandeiras, de vicentmõSe paulis tas mostram alguns trechos da carta enviada pelo Governador
primordialmente, também correspondeu uma diferente orien- Geral, Visconde de Barbacena, a Fernão Dias Pais, com data
tação: não seriam os índios a sua meta principal e sim a Ju~sca de 20 de outubro de 1671:
das riquezas.do solo_aiíida não deSbrãVado.~Isso porque outros "Agora escrevo esta em particular para dizer a v.m. a
.f~1~r\...~g:Jiii~s inte~ieram Pãraüfi'.ia revisão dos interesses grande estimação que fiz de ver o que v.m. escreveu a este
1
ft~flr.L;tanto dos bandeirantes quanto dos portugueses. Para os pri- Governo sobre o descobrimento que ... sua custa das minas de
""u
~
meiros, os índios capturados passaram a ter menor importân-
çié!_com a ampJiaÇão.!IQJráfjc9~ di es~,m-YQS--ªfricanps~ ia~a o
Sabarabuçu, e Esmeraldas que estão na altura da Capitania
do Espírito Santo, que serão ambas vizinhas. (. .. ) Pelo tanto
J.~ Brasil, cujo valor como "!ão-de-obra eraJnfüiit_'!:_mente supe- que v.m. receber esta carta, trate logo com todo o calor e bre-
!lor ao do indígena sem poder deixar de ser mencionada sua vidade possível de se pôr a caminho e antecipar o tempo a

(4) Vianna, Hélio. História do Brasil. São Paulo, Melhoramentos, 7~ edição, (5) Mendes Jr., Antônio et alii. Brasil História: Texto e Consulta . São Paulo,
1970, 2 v., p. 201. Brasiliense, 1976, v. 1 - Colônia, p. 187.
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 21
20

felicidade que considero estar guardada para o Príncipe N.S.; cluíam-se outros bandeirantes famosos como Manuel Borba i
1
e agora pode lograr por meio da diligência de v.m. e do amor Gato, Matias Cardoso de Almeida e Francisco Pires Ribeiro.
com que vejo o saber servir ( ... ) Durante cerca de sete anos uma vasta área foi explorada, a
Mas não esquecesse s.m. que a sua comissão visava sobre- despeito das febres que atacavam impiedosamente, da hostili-
tudo o engrandecimento da Coroa. Assim, agisse como vas- dade dos indígenas, da ferocidade dos animais e até de rebel-
salo fidelíssimo , que sabia ser chegando Vossa Mercê a -des- dias internas como a tentada por José Dias e, que, mesmo ..
- cobrir minas não faça v.m. mais que tirar as amostras da sendo filho natural de Dias Pais, pagou com a própria .vida.
prata e das esmeraldas, que bastem segurar com certeza infa- Aliás, Fernão Dias Pais também não retornou vivo às terras
lível que as há; porque não incorra v.m. em alguma culpa de paulistas, voltando a bandeira sob a chefia de seu filho Garcia t
que lhe resulte prejuízo, com o mesmo de que tão grandes Rodrigues Pais.
aumentos e utilidades estão prométendo a sua casa. Essa bandeira, porém, se não.·teve o êxito sonhado de
E marcando v .m. as serras, rumos, caminhos, rios, e tudo encontrar as preciosas esmeraldas ou as ricas minas de prata,
o mais que convier para deixar sem dúvida descobertas as mi- foi de indiscutível importância no desbravamento de imensa
nas, e sabida a entrada para elas, fará v.m. um roteiro, pelo àrea na região-de Minas que, a partír de entao, re cebéu ~cada
qual se possa ir guiando os que a elas voltarem sem se confun- "vez mais n ovosgrupos dê bandeirantes vicentiQ.~ sendo, final-
dir nas jornadas" ( ... )
6 mente, encontrado o ouro tão cobiçado.
Estava, assim, montado o grande cenário do ciclo do
ouro, com os bandeirantes paulistas como os primeiros perso-
iiãgêns:-M"as apenas não trariam-as riquezas das Minas Gerais
Ainda que o primeiro descobrimento seja bastante discu-
tido, há um razoável consenso entre os historiadores de que
·--~~tenha sido feito em 1693 por Antônio ~odri~ues de_Arzãp,
f', ~
só felicidades - haveF-ia ambição, revolta, traições mas, tam- segundo um depoimento da época, de Bento Fernandes Fur- ..l d.I. ')
8
bém, na complexidade e contradição das paixões humanas, a tado de Mendonça. Para outros, o responsável pela preciosa
produção de um excepcional acervo artístico e cultural. descoberta teria sido Duarte LoP-es, segundo Hélio Vianna l
~--31_,"um obscuro participa';"te da ba;dcira de Fernão Dias Pais", ,/Jf.>.t,/c.~
/ que encontrara ouro nas proximidades da atual cidade de ~-
Mariana. Com a divulgação do fato, já em 1694, outras ban-
deiras se organizaram sendo que a chefiada por Manuel de J..
Notícia histórica Camargos, da qual participava Bartolomeu Bueno de Si- '
~
queira, teria também encontrado Ouro naáfêãde.........Itaverava.
~·~"

A essas e a outras versões, junta-se o interessante relato


n :;t.,

Se o desbravamento do território mineiro teve como seu


do jesuíta João Antônio Andreoni que, sob o pseudônimo de
\
grande nome o de Fernão Dias Pais, é importante lembrar
ainda que " ~houve uma d_escoberta c_as~l, mas várias des-
}
i.:~ · André João Antonil, publicou em Lisboa, em 1711, no seu
-"'? 1
famoso Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Mi-
< c_obertas simultaneamente entre os anos de 1693 e 1695, em
locais diversos e como resultado de pesquisas e buscas inten- ~ / nas:
"Há poucos anos que se começaram a descobrir as minas
7
._ sas". gerais dos Cataguás, governando o Rio de Janeiro Artur de
Em 1674 a bandeira de Fernão Dias Pais deixou São
Sá: e o primeiro descobridor dizem que foi um mul~~ que
Paulo seguindo na direção nordeste e alcançou a região do
'" tinha estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Este, indo ao
Vale do Jequitinhonha. Entre seus inúmeros componentes in-
sertão com uns paulistas a buscar índios, e chegando ao cerro

(6) Gasman, Lydnéa. Op. cit., p . 67. (8) Vianna, Hélio. Op. cit., p . 290.
(7) MendesJr., Antonioetalii. Op. cit., p. 230.
ou
-. . n \h~ - tpi'
Hlf.- l9 t.i.'t , '~
f 22 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 23
-'fe\~·
TriI>l.!i desceu abaixo com uma gamela para tirar água do ri- "Gastam comumente os paulistas, desde a vila de São
beiro que hoje chamam de Ouro Preto, e, metendo a gamela Paulo até as minas gerais dos Cataguases, pelo menos dous
na ribanceira para tomar água, e roçando-a pela margem do meses, porque não marcham de sol a sol, mas até o meio dia, e
rio, viu depois que nela havia granitos de cor do aço, sem
quando muito até uma ou duas horas da tarde, assim para se
saber o que eram, nem os companheiros, aos quais mostrou os arrancharem, como para terem tempo de descansar e de
ditôs granitos, souberam conhecer e estimar o que se tinha buscar alguma caça ou peixe, onde o há, mel de pau e outro
achado tão facilmente, e só cuidaram que aí haveria algum qualquer mantimento. E, desta sorte, aturam com tão grande
metal não bem formado, e por isso não conhecido. Chegando, trabalho" .12
1~~ po~ém, a Taubaté, não deixaram de perguntar que casta de Mesmo assim, imenso era o número de aventureiros que
µ.: -=fiietal seria aquele. E, sem mais exame, venderam a Miguel de se dirigiam para a região, ávidos por um enriquecimento fácil
Souza alguns destes granitos, por meia pataca a oitava, sem
e rápido, apesar de já prevalecer a cobrança do "quinto" so-
saberem -eles o que vendiam, nem o- comprador que cousa
bre o ouro, um im osto previsto nã"Sõrdenações Filipinas,
comprava, até que se resolveram a mandar alguns dos gra-
nitos ao governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá; e, fa-
9
zendo-se exame delas, se achou que era ouro finíssimo." --/-
que reservava à Real Fazenda a quinta partedo met~l encÕfi:"
~------
trado em terras da coroa portuguesa. Havia, porém, tanto
----
contrabando (nos chamados "descaminhos do ouro") além de
Na turbulência das descobertas sucessivas do ouro, ou-
sonegações de todo o tipo, que foi criado, em 18 de abril de
tros nomes ficaram registrados na história, como os de Antô- J.
1702, o "Regimento dos Superintendentes, Guarda-Mores e ~
nio Dias de Oliveira e do Padre João de Farias Fialho, na área ~
Oficiais Deputados para as Minas do Ouro". Mas essas medi- j
de Ouro Preto, do Coronel Salvador - Fernaii'des-
-
-~----...- -
Furtado de '1
Mendonça, no Ribeirão do Carmo (atual Mariana) e, no Rio
- - ,._.,._ ~- -~
das fiscais não tiveram resultados tão compensadores, visto
faltar uma definição política mais efetiva para toda a região,
~~Xelhas ,_ Manuel Borb ~JJª-to. A multiplicidade dos ricos ~ _..,,s'"""e-:-'
m~p:-:r:-:e-s=-a:---:c::-u"".dt:-i7
da p'o r 1n úmerÕS coiifllt:O s;JiãtlirãisnãS"fum ul-
àchados e a presença ~de perigosos índios motivou a denomi-
nação da região pelo Governador do Rio de Janeiro, Artur de L
tuadas circunstâncias da época mas trazendo também eviden- \ref-'
tes prejuízos para os portugueses. Destas lutas, os episódios . . .rJl
Sá, como "Minas Gerais dos Cataguases", sendo que o mais 1
antigo registro desse nome é encontrado em uma provisão da- mais graves foram os que ficaram conhecidos como a "guerra} ~-\;
10 dos emboabas", palavra que significa forasteiro de modo ge- 'iJJ~
tada de 17 de abril de 1701.
ralou, em sentido mais específico, "ave de calças'', como refe-
Já existem, então, as Minas Gerais, mas ainda sem uma
rência ao tipo de calças (ou calções) usados, então, pelos por-
definição política mais exata, embora o citado Governador tugueses. Em resumo, porém, a designação de emboaba, en-
Artur de Sá, "cuja autoridade foi a primeira que as terras mi-
globava, genericamente, tanto os r~inóis quanto os brasileiros
neiras conheceram" ; tivesse criado a gÜarda-moria, dele- ~
11
~.vindos do Rio, da Bahia e de Perniinb'uêõVísTo qu«~. para o
gada inicialmente a Domingos da Silva Bueno e, depois, por },'.! - pã~Íistas que -desbravaram·-º -ter;ftório ~ineiro e dt:'._lç_se_son-
ordem real e em caráter hereditário, a Garcia Rodrigues Pais, 2.-<?
sideravãm dônós, eràm- os -démais t ndesejáytis intru~n~. De
filho do grande bandeirante, cujo pioneirismo foi, com jus-
dlverSás es-caramuÇas a situação evoluiu parâ choques sérios e l (ô 8
tiça, assim reconhecido.
traiçoeiras emboscadas como a do chamado "Capão da Trai- ~
Mas o acesso às Minas era longo e difícil, como relata
ção", próximo ao Rio das Mortes, quando cerca de cinqüenta
Antonil:
homens - entre paulistas, índios e mestiços - foram fria-
mente massacrados pelo "emboaba" Bento do Amaral Couti- ~
(9) Antonil, André João. Cultura e Opulência do Brasil. São Paulo, Melhora-
mentos; Brasília, INL, 1976, p. 164.
-nho..... em -,.,.,,...,.,.,.,...
~·~~
1708. Nessa altura, os paulistas viram-se forçados a
(10) Oliveira Torres, João Camilo de. Op. cit., p. 124.
(11) Oliveira Torres, João Camilo de. Op. cit., p . 124. (12) Antonil, André João. Op. cit. , p . 181 -82.
24 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 25

recuar para o sul e a região mineira ficou sob a "administra- tão, situavam-se em São Paulo, ficando a mais próxima em
-') ção" do português Manuel Nunes Viana que, originário da Taubaté, criada em 1695. 14
Bahia, transfõrmara-se em próspero minerador. ~ · -.. Coube a D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, to-
- Diante desta situação de fato e bastante irregular, foi mar as primeiras providências para a efetivação das medidas
criada em 1709 uma nova Capitania - a de São Paulo e Mi- de maior rigor na cobrança do quinto, fixado em 1718 em 25
-~as d~Our~ - nãomaiSherétlífária, tendo passado também arrobas de ouro, e de instalar as primeiras Casas de Fundição
à possessão da coroa a antiga Capitania de São Vicente que, na região das Minas. Logo se insurgiram poderosos minera-
desde 1681, era denominada São Paulo. 13 Foi nomeado gover- dores, entre os quais os portugueses Pascoal da Silva Guima-
nador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, Antônio l rães e Filipe dos Santos Freire, a princípio envolvidos pela
-S!.t.Albuquerque Ç.o~ho_de C~al!..alh,o, por Carta Régia datada T 15
astúcia de Assumar mas a seguir esmagados pela força do
de 9 de novembro de 1709, visando o estabelecimento de con- representante da Coroa Portuguesa que, sumária e implaca-
~ções mais ~gáv_ei~Jll:.ª o desenvolvimento polltiêõ e ecotÍÔ- velmente, ordenou o enforcamento'e esquartejamento de Fi-
mico aas Minas Gerais. lipe dos Santos, após ter sido arrastado por cavalos pelas ruas
A função básicã e primordial de Antônio de Albuquerque de Ouro Preto, e o incêndio do então chamado "arraial do
foi a de P.acificaLos âni.QlOS, o que logo conseguiu ao receber Ouro Podre", de Pascoal da Silva, que passou a serrollhecido
de Nunes. Viãna os "poderes" de que aquele se investira. A se- como Morro da Queimada, como até hoje ocorre.
guir, o experie nte administrador português promoveu a reu- Mas, se o ano de 1720 foi marcado por tão trágicos acon-
nião de "Juntas" para fixar normas mais adequadas para a tecimentos, foi também o da mais definitiva definição política
cobrança do quinto, visando conciliar os interesses da Coroa para a região pois, verificadas as dificuldades de uma admi-
Portuguesa, as propostas dos mineradores e, pelo menos, di- nistração conjunta das Minas com a Capitania de São Paulo,
minuir um pouco a complexa diversificação dos procedimen- D. João V optou pela sua separação e a conseqüente criação da
tos fiscais em vigor e que incluíam, também, o pagamento de Capitania das Minas Gerais, para cujo governo foi indicado,
direitos sobre a entrada de'iiiêreadorias e de esctãvõs. em 13 de dezembro de 1720, D. Lourenço de Almeida, que "já
~-Apesar ~dê alguns tumultos7 inevitáveis na ·conturbada servira na Ásia e ultimamente estava em Pernambuco" .16 Sua
organização mineradora da região, houve um relativo período .._, / "'P festiva posse ocorreu em 18 de agosto de 1721, em Vila Rica,
de trégua quando Antônio de Albuquerque criou, em 1711, as l · que passou, então, à condição de capital da nova Capitania.
primeiras aglomerações estáveis das Minas e que foram a Vila l. Assim, pouco mais de duas décadas depois da chegada
do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana), a dos primeiros desbravadores às Minas Gerais, já estava defi-
Vila Rica de Albuquerque (hoje Ouro Preto) e a Vila Real de nida sua situação política, marcado a ferro e fogo o espírito
Nossa Senhora da Conceição de Sabará. rebelde de seus habitantes, consagrada a sua economia extra-
Mas mesmo com o trabalho de Antônio de Albuquerque tiva e selado seu destino de principal centro dos acontecimen-
e dos governadores que o sucederam, inclusive com o estabe- tos no século XVIII, quando não só a arte alcançaria um gran-
lecimento de novas sedes municipais como a Vila de São João ~ de apogeu em suas mais variadas formas - da arquitetura à
del Rei(1713), Piedade do Pitangui (1715), Vila Nova da Rai- 5 música, da escultura e da pintura à literatura - como tam-
nha (Caeté) e Vila do Príncipe (Serro), ambas no ano de 1714, ç bém se refletiriam aqui, já no final do setecentos, os ecos do
foi verificada pelas autoridades portuguesas a necessidade da
implantação, nas Minas, das chamadas "Casas de Fundição" 4

-
para mais rigoroso recolhimento do quin,to, pois estas, até en- (14) Boxer, C. R. A Idade de Ouro do Brasil . São Paulo, Cia. Ed. Nacional,
1963, p. 65.
(15) Bandeira, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro, Letras e Artes,
1963, p . 14.
(13) Vianna, Hélio. Op. cit., p. 293. (16) Oliveira Torres, João Camilo de. Op. cit., p. 206.
26 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 27

Iluminismo e do Liberalismo com a Inconfidência Mineira, a comércio de diamantes. D. Lourenço também reuniu quantos
mais duramente reprimida tentativa de rebelião contra o po- diamantes pôde, junto dos desprevenidos mineiros, mas al-
der português e que iria refletir não só o espírito livre dos mi- . guém em Vila Rica logo descobriu o jogo. Turbas de aventu-
neiros como também os fatos ligados à insaciável cobiça dos reiros, com seus escravos, passaram da lavagem do ouro para
colonizadores pelas riquezas do solo, infelizmente já exaurido a de diamantes, penetrando nas partes mais remotas do Sêrro
pela contínua exploração . do Frio.
. Entretanto, se a descoberta do ouro foi mais longamente D. Lourenço não tinha agora outra alternativa senão re-
analisada, não se pode deixar de comentar a dos diamantes, ..L--- latar à Coroa o que se estava passando, o que fez nas palavras
muito sonhada, bastante suspeitada e, como a do ouro, cer- \ habilmente compostas de seu despacho de 22 de julho de 1729.
cada de inúmeras versões. Sem descer a maiores minúcias, é Adotando tom cético, informou que "algumas pequenas pe-
válido lembrar que ocorreu a descoberta também no governo dras brancas" tinham sido encontradas no Sêrro ·d o Frio, mas
de D. Lourenço de Almeida, em 1729, na área do então cha- que a opinião local diferia quanto ao que elas realmente fos-
mado arraial do Tijuco (atual Diamantina), que pertencia à sem. Incerto sobre o seu valor, não" tinha até então notificado
comarca do Sêrro do Frio, em região igualmente aurífera. " a Coroa de sua descoberta, mas estava enviando seis daquelas
Mas, "como no caso do descobrimento do ouro das Ge- pedras para que as examinassem os joalheiros de Lisboa". 18
rais, pouco importa que se mantenha como revelador dos dia- Com essa precisa síntese de Boxer, fica claro que tam-
mantes o nome de Bernardo da Fonseca Lobo, o do frade bém no caso dos diamantes houve má fé, desonestidade e trai-
mencionado por Joaquim Felício dos Santos nas Memórias do ção que, embasadas na imensa ambição humana, marcariam
Distrito Diamantino da Comarca do Sêrro Frio ou do ouvidor, para sempre o início do desenvolvimento das Minas. Porém,
a propósito citado pelo viajante francês Auguste de Saint-Hi- já nessa segunda fase de descoberta de tesouros, ainda seriam
17
laire". mais duras as condições impostas por Portugal.
Como parece ter efetivamente ocorrido, "aquelas pedras Tentando melhorar sua comprometida imagem junto à
tinham sido revolvidas em grandes quantidades pelos minei- Coroa Portuguesa e na expectativa de uma resposta, D. Lou-
ros e seus escravos, ao lavarem o cascalho do leito dos rios, em renço ordenou a suspensão das atividades de mineração na
busca de ouro, mas pensavam eles tratar-se apenas de um região onde haviam sido encontradas as pedras. Mesmo assim
certo tipo de cristal. Usavam-nas como fichas e marcadores de foi seriamente censurado por Lisboa, na correspondência de ·8
pontos nos jogos de cartas, e por muitos anos passaram elas, de fevereiro de 1730, "por não ter comunicado mais cedo a +-
livremente, de uma mão para outra. Quando alguém - a tra- descoberta, pois que diaffiã.ntes estavam cliêganoo regular-
dição difere quanto a se foi um frade ou um juiz - que esti- mente do Brasil, trazidos por passageiros, a bordo de frotas,
19
vera na Índia, finalmente reconheceu sua natureza real, ades- havia dois anos já" . Em seqüência, as ordens eram para que
coberta foi mantida em segredo por aquele homem e seus o governador verificasse, junto aos mineradores, a melhor
comparsas, que, muito caladamente, garantiram para eles forma de cobrar os "quintos reais" sobre os diamantes a partir
próprios o mais que puderam, sem levantar suspeitas. Em de então.
1726, algumas dessas pedras foram ter às mãos de D. Lou- D. Lourenço estabeleceu, assim, em junho de 1730, o pri-
renço de Almeida, então governador de Minas Gerais. Tam- meiro "Regimento" relativo à cobrança dos direitos sobre os
bém ele fingiu não saber do que se tratava, embora as tivesse diamantes, porém, ainda que taxas, constantemente aumen-
identificado imediatamente, pois se tornara um conhecedor tadas, fossem criadas, sua atuação foi considerada pouco sa-
de tais gemas durante sua longa residência em Goa, centro do

(18) Boxer, C. R. Op. cit., p . 185-5.


(17) Vianna, Hélio. Op. cit. , p. 302. (19) Boxer, C. R. Op. cit. , p. 185.
28 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 29

tisfatória e maiores medidas restrill:ivas foram postas em vigor. tremo rigor perduraram até 1832, motivando a justa admira-
Os diamantes tornaram-se, por sua facilidade de contrabando, ção do francês Saint-Hilaire quando, conseguindo viajar ao
ainda mais preciosos para Portugal, mas só na administração Tijuco em 1817, escreveu:
) do Conde das Galveas foram efetivadas medidas mais drás- "O Distrito dos Diamantes ficou como que isolado do
Lticas. resto do Universo; situado em um país governado por um
. Inicialmente foi demarcado t0 chamado "Distrito Dia- poder absoluto, esse distrito foi submetido a um despotismo
mantino", tendo o Tijuco como selll centro administrativo, sob ainda mais absoluto, os laços sociais foram rompidos ou pelo
a direção de um Intendente, nomeado pelo rei e cuja ampla menos enfraquecidos; tudo foi sacri(icadÕao desejod e assegu-
22
autoridade incluía tanto as questôies fiscais e administrativas rar à coroa a propriedade exclusiva dos diamantes" .
quanto as judiciárias. Seus abrangentes poderes tornavam Em resumo, a história de Minas é uma sucessão de des-
"esse funcionário, independente, por grande margem, tanto cobertas de riquezas que, tardiamente encontradas mas cada
da autoridade do governador de Minas Gerais como do vice- vez maiores, atraem aventureiros, gente de bem, administra-
20
rei da Bahia" . dores, religiosos - enfim, toda uma multidão que lá se ins-
A partir de então tiveram incessantes e terríveis amplia- tala, luta, vive e ama, construindo uma das mais significativas
ções as restrições impostas aos hab,itantes da região, que não etapas da civilização brasileira. Baseada na insegurança da
podiam comerciar livremente nem com gêneros de primeira economia extrativa, na desmedida ambição de colonizadores e
11 necessidade e, a partir de junho de 1745, "ninguém tinha per- colonizados, em rígidas posturas fiscais e em rigorosa repres-
missão para entrar no Distrito Dia:.mantino sem uma autori- f são, as Minas Gerais produziriam, contraditoriamente, uma
5, S !"' ~ -
21
sociedade democrática e liberal, refiiiãaa e amante das artes :
zação por escrito do intendente" .
Estava, assim, confirmado o nuonopólio real dos diaman- U> / r!l'- l'l
~'-. ~--- ·--- -----
~.
·que aquniveram, muito especialmente, expressões das mais
tes pela Coroa Portuguesa através oo sistema dos "contratos", ~ originais e significativas no país.
periodicamente renovados, pelos '11.Uais o contratador tinha
controle da extração de pedras, pag.ando altas taxas pelos 600
1~1l escravos empregados na exploraçã[). Entre os contratadores
que viveram como grandes milionádos no Tijuco, no período Economia
I
~ de 1740 a 1771, incluiu-se o desembargador João Fernandes
31 de Oliveira, que ficaria famoso po.- sua paixão pela mulata
Chica da Silva, antiga escrava, e o i:nfortunado Felisberto Cal- Ainda que, como foi visto, o desenvolvimento histórico de
deira Brant que, intrigado com o poder português, foi preso Minas Gerais tenha se baseado primordialmente na explora-
em Lisboa e morreu em Caldas da Rainha, pouco depois do ção das riquezas de seu solo e assim, portanto, diretamente
terremoto de 1755. vinculado a uma economia de mineração que foi, sucessiva-
Porém, as maiores restrições à região dos diamantes ad- mente, motivando medidas administrativas, procedimentos
... viriam da nova política fiscal imP'Lantada pelo Marquês de fiscais e outras providências de toda a ordem para obtenção
·· Pombal, encerrando os contratos e qiue, com um reformulado do melhor rendimento do ouro - e, depois, dos diamantes -
e ainda mais inflexível "Regimento Diamantino" - conhecido para a Coroa Portuguesa, é imprescindível que alguns aspec-
como o "Livro da Capa Verde" - consumou o isolamento da tos desta economia sejam mais detalhadamente estudados.
área do Sêrro do Frio, a partir de 17Pl. Ess_as condições de ex- Inclusive pelo fato de que não são muito divulgados os pro-

(22) Saint-Hilaire, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral
(20) Boxer, C. R. Op. cit., p. 186. do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo,
(21) Boxer, C. R. Op. cit., p. 192. 1974, p. 14.
30 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 31

cessos de mineração adotados no século XVIII mesmo que sua então conhecidas como "tabuleiros" - onde, quase sempre,"""~
denominação, em alguns casos, permaneça até os nossos dias, também se encontrava o ouro. À medida, porém, que os depó-
inclusive identificando cidades, em belas lembranças do nosso sitos mais acessíveis se mostravam insuficientes ou esgotados,
passado. eram pesquisadas as "grupiaras", denominação das grandes
Inicialmente, é muito importante relembrar que os depó- rachaduras ou fendas nas encostas e cuja exploração já se
sitos de ouro em Minas, em oposição aos da América Espa- apresentava mais difícil pelos primitivos meios então usados.
nhola, não se encontravam na profundidade da terra, em ro- No caso dos mineradores itinerantes, cujas atividades de-
chas denominadas "matrizes", que não sofreram processos cresceram sensivelmente com o esgotamento dos depósitos de
~geológicos de desagregação. Pelo contrário, o ouro mineiro aluvião mas que sempre persistiram na região, o sistema
o chamado de "aluvião", resultante de um "processo geo- usado para lavar o cascalho e separar o ouro era de extrema
lógico milenar em que a água, tendo atacado as rochas matri- simplicidade pois empregava-se apenas a "batéia", uma es-
zes onde antes se concentrava o metal, o espalhou por uma pécie de grande bacia rasa, ligeiramente cônica, e quase sem-
23
área superficial extensa" . Em Minas, o ouro de aluvião se pre de madeira. O cascalho ao qual se misturavam ouro e
concentrava nos cursos d' água - rios e ribeirões - e nas suas areia "era colocado na batéia com alguma água suficiente
proximidades, em vales ou encostas de montanhas. para cobri-lo. O mineiro, então, rodava cuidadosamente a
Assim, explica-se a facilidade e a euforia dos achados ini- batéia num movimento circular ou elíptico, e, de vez em quan- ~~=
ciais e, mesmo, sua qualidade e quantidade pois "as primeiras
lavras de ouro foram evidentemente em depósitos aluvionares,
do, inclinava-a para deitar fora um pouco de água e do casca-
lho, cuidando de que o ouro ficasse no fundo, até que fosse
EJ ~!lr
mais fáceis de serem desmontados e concentrados e às vezes claramente visível. O cascalho nem sempre era o da superfície
permitindo o usufruto de teores excepcionais. A lavra inten-
siva e na maioria das vezes predatória desses aluviões acelerou
do solo, pois retiravam-no de profundidades diferentes, sob
uma camada de areia, terra ou argila. Os poços ou escavaçqes
fM"-'
o seu empobrecimento e mesmo sua exaustão. Assim, os mi- feitas no curso da extração do cascalho eram chamados 'cá- '
neradores se viram obrigados a fazer galerias, à procura do tas', e muitos terrenos de Minas Gerais depressa tomavam,
minério in situ. Estas galerias, jamais muito profundas, para- por causa deles, o aspecto de favos". 26
ram na maioria das vezes por problemas de ventilação ou de Em contraposição, e para compensar a exaustão dos alu-
águas, que os mineradores, com os meios rudimentares que viões, surgiram as chamadas "lavras" que floresceram no pe- t!vl//J
possuíam, não podiam resolver". 24 ríodo áureo de mineração, e que eram "estabelecimentos de ._w, ·M
Os pioneiros paulistas que exploraram o ouro em Minas algum vulto, dispondo de aparelhamento especializado e, J./nÍ ·
foram encontrá-lo sob sua forma aluviona! no rios e riachos onde, sob direção única e trabalhando em conjunto, reúnem-
que chegavam a brilhar ao sol quando detinham maiores e se vários trabalhadores. A mão-de-obra é quase totalmente mt"=> ..tv
mais puras concentrações do metal, passando, por isso, a se- constituída de escravos africanos; o trabalho livre é excepcio- ~~
rem denominados de "faisqueiras", ficando o minerador co- nal (embora ocorra por vezes, sobretudo pelos fins do século) e
25 27
nhecido como "faiscador" ou "faisqueiro". o índio não é empregado" ,
~")'\
·

Na época das enchentes, com o aumento do volume das Portugal, ávido pela riqueza do ouro, não procurou aper-
águas, eram exploradas as áreas próximas das margens - feiçoar qualquer sistema de mineração que lhe garantisse
constantes rendimentos mesmo com a prospecção de depósi-
tos mais profundos; pelo contrário, sua atenção concentrou-se
(23) Prado Júnior, Caio. Hist6ria Econômica do Brasil. São Paulo, Brasi-
liense, 1967, p. 60.
(24) Metais de Minas Gerais SI A-METAMIG. Ouro, Belo Horizonte, 1981,
p.147. (26) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 59.
(25) Boxer, C. R. Op. cit., p. 51. (27) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 59.
32 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 33
..i'.: do..~
,, ' 1
exclusivamente na organização das mais completas formas de radores de acordo com o número de escravos de cada um (im - soV2.l-e.lo
atuação fiscal resultando, assim, não só em medidas comple- prescindíveis para a melhor exploração das datas) e por sor-
xas e que se conflitavam ou sobrepunham - estimulando teio. Previamente, porém, o descobridor da jazida tinha di-
ainda mais a sonegação e o contrabando - como no envio, reito de escolher sua data, c~al Fazenda o mesmo
para as Minas, nunca de técnicos mas sempre de administra- ~ento, amoa que essa fosse logo depois leiloada. O
início dos trabalho~xpl~ das datas devia ocorrer no 40,~~
!' b- qores e legisladores que, por sua vez, freqüentemente não pri-
S °'f{Wmavam pela honestidade. Caio Prado Júnior resume clara- máximo dentro de~s,. quando não mais vigora- ~!~~~­
0
JiJV\) fl0, ~ente a situação: "O pessoal com que se formavam as inten- riam os direitos adquiridos. Outras restrições, adotadas na ;;_': ..
â-V'Vl-1 dências eram burocratas gananciosos e legistas incumbidos de época, são demasiadamente minuciosas para serem aqui enu-
n.NJ.l'li.oiA interpretar e aplicar os complicados regulamentos que se des- meradas, mas deve ficar claro que sempre cabiam à adminis-
U'6V7tt..A'1navam quase unicamente a garantir os interesses do fisco. tração portuguesa a última palavra e os maiores direitos.
Não se encontra nelas, durante um século de atividade, uma Tais direitos, dura e ambiciosamente impostos, provoca-
só pessoa que entendesse de mineração. E enquanto os mine- ram todo O tipo de sonegações e contrabandos de ouro por A f ~
radores se esgotavam com o oneroso tributo que sobre eles pe- parte dos mineradores, já atingidos por altos tributos como os tH- -1. J
sava, qualquer crítica, objeção ou simples dúvida, era imedia- cobrados nas mercadorias, nos pedágios e sob várias outras 'f""{cA.~11-"-'
tamente punida com castigos severos. Nestas condições não é formas. Pârãõ1ininuir essas fraudes inevitáveis foram tenta-
de admirar a prematura decadência da mineração. Chega-se dos recolhimentos indiretos de compensação, como a cha-
em fins do séc. XVIII a um momento em que já se tinham mada "taxa de capitação", que estabelecia um pagamento ~
esgotado praticamente todos os depósitos auríferos superfi- fixo, cobrado per capita dos escravos que trabalhavam na mi-
ciais em toda a vasta área em que ocorreram. A mineração neração. Mas "este sistema não deu resultado, porque se pa-
28
sofre então seu colapso final". gava o tributo mesmo quando se tratava apenas de trabalhos
k Em esquema geral, o sistema de cobrança de impostos preliminares de pesquisa que muitas vezes não produziam o
~ 'M 1 sobre o ouro adotado pela Real Fazenda baseava-se no reco- fruto esperado". 30
[ lhimento do quinto, como já foi mencionado, equivalente a Foi então, que, "depois de muitas hesitações e variações,
20% do minério captado. Para o mais efetivo controle da arre- estabeleceu-se afinal um processo que se tornaria definitivo. \'~
~ cadação foi estabelecida a "Intendência das Minas", um tipo Criaram-se Casas de Fundição em que todo o ouro extraído 1f°()f'l~· ­
!\/\ 'v'> específico de administração, "independente das outras auto- cra necessa~o; aí se fundia, e depois de ~i:;...· ô
~v ridades da colônia, e que se subordinava única e diretamente deduzido o quinto e reduzido a barras marcadas com o selo
ao governo metropolitano de Lisboa" ,29 dirigida pelo "Inten- real (chamava-se a isto 'quintar o ouro') era o metal devolvido b"'U-0
. l-. dente", e que era imediatamente instalada nas capitanias ou ao proprietário. Somente nestas barras quintadas (de que até d.<. cúlW..
~ regiões das descobertas auríferas. hoje se conservam muitos exemplares) podia o ouro circular c.t [,, V'M
t ri, l1 !,{ fA~ - Encontrada uma jazida, seu descobridor era obrigado a livremente. O manuseio do ouro sob outra forma - em pó ou
y ~ 61 fazer a respectiva e pronta comunicação à Intendência que cm pepitas como é encontrado na natureza, ou em barras não
! ~ logo enviava funcionários especializados (os "guarda-mores") marcadas - era rigorosa e severamente proibido. Quem fos -
,\ 111 1\")(,uJ) para demarcar a área. Depois, em dias antecipadamente di- se encontrado com ele sofria penas severas que iam do con-
r:· "<\":" vulgados, fazia-se a divisão do terreno em várias partes - fi sco de todos os bens até o degredo perpétuo para as colônias
~J .k. denominadas "datas" - que eram distribuídas entre os mine- portuguesas da Ãfrica" .31
f» vvftr;!>,,"r.f) ,nJt ~ (U,j}.A, ~
~J ~v~r· -~ ~ '
p;V\ ~(J.-.~28) Prado Júnior, Caio. Op. cit. , p. 61-2.
(29) Prado Júnior, Caio. Op. cit. , 57.
p.
(30) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 58.
(31) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 58.
óf i'r J4 SUZY DE MELLO

&~, rJ~ A propostto,


' . eva' 'lºd
1 o o b servar que, en t-ao, ex1s ta na Casa
. t"
BARROCO MINEIRO I~

~\)
11 ' \ja Moeda, em Lisboa, a profissão de "abridor de cunhas", ou raio de coloração que ia do amarelo brilhante a um cinza
clJ.lJ.J seja, de um artista oficialmente encarregado de desenhar moe- amarelado ou preto. Essa última variedade era conhecida
V'YI.·~
(l das e medalhas, atividade que teve continuidade na marcação como 'ouro preto' e havia um outro tipo, de aparência opaca e
NJ..Jc. vtc:Ji êlas barrasd e o uro nas Intendências do território brasileiro e, suja, ao qual chamavam 'ouro podre' . A prova de toque do
para cujo exercício, na Vila Rica de 1739, foi nomeado João ouro encontrado em Minas Gerais oscilava entre 21 112 a
Gomes Batista, que mais tarde passaria a Antônio Francisco 22 112 quilates". 33
Lisboa, o Aleijadinho, seus conhecimentos de heráldica e de- Assim, a história da exploração das ricas reservas aurífe-
senho que o mestre barroco iria utilizar de maneira excepcio- ras das Minas durou praticamente apenas um século, termi-
nal na composição dos frontispícios das igrejas mineiras. nando o sonho do Eldorado, finalmente encontrado, devido à
Mas, como apesar de todas essas precauções ainda era incompetência e ambição dos portugueses e à cobiça e impre-
'{)..flfle;,n/ extremamente significativa a sonegação do ouro pelos minera- vidência dos aventureiros.
c, radares, foi tomada uma providência mais drástica: o estabe- Com os diamantes fato semelhante iria ocorrer, embora
(o& ,,., ,QJ2,01ecimento de uma cota anual mínima na arrecadação, corres- sob outras circunstâncias, ainda mais terríveis na carga de
h~ , .: :. QQ!!_dente a cem arrobas (cerca de 1 SOO guilç s). Quando não
e
(!::,-00 fosse completado o limite estabelecido, era decretada a "der-
ol..~c.e-.rama", que exigia o pagamento sumário da diferença (ou
opressão pelo colonizador. Inicialmente, porém , é impor-
tante lembrar que os diamantes surgiram nas áreas de lava-
gem do ouro, na região das cabeceiras do Rio Jequitinhonha,
':.:: "finta") sem discriminação de forma ou origem: mineradores sendo a princípio confundidos com cristais de pouco valor que
ou não, todos deviam contribuir, sendo suspensas quaisquer se misturavam aos cascalhos dos cursos d' água. Logo após sua
garantias a pessoas ou propriedades e criados novos impostos identificação, entretanto, não variaram muito dos do ouro os
de modo aleatório. A capitania tornava-se mais conturbada procedimentos adotados para sua obtenção, como relata Bo-
que nunca e os violentos processos de cobrança podiam durar xer: "O instrumento principal era a batéia, na qual o cascalho
meses. Essas rígidas medidas substituíram um outro sistema, das margens ou do leito do rio era lavado e peneirado. Uma
o chamado "da cobrança por ajustes" e que, limitando a arre- testemunha ocular de 1735 relata: 'Não há sinal algum para se
cadação a trinta arrobas anuais, perdurara de 1713 até 1725, saber se há diamante no cascalho. É sinal sim, infalível de não
mas não se comprovara eficaz. Entretanto, o novo patamar de os haver, não aparecer nenhuma faísca de ouro na batéia, e é
• cem arrobas não era fácil de alcançar e raramente foi ultra- também experiência certa que quanto mais ouro aparece mais
passado, e quando isso acontecia o excedente era contabili-
zado para o ano seguinte, e "a última vez que o quinto produ-1'J
diamante houve, e se acham a respeito da grossura do ouro é o
tamanho dos diamantes, de sorte que, onde o ouro é excessi-

ziu as cem arrobas necessárias foi no exercício de 1761 a 1762J vamente miúdo o são também os diamantes' . Os diamantes
Daí para a frente, com a decadência da mineração, as derra- brasileiros eram, habitualmente, encontrados em estado mais
{ mas se sucederam e umá delas está na crista dos aconteci- tosco que os da Índia e Borneo, e perdiam muito mais em peso
mentos que deram lugar à Inconfidência Mineira (1789). Nes- e tamanho, quando lapidados". 34
sa época, a derrama devia render o equivalente às cinqüenta e Posteriormente, as batéias foram substituídas por penei-
oito arrobas que faltavam". 32 _
ras e, na segunda metade do setecentos, foram implantados
Finalmente, ainda em relação ao ouro encontrado nas processos mais complexos que incluíam canalização e represa-
Minas Gerais, é interessante conhecer as observações sobre a mento dos rios e o uso de vários recipientes, semelhantes a
variação de sua qualidade feitas por Boxer: o ouro "tinha um vasos, conhecidos.como alguidares. Na estação das chuvas,

(32) Metais de Minas Gerais S/ A-METAMIG. Op. cit., p. 52.


(33) Boxer, C. R. Op. cit., p . 52.
(34) Boxer, C. R. Op. cit., p . 192.
6
SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 37

com as enchentes, o trabalho era primordialmente o de penei- mes ou roubos como ocorria com os escravos negros fugidos,
rar os grandes depósitos de cascalh.o escavados e acumulados chamados "calhambolas", que quase sempre se refugiavam
na seca. Como para o ouro, porém, tais processos eram bas- em quilombos. 36 -
tante rudimentares e primitivos, continuando a Coroa Portu- Em 1771 foram suprimidos os contratos e a Real Fa-
guesa a mandar para as Minas ávidos administradores e nun- zenda, além do monopólio dos diamantes, passou a ser sua
ca técnicos de maior competência, em sua política gananciosa única exploradora através da "Junta da Administração Geral
e obscurantista.
dos Diamantes", dirigida também por um intendente cujo
A princípio, a exploração das pedras assemelhou-se à do poder era ainda mais vasto que o dos ligados à exploração
ouro, com extração livre ainda que sujeita ao pagamento do aurífera. Como foi mencionado, "verdadeiro corpo estranho
quinto. Entretanto, logo foi verificado que o sistema não era enquistado na colônia, o Distrito Diamantino vivia inteira-
adequado. "Como era difícil calcular e separar o quinto de mente isolado do resto do país, e com uma organização sui
pedras muito diferentes umas das outras, em tamanho e qua-
generis: não havia governadores, câmaras municipais, juízes,
lidade, e como além disto ocorressem apenas em áreas limita- repartições fiscais ou quaisquer autoridades ou órgãos admi-
das, adotou-se logo outro processo mais conveniente à percep- nistrativos. Havia apenas o Intendente e um corpo submisso
ção do tributo - em todas as matérias de sua administração, de auxiliares que eram tudo aquilo ao mesmo tempo, e que se
a metrópole portuguesa sempre colocava este assunto em pri- guiavam unicamente por um regimento colocado acima de to-
meiro e quase único lugar. Demarcou-se cuidadosamente o das as leis e que lhes dava a mais ampla e ilimitada compe-
território em que se encontravam os diamantes, isolando-o tência".
37

completamente do exterior. Este território, que se chama 'Dis- Já foi visto que, com o Regimento Diamantino de 1771, o
trito Diamantino', é o que circunda a atual cidade de Dia-
terrível "Livro da Capa Verde", a vida no Tijuco - atual Dia-
mantina em Minas Gerais. E a exploração foi outorgada como mantina - era marcada pela maior repressão jamais vista no

Ovvt
-
'9~
privilégio a determinadas pessoas que se obrigavam a pagar
ma quantia fixa pelo direito de exploração." 35 Foi esse pro-
cedimento conhecido como o dos "contratos", ficando seus
3 C\.S: responsáveis, por períodos de cerca de três a cinco anos, deno-
minados "contratadores".
Brasil, mas nem assim foi eliminado o contrabando das pe-
dras preciosas.
Na verdade, praticamente coincidente com a decadência 1ó
do ouro; a dos diamantes ocorre pelos mesmos motivos aos h
w
quais se juntou mais um outro, tamJ:?ém reflexo da desorien- :;(;;, , 1 ~
Entretanto, apesar de toda a rigidez da vigilância, ocor-
reram tanto a exploração quando o comércio ilícitos dos dia-
~o portuguesa no trato das ~§.tões econômicas: - a sua 'b'ld
desvãfõfização pela grande e constante oferta nos mercados da
mantes, feitos pelos chamados "garimpeiros", cujo nome vem Europa. É bem verdade que "o governo português tentou im-
de "garimpo", local de mineração ilegal das pedras. Mas, pedir a queda dos preços, restringindo a produção e a venda;
como deve ficar bem claro e é explicado por diversos historia- mas seus crônicos apertos financeiros obrigavam-no freqüen-
dores e estudiosos, o garimpeiro não era um elemento fora da temente a abrir mão das restrições e lançar inoportunamente
lei ou ligado a atividades criminosas mas freqüentemente um no mercado grandes quantidades de pedras" .38
antigo minerador que, prejudicado pelo monopólio dos con- Assim, já no início do século XIX, as Minas Gerais per- \ _
tratos, usava seus conhecimentos da região para encontrar as
pedras preciosas e contrabandeá-las, sem nunca causar outro
diam seu fascínio e entravam em um período de estagnação e
mesmo decadência mas, apesar de seu final inglório, a mine-
r
tipo de transtorno a não ser o de jamais se entregar às milícias ração cÕnsiituiui.im dos mais importantes ciclos econômicos,
portuguesas. Eram homens livres e não se envolviam em cri-

(36) Boxer, C. R. Op. cit., p. 192.


(35) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 62. (37) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 64.
(38) Prado Júnior, Caio. Op. cit. , p. 64.
/.lt'
SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO
r?.f/&f
'VLJ.. com reflexos i em mais amplos do que à primeira vista pode-se
r;;_y perceber.
O primeiro aspecto a ser considerado é o desbravamento
Ê fácil perceber que, na euforia dos primeiros tempos da
mineração, não se cogita nunca de desviar braços escravos
para os trabalhos da agricultura quando o ouro, fácil e farto,
do interior do país e o estabelecimento de significati tudo pode comprar, ainda que por altíssimos preços como no-
tingentes populacionais em uma vasta região até então igno- tou Antonil, chocado com o que se pagava nas Minas por pro-
li '( b '!:> rada pelo colonizador. Como conseqüência, inclusive, não
dutos corriqueiros. Esses preços se elevavam em muito não
1 . í . , pode deixar de ser registrada a mudança da capital, em 1763,
'G.. ct·1 _,\ da Bahia para o Rio de Janeiro, quebrando a hegemoni~ )_
apenas pela distância e pelas dificuldades dos caminhos mas
igualmente devido à abundância do ouro, que os inflacionava
;.. CP-f r" )litoral nordestino, que fora garantida pela agricultura e, prin- J ainda mais. Além disso, o relevo mais difícil das zonas de mi-
cipalmente, pela cana-de-açúcar. Essa situação, mesmo com neração e a aridez do solo facilitavam a negligência das ativi-

l
a exaustão das minas, daria à região centro-sul uma posição, dades agrícolas, causando sérios problemas como o da escas-
ainda mantida, de relevo no Brasil: "é todo este setor centro- sezoe alimentos que, principalme,nte nas décadas iniciais do
sul que, graças em grande parte à mineração, toma o primeiro povoamento, chega a situações cr.íticas como, aliás, se vê nas
lugar entre as diferentes regiões do país, para conservá-lo até p alavras de Antonil. Houve fome efetivamente em Minas pois,
hoje". 39
mesmo dispondo de ouro, os mineradores não tinham o que
~ Igualmente, o ouro ensejou toda uma época de glórias e comprar para seu sustento.
(;,. "1'S-J -.
de fausto, cuja produção artística, globalmente analisada, não
M\Á'. ~
teve paralelo no Brasil: arquitetura, escultura, pintura, mú-
"Dentre as atividades produtivas é a lavoura que, de iní-
cio, ao menos, desperta menos vocações. E isso não só porque
oo } sica, poesia e literatura alcançaram um apogeu comum e de ~ oferece menores perspectivas de riqueza, mas também devido
grande unidade.
à crença então generalizada de que os lugares que dão ouro
Assim, se economicamente a aventura do ouro e dos dia- não hão de dar outra coisa, senão falharia nisto a Divina Pro-
M o mantes não completou um século de opulência, sua ~queza
l
J , ~ cultural é hoje um acervo mundialmente reconhecido. - vidência que distribui equitativamente seus favores e bên-
- ,,41 •
, • O /;l'.f çaos.
Mas a todos esses fatos é fundamental acrescentar uma ~ rn fl Sylvio de Vasconcellos completa o quadro das observa-
observação final que completa essa rápida análise da econo- /.i ~ ·ÇIW{ f ções sobre a agricultura no período inicial da mineração asse-
mia do ciclo do ouro. Ê que Minas Gerais, com todos os seus V' ·? ) gurando que "na primeira metade do século XYlll a agricul-
recursos minerais, deles também sofreu - seu relevo é dema- '/ :1-1 <!. ( tura praticamente inexiste na região. Quando ocorre é apenas
siadamente acidentado e seu solo pouco fértil. Daí as grandes ·- supletiva. Uma ou outra fazenda plantada nas imediações das
dificuldades para o estabelecimento de uma agricultura está- -~ catas. A produção é mais que diminuta, não atendendo abso-
..xel~ principalmente no início do povoamento, quando todas a~ ' [ ~ lutamente, às necessidades do consumo( ... ) o milho e a man-
atenções se dirigiam para as atividades da mineração. Foi An- '1'11'-"'I' ~'!J- dioca não passariam de pequenos roçados, que mal satisfa-
tonil um dos primeiros a registrar essa situação: "Sendo a 1·~ ziam as necessidades de seus cultivadores.( .. .) A carência de
terra que dá ouro esterilíssima de tudo o que se há mister para produtos alimentícios é aguda e permanente, proporcionando
a vida humana, e não menos estéril a maior parte dos cami- tvil.n.V.} ~ larga margem de lucro aos comerciantes e atravessadores,
nhos das minas, não se pode crer o que padeceram ao princípio ' 0 - apesar das constantes prov1ôências oa coroa visando evitar
os mineiros por falta de mantimentos, achando-se não poucos abusos. ( ... ) Os preços das utilidades atingem níveis extraor-
mortos com uma espiga de milho na mão, sem terem outro
sustento". 40

(39) Prado Júnior, Caio. Op. cit. , p. 63. (41) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. História Geral da Civilização Brasi-
{40) Antonil, André João. Op. cit., p. 169. leira. (A Êpoca Colonial). Tomo I, v. 2. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1973,
p. 281.
BARROCO MINEIRO 41
Ili SUZY DE MELLO

L dinários. Não há comida bastante , só a cachaça não falta" .42 o tanto mais, quanto he maior a necessidade dos que passão.
~/\Ili? Aliás, alguns poucos engenhos que se instalaram na E dahi vem o dizerem que todo que passou a Serra da Manti-
época não eram conjuntos de porte e sua produção reduzia-se queira, ahi deixou dependurada ou sepultada a consciên-
t -::!> ao melaço e à cachaça, atingindo o açúcar também alto preço. cia'" .43
Boxer é ainda mais minucioso em seus dados ao informar Essa última frase , do perspicaz Antonil, indica um outro
que "em sua pressa alucinada de explorar as minas existentes significativo aspecto do período da mineração e que diz res- ~~;'"
e encontrar novas, os primeiros pioneiros descuidaram-se de peito ao rápido florescimento do comércio nas Minas setecen- · =
\ (/fY/õ plantar mandioca e milho suficientes, e o resultado foi sofre- tistas. Eletivamente, segundo um consenso mais exato, as _
17ihflrem carência aguda, de 1697 a 1698, e, de novo, entre 1700 e randes fortunas do ciclo do ouro foram, antes, provenientes ~
1701. O Governador do Rio informava à Coroa, em maio de de atividades comerciais do que dos próprios rendimentos da
1698, que a carência de artigos de mantimentos era tão crítica mineração , o que, embora não deixe de ser uma ironia, é um
que muitos mineiros tinham sido obrigados a abandonar suas fato de fácil compreensão.
ç .:- jazidas de ouro e estavam errando pelos matos com seus es- J e/ ·Por outro lado, só com a exàustão do ouro, já no final do
Cf'. ( --;P cravos, em busca de caça, peixes, ou frutas, a fim de se ali- v, século XVIII , é que se afirmaram com maisv igor as ativida-
mentarem. ( .. . ) Preços fantásticos eram pagos pelos alimen- "e•.r eles agrícolas e pecuárias, quando a decadência da mineração
tos, durante essa luta em prol da sobrevivência. Um gato ou trouxe às Minas uma grande apatia e uma desesperança sem
um cachorrinho eram vendidos por 32 oitavas de ouro, um -'· " limites. Assim mesmo, não se adaptaram as plantações às an-
alqueire de milho por 30 ou 40, e um frango esquelético por tigas áreas das catas e das lavras, preferindo as regiões mais
12. Entretanto, sabia-se que por aquela altura o trabalho diá- planas e de terrenos mais favoráveis, principalmente ao sul
rio de um negro escravo muitas vezes chegava a produzir 16 onde, posteriormente, floresceriam os cafezais.
oitavas de ouro. A situação melhorou consideravelmente desde Mas esse aspecto de uma agricultura quase inexistente
que a crise surgida na curva do século foi ultrapassada, em- iria se refletir não só na economia como também na formação
bora as provisões de boca em Minas Gerais nunca chegassem das vilas , conferindo às Minas Gerais específicas característi-
cas como se verá. De qualquer modo, porém, toda a economia
/
~S a ser superabundantes durante toda a primeira metade do sé-
.. ) culo XVIII. Pequenas granjas e fazendas _dei>i:.essa se foram mineira determinaria muito mais do que flu.xos maiores ou
~ · ) instalando ao longo das esfrã das,- e- mais atenção mere~-;­ menores de riqueza e aqui, de forma muito particular, daria
J plantio de hortaliças, milho, e a criação de rebanhos nas vizi- singular configuração às artes em geral e à arquitetura em
/ nhanças dos principais campos auríferos, que se iam, lenta- especial.
/°'--:? , mente, transformando em vilas. Muita gente, de fato, de-
t/(Â#'- pressa considerou 1.!!fils lucrativo plantar ~ fim de fornecer
~9--~ alimento aos mineiros, do que se entregar ela própria à mine-
ração, já que os preços permaneciam muito altos, em conse- Povoamento
, ~ /?o3 · qüência da procura ser maior do que a quantidade disponível.
, !- IYICP~ Os primeiros colonos plantaram principalmente milho, abó~- ~
~'t< lf bora, feijão e, de vez em quando, batatas. Em 1703 já estavam Como bem observou~ger Bas_!~~!>l' a formação do Bra_:
crlãridõllma quantidade bastante razoável de porcos e gali- sil foi " ganglionar no senticro---de que, não sendo povoado o
nhas, 'que vendem por alto preço aos passageiros, levantando- país, exceto nalgumas localidades que atraíam todos os re-

(43) Boxer, C. R. Op. cit., p. 59.


(42) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, (44) Bastide, Roger . Brasil - Terra de Contrastes . São Paulo, Difusão Euro-
1968,'J>. 28-30. péia do Livro, 1969, p. 26.
I
/,!,o 1 L 1 GoJ ~ 170 )

42 SUZY DE MELLO
1 l '-<·e:.. BARROCO MINEIRO 43

r; cém-chegados, estas seriam como gânglios em desenvolvi-

f:u~ mento". Esses pontos, portos do litoral - como São Vicente,


Bahia e Pernambuco - , permaneciam cotno os centros reais
de uma unícfade política fictícia, o governo geral implantado

~
pela Coroa Portuguesa.
-r./wt UE Só com as entradas e bandeiras paulistas, no final do sé-
/' [ . c!!!o XVII, à procura dos metais e pedras preciosas é que iria
- se modificar aquela situação que perdurava por quase dois sé-
45
')(J/?0 culos. Ê ainda Bastide que pondera: "No entanto, o ciclo do
//
5t?o-- ouro não durou muito, meio século apenas. Mas do ponto Õe
60C- vista da unidãde brasileira, sua imPõrtância é primordial.
o
#~pr ltJ Atraindo do Sul e do Norte, de São Paulo e da Bahia, assim ><
como de Portugal, toda uma população estável e urbanizada, 2l
o
que se fixava no próprio centro do Brasil, a uma distância e:
o
"C
mais ou menos igual dos antigos centros de povoamento, a ~ s
~ ·e:;
descoberta do ouro contrabalançou as forças de dispersão; de
certo, modo deu ao Brasil Colonial seu centro de gravidade". i<ti
...J
Mas a chegada a esse "centro de gravidade" não era nada UI
fácil na época. e
êõ
al
Para atingir as Minas, segundo Antonil,, já antes de 1711, Q)
"C
existiam dois caminhos que saíam do Rio de Janeiro: o cha- e:
l . mado "caminho velho" que, passando Pelo mar até Parati, ~
::?
..-f' seguia por Taubaté, Pindamonhangaba e Guiaratinguetá até o Q)
"C
rio das Velhas, exigindo cerca de trinta dicas de dura cami- .~
t_ _,, nhada. Já o "caminho novo" tomava a direç~o do Paraibuna e ~
subi~ para Ouro Preto, de modo mais rápid<:.l e "todo ditb ca: IJJ •
~
minho se podiã and~r em dez até doze diais, indo escoteiro O=I oi
,
~
46
quem for por ele" . Antonil descreveu, ainda, o caminho da ~ -~ ~
} _.. Y~ão Paulo para as Minas, que passa em MõJreJacareí til w -~ "'
'<:(
<t: Q)

~~baté seguindo, depois, aproximadarnente, o roteiro dos z ~ . -~ o


4 _,, que vinham do Rio e nã~ deixa de cita~, igu;almente,~ami­
:r-
nho da Bahia, que descia por Cachoeira e sobre o qual co-
'"""" me"irtãser "muito melhor que o do Rio d; Jct.neir;eõ da vila tfl 4iJ
de São Paulo, porque posto que mais comprido, é menos difi-
cultoso, por ser mais aberto p~ b~- mais abundante < J!J' ~
para o sustento e mais acomodado para as; cavalgaduras e
para as cargas". 47

(45) Bastide, Roger. Op. cit., p. 29.


(46) Antonil, André João. Op. cit., p. 186.
(4 7) Antonil, André João. Op. cit. , p. 187.
<14
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 45

Além destes, havia ainda os "descaminhos", quase tri- mente contra a vontade e contra os interesses imediatos desta.
lhas que eram usadas para o contrabando, visto que não fica- Mas ainda esses audaciosos caçadores de índios, farejadores e
vam sob o controle dos "registros" , espécie de postos alfande- exploradores de riqueza, foram, antes do mais, puros aventu-
~ários <k_f_obrança de impostos e de _vigilância ger~l _visando, reiros - só quando as circunstâncias o forçavam é que se fa-
mais especificamente, impedir a saída clandestina do ouro e ziam colonos. Acabadas as expedições, quando não acabavam
dos diamantes.
mal, tornavam eles geralmente à sua vila e aos seus sítios da
Assim, de todas as direções vieram ter às Minas gente de roça. E assim, antes do descobrimento das minas, não reali-
todo o tipo, enfrentando todos os obstáculos na sua ânsia pela zaram obra colonizadora, salvo esporadicamente." 50
riqueza imediata, que só o ouro pode trazer. Foi por isso que Mas se aqui se instalaram por mais tempo, explorando o
Antonil observou: "A sede insaciável do ouro estimulou a tan- ouro que haviam descoberto, "ficam nas Minas poucos paulis-
tos a deixarem suas terras e a meterem-se por caminhos tão tas, de tal forma que apenas 39 famílias , das 174 gue o linha-
ásperos como são os das minas, que dificultosamente se po- gista Cônego Raimundo Trindade oonsidera como 'os velhos
derá dar conta do número das pessoas que atualmente lá es- troncos mineiros' , são .originári_as de São Paulo, o que vale
tão. Contudo, os que assistiram nelas nestes últimos anos por dizer constituir-se a população branca colonial mineira de
·L
.3V~ 1 largo tempo, e as correram todas, dizem qu~~!.nta uma imensa maioria de minhotos, portuenses, transmon-
mil almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar tanos, beirões e açorianos - quase toda gente campesTna de /
{@ ' Cãtafnos ribeiros do ouro, e outi=ãSeffi negociar, vendendo e Portugal - no permeio dos quais vieram também muitos 'cris- ! 1
comprando o que se há mister não só para a vida, mas para o tãos novos' e filhos de outras Capitanias" .51 .é" ~l
regalo, mais que nos portos domar. Cada ano, vêm nas frotas Verifica-se, portanto, que o povoamento das Minas se faz
quantidades de portugueses e de estrangeiros, para passarem com gente vinda das mais diversas origens e que, nas primei- ~

1 às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e .sertões do Brasil,


vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os pau-
listas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas:}
homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e
ras décadas da capitania, é turbulenta e truculenta. A essa
população inicial iria se juntar logo, exigido pelos trabilhos
de mineraç_ão, um grande contingente de escravos africanüs:-
indispensáveis à exploração da;; datas. Entre o período de
;V.tt1 M
plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, 1735-1750, o seu número, só nas Minas, variava entre 80000
muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa" .48 e 100000.52 1 { !>õ - 6~() -"' iOO/V\1'.'.. L .JV> Ot.<Mle.~
Inicialmente, como as próprias autoridades portuguesas Ainda que suas condições de vida não fossem, obvia-
constataram, para repetir as palavras de Martinho de Men- mente, fáceis e que morressem vitimados por excesso de tra- \
donça, em torno de 1735, citadas por Boxer, a população da-;
quela indisciplinada capitania " era composta dos paulistas, -
balho, acidentes nas lavras e inúmeras doenças, " uma das
-.--::----·----- ,.,-- - -·----
poucas feições redentoras na vida dos escravos de Minas Ge- 1
acostumados à violência e soltura, e de Portugueses de baixís- rais - ou, nesse ponto, de todo o Brasil - era a possibilidade /17..
sima extração, sem cultura" .49 de comprarem ou receberem de graça sua liberdade algum /,
Os paulistas, porém, não permaneceram longamente na dia, contingência muito mais rara quand~e tratava- das colô-
região, pois seu espírito de aventura sempre os levava adiante, nias francesas ou inglesas. Além disso, pela natureza de seu
a outras paragens e a novas conquistas. " A expansão dos pio- trabalho na pesquisa do ouro de plácer (ou aluvião) , era-lhes
neers paulistas não tinha suas ràízes do outro lado do oceano,
podia dispensar o estímulo da metrópole e fazia-se freqüente -
(50) Buarque de Holanda, Sérgio. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olím-
pio, INL-MEC, 1971, p. 68.
(48) Antonil, André João. Op. cit. , p. 167. (51) Carrato, José Ferreira. Igreja, iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais.
(49) Boxer, C. R. Op. cit . , p. 152. São Paulo, Cia. Ed. Nacional; Ed. da Universidade de São Paulo, 1968, p . 4.
(52) Boxer, C. R. Op. cit. , p. 160.
6 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 47
relativamente fácil esconder ouro em pó, e mesmo pequenas 1; ~.,_kc.ri
pepitas, além de alguns senhores consentirem que seus escra- nhor. ( ... ) Por outro lado não existem meios de obrigar o es- e-! -2(1-'C.-a
vos procurassem ouro para si próprios, depois de terem traba- cravo, pela violência, a batear com eficiência. A maior ou me- C/\ 'e.- ""
lhado um determinado número de horas para os donos. Dessa Í nor apuração depende da habilidade, do interesse, da boa ~ r
maneira, razoável número de escravos pôde comprar sua li- 1· vontade enfim, do faiscador. Ameaças e punições não aumen- ~~ oµ
herdade, e a esperança de fazer a mesma coisa era dada a tam a produção, acrescem-na o estímulo, os bons tratos e a &t.iUJ
muitos mais". 53 paciência. O afago e não o chicote. O gole de cachaça e não a
Por outro lado, mesmo nos rígidos regulamentos do Ois- \) fome. Branêo e negro trabalhando lado a lado, nas mesmas
trito Diamantino, havia a previsão de festas, prêmios especiais 7 COildições, habitando a mesma choupana provisória, comendo \ /
e até a liberdade para os escravos que, encontrando pedras ) o mesmo angu. ( ... )O que come o senhor, come seu escravo. l fl'ú-.
maiores (e, portanto, impossíveis de serem contrabandeadas),_) Ambos se nivelam na mesma aventura, que pode levar um ao ~'<--
as entregassem aos administradores. 54 Também, pelo terrível
Regimento Diamantino, os escravos informantes de conJra- \
! enriquecimento, outro à liberdade" .
57
,, iV~ r~ lrV.it.{

A todos esses complexos componentes, junta-se um ou-


bando de diamantes "não só receberiam sua liberdade como ( tro, de ainda maior significação .:__ o alto índice de miscige- Jv11 S'-1::
uma quantia em dinheiro que lhes possibilitasse reiniciar a nação resultante do excessivo número de homens, concen- ~o..
vida". 55 trados nas Minas, e da reduzida quantidade de mulheres
Mas, mesmo com tais vantagens, registra Sylvio de Vas- brancas. Ê fato conhecido que "a maioria dominadora dos
concellos que "não é por acaso que nas Minas os negros se imigrantes vindos de Portugal era pobre e de baixa espécie,
eximem de quilombos e fugas coletivas, raras vezes assinala- i embora constituída de robustos e empreendedores jovens celi-
das. Sua atuação urbana, seu convívio com os brancos, sua l \ batários da província do Minho e Douro. Essa esmagadora
mentalidade levaram-nos a revoltas de maior porte; não con- r ' preponderância de homens fazia-se, naturalmente, o nó da
tra o senhor imediato, mas diretamente contra o Rei". 56 _J questão, e assim tanto a Coroa quanto os governadores com-
Esse relacionamento peculiar pode ser ainda mais bem
~
preenderam, embora com algum atraso. Conforme confessava
explicado se for considerado que "não é o fidalgo que se dei- Dom Lourenço de Almeida, se aqueles homens se pudessem
~ atrair pelas Minas; antes, é oliiargma1 das cídades;- o casar com mulheres de sua própria condição, e instalar-se,
(~
~
caITipõnês, imbuído de muito menos preconceitos, acostu-
mado à convivência comunitária e freqüentemente tão pobre
&) depressa se tornariam cidadãos respeitáveis e responsáveis,
~ mas a carência aguda de mulheres brancas não permitia que a
~
~ de início quanto seu escravo. O que porventura conseguiu ~ grande maioria deles fizesse tal coisa. A situação agravava-se
~ amealhar no reino gastou-o na aquisição deste e no trans-
porte. ~ventur<Ldo_puro os ni~l_a na mesma ~r_ança. O
~ pelo fato dos pais das relativamente poucas moças brancas no
~ 1 Brasil, quase todas residindo nas cidades litorâneas, preferi-

~ 1
milho, a mandioca, o porco e a cachaça são alimentos co- ' rem mandar suas filhas para conventos na Bahia, ou - ainda
muns. As pequenas roças sustentam a ambos. O negro não se melhor - em Portugal, do que deixarem que se casassem em

't, coloca de fato, embora de direito sim, em posição de absol~ta


inferioridade, como uma peça, um objeto apenas. Ê antes um
- -
subordinado que compartilha os azares e as sortes de seu se-
- l
Minas Gerais ou em qualquer outro lugar. Outros fatores ad-
~ , versos incluíam a escassez de clero para celebrar casamentos,
~ e as altas tarifas que os padres cobravam para oficiar". 58

~l Assim, o resultado da alta sexualidade dos portugueses e,


até mesmo, da sua preferência por negras (como já havia no-
(53) Boxer, C. R. Op. cit. , p. 163.
(54) Mawe, John. Viagens ao Interior do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São
'. tado um viajante francês na Bahia) foi a mais intensa misci-...
~---·~~-___.,.-...._______

genação que ocor1e_u ~~s- _!vi~~~--~~tec~!!tist~s. Para tornar


-
Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978, p. 155.
(55) Boxer, C. R. Op. cit., p. 197.
(56) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p . 45 .
(57) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 64.
(58) Boxer, C. R. Op. cit. , p. 152-3.
4
SUZY DE MELl,O
BARROCO MINEIRO 49
ainda maior essa miscigenação, corria uma lenda de que uma
brado que a ptópria Chica da Silva era uma mulata, filha de
negra Mina (nome da sua região de origem na Ãfrica) "trazia
fortuna aos mineiros" e já se tornara habitual a prostituição
,
d as escravas nas areas de mmeraçao.
. - 59 -- um português com uma negra escrava.
A grande porcentagem de mulatos foi, portanto, uma
conseqüência direta do tipo de povoamento ocorrido em Mi-
Sylvio de Vasconcellos explica mais detalhadamente a si-
tuação ao comentar que a "miscigenação, nas Minas, não de- nas constituindo, nos primeiros tempos, um sério problema
corre pois de um desfastio, um uso e abuso de propriedade, para a administração da capitania mas que, pouco a pouco,
.~ em ligações prazerosas e eventuais, do patrão e seus filhos ra- foi assimilada e passou a ocupar um lugar próprio na socie-

~ pazes, com as negrinhas de maior dengo. O número de ho- dade mineira do setecentos. Esse lugar dos mulatos é clara-
mens brancos é considerável, de mulheres brancas, mínimo. mente esclarecido por Sylvio de Vasconcellos: "O trabalho\
%"'! A negra integra-se realmente na intimidade doméstica de se~ ~ manual não era, porém, prezado pelos brancos. Os pretos, \
~ senhor. Torna-se companheira permanente, mãe de um novo com menor oportunidade de apre:ç.dizado, concentravam-se i
~ e considerável contingente humano livre - o mulato. Este é nas tarefas mais rudes, especialmente nas de mineração. Em 1
~ aqui muito mais imediatamente numeroso que no litoral, conseqüência, o artesanato abria amplas possibilidades aos
., substituindo a largos passos, e rapidamente, a ancestralidade j mulatos, que, freqüêntemente libertados da escravidã~ ao
.~ ( branca e preta, pura, já rara na região. Excetua-se apenas nascer, eximiam-se tanto dos preconceitos adofados pelos
~ deste processo o Distrito Diamantino, onde o maior número} D1t;_/lr) brancos como das injunções impostas aos negros". 63 Portan-
~ de brancos não alcançou eliminar de todo o preto, que ali to, os mulatos foram os grandes artesãos do Barroco Mineiro, ~
'-- ainda sobrevive, menos amulatado". 6() entre eles destacando-se, naturalmente, o seu maior nome:
Embora Antonil tenha se escandalizado com "o que se Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. E, também, assim,
gasta em cordões, arrecadas e outros brincos, dos quais se de certa forma, tornou-se realidaae em Minas o provérbio que}
1 vêem hoje carregadas as mulatas de mau viver e as negras, Í) Antonil citara: "O Brasil é o inferno dos negros, purgatório Alv'íaVVrl
muito mais que as senhoras" 61 muito mais do que isso teria ) dos brancos e paraíso dos mulatos e mulatas" .64
a ex-escrava Chica da Silva que tão violenta paixão inspirou Finalmente, ao contingente dos mulatos somou-se, com o
no contratadür:Tbão Fernandes de Oliveira, na segunda me- correr do tempo, o dos pardos, resultantes de uniões entre -pi+v1..D 05

:f !
tade do século XVIII, no longínquo Tijuco. "Dominadora no
Tijuco, com a influência e o poder do amante, fazia alarde de
um luxo e grandeza que deslumbravam as famílias mais ricas
mulatos e também bastante numerosos nas Minas.
Mas, à medida que as condições de estabilidade de mine-
ração vão substituindo as turbulências das primeiras décadas

~\ e importantes: quando por exemplo ia às igrejas - e então era do século XVIII, um outro quadro social vai sendo definido, \ 7">0 ,...,
aí que se alardeavam grandezas - coberta de brilhantes e como descreve Carrato: "Classe em expansão a partir de 1730, tM. kfc..&é
será a dos artesãos, dos artífices, em virtude do fenômeno da tw<.W'f- ·1..v
~~ com uma magnificência real - acompanhavam-na doze mu- crescente e rápida urbanização das Minas, em que o seu papel
'§( latas esplendidamente trajadas: o lugar mais distintO do tem-
plo era-lhe reservado. Quem pretendia um favor do Contrata-
dor a ela primeiramente devia dirigir-se na certeza de ser aten-
cresce de importância. No primeiro momento, esses artesãos 1~~
serão quase todos reinóis, havendo alguns mamelucos e um fatirvt~
\ que outro negro mais engenhoso (geralmente mina) entre os {YYtM{~
dido, se conseguia granjear-lhe a proteção".62 E deve ser lem-
1 carapinas, ferreiros ou seleiros. Iniciada, porém, a miscigena-
~ ção, os filhos mulatos passam logo a exercitar-se nas artes
(59) Boxer, C. R. Op. cit., p. 154.
(60) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 64. paternas, como é o exemplo clássico do Aleijadinho, aprendiz
(61) Antonil, André João. Op. cit., p . 195.
(62) Felício dos Santos, Joaquim. Memórias do Distrito Diamantino da Co-
marca do Serro Frio. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São (63) Vasconcellos, Sylvio de. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o
Paulo , 1976, p. 123. A/eijadinho. São Paulo, Cia. Ed. Nacional/INL-MEC, 1979, p. 3.
(64) Antonil, André João. Op. cit. , p. 90.
so SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 51

do próprio pai, o português Manuel Francisco Lisboa, mestre registro dos números de habitantes da região, basta ser lem-
de obras. Queremos acreditar que, já nas devassas de 1733-34, brada a classificação exata de Sylvio de Vasconcellos para o
muitos dos artífices arrolados como testemunhas já se guinda- século XIX em Minas - "século branco" - sem maiores rea-
ram a um melhor lugar na sociedade, herdeiros que são do lizações no presente ou grandes esperanças para o futuro.
4 nome dos pais e de suas profissões, porque já são filhos de Entretanto, uma sociedade muito peculiar se havia for-
L suas mães forras. mado e estabelecido nas Minas durante o setecentos e uma
Outro grupo importante na constuição da sociedade do última e importante característica deve ser mencionada: a do
câ/W;1 Ct-~ tempo é o dos comerciantes, também este mais numeroso que seu caráter eminentemente democrático - ao contrário das
os mineradores. Ou vivendo de suas 'agências' (com certeza . organizações patriarcais do litoral - r esultante das suas par-
corretores de minas e fazendas e gados, fazedores de 'tramas' t iCülãrêSêondlçõesde p0voarnentà e da economia que o fun -
-f11&-e'-J (essa atividade comercial de trocas em espécie, ainda hoje tão damentou.
comum em Minas, terra de dinheiro sumido), prestamistas, "A sociedade sui generis no Brasil, que por tudo isso ia se
onzeneiros, etc. ou estabelecimento em seus 'negócios', isto é, constituindo nas Minas Gerais, agregado mais ou menos in-
suas vendas, 'logeas', armazéns e botequins, são os comer- forme de elementos de várias procedências e de todos os estra-
ciantes 'mayormente p.vos de Portugal'( ... ) tos, só poderia espelhar, e espelhará ainda por longo tempo,
~~JJLaduw Classe numerosa, se bem que menor que a dos agricul- essa formação compósita. Não parece excessivo dizer, ao me-
1){ 1725 tures e a dos comerciantes, é a dos mineradores. Nesses anos nos em confronto com a de outras partes da América lusitana,
~ 177 5 de fastígio, que marcarão quase dois quartéis de século no que a ocupação do território se processou ali democratica-
miolo setecentista, a classe dos mineradores viverá também a mente. Muito mais, sem dúvida, do que a das áreas açuca-
66
) sua era de ouro. A nobreza da terra, os 'homens bons' da lide- reiras."
.\ rança municipal, os poderosos régulos das terras minerais,
. os Sem o apoio dos vastos latifúndios, igualando a todos na
/ ricos pais que irão mandar seus filhos a doutorar-se em Coim- imprevisível aventura do ouro e dos diamantes, fortemente
\ bra, bacharelar-se com os jesuítas no Rio de Janeiro ou orde- concentrada em núcleos urbanos e desenvolvendo amplamente
\ nar-se em Mariana, serão pertencentes à classe mineradora. a miscigenação e um relacionamento pouco usual com a escra-
Nela, porém, logo se dividiriam dois grandes grupos, o dos varia, a sociedade das Minas ofereceu, efetivamente, um qua-
J, proprietários das minas e o dos que 'vivem de minerar', pare- dro democrático que se diferenciou de todos os demais no B ra-
z:_ cendo-nos estes gente assalariada, trabalhando alõfnais ou sil e que marcou o ciclo do ouro com um novo vigor e urna
garipando aqui ou ali.( ... ) força inesperada, que se refletiriam, também, na grandiosa e
flA (/.~ variada produção do Barroco Mineiro.
f',...,. t.,.( ' ReinoO cinge-se
papel exercido pelos poucos funcionários Qúblicos do
à sua presença, igualmente restrita, em dois
setores, ou melhor, em um só - o da arrecadação dos quintos
f\'S~~ - em que comparecem como fiscais da Real Fazenda ou como
~µ soldados para garantir a segurança ... da arrecadação". 65 Religião
~-Essa situação, já com definitivas características de estabi-
lidade, permaneceria até o final do século XVIII quando, com
a exaustão das minas, diminuíram sensivelmente todas as ati- São por demais conhecidas as !igacões de Portugal e da
vidades e houve um êxodo das populações que se voltaram Espanha com a Santa Sé e as vinculações de suas famílias
para outras regiões . Como não é de mais específico interesse o
(66) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. História Geral da Civilização Brasileira
(A Época Colonial) (Tomo 1, 2? v.). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1973,
(65) Carrato, José Ferreira. Op. cit. , p. 7-8. p. 282.
52 SUZY DE MELLO BARROCO MINE IRO 53

reais com o Vaticano que, inclusive, atuava como mediador 1111 l ~111r de seu território os jesuítas. Mas os homens da so-
nas questões referentes à possessão dos novos territórios des- eram mais fortes do que os das botas de couro:
--t''l~
1 11 1111 n eg r a
cobertos na época das grandes navegações, nos séculos XV e l1Htll111ivttm a mulher do senhor por meio da confissão, domi-
\ \)\~s'~"" XVI, como ocorreu com o famoso Tratado de Tordesilhas 11 111•11 111 o filho através do colégio. Puderam assim, apesar das
1l\°1l\ que, para corrigir injustiças de arbitragem do Papa Alexandre ll ~ p1 ll tlS e das queixas recíprocas e mesmo apesar das expul- 67
VI, dividiu praticamente o mundo entre as duas nações em ' '• 111odelar um pouco o Brasil segundo a sua vontade".
1494. M as , se esse estado de coisas perdurou no litoral - pelo
A par da solução de tais problemas, a Igreja Católica par- 1111 1111s até 1759, quando os jesuítas foram expulsos do Brasil
l
tdJ V!AN... ticipava ativamente da colonização das terras recém-descober- 11111 111·dcrn do Marquês de Pombal -, nas Minas a situação
'-f O 'O tas dentro do ~írito da Contra-Reforma que visava ~e­ 11111 he m diversa desde as primeiras descobertas auríferas das
quese dos gentios que habitavam aquelas paragens até então q1111ls, aliás, participaram alguns p~dres, como foi mencio-
' desconhecidãS: Nessa empreitada lançaram-se tanto as or- 11111h e ntre as turbas de minerada.res que chegaram para a
dens religiosas já mais tradicionais - como os franciscanos, 1 plllt'nção do ouro era natural que se incluíssem religiosos 1
por exemplo - quanto a Companhia de Jesus, criada por Iná- 111111 11cm sempre respeitavam as autoridades eclesiásticas ~=--
15'~1J cio de Loiola em 1540, esta ainda com maior fervor e ef1penho 111 1hH'CS mas, antes, foram também contaminaaõSpaã;mbi-
por ter na conversão dos infiéis uma de suas principais-- - - \metas.
-- 111 tios riquezas materiais. Foi a eles que Antonil se referiu
Por outro lado, era extremamente vantajosa a presença 111111 11do registrou que "até os bispos e prelados de alguma re-
dos religiosos nas áreas em fase de colonização, pois não só llHIOo sentem sumamente o não se fazer conta alguma das cen-
fundaram conventos e colégios, promovendo a educação cat6- 11111s para reduzir aos seus bispados e conventos não poucos
ucae1mpondo regr-as de comporta~ento ético e mõrarcomo 1 lt1tlHôS e religiosos, que escandalosamente por lá andam, ou
também contribuíram parã a estabilização dàs põVôãÇões e Il i(IS 1ll t as, ou f ug1•t•lVOS " •68
até mesro'o, pe. los seus c9.lli!~~imen. tos de estabilidade e técni- Não demoraram, porém, as providências de Lisboa con-
1 c~~~us::!f,u&._ã.Q,~ colaQ_oravam e~ o~t~a~~~!icaç_ões de im-
portancia. ·
ln1 os religiosos que , como os demais mineradores, se rebela-
~ 111 11 contra o pagamento do quinto e se envolviam no contra-
· -Assim, a atuação de missionários no Brasil colonial foi l11111do de ouro , participando inclusive de perturbações da or-
uma constante mas estes, além da participação religiosa que d1 111 e se envolvendo na "Guerra dos Emboabas". Já em 1711,
lhes era natural, também se imiscuíam na colonização sob di- 1111111 Carta Régia recomendava ao governador Antonio de Al-
171J
versos aspectos menos interessantes sob o ponto de vista do lt 11 q uerque: "ordeno-vos, que não consintais que nas Minas YVl iYi i.,,
dominador português, como a luta dos jesuítas contra o apre- 1 ~N ls la frade algum, an~s lance fora_t~d.Qs _por f()r_ç~_Q.!!... ~ cl..t
same~to dos indígenas g_ara o"Trãba~r~m disso, o 69
11ICncia.: se por outro modo não quiserem sair" . Diversas f'te-d..,v,
envolvimento dos religiosos em outras questões políticas e, 11 11 IrtlS Cartas Régias chegaram às Minas exigindo a expulsão
mesmo sua influência nas famílias, moldandg_opiniões e com- d11s religiosos, sempre em termos categóricos e enérgicos que
portamentos; nem sempre do agrado da administração do , 111 nada pareciam emanar de um rei católico, como a que foi / 72 /
1 ' além-mar, traziam notórios transtornos. Mas, apesar disso, d11 lada de 1721: "para não se consentirem nas Minas religio- ) rnUtÚU

\ (_ 1 f sua presença era marcante: "Tomé de Souza ch_egou com seis


_.~uítas e, como dissemos hoÜve no Brasif duas colonizações,
dos con"guistadores de terras e a dos conquistadores de al~as.
As duas conquistas, no entanto, nunca se harmonizaram bem .
111'1 de qualquer religião que seja por ter mostrado a experiên-
1 111 o grande prejuízo e perturbação que nelas fazem". Dessa
rul."f:J:!:
~
. .:i,
.~
IY>'liV>t 4.

J Os conquistadores de terras tinham necessidade de mão-de- (67) Bastide, Roger. Op. cit., p. 25-6.
) obra indígena e os jesuítas tomaram a defesa dos índios. As (68) Antonil , André João. Op . cit., p . 194.
(69) Vasconcellos, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais (J 703-1720) ,
câmaras municipais do Maranhão e de São Paulo chegaram a "v . Ri o de Janeiro, INL-MES-Imprensa Nacional , 1948, p.201.
,..,
é}rt,
Ç r 54 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO
o~ JJI_ ~·
55

f''.Jr1 ' . tempo, imaginosa e prática - são fundadas as Ordens Ter- 1 IZ.J11
s.tW· (~ forma, apenas a presença de padres seculares seria tolerada
~t no território mineiro. ceiras, as Irmandades e as Confrarias que, previstas 12elas leis
~ Se, nas atividades de mineração, os religiosos causavam canônicas, atenderiam não só aos anseios católicos quanto a ~
problemas à administração colonial, também por um outro .•ri uma hierarquização social das populações que, embora dife-
rJ;) 1 motivo importante o rei de Portugal os desejava afastados das AAA ô •
rendadas racialmente, se igualavam na grande aventura do
f'f't:;;.
~ 1 regiões do ouro e dos diamantes: sem a informação mais pre__- ouro.
Ê importante, entretanto, relembrar a classificação das
ov:? l.h-9--' cisa das ordens religiosas, o Vaticano não teria conhecimen_!o
Cfi'll/lo ~al dõs tesouros aqui encontrados para fazer m~iores reivin- ordens religiosas para o mais completo entendimento dessa
organização tão peculiar. Dentro das chamadas "Ordens"
em voto, a "primeira" é a dos "frades professos, que l <;: rJn.
dicações junto à Coroa Portuguesa. Fica, assim, proibida nas
Minas Setecentistas, a presença das ordens religiosas o que, -
imediatamente, resulta na sua primeira grande diferença com vivem em comunidade claustral e fazem votos e étuos"; as
as áreas litorâneas pois não são, portanto, construídos os freiras, que têm essas mesmas carâcterísticas, constituem a Oil 2~
grandes conjuntos de colégios e conventos que já, então, mar- "segunda" e, finalmente, nas chamadas "Qrdens Terceiras"
cavam as vilas estabelecidas ao longo de toda a costa brasi- incluem-se os "leigos, homens e mulheres, solteiros, casados e
/1 viúvos~ue, co°I1gregados sob uma mesma devoçao, fazem no-
11 h ( leira. Como escreve Carrato: "a Igreja Católica tivera dois fi- 72
1 lhos - o hospital e o convento. Em Minas Gerais ela foi órfã
~ viciado e profissão".
1
!k'-t desses filhos: afora da ajuda que deu na fundação das Santas _;_ Ainda segundo os cânones referentes às Ordens Tercei-
ras, Irmandades e Confrarias existem, basicamente, as se-
t'-"" Casas de Vila Rica, de São João del Rei e de Sabará, e na Z 3
73
criação de Recolhimentos (não conventos, que não foram per- guintes diferenciações:
1;J1 ~ mitidos nas Minas Coloniais) de Nossa Senhora da Conceição J-
&:0 fM de Macaúbas e do Vale das Lágrimas, não há notícia de ou- 2- ._ Qrdens T_er.c_eiras: Constituídas pelos que, sob a orienta-
,9 tras obras da lgrejáMineira setecenthla senão as da constru- ção de uma ordem, procuram chegar à perfeição
ção de igrejas" .70 l , cf; f'!I J ~ cristã tanto pela sua maneira de viver quanto pelas
{ Entretanto, sendo o português um povo de grande fervor J.. w, suas orações. Quando uma Ordem Terceira Secular
católico e sendo a atividade mineradora tão sujeita aos azares '~ ~~ ui-' it é subdividida em várias associações, legitimamente
da sorte, era natural que, também na Minas, fosse procurada a ~ ,,.. ..... constituídas, cada uma destas é chamada "lrman-
proteção de seus santos padroeiros e de suas devoções mais ca- /., ~.1 l/rvi ·~ dade de Terceiros".
ras. Aliás, essa religiosidade já começara "nos primeiros atos flf ~ Confrarias_: As associações de fiéis criadas visando obras
de devoção do bandeirante que chega, diante do seu altar por- A. d '5'ê23ã..ê. pieda~ ou caridade são chamadas "pias uniões··
tátil, onde, sobre a pedra de ara, o capelão do grupo andejo wJ1/_,, ~ JA, que, se constituídas em organismos, passam a ser as
f celebra a sua missa cotidiana ou domingueira; em seguida o &-n{i&. llA~ "irmandades". Quando as irmandades se dedicam,
fluxo religioso aumenta nas capelas e nos curatos, que se vão ~ ovi- particularmente, ao incremento do culto público, se

estabelecendo nas ribas dos ribeirões de ouro, abrindo a vida ;.:,,. h ~ ~ V2-1~ d~inam "confrarias '.
mais estável dos arraiais, muitos deles anunciadores das pro-
vações definitivas, promovidas, as melhores, a vigararias, sob Em certos casos, as irmandades podem agregar a si ou-
as vistas fiscalizadoras dos 'visitantes' diocesanos". 71 tras do mesmo tipo tendo, então, o título de arquiconfrarias.
~--:' Diante, porém, da situação de fato da proibição das or-
dens religiosas em Minas, a solução adotada é, ao mesmo (72) Martinez, Socorro Targino. Ordens Terceiras: Ideologia e Arquitetura.
Dissertação para Mestrado em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1979, p. 11.
(70) Carrato, José Ferreira. Op. cit. , p. 41. (73) Salles, Fritz Teixeira de. Associações Religiosas no Ciclo do Ouro. Belo
(71) Carrato, José Ferreira. Op. cit. , p. 27. Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1963, p. 16.
li SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 57

1>estas agremiações religiosas leigas são mais importantes as 'Í dois agrupamentos que tampouco faziam concessões mútuas.
Ordens Terceiras, seguidas pelas Arquiconfrarias e Confra- Depois, à medida que os grupos se apuraram mais em sua
rias .
própria definição, inclusive pela escolha de atividades profis-
Ê válido, também, esclarecer que as "Ordens religiosas sionais mais específicas, transformaram-se quase em similares
que podem ter uma Ordem Terceira são os Premonstratenses, das corporações de ofício medievais ._ E finalmente expandiram
os Dominicanos, os Franciscanos, os Carmelitas, os Eremitas suas atividades de tal forma que englobaram tanto o culto reli-
de Santo Agostinho, os Mínimos, os Sérvitas, os Trinitárias e gioso como promoveram a recreação e diversos tipos de tra-
os Mercedários". 74 balhos assistenciais que incluíam desde o pagamento de pen- 1
Sem a presença, portanto, das grandes Ordens e congre- sões a viúvas e aposentados quanto o empréstimo de dinheiro
gações religiosas predominantes no litoral e que incluíam ain- a juros.
da os beneditinos e os jesuítas, a religião nas Minas se alicer- Afonso Arinos de Melo Franco, citado por Fritz Teixeira
çou nas Ordens Terceiras, nas Irmandades e nas Confrarias de Salles, resumiu muito bem a sua ·ação: "As irmandades .1
que foram organizadas desde o início do século XVIII e tive- eram organizações associativas de càráter complexo, apesar i 'tf'
ram o maior incentivo da Coroa Portuguesa pois, conside- do fundo religioso. Tinham qualquer coisa ·de cooperativa, do
rando o estreito vínculo Estado-Igreja, podia ser transferido clube recreativo, da associação cultural e artística e do sindi-
76
"ao próprio povo, isto é, aos mineradores, comerciantes e es- cato ou agremiação de classe dos nossos dias". E a essas
cravos, os encargos tão dispendiosos de construir os grandes atribuições impuseram-se outras - principalmente nas déca-
templos, os cemitérios, etc. Todos os complexos e caros ceri- das de 1760-70, quando o ouro escasseava e a vida se tornava
moniais do culto religioso eram, desta forma, transferidos à cada vez mais difícil - como a de manter enfermeiros e
população. Em virtude disso, tanto à coroa como ao clero in- mesmo hospitais e asilos em um esquema bastante semelhante ) -1
teressava muito o desenvolvimento das ordens terceiras e con- ao da previdência social da atualidade. 77
frarias. A população, por sua vez, encontrava nestas corpora-
ções uma estrutura eficiente e legal, uma forma orgânica para
Ainda diretamente ligada ao seu aspecto social estava a
escolha do padroeiro. "Os fiéis , seguindo espontaneamente as
+
--'

expandir suas necessidades ou reivindicações coletivas. E en- suas devoções, organizavam-se nas agremiações das suas in-
tão vemos a irmandades não só lutando umas contra as ou- vocações prediletas. A propósito destas preferências consta-
tras, como também trabalhando para prestar aos seus filiados tamos o seguinte, como uma constância no interior de Minas:
pronta e vária assistência. Com o aumento do poderio econô-
Carmo, São Francisco, Nossa Senhora da Conceição, Pilar,
mico dessas corporações, a coroa começa a restringir os seus
Santíssimo Sacramento, Arq. São Miguel, São Pedro dos Clé-
direitos, ou, pelo menos, as suas possibilidades de enriqueci-
mento". 75 rigos, Santana, Senhor dos Passos, etc., eram de brancos; ir-
mandades de pardos: Nossa Senhora do Amparo, Ord. 3~ de
A atuação das Ordens Terceiras, Irmandades e Confra-
rias iria, portanto, ultrapassar as suas funções religiosas e ca- São Francisco de Paula, São José Dos Bem-Casados, Pardos
ritativas básicas para alcançar um universo muito mais abran- do Cordão. De pretos: Rosário, São Benedito, Mercês, sendo
{ gente e complexo. Primeiro, formavam -se com__grupos raciais que o compromisso desses expressa que eram pretos crioulos
(o qu~ significa que eram nacionais) e Santa Efigênia". _j
78

~dos - brancos, mulatos e negros - que não admitiam a


E evidente, pela listagem acima, a identificação das clas-
intromissão de outros elementos e sendo muito rígidas nessas
ses e mesmo da5 raças com a invocação escolhida ainda que,
°Q9sturas.. Se mulatos ou negros não eram aceitos nas associa'.:.
no caso das organizações de brancos, sutis diferenças fossem
ções dos brancos estes também seriam recusados pelos outros

(76) Salles, Fritz Teixeira de. Op. cit. , p. 120.


(74) Martinez, Socorro Targino. Op. cit., p. 13. (77) Martinez, Socorro Targino. Op. cit., p. 15.
(75) Salles, Fritz Teixeira de. Op. cit., p. 27. (78) Salles, Fritz Teixeira de. Op. cit., p. 19
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 59

lli111b6m levadas em conta. Tal ocorria, por exemplo, com a tra, lembrando, não raro, uma espécie de concorrência ou (
l 1'111andade do Santíssimo Sacramento que sempre se insta- emulação entre dois clubes ou associações em determinado
lava nas matrizes e reunia a classe afluente dos comerciantes meio social. Esta rivalidade influiu, como se sabe, na gran-
enquanto as duas maiores Ordens Terceiras - a do Carmo e a deza de nossa arquitetura religiosa tradicional, pois a cons-
de São Francisco - dividiam entre si as famílias mais tradi- trução de uma igreja despertava - na outra ordem - o inte-
.cionais havendo, porém, uma tendência da intelectualidade e resse de realizar outro templo mais belo . E quem ganhou com
da aristocracia para a franciscana e da mais rica burguesia a disputa foram os artistas, como Ataíde e Antônio Francisco
para a carmelita. Lisboa." 80
E, embora houvesse em muitos casos sindicâncias para Por essas peculiares condições de desenvolvimento do
aprovação dos membros, a organização das Ordens Terceiras culto católico, o Barroco Mineiro apresenta não só uma sin-
e Irmandades era, em geral, muito democrática, principal- gular exemplificação de capelas e matrizes como uma riquís-
mente na formação de suas " Mesas" diretoras ou de adminis- sima arquitetura religiosa que aqui foi, acima de tudo, um
tração, que mantinham detalhados registros de todas as suas empreendimento coletivo, único no-Brasil. Os padres, nas Mi-
atividades nos livros de Termos, de Receita e Despesa e de nas setecentistas, são apenas como "funcionários" dos fiéis já
Compromisso. que aqui se constituiu "um rebanho sem pastores" e "a ·reli-
81
\.• Foi, portanto, uma "feliz circunstância de, na Capitania giosidade se manifestava em um 'solidarismo comunitário' ".
Geral das Minas Gerais, todas as capelas e igrejas serem cus- Nesse quadro tão diverso do das demais regiões do país é for -
teadas, erigidas e adornadas pelas irmandades, e depois das çoso ainda lembrar que houve também uma grande "comple-
·'1- necessárias deliberações de suas respectivas "Mesas de Ir- xidade ética e religiosa dos mineiros, fazendo com que corres-
'-:t' mãos", constituídas democraticamente, por voto, nas eleições
periódicas de cada uma dessas corporações religiosas de lei-
pondam, a penitências santificadoras, libertinagens conside-
ráveis, e a desregramentos contumazes, testamentos humíli-
gos" . 79
mos de fé" .82

~ Efetivamente houve uma imensa disputa entre as Irman-


dades para que cada uma tivesse a mais bela e a mais rica
capela. Quando os recursos eram limitados, viam-se obriga-
Ainda quanto ao aspecto da religião é interessante notar
a predominância das invocações da Virgem Maria nas igrejas
mineiras do século XVIII. Segundo Sylvio de Vasconcellos,
dos a se contentar com um altar lateral nas matrizes ou nas houve uma "preferência muito acentuada pela Virgem Maria,
capelas das mais poderosas, propiciando assim mais uma for- em suas variadas apresentações: N. Sra. da Conceição, da As-
ma de convivência democrática pois, em alguns casos, confra- sunção, do Rosário, do Carmo, etc., preferência que revelaria
rias de pardos se responsabilizaram por altares em capelas de um apreço espontâneo pela figura feminina glorificada em
brancos. Porém, a maior e mais importante rivalidade ocorreu Maria, apreço muito valioso (ou mesmo justificado) quando
entre as Ordens Terceiras do Carmo e São Francisco. confrontado com a grande escassez de mulheres, principal-
"Eram duas grandes irmandades que tiveram decisiva mente brancas., na região" .
83

projeção durante o século XVIII em todas as cidades da mi- Essa curiosa e, sem dúvida, válida observação pode, po-
neração. Tão semelhantes são, em certos aspectos, que, ao rém, ser completada pelas considerações de Carrato quanto à
observador menos avisado, poderá escapar o verdadeiro con-
teúdo social das mesmas, pois este conteúdo muitas vezes
~- se identifica ou se confunde. No entanto, estas duas grandes or- (80) Salles, Fritz Teixeira de. Op. cit., p. 67-8.
(81) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial,
1 dens alimentavam pronunciada rivalidade uma contra a ou-
1968, p. 140.
(82) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p . 74.
(83) Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira. Primeiro Semi·
nário de Estudos Mineiros, Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957, p.
(79) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. Op . cit., p. 125.
68
(1()
SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 61

religiosidade típica do português que se caracteriza principal-


mente pelas " práticas devocionais externas" e que concentra qual garantia que "não há lembrança, que visse o Brazil nem
na figura da mãe de Cristo uma grande carga de fé pois, em consta, que se fizesse na América acto mayor de grandeza" .85
Portugal, " avulta extraordinariamente a devoção a Nossa Se- Outra significativa solenidade religiosa, ainda nos tem-
nhora, que é invocada sob todos os títulos (alguns até extrava- pos de mineração farta, foi o estabelecimento da sede da ad-
gantes), sle alegria e de dor, de ufania e de contradição, e até ministração eclesiástica em Mariana, a 6 de dezembro de
de certa intimidade toponímica, que Cõmove. Nãõe, porém, 1745. Como o governo civil era sediado em Vila Rica e os bis-
aquela hiperdulia obsessiva da Idade Média, de gente que se pos, considerados nobres de primeira grandeza, não podiam
apega à Mãe do Todo-Poderoso, de medo das cruéis hostili- se instalar em vilas, a antiga Vila do Ribeirão do Carmo foi
dades deste vale de lágrimas e do outro vale das sombras, elevada à categoria de cidade, com o nome de Mariana, em
aquela Senhora hierática da estatuária medieval, que apenas homenagem à D. Maria Ana, esposa de D. João V.
ampara, de longe, o Filho-Deus, do qual é ela a própria cria- "O primeiro titular, D. Frei Manuel da Cruz, então bispo
tura, mas é a Virgem Maria humaníssima, mãe como as de- do Maranhão, empreendeu por terra sua viagem até a nova
mais mães, que se abraça ternamente ao seu Menino Jesus, diocese, realizando, em quatorze meses, uma viagem de 4000
que até o amamenta em seu nicho - como aquela comove- quilômetros pelo sertão. Esta viagem, a entrada do bispo na
dora Senhora do Leite, que vimos na velha Sé de Braga - , cidade e as extraordinárias festas então realizadas, revelado-
madrinha e padroeira do maior número das mulheres de todo ras da extraordinária sensação então causada, constam do
o Reino, e quase uma namorada de todos os homens, sob o opúsculo aparecido em 1749 sob o título de Áureo Trono Epis-
título predileto de Nossa Senhora da Conceição". 84 copal." 86
Finalmente, um outro fator deve ser também notado por Mas, ainda que o "Triunfo Eucarístico" e o "Áureo
se ligar às características de exteriorização da fé que marca- Trono Episcopal" retratem acontecimentos de caráter muito
ram a religiosidade portuguesa. É o seu gosto pelas romarias, especial e que tiveram lugar no final da primeira metade do
procissões e celebrações festivas, com demonstrações de ex- século XVIII, quando já se prenunciava a exaustão das minas
tremo luxo e pompa, principalmente na fase de maior riqueza de ouro, são indicadores do gosto pela exteriorização da fé e
das atividades extrativas. A esse gosto particular se acrescen- mesmo de um caráter lúdico que seria aqui associado à reli-
tava, também, o interesse de negros e mulatos por festividades gião e que se manteria em inúmeras outras procissões do ca-
coletivas resultando, assim, no aspecto pagão e até mesmo lendário cristão, inclusive nas épocas de maior decadência da
quase carnavalesco que adquiriam as solenes comemorações mineração.
religiosas. Aliás, este gosto pela manifestação clara da fé iria se re-
Entre estas, as mais importantes foram , indiscutivel- petir em escalas diversas, abrangendo desde os pequenos "ex-
mente, as grandes celebrações da transferência do Santíssimo votos", pintados como pagamento de promessas, tão popula-
Sacramento da Capela da Irmandade do Rosário para a Ma- res nas Minas coloniais, até o vibrante enriquecimento da ta-
triz do Pilar, reconstruída em 1733, em Vila Rica. Foram dias lha e das alfaias nas construções religiosas mineiras. Assim, a
e dias de procissões e festejos que incluíram figurantes rica e religião vai conferir à arquitetura do Barroco Mineiro carac-
originalmente fantasiados, apoteoses e músicas relatadas pelo terísticas muito peculiares e variadas que englobam tanto a
cronista da época - Simão Ferreira Machado - que publi- decoração interna dos templos quanto a constante disputa das
cou, em Lisboa, no ano seguinte, um curioso texto sobre o Irmandades para a construção de maiores, mais belas e mais
grandioso evento com o título de "Triunfo Eucarístico" e no ricas capelas. Por tudo isso é que "à margem dos caminhos,
em praias de ribeirões e outeiros de montanhas, ficaram plan-

(84) Carrato, José Ferreira. Op . cit . , p. 32. (85) Apud, José Ferreira. Op. cit., p. 33 .
(86) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. Op. cit. , p . 65.
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 63

l11 dos, porém, e imperecíveis, os testemunhos da fé, da cora- sem margens, ou se esconde em encostas íngremes de grande
m e da capacidade dos mineiros. Pois que, em meio a uma altitude. As elevações que não ultrapassam, mesmo no pla-
natureza agreste, ávara, rude, isolados e entregues à própria nalto paulista, os 600 metros, nas Minas atingem os 1000,
sorte, souberam eles construir um mundo de maravilhas, no muito acima da média encontrada em Portugal. O chão é
qual germinariam as sementes mais férteis da sensibilidade duro, áspero, a terra vegetal apenas recobrindo, como uma
artística da gente brasileira". 87 pele fina, o minério de ferro compacto e as estéreis rochas
quartzíticas. A floresta robusta que margeia o oceano se re-
torce em carrascais intrincados, que só adquirem maior de-
senvoltura em manchas esparsas do território aurífero. " 89
Outros aspectos Daí terem se implantado as primeiras vilas justamente
nos vales e nas encostas que, mesmo de topografia difícil, con-
centravam os ricos depósitos aluvionares do ouro, dos quais
Com todas as suas peculiaridades e na complexidade de não convinha ficar distante. A essa "evidência, porém, Sylvio
seus múltiplos aspectos, as Minas Gerais oferecem um amplo e de Vasconcellos adiciona uma inesperada observação: "Além
fascinante campo de estudos no qual diversos fatores intervie- do condicionamento imposto pelo ouro, a preferência pelos
ram, muitos deles condicionando diretamente sua arquite- altos pode também ter suas origens nas tradições castrejas
tura, outros influenciando-a de forma menos evidente. Mas do imigrante branco e no apreço pelas alturas demonstrado
todos sempre presentes e determinando, de um ou outro pelo negro, principalmente quando angolano" .90 Efetivamen-
modo, as soluções construtivas que na região foram adotadas. te, preferindo as acrópoles como defesa natural para suas
Apenas como uma referência final, é importante consi- aglomerações, o colonizador branco assim as implantou no
derar as principais condições do clima e da geografia das Mi- litoral (como Salvador e o Rio de Janeiro), mas, nas Minas,
nas, que também afetaram sua maneira de construir e que são essa preferência parece ter sido uma coincidência maior, já
bem diversas das características litorâneas e do meio ambiente que o ouro se escondia nas grandes altitudes e nos relevos mais
português, de onde tantos de seus povoadores se originaram. difíceis.
No geral, a área do planalto centro-meridional brasileiro, Na região dos diamantes, o quadro se repete. "Diaman-
onde se localiza Minas, tem um "clima temperado pela alti- tina é o extremo norte do ouro, voltada para os sertões do
tude, solos férteis e bem regados por chuvas regulares e um Nordeste. Em sua volta o deserto, só humanizado pelos cami-
sistema hidrográfico normal - ao contrário do interior nor- nhos do Sul, que alcançam o Serro, pelo Jequitinhonha, que
destino semi-árido, onde a maior parte dos rios é de curso corre para o desconhecido, e pelo São Francisco, distante, de
intermitente. Finalmente, o planalto brasileiro encerra abun- onde provêm boiadas. Poucas povoações balizam a estrada
dantes recursos minerais". 88 nascida na corte, Itabira, Conceição, Itambé. As que ficam
Mas sua parte mais setentrional e que corresponde mais mais ao Norte não são mais mineiras: recolhem-se às barran-
91
exatamente à região ocupada por Minas é caracterizada por cas do grande rio, baianas e pastoris. " Dentro de uma pai-
grandes altitudes e relevo acidentado, em contraste com a sagem tão peculiar, inóspita freqüentemente, foi necessária ao
costa, mais plana e de clima bem mais quente e úmido. O solo colonizador uma capacidade de adaptação talvez ainda maior
favorece a agricultura, que ali é rica em abundantes safras. do que a que o levou a enfrentar as elevadas temperaturas
"Já o ouro prefere os vales profundos e estreitos, praticamente
(89) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial ,
(87) Vasconcellos, Sylvio de. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o 1968, p . 37-7.
Aleijadinho . São Paulo, Cia. Ed. Nacional; INL-MEC, 1979, p. 8. (90) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 42.
(88) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 10. (91) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 54 .
(14 SUZY DE MELLO

tropicais de outras áreas. E a essa mesma paisagem se adap-


tar, nela se integrando tanto quanto possível. "Por outro lado,
os altos permitem descortino, facilitando orientações, e ame-
nizam os desníveis, inevitáveis quando se atravessam vales su-
cessivos . Tudo leva, nas Minas, ao amor pelas cumeadas. O
relevo principal da região tem sua base na Serra da Manti-
queira, que se prolonga para o norte em dois braços que mol-
duram o Rio São Francisco - um deles, tendendo para o
leste, deita-se às margens do Jequitinhonha, nas alturas de
Araçuaí; outro, inclinando-se para oeste, alcança Paracatu.
São eles que definem a penetração, e não os vales que os sepa-
ram. Neles se localizam as Minas." 92
Ê assim a geografia da área desenvolvida pelo ouro e que
marcaria a implantação das aglomerações e muitas das solu-
ções construtivas adotadas.
As vilas do ouro
Essa relativa uniformidade da geografia do ouro altera-se
um pouco, porém, quanto ao clima que, embora temperado e
agradável, em geral apresenta algumas variações. A região de "Eu vi a cidade s6bria
Ouro Preto e Mariana, por exemplo, é bem mais úmida, com Medida na eternidade,
maior constância de chuvas e sujeita a densas neblinas. Já em Severa se confrontando
À cinza das ampulhetas,
Diamantina e no seu entorno, o ar é mais seco e o sol mais Sem outro ornato apurado
quente, mesmo que as noites se façam amenas ou até frias. Além da pedra do chão.
Para o sul, o leste e o oeste da região do ouro e dos dia- Eu vi a cidade barroca
mantes as Minas têm um relevo mais uniforme e menos abrup- Vivendo da luz do céu. "
to e o solo é fértil, favorecendo.a pecuária e a agricultura. Mas Murilo Mendes(1954)
são áreas diferentes que só viriam a ter importância depois de
esgotadas as minas. Daí suas diferentes características de de-
senvolvimento pois "se a montanha condiciona romantismos, A arquitetura não pode, porém, ser dissociada do es-
fantasias, barroquismos, os largos horizontes das pastagens paço físico no qual se insere e se organiza - <> aglomerado ur-
enchem-se de luz e alegria" pois, nas montanhas, "os hori- bano, em especial - que lhe confere peculiares condiciona-
zontes são curtos, breves, sombrios, e só o céu compensa a mentos e específicos determinantes que se vinculam a variados
ausência do mar, inatingível, reduzido a uma saudade angus- aspectos como a topografia dos locais e a predominância das
tiante, sem fim". 93 atividades econômicas neles exercida, além de - na época do
Brasil Colônia - se prender, ainda, a critérios então vigentes
para as urbanizações. Entre esses critérios incluíam-se, por
exemplo, a preferência pelos sítios mais elevados que favore-
ciam, naturalmente, melhores condições defensivas.
Em muitos casos, porém, a preocupação de defesa era
também ampliada com a construção de fortes e fortalezas,
(92i Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 43. além de outros elementos militares como baluartes e baterias,
(93) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 59. e por muros que não só completavam os esquemas estratégicos
BARROCO MINEIRO 41
Ili SUZY DE MELLO

L dinários. Não há comida bastante , só a cachaça não falta" .42 o tanto mais, quanto he maior a necessidade dos que passão.
~/\Ili? Aliás, alguns poucos engenhos que se instalaram na E dahi vem o dizerem que todo que passou a Serra da Manti-
época não eram conjuntos de porte e sua produção reduzia-se queira, ahi deixou dependurada ou sepultada a consciên-
t -::!> ao melaço e à cachaça, atingindo o açúcar também alto preço. cia'" .43
Boxer é ainda mais minucioso em seus dados ao informar Essa última frase , do perspicaz Antonil, indica um outro
que "em sua pressa alucinada de explorar as minas existentes significativo aspecto do período da mineração e que diz res- ~~;'"
e encontrar novas, os primeiros pioneiros descuidaram-se de peito ao rápido florescimento do comércio nas Minas setecen- · =
\ (/fY/õ plantar mandioca e milho suficientes, e o resultado foi sofre- tistas. Eletivamente, segundo um consenso mais exato, as _
17ihflrem carência aguda, de 1697 a 1698, e, de novo, entre 1700 e randes fortunas do ciclo do ouro foram, antes, provenientes ~
1701. O Governador do Rio informava à Coroa, em maio de de atividades comerciais do que dos próprios rendimentos da
1698, que a carência de artigos de mantimentos era tão crítica mineração , o que, embora não deixe de ser uma ironia, é um
que muitos mineiros tinham sido obrigados a abandonar suas fato de fácil compreensão.
ç .:- jazidas de ouro e estavam errando pelos matos com seus es- J e/ ·Por outro lado, só com a exàustão do ouro, já no final do
Cf'. ( --;P cravos, em busca de caça, peixes, ou frutas, a fim de se ali- v, século XVIII , é que se afirmaram com maisv igor as ativida-
mentarem. ( .. . ) Preços fantásticos eram pagos pelos alimen- "e•.r eles agrícolas e pecuárias, quando a decadência da mineração
tos, durante essa luta em prol da sobrevivência. Um gato ou trouxe às Minas uma grande apatia e uma desesperança sem
um cachorrinho eram vendidos por 32 oitavas de ouro, um -'· " limites. Assim mesmo, não se adaptaram as plantações às an-
alqueire de milho por 30 ou 40, e um frango esquelético por tigas áreas das catas e das lavras, preferindo as regiões mais
12. Entretanto, sabia-se que por aquela altura o trabalho diá- planas e de terrenos mais favoráveis, principalmente ao sul
rio de um negro escravo muitas vezes chegava a produzir 16 onde, posteriormente, floresceriam os cafezais.
oitavas de ouro. A situação melhorou consideravelmente desde Mas esse aspecto de uma agricultura quase inexistente
que a crise surgida na curva do século foi ultrapassada, em- iria se refletir não só na economia como também na formação
bora as provisões de boca em Minas Gerais nunca chegassem das vilas , conferindo às Minas Gerais específicas característi-
cas como se verá. De qualquer modo, porém, toda a economia
/
~S a ser superabundantes durante toda a primeira metade do sé-
.. ) culo XVIII. Pequenas granjas e fazendas _dei>i:.essa se foram mineira determinaria muito mais do que flu.xos maiores ou
~ · ) instalando ao longo das esfrã das,- e- mais atenção mere~-;­ menores de riqueza e aqui, de forma muito particular, daria
J plantio de hortaliças, milho, e a criação de rebanhos nas vizi- singular configuração às artes em geral e à arquitetura em
/ nhanças dos principais campos auríferos, que se iam, lenta- especial.
/°'--:? , mente, transformando em vilas. Muita gente, de fato, de-
t/(Â#'- pressa considerou 1.!!fils lucrativo plantar ~ fim de fornecer
~9--~ alimento aos mineiros, do que se entregar ela própria à mine-
ração, já que os preços permaneciam muito altos, em conse- Povoamento
, ~ /?o3 · qüência da procura ser maior do que a quantidade disponível.
, !- IYICP~ Os primeiros colonos plantaram principalmente milho, abó~- ~
~'t< lf bora, feijão e, de vez em quando, batatas. Em 1703 já estavam Como bem observou~ger Bas_!~~!>l' a formação do Bra_:
crlãridõllma quantidade bastante razoável de porcos e gali- sil foi " ganglionar no senticro---de que, não sendo povoado o
nhas, 'que vendem por alto preço aos passageiros, levantando- país, exceto nalgumas localidades que atraíam todos os re-

(43) Boxer, C. R. Op. cit., p. 59.


(42) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, (44) Bastide, Roger . Brasil - Terra de Contrastes . São Paulo, Difusão Euro-
1968,'J>. 28-30. péia do Livro, 1969, p. 26.
I
/,!,o 1 L 1 GoJ ~ 170 )

42 SUZY DE MELLO
1 l '-<·e:.. BARROCO MINEIRO 43

r; cém-chegados, estas seriam como gânglios em desenvolvi-

f:u~ mento". Esses pontos, portos do litoral - como São Vicente,


Bahia e Pernambuco - , permaneciam cotno os centros reais
de uma unícfade política fictícia, o governo geral implantado

~
pela Coroa Portuguesa.
-r./wt UE Só com as entradas e bandeiras paulistas, no final do sé-
/' [ . c!!!o XVII, à procura dos metais e pedras preciosas é que iria
- se modificar aquela situação que perdurava por quase dois sé-
45
')(J/?0 culos. Ê ainda Bastide que pondera: "No entanto, o ciclo do
//
5t?o-- ouro não durou muito, meio século apenas. Mas do ponto Õe
60C- vista da unidãde brasileira, sua imPõrtância é primordial.
o
#~pr ltJ Atraindo do Sul e do Norte, de São Paulo e da Bahia, assim ><
como de Portugal, toda uma população estável e urbanizada, 2l
o
que se fixava no próprio centro do Brasil, a uma distância e:
o
"C
mais ou menos igual dos antigos centros de povoamento, a ~ s
~ ·e:;
descoberta do ouro contrabalançou as forças de dispersão; de
certo, modo deu ao Brasil Colonial seu centro de gravidade". i<ti
...J
Mas a chegada a esse "centro de gravidade" não era nada UI
fácil na época. e
êõ
al
Para atingir as Minas, segundo Antonil,, já antes de 1711, Q)
"C
existiam dois caminhos que saíam do Rio de Janeiro: o cha- e:
l . mado "caminho velho" que, passando Pelo mar até Parati, ~
::?
..-f' seguia por Taubaté, Pindamonhangaba e Guiaratinguetá até o Q)
"C
rio das Velhas, exigindo cerca de trinta dicas de dura cami- .~
t_ _,, nhada. Já o "caminho novo" tomava a direç~o do Paraibuna e ~
subi~ para Ouro Preto, de modo mais rápid<:.l e "todo ditb ca: IJJ •
~
minho se podiã and~r em dez até doze diais, indo escoteiro O=I oi
,
~
46
quem for por ele" . Antonil descreveu, ainda, o caminho da ~ -~ ~
} _.. Y~ão Paulo para as Minas, que passa em MõJreJacareí til w -~ "'
'<:(
<t: Q)

~~baté seguindo, depois, aproximadarnente, o roteiro dos z ~ . -~ o


4 _,, que vinham do Rio e nã~ deixa de cita~, igu;almente,~ami­
:r-
nho da Bahia, que descia por Cachoeira e sobre o qual co-
'"""" me"irtãser "muito melhor que o do Rio d; Jct.neir;eõ da vila tfl 4iJ
de São Paulo, porque posto que mais comprido, é menos difi-
cultoso, por ser mais aberto p~ b~- mais abundante < J!J' ~
para o sustento e mais acomodado para as; cavalgaduras e
para as cargas". 47

(45) Bastide, Roger. Op. cit., p. 29.


(46) Antonil, André João. Op. cit., p. 186.
(4 7) Antonil, André João. Op. cit. , p. 187.
<14
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 45

Além destes, havia ainda os "descaminhos", quase tri- mente contra a vontade e contra os interesses imediatos desta.
lhas que eram usadas para o contrabando, visto que não fica- Mas ainda esses audaciosos caçadores de índios, farejadores e
vam sob o controle dos "registros" , espécie de postos alfande- exploradores de riqueza, foram, antes do mais, puros aventu-
~ários <k_f_obrança de impostos e de _vigilância ger~l _visando, reiros - só quando as circunstâncias o forçavam é que se fa-
mais especificamente, impedir a saída clandestina do ouro e ziam colonos. Acabadas as expedições, quando não acabavam
dos diamantes.
mal, tornavam eles geralmente à sua vila e aos seus sítios da
Assim, de todas as direções vieram ter às Minas gente de roça. E assim, antes do descobrimento das minas, não reali-
todo o tipo, enfrentando todos os obstáculos na sua ânsia pela zaram obra colonizadora, salvo esporadicamente." 50
riqueza imediata, que só o ouro pode trazer. Foi por isso que Mas se aqui se instalaram por mais tempo, explorando o
Antonil observou: "A sede insaciável do ouro estimulou a tan- ouro que haviam descoberto, "ficam nas Minas poucos paulis-
tos a deixarem suas terras e a meterem-se por caminhos tão tas, de tal forma que apenas 39 famílias , das 174 gue o linha-
ásperos como são os das minas, que dificultosamente se po- gista Cônego Raimundo Trindade oonsidera como 'os velhos
derá dar conta do número das pessoas que atualmente lá es- troncos mineiros' , são .originári_as de São Paulo, o que vale
tão. Contudo, os que assistiram nelas nestes últimos anos por dizer constituir-se a população branca colonial mineira de
·L
.3V~ 1 largo tempo, e as correram todas, dizem qu~~!.nta uma imensa maioria de minhotos, portuenses, transmon-
mil almas se ocupam, umas em catar, e outras em mandar tanos, beirões e açorianos - quase toda gente campesTna de /
{@ ' Cãtafnos ribeiros do ouro, e outi=ãSeffi negociar, vendendo e Portugal - no permeio dos quais vieram também muitos 'cris- ! 1
comprando o que se há mister não só para a vida, mas para o tãos novos' e filhos de outras Capitanias" .51 .é" ~l
regalo, mais que nos portos domar. Cada ano, vêm nas frotas Verifica-se, portanto, que o povoamento das Minas se faz
quantidades de portugueses e de estrangeiros, para passarem com gente vinda das mais diversas origens e que, nas primei- ~

1 às minas. Das cidades, vilas, recôncavos e .sertões do Brasil,


vão brancos, pardos e pretos, e muitos índios, de que os pau-
listas se servem. A mistura é de toda a condição de pessoas:}
homens e mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e
ras décadas da capitania, é turbulenta e truculenta. A essa
população inicial iria se juntar logo, exigido pelos trabilhos
de mineraç_ão, um grande contingente de escravos africanüs:-
indispensáveis à exploração da;; datas. Entre o período de
;V.tt1 M
plebeus, seculares e clérigos, e religiosos de diversos institutos, 1735-1750, o seu número, só nas Minas, variava entre 80000
muitos dos quais não têm no Brasil convento nem casa" .48 e 100000.52 1 { !>õ - 6~() -"' iOO/V\1'.'.. L .JV> Ot.<Mle.~
Inicialmente, como as próprias autoridades portuguesas Ainda que suas condições de vida não fossem, obvia-
constataram, para repetir as palavras de Martinho de Men- mente, fáceis e que morressem vitimados por excesso de tra- \
donça, em torno de 1735, citadas por Boxer, a população da-;
quela indisciplinada capitania " era composta dos paulistas, -
balho, acidentes nas lavras e inúmeras doenças, " uma das
-.--::----·----- ,.,-- - -·----
poucas feições redentoras na vida dos escravos de Minas Ge- 1
acostumados à violência e soltura, e de Portugueses de baixís- rais - ou, nesse ponto, de todo o Brasil - era a possibilidade /17..
sima extração, sem cultura" .49 de comprarem ou receberem de graça sua liberdade algum /,
Os paulistas, porém, não permaneceram longamente na dia, contingência muito mais rara quand~e tratava- das colô-
região, pois seu espírito de aventura sempre os levava adiante, nias francesas ou inglesas. Além disso, pela natureza de seu
a outras paragens e a novas conquistas. " A expansão dos pio- trabalho na pesquisa do ouro de plácer (ou aluvião) , era-lhes
neers paulistas não tinha suas ràízes do outro lado do oceano,
podia dispensar o estímulo da metrópole e fazia-se freqüente -
(50) Buarque de Holanda, Sérgio. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olím-
pio, INL-MEC, 1971, p. 68.
(48) Antonil, André João. Op. cit. , p. 167. (51) Carrato, José Ferreira. Igreja, iluminismo e Escolas Mineiras Coloniais.
(49) Boxer, C. R. Op. cit . , p. 152. São Paulo, Cia. Ed. Nacional; Ed. da Universidade de São Paulo, 1968, p . 4.
(52) Boxer, C. R. Op. cit. , p. 160.
6 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 47
relativamente fácil esconder ouro em pó, e mesmo pequenas 1; ~.,_kc.ri
pepitas, além de alguns senhores consentirem que seus escra- nhor. ( ... ) Por outro lado não existem meios de obrigar o es- e-! -2(1-'C.-a
vos procurassem ouro para si próprios, depois de terem traba- cravo, pela violência, a batear com eficiência. A maior ou me- C/\ 'e.- ""
lhado um determinado número de horas para os donos. Dessa Í nor apuração depende da habilidade, do interesse, da boa ~ r
maneira, razoável número de escravos pôde comprar sua li- 1· vontade enfim, do faiscador. Ameaças e punições não aumen- ~~ oµ
herdade, e a esperança de fazer a mesma coisa era dada a tam a produção, acrescem-na o estímulo, os bons tratos e a &t.iUJ
muitos mais". 53 paciência. O afago e não o chicote. O gole de cachaça e não a
Por outro lado, mesmo nos rígidos regulamentos do Ois- \) fome. Branêo e negro trabalhando lado a lado, nas mesmas
trito Diamantino, havia a previsão de festas, prêmios especiais 7 COildições, habitando a mesma choupana provisória, comendo \ /
e até a liberdade para os escravos que, encontrando pedras ) o mesmo angu. ( ... )O que come o senhor, come seu escravo. l fl'ú-.
maiores (e, portanto, impossíveis de serem contrabandeadas),_) Ambos se nivelam na mesma aventura, que pode levar um ao ~'<--
as entregassem aos administradores. 54 Também, pelo terrível
Regimento Diamantino, os escravos informantes de conJra- \
! enriquecimento, outro à liberdade" .
57
,, iV~ r~ lrV.it.{

A todos esses complexos componentes, junta-se um ou-


bando de diamantes "não só receberiam sua liberdade como ( tro, de ainda maior significação .:__ o alto índice de miscige- Jv11 S'-1::
uma quantia em dinheiro que lhes possibilitasse reiniciar a nação resultante do excessivo número de homens, concen- ~o..
vida". 55 trados nas Minas, e da reduzida quantidade de mulheres
Mas, mesmo com tais vantagens, registra Sylvio de Vas- brancas. Ê fato conhecido que "a maioria dominadora dos
concellos que "não é por acaso que nas Minas os negros se imigrantes vindos de Portugal era pobre e de baixa espécie,
eximem de quilombos e fugas coletivas, raras vezes assinala- i embora constituída de robustos e empreendedores jovens celi-
das. Sua atuação urbana, seu convívio com os brancos, sua l \ batários da província do Minho e Douro. Essa esmagadora
mentalidade levaram-nos a revoltas de maior porte; não con- r ' preponderância de homens fazia-se, naturalmente, o nó da
tra o senhor imediato, mas diretamente contra o Rei". 56 _J questão, e assim tanto a Coroa quanto os governadores com-
Esse relacionamento peculiar pode ser ainda mais bem
~
preenderam, embora com algum atraso. Conforme confessava
explicado se for considerado que "não é o fidalgo que se dei- Dom Lourenço de Almeida, se aqueles homens se pudessem
~ atrair pelas Minas; antes, é oliiargma1 das cídades;- o casar com mulheres de sua própria condição, e instalar-se,
(~
~
caITipõnês, imbuído de muito menos preconceitos, acostu-
mado à convivência comunitária e freqüentemente tão pobre
&) depressa se tornariam cidadãos respeitáveis e responsáveis,
~ mas a carência aguda de mulheres brancas não permitia que a
~
~ de início quanto seu escravo. O que porventura conseguiu ~ grande maioria deles fizesse tal coisa. A situação agravava-se
~ amealhar no reino gastou-o na aquisição deste e no trans-
porte. ~ventur<Ldo_puro os ni~l_a na mesma ~r_ança. O
~ pelo fato dos pais das relativamente poucas moças brancas no
~ 1 Brasil, quase todas residindo nas cidades litorâneas, preferi-

~ 1
milho, a mandioca, o porco e a cachaça são alimentos co- ' rem mandar suas filhas para conventos na Bahia, ou - ainda
muns. As pequenas roças sustentam a ambos. O negro não se melhor - em Portugal, do que deixarem que se casassem em

't, coloca de fato, embora de direito sim, em posição de absol~ta


inferioridade, como uma peça, um objeto apenas. Ê antes um
- -
subordinado que compartilha os azares e as sortes de seu se-
- l
Minas Gerais ou em qualquer outro lugar. Outros fatores ad-
~ , versos incluíam a escassez de clero para celebrar casamentos,
~ e as altas tarifas que os padres cobravam para oficiar". 58

~l Assim, o resultado da alta sexualidade dos portugueses e,


até mesmo, da sua preferência por negras (como já havia no-
(53) Boxer, C. R. Op. cit. , p. 163.
(54) Mawe, John. Viagens ao Interior do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São
'. tado um viajante francês na Bahia) foi a mais intensa misci-...
~---·~~-___.,.-...._______

genação que ocor1e_u ~~s- _!vi~~~--~~tec~!!tist~s. Para tornar


-
Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978, p. 155.
(55) Boxer, C. R. Op. cit., p. 197.
(56) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p . 45 .
(57) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 64.
(58) Boxer, C. R. Op. cit. , p. 152-3.
4
SUZY DE MELl,O
BARROCO MINEIRO 49
ainda maior essa miscigenação, corria uma lenda de que uma
brado que a ptópria Chica da Silva era uma mulata, filha de
negra Mina (nome da sua região de origem na Ãfrica) "trazia
fortuna aos mineiros" e já se tornara habitual a prostituição
,
d as escravas nas areas de mmeraçao.
. - 59 -- um português com uma negra escrava.
A grande porcentagem de mulatos foi, portanto, uma
conseqüência direta do tipo de povoamento ocorrido em Mi-
Sylvio de Vasconcellos explica mais detalhadamente a si-
tuação ao comentar que a "miscigenação, nas Minas, não de- nas constituindo, nos primeiros tempos, um sério problema
corre pois de um desfastio, um uso e abuso de propriedade, para a administração da capitania mas que, pouco a pouco,
.~ em ligações prazerosas e eventuais, do patrão e seus filhos ra- foi assimilada e passou a ocupar um lugar próprio na socie-

~ pazes, com as negrinhas de maior dengo. O número de ho- dade mineira do setecentos. Esse lugar dos mulatos é clara-
mens brancos é considerável, de mulheres brancas, mínimo. mente esclarecido por Sylvio de Vasconcellos: "O trabalho\
%"'! A negra integra-se realmente na intimidade doméstica de se~ ~ manual não era, porém, prezado pelos brancos. Os pretos, \
~ senhor. Torna-se companheira permanente, mãe de um novo com menor oportunidade de apre:ç.dizado, concentravam-se i
~ e considerável contingente humano livre - o mulato. Este é nas tarefas mais rudes, especialmente nas de mineração. Em 1
~ aqui muito mais imediatamente numeroso que no litoral, conseqüência, o artesanato abria amplas possibilidades aos
., substituindo a largos passos, e rapidamente, a ancestralidade j mulatos, que, freqüêntemente libertados da escravidã~ ao
.~ ( branca e preta, pura, já rara na região. Excetua-se apenas nascer, eximiam-se tanto dos preconceitos adofados pelos
~ deste processo o Distrito Diamantino, onde o maior número} D1t;_/lr) brancos como das injunções impostas aos negros". 63 Portan-
~ de brancos não alcançou eliminar de todo o preto, que ali to, os mulatos foram os grandes artesãos do Barroco Mineiro, ~
'-- ainda sobrevive, menos amulatado". 6() entre eles destacando-se, naturalmente, o seu maior nome:
Embora Antonil tenha se escandalizado com "o que se Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. E, também, assim,
gasta em cordões, arrecadas e outros brincos, dos quais se de certa forma, tornou-se realidaae em Minas o provérbio que}
1 vêem hoje carregadas as mulatas de mau viver e as negras, Í) Antonil citara: "O Brasil é o inferno dos negros, purgatório Alv'íaVVrl
muito mais que as senhoras" 61 muito mais do que isso teria ) dos brancos e paraíso dos mulatos e mulatas" .64
a ex-escrava Chica da Silva que tão violenta paixão inspirou Finalmente, ao contingente dos mulatos somou-se, com o
no contratadür:Tbão Fernandes de Oliveira, na segunda me- correr do tempo, o dos pardos, resultantes de uniões entre -pi+v1..D 05

:f !
tade do século XVIII, no longínquo Tijuco. "Dominadora no
Tijuco, com a influência e o poder do amante, fazia alarde de
um luxo e grandeza que deslumbravam as famílias mais ricas
mulatos e também bastante numerosos nas Minas.
Mas, à medida que as condições de estabilidade de mine-
ração vão substituindo as turbulências das primeiras décadas

~\ e importantes: quando por exemplo ia às igrejas - e então era do século XVIII, um outro quadro social vai sendo definido, \ 7">0 ,...,
aí que se alardeavam grandezas - coberta de brilhantes e como descreve Carrato: "Classe em expansão a partir de 1730, tM. kfc..&é
será a dos artesãos, dos artífices, em virtude do fenômeno da tw<.W'f- ·1..v
~~ com uma magnificência real - acompanhavam-na doze mu- crescente e rápida urbanização das Minas, em que o seu papel
'§( latas esplendidamente trajadas: o lugar mais distintO do tem-
plo era-lhe reservado. Quem pretendia um favor do Contrata-
dor a ela primeiramente devia dirigir-se na certeza de ser aten-
cresce de importância. No primeiro momento, esses artesãos 1~~
serão quase todos reinóis, havendo alguns mamelucos e um fatirvt~
\ que outro negro mais engenhoso (geralmente mina) entre os {YYtM{~
dido, se conseguia granjear-lhe a proteção".62 E deve ser lem-
1 carapinas, ferreiros ou seleiros. Iniciada, porém, a miscigena-
~ ção, os filhos mulatos passam logo a exercitar-se nas artes
(59) Boxer, C. R. Op. cit., p. 154.
(60) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 64. paternas, como é o exemplo clássico do Aleijadinho, aprendiz
(61) Antonil, André João. Op. cit., p . 195.
(62) Felício dos Santos, Joaquim. Memórias do Distrito Diamantino da Co-
marca do Serro Frio. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São (63) Vasconcellos, Sylvio de. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o
Paulo , 1976, p. 123. A/eijadinho. São Paulo, Cia. Ed. Nacional/INL-MEC, 1979, p. 3.
(64) Antonil, André João. Op. cit. , p. 90.
so SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 51

do próprio pai, o português Manuel Francisco Lisboa, mestre registro dos números de habitantes da região, basta ser lem-
de obras. Queremos acreditar que, já nas devassas de 1733-34, brada a classificação exata de Sylvio de Vasconcellos para o
muitos dos artífices arrolados como testemunhas já se guinda- século XIX em Minas - "século branco" - sem maiores rea-
ram a um melhor lugar na sociedade, herdeiros que são do lizações no presente ou grandes esperanças para o futuro.
4 nome dos pais e de suas profissões, porque já são filhos de Entretanto, uma sociedade muito peculiar se havia for-
L suas mães forras. mado e estabelecido nas Minas durante o setecentos e uma
Outro grupo importante na constuição da sociedade do última e importante característica deve ser mencionada: a do
câ/W;1 Ct-~ tempo é o dos comerciantes, também este mais numeroso que seu caráter eminentemente democrático - ao contrário das
os mineradores. Ou vivendo de suas 'agências' (com certeza . organizações patriarcais do litoral - r esultante das suas par-
corretores de minas e fazendas e gados, fazedores de 'tramas' t iCülãrêSêondlçõesde p0voarnentà e da economia que o fun -
-f11&-e'-J (essa atividade comercial de trocas em espécie, ainda hoje tão damentou.
comum em Minas, terra de dinheiro sumido), prestamistas, "A sociedade sui generis no Brasil, que por tudo isso ia se
onzeneiros, etc. ou estabelecimento em seus 'negócios', isto é, constituindo nas Minas Gerais, agregado mais ou menos in-
suas vendas, 'logeas', armazéns e botequins, são os comer- forme de elementos de várias procedências e de todos os estra-
ciantes 'mayormente p.vos de Portugal'( ... ) tos, só poderia espelhar, e espelhará ainda por longo tempo,
~~JJLaduw Classe numerosa, se bem que menor que a dos agricul- essa formação compósita. Não parece excessivo dizer, ao me-
1){ 1725 tures e a dos comerciantes, é a dos mineradores. Nesses anos nos em confronto com a de outras partes da América lusitana,
~ 177 5 de fastígio, que marcarão quase dois quartéis de século no que a ocupação do território se processou ali democratica-
miolo setecentista, a classe dos mineradores viverá também a mente. Muito mais, sem dúvida, do que a das áreas açuca-
66
) sua era de ouro. A nobreza da terra, os 'homens bons' da lide- reiras."
.\ rança municipal, os poderosos régulos das terras minerais,
. os Sem o apoio dos vastos latifúndios, igualando a todos na
/ ricos pais que irão mandar seus filhos a doutorar-se em Coim- imprevisível aventura do ouro e dos diamantes, fortemente
\ bra, bacharelar-se com os jesuítas no Rio de Janeiro ou orde- concentrada em núcleos urbanos e desenvolvendo amplamente
\ nar-se em Mariana, serão pertencentes à classe mineradora. a miscigenação e um relacionamento pouco usual com a escra-
Nela, porém, logo se dividiriam dois grandes grupos, o dos varia, a sociedade das Minas ofereceu, efetivamente, um qua-
J, proprietários das minas e o dos que 'vivem de minerar', pare- dro democrático que se diferenciou de todos os demais no B ra-
z:_ cendo-nos estes gente assalariada, trabalhando alõfnais ou sil e que marcou o ciclo do ouro com um novo vigor e urna
garipando aqui ou ali.( ... ) força inesperada, que se refletiriam, também, na grandiosa e
flA (/.~ variada produção do Barroco Mineiro.
f',...,. t.,.( ' ReinoO cinge-se
papel exercido pelos poucos funcionários Qúblicos do
à sua presença, igualmente restrita, em dois
setores, ou melhor, em um só - o da arrecadação dos quintos
f\'S~~ - em que comparecem como fiscais da Real Fazenda ou como
~µ soldados para garantir a segurança ... da arrecadação". 65 Religião
~-Essa situação, já com definitivas características de estabi-
lidade, permaneceria até o final do século XVIII quando, com
a exaustão das minas, diminuíram sensivelmente todas as ati- São por demais conhecidas as !igacões de Portugal e da
vidades e houve um êxodo das populações que se voltaram Espanha com a Santa Sé e as vinculações de suas famílias
para outras regiões . Como não é de mais específico interesse o
(66) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. História Geral da Civilização Brasileira
(A Época Colonial) (Tomo 1, 2? v.). São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1973,
(65) Carrato, José Ferreira. Op. cit. , p. 7-8. p. 282.
52 SUZY DE MELLO BARROCO MINE IRO 53

reais com o Vaticano que, inclusive, atuava como mediador 1111 l ~111r de seu território os jesuítas. Mas os homens da so-
nas questões referentes à possessão dos novos territórios des- eram mais fortes do que os das botas de couro:
--t''l~
1 11 1111 n eg r a
cobertos na época das grandes navegações, nos séculos XV e l1Htll111ivttm a mulher do senhor por meio da confissão, domi-
\ \)\~s'~"" XVI, como ocorreu com o famoso Tratado de Tordesilhas 11 111•11 111 o filho através do colégio. Puderam assim, apesar das
1l\°1l\ que, para corrigir injustiças de arbitragem do Papa Alexandre ll ~ p1 ll tlS e das queixas recíprocas e mesmo apesar das expul- 67
VI, dividiu praticamente o mundo entre as duas nações em ' '• 111odelar um pouco o Brasil segundo a sua vontade".
1494. M as , se esse estado de coisas perdurou no litoral - pelo
A par da solução de tais problemas, a Igreja Católica par- 1111 1111s até 1759, quando os jesuítas foram expulsos do Brasil
l
tdJ V!AN... ticipava ativamente da colonização das terras recém-descober- 11111 111·dcrn do Marquês de Pombal -, nas Minas a situação
'-f O 'O tas dentro do ~írito da Contra-Reforma que visava ~e­ 11111 he m diversa desde as primeiras descobertas auríferas das
quese dos gentios que habitavam aquelas paragens até então q1111ls, aliás, participaram alguns p~dres, como foi mencio-
' desconhecidãS: Nessa empreitada lançaram-se tanto as or- 11111h e ntre as turbas de minerada.res que chegaram para a
dens religiosas já mais tradicionais - como os franciscanos, 1 plllt'nção do ouro era natural que se incluíssem religiosos 1
por exemplo - quanto a Companhia de Jesus, criada por Iná- 111111 11cm sempre respeitavam as autoridades eclesiásticas ~=--
15'~1J cio de Loiola em 1540, esta ainda com maior fervor e ef1penho 111 1hH'CS mas, antes, foram também contaminaaõSpaã;mbi-
por ter na conversão dos infiéis uma de suas principais-- - - \metas.
-- 111 tios riquezas materiais. Foi a eles que Antonil se referiu
Por outro lado, era extremamente vantajosa a presença 111111 11do registrou que "até os bispos e prelados de alguma re-
dos religiosos nas áreas em fase de colonização, pois não só llHIOo sentem sumamente o não se fazer conta alguma das cen-
fundaram conventos e colégios, promovendo a educação cat6- 11111s para reduzir aos seus bispados e conventos não poucos
ucae1mpondo regr-as de comporta~ento ético e mõrarcomo 1 lt1tlHôS e religiosos, que escandalosamente por lá andam, ou
também contribuíram parã a estabilização dàs põVôãÇões e Il i(IS 1ll t as, ou f ug1•t•lVOS " •68
até mesro'o, pe. los seus c9.lli!~~imen. tos de estabilidade e técni- Não demoraram, porém, as providências de Lisboa con-
1 c~~~us::!f,u&._ã.Q,~ colaQ_oravam e~ o~t~a~~~!icaç_ões de im-
portancia. ·
ln1 os religiosos que , como os demais mineradores, se rebela-
~ 111 11 contra o pagamento do quinto e se envolviam no contra-
· -Assim, a atuação de missionários no Brasil colonial foi l11111do de ouro , participando inclusive de perturbações da or-
uma constante mas estes, além da participação religiosa que d1 111 e se envolvendo na "Guerra dos Emboabas". Já em 1711,
lhes era natural, também se imiscuíam na colonização sob di- 1111111 Carta Régia recomendava ao governador Antonio de Al-
171J
versos aspectos menos interessantes sob o ponto de vista do lt 11 q uerque: "ordeno-vos, que não consintais que nas Minas YVl iYi i.,,
dominador português, como a luta dos jesuítas contra o apre- 1 ~N ls la frade algum, an~s lance fora_t~d.Qs _por f()r_ç~_Q.!!... ~ cl..t
same~to dos indígenas g_ara o"Trãba~r~m disso, o 69
11ICncia.: se por outro modo não quiserem sair" . Diversas f'te-d..,v,
envolvimento dos religiosos em outras questões políticas e, 11 11 IrtlS Cartas Régias chegaram às Minas exigindo a expulsão
mesmo sua influência nas famílias, moldandg_opiniões e com- d11s religiosos, sempre em termos categóricos e enérgicos que
portamentos; nem sempre do agrado da administração do , 111 nada pareciam emanar de um rei católico, como a que foi / 72 /
1 ' além-mar, traziam notórios transtornos. Mas, apesar disso, d11 lada de 1721: "para não se consentirem nas Minas religio- ) rnUtÚU

\ (_ 1 f sua presença era marcante: "Tomé de Souza ch_egou com seis


_.~uítas e, como dissemos hoÜve no Brasif duas colonizações,
dos con"guistadores de terras e a dos conquistadores de al~as.
As duas conquistas, no entanto, nunca se harmonizaram bem .
111'1 de qualquer religião que seja por ter mostrado a experiên-
1 111 o grande prejuízo e perturbação que nelas fazem". Dessa
rul."f:J:!:
~
. .:i,
.~
IY>'liV>t 4.

J Os conquistadores de terras tinham necessidade de mão-de- (67) Bastide, Roger. Op. cit., p. 25-6.
) obra indígena e os jesuítas tomaram a defesa dos índios. As (68) Antonil , André João. Op . cit., p . 194.
(69) Vasconcellos, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais (J 703-1720) ,
câmaras municipais do Maranhão e de São Paulo chegaram a "v . Ri o de Janeiro, INL-MES-Imprensa Nacional , 1948, p.201.
,..,
é}rt,
Ç r 54 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO
o~ JJI_ ~·
55

f''.Jr1 ' . tempo, imaginosa e prática - são fundadas as Ordens Ter- 1 IZ.J11
s.tW· (~ forma, apenas a presença de padres seculares seria tolerada
~t no território mineiro. ceiras, as Irmandades e as Confrarias que, previstas 12elas leis
~ Se, nas atividades de mineração, os religiosos causavam canônicas, atenderiam não só aos anseios católicos quanto a ~
problemas à administração colonial, também por um outro .•ri uma hierarquização social das populações que, embora dife-
rJ;) 1 motivo importante o rei de Portugal os desejava afastados das AAA ô •
rendadas racialmente, se igualavam na grande aventura do
f'f't:;;.
~ 1 regiões do ouro e dos diamantes: sem a informação mais pre__- ouro.
Ê importante, entretanto, relembrar a classificação das
ov:? l.h-9--' cisa das ordens religiosas, o Vaticano não teria conhecimen_!o
Cfi'll/lo ~al dõs tesouros aqui encontrados para fazer m~iores reivin- ordens religiosas para o mais completo entendimento dessa
organização tão peculiar. Dentro das chamadas "Ordens"
em voto, a "primeira" é a dos "frades professos, que l <;: rJn.
dicações junto à Coroa Portuguesa. Fica, assim, proibida nas
Minas Setecentistas, a presença das ordens religiosas o que, -
imediatamente, resulta na sua primeira grande diferença com vivem em comunidade claustral e fazem votos e étuos"; as
as áreas litorâneas pois não são, portanto, construídos os freiras, que têm essas mesmas carâcterísticas, constituem a Oil 2~
grandes conjuntos de colégios e conventos que já, então, mar- "segunda" e, finalmente, nas chamadas "Qrdens Terceiras"
cavam as vilas estabelecidas ao longo de toda a costa brasi- incluem-se os "leigos, homens e mulheres, solteiros, casados e
/1 viúvos~ue, co°I1gregados sob uma mesma devoçao, fazem no-
11 h ( leira. Como escreve Carrato: "a Igreja Católica tivera dois fi- 72
1 lhos - o hospital e o convento. Em Minas Gerais ela foi órfã
~ viciado e profissão".
1
!k'-t desses filhos: afora da ajuda que deu na fundação das Santas _;_ Ainda segundo os cânones referentes às Ordens Tercei-
ras, Irmandades e Confrarias existem, basicamente, as se-
t'-"" Casas de Vila Rica, de São João del Rei e de Sabará, e na Z 3
73
criação de Recolhimentos (não conventos, que não foram per- guintes diferenciações:
1;J1 ~ mitidos nas Minas Coloniais) de Nossa Senhora da Conceição J-
&:0 fM de Macaúbas e do Vale das Lágrimas, não há notícia de ou- 2- ._ Qrdens T_er.c_eiras: Constituídas pelos que, sob a orienta-
,9 tras obras da lgrejáMineira setecenthla senão as da constru- ção de uma ordem, procuram chegar à perfeição
ção de igrejas" .70 l , cf; f'!I J ~ cristã tanto pela sua maneira de viver quanto pelas
{ Entretanto, sendo o português um povo de grande fervor J.. w, suas orações. Quando uma Ordem Terceira Secular
católico e sendo a atividade mineradora tão sujeita aos azares '~ ~~ ui-' it é subdividida em várias associações, legitimamente
da sorte, era natural que, também na Minas, fosse procurada a ~ ,,.. ..... constituídas, cada uma destas é chamada "lrman-
proteção de seus santos padroeiros e de suas devoções mais ca- /., ~.1 l/rvi ·~ dade de Terceiros".
ras. Aliás, essa religiosidade já começara "nos primeiros atos flf ~ Confrarias_: As associações de fiéis criadas visando obras
de devoção do bandeirante que chega, diante do seu altar por- A. d '5'ê23ã..ê. pieda~ ou caridade são chamadas "pias uniões··
tátil, onde, sobre a pedra de ara, o capelão do grupo andejo wJ1/_,, ~ JA, que, se constituídas em organismos, passam a ser as
f celebra a sua missa cotidiana ou domingueira; em seguida o &-n{i&. llA~ "irmandades". Quando as irmandades se dedicam,
fluxo religioso aumenta nas capelas e nos curatos, que se vão ~ ovi- particularmente, ao incremento do culto público, se

estabelecendo nas ribas dos ribeirões de ouro, abrindo a vida ;.:,,. h ~ ~ V2-1~ d~inam "confrarias '.
mais estável dos arraiais, muitos deles anunciadores das pro-
vações definitivas, promovidas, as melhores, a vigararias, sob Em certos casos, as irmandades podem agregar a si ou-
as vistas fiscalizadoras dos 'visitantes' diocesanos". 71 tras do mesmo tipo tendo, então, o título de arquiconfrarias.
~--:' Diante, porém, da situação de fato da proibição das or-
dens religiosas em Minas, a solução adotada é, ao mesmo (72) Martinez, Socorro Targino. Ordens Terceiras: Ideologia e Arquitetura.
Dissertação para Mestrado em Ciências Sociais, Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1979, p. 11.
(70) Carrato, José Ferreira. Op. cit. , p. 41. (73) Salles, Fritz Teixeira de. Associações Religiosas no Ciclo do Ouro. Belo
(71) Carrato, José Ferreira. Op. cit. , p. 27. Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1963, p. 16.
li SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 57

1>estas agremiações religiosas leigas são mais importantes as 'Í dois agrupamentos que tampouco faziam concessões mútuas.
Ordens Terceiras, seguidas pelas Arquiconfrarias e Confra- Depois, à medida que os grupos se apuraram mais em sua
rias .
própria definição, inclusive pela escolha de atividades profis-
Ê válido, também, esclarecer que as "Ordens religiosas sionais mais específicas, transformaram-se quase em similares
que podem ter uma Ordem Terceira são os Premonstratenses, das corporações de ofício medievais ._ E finalmente expandiram
os Dominicanos, os Franciscanos, os Carmelitas, os Eremitas suas atividades de tal forma que englobaram tanto o culto reli-
de Santo Agostinho, os Mínimos, os Sérvitas, os Trinitárias e gioso como promoveram a recreação e diversos tipos de tra-
os Mercedários". 74 balhos assistenciais que incluíam desde o pagamento de pen- 1
Sem a presença, portanto, das grandes Ordens e congre- sões a viúvas e aposentados quanto o empréstimo de dinheiro
gações religiosas predominantes no litoral e que incluíam ain- a juros.
da os beneditinos e os jesuítas, a religião nas Minas se alicer- Afonso Arinos de Melo Franco, citado por Fritz Teixeira
çou nas Ordens Terceiras, nas Irmandades e nas Confrarias de Salles, resumiu muito bem a sua ·ação: "As irmandades .1
que foram organizadas desde o início do século XVIII e tive- eram organizações associativas de càráter complexo, apesar i 'tf'
ram o maior incentivo da Coroa Portuguesa pois, conside- do fundo religioso. Tinham qualquer coisa ·de cooperativa, do
rando o estreito vínculo Estado-Igreja, podia ser transferido clube recreativo, da associação cultural e artística e do sindi-
76
"ao próprio povo, isto é, aos mineradores, comerciantes e es- cato ou agremiação de classe dos nossos dias". E a essas
cravos, os encargos tão dispendiosos de construir os grandes atribuições impuseram-se outras - principalmente nas déca-
templos, os cemitérios, etc. Todos os complexos e caros ceri- das de 1760-70, quando o ouro escasseava e a vida se tornava
moniais do culto religioso eram, desta forma, transferidos à cada vez mais difícil - como a de manter enfermeiros e
população. Em virtude disso, tanto à coroa como ao clero in- mesmo hospitais e asilos em um esquema bastante semelhante ) -1
teressava muito o desenvolvimento das ordens terceiras e con- ao da previdência social da atualidade. 77
frarias. A população, por sua vez, encontrava nestas corpora-
ções uma estrutura eficiente e legal, uma forma orgânica para
Ainda diretamente ligada ao seu aspecto social estava a
escolha do padroeiro. "Os fiéis , seguindo espontaneamente as
+
--'

expandir suas necessidades ou reivindicações coletivas. E en- suas devoções, organizavam-se nas agremiações das suas in-
tão vemos a irmandades não só lutando umas contra as ou- vocações prediletas. A propósito destas preferências consta-
tras, como também trabalhando para prestar aos seus filiados tamos o seguinte, como uma constância no interior de Minas:
pronta e vária assistência. Com o aumento do poderio econô-
Carmo, São Francisco, Nossa Senhora da Conceição, Pilar,
mico dessas corporações, a coroa começa a restringir os seus
Santíssimo Sacramento, Arq. São Miguel, São Pedro dos Clé-
direitos, ou, pelo menos, as suas possibilidades de enriqueci-
mento". 75 rigos, Santana, Senhor dos Passos, etc., eram de brancos; ir-
mandades de pardos: Nossa Senhora do Amparo, Ord. 3~ de
A atuação das Ordens Terceiras, Irmandades e Confra-
rias iria, portanto, ultrapassar as suas funções religiosas e ca- São Francisco de Paula, São José Dos Bem-Casados, Pardos
ritativas básicas para alcançar um universo muito mais abran- do Cordão. De pretos: Rosário, São Benedito, Mercês, sendo
{ gente e complexo. Primeiro, formavam -se com__grupos raciais que o compromisso desses expressa que eram pretos crioulos
(o qu~ significa que eram nacionais) e Santa Efigênia". _j
78

~dos - brancos, mulatos e negros - que não admitiam a


E evidente, pela listagem acima, a identificação das clas-
intromissão de outros elementos e sendo muito rígidas nessas
ses e mesmo da5 raças com a invocação escolhida ainda que,
°Q9sturas.. Se mulatos ou negros não eram aceitos nas associa'.:.
no caso das organizações de brancos, sutis diferenças fossem
ções dos brancos estes também seriam recusados pelos outros

(76) Salles, Fritz Teixeira de. Op. cit. , p. 120.


(74) Martinez, Socorro Targino. Op. cit., p. 13. (77) Martinez, Socorro Targino. Op. cit., p. 15.
(75) Salles, Fritz Teixeira de. Op. cit., p. 27. (78) Salles, Fritz Teixeira de. Op. cit., p. 19
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 59

lli111b6m levadas em conta. Tal ocorria, por exemplo, com a tra, lembrando, não raro, uma espécie de concorrência ou (
l 1'111andade do Santíssimo Sacramento que sempre se insta- emulação entre dois clubes ou associações em determinado
lava nas matrizes e reunia a classe afluente dos comerciantes meio social. Esta rivalidade influiu, como se sabe, na gran-
enquanto as duas maiores Ordens Terceiras - a do Carmo e a deza de nossa arquitetura religiosa tradicional, pois a cons-
de São Francisco - dividiam entre si as famílias mais tradi- trução de uma igreja despertava - na outra ordem - o inte-
.cionais havendo, porém, uma tendência da intelectualidade e resse de realizar outro templo mais belo . E quem ganhou com
da aristocracia para a franciscana e da mais rica burguesia a disputa foram os artistas, como Ataíde e Antônio Francisco
para a carmelita. Lisboa." 80
E, embora houvesse em muitos casos sindicâncias para Por essas peculiares condições de desenvolvimento do
aprovação dos membros, a organização das Ordens Terceiras culto católico, o Barroco Mineiro apresenta não só uma sin-
e Irmandades era, em geral, muito democrática, principal- gular exemplificação de capelas e matrizes como uma riquís-
mente na formação de suas " Mesas" diretoras ou de adminis- sima arquitetura religiosa que aqui foi, acima de tudo, um
tração, que mantinham detalhados registros de todas as suas empreendimento coletivo, único no-Brasil. Os padres, nas Mi-
atividades nos livros de Termos, de Receita e Despesa e de nas setecentistas, são apenas como "funcionários" dos fiéis já
Compromisso. que aqui se constituiu "um rebanho sem pastores" e "a ·reli-
81
\.• Foi, portanto, uma "feliz circunstância de, na Capitania giosidade se manifestava em um 'solidarismo comunitário' ".
Geral das Minas Gerais, todas as capelas e igrejas serem cus- Nesse quadro tão diverso do das demais regiões do país é for -
teadas, erigidas e adornadas pelas irmandades, e depois das çoso ainda lembrar que houve também uma grande "comple-
·'1- necessárias deliberações de suas respectivas "Mesas de Ir- xidade ética e religiosa dos mineiros, fazendo com que corres-
'-:t' mãos", constituídas democraticamente, por voto, nas eleições
periódicas de cada uma dessas corporações religiosas de lei-
pondam, a penitências santificadoras, libertinagens conside-
ráveis, e a desregramentos contumazes, testamentos humíli-
gos" . 79
mos de fé" .82

~ Efetivamente houve uma imensa disputa entre as Irman-


dades para que cada uma tivesse a mais bela e a mais rica
capela. Quando os recursos eram limitados, viam-se obriga-
Ainda quanto ao aspecto da religião é interessante notar
a predominância das invocações da Virgem Maria nas igrejas
mineiras do século XVIII. Segundo Sylvio de Vasconcellos,
dos a se contentar com um altar lateral nas matrizes ou nas houve uma "preferência muito acentuada pela Virgem Maria,
capelas das mais poderosas, propiciando assim mais uma for- em suas variadas apresentações: N. Sra. da Conceição, da As-
ma de convivência democrática pois, em alguns casos, confra- sunção, do Rosário, do Carmo, etc., preferência que revelaria
rias de pardos se responsabilizaram por altares em capelas de um apreço espontâneo pela figura feminina glorificada em
brancos. Porém, a maior e mais importante rivalidade ocorreu Maria, apreço muito valioso (ou mesmo justificado) quando
entre as Ordens Terceiras do Carmo e São Francisco. confrontado com a grande escassez de mulheres, principal-
"Eram duas grandes irmandades que tiveram decisiva mente brancas., na região" .
83

projeção durante o século XVIII em todas as cidades da mi- Essa curiosa e, sem dúvida, válida observação pode, po-
neração. Tão semelhantes são, em certos aspectos, que, ao rém, ser completada pelas considerações de Carrato quanto à
observador menos avisado, poderá escapar o verdadeiro con-
teúdo social das mesmas, pois este conteúdo muitas vezes
~- se identifica ou se confunde. No entanto, estas duas grandes or- (80) Salles, Fritz Teixeira de. Op. cit., p. 67-8.
(81) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial,
1 dens alimentavam pronunciada rivalidade uma contra a ou-
1968, p. 140.
(82) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p . 74.
(83) Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira. Primeiro Semi·
nário de Estudos Mineiros, Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957, p.
(79) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. Op . cit., p. 125.
68
(1()
SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 61

religiosidade típica do português que se caracteriza principal-


mente pelas " práticas devocionais externas" e que concentra qual garantia que "não há lembrança, que visse o Brazil nem
na figura da mãe de Cristo uma grande carga de fé pois, em consta, que se fizesse na América acto mayor de grandeza" .85
Portugal, " avulta extraordinariamente a devoção a Nossa Se- Outra significativa solenidade religiosa, ainda nos tem-
nhora, que é invocada sob todos os títulos (alguns até extrava- pos de mineração farta, foi o estabelecimento da sede da ad-
gantes), sle alegria e de dor, de ufania e de contradição, e até ministração eclesiástica em Mariana, a 6 de dezembro de
de certa intimidade toponímica, que Cõmove. Nãõe, porém, 1745. Como o governo civil era sediado em Vila Rica e os bis-
aquela hiperdulia obsessiva da Idade Média, de gente que se pos, considerados nobres de primeira grandeza, não podiam
apega à Mãe do Todo-Poderoso, de medo das cruéis hostili- se instalar em vilas, a antiga Vila do Ribeirão do Carmo foi
dades deste vale de lágrimas e do outro vale das sombras, elevada à categoria de cidade, com o nome de Mariana, em
aquela Senhora hierática da estatuária medieval, que apenas homenagem à D. Maria Ana, esposa de D. João V.
ampara, de longe, o Filho-Deus, do qual é ela a própria cria- "O primeiro titular, D. Frei Manuel da Cruz, então bispo
tura, mas é a Virgem Maria humaníssima, mãe como as de- do Maranhão, empreendeu por terra sua viagem até a nova
mais mães, que se abraça ternamente ao seu Menino Jesus, diocese, realizando, em quatorze meses, uma viagem de 4000
que até o amamenta em seu nicho - como aquela comove- quilômetros pelo sertão. Esta viagem, a entrada do bispo na
dora Senhora do Leite, que vimos na velha Sé de Braga - , cidade e as extraordinárias festas então realizadas, revelado-
madrinha e padroeira do maior número das mulheres de todo ras da extraordinária sensação então causada, constam do
o Reino, e quase uma namorada de todos os homens, sob o opúsculo aparecido em 1749 sob o título de Áureo Trono Epis-
título predileto de Nossa Senhora da Conceição". 84 copal." 86
Finalmente, um outro fator deve ser também notado por Mas, ainda que o "Triunfo Eucarístico" e o "Áureo
se ligar às características de exteriorização da fé que marca- Trono Episcopal" retratem acontecimentos de caráter muito
ram a religiosidade portuguesa. É o seu gosto pelas romarias, especial e que tiveram lugar no final da primeira metade do
procissões e celebrações festivas, com demonstrações de ex- século XVIII, quando já se prenunciava a exaustão das minas
tremo luxo e pompa, principalmente na fase de maior riqueza de ouro, são indicadores do gosto pela exteriorização da fé e
das atividades extrativas. A esse gosto particular se acrescen- mesmo de um caráter lúdico que seria aqui associado à reli-
tava, também, o interesse de negros e mulatos por festividades gião e que se manteria em inúmeras outras procissões do ca-
coletivas resultando, assim, no aspecto pagão e até mesmo lendário cristão, inclusive nas épocas de maior decadência da
quase carnavalesco que adquiriam as solenes comemorações mineração.
religiosas. Aliás, este gosto pela manifestação clara da fé iria se re-
Entre estas, as mais importantes foram , indiscutivel- petir em escalas diversas, abrangendo desde os pequenos "ex-
mente, as grandes celebrações da transferência do Santíssimo votos", pintados como pagamento de promessas, tão popula-
Sacramento da Capela da Irmandade do Rosário para a Ma- res nas Minas coloniais, até o vibrante enriquecimento da ta-
triz do Pilar, reconstruída em 1733, em Vila Rica. Foram dias lha e das alfaias nas construções religiosas mineiras. Assim, a
e dias de procissões e festejos que incluíram figurantes rica e religião vai conferir à arquitetura do Barroco Mineiro carac-
originalmente fantasiados, apoteoses e músicas relatadas pelo terísticas muito peculiares e variadas que englobam tanto a
cronista da época - Simão Ferreira Machado - que publi- decoração interna dos templos quanto a constante disputa das
cou, em Lisboa, no ano seguinte, um curioso texto sobre o Irmandades para a construção de maiores, mais belas e mais
grandioso evento com o título de "Triunfo Eucarístico" e no ricas capelas. Por tudo isso é que "à margem dos caminhos,
em praias de ribeirões e outeiros de montanhas, ficaram plan-

(84) Carrato, José Ferreira. Op . cit . , p. 32. (85) Apud, José Ferreira. Op. cit., p. 33 .
(86) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. Op. cit. , p . 65.
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 63

l11 dos, porém, e imperecíveis, os testemunhos da fé, da cora- sem margens, ou se esconde em encostas íngremes de grande
m e da capacidade dos mineiros. Pois que, em meio a uma altitude. As elevações que não ultrapassam, mesmo no pla-
natureza agreste, ávara, rude, isolados e entregues à própria nalto paulista, os 600 metros, nas Minas atingem os 1000,
sorte, souberam eles construir um mundo de maravilhas, no muito acima da média encontrada em Portugal. O chão é
qual germinariam as sementes mais férteis da sensibilidade duro, áspero, a terra vegetal apenas recobrindo, como uma
artística da gente brasileira". 87 pele fina, o minério de ferro compacto e as estéreis rochas
quartzíticas. A floresta robusta que margeia o oceano se re-
torce em carrascais intrincados, que só adquirem maior de-
senvoltura em manchas esparsas do território aurífero. " 89
Outros aspectos Daí terem se implantado as primeiras vilas justamente
nos vales e nas encostas que, mesmo de topografia difícil, con-
centravam os ricos depósitos aluvionares do ouro, dos quais
Com todas as suas peculiaridades e na complexidade de não convinha ficar distante. A essa "evidência, porém, Sylvio
seus múltiplos aspectos, as Minas Gerais oferecem um amplo e de Vasconcellos adiciona uma inesperada observação: "Além
fascinante campo de estudos no qual diversos fatores intervie- do condicionamento imposto pelo ouro, a preferência pelos
ram, muitos deles condicionando diretamente sua arquite- altos pode também ter suas origens nas tradições castrejas
tura, outros influenciando-a de forma menos evidente. Mas do imigrante branco e no apreço pelas alturas demonstrado
todos sempre presentes e determinando, de um ou outro pelo negro, principalmente quando angolano" .90 Efetivamen-
modo, as soluções construtivas que na região foram adotadas. te, preferindo as acrópoles como defesa natural para suas
Apenas como uma referência final, é importante consi- aglomerações, o colonizador branco assim as implantou no
derar as principais condições do clima e da geografia das Mi- litoral (como Salvador e o Rio de Janeiro), mas, nas Minas,
nas, que também afetaram sua maneira de construir e que são essa preferência parece ter sido uma coincidência maior, já
bem diversas das características litorâneas e do meio ambiente que o ouro se escondia nas grandes altitudes e nos relevos mais
português, de onde tantos de seus povoadores se originaram. difíceis.
No geral, a área do planalto centro-meridional brasileiro, Na região dos diamantes, o quadro se repete. "Diaman-
onde se localiza Minas, tem um "clima temperado pela alti- tina é o extremo norte do ouro, voltada para os sertões do
tude, solos férteis e bem regados por chuvas regulares e um Nordeste. Em sua volta o deserto, só humanizado pelos cami-
sistema hidrográfico normal - ao contrário do interior nor- nhos do Sul, que alcançam o Serro, pelo Jequitinhonha, que
destino semi-árido, onde a maior parte dos rios é de curso corre para o desconhecido, e pelo São Francisco, distante, de
intermitente. Finalmente, o planalto brasileiro encerra abun- onde provêm boiadas. Poucas povoações balizam a estrada
dantes recursos minerais". 88 nascida na corte, Itabira, Conceição, Itambé. As que ficam
Mas sua parte mais setentrional e que corresponde mais mais ao Norte não são mais mineiras: recolhem-se às barran-
91
exatamente à região ocupada por Minas é caracterizada por cas do grande rio, baianas e pastoris. " Dentro de uma pai-
grandes altitudes e relevo acidentado, em contraste com a sagem tão peculiar, inóspita freqüentemente, foi necessária ao
costa, mais plana e de clima bem mais quente e úmido. O solo colonizador uma capacidade de adaptação talvez ainda maior
favorece a agricultura, que ali é rica em abundantes safras. do que a que o levou a enfrentar as elevadas temperaturas
"Já o ouro prefere os vales profundos e estreitos, praticamente
(89) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial ,
(87) Vasconcellos, Sylvio de. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o 1968, p . 37-7.
Aleijadinho . São Paulo, Cia. Ed. Nacional; INL-MEC, 1979, p. 8. (90) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 42.
(88) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 10. (91) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 54 .
(14 SUZY DE MELLO

tropicais de outras áreas. E a essa mesma paisagem se adap-


tar, nela se integrando tanto quanto possível. "Por outro lado,
os altos permitem descortino, facilitando orientações, e ame-
nizam os desníveis, inevitáveis quando se atravessam vales su-
cessivos . Tudo leva, nas Minas, ao amor pelas cumeadas. O
relevo principal da região tem sua base na Serra da Manti-
queira, que se prolonga para o norte em dois braços que mol-
duram o Rio São Francisco - um deles, tendendo para o
leste, deita-se às margens do Jequitinhonha, nas alturas de
Araçuaí; outro, inclinando-se para oeste, alcança Paracatu.
São eles que definem a penetração, e não os vales que os sepa-
ram. Neles se localizam as Minas." 92
Ê assim a geografia da área desenvolvida pelo ouro e que
marcaria a implantação das aglomerações e muitas das solu-
ções construtivas adotadas.
As vilas do ouro
Essa relativa uniformidade da geografia do ouro altera-se
um pouco, porém, quanto ao clima que, embora temperado e
agradável, em geral apresenta algumas variações. A região de "Eu vi a cidade s6bria
Ouro Preto e Mariana, por exemplo, é bem mais úmida, com Medida na eternidade,
maior constância de chuvas e sujeita a densas neblinas. Já em Severa se confrontando
À cinza das ampulhetas,
Diamantina e no seu entorno, o ar é mais seco e o sol mais Sem outro ornato apurado
quente, mesmo que as noites se façam amenas ou até frias. Além da pedra do chão.
Para o sul, o leste e o oeste da região do ouro e dos dia- Eu vi a cidade barroca
mantes as Minas têm um relevo mais uniforme e menos abrup- Vivendo da luz do céu. "
to e o solo é fértil, favorecendo.a pecuária e a agricultura. Mas Murilo Mendes(1954)
são áreas diferentes que só viriam a ter importância depois de
esgotadas as minas. Daí suas diferentes características de de-
senvolvimento pois "se a montanha condiciona romantismos, A arquitetura não pode, porém, ser dissociada do es-
fantasias, barroquismos, os largos horizontes das pastagens paço físico no qual se insere e se organiza - <> aglomerado ur-
enchem-se de luz e alegria" pois, nas montanhas, "os hori- bano, em especial - que lhe confere peculiares condiciona-
zontes são curtos, breves, sombrios, e só o céu compensa a mentos e específicos determinantes que se vinculam a variados
ausência do mar, inatingível, reduzido a uma saudade angus- aspectos como a topografia dos locais e a predominância das
tiante, sem fim". 93 atividades econômicas neles exercida, além de - na época do
Brasil Colônia - se prender, ainda, a critérios então vigentes
para as urbanizações. Entre esses critérios incluíam-se, por
exemplo, a preferência pelos sítios mais elevados que favore-
ciam, naturalmente, melhores condições defensivas.
Em muitos casos, porém, a preocupação de defesa era
também ampliada com a construção de fortes e fortalezas,
(92i Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 43. além de outros elementos militares como baluartes e baterias,
(93) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 59. e por muros que não só completavam os esquemas estratégicos
BARROCO MINEIRO 17

nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro nem o vi-


mos".(. .. ) 2
Assim, os primeiros séculos da colonização portuguesa
no Brasil refletiram uma frustração básica ainda que, econo-
micamente, tivessem ensejado rendosas atividades na extração
de especiarias e corantes (principalmente o pau-brasil) e, a
seguir, motivado o estabelecimento dos engenhos de açúcar no
litoral nordeste. Dessas empresas, mesmo que os corantes na-
turais levados para a Europa abastecessem os teares de Flan-
dres, a economia açucareira se desta.c ou pelo alto valor do seu
Condicionamentos produto: - o açúcar chegou mesmo a ser "artigo de grande
raridade e muita procura; até nos enxovais de rainhas ele che-
gou a figurar como dote precioso e altamente prezado". 3
~ecíficos Não é nossa meta detalhar as etapas da colonização do
país mas apenas relembrar os dados mais importantes para
um entendimento global do quadro civilizatório brasileiro em
seu início que, sob o ponto de vista econômico, apoiou-se nos
"Nem há pessoa prudente que não confesse haver Deus permi- ciclos do pau-brasil e da cana-de-açúcar, enquanto eram ten~
tido que se descubra nas minas tanto ouro para castigar com tadas inúmeras formas de fixação de grupos estáveis, desde as

l
ele ao Brasil . .. feitorias e entrepostos até o estabelecimento das capitanias
Antoni1(1711) hereditárias visando, igualmente, à mais efetiva proteção do
território contra as incursões de piratas.
Porém, de uma forma ou de outra, o litoral permanecia
r b esde a descoberta do Brasil que os portugueses se res- como a área de maior interesse e de mais constante presença .·
sen 1am de sua evidente falta de sorte em comparação com os dos portugueses, a ponto de Frei Vicente do Salvador, nosso thS~
~spallhóis, que logo encontraram minas de ouro e prata nas primeiro historiador, criticá-los pois "que sendo grandes con- rt1r
erras em que desembarcaram na América. Ainda que o flo- quistadores de terras não se aproveitam delas, mas conten-.
resc~ht ' · com a A-f nca
~... e comercio · e O nen
· t e - com especia· 1 d es- tam-se de as andar arranhando ao longo do mar como caran-
taqu~ para a Índia - os fascinasse pela variedade de produtos guejos, em sua clássica e exata observação. Entretanto, não
coma
d mar f"im, ouro, especiarias
· · e escravos 1 t o d os os navega- foram poucas as expedições que se aventuraram para o inte-
f'ore.s sonhavam com as lendas do Eldorado, de inúmeras e rior, enfrentando não só os índios e animais ferozes mas as
acei~ riquezas, sendo válido destacar a pouco divulgada ob- densas florestas e os obstáculos naturais que eram constituí-
~rv:Jão de Pero Vaz de Caminha na sua famosa carta ao Rei dos pelas Serras do Mar, da Mantiqueira e do Espinhaço.
V· '"'l&nuel, datada "deste Porto Seguro, da -vossa Ilha de Quase sempre incentivados por ordens reais, muitos grupos se
er~ C:ruz, hoje, sexta-feira; primeiro dia de maio de 1500" embrenharam pelo sul da Bahia e pelo norte do Espírito Santo
que em mostra a preocupação dominante: à procura de metais preciosos. Entre esses, podem ser citadas
( ·, .) "Nela, até agora, não pudemos saber se há ouro,
(2) Gasman, Lydnéia. Documentos Históricos Brasileiros . Rio de Janeiro,
FENAME - MEC, 1976, p. 23.
p( l ) Prado Júnior, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, (3) Prado Júnior, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo, Bra-
1967 , . l..s. siliense, 13!' edição, 1973, p. 28.
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 19
18

as "entradas" de Martim Carvalho (antes de 1568), as de Se- reconhecida resignação à condição servil, o qut: não acontecia
bastião Fernandes Tourinho (anteriores a 1573) e de Antônio com os silvícolas:lâ para os portu gu-eses o motivo era bem
Dias Adorno (1574), que chegaram a alcançar os rios Jequiti- mais ambicioso: - nos territórios colonizados pelos espa-
nhonha e Doce, na região leste de Minas, retornando "com nhóis , as dificuldades para exploração das minas, não só pelas
interessantes amostras mineralógicas".
4
técnicas mc1piêífte~_<:.Q!!l.9 12elas süãs Eró~riãs ~ c.s.rnçtwsJicas
Embora os dados sobre tais descobertas tenham interpre- geolõg1cas (millas pr~fimdas), criaram uma situação crítica.
tações próprias e diversificadas para os historiadores, parece PõrtantO, " ã dlmínufçã~ da produção do ouro e da prata da
certo que o ouro e a prata tão ambicionados não haviam se América Espanh,olãifão- ãpenãs-e'"hfraqueceu a J?!~p.r.ia_:Esp_~­
_llha mas gerou ~leJl!aS e.!!1 toda a Euro~~l'!_!"edu,ção do
-·----
tornado realidade e as cobiçadas esmeraldas eram apenas tur-
~-
matinas de menorv_alor. Ainda assim, tornara-se óbvio que nas
..... estoque de numerário em disponibilidade no Velho Mundo,
terras dos portugueses jaziam, sem dúvida, tesouros valiosos o
fãiisformando sé~ulo XVII num período de "fome monetá-
cuja pesquisa carecia ser aprofundada. ria", com uma St?PsiveLbaixa _n9s preços e _um pequeno índice_
01 f". Mais diretamente, porém, dois aspectos primordiais iriam de crescimento econômico". 5
modificar esse quadro, revitalizando as incursões para o infê- - Paraêompleta-r·a-difícil situação, se o ano de 1640 mar-
nor - principaiiiiênte na atual área de Minas Gerais, e, cou a chamada Restauração da Coroa Portuguesa, após ses-
ainda, para as regiões de Goiás e Mato Grosso - e tornando senta anos de domínio espanhol, também o período seria de
as expedições mais bem montadas e numerosas. O 'pr imêfro outras e maiores dificuldades econômicas para Portug~l. com
:)
deéorreu da qµ~da-.JlQ_çQ!!1~rc_io ~~~c~r~i~o português na su- a hegemonia do comércio das Índias passan_do 12.ara a Holanda
ropa, em meados do século XVII, quando os holandeses ôrga- e o surgimento aeãinaã mais graves problemas financeiros
'fiizà ram vastas plantaçõ~s- de cana-de~~J!a.S Au!ilhàs para o país que, no sistema mercantilista vigente, sofria uma
que, mais próximas da Europa, tinham sua produção vendida de suas maiores crises.
com fretes reduzidos e preços mais compensadores. Nesse complexo quadro, a única saída seria uma explo-
2., O segundo foi motivado pela ampliação do chamado "ci- ração maior do Brasil e, em particular, das riquezas do seu
clo das bandeiras de apresamento" - ou de caça aos índios - solo, eminentemente concentradas no interior, principalmente
que, mesmo antes da chegada de Martim Afonso de Souza a na região central de Minas Gerais. Assim, o incentivo às ban-
São Vicente (na região de São Paulo), em 1532, já tinha sido deiras e as recomendações para que procuras"Sêill as riquézas
iniciado visando à captura de indígenas para sua escraviza- "Sõii:nadàs tóriíaram-se cada vez mais objetivas e incisiv'ãs cÕmo
~· A essa ampliação das bandeiras, de vicentmõSe paulis tas mostram alguns trechos da carta enviada pelo Governador
primordialmente, também correspondeu uma diferente orien- Geral, Visconde de Barbacena, a Fernão Dias Pais, com data
tação: não seriam os índios a sua meta principal e sim a Ju~sca de 20 de outubro de 1671:
das riquezas.do solo_aiíida não deSbrãVado.~Isso porque outros "Agora escrevo esta em particular para dizer a v.m. a
.f~1~r\...~g:Jiii~s inte~ieram Pãraüfi'.ia revisão dos interesses grande estimação que fiz de ver o que v.m. escreveu a este
1
ft~flr.L;tanto dos bandeirantes quanto dos portugueses. Para os pri- Governo sobre o descobrimento que ... sua custa das minas de
""u
~
meiros, os índios capturados passaram a ter menor importân-
çié!_com a ampJiaÇão.!IQJráfjc9~ di es~,m-YQS--ªfricanps~ ia~a o
Sabarabuçu, e Esmeraldas que estão na altura da Capitania
do Espírito Santo, que serão ambas vizinhas. (. .. ) Pelo tanto
J.~ Brasil, cujo valor como "!ão-de-obra eraJnfüiit_'!:_mente supe- que v.m. receber esta carta, trate logo com todo o calor e bre-
!lor ao do indígena sem poder deixar de ser mencionada sua vidade possível de se pôr a caminho e antecipar o tempo a

(4) Vianna, Hélio. História do Brasil. São Paulo, Melhoramentos, 7~ edição, (5) Mendes Jr., Antônio et alii. Brasil História: Texto e Consulta . São Paulo,
1970, 2 v., p. 201. Brasiliense, 1976, v. 1 - Colônia, p. 187.
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 21
20

felicidade que considero estar guardada para o Príncipe N.S.; cluíam-se outros bandeirantes famosos como Manuel Borba i
1
e agora pode lograr por meio da diligência de v.m. e do amor Gato, Matias Cardoso de Almeida e Francisco Pires Ribeiro.
com que vejo o saber servir ( ... ) Durante cerca de sete anos uma vasta área foi explorada, a
Mas não esquecesse s.m. que a sua comissão visava sobre- despeito das febres que atacavam impiedosamente, da hostili-
tudo o engrandecimento da Coroa. Assim, agisse como vas- dade dos indígenas, da ferocidade dos animais e até de rebel-
salo fidelíssimo , que sabia ser chegando Vossa Mercê a -des- dias internas como a tentada por José Dias e, que, mesmo ..
- cobrir minas não faça v.m. mais que tirar as amostras da sendo filho natural de Dias Pais, pagou com a própria .vida.
prata e das esmeraldas, que bastem segurar com certeza infa- Aliás, Fernão Dias Pais também não retornou vivo às terras
lível que as há; porque não incorra v.m. em alguma culpa de paulistas, voltando a bandeira sob a chefia de seu filho Garcia t
que lhe resulte prejuízo, com o mesmo de que tão grandes Rodrigues Pais.
aumentos e utilidades estão prométendo a sua casa. Essa bandeira, porém, se não.·teve o êxito sonhado de
E marcando v .m. as serras, rumos, caminhos, rios, e tudo encontrar as preciosas esmeraldas ou as ricas minas de prata,
o mais que convier para deixar sem dúvida descobertas as mi- foi de indiscutível importância no desbravamento de imensa
nas, e sabida a entrada para elas, fará v.m. um roteiro, pelo àrea na região-de Minas que, a partír de entao, re cebéu ~cada
qual se possa ir guiando os que a elas voltarem sem se confun- "vez mais n ovosgrupos dê bandeirantes vicentiQ.~ sendo, final-
dir nas jornadas" ( ... )
6 mente, encontrado o ouro tão cobiçado.
Estava, assim, montado o grande cenário do ciclo do
ouro, com os bandeirantes paulistas como os primeiros perso-
iiãgêns:-M"as apenas não trariam-as riquezas das Minas Gerais
Ainda que o primeiro descobrimento seja bastante discu-
tido, há um razoável consenso entre os historiadores de que
·--~~tenha sido feito em 1693 por Antônio ~odri~ues de_Arzãp,
f', ~
só felicidades - haveF-ia ambição, revolta, traições mas, tam- segundo um depoimento da época, de Bento Fernandes Fur- ..l d.I. ')
8
bém, na complexidade e contradição das paixões humanas, a tado de Mendonça. Para outros, o responsável pela preciosa
produção de um excepcional acervo artístico e cultural. descoberta teria sido Duarte LoP-es, segundo Hélio Vianna l
~--31_,"um obscuro participa';"te da ba;dcira de Fernão Dias Pais", ,/Jf.>.t,/c.~
/ que encontrara ouro nas proximidades da atual cidade de ~-
Mariana. Com a divulgação do fato, já em 1694, outras ban-
deiras se organizaram sendo que a chefiada por Manuel de J..
Notícia histórica Camargos, da qual participava Bartolomeu Bueno de Si- '
~
queira, teria também encontrado Ouro naáfêãde.........Itaverava.
~·~"

A essas e a outras versões, junta-se o interessante relato


n :;t.,

Se o desbravamento do território mineiro teve como seu


do jesuíta João Antônio Andreoni que, sob o pseudônimo de
\
grande nome o de Fernão Dias Pais, é importante lembrar
ainda que " ~houve uma d_escoberta c_as~l, mas várias des-
}
i.:~ · André João Antonil, publicou em Lisboa, em 1711, no seu
-"'? 1
famoso Cultura e Opulência do Brasil por suas Drogas e Mi-
< c_obertas simultaneamente entre os anos de 1693 e 1695, em
locais diversos e como resultado de pesquisas e buscas inten- ~ / nas:
"Há poucos anos que se começaram a descobrir as minas
7
._ sas". gerais dos Cataguás, governando o Rio de Janeiro Artur de
Em 1674 a bandeira de Fernão Dias Pais deixou São
Sá: e o primeiro descobridor dizem que foi um mul~~ que
Paulo seguindo na direção nordeste e alcançou a região do
'" tinha estado nas minas de Paranaguá e Curitiba. Este, indo ao
Vale do Jequitinhonha. Entre seus inúmeros componentes in-
sertão com uns paulistas a buscar índios, e chegando ao cerro

(6) Gasman, Lydnéa. Op. cit., p . 67. (8) Vianna, Hélio. Op. cit., p . 290.
(7) MendesJr., Antonioetalii. Op. cit., p. 230.
ou
-. . n \h~ - tpi'
Hlf.- l9 t.i.'t , '~
f 22 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 23
-'fe\~·
TriI>l.!i desceu abaixo com uma gamela para tirar água do ri- "Gastam comumente os paulistas, desde a vila de São
beiro que hoje chamam de Ouro Preto, e, metendo a gamela Paulo até as minas gerais dos Cataguases, pelo menos dous
na ribanceira para tomar água, e roçando-a pela margem do meses, porque não marcham de sol a sol, mas até o meio dia, e
rio, viu depois que nela havia granitos de cor do aço, sem
quando muito até uma ou duas horas da tarde, assim para se
saber o que eram, nem os companheiros, aos quais mostrou os arrancharem, como para terem tempo de descansar e de
ditôs granitos, souberam conhecer e estimar o que se tinha buscar alguma caça ou peixe, onde o há, mel de pau e outro
achado tão facilmente, e só cuidaram que aí haveria algum qualquer mantimento. E, desta sorte, aturam com tão grande
metal não bem formado, e por isso não conhecido. Chegando, trabalho" .12
1~~ po~ém, a Taubaté, não deixaram de perguntar que casta de Mesmo assim, imenso era o número de aventureiros que
µ.: -=fiietal seria aquele. E, sem mais exame, venderam a Miguel de se dirigiam para a região, ávidos por um enriquecimento fácil
Souza alguns destes granitos, por meia pataca a oitava, sem
e rápido, apesar de já prevalecer a cobrança do "quinto" so-
saberem -eles o que vendiam, nem o- comprador que cousa
bre o ouro, um im osto previsto nã"Sõrdenações Filipinas,
comprava, até que se resolveram a mandar alguns dos gra-
nitos ao governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá; e, fa-
9
zendo-se exame delas, se achou que era ouro finíssimo." --/-
que reservava à Real Fazenda a quinta partedo met~l encÕfi:"
~------
trado em terras da coroa portuguesa. Havia, porém, tanto
----
contrabando (nos chamados "descaminhos do ouro") além de
Na turbulência das descobertas sucessivas do ouro, ou-
sonegações de todo o tipo, que foi criado, em 18 de abril de
tros nomes ficaram registrados na história, como os de Antô- J.
1702, o "Regimento dos Superintendentes, Guarda-Mores e ~
nio Dias de Oliveira e do Padre João de Farias Fialho, na área ~
Oficiais Deputados para as Minas do Ouro". Mas essas medi- j
de Ouro Preto, do Coronel Salvador - Fernaii'des-
-
-~----...- -
Furtado de '1
Mendonça, no Ribeirão do Carmo (atual Mariana) e, no Rio
- - ,._.,._ ~- -~
das fiscais não tiveram resultados tão compensadores, visto
faltar uma definição política mais efetiva para toda a região,
~~Xelhas ,_ Manuel Borb ~JJª-to. A multiplicidade dos ricos ~ _..,,s'"""e-:-'
m~p:-:r:-:e-s=-a:---:c::-u"".dt:-i7
da p'o r 1n úmerÕS coiifllt:O s;JiãtlirãisnãS"fum ul-
àchados e a presença ~de perigosos índios motivou a denomi-
nação da região pelo Governador do Rio de Janeiro, Artur de L
tuadas circunstâncias da época mas trazendo também eviden- \ref-'
tes prejuízos para os portugueses. Destas lutas, os episódios . . .rJl
Sá, como "Minas Gerais dos Cataguases", sendo que o mais 1
antigo registro desse nome é encontrado em uma provisão da- mais graves foram os que ficaram conhecidos como a "guerra} ~-\;
10 dos emboabas", palavra que significa forasteiro de modo ge- 'iJJ~
tada de 17 de abril de 1701.
ralou, em sentido mais específico, "ave de calças'', como refe-
Já existem, então, as Minas Gerais, mas ainda sem uma
rência ao tipo de calças (ou calções) usados, então, pelos por-
definição política mais exata, embora o citado Governador tugueses. Em resumo, porém, a designação de emboaba, en-
Artur de Sá, "cuja autoridade foi a primeira que as terras mi-
globava, genericamente, tanto os r~inóis quanto os brasileiros
neiras conheceram" ; tivesse criado a gÜarda-moria, dele- ~
11
~.vindos do Rio, da Bahia e de Perniinb'uêõVísTo qu«~. para o
gada inicialmente a Domingos da Silva Bueno e, depois, por },'.! - pã~Íistas que -desbravaram·-º -ter;ftório ~ineiro e dt:'._lç_se_son-
ordem real e em caráter hereditário, a Garcia Rodrigues Pais, 2.-<?
sideravãm dônós, eràm- os -démais t ndesejáytis intru~n~. De
filho do grande bandeirante, cujo pioneirismo foi, com jus-
dlverSás es-caramuÇas a situação evoluiu parâ choques sérios e l (ô 8
tiça, assim reconhecido.
traiçoeiras emboscadas como a do chamado "Capão da Trai- ~
Mas o acesso às Minas era longo e difícil, como relata
ção", próximo ao Rio das Mortes, quando cerca de cinqüenta
Antonil:
homens - entre paulistas, índios e mestiços - foram fria-
mente massacrados pelo "emboaba" Bento do Amaral Couti- ~
(9) Antonil, André João. Cultura e Opulência do Brasil. São Paulo, Melhora-
mentos; Brasília, INL, 1976, p. 164.
-nho..... em -,.,.,,...,.,.,.,...
~·~~
1708. Nessa altura, os paulistas viram-se forçados a
(10) Oliveira Torres, João Camilo de. Op. cit., p. 124.
(11) Oliveira Torres, João Camilo de. Op. cit., p . 124. (12) Antonil, André João. Op. cit. , p . 181 -82.
24 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 25

recuar para o sul e a região mineira ficou sob a "administra- tão, situavam-se em São Paulo, ficando a mais próxima em
-') ção" do português Manuel Nunes Viana que, originário da Taubaté, criada em 1695. 14
Bahia, transfõrmara-se em próspero minerador. ~ · -.. Coube a D. Pedro de Almeida, o Conde de Assumar, to-
- Diante desta situação de fato e bastante irregular, foi mar as primeiras providências para a efetivação das medidas
criada em 1709 uma nova Capitania - a de São Paulo e Mi- de maior rigor na cobrança do quinto, fixado em 1718 em 25
-~as d~Our~ - nãomaiSherétlífária, tendo passado também arrobas de ouro, e de instalar as primeiras Casas de Fundição
à possessão da coroa a antiga Capitania de São Vicente que, na região das Minas. Logo se insurgiram poderosos minera-
desde 1681, era denominada São Paulo. 13 Foi nomeado gover- dores, entre os quais os portugueses Pascoal da Silva Guima-
nador da Capitania de São Paulo e Minas do Ouro, Antônio l rães e Filipe dos Santos Freire, a princípio envolvidos pela
-S!.t.Albuquerque Ç.o~ho_de C~al!..alh,o, por Carta Régia datada T 15
astúcia de Assumar mas a seguir esmagados pela força do
de 9 de novembro de 1709, visando o estabelecimento de con- representante da Coroa Portuguesa que, sumária e implaca-
~ções mais ~gáv_ei~Jll:.ª o desenvolvimento polltiêõ e ecotÍÔ- velmente, ordenou o enforcamento'e esquartejamento de Fi-
mico aas Minas Gerais. lipe dos Santos, após ter sido arrastado por cavalos pelas ruas
A função básicã e primordial de Antônio de Albuquerque de Ouro Preto, e o incêndio do então chamado "arraial do
foi a de P.acificaLos âni.QlOS, o que logo conseguiu ao receber Ouro Podre", de Pascoal da Silva, que passou a serrollhecido
de Nunes. Viãna os "poderes" de que aquele se investira. A se- como Morro da Queimada, como até hoje ocorre.
guir, o experie nte administrador português promoveu a reu- Mas, se o ano de 1720 foi marcado por tão trágicos acon-
nião de "Juntas" para fixar normas mais adequadas para a tecimentos, foi também o da mais definitiva definição política
cobrança do quinto, visando conciliar os interesses da Coroa para a região pois, verificadas as dificuldades de uma admi-
Portuguesa, as propostas dos mineradores e, pelo menos, di- nistração conjunta das Minas com a Capitania de São Paulo,
minuir um pouco a complexa diversificação dos procedimen- D. João V optou pela sua separação e a conseqüente criação da
tos fiscais em vigor e que incluíam, também, o pagamento de Capitania das Minas Gerais, para cujo governo foi indicado,
direitos sobre a entrada de'iiiêreadorias e de esctãvõs. em 13 de dezembro de 1720, D. Lourenço de Almeida, que "já
~-Apesar ~dê alguns tumultos7 inevitáveis na ·conturbada servira na Ásia e ultimamente estava em Pernambuco" .16 Sua
organização mineradora da região, houve um relativo período .._, / "'P festiva posse ocorreu em 18 de agosto de 1721, em Vila Rica,
de trégua quando Antônio de Albuquerque criou, em 1711, as l · que passou, então, à condição de capital da nova Capitania.
primeiras aglomerações estáveis das Minas e que foram a Vila l. Assim, pouco mais de duas décadas depois da chegada
do Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana), a dos primeiros desbravadores às Minas Gerais, já estava defi-
Vila Rica de Albuquerque (hoje Ouro Preto) e a Vila Real de nida sua situação política, marcado a ferro e fogo o espírito
Nossa Senhora da Conceição de Sabará. rebelde de seus habitantes, consagrada a sua economia extra-
Mas mesmo com o trabalho de Antônio de Albuquerque tiva e selado seu destino de principal centro dos acontecimen-
e dos governadores que o sucederam, inclusive com o estabe- tos no século XVIII, quando não só a arte alcançaria um gran-
lecimento de novas sedes municipais como a Vila de São João ~ de apogeu em suas mais variadas formas - da arquitetura à
del Rei(1713), Piedade do Pitangui (1715), Vila Nova da Rai- 5 música, da escultura e da pintura à literatura - como tam-
nha (Caeté) e Vila do Príncipe (Serro), ambas no ano de 1714, ç bém se refletiriam aqui, já no final do setecentos, os ecos do
foi verificada pelas autoridades portuguesas a necessidade da
implantação, nas Minas, das chamadas "Casas de Fundição" 4

-
para mais rigoroso recolhimento do quin,to, pois estas, até en- (14) Boxer, C. R. A Idade de Ouro do Brasil . São Paulo, Cia. Ed. Nacional,
1963, p. 65.
(15) Bandeira, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro, Letras e Artes,
1963, p . 14.
(13) Vianna, Hélio. Op. cit., p. 293. (16) Oliveira Torres, João Camilo de. Op. cit., p. 206.
26 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 27

Iluminismo e do Liberalismo com a Inconfidência Mineira, a comércio de diamantes. D. Lourenço também reuniu quantos
mais duramente reprimida tentativa de rebelião contra o po- diamantes pôde, junto dos desprevenidos mineiros, mas al-
der português e que iria refletir não só o espírito livre dos mi- . guém em Vila Rica logo descobriu o jogo. Turbas de aventu-
neiros como também os fatos ligados à insaciável cobiça dos reiros, com seus escravos, passaram da lavagem do ouro para
colonizadores pelas riquezas do solo, infelizmente já exaurido a de diamantes, penetrando nas partes mais remotas do Sêrro
pela contínua exploração . do Frio.
. Entretanto, se a descoberta do ouro foi mais longamente D. Lourenço não tinha agora outra alternativa senão re-
analisada, não se pode deixar de comentar a dos diamantes, ..L--- latar à Coroa o que se estava passando, o que fez nas palavras
muito sonhada, bastante suspeitada e, como a do ouro, cer- \ habilmente compostas de seu despacho de 22 de julho de 1729.
cada de inúmeras versões. Sem descer a maiores minúcias, é Adotando tom cético, informou que "algumas pequenas pe-
válido lembrar que ocorreu a descoberta também no governo dras brancas" tinham sido encontradas no Sêrro ·d o Frio, mas
de D. Lourenço de Almeida, em 1729, na área do então cha- que a opinião local diferia quanto ao que elas realmente fos-
mado arraial do Tijuco (atual Diamantina), que pertencia à sem. Incerto sobre o seu valor, não" tinha até então notificado
comarca do Sêrro do Frio, em região igualmente aurífera. " a Coroa de sua descoberta, mas estava enviando seis daquelas
Mas, "como no caso do descobrimento do ouro das Ge- pedras para que as examinassem os joalheiros de Lisboa". 18
rais, pouco importa que se mantenha como revelador dos dia- Com essa precisa síntese de Boxer, fica claro que tam-
mantes o nome de Bernardo da Fonseca Lobo, o do frade bém no caso dos diamantes houve má fé, desonestidade e trai-
mencionado por Joaquim Felício dos Santos nas Memórias do ção que, embasadas na imensa ambição humana, marcariam
Distrito Diamantino da Comarca do Sêrro Frio ou do ouvidor, para sempre o início do desenvolvimento das Minas. Porém,
a propósito citado pelo viajante francês Auguste de Saint-Hi- já nessa segunda fase de descoberta de tesouros, ainda seriam
17
laire". mais duras as condições impostas por Portugal.
Como parece ter efetivamente ocorrido, "aquelas pedras Tentando melhorar sua comprometida imagem junto à
tinham sido revolvidas em grandes quantidades pelos minei- Coroa Portuguesa e na expectativa de uma resposta, D. Lou-
ros e seus escravos, ao lavarem o cascalho do leito dos rios, em renço ordenou a suspensão das atividades de mineração na
busca de ouro, mas pensavam eles tratar-se apenas de um região onde haviam sido encontradas as pedras. Mesmo assim
certo tipo de cristal. Usavam-nas como fichas e marcadores de foi seriamente censurado por Lisboa, na correspondência de ·8
pontos nos jogos de cartas, e por muitos anos passaram elas, de fevereiro de 1730, "por não ter comunicado mais cedo a +-
livremente, de uma mão para outra. Quando alguém - a tra- descoberta, pois que diaffiã.ntes estavam cliêganoo regular-
dição difere quanto a se foi um frade ou um juiz - que esti- mente do Brasil, trazidos por passageiros, a bordo de frotas,
19
vera na Índia, finalmente reconheceu sua natureza real, ades- havia dois anos já" . Em seqüência, as ordens eram para que
coberta foi mantida em segredo por aquele homem e seus o governador verificasse, junto aos mineradores, a melhor
comparsas, que, muito caladamente, garantiram para eles forma de cobrar os "quintos reais" sobre os diamantes a partir
próprios o mais que puderam, sem levantar suspeitas. Em de então.
1726, algumas dessas pedras foram ter às mãos de D. Lou- D. Lourenço estabeleceu, assim, em junho de 1730, o pri-
renço de Almeida, então governador de Minas Gerais. Tam- meiro "Regimento" relativo à cobrança dos direitos sobre os
bém ele fingiu não saber do que se tratava, embora as tivesse diamantes, porém, ainda que taxas, constantemente aumen-
identificado imediatamente, pois se tornara um conhecedor tadas, fossem criadas, sua atuação foi considerada pouco sa-
de tais gemas durante sua longa residência em Goa, centro do

(18) Boxer, C. R. Op. cit., p . 185-5.


(17) Vianna, Hélio. Op. cit. , p. 302. (19) Boxer, C. R. Op. cit. , p. 185.
28 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 29

tisfatória e maiores medidas restrill:ivas foram postas em vigor. tremo rigor perduraram até 1832, motivando a justa admira-
Os diamantes tornaram-se, por sua facilidade de contrabando, ção do francês Saint-Hilaire quando, conseguindo viajar ao
ainda mais preciosos para Portugal, mas só na administração Tijuco em 1817, escreveu:
) do Conde das Galveas foram efetivadas medidas mais drás- "O Distrito dos Diamantes ficou como que isolado do
Lticas. resto do Universo; situado em um país governado por um
. Inicialmente foi demarcado t0 chamado "Distrito Dia- poder absoluto, esse distrito foi submetido a um despotismo
mantino", tendo o Tijuco como selll centro administrativo, sob ainda mais absoluto, os laços sociais foram rompidos ou pelo
a direção de um Intendente, nomeado pelo rei e cuja ampla menos enfraquecidos; tudo foi sacri(icadÕao desejod e assegu-
22
autoridade incluía tanto as questôies fiscais e administrativas rar à coroa a propriedade exclusiva dos diamantes" .
quanto as judiciárias. Seus abrangentes poderes tornavam Em resumo, a história de Minas é uma sucessão de des-
"esse funcionário, independente, por grande margem, tanto cobertas de riquezas que, tardiamente encontradas mas cada
da autoridade do governador de Minas Gerais como do vice- vez maiores, atraem aventureiros, gente de bem, administra-
20
rei da Bahia" . dores, religiosos - enfim, toda uma multidão que lá se ins-
A partir de então tiveram incessantes e terríveis amplia- tala, luta, vive e ama, construindo uma das mais significativas
ções as restrições impostas aos hab,itantes da região, que não etapas da civilização brasileira. Baseada na insegurança da
podiam comerciar livremente nem com gêneros de primeira economia extrativa, na desmedida ambição de colonizadores e
11 necessidade e, a partir de junho de 1745, "ninguém tinha per- colonizados, em rígidas posturas fiscais e em rigorosa repres-
missão para entrar no Distrito Dia:.mantino sem uma autori- f são, as Minas Gerais produziriam, contraditoriamente, uma
5, S !"' ~ -
21
sociedade democrática e liberal, refiiiãaa e amante das artes :
zação por escrito do intendente" .
Estava, assim, confirmado o nuonopólio real dos diaman- U> / r!l'- l'l
~'-. ~--- ·--- -----
~.
·que aquniveram, muito especialmente, expressões das mais
tes pela Coroa Portuguesa através oo sistema dos "contratos", ~ originais e significativas no país.
periodicamente renovados, pelos '11.Uais o contratador tinha
controle da extração de pedras, pag.ando altas taxas pelos 600
1~1l escravos empregados na exploraçã[). Entre os contratadores
que viveram como grandes milionádos no Tijuco, no período Economia
I
~ de 1740 a 1771, incluiu-se o desembargador João Fernandes
31 de Oliveira, que ficaria famoso po.- sua paixão pela mulata
Chica da Silva, antiga escrava, e o i:nfortunado Felisberto Cal- Ainda que, como foi visto, o desenvolvimento histórico de
deira Brant que, intrigado com o poder português, foi preso Minas Gerais tenha se baseado primordialmente na explora-
em Lisboa e morreu em Caldas da Rainha, pouco depois do ção das riquezas de seu solo e assim, portanto, diretamente
terremoto de 1755. vinculado a uma economia de mineração que foi, sucessiva-
Porém, as maiores restrições à região dos diamantes ad- mente, motivando medidas administrativas, procedimentos
... viriam da nova política fiscal imP'Lantada pelo Marquês de fiscais e outras providências de toda a ordem para obtenção
·· Pombal, encerrando os contratos e qiue, com um reformulado do melhor rendimento do ouro - e, depois, dos diamantes -
e ainda mais inflexível "Regimento Diamantino" - conhecido para a Coroa Portuguesa, é imprescindível que alguns aspec-
como o "Livro da Capa Verde" - consumou o isolamento da tos desta economia sejam mais detalhadamente estudados.
área do Sêrro do Frio, a partir de 17Pl. Ess_as condições de ex- Inclusive pelo fato de que não são muito divulgados os pro-

(22) Saint-Hilaire, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e Litoral
(20) Boxer, C. R. Op. cit., p. 186. do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo,
(21) Boxer, C. R. Op. cit., p. 192. 1974, p. 14.
30 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 31

cessos de mineração adotados no século XVIII mesmo que sua então conhecidas como "tabuleiros" - onde, quase sempre,"""~
denominação, em alguns casos, permaneça até os nossos dias, também se encontrava o ouro. À medida, porém, que os depó-
inclusive identificando cidades, em belas lembranças do nosso sitos mais acessíveis se mostravam insuficientes ou esgotados,
passado. eram pesquisadas as "grupiaras", denominação das grandes
Inicialmente, é muito importante relembrar que os depó- rachaduras ou fendas nas encostas e cuja exploração já se
sitos de ouro em Minas, em oposição aos da América Espa- apresentava mais difícil pelos primitivos meios então usados.
nhola, não se encontravam na profundidade da terra, em ro- No caso dos mineradores itinerantes, cujas atividades de-
chas denominadas "matrizes", que não sofreram processos cresceram sensivelmente com o esgotamento dos depósitos de
~geológicos de desagregação. Pelo contrário, o ouro mineiro aluvião mas que sempre persistiram na região, o sistema
o chamado de "aluvião", resultante de um "processo geo- usado para lavar o cascalho e separar o ouro era de extrema
lógico milenar em que a água, tendo atacado as rochas matri- simplicidade pois empregava-se apenas a "batéia", uma es-
zes onde antes se concentrava o metal, o espalhou por uma pécie de grande bacia rasa, ligeiramente cônica, e quase sem-
23
área superficial extensa" . Em Minas, o ouro de aluvião se pre de madeira. O cascalho ao qual se misturavam ouro e
concentrava nos cursos d' água - rios e ribeirões - e nas suas areia "era colocado na batéia com alguma água suficiente
proximidades, em vales ou encostas de montanhas. para cobri-lo. O mineiro, então, rodava cuidadosamente a
Assim, explica-se a facilidade e a euforia dos achados ini- batéia num movimento circular ou elíptico, e, de vez em quan- ~~=
ciais e, mesmo, sua qualidade e quantidade pois "as primeiras
lavras de ouro foram evidentemente em depósitos aluvionares,
do, inclinava-a para deitar fora um pouco de água e do casca-
lho, cuidando de que o ouro ficasse no fundo, até que fosse
EJ ~!lr
mais fáceis de serem desmontados e concentrados e às vezes claramente visível. O cascalho nem sempre era o da superfície
permitindo o usufruto de teores excepcionais. A lavra inten-
siva e na maioria das vezes predatória desses aluviões acelerou
do solo, pois retiravam-no de profundidades diferentes, sob
uma camada de areia, terra ou argila. Os poços ou escavaçqes
fM"-'
o seu empobrecimento e mesmo sua exaustão. Assim, os mi- feitas no curso da extração do cascalho eram chamados 'cá- '
neradores se viram obrigados a fazer galerias, à procura do tas', e muitos terrenos de Minas Gerais depressa tomavam,
minério in situ. Estas galerias, jamais muito profundas, para- por causa deles, o aspecto de favos". 26
ram na maioria das vezes por problemas de ventilação ou de Em contraposição, e para compensar a exaustão dos alu-
águas, que os mineradores, com os meios rudimentares que viões, surgiram as chamadas "lavras" que floresceram no pe- t!vl//J
possuíam, não podiam resolver". 24 ríodo áureo de mineração, e que eram "estabelecimentos de ._w, ·M
Os pioneiros paulistas que exploraram o ouro em Minas algum vulto, dispondo de aparelhamento especializado e, J./nÍ ·
foram encontrá-lo sob sua forma aluviona! no rios e riachos onde, sob direção única e trabalhando em conjunto, reúnem-
que chegavam a brilhar ao sol quando detinham maiores e se vários trabalhadores. A mão-de-obra é quase totalmente mt"=> ..tv
mais puras concentrações do metal, passando, por isso, a se- constituída de escravos africanos; o trabalho livre é excepcio- ~~
rem denominados de "faisqueiras", ficando o minerador co- nal (embora ocorra por vezes, sobretudo pelos fins do século) e
25 27
nhecido como "faiscador" ou "faisqueiro". o índio não é empregado" ,
~")'\
·

Na época das enchentes, com o aumento do volume das Portugal, ávido pela riqueza do ouro, não procurou aper-
águas, eram exploradas as áreas próximas das margens - feiçoar qualquer sistema de mineração que lhe garantisse
constantes rendimentos mesmo com a prospecção de depósi-
tos mais profundos; pelo contrário, sua atenção concentrou-se
(23) Prado Júnior, Caio. Hist6ria Econômica do Brasil. São Paulo, Brasi-
liense, 1967, p. 60.
(24) Metais de Minas Gerais SI A-METAMIG. Ouro, Belo Horizonte, 1981,
p.147. (26) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 59.
(25) Boxer, C. R. Op. cit., p. 51. (27) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 59.
32 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 33
..i'.: do..~
,, ' 1
exclusivamente na organização das mais completas formas de radores de acordo com o número de escravos de cada um (im - soV2.l-e.lo
atuação fiscal resultando, assim, não só em medidas comple- prescindíveis para a melhor exploração das datas) e por sor-
xas e que se conflitavam ou sobrepunham - estimulando teio. Previamente, porém, o descobridor da jazida tinha di-
ainda mais a sonegação e o contrabando - como no envio, reito de escolher sua data, c~al Fazenda o mesmo
para as Minas, nunca de técnicos mas sempre de administra- ~ento, amoa que essa fosse logo depois leiloada. O
início dos trabalho~xpl~ das datas devia ocorrer no 40,~~
!' b- qores e legisladores que, por sua vez, freqüentemente não pri-
S °'f{Wmavam pela honestidade. Caio Prado Júnior resume clara- máximo dentro de~s,. quando não mais vigora- ~!~~~­
0
JiJV\) fl0, ~ente a situação: "O pessoal com que se formavam as inten- riam os direitos adquiridos. Outras restrições, adotadas na ;;_': ..
â-V'Vl-1 dências eram burocratas gananciosos e legistas incumbidos de época, são demasiadamente minuciosas para serem aqui enu-
n.NJ.l'li.oiA interpretar e aplicar os complicados regulamentos que se des- meradas, mas deve ficar claro que sempre cabiam à adminis-
U'6V7tt..A'1navam quase unicamente a garantir os interesses do fisco. tração portuguesa a última palavra e os maiores direitos.
Não se encontra nelas, durante um século de atividade, uma Tais direitos, dura e ambiciosamente impostos, provoca-
só pessoa que entendesse de mineração. E enquanto os mine- ram todo O tipo de sonegações e contrabandos de ouro por A f ~
radores se esgotavam com o oneroso tributo que sobre eles pe- parte dos mineradores, já atingidos por altos tributos como os tH- -1. J
sava, qualquer crítica, objeção ou simples dúvida, era imedia- cobrados nas mercadorias, nos pedágios e sob várias outras 'f""{cA.~11-"-'
tamente punida com castigos severos. Nestas condições não é formas. Pârãõ1ininuir essas fraudes inevitáveis foram tenta-
de admirar a prematura decadência da mineração. Chega-se dos recolhimentos indiretos de compensação, como a cha-
em fins do séc. XVIII a um momento em que já se tinham mada "taxa de capitação", que estabelecia um pagamento ~
esgotado praticamente todos os depósitos auríferos superfi- fixo, cobrado per capita dos escravos que trabalhavam na mi-
ciais em toda a vasta área em que ocorreram. A mineração neração. Mas "este sistema não deu resultado, porque se pa-
28
sofre então seu colapso final". gava o tributo mesmo quando se tratava apenas de trabalhos
k Em esquema geral, o sistema de cobrança de impostos preliminares de pesquisa que muitas vezes não produziam o
~ 'M 1 sobre o ouro adotado pela Real Fazenda baseava-se no reco- fruto esperado". 30
[ lhimento do quinto, como já foi mencionado, equivalente a Foi então, que, "depois de muitas hesitações e variações,
20% do minério captado. Para o mais efetivo controle da arre- estabeleceu-se afinal um processo que se tornaria definitivo. \'~
~ cadação foi estabelecida a "Intendência das Minas", um tipo Criaram-se Casas de Fundição em que todo o ouro extraído 1f°()f'l~· ­
!\/\ 'v'> específico de administração, "independente das outras auto- cra necessa~o; aí se fundia, e depois de ~i:;...· ô
~v ridades da colônia, e que se subordinava única e diretamente deduzido o quinto e reduzido a barras marcadas com o selo
ao governo metropolitano de Lisboa" ,29 dirigida pelo "Inten- real (chamava-se a isto 'quintar o ouro') era o metal devolvido b"'U-0
. l-. dente", e que era imediatamente instalada nas capitanias ou ao proprietário. Somente nestas barras quintadas (de que até d.<. cúlW..
~ regiões das descobertas auríferas. hoje se conservam muitos exemplares) podia o ouro circular c.t [,, V'M
t ri, l1 !,{ fA~ - Encontrada uma jazida, seu descobridor era obrigado a livremente. O manuseio do ouro sob outra forma - em pó ou
y ~ 61 fazer a respectiva e pronta comunicação à Intendência que cm pepitas como é encontrado na natureza, ou em barras não
! ~ logo enviava funcionários especializados (os "guarda-mores") marcadas - era rigorosa e severamente proibido. Quem fos -
,\ 111 1\")(,uJ) para demarcar a área. Depois, em dias antecipadamente di- se encontrado com ele sofria penas severas que iam do con-
r:· "<\":" vulgados, fazia-se a divisão do terreno em várias partes - fi sco de todos os bens até o degredo perpétuo para as colônias
~J .k. denominadas "datas" - que eram distribuídas entre os mine- portuguesas da Ãfrica" .31
f» vvftr;!>,,"r.f) ,nJt ~ (U,j}.A, ~
~J ~v~r· -~ ~ '
p;V\ ~(J.-.~28) Prado Júnior, Caio. Op. cit. , p. 61-2.
(29) Prado Júnior, Caio. Op. cit. , 57.
p.
(30) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 58.
(31) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 58.
óf i'r J4 SUZY DE MELLO

&~, rJ~ A propostto,


' . eva' 'lºd
1 o o b servar que, en t-ao, ex1s ta na Casa
. t"
BARROCO MINEIRO I~

~\)
11 ' \ja Moeda, em Lisboa, a profissão de "abridor de cunhas", ou raio de coloração que ia do amarelo brilhante a um cinza
clJ.lJ.J seja, de um artista oficialmente encarregado de desenhar moe- amarelado ou preto. Essa última variedade era conhecida
V'YI.·~
(l das e medalhas, atividade que teve continuidade na marcação como 'ouro preto' e havia um outro tipo, de aparência opaca e
NJ..Jc. vtc:Ji êlas barrasd e o uro nas Intendências do território brasileiro e, suja, ao qual chamavam 'ouro podre' . A prova de toque do
para cujo exercício, na Vila Rica de 1739, foi nomeado João ouro encontrado em Minas Gerais oscilava entre 21 112 a
Gomes Batista, que mais tarde passaria a Antônio Francisco 22 112 quilates". 33
Lisboa, o Aleijadinho, seus conhecimentos de heráldica e de- Assim, a história da exploração das ricas reservas aurífe-
senho que o mestre barroco iria utilizar de maneira excepcio- ras das Minas durou praticamente apenas um século, termi-
nal na composição dos frontispícios das igrejas mineiras. nando o sonho do Eldorado, finalmente encontrado, devido à
Mas, como apesar de todas essas precauções ainda era incompetência e ambição dos portugueses e à cobiça e impre-
'{)..flfle;,n/ extremamente significativa a sonegação do ouro pelos minera- vidência dos aventureiros.
c, radares, foi tomada uma providência mais drástica: o estabe- Com os diamantes fato semelhante iria ocorrer, embora
(o& ,,., ,QJ2,01ecimento de uma cota anual mínima na arrecadação, corres- sob outras circunstâncias, ainda mais terríveis na carga de
h~ , .: :. QQ!!_dente a cem arrobas (cerca de 1 SOO guilç s). Quando não
e
(!::,-00 fosse completado o limite estabelecido, era decretada a "der-
ol..~c.e-.rama", que exigia o pagamento sumário da diferença (ou
opressão pelo colonizador. Inicialmente, porém , é impor-
tante lembrar que os diamantes surgiram nas áreas de lava-
gem do ouro, na região das cabeceiras do Rio Jequitinhonha,
':.:: "finta") sem discriminação de forma ou origem: mineradores sendo a princípio confundidos com cristais de pouco valor que
ou não, todos deviam contribuir, sendo suspensas quaisquer se misturavam aos cascalhos dos cursos d' água. Logo após sua
garantias a pessoas ou propriedades e criados novos impostos identificação, entretanto, não variaram muito dos do ouro os
de modo aleatório. A capitania tornava-se mais conturbada procedimentos adotados para sua obtenção, como relata Bo-
que nunca e os violentos processos de cobrança podiam durar xer: "O instrumento principal era a batéia, na qual o cascalho
meses. Essas rígidas medidas substituíram um outro sistema, das margens ou do leito do rio era lavado e peneirado. Uma
o chamado "da cobrança por ajustes" e que, limitando a arre- testemunha ocular de 1735 relata: 'Não há sinal algum para se
cadação a trinta arrobas anuais, perdurara de 1713 até 1725, saber se há diamante no cascalho. É sinal sim, infalível de não
mas não se comprovara eficaz. Entretanto, o novo patamar de os haver, não aparecer nenhuma faísca de ouro na batéia, e é
• cem arrobas não era fácil de alcançar e raramente foi ultra- também experiência certa que quanto mais ouro aparece mais
passado, e quando isso acontecia o excedente era contabili-
zado para o ano seguinte, e "a última vez que o quinto produ-1'J
diamante houve, e se acham a respeito da grossura do ouro é o
tamanho dos diamantes, de sorte que, onde o ouro é excessi-

ziu as cem arrobas necessárias foi no exercício de 1761 a 1762J vamente miúdo o são também os diamantes' . Os diamantes
Daí para a frente, com a decadência da mineração, as derra- brasileiros eram, habitualmente, encontrados em estado mais
{ mas se sucederam e umá delas está na crista dos aconteci- tosco que os da Índia e Borneo, e perdiam muito mais em peso
mentos que deram lugar à Inconfidência Mineira (1789). Nes- e tamanho, quando lapidados". 34
sa época, a derrama devia render o equivalente às cinqüenta e Posteriormente, as batéias foram substituídas por penei-
oito arrobas que faltavam". 32 _
ras e, na segunda metade do setecentos, foram implantados
Finalmente, ainda em relação ao ouro encontrado nas processos mais complexos que incluíam canalização e represa-
Minas Gerais, é interessante conhecer as observações sobre a mento dos rios e o uso de vários recipientes, semelhantes a
variação de sua qualidade feitas por Boxer: o ouro "tinha um vasos, conhecidos.como alguidares. Na estação das chuvas,

(32) Metais de Minas Gerais S/ A-METAMIG. Op. cit., p. 52.


(33) Boxer, C. R. Op. cit., p . 52.
(34) Boxer, C. R. Op. cit., p . 192.
6
SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 37

com as enchentes, o trabalho era primordialmente o de penei- mes ou roubos como ocorria com os escravos negros fugidos,
rar os grandes depósitos de cascalh.o escavados e acumulados chamados "calhambolas", que quase sempre se refugiavam
na seca. Como para o ouro, porém, tais processos eram bas- em quilombos. 36 -
tante rudimentares e primitivos, continuando a Coroa Portu- Em 1771 foram suprimidos os contratos e a Real Fa-
guesa a mandar para as Minas ávidos administradores e nun- zenda, além do monopólio dos diamantes, passou a ser sua
ca técnicos de maior competência, em sua política gananciosa única exploradora através da "Junta da Administração Geral
e obscurantista.
dos Diamantes", dirigida também por um intendente cujo
A princípio, a exploração das pedras assemelhou-se à do poder era ainda mais vasto que o dos ligados à exploração
ouro, com extração livre ainda que sujeita ao pagamento do aurífera. Como foi mencionado, "verdadeiro corpo estranho
quinto. Entretanto, logo foi verificado que o sistema não era enquistado na colônia, o Distrito Diamantino vivia inteira-
adequado. "Como era difícil calcular e separar o quinto de mente isolado do resto do país, e com uma organização sui
pedras muito diferentes umas das outras, em tamanho e qua-
generis: não havia governadores, câmaras municipais, juízes,
lidade, e como além disto ocorressem apenas em áreas limita- repartições fiscais ou quaisquer autoridades ou órgãos admi-
das, adotou-se logo outro processo mais conveniente à percep- nistrativos. Havia apenas o Intendente e um corpo submisso
ção do tributo - em todas as matérias de sua administração, de auxiliares que eram tudo aquilo ao mesmo tempo, e que se
a metrópole portuguesa sempre colocava este assunto em pri- guiavam unicamente por um regimento colocado acima de to-
meiro e quase único lugar. Demarcou-se cuidadosamente o das as leis e que lhes dava a mais ampla e ilimitada compe-
território em que se encontravam os diamantes, isolando-o tência".
37

completamente do exterior. Este território, que se chama 'Dis- Já foi visto que, com o Regimento Diamantino de 1771, o
trito Diamantino', é o que circunda a atual cidade de Dia-
terrível "Livro da Capa Verde", a vida no Tijuco - atual Dia-
mantina em Minas Gerais. E a exploração foi outorgada como mantina - era marcada pela maior repressão jamais vista no

Ovvt
-
'9~
privilégio a determinadas pessoas que se obrigavam a pagar
ma quantia fixa pelo direito de exploração." 35 Foi esse pro-
cedimento conhecido como o dos "contratos", ficando seus
3 C\.S: responsáveis, por períodos de cerca de três a cinco anos, deno-
minados "contratadores".
Brasil, mas nem assim foi eliminado o contrabando das pe-
dras preciosas.
Na verdade, praticamente coincidente com a decadência 1ó
do ouro; a dos diamantes ocorre pelos mesmos motivos aos h
w
quais se juntou mais um outro, tamJ:?ém reflexo da desorien- :;(;;, , 1 ~
Entretanto, apesar de toda a rigidez da vigilância, ocor-
reram tanto a exploração quando o comércio ilícitos dos dia-
~o portuguesa no trato das ~§.tões econômicas: - a sua 'b'ld
desvãfõfização pela grande e constante oferta nos mercados da
mantes, feitos pelos chamados "garimpeiros", cujo nome vem Europa. É bem verdade que "o governo português tentou im-
de "garimpo", local de mineração ilegal das pedras. Mas, pedir a queda dos preços, restringindo a produção e a venda;
como deve ficar bem claro e é explicado por diversos historia- mas seus crônicos apertos financeiros obrigavam-no freqüen-
dores e estudiosos, o garimpeiro não era um elemento fora da temente a abrir mão das restrições e lançar inoportunamente
lei ou ligado a atividades criminosas mas freqüentemente um no mercado grandes quantidades de pedras" .38
antigo minerador que, prejudicado pelo monopólio dos con- Assim, já no início do século XIX, as Minas Gerais per- \ _
tratos, usava seus conhecimentos da região para encontrar as
pedras preciosas e contrabandeá-las, sem nunca causar outro
diam seu fascínio e entravam em um período de estagnação e
mesmo decadência mas, apesar de seu final inglório, a mine-
r
tipo de transtorno a não ser o de jamais se entregar às milícias ração cÕnsiituiui.im dos mais importantes ciclos econômicos,
portuguesas. Eram homens livres e não se envolviam em cri-

(36) Boxer, C. R. Op. cit., p. 192.


(35) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 62. (37) Prado Júnior, Caio. Op. cit., p. 64.
(38) Prado Júnior, Caio. Op. cit. , p. 64.
/.lt'
SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO
r?.f/&f
'VLJ.. com reflexos i em mais amplos do que à primeira vista pode-se
r;;_y perceber.
O primeiro aspecto a ser considerado é o desbravamento
Ê fácil perceber que, na euforia dos primeiros tempos da
mineração, não se cogita nunca de desviar braços escravos
para os trabalhos da agricultura quando o ouro, fácil e farto,
do interior do país e o estabelecimento de significati tudo pode comprar, ainda que por altíssimos preços como no-
tingentes populacionais em uma vasta região até então igno- tou Antonil, chocado com o que se pagava nas Minas por pro-
li '( b '!:> rada pelo colonizador. Como conseqüência, inclusive, não
dutos corriqueiros. Esses preços se elevavam em muito não
1 . í . , pode deixar de ser registrada a mudança da capital, em 1763,
'G.. ct·1 _,\ da Bahia para o Rio de Janeiro, quebrando a hegemoni~ )_
apenas pela distância e pelas dificuldades dos caminhos mas
igualmente devido à abundância do ouro, que os inflacionava
;.. CP-f r" )litoral nordestino, que fora garantida pela agricultura e, prin- J ainda mais. Além disso, o relevo mais difícil das zonas de mi-
cipalmente, pela cana-de-açúcar. Essa situação, mesmo com neração e a aridez do solo facilitavam a negligência das ativi-

l
a exaustão das minas, daria à região centro-sul uma posição, dades agrícolas, causando sérios problemas como o da escas-
ainda mantida, de relevo no Brasil: "é todo este setor centro- sezoe alimentos que, principalme,nte nas décadas iniciais do
sul que, graças em grande parte à mineração, toma o primeiro povoamento, chega a situações cr.íticas como, aliás, se vê nas
lugar entre as diferentes regiões do país, para conservá-lo até p alavras de Antonil. Houve fome efetivamente em Minas pois,
hoje". 39
mesmo dispondo de ouro, os mineradores não tinham o que
~ Igualmente, o ouro ensejou toda uma época de glórias e comprar para seu sustento.
(;,. "1'S-J -.
de fausto, cuja produção artística, globalmente analisada, não
M\Á'. ~
teve paralelo no Brasil: arquitetura, escultura, pintura, mú-
"Dentre as atividades produtivas é a lavoura que, de iní-
cio, ao menos, desperta menos vocações. E isso não só porque
oo } sica, poesia e literatura alcançaram um apogeu comum e de ~ oferece menores perspectivas de riqueza, mas também devido
grande unidade.
à crença então generalizada de que os lugares que dão ouro
Assim, se economicamente a aventura do ouro e dos dia- não hão de dar outra coisa, senão falharia nisto a Divina Pro-
M o mantes não completou um século de opulência, sua ~queza
l
J , ~ cultural é hoje um acervo mundialmente reconhecido. - vidência que distribui equitativamente seus favores e bên-
- ,,41 •
, • O /;l'.f çaos.
Mas a todos esses fatos é fundamental acrescentar uma ~ rn fl Sylvio de Vasconcellos completa o quadro das observa-
observação final que completa essa rápida análise da econo- /.i ~ ·ÇIW{ f ções sobre a agricultura no período inicial da mineração asse-
mia do ciclo do ouro. Ê que Minas Gerais, com todos os seus V' ·? ) gurando que "na primeira metade do século XYlll a agricul-
recursos minerais, deles também sofreu - seu relevo é dema- '/ :1-1 <!. ( tura praticamente inexiste na região. Quando ocorre é apenas
siadamente acidentado e seu solo pouco fértil. Daí as grandes ·- supletiva. Uma ou outra fazenda plantada nas imediações das
dificuldades para o estabelecimento de uma agricultura está- -~ catas. A produção é mais que diminuta, não atendendo abso-
..xel~ principalmente no início do povoamento, quando todas a~ ' [ ~ lutamente, às necessidades do consumo( ... ) o milho e a man-
atenções se dirigiam para as atividades da mineração. Foi An- '1'11'-"'I' ~'!J- dioca não passariam de pequenos roçados, que mal satisfa-
tonil um dos primeiros a registrar essa situação: "Sendo a 1·~ ziam as necessidades de seus cultivadores.( .. .) A carência de
terra que dá ouro esterilíssima de tudo o que se há mister para produtos alimentícios é aguda e permanente, proporcionando
a vida humana, e não menos estéril a maior parte dos cami- tvil.n.V.} ~ larga margem de lucro aos comerciantes e atravessadores,
nhos das minas, não se pode crer o que padeceram ao princípio ' 0 - apesar das constantes prov1ôências oa coroa visando evitar
os mineiros por falta de mantimentos, achando-se não poucos abusos. ( ... ) Os preços das utilidades atingem níveis extraor-
mortos com uma espiga de milho na mão, sem terem outro
sustento". 40

(39) Prado Júnior, Caio. Op. cit. , p. 63. (41) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. História Geral da Civilização Brasi-
{40) Antonil, André João. Op. cit., p. 169. leira. (A Êpoca Colonial). Tomo I, v. 2. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1973,
p. 281.
BARROCO MINEIRO 41
Ili SUZY DE MELLO

L dinários. Não há comida bastante , só a cachaça não falta" .42 o tanto mais, quanto he maior a necessidade dos que passão.
~/\Ili? Aliás, alguns poucos engenhos que se instalaram na E dahi vem o dizerem que todo que passou a Serra da Manti-
época não eram conjuntos de porte e sua produção reduzia-se queira, ahi deixou dependurada ou sepultada a consciên-
t -::!> ao melaço e à cachaça, atingindo o açúcar também alto preço. cia'" .43
Boxer é ainda mais minucioso em seus dados ao informar Essa última frase , do perspicaz Antonil, indica um outro
que "em sua pressa alucinada de explorar as minas existentes significativo aspecto do período da mineração e que diz res- ~~;'"
e encontrar novas, os primeiros pioneiros descuidaram-se de peito ao rápido florescimento do comércio nas Minas setecen- · =
\ (/fY/õ plantar mandioca e milho suficientes, e o resultado foi sofre- tistas. Eletivamente, segundo um consenso mais exato, as _
17ihflrem carência aguda, de 1697 a 1698, e, de novo, entre 1700 e randes fortunas do ciclo do ouro foram, antes, provenientes ~
1701. O Governador do Rio informava à Coroa, em maio de de atividades comerciais do que dos próprios rendimentos da
1698, que a carência de artigos de mantimentos era tão crítica mineração , o que, embora não deixe de ser uma ironia, é um
que muitos mineiros tinham sido obrigados a abandonar suas fato de fácil compreensão.
ç .:- jazidas de ouro e estavam errando pelos matos com seus es- J e/ ·Por outro lado, só com a exàustão do ouro, já no final do
Cf'. ( --;P cravos, em busca de caça, peixes, ou frutas, a fim de se ali- v, século XVIII , é que se afirmaram com maisv igor as ativida-
mentarem. ( .. . ) Preços fantásticos eram pagos pelos alimen- "e•.r eles agrícolas e pecuárias, quando a decadência da mineração
tos, durante essa luta em prol da sobrevivência. Um gato ou trouxe às Minas uma grande apatia e uma desesperança sem
um cachorrinho eram vendidos por 32 oitavas de ouro, um -'· " limites. Assim mesmo, não se adaptaram as plantações às an-
alqueire de milho por 30 ou 40, e um frango esquelético por tigas áreas das catas e das lavras, preferindo as regiões mais
12. Entretanto, sabia-se que por aquela altura o trabalho diá- planas e de terrenos mais favoráveis, principalmente ao sul
rio de um negro escravo muitas vezes chegava a produzir 16 onde, posteriormente, floresceriam os cafezais.
oitavas de ouro. A situação melhorou consideravelmente desde Mas esse aspecto de uma agricultura quase inexistente
que a crise surgida na curva do século foi ultrapassada, em- iria se refletir não só na economia como também na formação
bora as provisões de boca em Minas Gerais nunca chegassem das vilas , conferindo às Minas Gerais específicas característi-
cas como se verá. De qualquer modo, porém, toda a economia
/
~S a ser superabundantes durante toda a primeira metade do sé-
.. ) culo XVIII. Pequenas granjas e fazendas _dei>i:.essa se foram mineira determinaria muito mais do que flu.xos maiores ou
~ · ) instalando ao longo das esfrã das,- e- mais atenção mere~-;­ menores de riqueza e aqui, de forma muito particular, daria
J plantio de hortaliças, milho, e a criação de rebanhos nas vizi- singular configuração às artes em geral e à arquitetura em
/ nhanças dos principais campos auríferos, que se iam, lenta- especial.
/°'--:? , mente, transformando em vilas. Muita gente, de fato, de-
t/(Â#'- pressa considerou 1.!!fils lucrativo plantar ~ fim de fornecer
~9--~ alimento aos mineiros, do que se entregar ela própria à mine-
ração, já que os preços permaneciam muito altos, em conse- Povoamento
, ~ /?o3 · qüência da procura ser maior do que a quantidade disponível.
, !- IYICP~ Os primeiros colonos plantaram principalmente milho, abó~- ~
~'t< lf bora, feijão e, de vez em quando, batatas. Em 1703 já estavam Como bem observou~ger Bas_!~~!>l' a formação do Bra_:
crlãridõllma quantidade bastante razoável de porcos e gali- sil foi " ganglionar no senticro---de que, não sendo povoado o
nhas, 'que vendem por alto preço aos passageiros, levantando- país, exceto nalgumas localidades que atraíam todos os re-

(43) Boxer, C. R. Op. cit., p. 59.


(42) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, (44) Bastide, Roger . Brasil - Terra de Contrastes . São Paulo, Difusão Euro-
1968,'J>. 28-30. péia do Livro, 1969, p. 26.
90 suzv l} J
presença que é, sem dúvida, 1H L ~1. mais significativas ca-
racterísticas dos aglomerados ico, o ciclo do ouro por cor-
responderem tão naturalmen às .· as mais verdadeiras ori-
gens.
É, porém, sempre válido lembrar, como tão bem apontou
Sylvio de Vasconcellos, a "coincidência do traçado de Brasília
com o desenho das povoações mineiras: caminhos ainda, duas
estradas que se cruzam. Aqui também para fazer do trânsito a
espinha dorsal, o eixo da composição. O partido: dinâmico;
seu fundamento, o automóvel. Brasília é única no mundo,
concepção eminentemente brasileira" .47
Como, aliás, essencialmente original e brasileiro foi, tam-
bém, o desenvolvimento urbano das vilas do ouro nas Minas
setecentistas. O casario
"Tudo me chama: a porta, a escada, os muros,
as lajes sobre mortos ainda vivos,
dos seus próprios assuntos inseguros.
Assim viveram chefes e cativos,
um dia, neste campo, entrelaçados
na mesma dor, quiméricos e altivos.
E assim me acenam, por todos os lados.
Porque a voz que tiveram ficou presa
na sentença dos homens e dos fados. "
Cecilia Meireles (1953)

A inda que, como geralmente ocorre, a chamada arqui-


tetura monumental, na qual se incluem as construções de
maior porte como igrejas e edifícios oficiais, seja mais estu-
dada e valorizada por sua marcante presença nos conjuntos
urbanos, o casario - que justamente define essas aglomera-
ções - é de extrema validade e significação por constituir o
abrigo indispensável ao homem.
Efetivamente, a casa - que, em uma primeira leitura,
tem como função básica a do abrigo - extrapola esta condi-
ção inicial para abranger outros aspectos muito mais amplos e
que se traduzem em costumes, valores próprios e todo um tipo
de vida que, embora tenha algumas variações, apresenta tam-
(47) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p . 88. bém elementos constantes e comuns a determinados grupos.
92 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 93

Em uma análise mais objetiva, portanto, é importante mais atingiu em sua arquitetura civil e doméstica o mesmo
caracterizar - ainda que esquematicamente - a casa portu- grau de esplendor apresentado pelas construções religiosas.
guesa pois era a ela que o colonizador se reportaria, com as Neste particular, a Bahia seguiu a norma geral da civilização
imprescindíveis adaptações impostas pelas condições locais luso-brasileira, pois tanto na América como na terra-mãe,
próprias do território colonizado - no caso, o Brasil - ao se afora raras exceções na corte de Lisboa, as casas e mesmo pa-
3
instalar em novos ambientes. Como, aliás, afirmou Robert C. lácios eram modestos em proporção e decoração" .
. Smith ao observar que "os portugueses estabeleceram no Bra- Efetivamente, apesar de contar com belos e elegantes
sil, quase intacto, o mundo que haviam criado na-Europa" .1 exemplos entre os quais poderia ser destacado o Solar do Mor-
Entretanto, não foi tão simples nem tão uniforme essa gado de Mateus, próximo à Vila Real, na região de Trás-os-
transposição pois, além de diversificados detalhes que marca- Montes, a arquitetura residencial portuguesa é muito mais a
vam a arquitetura residencial nas diversas regiões de Portugal, do casario desataviado e harmonioso que a de imponentes e
teriam que ser levados em conta outros fatores como a preca- pesadas soluções. Além do mais, o colono 'lUe se estabeleceu
riedade das construções pelas dificuldades de mão-de-obra, as no Brasil e aqui fez sua casa era, principalmente, o português
diferenças de materiais construtivos e de condições climáticas simples, do povo, que trouxera entre suas lembranças as da
e até mesmo o aproveitamento de soluções indígenas aqui en- singela modulação das construções que lhe eram familiares.
contradas pelos portugueses. Um grande proprietário rural como Garcia d'Ávila, que er-
Lúcio Costa observou com extrema clareza toda a impor- gueu ao norte de Salvador uma imensa e fortificada residência
tância da persistência das tradições locais ao escrever que em pedra, constituía uma exceção.
"a arquitetura regional autêntica tem as suas raízes na terra;
é produto espontâneo das necessidades e conveniências da Assim, o vocabulário plástico das casas seria, basica-
economia e do meio físico e social e se desenvolve, com tecno- mente, o da chamada "arquitetura popular" portuguesa que,
logia a um tempo incipiente e apurada, à feição da índole e do embora variando regionalmente, permaneceu como a fonte
engenho de cada povo; ao passo que aqui a arquitetura já veio natural de inspiração para o que foi aqui construído até o final
pronta e, embora beneficiada pela experiência anterior afri- do século XVIII.
cana e oriental do colonizador, teve de ser adaptada como São, portanto, muito válidas as observações de Lúcio
roupa feita, ou de meia-confecção, ao corpo da nova terra. Costa4 em relação às principais características da arquitetura
À vista. desta constatação fundamental, importa pois co- portuguesa entre as quais, no geral, pode ser indicada a pre-
nhecer, antes de mais nada, a arquitetura regional portuguesa dominância do "contraste da pedra com a caiação", da Beira
no próprio berço, porque é na construção popular de aspecto Baixa para cima e, em especial, no "Entre Douro e Minho"
viril e meio rude, mas acolhedor, das suas aldeias que as qua- ou "senão mesmo o emprego exclusivo do granito em grandes
lidades da raça se mostram melhor, percebendo-se, desde lo- blocos toscos ou aparelhados como ocorre na Beira Alta e
go, no acerto das proporções e na ausência de artifícios, uma Trás-os-Montes" enquanto que, na Extremadura e na área de
saúde plástica perfeita, se é que se pode dizer assim". 2 Lisboa e Ericeira, há um evidente "predomínio da caiação" .
Mas, ainda que dispondo dessa "saúde plástica perfeita", Já no Alentejo "domina inconteste uma impecável brancura"
a casa portuguesa é, essencialmente, simples. Até mesmo e no Algarve - no extremo sul - vigoram os detalhes "amou-
como a opulenta sede do vice-reinado até 1763, quando suas riscados", como terraços e as "caprichosas chaminés circula-
igrejas eram as mais ricas e maiores do Brasil, Salvador "ja- res", com peculiar decoração.

(l) Smith, Robert C. Arquitetura Colonial. Salvador, Progresso, 1955, p. 11. (3) Smith, Robert C. Op. cit. , p. 63.
(2) Costa, Lúcio. Op. cit., p. 11. (4) Costa, Lúcio. Op. cit. , p . 12.
()1 ~ li
IM SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 95

Estes regionalismos aqui seriam repetidos com maior ou ções, das ocas monumentais dos nativos, tanto mais que eram
menor ênfase pelos colonizadores, pois eram "de onde eles vi- implantadas em clareiras, como o terreiro das malocas, uma
nham, para a grande aventura inconsciente de começar a fa- vez que o inimigo - bicho ou índio - vinha da mata" .8
zer um novo país". 5 Assim, a evolução da arquitetura residencial no Brasil -<'.!
1 O mesmo sucederia com as técnicas construtivas pois pode ser esquematizada de forma bastante clara e lógica se- V
\! "cada mestre, oficial ou aprendiz - pedreiro, taipeiro, car- guindo, praticamente, padrões muito semelhantes nas diver- \
pinteiro, alvanéu - trazia consigo a lembrança da sua provín- sas regiões do vasto território desbravado e cujas caracterís- \
cia e a experiência do seu ofício, daí a simultânea adoção, logo ticas mais essenciais se repetiriam na medida em que novas
de início, das diferenciadas feições arquitetônicas próprias de áreas iam sendo povoadas, e mesmo em épocas diferentes, a
cada modo de construir: a taipa de pilão, a taipa de sebe, ou seqüência dos tipos de abrigos não apresentava maiores modi-
de mão -6 pau-a-pique, o adobe, a alvenaria de tijolo, a pedra ficações, salvo por algumas soluções mais particulares e de ca-
e a cal" . ráter regional que atendiam a programas mais específicos
Com o correr do tempo houve uma natural seleção destas como é o caso, por exemplo, das chamadas "casas bandeiris-
\ téc,nicas prevalecendo umas e outras nas diversas regiões do tas" que corresponderam às condições próprias de vida dos
Brasil de acordo com o tipo de solo, a facilidade de obtenção paulistas ou, ainda, os engenhos de cana-de-açúcar no Nor-
i dos materiais e a qualidade da mão-de-obra local. deste, grandes conjuntos de atividades agrícolas e industriais
·, Por outro lado, a contribuição dos silvícolas brasileiros à que teriam, naturalmente, uma organização mais complexa.
arquitetura em geral foi muito restrita devido à sua limitada No entanto, porém, é importante lembrar que tanto a casa
capacidade, em forte contraste com as evoluídas culturas que bandeirista quanto o engenho eram propriedades rurais, fator ~
marcaram os territórios da América Espanhola. Assim, "quan- que as diferencia naturalmente das construções em núcleos J
que mais rapidamente se transformariam em cidades. 1
do os primeiros colonizadores construíram as primeiras casas,
não encontraram nesta parte da América uma tradição de Trata-se, então, de um desenvolvimento muito "interes-
construção representativa, nem auxiliares que interpretassem sante, pelas características permanentes dessa casa principal-
os seus métodos, mas apenas o aborígene, a floresta, o rio mente pela unidade do seu aspecto em todo o território, e pela
caudaloso e a taba com suas ocas de trançado, cobertas sim- imutabilidade, através do tempo, dos princípios que presidi-
plesmente de folhas de pindoba ou sapé". 7 ram à sua construção, fenômeno esse comparável, pela seme-
Portanto, "a identificação com o indígena restringiu-se lhança (tendo-se em vista a extensão territorial) ao da língua e
ao 'programa' dos abrigos iniciais à guisa de casas - grandes ao da religião. Sofrendo entretanto como a raça, ou melhor
espaços cobertos nas feitorias ou ranchos, como nos 'montes' como o homem, um processo lento de formação, como este,
do Alentejo - onde acolher as levas de colonos trazidos pelas manteve a casa o seu caráter, a sua fisionomia, enquanto não
frotas. Por seu tamanho, esses telhadões pouco afastados do perturbados pela ocorrência de elementos estranhos em certas
chão, como nos próprios engenhos, rompiam com a tradição regiões, e a partir de certas épocas - incidente natural e ine-
metropolitana - que consistia em decompor a cobertura das vitável.( ... ) E a casa se manteve durante séculos, numa uni-
9
edificações de maior porte em telhados menores - aproxi- formidade imperturbada, numa constância impressionante" .
mando assim tais estruturas, por sua pureza formal e propor- Daí não se poder considerar como uma simplificação ou
um exagero a observação do engenheiro e arquiteto francês

(5) Costa, Lúcio. Op. cit., p. 12.


(6) Costa, Lúcio. Op. cit., p. 12-3.
(7) Wasth Rodrigues, José. A Casa de Moradia no Brasil Antigo: Revista do
(8) Costa, Lúcio. Op. cit., p. 13-4.
Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, Ministério da
Educação e Saúde, (9), 1945, p. 161. (9) Wasth Rodrigues, José. Op. cit., p. 159-160.
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 97
96

Í Vauthier que, permanecendo no Brasil entre 1840 e 1846, es-10 ções iniciais de precariedade se sobrepunham as de perma-
\creveu que "quem viu uma casa brasileira, viu quase todas". nência que, evidentemente, incluíam melhores acomodações e
Dentro, portanto, de um quadro geral de desenvolvi- um nível mínimo de conforto.
mento da arquitetura civil urbana no Brasil que abrange des- Ainda que esse conforto fosse muito limitado, já as casas
de o século XVI até o XVIII, tanto no litoral quanto no inte- se subdividiam em áreas mais específicas para a setorização
rior, o primeiro e mais primitivo tipo de abrigo é o chamado das atividades domésticas, organizando-se em plantas que
rancho, que corresponde à fixação mais inicial e provisória do tendiam para a forma quadrada e nas quais se estabeleciam
colonizador no território. Tratava-se de uma construção im- cômodos para o repouso, para as refeições e para seu preparo. ·r' 1
provisada, estruturada em barrancos ou com galhos de árvo- Ao mesmo tempo, eram melhorados os acabamentos primo.r-
res e coberta com fibras vegetais. Era constituída por uma dialmente pelo uso de toscos rebocos nas paredes que foram,
peça única, à feição dos acampamentos militares, e estabele- depois, caiadas. As fachadas, porém, organizavam-se com
cia, como bem indicou Lúcio Costa, uma espécie de combina- grande simplicidade, com porta e janela - esta situada à
ção da grande oca indígena com os "montes" do Alentejo, meia altura das paredes, fechada com folha única e com forma
anteriormente referidos. sempre quadrada. As esquadrias eram ainda rústicas e o piso,
à medida, porém, que esses locais se comprovavam ade- antes de .terra batida, passava a receber um tabuado ainda
quados à instalação de núcleos permanentes, uma urbaniza- irregular. Os forros, até então inexistentes, começaram tam-
ção, ainda que incipiente, era iniciada embora os abrigos con- bém a se apresentar com o uso de esteiras de ingênuos trama-
tinuassem a se erguer de forma rudimentar, se bem que, en- dos sob as primeiras coberturas de telhas semicilíndricas, es-
tão, os ranchos deixassem de ser coletivos para se configura- tasjá um evidente e grande progresso.
rem como muitas moradias "que até hoje se espalham por Mas a consolidação definitiva dos núcleos urbanos resul-
todo o território pátrio como solução mínima do problema da taria, também, no seu maior número de habitantes e no esta-
casa própria. Quatro esteios de pau roliço, quatro frechais e belecimento das famílias que iriam exigir mais cômodos o que,
uma cumeeira ao alto; roliços também os caibros que recebe- a princípio, era resolvido com os chamados "puxados", peças
rão as fibras vegetais da cobertura: sapé, folhas de palmeira, anexadas à construção primitiva. Por outro lado, nas precá-
etc. Paus com casca e tudo, sem qualquer desbaste que os rias urbanizações desses núcleos, nos quais não havia calça-
beneficiasse. De princípio simples telheiros que acolhem o mento ou passeio, "não seria possível pensar em ruas sem pré-
homem e seus trastes, seus animais, suas ferramentas; depois, dios; ruas sem edificações, definidas por cercas, eram as es-
fechando-se, na periferia, com tramas ainda de paus roliços e tradas. A rua existia sempre como um traço de união entre
12
varas, esqueleto que serviria para a sustentação do barro com conjuntos de prédios e por eles era definida espacialmente" .
que se acabam" .11 E nos parcos arruamentos dos povoados não havia área sufi-
Com a estabilização dos povoados, que iam se definindo ciente para a disposição de casas ao sabor de puxados cons-
em arruamentos bastante rudimentares e caracterizados, truídos sem algum critério básico de organização pelo que sur-
como já foi mencionado, por um gregarismo constante, tam- giu o primeiro modelo de residência brasileiro - a casa térrea
bém melhoraram as construções residenciais já que às condi- - que atenderia aos requisitos essenciais da época.
Assim, para permitir maior aproveitamento dos arrua-
mentos são as testadas dos lotes reduzidas a dimensões mini- li
(10) Vauthier, L. L. Casas de Residência do Brasil. Revista do Serviço do
mas (entre 6 e 8 metros, em geral), o que atendia, ao mesmo
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, Ministério da Educação e
Saúde, (7), 1943, p. 143.
(11) Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira. Primeiro Semi-
(1 2) Goulart Reis Filho, Nestor. Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo,
nário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957,
Perspectiva, 1970, p . 22-3.
p. 62.
r--v?e-!nÍtu114J ,l'1(yy.,.t?Yitil
t 98 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 99

f empo, ao gregarismo então predominante. Em compensação, para carruagens e liteiras e, aos fundos, depósitos e aloja-
// ~a profundidade desses lotes era aumentada, facilitando não só mento da escravaria, já então mais numerosa tanto pelos re-
\ ~ iª construção de puxados nos fundos como o surgimento dos quisitos de serviço da própria casa quanto como prova da ri-
J..\) \)'quintais. As casas eram, por sua vez, de ·~.", ou queza de seus proprietários. Ainda nesse pavimento térreo se
l seja, unidas nos seus limites laterais, ensejando a utilização de desenvolvia, aos fundos ou como variação da escada principal,
coberturas de duas águas que, caindo para a rua e para os uma outra, menos cuidada no lançamento e nos acabamentos,
qu~ davam escoamento natural às águas pluviais, ao qu,e se destinava ao trânsito de serviço.
mesmo tempo que eliminavam complicados sistemas de ca- No segu_Edo paviment9 é retomada a solução da planta da
lhas e protegiam as paredes laterais da umidade. Para as fa- casa térrea com o corredor que, a partir do final da escada,
~ rnílias mais numerosas eram ocupados dois lotes, que permi- segue para a frente, levando à sala principal, aberta para a
L_J.i am a construção de um maior número de cômodos. ~ rua, e que, dirigindo-se aos fundos, dá acesso às alcovas, à
.. Estes se organizavam em plantas geradas a partir da pró- l "sala da família" e às áreas da cozinha e serviço.
-'~~ pria configuração dos terrenos, tendo um corredor - paralelo -- Aliás, é curioso notar que a palavra sobrado tem várias
\ a um dos limites laterais do terreno - como eixo longitudinal acepções na língua portuguesa, podendo indicar tanto uma
e que ia da rua ao quintal. Na frente situava-se a sala, no construção de dois ou mais pavimentos (mesmo que se trate de
centro os quartos (ou alcovas), 'ao fundo uma espécie de "sala um porão) como somente o segundo pavimento de uma edifi-
da família" - correspondente ao "estar íntimo" de hoje - cação.13 E, em inúmeros exemplos, o número de pavimentos
onde preferencialmente ficavam as mulheres. Seguiam-se QU ~ era maior, chegando a quatro ou mais andares.
xados para a cozinha e a senzala e depois o quintal. No caso Ao mesmo tempo em que eram construídos os sobrados,
daSfamílias maiores geralmente era feito um simples "reba- já com maior domínio das técnicas construtivas, também apu-
~ timento" (ou duplicação) da planta usual, passando o corre- {;.-ravam-se ~cabamentos_, que não só incluíram sacadas e bal-
i dor, então, a ser central. . cões para a rua, com guarda-corpos treliçados de madeira em
.__, Entretanto, o desenvolvimento das aglomerações urba- caprichosos desenhos ou com elegantes balaústres, depois
nas, incluindo o natural incremento do comércio, motivou substituídos por grades de ferro mais duráveis, já que os for-
tanto o escasseamento dos terrenos centrais como a saturação ros tornaram-se mais complexos - pelo menos nas salas da
frente, para as visitas - tanto pelas soluções alteadas quanto
das vias arruadas. Ao mesmo tempo, esse crescimento urbano
foi condicionando uma inevitável hierarquização social que
procuraria ter, no seu tipo de residência, uma clara definição
t ~
pelo uso de pinturas decorativas.
Porém, logo o comércio se faria presente nos sobrados,
de status. A esse progresso urbano e social aliou-se um maior -'7 como ocorrera anteriormente nas casas térreas - quando a
domínio das técnicas construtivas e, como resultante de todos sala servia de "venda" ou local de pequenos negócios - e os
esses fatores, surgiu o sobrado, o segundo e mais definitivo sobrados passaram a constituir uma tipologia própria, in-
modelo de residência no Brasil-Colônia. cluindo, além dos exclusivamente residenciais, os mistos .:__ de
Em muitas áreas, como, aliás, ocorreu nas Minas, a pró- -4' ~esidência e negócios - e os apenas comerciais, conhecidos
pria topografia irregular das vilas iria ensejar os porões que, L:omo "sobrados de negócios".
por sua vez, sugeriam construções em níveis diferentes, apro- ..--- Emse tratando dos sobrados de negócios, o térreo se re-
veitando a altura. ~ servava à loja - ou "negócio" - na sua frente, ficando atrás
\p r o sobrado vai, portanto, marcar a paisagem urbana co- e no pavimento superior os depósitos. Então eram mais rústi- .«

i ~ lonial em todo o país, a princípio de caráter exclusivamente


\l residencial e como símbolo de importância social em determi-
~ nado contexto urbano, quando sua planta é resolvida com ves- (13) Corona & Lemos. Dicionário da Arquitetura Brasileira. São Paulo,
\ tíbulo e escadaria nobre na frente, ficando ao lado uma área Edart, 1972, p . 429 .
100 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 101

cos os acabamentos e menos delicadas as esquadrias, sendo plos sobrados antigos e que é exemplarmente descrito por Lú-
mesmo preferido para o piso do primeiro pavimento o revesti- cio Costa:
mento com seixos rolados. r "A máquina brasileira de morar, ao tempo da Colônia e
r Quando o sobrado era misto, atendendo tanto à função {l do Império, dependia dessa mistura de coisa, de bicho e de
gente, que era o escravo. Se os casarões remanescentes do
Vresidencial quanto à comerc1al, os acabamentos se adaptavam tempo antigo parecem inabitáveis devido ao desconforto, é
a cada uma delas, ficando a área de negócio, também no tér-
reo, sempre com maior rusticidade em sua aparência. A parte porque o negro está ausente. Era ele que fazia a casa funcio-
destinada à família, entretanto, procurava seguir a dos sobra- nar: havia negro para tudo, desde negrinhos sempre à mão
dos exclusivamente residenciais, apurando seus detalhes até para recados, até negra velha, babá. O negro era esgoto; era
mesmo com a porta de entrada marcada por vigorosos almo- água corrente no quarto, quente e fria; era interruptor de luz e
fadados em franco contraste com a solução de tábuas em ca- botão de campainha; o negro tapava goteira e subia vidraça
lha, sem relevo, da área destinada às atividades comercias. No A ~esada; era lavador automático, abanava que nem venti-
1_3dor" . 14
4 mais, as soluções se equivaliam quanto à organização básica 1 Pode, assim, ficar muito claro o adequado e lógico par-
'[_9as plantas.
\ltido das plantas residenciais da época colomal quando a es-
Mas o crescimento, em geral pouco ordenado dos nú- cravaria, sempre presente, complementava o funcionamepto
cleos, já então elevados à categoria de vilas, com vida movi- das casas, atendendo a todo tipo de serviços. Entre esses, é
mentada, acentuado desenvolvimento comercial e com socie- válido salientar que, não havendo esgoto, tanto a água servida
dades então estratificadas em classes definidas iria se refletir quanto o conteúdo dos urinóis - usados nas alcovas, já que
na arquitetura residencial, fazendo com que as casas térreas banheiros também inexistiam - eram coletados em barricas
dos primeiros tempos configurassem pobreza e, até mesmo que os escravos depois esvaziavam em locais predeterminados
,\/ caracterizassem áreàs de prostituição, enquanto os sobrados e mais afastados. A este conjunto de negro/ barrica-de-dejetos
eram identificados com a riqueza e o poder. era dado o nome de "tigre", por óbvias razões. Também o es-
Entretanto, como a própria tipologia· dos sobrados evo- cravo bm.cava águâ nosChafarizes, suprindo, portanto, prati-
luíra para a superposição das funções residenciais e comer- camente todos os demais requisitos de higiene e conforto, en-
ciais, nem mesmo estes podiam mais simbolizar a hierarquia j ::o bastante limitados. Enquanto isso, as cozinhas se instala-
social já estabelecida, pois era evidente a degradação dos cen- ~m em puxados de chão batido e rústico acabamento.
tros urbanos com a proliferação do comércio. Para resolver A arquitetura residencial no Brasil, portanto, evolui com
essa complexa situação surgiriam, no século XIX, as chama- o processo civilizatório, a este se adequando naturalmente,
r: das "casas de arrabalde", ou chácaras, que, situadas na peri-
~ . feria dos centros urbanos, garantiam tanto tranqüilidade e
bem como adaptando as soluções mais convenientes dos es-
quemas originais portugueses em versões de apurada elegân-
privacidade para seus proprietários como revitalizavam sua cia na sua graciosa singeleza. Por isso mesmo, são nossos con-
proeminência de nobres ou de prósperos cidadãos. Porém, juntos urbanos coloniais tão harmoniosos, belos e agradáveis,
essa solução seria adotada primordialmente nos movimenta- neles se destacando, por seu especial encanto, os das vilas do
dos portos do litoral (como no Rio de Janeiro) pouco ocor- ouro nas Minas.
rendo nas Minas que, na época, já enfrentavam grave empo-
~ brecimento e mesmo uma inevitável decadência dos núcleos
l urbanos, motivada pela exaustão dos depósitos auríferos.
v Finalmente, é importante ainda salientar o papel do es- (14) Costa, Lúcio. "Depoimento de um Arquiteto Carioca" in Sobre Arqui-
cravo nas soluções da arquitetura residencial do Brasil-Colô- tetura . Porto Alegre, Centro dos Estudantes Universitários de Arquitetura, 1962,
nia, fato que escapa a muitos na análise das casas e dos am- p . 174-5.
102 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 103

A casa mineira lugar a soluções variadas, em "L" ou "U" ainda que preva- f j
tecessem os pés-direitos reduzidos, praticamente em torno de 1\
2,SOm.
A casa mineira - como, aliás, toda a arquitetura do sete- A estas transformações sucederam-se outras, motivadas
centos na Capitania das Minas Gerais - foi um produto dos pela economia florescente, que permitia maiores comodida-
.específicos e peculiares condicionamentos criados pela grande des, e as casas passariam a tender para esquemas retangulares
aventura do ouro e, por isso, refletiu claramente as condições mas, como observa Sylvio de VaSCõncellos, em proporções
do povoamento, da economia e da rápida urbanização que "decorrentes ainda do quadrado: quadrado e meio, duplo
caracterizaram a região das explorações auríferas. Também quadrado ou retângulo onde o lado maior iguala a diagonal do
nas Minas a evolução das habitações seguiu as mesmas etapas quadrado que o menor formaria" .17 Essa preferência pelas
das construções do litoral mas de uma forma mais dinâmica e formas quadradas era visível também nos esquemas estrutu-
em menor período de tempo pois, como já foi visto, a estabi- rais em madeira, quando os esteios, ou apoios intermediários
lização dos principais núcleos do ciclo do ouro foi marcada das paredes, eram distribuídos com dimensionamentos que
tanto pelo imenso afluxo de mineradores quanto pelo intenso igualmente definiam uma modulação quadrangular.
desenvolvimento do comércio. Assim, ainda que seguidas to- Outras melhorias construtivas foram introduzidas nessa
das as fases anteriormente relacionadas, estas tiveram uma fase, como a construção de embasamentos em pedra, que ele- 1
seqüência muito menos lenta nas vilas de maior produção mi- vavam as casas do nível do chão, protegendo-as contra a umi- ,
neral, onde se sucederam as tipologias da arquitetura resi- dade e as enxurradas, e o aumento da altura dos pés-direitos
dencial, enquanto nos povoados de menores depósitos aurífe- que chegam a 3,50 m. Ao mesmo tempo os acabamentos eram j
ros reduziram-se as residências às formas mais simples das feitos com maiores requintes tanto nos forros de madeira, al-
casas térreas ou, pelo menos, com número bem reduzido de teados e com molduras, quanto nas esquadrias, que são resol-
sobrados. vidas não só com mais segurança como com detalhes mais
Portanto, também nas Minas, "o aventureirismo que pre- cuidados, como as "almofadas perfiladas a capricho".
sidiu os primeiros povoamentos, por isso mesmo estabeleçidos As fachadas apresentavam-se com uma acentuação fran- 1
' com caráter de transitoriedade, serviu-se do rancho de peça camê"iítehõrizontal, o que lhes confere uma particular e muito if
única, utilizando-se quase unicamente de vegetais como ma- agradável sensação de acolhimento que é reforçada pelos am-
terial de construção" ,1 5 tal como ocorrera nas primeiras po- plos beirais e pela equilibrada distribuição das janelas, que já
voações do litoral. Depois , seguiram-se os abrigos mais está- não se resumem a aberturas mínimas, tanto em número como
veis e já com uma incipiente divisão de cômodos para evo- nas suas próprias dimensões. Assim, "a casa, posta ao com-
luírem, com a consolidação das povoações e o estabelecimento prido, prefere a horizontal, acentuada pelas largas beiradas ej
das famílias, em plantas mais específica e complexamente di- pela sucessão de vãos que se equivalem aos cheios das pare-
vididas. "A princípio timidamente, em puxados para trás, des.( ... ) Casas faceiras, despretensiosas mas arrumadas; lim-
para os lados, para a frente, aproveitando a mesma cobertura pas, espichadas ao longo das ruas que aos poucos se vão defi-
em prolongamentos que se espicham e se encolhem como asa nindo, pela configuração retangular e pelo delicado apuro de
de galinha16
na proteção aos pintos, na feliz expressão de Lúcio seus acabamentos" .18
Costa." Já então, o "partido" - ou forma básica da planta Mas essa seria como que uma curta fase de transição,
- se alterava e a nítida preferência inicial pelo quadrado dava pois logo a arquitetura residencial mineira se enquadraria na

(15) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 62.


(17) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 63.
(16) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 63.
(18) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p . 63-4-
104 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 105

tipologia constante nas demais vilas brasileiras, passando a r' para atender à ampliação da moradia propriament!;! dita, mas
ser condicionada pelo intenso desenvolvimento urbano e pela 1r para abrigar dependências anexas indispensáveis à vida ou ao
insuficiência dos terrenos nos reduzidos arruamentos. trabalho de seus moradores. Dependências para os animais,
Era a época das casas térreas em lotes estreitos, quando o para os carros, os arreios, os mantimentos, senzalas para os
longo corredor, da rua ao quintal, tornou-se o eixo longitudi- escravos, depósitos de utensílios e ferramentas e, principal-
nal das plantas, geradas pelas limitações das áreas para cons- mente, para o comércio. Atividades embaixo, moradia em
truções residenciais. Portanto, "quando os povoados aumen- cima. Perfeito atendimento às funções duplas ou múltiplas da
tam, progridem, rapidamente, escasseiam os terrenos arrua- ~ construção, que desníveis naturais dos terrenos também faci-
dos e os lotes disponíveis se fazem cada vez com menores fren- 1c l"t
l avam. ,,20
tes. As casas de amplas fachadas restringem-se aos arrabal- Aliás, como influência paralela no surgimento dos sobra-
des, enquanto mais no centro dos povoados desdobram-se em dos, principalmente nos terrenos de topografia difícil das po-
várias moradias, espremidas umas às outras. ( ... ) Temos en- voações mineiras, poderiam ser considerados os fortes declives
r tão a casa típica das vilas e cidades brasileiras, descritas por e aclives dos lotes que, exigindo o equilíbrio das construções
• quantos a estudaram, desde Vauthier e Debret. Peça mais com os desníveis, agenciavam os porõe~ - por vezes relati-
importante delas é o corredor lateral de entrada, corredor que vamente altos - sugerindo o natural aproveitamento desses
perfura por inteiro a moradia, servindo de entrada nobre em espaços em maior escala e de forma mais adequada. Seria
seu terço anterior, de distribuidor, íntimo, em seu terço mé- esse, por exemplo, o caso de Ouro Preto, se consideradas com
dio, e de serviço, de saída, em seu terço final. ( ... ) Por ele mais amplitude as observações de Sylvio de Vasconcellos: "A
entram as visitas mas entra também o cavalo arreado ou o topografia de Vila Rica é, por assim dizer, bastante imprópria
burro carregado. Por ele se atinge o porão, quando existente, ao estabelecimento de uma povoação. Terrenos planos natu-
usando-se o alçapão disfarçado no soalho e o sótão, o vazio de rais são praticamente inexistentes e a sua obtenção, .Por ater-
Llobertura buscado por escadas discretamente agenciadas" . 19 ros e desaterros, é dificultada ao extremo pela dureza geral do
Dentro deste partido das plantas, com as testadas (ou solo. As ruas, ao longo das encostas, deixam, de um lado,
frentes) dos terrenos muito estreitas, as fachadas - coladas lotes de fortes aclives e, de outro, consideráveis declives. Esta
umas às outras - tiveram solução uniforme e harmoniosa, topografia, assim difícil, explica as preferências e desapreços
baseadas na disposição natural dos vãos: duas janelas da sala por diversos sistemas construtivos. Desistindo de corrigir os
da frente, e a porta de entrada que iam se sucedendo, abriga- terrenos, alçam-se as casas sobre eles, por intermédio de es-
das sob os amplos beirais da cobertura, criando uma disci- teios e pilares". 21 Portanto, além da preferência por determi-
plina agradável e despretensiosa, que ainda marca muitas nados sistemas construtivos, era muito fácil e evidente o uso
ruas nas vilas do ouro. desses espaços para uma utilização mais prática e, a partir
Mas a exigüidade dos arruamentos, como foi mencio- daí, criar intencionalmente áreas em altura que favorecessem
nado, exigiria melhor aproveitamento dos lotes pela utilização seu melhor e maior aproveitamento, o que, em resumo, suce-
das construções em altura. "Postas agarradas umas às outras, dia com os sobrados.
sem terrenos disponíveis para a necessária expansão que mui- Em relação às soluções das fachadas dos sobrados houve
to precariamente poderia aproveitar-se dos fundos, cada vez uma acentuada modificação das proporções, motivada, inclu-
mais distantes, dificultando uma distribuição lógica e adequa- ~ sive, pelo aumento na altura do~ pés-direitos que atingiriam
da das peças, só podiam lançar-se ao alto as casas dos centros
H
! 4,00 m e até mais. Assim, à horizcmtâiíciade das casas térreas
urbanos mais densos. Surge o sobrado, imposto nem sempre

(20) Vasconcellos, Sylvio de . Op. cit., p. 64-5.


(19) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 64. (21) Vasconcellos, Sylvio de. Vila Rica. São Paulo, Perspectiva, 1977, p. 66.
106 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 107

se contraporia uma nova verticalidade, que resultava tanto


das testadas que se mantiveram reduzidas quanto da maior
altura das construções e de sua abertura em portas (no térreo)
e em sacadas e balcões (nos pavimentos superiores), elementos
novos e nos quais a vertical é enfatizada pelas esquadrias já
muito mais bem acabadas.
Mas, como ocorreria nos demais centros brasileiros, ha-
via a predominância das fachadas caiadas, enquadradas em
pedra ou madeira pintada, bem ao _gosto popular português.
Nas Minas, principalmente, com o uso mais difundido dases-
truturas em madeira, as fachadas se harmonizavam em mo-
dulação, que traduziam suas vinculações com as raízes dis-
tantes, em Portugal.
Os sobrados passam, então, a definir as principais vias
urbanas, constituindo "o aspecto mais característico das po-
voações de maior porte de toda a colônia e, também, das Mi-
nas Gerais, que só se perturbaria com o aparecimento dos so-
bradões nobres, os solares, pertencentes a alguns poucos se-
nhores de maior pecúnia". 22
Quando situados em esquinas, porém, os sobrados apro-
veitariam a maior amplitude dos terrenos, para se tornar mais
alongados e se libertariam do verticalismo predominante para
adotar uma solução de compromisso entre os dois direciona-
mentos principais - o horizontal e o vertical - que ficaria
mais acentuado pela marcação estrutural ou de emoldura-
mentos que definiriam os pavimentos. Este equilíbrio seria,
aliás, a tendência final das construções residenciais nas Mi-
nas" com a volta das plantas com "partidos em quadra", ain-
da que com vários cômodos tendendo para a forma retangular.
Portanto "já não há prevalência da horizontal ou da ver-
tical, ambos sentidos anulando-se reciprocamente em trama
Casas térreas - Mariana. bem armada que confere ao conjunto, já acentuadamente ro-
busto, uma solidez estática, pesada, que os esparsos elemen-
tos barrocos, ainda existentes, mal conseguem amenizar. O
ambiente prenuncia o neoclassicismo próximo" .23

(22) Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira. Primeiro Semi·


nário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957,
p. 65.
(23) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 66.
108 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 109

Mas, ainda quanto à arquitetura residencial - tanto nas Portanto, a disposição das alcovas na área central das
casas térreas como nos sobrados - , o curioso aspecto das alco- plantas tinha motivações mais complexas que, em geral, esca-
.t:v.;"-, ··vas merece um comentário mais detalhado pela suasolllçãÕ pam ao observador menos avisado. Por outro lado, nas resi-
~. , \..\l (~uliar. Estas peças correspondiam aos quartos de dormir dências mais amplas, era previsto um quarto de hóspedes, que 1
~J i atuais, porém, nas casas térreas e nos sobrados, sua localiza- se situava a distância dos cômodos destinados à convivência
i)' ção nas plantas era primordialmente nuclear e situavam-se no familiar, já que os forasteiros eram vistos sempre com descon- />
centro das construções, erguidas umas junto às outras, não fiança, sendo importante preservar a intimidade doméstica. <J
dispunham de janelas ou outras aberturas para o exterior. Finalmente, ainda que os modelos básicos da arquite-
Embora existam versões de que essa preferência se ligava às tura residencial nas Minas seguissem, como foi visto, a tipolo-
condições de vida impostas às mulheres na época, cuja liber- gia geral que vigorou no Brasil-Colônia, alguns regionalismos
dade era restrita, Sylvio de Vasconcellos tem uma interpreta- caracterizam as casas e sobrados de certas regiões do território
ção muito mais lógica e coerente, baseada nos conceitos de mineiro. Em determinados casos, estes regionalismos eram,
higiene que eram então respeitados. primordialmente, de caráter construtivo, referindo-se ao uso
Assim, "o desconhecimento das causas de muitas das de certos materiais ou de técnicas mais específicas que, por
moléstias que afligiam as populações faziam -nas crer decor- um ou outro motivo, tornaram-se mais populares em áreas es-
ressem elas dos ares, dos ventos, responsáveis pela difusão de pecíficas, como se verá adiante. Entretanto, em alguns nú-
inúmeros males, principalmente aqueles mais freqüentes nas cleos urbanos eram evidentes características próprias de con-
regiões úmidas de beira-rio preferidas pelas minerações. Ven- junto, sendo, entre estes, o Tijuco o mais destacado exemplo,
tos frios que espalhavam miasmas pestíferos, mais perigosos onde "o casario di~tingue-se por suas p_!n~_uras externas, em :/,,
quando surpreendiam o vivente incauto, adormecido. Ares colorido vibrante. As vezes imita os estucados, em ramagens 111
que importava assim afastar, principalmente à noite, evi- repetidas sobre as tabelas das cimalhas". 25 _.-l

~ tando-se janelas, compondo-as de folhas cegas e cobrindo-se · Chega a ser paradoxal que o centro do Distrito Diaman-
1- as camas com cortinados e dosséis". tino - o Arraial do Tijuco - sujeito à mais implacável re-
Não há, pois, absurdo maior nas soluções adotadas, que pressão nas Minas setecentistas tivesse se configurado de for-
correspondiam plenamente aos conceitos de origem higiênica ma arquitetônica tão mais leve e cheia de cores, quem sabe
então vigorantes. Confirmando a assertiva, bastará citar a como em silencioso protesto pela dureza das leis que a regiam.
"reza" recolhida por Taunay: Pois, efetivamente, "barrocas e dramáticas são muitas das po-
voações mineiras. Rococó apenas uma: Arraial do Tijuco, Ci-
"Em nome de Deus Padre dade de Diamantina. E faceira na forma; jovial no conteúdo.
Em nome do Deus Filho e do Espírito Santo. Não influi tragédias: canta. Não sugere queixumes; sorri bre-
Ar vivo, ar de estupor, ar de perlezias, jeira" .26
Ar arrenegado, ar excomungado Assim, mesmo uma visão mais geral das vilas do ouro
Eu te arrenego em nome da S. S. Trindade permite verificar as peculiaridades e a importância do casario
que saias do corpo desta criatura (ou animal) nos contextos urbanos das Minas setecentistas, onde a arqui-
e vás parar no mar sagrado 24 tetura residencial marcou a paisagem em soluções que unem
para que viva são e aliviado. " tanto elegância e harmonia quanto singeleza e equilíbrio.

(25) Lefêvre, Renée & Vasconcellos, Sylvio de. Minas: cidades barrocas. São
Paulo, Cia. Ed. Nacional; Ed. da Universidade de São Paulo, 1968, p. 43.
(24) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 64. (26) Lefêvre, Renée & Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 41.
110 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 111

Alguns exemplos dos beirais com cimalhas de caprichoso recorte que configu-
ram novo apuro nas construções. Estes renques de sobrados se
elevam, com graça excepcional, na Ladeira do Rosário, na
A casa brasileira é, fundamentalmente, simples e despre- Rua São José, e na Rua Conde de Bobadela (antiga Direita)
tensiosa como já foi visto e, no caso das Minas, também assim em Ouro Preto; na Rua da Quitanda (também antiga Direita)
se apresentaria pois o complexo processo civilizatório da re- em Diamantina, onde se destaca o único exemplo de muxa-
gião, embora marcado pela abundância do ouro, não ensejou rabi, uma janela rasgada por inteiro e toda protegida por um
residências de grande luxo ou requinte, atributos que caracte- belo treliçado, elemento cuja origem árabe é indicada pelo
rizariam, especialmente, as igrejas. próprio nome que significa " lugar onde se guarda água fres -
r Portanto, a casa - no Brasil e em Minas - "feita à se- ca". Ainda no velho Tijuco, outra notável seqüência de sobra-
~ melhança da casa portuguesa, Simples, esquemática, adquiriu dos é a da Rua do Bonfim, logo em continuação à capela do
logo seus característicos próprios, por muitas causas: o mate- mesmo nome, criando, com o alargamento da via pública, um
rial, o clima, as raças e a condições política. ( ... )Faltou entre espaço mais amplo que, à feição de praça, dá ainda maior
nós o palácio, a casa apalaçada e, mesmo, o solar ou quinta destaque à arquitetura despretensiosa mas sempre extrema-
com estrutura e requinte arquitetônicos. Daí, certa pobreza mente elegante.
(J de aspecto, à falta de exemplos e de estímulo, pois é evidente Seria, porém, tarefa cansativa e até dispensável enume-
~ue as igrejas não influíram nesse sentido em nossas casas" .
27
rar a riquíssima exemplificação do casario mineiro em todas
Mas essa "pobreza" que, em certa fase dos estudos refe- as suas tipologias que definem, até hoje, as vilas do ouro e
rentes ao Barroco Mineiro foi , equivocadamente, acentuada que, nelas, podem ser constantemente admiradas, ensejando,
como um fator negativo, representava - por outro lado inclusive, descobertas inesperadas de acordo com a sensibili-
- uma unidade de conjunto que, por suas adequadas propor- dade de cada um. Mais válida, porém, torna-se a indicação de
ções e pelo agradável ritmo dos elementos arquitetônicos, até pelo menos alguns exemplares da arquitetura residencial que
hoje apresenta conjuntos urbanos da maior beleza e harmo- se sobressaem nos conjuntos urbanos por específicas caracte-
nia, que se destacam imediatamente em nossas cidades histó- rísticas e, principalmente, por sua escala mais grandiosa e seu
ricas. ~
requintado acabamento. Ainda assim, porém, não se enqua-
Entre estes, incluem-se as pequenas e bem proporciona-
dram nas categorias das casas apalacetadas ou dos solares e
das casas térreas que se sucedem em frente à Igreja do Rosá-
sua grandiosidade é apenas relativa, estabelecendo-se muito
rio, em São João del Rei (na atual Praça Embaixador Gastão
mais a partir de uma comparação com os modelos mais usual-
da Cunha), na Rua do Padre Toledo, em Tiradentes - onde
mente adotados nos núcleos urbanos em que se inserem. Tam-
ainda existe uma casa térrea com belo forro pintado - , ou em
pouco se pretende aqui fazer uma relação completa mas, an-
outros exemplos que se espalham pelos antigos núcleos de mi-
tes, indicar apenas algumas destas casas de maior porte e mais
neração, às vezes com soluções que se adaptavam às dificul-
apurado detalhamento cuja presença arquitetônica foi mais
dades da topografia como as escadas externas na Rua Alva- marcante na paisagem urbana das Minas setecentistas.
renga Peixoto, em Ouro Preto.28 Em Diamantina - Arrail do Tijuco - a antiga residên-
Em se tratando de sobrados os conjuntos adquirem ainda cia do Padre José de Oliveira e Silva Rolim, um dos principais
um maior e natural realce, com a movimentação dos balcões e inconfidentes, situa-se no trecho mais baixo da antiga Rua
Direita, em frente à atual Praça Conselheiro Mata (ou Largo
da Matriz) na qual se ergue, também, a catedral que substi-
(27) Wasth Rodrigues, José. Documentário Arquitetônico Relativo à Antiga tuiu a primitiva matriz de Santo Antônio, dos primórdios da
Construção Civil no Brasil. São Paulo. Martins; Ed. da Universidade de São Paulo,
1975, p. 2. povoação. Trata-se de uma construção particularmente inte-
(28) Vasconcellos, Sylvio de. Vila Rica. São Paulo, Perspectiva, 1977, p. 184. ressante por apresentar claramente a solução de compromisso
112 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 113

entre a casa térrea e o sobrado, estabelecida a partir do na-

·o
tural desnível do terreno em que se implanta, situado na es-
quina da Rua da Grupiara, e com ampla área para esta rua,
dentro da qual passa o córrego Tijuco.
Apesar da configuração extremamente alongada do lote ,
a casa ocupa seu ponto principal mais evidente - a esquina

L!_-J - desenvolvendo-se em uma planta de partido peculiar, pois


é resolvida como um compacto quadrado nas testadas das
duas ruas para depois incluir um amplo pátio, fechado por
--ir- duas alas de construção subdivididas em cômodos de menor

rua ruo
~ ---11'I área. Na parte da frente, um vestíbulo dá acesso a peças mais
amplas , que seriam os salões principais e outras, mais reduzi-
das e sem aberturas para o exterior, as alcovas.
rua
rua
Com o desnível do terreno, a esquina favorece a criaçãol
PAV. TÉRREO _ _ escala 1/ 375 PAV. SUPERIOR
de um amplo porão que, pelas suas dimensões, pela altura do
Casa da Chica da Silva - Diamantina.
pé-direito, epefõtipo de portas existente, poderia ter sido
usado para diversas finalidades , inclusive senzala. E é justa-
mente esse porão que funciona como espaço de transição para
a construção assobradada que, no caso, corresponde ao pavi-
mento principal da residência ao qual se tem acesso por uma
escada de pedra, desenvolvida externa e paralelamente à fa-
chada da Rua Direita e com guarda-corpo em madeira, com ~
peças de perfil reto.
A fachada é resolvida em uma agradável composição de °ÂJ
chei'õSêVãzíõs, estes constituídos por janelas de esquadrias de -
madeira com vergas retas, bem ao gosto mineiro, que transpa-
rece também na solução do beiral, ritmado pelos chamados
1-- r "cachorros aferentes" , peças de madeira que o sustentam. . J'
r Construída no século XVIII , a casa do Padre Rolim foi
confiscada quando do fracasso da Inconfidência Mineira e seu
proprietário degredado para Lisboa, nela funcionando hoje o
Museu do Diamante.
Ainda em Diamantina outra residência tem característi-
cas especiais tanto pela solução arquitetônica quanto pelo
e e conteúdo histórico e mesmo lendário que a envolve. É a casa
de Chica da Silva, a poderosa mulata que, como amante do
ruo rua
contratador João Fernandes de Oliveira, dominou o Tijuco
PAV. · SUPERIOR
PAV. TÉRREO _ escalo 1/ 250
nos meados do setecentos. Em uma das portas da Rua Direita,
tendo quase à frente a Rua do Contrato, e fazendo esquina
com a Rua do Jogo da Bola mas, sem topografia acidentada,
Casa do Padre Rolim - Diamantina. este vasto sobrado assenta-se solidamente em um terreno am-
114 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 115

pio que permitiu o desenvolvimento de uma planta basica-


mente quadrangular embora com um "puxado" - provavel-
mente de serviço - para o lado da Rua do Jogo de Bola en-
quanto que, no sentido da Rua Direita, existiu a Capela de
Santa Quitéria - atualmente marcada apenas por um portão
- e privativa de Chica da Silva que, como mulata, não era
aceita pela Ordem Terceira do Carmo, cuja capela fica bem
próxima.
A entrada é feita por um vestíbulo, no qual uma ampla
escada leva ao salão principal, no pavimento superior. Este
dispõe de uma longa e agradável varanda treliçada de onde,
segundo consta, Chica da Silva veria sua imponente chácara,
"nas fraldas da serra do São Francisco, não longe da paragem
29
denominada Palha" . Na área central da planta ficam as al-
covas, havendo uma circulação, aberta para o exterior, que
"'e:
·;::; leva às áreas de serviço e da escravaria.
e:
"'E Quanto à fachada, sobriamente composta com janelas
o"' treliçadas e a porta de entrada no térreo, apresenta elegantes
1 sacadas com balaústres torneados no pavimento superior e
.ê tem seu beiral, também com cachorros aferentes, complemen-
o
a: tado por uma cimalha com decoração de motivos florais, tí-
~ pica do velho Tijuco.
"O
a.."' Como o terreno é amplo e nele a casa se enquadra de
o
"O forma mais livre, não ocorrem pátios internos, como na resi-
"'
(/)
dência do Padre Rolim e em outros sobrados do século XVIII,
u"'
mas é quase uma constante em todos - como, de resto, na
arquitetura civil em geral - a preferência por um número
ímpar de vãos nas fachadas. Também é válido lembrar que,
no caso dos sobrados de maior porte, a cobertura passa a ter
quatro águas (ou até mais, seguindo o gosto português por
telhados mais subdivididos) em vez das duas usuais nos exem-
plos mais comuns.
Entretanto, é em Tiradentes que pode ser encontrada
uma residência setecentista de excepcional interesse, original-
mente propriedade de outro religioso envolvido na Inconfidên-
cia Mineira, o padre Carlos Correia de Toledo e Melo, igual-
mente deportado para Lisboa, onde veio a falecer, sendo o

(29) Mata Machado Filho, Aires. A"aial do Tijuco - Cidade Diamantina,


São Paulo, Martins, 1957, p. 56.
116 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 117

imóvel confiscado pela Real Fazenda. Tendo servido como T·-·-·


li -1111111 11.l'
sede da Prefeitura, é agora sede da Fundação Rodrigo Melo
·F ranco de Andrade.
A casa do Padre Toledo, como é conhecida, assemelha- ',[1/l'"'>/l -------.
-------,Tr-1
. , / ',
+ ::J/~ 1 J. ---<
se mais que nenhuma outra, por suas características, às solu-
ções dos solares portugueses, devidamente adaptadas às limi- / . -- •'; -- '.,'T--1'

~::
/

tações da época e da região. Mas seus cunhais - pilastras de :<


canto nas paredes - de pedra, complementados pelo elegante
desenho das janelas, com as vergas em arco abatido e a deco-
ração delicada que delas desce, são certamente elementos que
conferem um indiscutível requinte à construção que, embora
i "''"
:.!.'t

""\l-'
.

1. t
! :

1
t' 'r-----: 1" ;:- 1-r
..

l ;.------'.,_
,' )- - ...;. ',..,
11 l
,' / .
,/"'

1
'• /
-- ~
-:::.~
',

,.>--- :.' ·,,

térrea no seu desenvolvimento básico em planta, tem um pe- ruo


queno segundo pavimento em um dos lados, quase à feição de
PAV. TERREO PAV SUPERIOR _ escalo l /400
torre e situado na esquina do terreno em que se implanta. Este '
Solar de Jacinto Dias - Sabarã.
detalhe, aliado à sua entrada, feita através de um jardim late-
ral e não diretamente para a rua, completa, por assim dizer, o

.
seu aspecto mais senhorial, também realçado pela alvenaria '·\- -----{/ '

caiada que lhe confere grande dignidade e acentua a elegância J..: -----.J:. ' !--'
/

de suas proporções. ,"' ',,


/
e
Quanto à planta, é organizada retangulartnente com de- o

zoito cômodos de dimensões bastante amplas e que se abrem


quase todos para o exterior, sendo importante consignar os
tetos alteados dos salões principais, com pinturas bastante cu-
riosas, principalmente a que representa os cinco sentidos.
Com vários detalhes que valorizam sua cuidadosa execução,
a casa se destaca naturalmente no conjunto urbano de Tira- escalo l / 250
dentes. Casa Azul - Sabarã.
Já em Sabará, duas residências fronteiras, na antiga Rua
Direita (atual Pedro II), retomam a linguagem mais usual do
casario mineiro, ainda que mostrem feitura extremamente
cuidada e evidente apuro nos acabamentos.
A primeira, atualmente acolhendo a Prefeitura Munici-
pal, é também conhecida como Solar do Padre Correia ou de
Jacinto Dias. Trata-se de um sobrado imponente, mandado /
/

construir pelo Padre José Correia da Silva no final da década /


/

/
de 1770. Sendo, posteriormente, vendido ao advogado Jacinto
Dias da Silva, ficou mais conhecido pelos nomes destes seus es.co lo 1/ SOÇ) ruo

~
/
/
/
/
dois proprietários. .. /

.. /
Sua planta que, não ocupando a totalidade do terreno, /
,/

deixa afastamentos laterais pouco usuais nesse tipo de solu-


ção, distribui-se a partir de um vestíbulo central de entrada,
Casa do Padre Toledo - Tiradentes.
118 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 119

do qual se desenvolve bela escada, continuando em alas late- Os salões que ladeiam o vestíbulo têm dimensões bastante
rais no térreo. No pavimento superior, um amplo salão corres- maiores que as usuais, com forro alteado e pinturas, havendo
ponde à parte central, seguindo-se outros cômodos, uma va- outros cômodos menores que, juntamente com um grande sa-
randa e a pequena capela que, apesar de suas proporções mí- lão ao fundo (possivelmente usado para refeições), completam
nimas, apresenta rica e bela decoração em talha pintada de o pavimento térreo, sob o qual ainda se desenvolve um porão.
branco e dourado. Apesar de se tratar de uma residência ori- Externamente, diferencia-se a casa das demais constru-
ginalmente feita para um padre, cujos deveres religiosos são ções de sua tipologia pela bela porta central, resolvida de for-
cotidianos, a inclusão de uma capela particular indica a ex- ma extremamente erudita, com recortadas sobreverga em vá-
cepcionalidade do sobrado, ainda mais que, situado na via rios níveis e que é arrematada por uma composição de gosto
principal - em pleno centro urbano, portanto - não se dis- quase rococó, muito mais adequada a uma construção reli-
tanciava tanto das várias igrejas da vila. Aliás, as pinturas nos giosa que à arquitetura civil. Esta porta, além de dispor de
forros dos salões comprovam, também, pela sua qualidade, o bem proporcionadas almofadas, apresenta também cuidada
alto requinte da casa. decoração nas ombreiras em curva. De ambos os lados da
A fachada, fortemente marcada por cunhais de madeira, porta dispõem-se janelas em arco abatido e com sobrevergas
é resolvida por uma composição muito equilibrada de cheios e salientes. Essa valorização da porta de entrada, que ocorreu
vazios, com porta central almofadada tendo, de cada lado, em alguns solares baianos, merece maior realce por ser muito
duas janelas. Na parte superior, cinco janelas rasgadas por rara em Minas.
inteiro abrem-se para um balcão contínuo, com grade de fer- No mais, a fachada é limitada por cunhais de madeira e
ro, que substituiu as sacadas isoladas e protegidas por balaús- por um amplo beiral, sendo sua cobertura de quatro águas.
tres de madeira, primitivamente existentes. Todos os vãos são Esta residência, situada igualmente em meio de quarteirão e,
arrematados por sobrevergas - elementos em balanço coloca- como a anterior, no alinhamento da rua, corresponde - mui-
dos sobre a esquadria - em arco abatido e com belo relevo. to provavelmente - ao retorno às plantas de forma mais qua-
Como a construção é de maior porte, ainda que não situada drada, ocorrido pouco antes do declínio da produção do ouro.
em uma esquina, tem evidente destaque entre o restante do Em Ouro Preto - na antiga Vila Rica - sobressai em
casario, inclusive pela grande cobertura em quatro águas e um conjunto de incontáveis exemplos do mais alto nível um
pela vigorosa cimalha em madeira que lhe arremata o beiral. sobrado que é quase uma exceção, não só pelas suas propor-
Em frente a este sobrado, porém, uma casa térrea de pro- ções e acabamento como - e mesmo especialmente - pela
porções mais amplas é outro exemplo singular de arquitetura disciplina de sua composição, e pelo uso de farta cantaria,
civil. Conhecida como "Casa Azul", tem escassa documenta- fundamentalmente do gosto português da região do Douro
ção, embora seja uma edificação do século XVIII construída pois se integraria, sem a menor dificuldade, entre as sólidas
para residência de um outro religioso, o Padre Antonio Cor- residências de Guimarães ou de Valença do Minho. Ê á co-
reia da Silva. A planta segue um partido nitidamente quadra- nhecida "Casa dos Contos", às vezes chamada de Casa dos
do, com um puxado lateral que certamente abrigaria as áreas Contratos ou Casa da Ponte, cujo projeto tem sua autoria atri-
de serviço e dos escravos. A entrada é feita por um vestíbulo, buída a Antonio de Sousa Calheiros, supostamente também
para o qual se abre também uma pequena sala-capela, com responsável pelas igrejas do Rosário, em Ouro Preto, e de São
decoração bastante apurada, ainda que sem os ricos detalhes Pedro dos Clérigos, de Mariana. 30
da que ornamenta a capela do Solar de Jacinto Dias. Mas, Situada em uma esquina da Rua Tiradentes com a antiga
também neste caso, são válidas as observações anteriormente Rua das Flores domina não só a estreita via de sua fachada
feitas, pois a presença de uma capela privativa em área tão
central é, certamente, segura indicação da elevada categoria
social e riqueza de seu proprietário. (30) Bandeira, Manuel. Op. cit., p . 87.
120 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO l2J

pdncipal como um espaço mais amplo, quase à feição de rios o vestíbulo e a nobre escadaria de pedra que dele parte
praça, que lhe fica adjacente como resultante do súbito aclive para o piso superior". 32
do morro de Santa Quitéria, em cujo topo localiza-se hoje a A Casa dos Contos, na qual foi encontrado morto Cláudio
Praça Tiradentes. Manoel da Costa, grande poeta e um dos principais membros
A imponente construção teria sido concluída em torno de da Inconfidência Mineira, é sem dúvida a última grande resi-
1787 para o português João Rodrigues de Macedo, que usava dência dos tempos da mineração e, embora já edificada na
a parte superior como moradia e o pavimento térreo para "a época das dificuldades resultantes da exaustão das minas, é
administração dos seus negócios de contratos das entradas e um sobrado senhorial que pode ser considerado como um
31
dízimos" do ouro. Mas, tendo em vista seus débitos com a exemplo singular nas vilas do ouro.
Real Fazenda, esta a ocupou no início do século XIX e nela Inúmeros outros sobrados, de linhas menos imponentes
atualmente se instala um Centro de Estudos do Ciclo do Ouro, mas nem assim de menor elegância nas proporções, poderiam
sob a supervisão do Ministério da Fazenda. ainda ser relacionados, bem como diversos outros conjuntos
de casas térreas de agradável e harmoniosa composição, situa-
Ainda dentro de um partido quadrado - mas aparente- dos em variadas áreas onde o ouro desenvolveu os mais prós-
mente retangular pela maior área do térreo - apresenta um peros núcleos do século XVIII no território mineiro, vincu-
amplo vestíbulo central em cujo fundo fica um pátio, ao lado lando-se, inclusive, com outras figuras de importância histó-
do qual alojavam-se os escravos. Na frente, comunicando-se rica, como sucede com a Casa dos Ottoni, no Sêrro, uma am-
com o vestíbulo, o salão de trabalho, muito amplo, fica à es- pla construção assobradada de linhas sóbrias e o sobrado em
querda da entrada enquanto, em cima, o salão maior fica à que residiu o inconfidente Tomás Antônio Gonzaga em Ouro
direita, distribuindo-se basicamente os demais cômodos em Preto.
volta do pátio. Na impossibilidade de serem detalhadas todas estas edi-
A imponência das fachadas da Casa dos Contos, entre- ficações, uma última referência deve ser feita ao sobrado que
tanto, é muito marcante também pela sua situação pouco pertenceu ao Barão de Pontal, em Mariana, cujas sacadas em
usual, pois, além de situar-se em uma esquina, é limitada - pedra-sabão finamente esculpida constituem um elemento
no lado oposto - pelo córrego do Ouro Preto, vencido pela raro. Ainda que seja um exemplar do início do século XIX,
Ponte dos Contos que, liberando a fachada lateral correspon- apresentando detalhes de gosto neoclássico, enquadra-se equi-
dente, amplia mais ainda sua grandiosa volumetria. Esta é libradamente no seguimep.to da Rua Direita, cujo casario re-
particularmente acentuada tanto pelos fortes cunhais e pela pete, basicamente, os padrões usuais e mais simples, tão ao
marcante cimalha em pedra quanto, em geral, pela apurada gosto de Minas.
cantaria que enquadra todos os vãos que, em sucessão domi- Assim, a casa mineira não foge à tipologia característica
nante na fachada principal, estabelecem também um ritmo, da arquitetura residencial no Brasil embora apresente, em
ao mesmo tempo nobre e singelo, de clara sensibilidade arqui- muitos aspectos, peculiaridades que refletem as condições
tetônica. mais específicas das vilas do ouro, estabelecendo, assim, em
seus cenários setecentistas, uma bela síntese das adaptações
Arrematando a cobertura de quatro águas eleva-se um do vocabulário formal das construções populares portuguesas
mirante de agradáveis proporções, sendo importante ainda aos diversos requisitos próprios do processo civilizatório das
considerar o cuidado dos acabamentos internos, com forros Minas.
alteados com pinturas e notar, como elementos "extraordiná-

(32) Silva Telles, Augusto Carlos da. Atlas dos Monumentos Históricos e Ar-
(31) Bandeira, Manuel. Op. cit., p . 87. tísticos do Brasil, Rio de Janeiro, MEC; DAC; FENAME, 1975, p. 249.
li~ SU ZY DE MELLO

as áreas. E a essa mesma paisagem se adap-


rando tanto quanto possível. "Por outro lado,
1n~m descortino, facilitando orientações, e ame-
111 111111 os t~ íveis, inevitáveis quando se atravessam vales su-
V\'"'lvos. T udo leva, nas Minas, ao amor pelas cumeadas. O
1·clcvo principal da região tem sua base na Serra da Manti-
queira, que se prolonga para o norte em dois braços que mol-
duram o Rio São Francisco - um deles, tendendo para o
leste, deita-se às margens do Jequitinhonha, nas alturas de
Araçuaí; outro, inclinando-se para oeste, alcança Paracatu.
São eles que definem a penetração, e não os vales que os sepa-
ram. Neles se localizam as Minas." 92
É assim a geografia da área desenvolvida pelo ouro e que
marcaria a implantação das aglomerações e muitas das solu-
ções construtivas adotadas.
As vilas do ouro
Essa relativa uniformidade da geografia do ouro altera-se
um pouco, porém, quanto ao clima que, embora temperado e
agradável, em geral apresenta algumas variações. A região de "Eu vi a cidade s6bria
Ouro Preto e Mariana, por exemplo, é bem mais úmida, com Medida na eternidade,
maior constância de chuvas e sujeita a densas neblinas. Já em Severa se confrontando
Diamantina e no seu entorno, o ar é mais seco e o sol mais À cinza das ampulhetas,
Sem outro ornato apurado
quente, mesmo que as noites se façam amenas ou até frias. Além da pedra do chão.
Para o sul, o leste e o oeste da região do ouro e dos dia- Eu vi a cidade barroca
mantes as Minas têm um relevo mais uniforme e menos abrup- Vivendo da luz do céu. "
to e o solo é fértil, favorecendo. a pecuária e a agricultura. Mas Murilo Mendes (1954)
são áreas diferentes que só viriam a ter importância depois de
esgotadas as minas. Daí suas diferentes características de de-
senvolvimento pois "se a montanha condiciona romantismos,
fantasias, barroquismos, os largos horizontes das pastagens
A arquitetura não pode, porém, ser dissociada do es-
paço físico no qual se insere e se organiza - <> aglomerado ur-
enchem-se de luz e alegria" pois, nas montanhas, "os hori- bano, em especial - que lhe confere peculiares condiciona-
zontes são curtos, breves, sombrios, e só o céu compensa a mentos e específicos determinantes que se vinculam a variados
ausência do mar, inatingível, reduzido a uma saudade angus- aspectos como a topografia dos locais e a predominância das
tiante, sem fim". 93 atividades econômicas neles exercida, além de - na época do
Brasil Colônia - se prender, ainda, a critérios então vigentes
para as urbanizações. Entre esses critérios incluíam-se, por
exemplo, a preferência pelos sítios mais elevados que favore-
ciam, naturalmente, melhores condições defensivas.
Em muitos casos, porém, a preocupação de defesa era
também ampliada com a construção de fortes e fortalezas,
(92) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 43. além de outros elementos militares como baluartes e baterias,
(93) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 59.
e por muros que não só completavam os esquemas estratégicos
66 SUZY DE MELLO . BARROCO MINEIRO 67

daquele período como estabeleciam uma diferenciação mais ciada. Veda-se aos índios residirem ali. Os negros devem ficar
evidente entre a "cidade" e o "campo", tão bem explicada por fora dos muros. Cidade se chama apenas à parte murada.
Nelson Omegna: "A cidade colonial, algumas vezes, come- Além dos baluartes ficam os bairros, as aldeias, os arraiais" .
3

çava por ser um espaço vazio em redor do qual se enrolava a Por outro lado, os princípios de urbanização clássica ado-
muralha ou se cavava o valado ou se alteavam os baluartes. Se tados nos períodos quinhentista e seiscentista do desenvolvi-
tinham, num dado e efêmero momento, um sentido tático de mento das Américas, em geral, recomendavam a adoção de
defesa e proteção contra investidas inimigas, tiveram por mais traçados regulares para as cidades o que, aliás, era feito pela
tempo os muros uma certa significação ecológica. A cidade, grande maioria dos colonizadores europeus em todos os seus
sem nada que grifasse o seu sentido urbano, precisava ser uma estabelecimentos nas.mais diversas áreas do mundo. "A polí-
área diferente do campo" . 1 tica urbanizadora colonial espanhola seria mesmo codificada,
É óbvio que a concepção da defesa urbana por muros era com ampla minúcia, nas 'Leyes de India' constituindo-se
da Europa medieval e nem sempre podia ser bem executada numa das fontes mais perfeitas de informação e orientação
nas distantes colônias da América onde, inclusive, escassea- sobre o urbanismo formal" .4
vam tanto a mão-de-obra especializada quanto maiores preo-
Entretanto, ainda que procurassem manter esquemas de
cupações com a solidez das construções apesar dos ataques de certa regularidade nas suas implantações, as cidades funda-
piratas aos portos - bastante constantes e perigosos - bem das no Brasil pelos portugueses tampouco se apegam à disci-
como as incursões dos índios, igualmente indesejáveis. Assim,
plina das suas congêneres na América Espanhola. É o que
é muito compreensível que, no Brasil, os muros defensivos
observa corretamente Silva Telles ao analisar a planta de Sal-
assumissem outras funções e se investissem de novos signifi- vador, a primeira capital do Brasil:
cados. "Salvador, no entanto, e a maioria das vilas e cidades que
"Há que se dar importância a esse contorno com o qual a se fizeram no Brasil, nos séculos XVI e XVII, a despeito de se
cidade defende sobretudo as próprias convicções da sua fun- localizarem à feição das cidades portuguesas de origem me-
ção e feição urbanas. A crença no papel estratégico dos mu- dieval, em sítios elevados, à beira-mar, ou à rp.argem de rios
ros, os portugueses integrados na obra da colonização já não a navegáveis, adotaram planos regulares, influenciados pelas
tinham. O desleixo com que edificavam os baluartes deu mo- traças propostas pelos arquitetos renascentistas. Não chega-
tivo a críticas que mereceram de Afonso de Albuquerque a ram essas cidades a obedecer a tramas rígidas, como ocorria
sábia resposta: "Estes muros assim como o vêdes, se os guarda- com as hispano-americanas, que seguiram monotonamente as
rem com verdade e Justiça são tão fortes que sobejão; mas se regras ditadas pelas 'Leyes de los Reynos de las lndias'; antes,
nestas terras se não guardar verdade e humanidade, a soberba adaptaram-se ao relevo e às condições locais, embora ado-
nos derrubará quantos muros tivermos, por mais fortes que tando regularidades nas praças e nos traçados das ruas. As-
sejam." ( ... ) "O sentido tático dos muros, se houve, teria sido sim, Salvador foi localizada no alto de uma escarpa abrupta
em fase muito transitória.( ... ) O muro importava mais como sobre uma fímbria litorânea, onde ficavam o porto e o co-
2
marca urbanística.'' mércio.
Apesar de tudo, porém, existiram muros nas principais No entanto, como pode ser visto na planta inserida no
cidades brasileiras dos séculos XVI e XVII e "a área que o 'Livro que dá Razão ao Estado do Brasil', de 1612, o traçado
mur_o define e giza se reserva às pessoas mais categorizadas. de seus logradouros, ruas e praças, tanto os da área mais an-
As classes de mais prestígio moram na parte defendida e poli- tiga - provavelmente do plano de Luiz Dias - , como os da

(1) Omegna, Nelson. A Cidade Colonial. Brasília, Ebrasa; INL-MEC, 1971.


(3) Omegna, Nelson. Op. cit. , p. 18.
p. 16.
(2) Omegna, Nelson. Op. cit., p. 16-7. (4) Goulart Reis Filho, Nestor. Evolução Urbana do Brasil. São Paulo, Pio-
neira; Ed. da Universidade de São Paulo, 1968, p. 128.
1,-,t~~· f I Oo rnv:{J
r§'iJ F)./J ' -1.J,v . . ..:k,'>C 11

(18 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO -o ,.... , . 69


~ ç ""\ R~ t; , <//"

área do seu primeiro desenvolvimento, obedecia a certa orde- mais, se resolve em urbanizações consideráveis, polarizadas
nação, com ruas cruzando-se em ortogonal. A regularidade pelo comércio que canaliza para si o ouro que milhares de
não era perfeita, certamente pela necessidade que houve, de a faiscado!"es apuram cada dia. Em toda a história a cidade
cidade se adaptar à configuração topográfica da cumeada da sempre foi o centro, a mola, a dinâmica do progresso, em
elevação." 5 oposição ao campo, estático e arcaizante. Nas Minas instala-
Ainda que diversos outros aspectos ligados aos primór- se uma civilização eminentemente urbana, bastante diferen-
dios da urbanização no Brasil e que se repetiram, com algu- ciada daquela agrária, que se estendia pelo litoral brasileiro". 7
mas variações, praticamente em toda a área colonizada, pu- Essa urbanização de impacto, praticamente inédita até
dessem ser aqui indicados como constantes relativas do esta- então no Brasil, pode ser avaliada pelas indicações também
belecimento das primeiras aglomerações definitivas, o quadro coletadas por Sylvio de Vasconcellos: "Nenhuma região da co-
esboçado já é mais que suficiente para indicar a especifici- lônia beneficiou-se tanto de tamanha e tão rápida povoação
dade da implantação das vilas no território mineiro, no qual, quanto as Minas. Basta notar que de 1500 a 1822 foram cria-
além dos condicionamentos básicos enumerados anterior- das, em todo o Brasil, 210 vilas, das quais só na região aurí-
mente, também ocorrem características muito próprias quan- fera 159. Setenta por cento das povoações em cerca de 40% do
to à sua tipologia urbana. tempo considerado. Enquanto, por volta de 1800, São Paulo
dispunha de pouco mais de 100.000 habitantes, as Minas se
apresentavam com cerca de 500.000. ( ... ) Por volta de 1750 1 {<
todo 0 território português povoava-se de 2.900.000 habitan- l'J \~
A urbanização das vilas do ouro tes, 200.000 residindo em Lisboa. Pela mesma época mais ou ·
menos, Vila Rica acolhia perto de 100.000, metade da popu- .
lação da capital do Reino, e o dobro da sede do Vice-Reinado "
Diogo de Vasconcellos escreveu que "as Minas, porém, estabelecido no Rio". 8
não tiveram infância. Nasceram como a deusa de Atenas, já A prevalência das concentrações de caráter urbano nas
feitas e armadas" .6 Se essa afirmativa é válida para o povoa- Minas Gerais é; portanto, um fenômeno resultante da função
mento, que trouxe para a região gente de todos os tipos e de explorativa que domina, desde o início, a ocupação da região.
todas as origens em curto período de tempo, também é perfei- Se as primeiras cidades brasileiras visam a fixação de "um
tamente adequada para caracterizar o aspecto particular- ponto estratégico no mapa da conquista··· e são as chamadas
mente urbano das aglomerações que marcam o ciclo do ouro "cidades de ocupação", a elas-vão se seguir os núcleos de po-
desde os seus primórdios. larização das "populações dispersas dos agricultores e dar-
Pois, além das vantagens políticas e fiscais que resulta- lhes os serviços de polícia, justiça, religião e mercado, concen-
vam da rápida criação das vilas, permitindo aos portugueses trados na área urbana" e que se constituem em "vilas agrí-
mais fácil controle dos habitantes e maiores facilidades na ar- colas ou domésticas". 9 ·

recadação dos impostos, é evidente que foram as minerações No território mineiro, pelo contrário, "toda uma rede ur-
que promoveram "o adensamento demográfico da região e, bana foi sendo formada, ao longo dos caminhos e estradas,
conseqüentemente, da colônia, adensamento que, além do nas encruzilhadas ou nas travessias de cursos d'água, à mar-
10
gem dos locais onde o ouro e o diamante eram encontrados".

(5) Silva Telles, Augusto Carlos da. "A Ocupação do Território e a Trama (7) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 28.
Urbana" . Revista Barroco, Belo Horizonte (10), 1978/9, p . 43 e ss. (8) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 34-5.
(6) Vasconcellos, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais. Rio de Ja- (9) Omegna, Nelson. Op. cit. , p. 65-7.
neiro, Imprensa Nacional, 1948, 2? v., p. 188. ( 10) Silva Telles, Augusto Carlos da. Op. cit., p. 46.
70 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 71

O ciclo do ouro é, portanto, urbano por excelência e, à "E os primeiros povoados chamam-se 'arraiais' - nome
função explorativa vai logo se sobrepor a comercial e, em se- que em Portugal se dá ao acampamento, à reunião festiva do
14
qüência, a dos transportes, que a complementa naturalmen- povo, por ocasião das romarias." Esses arraiais, não muito
te,'' tanto no caso de escoamento da produção extrativa quan- distantes entre si, porém então separados por densas matas,
to no recebimento de gêneros e mercadorias indispensáveis à situavam-se nas áreas da exploração aurífera e tinham tam-
vida humana, mesmo nos ambientes de maior rusticidade bém, como ponto comum, a proximidade indispensável do ca-
como eram os das primeiras décadas do século XVIII nas minho ou da "estrada". Esse foi o elemento chave das fixações
Minas. iniciais, seguindo meias encostas ou lançando-se de cumeada
Ê, assim, importante notar que existiu aqui praticamente já que o terreno era sempre marcado pela acidentada topo-
um equilíbrio de forças que, a par de determinar uma ime- grafia das áreas ricas em depósitos auríferos.
diata urbanização, também estabeleceu uma outra interes- Esse íntimo relacionamento com os caminhos, além de I 1-)
sante tipicidade diretamente vinculada à situação dos primei- acentuar a conformação longilínea das povoações, dava-lhes \ . ~- · j
ros núcleos estáveis, implantados nos "aforamentos", ou se- outr~ característica: "suas ~a~ s.ão sempre antigas estradas. ! ~i ~
ja, terrenos cedidos por concessão mediante o pagamento de Por isso mesmo, foram a pnnc1p10 cha~adas de rua da Pra- Jc1 ~
imposto anual, e que se refere tanto à sua proximidade das ça, da Matriz, da Câmara, etc. Não porque nelas se localizas- \-OJ
catas e das lavras quanto à sua mais direta ligação com os sem estas edificações, mas porque a elas conduziam. Por isso \
precários caminhos do comércio e dos transportes. mesmo ainda hoje os habitantes da zona rural tratam a cidade ) '\.·
Por tais motivos, Sylvio de Vasconcellos resume exem- como 'a rua', no singular, como uma reminiscência do trecho \ '
plarmente estas características das povoações mineiras ao es- único da estrada onde se construíam estabelecimentos comer- j
crever que "são elas determinadas espontaneamente pela mi- ciais. 'Vou à rua fazer compras', dizem. E, realmente, à rua
neração; consolidam-se pelo comércio e desenvolvem-se pelo quase só vão com essa finalidade. A cidade é o entreposto, o
artesanato" .12 local de suprimento e das trocas comerciais. Ê ainda por isso
Essa precisa observação, porém, inclui um outro dado de que, ao contrário das povoações litorâneas, onde as igrejas
grande significação no quadro urbano das Minas e que é, jus- colocam-se no interior das quadras, tangenciando os logra-
tamente, mais um de seus importantes e peculiares aspectos: douros públicos, em Minas os templos são erguidos no centro
a formação espontânea dos aglomerados nas regiões. Efetiva- de largos, circundados por praças ou ruas e independentes das
mente, em regra geral que é confirmada por duas únicas ex- quadras urbanas deles vizinhas. Em muitos casos inserem-se
ceções, as vilas do ouro nunca obedecem aos traçados regula- em terraços definidos por bifurcação de estradas ou em outei-
i dores que, mesmo de forma pouco rígida, norteavam o esta- ros a cavaleiro delas. Essa solução, de certo modo, valoriza
belecimento dos demais núcleos coloniais no Brasil. Pelo con- bastante os edifícios religiosos, acrescentando às povoações
trário, vão os primeiros arraiais, que surgem "como amparo um incipiente paisagismo e bons efeitos de perspectiva, nor-
direto ao trabalho das lavras" ,13 se definir como extensões dos malmente ausentes das cidades litorâneas. Por sua vez, à con-
caminhos e tomar, quase sempre, uma configuração linear em figuração espontânea e longilínea dá às povoações uma confi-
total oposição às organizações urbanas radiais ou nucleares guração mais orgânica, uma adaptação maior às condições do
que o gosto e a tradição portugueses repetiriam no Brasil co- terreno e um agenciamento natural bastante diverso do racio-
lonial. nal partido preconizado pelas 'Leis das Índias'. O traçado fica
mais dinâmico e, freqüentemente, permite arranjos plásti-
(11) Boltshauser, João. Noções de Evolução Urbana nas Américas. Belo Hori- cos, que funcionam como cenários, em perfeita harmonia com
zonte, Edições Escola de Arquitetura da UFMG, 1959, 1? v., p. 13.
(12) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 84.
(13) Latif, Miran de Barros. As Minas Gerais. Rio de Janeiro, Agir, 1960,
p. 109. (14) Latif, Miran de Barros. Op. cit. , p. 110.
7
SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 73
a paisagem circundante. O povoado cresce como lhe convém,
espicha e encolhe conforme seu estágio de desenvolvimento, veitar ao máximo. Fazem-se mínimas as testadas, compri-
ameniza os aclives com traçados coleantes, absorve os terrenos mindo as frentes rueiras das moradias". 16
mais favoráveis e rejeita os impróprios, participando da vida Então, é fácil verificar que essa rua - prolongamento da
de seus habitantes como uma entidade também viva e livre das estrada - acaba por ter também um outro sentido que Sylvio
contenções determinadas por regras fixas ou tentativas dera- de Vasconcellos igualmente captou e que é muito interessante:
cionalização divorciadas da realidade" .15 as vilas do ouro não resultam de interrupções do trânsito -
como é o caso dos portos, marítimos ou fluviais, por exemplo
Ainda de acordo com essa interpretação do caminho ou
estrada como eixo fundamental e elemento demarcador básico - mas, antes, de sua continuidade. Ê por isso que as vilas
dos povoados mineradores decorre uma indicação que, em- mineiras podem ser mesmo confundidas com "a própria es-
bora usual nos tempos coloniais, em Minas adquire maior sig- trada, conduzem-na, facilitam-na, deixam-se por ela penetrar

l'f. ~ nificação e que é a denominação de "Rua Direita" a uma via livremente, apenas emoldurando-as. O difícil é deixar de per-
,. que, freqüentemente, se lança em sinuoso desenvolvimento. Ê corrê-las por inteiro, pois são a continuidade natural das es-
tradas que as atingem. Só contornos distantes as podem evitar
que, então, não se trata de um traçado reto mas, antes, da
pois que, além do mais, plantadas em relevos difíceis, seus
ligação mais direta entre pontos ou áreas de importância na
" ) aglomeração. A correta acepção da palavra é, por corruptela,
acessos são aqueles únicos que a experiência encontrou. Não
traduzem, assim, soluções de continuidade de tráfego; antes,
I alterada dando uma noção diversa daquela que, efetivamente,
l 1he corresponde, fato que a muitos passa despercebido. sua própria e dinâmica continuidade". 17 -

A insistência na acentuação desse ponto se justifica de


Também, nos acidentados terrenos das vilas do ouro, dis- forma especial por dele decorrer um outro aspecto, também
punham-se os arruamentos da forma mais lógica, procurando muito peculiar à urbanização mineira setecentista embora
seguir de modo muito natural as curvas de nível que facilita- atualmente ocorra não só no Brasil como em todo o mundo: as
vam o acesso das mulas e escravos e cansavam menos seus vilas do ouro, resultantes da interligação dos arraiais e de sua
donos, mas o que nem sempre era conseguido. espontânea anexação com o decorrer do tempo, configuram
Por outro lado, a par de tantas soluções peculiares, per- exatamente uma situação urbana que hoje é conhecida como
maneceu nas Minas uma grande semelhança com um aspecto "conurbação", ou seja, uma cidade formada pela ligação de
comum tanto a Portugal quanto às demais regiões do Brasil diversos núcleos próximos.
colonial - o gregarismo - embora aqui fossem diferentes as Assim, fica claro que " a vila do ouro antecipava o fenô-
motivações como explica Sylvio de Vasconcellos: "Nas urbani- meno que só viria a ser verificado com freqüência após as
zações lusitanas e brasileiras junto ao mar, as construções se grandes concentrações industriais. Ficava marcado nos pri-
apertam umas às outras, em conseqüência da exigüidade das mórdios do século XVIII, em Minas Gerais, portanto, o exem-
áreas que lhes são reservadas no interior das fortificações ou plo e a experiência definitiva da aglomeração urbana intima-
de delimitações favoráveis à defesa. Nas mineiras também as mente integrada à atividade básica exercida no chão sobre o
construções se amontoam, se interpenetram, multiplicam-se qual se assenta. O dualismo campo-cidade reduzia-se à ex-
para o alto e para os fundos, escoram-se mutuamente, mas pressão única da atividade extrativa, tendo a cata e a grupiara
por outras razões: só há uma rua disponível que importa apro- como seu suporte físico e econômico. ( ... ) Em vez de ligar-se
ao chão-agrícola e afirmar-se como núcleo prestador de servi-
ços, as vilas mineiras ligaram-se inicialmente ao chão-de-ouro
(IS) Vasconcellos, Sylvio de. Formação das Povoações de Minas Gerais in
Arquitetura no Brasil - Pintura Mineira e Outros Temas, Belo Horizonte, Edições (16) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial,
Escola de Arquitetura da UFMG, 1959, p. 5-6.
1968, p. 89.
(17) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p . 87-8.
75
BARROCO MINEIRO
74 SUZY DE MELLO

SANTA LUZIA
e sobre ele se edificaram. Os 'arruados' acompanharam as
'grupiaras', pelas encostas dos montes, ou se plantaram às
margens dos ribeiros, pelos vales. O 'crescimento em vizi-
nhança' garantiria continuidades urbanas que modernamente
se denominam 'áreas sucessivas' e se explicam pelo fenômeno
da conurbação. A lição está registrada nos 'autos de ereção'
T apanhuacanga
das primeiras vilas, quando se justificava a localização pela

~
maior 'conveniência do comércio' reunindo povoados pró-
·-..
ximos" .18
Dentro desses parâmetros, mesmo uma resumida análise CAETE'

das primeiras vilas mineiras indica suas específicas condições Roca l


Grande
de formação através da integração espontânea dos arraiais
primitivos, podendo ser citados inúmeros exemplos, entre os
quais Sabará, que resulta de uma série de núcleos, como "os
dois Arraiais Velhos - antigo Arraial do Borba - de Sant'
Ana e de Santo Antônio da Mouraria - que tiveram, há mui-
Ali\
vt+ RAPOSOS º Arroiais
Velhos

Sabará - Esquema da evolução urbana.


tíssimos anos, uma ponte a ligá-los, cada ·um com sua Igreja e
Pároco" além de vários outros como os arraiais da Roça Gran-
de, do Caquende, do Largo do Rosário, do "morro da barra",
da Igreja Nova e da Igreja Velha e o "arraial de Tapanhua-
canga, onde se construiu em 1717 a Igreja de N. Senhora
do Õ". 19
Estes arraiais situavam-se principalmente entre os rios
Sabará e das Velhas e seu caminho de ligação foi transfor-
mado na rua Direita (atual Pedro II) que, efetivamente, cor- Mer cês
responde ao trajeto mais reduzido entre esses aglomerados.
Em se tratando de São João del Rei, repetiu-se a situação
dos núcleos subseqüentes, integrados também pela via mais
direta, apenas nesse caso são estes mais distanciados entre si,
localizando-se principalmente "nas encostas das serras hoje
denominadas Senhor do Monte e Mercês", 20 na margem es-
querda do córrego do Lenheiro, com exceção de um outro pri-
mitivo povoado, erguido no chamado Morro da Forca, do lado
oposto ao córrego e onde os paulistas construíram a primeira

(18) Albino de Souza, Washington Peluso. As Lições das Vilas e Cidades de


~Morro da
Minas Gerais in IV Seminário de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade
~Forco
Federal de Minas Gerais, 1977, p. 99-100.
(19) Passos, Zoroastro Vianna. Em tomo da Hist6ria do Sabará. Rio de Ja-
neiro, Ministério da Educação e Saúde-SPHAN, 1940, p. 2-3.
(20) Viegas, Augusto. Notícia de São João dei Rei. Belo Horizonte, Imprensa São João dei Rei - Esquema da evolu ção urbana .
Oficial, 1942, p. 12.
76 SUZY DE MELLO 77
BARROCO MINEIRO

capela da povoação. O caminho de interligação foi a rua de Mas é ainda válido lembrar um outro aspecto que, ocor-
Santo Antônio que depois se denominou Direita (hoje Mal. rendo com freqüência em outras regiões brasileiras, não se re-
Deodoro e Av. Rui Barbosa) e continuou seguindo para o alto pete no território mineiro: aqui não se implantam as aglome-
do Senhor do Monte (ou de Matozinhos), na direção de Tira- rações à margem dos cursos d'água que são vias naturais de
dentes. Desse primeiro arraial do Rio das Mortes, como era circulação e pontos de desembarque dos colonizadores como,
conhecido, surgiu a Vila de Nossa Senhora do Pilar de São aliás, ocorrera em toda a América. Os ribeirões ou córregos
João dei Rei. próximos aos primeiros povoamentos explorativos eram, jus-
Em .Santa Luzia, "o rio corre na baixada. O povoado tamente, depósitos auríferos e, por isso, atraíram logo os aven-
sobe o morro. É uma rua só, espichada, ligando o vale à Ma- tureiros que não se preocuparam com as redes fluviais de
21
triz alcantilada" . Retoma-se, portanto, o esquema físico que maior porte. Assim, "nas Minas nenhum rio navegável con-
vai ser igualmente seguido em Santa Bárbara, Catas Altas do diciona o povoamento. Raras são as concentrações humanas
Mato Dentro, Brumal, Santa Rita Durão (o antigo Arraial do de beira d'água, como Mariana ou Sabará. Mesmo estas,
Inficionado) e em Caeté, a Vila Nova da Rainha do século como também Santa Luzia ou Santa Bárbara, cedo se afastam
XVIII. dos cursos fluviais, em estranha tendência pelas cumeadas
Já o caso de Tiradentes - denominada anteriormente que lhes ficam próximas. É que o ouro se esconde na monta-
Vila de São José do Rio das Mortes e depois São José del Rei nha, e é a montanha que fixa o homem".
23

- apresenta uma ligeira variação da solução mais espontânea Finalmente, é oportuno acentuar que a urbanização nas
e comum pois "o conjunto urbano figura cenário, a propósito Minas se fez tão rapidamente que, pouco depois de uma dé-
construído para encantar. É concentrado e diminuto como um cada da chegada dos bandeirantes pioneiros da descoberta do
trecho escolhido da história. Não se estende em linha como as ouro, já eram oficialmente criadas as primeiras vilas por Afon- ,
demais povoações mineiras; enrodilha-se. É quase uma rua so de Albuquerque, em 1711, e que foram Ouro Preto, Ma- ,
só, formando um quadrado". 22 Com seu primeiro arraial - o riana e Sabará, dentro da já mencionada política portuguesa 1
de Santo Antônio da Ponta do Morro - datando de 1702 e de pacificação dos aventureiros e organização geral do territó- i
sendo conhecido também como Arraial Velho do Rio das rio da mineração. A estas seguiram-se, em 1713 e dentro do 1
Mortes,. talvez tenha alterado sua organização básica pela mesmo espírito, São João dei Rei, Caeté, Pitangui e o Serro e,
proximidade da imponente Serra de São José que constitui um em 1718, Tiradentes. (Ver Anexo 2.)
sério obstáculo. Ainda assim, porém, foi mantida a rua Di- Ficaria, assim, praticamente balizada para a Coroa Por-
reita (agora formada pelas ruas Getúlio Vargas e Resende tuguesa, a área mais rica em ouro na sua colônia americana e
Costa), que direciona as saídas de maior importância, para à qual se agregaria, pouco depois, o Distrito Diamantino,
São João dei Rei e Prados. completando o grande e complexo quadro da estabilização
As primeiras vilas do ouro resolvem-se, portanto, dentro definitiva das Minas Gerais.
do mesmo partido, lógico e espontâneo, e a principal delas -
Ouro Preto, denominada então Vila Rica - é o exemplo mais
clássico, que será analisado mais detalhadamente a seguir, Vila Rica
bem como Mariana e Diamantina que, com traçados mais re-
gulares, seriam exceções no contexto da urbanização longilí-
nea predominante nas Minas setecentistas. Vila Rica de Albuquerque, como foi denominada inicial-
mente a Ouro Preto de hoje, constitui o mais completo exem-
(21) Lefêvre, Renée & Vasconcellos, Sylvio de. Minas: cidades barrocas. São
Paulo, Cia. Ed. Nacional; Ed. Universidade de São Paulo, 1968. p. 23.
(23) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial,
(22) Lefêvre, Renée & Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit . p. 9.
1968, p. 20.
79
BARROCO MINEIRO
78 SUZY DE MELLO

pio de urbanização das vilas do ouro não só por se localizar em


área de topografia particularmente acidentada - típica, aliás,
dos grandes depósitos auríferos - como por ter sido resul-
tante da integração de diversos arraiais que, dispostos linear-
mente, foram se agrupando de forma espontânea para se con-
solidar no povoado que, em 1711, foi elevado à categoria de P/ MARIANA
vila e, em 1720, tornou-se a capital da Capitania das Minas
Gerais . . P/ ITACOLOMI
Seu desenvolvimento seguiu, a princípio, o direciona-
mento das áreas de ouro fácil e farto, mais próximas dos vales
de córregos como o do Tripuí no qual, segundo consta, foram
encontradas as primeiras pepitas. Depois pesquisas mais pe- Córre90 do Funil
nosas se impuseram, exigindo a exploração dos abruptos mor-
ros que dominavam a paisagem. Esta, por sua vez, é marcada
por duas serras - a de Ouro Preto e a do 1tacolomi - que
constituíam difíceis obstáculos.
Assim é que Vila Rica vai ter seu povoamento esparso,
começando em um ponto alto conhecido como "Cabeças"
para daí descer até o Pilar, subindo novamente pelo morro de
Santa Quitéria (onde hoje se situa a Praça Tiradentes) e vol-
tando a descer para Antônio Dias, de onde "subia vertiginosa-
mente até Santa Efigênia, para tornar a descer rumo ao Padre
Faria. Daí tomava a estrada de Mariana, bem no Vira-Saia.
Expressão que deve ser, como muitos sugerem, corruptela de
vira e sai" .24 Como também, aliás, seria o início das fixações
chamado de cá-aquém e resultar em Caquende, designação
bastante comum na região.
Esses aglomerados eram, na época, relativamente distan-
ciados e, a par das dificuldades topográficas, do sobe-e-desce
cansativo e contínuo, tinham densas matas entre si. Interliga-
vam-se, porém, por vários caminhos, sendo que "um é mais
importante, mais transitado, por assim dizer, a estrada-tron-
co. Entra na vila e vai direto à Matriz do Pilar, de onde se
endireita para a Matriz de Antônio Dias, saindo por Santa
Efigênia". 25
Entre esses sucessivos povoados iniciais incluíam-se os ar-
raiais do Padre Faria, de Antônio Dias, dos Paulistas, de San-

(24) Teixeira de Salles, Fritz. Vila Rica do Pilar. Belo Horizonte, Itatiaia,
1965, p. 20 .
(25) Vasconcellos, Sylvio de . Vila Rica. São Paulo, Perspectiva, 1977, p. 71. Vila Rica (Ouro Preto) - Evolução urbana segundo Sylvio de Vasconcellos.
1\() 81
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO

tuna, do Taquaral, do Bom Sucesso, de São João e do Ouro outras, incluiria as atuais ruas Alvarenga Peixoto, Bernardo
Podre , entre outros. Porém todos se interligavam por cami- Guimarães, Getúlio Vargas, S. José, Tiradentes, Paraná,
nhos, ficando os principais diretamente à margem da "es- Conde de Bobadela, Cláudio Manoel da Costa, Bernardo de
trada-tronco", quase sempre. Vasconcelos, Santa Efigênia e Padre Faria.29
"A Vila tem, assim, uma configuração linear apegada à Portanto, Vila Rica enquadra-se no esquema de forma-
estrada tronco que, aos poucos, se corrige em trechos de me- ção centrípeta, com os dois núcleos principais - Pilar e An-
lhor traçado, em geral mais ao alto que os primitivos, ata- tônio Dias - que contém, igualmente, as duas matrizes da
lhando-os e ao mesmo tempo acompanhando a marcha das vila sendo unidos pelo desenvolvimento dos arraiais interme-
minerações que, a princípio apegadas aos vales profundos, fo- diários. Ê o que explica Sylvio de Vasconcellos ao indicar,
ram depois galgando a serra." 26 como centro do povoamento inicial, o eixo longitudinal em
Os trechos refeitos com melhores condições eram chama- cujos pontos extremos estavam, de um lado, o Rosário e Pilar
dos de "caminhos novos" e a "estrada-tronco", adaptada aqui e, do outro, Santa Efigênia e o Padre Faria. No centro desse
e ali para favorecer os trajetos transformou-se na via mais di- eixo, seria cruzado um outro - transver~al - que incluiria o
reta - ou Rua Direita - entre os pontos urbanos de maior morro de Santa Quitéria, onde se ergueriam as construções
importância. E "todas as igrejas e edifícios principais da Vila oficiais portuguesas.
balizam esta rua-tronco com poucas excecões" .27 "Neste movimento centrípeto, com a construção da an-
l'i'> r Ê interessante notar, ainda, que "as ruas em que, poste- tiga Casa de Câmara e Cadeia e depois do Palácio dos Gover-
~'- riormente, se transforma, subdividindo-se, a estrada princi- nadores (por volta de 1740), unem-se as duas freguesias e,
pal, tomam com o correr do tempo, designações várias, a prin-

1
com a delimitação do centro administrativo, estabelece-se o
cípio apenas explicativas, como a 'rua que segue da ponte seca núcleo principal da povoação. Este núcleo, configurado pela
até a ponte do Ouro Preto', a que 'vai da igreja do bairro do Praça do Palácio, ampliada em 1797 para desafogar a Casa de
\. Ouro Preto para o arraial dos paulistas, direta da Vila. Depois Câmara e Cadeia, é, aqui, uma conseqüência do povoamento já
_l'f> tomam o nome dos seus mais importantes moradores: Rua do existente e não origem dele, correspondendo mais aos limites
W Vigário, dos paulistas, dos caldeireiros, etc., ou das constru- de duas povoações vizinhas que centro de irradiação delas." 30
\ ções mais valiosas que nela se erguem: Rua da Ponte, da Ca- Ainda que, posteriormente, novas ruas fossem abertas e
. deia, do Palácio, etc., etc." .28 Esse procedimento, aliás, é ge- outras se desenvolvessem paralelamente às mais antigas, in-
neralizado no Brasil colonial, repetindo-se nas Minas de forma cluindo becos e vielas que indicavam tanto maior progresso
muito natural. quanto uma tendência centrífuga, Vila Rica manteria sempre
No caso de Vila Rica, devido à sua formação acentuada- sua configuração linear tão própria das vilas do ouro, que
mente linear, a "estrada-tronco'', que iria gerar a Rua Direita "tendem a centripetar o agrupamento humano e não a difun-
em seu setor mais central e importante, é subdividida, basica- di-lo" ,31 como um marco definitivo ·da urbanização espontâ-
mente em três principais segmentos: o primeiro vai das "Ca- nea das Minas setecentistas.
beças" até o atual Largo do Rosário; o segundo vai do Rosário
ao Pilar, continuando até a Praça e descendo até Antônio
Dias; daí seguindo o terceiro, que se subdivide em duas ladei-
ras, a do Vira-Saia e a do Padre Faria. Em termos da atual
Ouro Preto, seria um longo e acidentado percurso que, entre
(29) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 75-6.
(26) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 76. (30) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 77.
(27) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 77. (31) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial,
(28) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 75. 1968, p. 84.
SUZ Y DE MELLO BARROCO MINEIRO 83

Foi em torno dessa época que sua área central sofreu a


na intervenção do Brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, en-
"1 genheiro militar português que executara diversas obras de
importância no Rio de Janeiro, entre as quais o Paço dos Vice-

~r 1
Se no território mineiro não se ergueram muros de defesa
urbana nem houve necessidade de se construírem fortes e for- Reis. Vindo a Minas por comissionamento do Governador
talezas e, ainda, se desenvolveram as vilas de forma livre - Gomes Freire de Andrade, por volta de 1736, foi o autor de
linear e espontaneamente - um exemplo deve ser destacado diversos projetos de relevância, inclusive o do Palácio dos Go-
por se constituir em exceção: o de Mariana que teve, no final vernadores, em Vila Rica. Gomes Freire de Andrade foi um
da primeira metade do século XVIII , seu centro reformulado dos mais brilhantes e dinâmicos administradores da Capitania
por um traçado regulador que lhe conferiu características di- das Minas Gerais não sendo, portanto, fato estranhável ter
ferentes das usualmente encontradas nas vilas do ouro. promovido a elaboração de nova planta para a área central de
Mariana, a antiga Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Mariana, visando sua reformulação, pelo menos parcial, den-
Carmo, tem como data básica o dia 16 de julho de 1696, quan- tro das concepções clássicas de um traçado regular mais ao
do o Coronel Salvador Fernandes Furtado encontrou ouro gosto português. Tampouco seria um plano desse tipo viável
abundante nas águas de um ribeirão próximo ao morro de para Vila Rica, pela sua topografia difícil, pelo que sua im-
Santo Antônio que era quase como um seguimento do morro plantação em Mariana parece mais lógica.
da Queimada de Vila Rica. "Formou-se o primeiro arraial, Assim, como bem observou Silva Telles, " constitui uma
composto então dos núcleos de Mata-Cavalos ou Carmo (de- exceção entre as cidades do ciclo da mineração, a de Mariana,
pois Rosário) e de São Gonçalo. Foi aí o berço da Vila de Al- antiga Vila de N. Senhora do Carmo, que , ao ser elevada a
buquerque, parte essa hoje decadente. ( ... ) Depois dessa pri- cidade em 1745, para servir de sede à primeira diocese criada
meira fundação, estendeu-se o povoado para os Monsús, hoje no interior brasileiro, foi reorganizada a partir do plano ur-
também em decadência. "
32 bano elaborado pelo Brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim,
A partir daí, com o desenvolvimento das atividades ex- com ruas e praças em trama ortogonal que se articularam com
trativas , surgiram outros arraiais - como o do Rosário e o os primitivos logradouros, conforme se pode observar em
chamado Arraial de Cima - este último o efetivo núcleo do planta setecentista existente na mapoteca do Serviço Geográ-
povoado que, em constante crescimento, recebeu o título de fico do Exército" .33
Vila de Nossa Senhora do Ribeirão do Carmo, em 1711, do Mas Sylvio de Vasconcellos iria observar, também, que
Governador Antônio de Albuquerque. Posteriormente a Vila "por outro lado, Mariana e Diamantina, que a administração
foi oficialmente denominada "de Nossa Senhora do Carmo" procurou enquadrar em esquemas reticulares, afinal não se
e, depois, Mariana, em homenagem à D. Maria Ana da Áus- divorciaram de todo da tradição local, nem dos caminhos que
tria, esposa de D. João V e rainha de Portugal. as penetram. A primeira conservando seu eixo primitivo, li-
Embora com topografia mais suave que Vila Rica, ainda near, que, vindo de Vila Rica, passa pelo Alto de São Pedro,
que contasse com algumas colinas, só depois de sua escolha desce e atravessa o vale do Ribeirão do Carmo, e34sobe para as
como sede do bispado nas Minas, em 1745, Mariana se impo- alturas da Capela de Nossa Senhora do Rosário" .
ria como a primeira cidade mineira por não ser, então, admi- Em Mariana, igualmente, a rua Direita (hoje Cláudio
tida a residência de bispos em vilas, como já anteriormente Manoel) estabelece um eixo transversal que liga a Sé (igreja de
mencionado. Nossa Senhora da Assunção) a uma das saídas para Vila Rica,

(32) V a~concellos , Salomão de. Breviário Histórico e Turístico da Cidade de (33) Silva Telles, Augusto Carlos da . Op. cit. , p. 47.
Mariana . Belo Horizonte, Biblioteca Mineira de Cultura, vol. XVII , 1947, p . 9. (34) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 88-9.
.u ·!vr~ZO""-0:-.;zO" ~
,
. i/~.,,
"11;//J
ÚPA" ;.li• J
/
V ~ V{,'i/l'V{A;V ./ P'#~
84 SUZY DE MELLO ~ARROCO ~INEIRO 85

tangenciando o retângulo que enquadrava a trama ortogonal


de Alpoim. Enquanto isso, o eixo longitudinal, um pouco in-
clinado e mais alongado, saía do Alto de São Pedro dos Clé-
rigos na direção da igreja do Rosário e do antigo Mata-Ca-
valos, dentro do esquema linear típico das vilas do ouro.
Ê, ainda, oportuno lembrar que, em Mariana, a rua Di-
reita "chamava-se, antigamente, ao tempo do arraial do Car-
mo e depois da Vila, 'caminho de cima', e ligava a praça da
~ Conceição ao Rosário e a São Gonçalo". 35
PRADOS
Mariana apresentava-se, portanto, bem diversa da vizi-

l
nha Vila Rica pelo que a descreveu Sylvio de Vasconcellos
como sendo "mais concentrada, e muitas de suas ruas cortam- r
São José dei Rei {Tiradentes) - Esquema da organização urbana.
se em perpendiculares. Ê pouco acidentada e aproveita as fal- !
das que descem preguiçosas do Alto de Sã:o Pedro, por onde
entra o caminho de Ouro Preto. O cenário urbano é calmo.
Não o agitam tortuosos caminhos e aflitos aglomerados arqui-
tetônicos. Mariana é romântica. De um romantismo discreto
que flui de sua horizontalidade e de seus éspaços, abertos em
VILA RICA praças". 36

r O Tijuco

A persistência da integração dos primitivos arraiais de


mineradores em vilas de urbanização espontânea e linear não
VILA
se limitou, pórém, ·aos aglomerados mais concentrados nas
áreas de Vila Rica, Sabará ou São João del Rei. Também nas
-t ;:! •.
regiões mais ao nordeste, na direção do Vale do Jequitinhonha
e da Bahia, os primeiros povoados surgiram de uma fusão

s. PEDRO dos Clérigos

I
:D semelhante das fixações iniciais igualmente resultantes da
grande aventura do ouro.
Como primeiro exemplo, Conceição do Mato Dentro -
cujo próprio nome indica sua localização em brenhas mais
densas e de penetração mais difícil - se organizava ao longo
de uma estrada ou caminho principal que, como rua urbani-
AREA CENTRAL com
zada posteriormente, tinha marcante presença e era balizada
TRAMA ORTOGONAL
(35) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit., p. 55.
Mariana - Esquema da evolução urbana. (36) Lefêvre, Renée & Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 33.
86 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 87

pelos mais importantes monumentos locais. Essa longa via se-


MONTES
CLAROS
guia da Capela de Sant' Ana na direção da Capela do Rosário,
passando pela Matriz de Nossa Senhora da Conceição e pela
(
~:~:·~~rras ® Arra;al de c;ma
antiga Casa de Câmara e Cadeia. Paralelamente, de um e ou-
tro lado dessa estrada-tronco, organizou-se a malha urbana
com caminhos que iriam seguir a mesma direção mestra.
/' \, MINAS
'\
J NOVAS
Mais ao norte, o Serro Frio é considerado "um trecho de

~·-;-
/ 1 37
Arroiai
de Cimo
\
1,
estrada que se dirige à Diamantina e Bahia" ou, mais expli-
,>, citamente, "uma estrada à meia encosta, pouso de longas via-
\,,, gens em demanda da região diamantífera e da pastoril" .38
da -
Arroiai de
~ A origem do Serro, porém, prendeu-se ao estabeleci-
Baixo
mento de dois primitivos arraiais de mineradores que, por sua
1 Arroiai do localização, foram simples e objetivamente denominados "de
Rio Grande
Baixo" e "de Cima", e situados nas proximidades dos córre-
@ 1'"
ITABIRA
® gos dos Quatro Vinténs e do Lucas. A afluência de outros
aventureiros ao local estimulou o crescimento centrípeto dos
dois arraiais que acabaram por se fundir em um só ao longo
da estrada à meia encosta, acima citada, constituindo, assim,
a então chamada Vila do Príncipe.
Entretanto, nesse contexto de urbanização já conhecido,
Diamantina - o antigo Tijuco - surgiu como mais uma inte-
ressante exceção ainda que sem os mesmos condicionamentos.
© de Mariana, pois não existe documentação que comprove
tanto a existência de plantas quanto qualquer orientação de
caráter administrativo no sentido de ser reticulada sua malha
urbana. 39
Por outro lado, é muito interessante constatar que "quan-
to ao processo de desenvolvimento, ocorreu com o arraial do
Tijuco o inverso do acontecido com Mariana. Enquanto aque-
le atraiu, em determinada época, os moradores da Vila do
Príncipe, absorvendo-a quase e ultrapassando-a em impor-
tância, Mariana se viu, pela mesma época, prejudicada pelo
surpreendente progresso de sua vizinha Vila Rica. Entretanto,
esta aparente contradição de condições se compensa e se es-

(37) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 87.


(38) Vasconcellos, Sylvio de. Formação das Povoações de Minas Gerais in
Arquitetura no Brasil - Pintura Mineira e Outros Temas . Belo Horizonte, Edições
Escola de Arquitetura da UFMG, 1959, p. 6.
(39) Vasconcellos, Sylvio de. Formação Urbana do Arraial do Tejuco in Re·
Arraial do Tijuco (Diamantina) - Evolução urbana segundo Sylvio de Vascon- vista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, MEC, 1959 (14),
cellos. p. 122 e 127.
SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 89
88

clarece quando se observa que ambas as povoações foram con- as aludidas praças" .43 Entretanto, dois amplos espaços tam-
tidas em seu desenvolvimento. Uma em virtude da interferên- bém se incluíram na malha urbana do Tijuco: o Largo da Ca-
cia da Coroa, outra em conseqüência de uma subseqüente e valhada Velha, mais antigo e situado na direção do caminho
espontânea estagnação, causas que contribuíram para preser- do Serro, e o Largo da Cavalhada Nova, ou do Mercado, de
var o reticulado que, em dado momento, ordenou uma e outra um lado da trama reticulada central, ambos pontos de afluên-
localidade" .40 cia dos tropeiros.
Como já foi mencionado, os diamantes foram descobertos Porém, não é fora de propósito considerar que as rígidas
em áreas de mineração aurífera e, portanto, o antigo arraial imposições da Coroa Portuguesa quanto ao monopólio dos
do Tijuco, com terrenos que seguiam as curvas naturais da en- diamantes e a implantação do implacável "Regimento Dia-
costa, próximos do córrego do mesmo nome, polarizou os nú- mantino" não tenham sido, igualmente, elementos que favo-
cleos isolados que se organizaram às margens dos principais recessem a manutenção do traçado reticular compacto no Ti-
caminhos que ligavam aquelas remotas paragens a outros pon- juco já que facilitavam sobremodo o duro controle exercido
tos de importância na época: "o Arraial de Baixo, na entrada pelas milícias contra o contrabando de pedras uma vez que "o
do caminho que vinha do Serro; o do Rio Grande, na saída povoamento fora do núcleo central obedéceu às mesmas so-
para Minas Novas; e o de Cima, na saída para a Barra do luções adotadas pelas povoações de crescimento espontâneo,
Guaicuí" .41 isto é, balisando caminhos naturais em desordenada expan-
A estes três povoados juntou-se, depois, um outro - o são. Só no centro urbano propriamente dito, em virtude da
Arraial dos Forros ou Macau - e a forma triangular inicial do presença da administração e das peculiares condições geográ-
aglomerado passou a se configurar como uma área quadran- ficas e topográficas analisadas, é que se manifestou a urbani-
gular determinando, conseqüentemente, arruamentos que se zação reticular" .44
organizaram em ruas paralelas aos principais caminhos e que Assim, o Tijuco teve seu desenvolvimento baseado em um
foram cortadas por outras vias - ruas ou becos - que "vi- esquema que incluiu três fases: "a primeira, de 1700 a 1720,
riam a constituir o reticulado que compõe a parte urbana pro- relativa ao povoamento esparso, em vários arraiais, de limita-
priamente dita da povoação. Este reticulado, como é normal, ção indeterminada; a segunda, de formação polarizada, de
amiúda-se, subdividindo-se, à medida que se aproxima de seu 1720 a 1750, quando se organizou em reticulado sua parte
centro, limitado pelas ruas do Bonfim, Contrato e Direita. urbana propriamente dita; e a terceira, de 1750 em diante,
Nos dois extremos desta área central, localizaram-se as cons- relativa à sua consolidação e expansão" .45
truções mais importantes do lugar: de um lado, a Matriz de Portanto, em Diamantina - o antigo Tijuco - "não há
Santo Antônio de outro, a Casa do Contrato" .42 propriamente um núcleo central irradiador, pois que o miolo
da povoação é menosprezado, nele se localizando a zona de

)f. ~
Ê importante ainda observar que o Arraial do Tijuco,
i·f "com sua solução quadrangular, concentrada e reticular", as- meretrício em solução das mais singulares: a urbanização sa-
ll semelhava-se muito à das povoações do litoral, por estar "mais dia agarrada aos caminhos" .46
de acordo com os princípios urbanísticos recomendados pela Verifica-se, assim, que mesmo nos poucos exemplos que
,~ I· administração portuguesa. Deles difere apenas pela ausência
de praças, que se pode atribuir à inexistência, no lugar, da
fogem às mais claras configurações lineares e espontâneas das
vilas do ouro, estas ainda perduram em constante e peculiar
~~~ \1 Casa de Câmara e Cadeia, com seu competente pelourinho,
construções que, por sua dignidade, no geral determinavam
(43) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p . 121.
(44) Yasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p . 130.
(40) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 126-7. (45) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 131-2.
(41) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 127. (46) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade . Belo Horizonte, Imprensa Oficial,
(42) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 129-130. 1968, p. 89.
110 SUZY DE MELLO

presença que é, sem dúvida, uma das mais significativas ca-


racterísticas dos aglomerados típicos do ciclo do ouro por cor-
responderem tão naturalmente às suas mais verdadeiras ori-
gens.
É, porém, sempre válido lembrar, como tão bem apontou
Sylvio de Vasconcellos, a "coincidência do traçado de Brasília
com o desenho das povoações mineiras: caminhos ainda, duas
estradas que se cruzam. Aqui também para fazer do trânsito a
espinha dorsal, o eixo da composição. O partido: dinâmico;
seu fundamento, o automóvel. Brasília é única no mundo,
concepção eminentemente brasileira" .47
Como, aliás, essencialmente original e brasileiro foi, tam-
bém, o desenvolvimento urbano das vilas do ouro nas Minas
setecentistas. O casario

"Tudo me chama: a porta, a escada, os muros,


as lajes sobre mortos ainda vivos,
dos seus próprios assuntos inseguros.
Assim viveram chefes e cativos,
um dia, neste campo, entrelaçados
na mesma dor, quiméricos e altivos.
E assim me acenam, por todos os lados.
Porque a voz que tiveram ficou presa
na sentença dos homens e dos fados. "
Cecília Meireles (1953)

A inda que, como geralmente ocorre, a chamada arqui-


tetura monumental, na qual se incluem as construções de
maior porte como igrejas e edifícios oficiais, seja mais estu-
dada e valorizada por sua marcante presença nos conjuntos
urbanos, o casario - que justamente define essas aglomera-
ções - é de extrema validade e significação por constituir o
abrigo indispensável ao homem.
. Efetivamente, a casa - que, em uma primeira leitura,
tem como função básica a do abrigo - extrapola esta condi-
ção inicial para abranger outros aspectos muito mais amplos e
que se traduzem em costumes, valores próprios e todo um tipo
de vida que, embora tenha algumas variações, apresenta tam-
(47) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 88. bém elementos constantes e comuns a determinados grupos.
BARROCO MINEIRO 123

Em se tratando do casario, as Minas seguiram a evolução


e os modelos basicamente adotados nas demais regiões brasi-
leiras, embora com uma clara e nítida tendência à singeleza
das soluções, sendo a sua elegância conferida mais pelas agra-
dáveis proporções e pelo equilibrado ritmo das paredes em
alvenaria caiada, vasadas pelos vãos harmoniosamente dimen-
sionados e nelas distribuídos, do que por um tratamento de
maior impacto, com ênfase em portadas mais elaboradas em
cantaria, como ocorreu em alguns solares da Bahia, por exem-
plo. Mesmo na exemplificação mais requintada, a prevalência
do vocabulário formal popular das regiões da Extremadura e
do norte de Portugal é facilmente identificável, não obstante
as necessárias e naturais adaptações.
As construções religiosas Já no que diz respeito às construções religiosas; apresen-
tam as Minas características totalmente diversas, resultantes
dos condicionamentos específicos que marcaram o desenvolvi-
mento da região e que se tornaram parâmetros de especial sig-
"Assim confabulam, os profetas, numa reunião fantástica, ba-
tida pelos ares de Minas. Onde mais poderíamos conceber reu- nificação. Ao contrário da arquitetura urbana e civil, as cape-
nião igual, senão em terra mineira, que é o paradoxo mesmo, las e matrizes mineiras seguiram uma evolução arquitetônica
tão mística que transforma em alfaias e púlpitos e genuflexó- própria que, embora vinculada às raízes portuguesas e aos
rios a febre grosseira do diamante, do ouro e das pedras de sistemas construtivos utilizados nas demais áreas do territó-
cor?" rio, em geral, tiveram aqui um seguimento muito diverso dos
Carlos Drummond de Andrade (1958) padrões usuais nos primeiros séculos brasileiros.
Assim, considerando como Lúcio Costa tão bem colocou,
É fato comprovado pelos historiadores da arquitetura que "quando se estuda qualquer obra de arquitetura, importa
ter primeiro em vista, além das imposições do meio físico e
que não apenas os grandes monumentos registram as carac-
terísticas fundamentais da produção arquitetônica de uma social, consideradas no seu sentido mais amplo, o 'programa',
épo,c a mas, de um modo muito particular e importante, tam- isto é, quais as finalidades dela e as necessidades de natureza
bém esses elementos básicos ·são traduzidos pela chamada funcional a satisfazer; em seguida, a 'técnica', quer dizer, os
" arquitetura vernacular" ou de, menor escala, constituída pe- materiais e o sistema de construção adotado.s; depois, o 'par-
los conjuntos urbà.nos de residência e de abrigo para as ativi- tido' , ou seja, de que maneira, com a utilização dessa técnica,
dadCs complementares exercidas pelas pess"<>as em
sua vida foram traduzidas, em termos de arquitetura, as determina-
cotidi~na. Assim_sendo, o es~do do casario enseja leituras da ções daquele programa; finalmente a 'comodulação' e a 'mo-
maior significaçijó e, como foi visto no capítúlo anterior, per- denatura', entendendo-se por isto as qualidades plásticas do
mite uma caracterização ainda mais específica dos principais monumento" ,1 a arquitetura religiosa nas Minas adquire um
elementos que prevaleceram em µma determinada época e em dimensionamento inesperado pela originalidade de suas solu-
uma certa região, através de detalhes diversos que, no caso de
construções maiores, podem tender para soluções mais seme-
lhantes e mais gerais, decorrentes de programas construtivos (1) Costa, Lúcio. " A Arquitetura dos Jesuitas no Brasil" , Revista do Serviço
comuns usados com variações mehos evidentes. 1.._ do Patrimônio Hist6rico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, MES, 1941 (5), p. 12-3.
<.
124 suzy DE MELLO BARROCO MINEIRO 125

ções em relação às que condicionaram as suas equivalentes no tiba (atual Anchieta), ambas no Espírito Santo e construídas
2
território brasileiro. A ainda no século XVI.
Portanto, inicialmente, um aspecto fundamental se des- ~ Nesta mesma época, ou seja, no final do quinhentos, co-
taca como o mais importante determinante das construções -~.meçaram a ser erguidos os _conju!:!osftanciscanos, igualmente
religiosas mineiras: sua realização como obra de conjunto da de maior porte, e caracterizados, entre outros elementos, por
própria população que, organizando-se espontaneamente, er- seus amplos adros, onde se erguiam elaborados cruzeiros, vis-
gueu não só as primeiras e mais primitivas capelas dos povoa- to ser o culto da paixão de Cristo de particular preferência da
dos iniciais como, depois, as grandes matrizes e as sedes das Ordem, em especial nas procissões, podendo ser citados, como
Ordens Terceiras e Irmandades, visto ter sido proibida a per- Â exemplificação mínima essencial, os conventos de Olinda e de
manência das ordens religiosas regulares nas Minas, como já l lgaraçu, em Pernambuco, e o de João Pessoa, na Paraíba.
r foi observado. Esse fato é único no Brasil pois nas demais A esses programas arquitetônicos, definidos com bas-
-y regiões instalaram-se os jesuítas, franciscanos, carmelitas e tante clareza e que seriam ainda mais marcantes pelas solu-
beneditinos que, a par de suas obrigações devocionais (princi- ções das fachadas, compostas segundo um vocabulário formal
palmente em se tratando dos beneditinos que, sendo contem- específico e muito ligado às próprias Ordens, correspondiam
plativos, dedicavam-se primordialmente à oração e ao estudo), construções que, naturalmente, apresentavam uma escala
tinham como metas a catequese dos gentios e a difusão da monumental que 1nexistiu, nesse sentido, nas Minas.
educação católica bem como a prática da caridade cristã atra- Por outro lado, justamente entre os jesuítas e os francis-
vés de Santas Casas ou 'estabeíecimentos congêneres para o
canos, Ordens de maior atuação no início da colonização bra-
~ tratamento de enfermos e ainda de recolhimentos e asilos para :-~ileira, incluíram-se ~ois grandes ar.9,_uitetos, aliás os maiores
\__órfãos e idosos.
'ir responsáveis pelo desenvolvimento do que se pode considerar
Se os desdobramentos sociais das Ordens Terceiras nas como "modelos" dos colégios e conventos que, principalmente
Minas já foram anteriormente comentadas, sendo devida- na região do Nordeste, destacam a presença da Igreja Católica
mente acentuada a importância com que se revestiram no se- desde os primórdios desses estabelecimentos. Entre· os jesuí-
tecentos, é agora imprescindível estabelecer sua significação tas, o Irmão Francisco Dias era considerado "um de seus pe-
3
no plano arquitetônico, também de caráter excepcional. ritosnaprofissão de arquiteto" . Enviado ao Brasil em 1577,
f Como decorrência desse fato, um outro ponto é imediata- aqui faleceu em 1632, com 97 anos de idade, trabalhando con-
mente percebido: não são encontrados, nas Minas, os grandes tinuadamente nas construções jesuíticas embora fosse "um
co~juntos dos _conventos e colégios que se destacavam nos de- técnico de alto gabarito, pois os padres em Portugal reclama-
mais núcleos de povoamento do território brasileiro, tanto no ram a sua volta, alegando que lhes fazia falta; mas o Geral o
litdfál quanto no interior. Sua _volumetria marcante é, natu- manteve no Brasil". 4 Tendo participado das obras da Igreja
ràlmente, condie,ionadapelas súás finalidades básicas - con- de São Roque, a sede da Companhia de Jesus em Lisboa, fez
,, ., . '
ventos e colégi9s - mas sempre sua forte presença constituiu uma brilhante adaptação de sua solução para a igreja de Nossa
uni el~ento .de característica~ muito peculiares nas paisagens Senhora da Graça, no Real Colégio Jesuíta de Olinda, em
t;irban~ãs em que se inseriam. , torno de 1584.
- Como exemplol destas soluções poderiam ser citadas, em
[ primeiro lugar, as residências j~suítas, organizadas em qua-
v driláteros que incfuíam as celas e as áreas dos colégios que, (2) Carvalho, José Antônio. O Colégio e as Residências dos Jesuítas no Espl·
rito Santo. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1982, p. 78-82.
além da igreja, dominavam sempre uma praça bastante am- (3) Bazin, Gennain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Ja-
pla, como ocorre em Nova Almeida, a antiga Aldeia dos Reis neiro, Record, 1983, v. 1, p. 89.
Magos e na Aldeia de Nossa Senhora da Assunção, em Reri- (4) Bazin, Germain. Op. cit., p. 89.
126 suzy DE MELLO BARROCO MINEIRO 127

Quanto aos franciscanos, sua atuação na arquitetura é Todas estas observações, ainda que muito resumidas, re-
ainda mais vigorosa pois "apresentam soluções inéditas, cujo vestem-se de enorme significação quando se considera a situa-
,. desenvolvimento lógico, que têm como ponto de partida tipos ção mais uma vez muito peculiar das Minas, em comparação
formados na segunda metade do século XVII, pressupõem com o que ocorreu nas demais regiões brasileiras em termos
uma verdadeira escola de construtores pertencentes à Or- de arquitetura religiosa.
dem". Seu mais antigo arquiteto, Frei Francisco dos S-ª-nto~
5
Se aqui inexistiram os grandes conjuntos de conventos e
foi o responsável pelos conventos 1rã~~sa Se- colégios, também não estiveram presentes os arquitetos e
nhora das Neves, em Olinda (1585) e de Santo Antônio, em construtores que se incluíam nos quadros das Ordens de ori-
João Pessoa (1590), dois dos mais significativos exemplos gem européia, em sua maioria constituídas na época medieval
dessa escola arquitetônica. Ainda que não existam maiores e e, portanto, com soluções arquitetônicas bastante consagra-
mais detalhados registros sobre Frei Francisco dos Santos, é das e com indiscutível erudição no tratamento das edificações.
sabido que "viveu até idade bem avançada", tendo trabalhado Essa ausência foi, naturalmente, compensada pela atua-
também no Rio e em São Paulo. 6 ção dos mestres-de-obras portugueses, atraídos também pelo
Mais complexos que os jesuítas, os conventos francisca- enriquecimento fácil e que aqui voltariam, a exercer seus ofí-
nos dispunham-se igualmente em torno de pátios, com forma cios de "homens de bem" garantindo, com o rápido desen-
que tendia para o retângulo, e em cuja volta se desenvolviam volvimento das vilas do ouro, uma situação econômica de certo
os claustros. Porém, como havia a Ordem Terceira, além da nível e sem os percalços e incertezas da exploração aurífera.
igreja conventual existià a capela dos terceiros e sua sacristia Mas, em ·se tratando de mestres-de-obras civis, não tinham
própria. Quanto às fachadas, foram desenvolvidas segundo maior ou mais detalhado conhecimento da arquitetura reli-
um esquema geral básico que em sua parte inferior era resol- giosa que passam a fazer segundo as possibilidades locais, os
vido com o uso da chamada "galilé", ou seja, uma espécie de programas definidos pelas "Mesas" das Ordens Terceiras e
pórtico de entrada para a nave da igreja propriamente dita, tomando como modelos formais as igrejas -de suas "fregue-
sendo coroadas com frontões que se lançavam para o alto em sias" na pátria distante. Daí decorreu, portanto, maior liber-
elegante jogo devolutas, elementos curvos que eram combi- dade nas soluções, ao mesmo tempo que suas inevitávei~ adap-
nados com excepcional sensibilidade. Outros detalhes, como tações conferiram às construções religiosas mineiras mais am-
as torres recuadas, poderiam ser ainda enumerados, mas ape- pla desenvoltura e, ao mesmo tempo, ·uma escala menos mo-
nas a indicação dos principais é mais que suficiente para dei- numental e características de gosto mais popular, ensejando a
xar claro o vocabulário formal básico que caracterizava as criação e a difusão de uma linguagem também de raízes mais
construções franciscanas no Brasil. vernaculares.
"f-..' Também erttre os beneditinos poderiam ser relacionados É óbvio que as obras de Antônio Francisco Lisboa, o
grandes arquitetos e· construtores de mosteiros, como Frei . Aleijadinho, não se enquadram totalmente nessa visão mais
Macário de Sã~ Joãó, na Bahi~, .e Frei Bernardo de São Bento genérica, pelas suas excepcionais soluções mas, ainda que se
Corrêa de Soyza, IllJ Rio de JlJ.neiro, ambos do século XVII, os destaquem de forma muito especial no conjunto da arquite-
qu'ais manti~~ram uma linguagem arquitetônica que incluía tura religiosa mineira, os elementos básicos que as compõem
soluÇões já tradicionalmente incorporadas ·às edificações da são os usualmente adotados na região, embora interpretados
Ordem de São Bent o. 7 com uma imensa genialidade e acrescidos de criações extre-
mamente originais.
(5) Bazin, Germain. Op. cii. , p. 137. A ausência das grandes Ordens religiosas, com seus mo-
(6) Bazin, Germain. Op. cit. , p .. 137. delos mais consagrados ou com suas "escolas" arquitetônicas,
(7) Silva Nigra, Dom Clemente Maria. Os Dois Escultores: Frei Agostinho da
Piedade - Frei Agostinho de Jesus e o Arquiteto Frei Macário de São João. Salvador, resultou, igualmente, em uma liberdade muito maior para as
Universidade Federal da Bahia, 1971, p. 92. construções que não tinham, nas Minas, quaisquer restrições
1}1 v. 2_
J
l ~
- 1 ÂA<i'AAl ,..
.
/f!vw vv1~/f)t1{,e.ut.
' Í)
j' / C rw-0
.

128 SUZY DE MELLO B~RROCO MI~IRO


129 ' )_;
ou imposições formais ou de programas para serem seguidas,
fato que tornou ainda mais ace'tltuada sua espontaneidade e
tituiu o último grande exemplo do barroco no Brasil já que, ~lf ~
logo depois, se iniciaria o período do neoclassicismo; consoli- J' \; ,J
elegância pois, sem dúvida, "essa situação favoreceria o de- dado com a vinda da Missão Artística Francesa de 1816 sob o . -i',r:Jil
senvolvimento do gênio criativo, eliminando os elementos tra- patrocínio de D. João Vf. ~
- \;IJ

dicionais, retardando a evolução, que se tornaram os conven- Finalmente, há um aspecto que nem sempre merece a
tos no século XVIII". 8 devida atenção, embora seja também um determinante bas-
Em contrapartida, as rivalidades existentes entre as Or- tante ponderável: o isolamento da região das Minas em rela-
dens Terceiras e entre as Irmandades motivaram ainda mais ção à área litorânea e aos principais portos. Mesmo com a
os construtores das grandes capelas mineiras, trazendo uma transferência da capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em
nova e inesperada emulação que só resultou em maiores bene- 1763, motivadajustamente pelo ciclo do ouro, ainda penoso e
fícios não só para a arquitetura como também para o enrique- ~ era o acesso às Minas. Conseqüentemente, não só ou-
cimento da decoração interna, com as magníficas obras de tros modelos arquitetônicos como também materiais de cons-
talha. Esta disputa, principalmente entre os franciscanos e trução vindos da metrópole não alcançavam as vilas do ouro.,.
carmelitas - que eram as Ordens Terceiras mais poderosas "Como a do Minho-Douro, a arquitetura de Minas é uma ar::'"j · 1
nas Minas setecentistas - foi, inclusive, responsável pelas quitetura de escultor, característica que em nada atenuaria a t ,\1Jft\IJ
mais significativas obras de Antônio Francisco Lisboa que, influência do Aleijadinho. Arte geométrica, a arquitetura ca- ·, (#
requisitado por ambas, excedia-se na criação de soluções rioca, da mesma forma que a de Lisboa, nasceu do compassof~
cada vez mais ousadas e belas. e da régua. Talvez essa particularidade também se deva ao
Sem os parâmetros das Ordens regulares, as Terceiras pro- fato de que lá, mais do que em qualquer outra região, os enge-
moveram, com a maior liberdade, tanto a arquitetura quanto nheiros militares exerciam influência preponderante, tanto .J
a talha e a pintura para tornar mais ricas e belas as suas ca- sobre a arquitetura civil quanto religiosa." 10 -___J
pelas, não tendo nem mesmo restrições econômicas para con- Nas Minas, a presença de engenhe~ros militares era res-
tratar os melhores artistas, já que se tratava de empre~ndi­ trita e tampouco aqui chegavam maiores influências ou mo-
mentos coletivos de grupos financeiramente independentes dismos artísticos em voga na corte portuguesa. Igualmente; o
que, não tendo feito construções particulares de maior luxo, transporte de peças e artigos manufaturados além-mar era li-
puderam concentrar nas suas sedes religiosas o resultado de mitado ao que pudesse ser mais útil para a vida e o trabalho
uma organização geral mais segura e ampla, erigindo templos cotidianos, sendo suprimidos os considerados supérfluos, que
da maior riqueza. ficavam nos portos ou em núcleos mais próximos do litoral.
Por outro lado, o grande "surto arquitetônico" mineiro, Assim, não chegaram até as vilas do ouro~~ulejos que, em
como bem classificou Germain Bazin, 9 teve lugar no setecen- grandes painéis, recobriram tantas paredes de igrejas e con-
tos e, portanto, em época _b em posterior às dos demais centros ventos no Nordeste ou no Rio, bem como as belas e famosas
de colonização, favoreceri'do a adoção ·de soluções mais "mo- peças da Cerâmica de Santo Antônio, no Porto, demasiada-
dernas" em relação às dos séculos XVI e XVII, mesmo que mente fr!geis para tão longo e acidentado percurso. Até mes-
estas sofressem reformas para seu maior enriquecimento e mo o lioz, pedra "calcária branca e dura", 11 muito farto em
atualização.com referência 3t novas tendências, principalmente Portugal e constantemente usado como lastro dos navios que
de caráter decorativo em seus interiores. Assim, cronologica- vinham para o Brasil, não foi enviado para as Minas, embora
mente, a arquitetura religiosa mineira do século XVIII cons-

(8) Bazin, Germain. Op. cit., p. 195. (10) Bazin, Germain. Op. cit. , p. 242.
(9) Bazin, Germain. Op. cit., p. 195. (11) Corona & Lemos. Op. cit., p. 301.
130 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 131

fosse amplamente aproveitado nos mais diversos tipos de cons- que eram muito sumárias e "de pouca dura - como diziam,
13
trução nas áreas litorâneas. então, os padres - " . Entretanto, considerando-se a presen-
Portanto, a arquitetura religiosa mineira não se enqua- ça das Ordens Religiosas naquelas regiões, a iniciativa das
drou nos esquemas básicos adotados nas demais regiões do construções - mais primitivas ou não - a elas cabia, en-
Brasil e, a partir de condicionamentos peculiares, apresentou quanto que, nas Minas, "a princípio, nas povoações prime-
uma evolução muito própria, alcançando, por fim, um nível vas, unem-se os indivíduos em torno de uma única capela, de
extraordinário de originalidade e beleza. construção precária, núcleo de povoação nascente e ponto de
referência do lugar. Nesta capela se reúne o povo em suas
Evolução e tipologia básica festas e aperturas, para deliberar e alegrar-se, povo ainda todo
irmão, sem diferenciações
14
maiores, igualmente esperançoso e
homogêneo" .
É fato claro e evidente, porém, e a ser logo colocado para Essas edificações tinham um cômodo único, em geral de
dirimir quaisquer dúvidas, que em arquitetura não se pode dimensões reduzidas, que funcionava como nave, tendo ape-
definir datas muito exatas para os monumentos, visto ser sua nas um pequeno e igualmente simples altar, no qual ficava a
construção freqüentemente não só muito complexa e lenta imagem do orago, o santo padroeiro de maior devoção dos que
como também sujeita a reformas, reconstruções e até mesmo haviam se instalado nas proximidades. Em casos de maior nú- ·
"modernizações", principalmente em se tratando de constru- mero de fiéis, freqüentemente, estes ficavam do lado de fora
ções de maior porte e .importância como é o caso das que se quando da realização das cerimônias religiosas, sendo que,
destinam a finalidades religiosas. Obviamente, há inúmeras em muitos exemplos - entre os quais as capelas Cruz das Al-
exceções mas, como regra geral, essa premissa deve ser sem- mas, Ponte Seca e Bom Jesus da Pedra Fria, todas em Ouro
pre lembrada, pois explica inúmeros detalhes de tratamento Preto - a área era tão exígua que seriam "mais adequadas
arquitetônico que nem sempre podem ser imediatamente ju~­ para 'Passos' do que propriamente para capelas", conside-
tificados, embora, com uma análise mais cuidadosa, sejam rando-se como "Passos" "as capelinhas que só se abrem uma
esclarecidos e compreendidos sem grandes dificuldades. 15
vez no ano, na sexta-feira Santa, para a procissão" e que são
Assim, continuando a seqüência de colocações de Lúcio até hoje encontradas nas vilas do ouro, como Sabará, São João
Costa para a análise de obras de arquitetura e considerando dei Rei ou Tiradentes. Suas fachadas são apenas abertas por
um primeiro e mais natural tipo de evolução - construções uma porta - que pode ser resolvida em tábuas retas, dispos-
precárias e definitivas - as condições nas Minas apresenta- tas verticalmente, em "calha" ou com almofadados salientes e
ram-se como nas demais regiões do Brasil, ou seja, não só pela mais elaborados e arrematadas lateralmente por cunhais sim-
escala menor como também pelas técnicas construtivas adota- ples (em madeira ou pedra), tendo telhado em duas águas,
dãs, as edificações iniciais tive,ram um maior caráter de transi- com beirais também simplificados.
toriedade, em}?0ra, en;i inúmer{;>s casos, fossem posteriormente Essas construções iniciais, extremamente singelas e que
iefeitas com , materiais mais1duráveis
~ t'
e pro"g ramas mais com- foram adotadas para os "Passos" da Semana Santa, poste-
plex9s. " 1
riormente enriquecidas com detalhes decorativos de maior re-
:',Portanto, como ocorrera anteriormente em outras áreas quinte, tiveram sua evolução naturalmente condicionada pela
do território btasifeiro, surgiram primitivamente as chamadas
12
"igrejas de palha, feitas com barro e cobertura vegetal", e
'
(13) Costa, Lúcio. Op. cit., p . 19.
(14) Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira in I Seminário
de Estudos Mineiros, Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957, p. 68.
(12) Campiglia, G. Oscar Oswaldo. Igrejas do Brasil (fontes para a História
(15) Santos, Paulo F. Subsídios para o Estudo da Arquitetura Religiosa em
da Igreja no Brasil). São Paulo, Melhoramentos, 1958, p. 9. Ouro Preto. Rio de Janeiro, Kosmos, 1951, p. 127.
132 SUZY DE MELLO 133
BARROCO MINEIRO

estabilização dos povoados e pelo seu conseqüente desenvol- cada, um de cada lado - para as leituras dos textos sagrados
vimento comercial. Teve início, assim, de forma quase espon- e para as pregações. O acesso aos púlpitos das capelas era
tânea, uma seqüência de partidos arquitetônicos que, tanto feito primordialmente por escadas portáteis, embora estas pu- li
nas soluções de plantas quanto nas de fachadas, iria definir os dessem ser também fixas, incluídas em sacristias ou mesmo .J
padrões básicos das construções religiosas mineiras. externas.
Nessa seqüência, o primeiro modelo efetivamente defini- Entre a nave e a capela-mor, em geral mais estreita e ele- ~1
tivo foi o que não só ampliou a área destinada aos fiéis como a vada em alguns degraus (3 ou 5), há sempre um grande arco,
ela agregou um outro cômodo, indispensável ao seu mais ade- que é o chamado arco-cruzeiro, elemento que marca a transi-
quado funcionamento: a sacristia. Já então o próprio corpo ção para o pres~minação mais genérica da área _j
principal da construção diferenciava as áreas: a dos fiéis - a elevada que contém o altar-mor.
nave - e a do culto - a chamada capela-mor, onde se situa o Desta área abre-se uma porta para a sacristia, cômodo de
altar principal. Assim, a sacristia passa a ocupar o espaço ao dimensões variáveis mas não exageradas, onde havia parco
lado ou atrás da capela-mor. equipamento - essencialmente uma cômoda (ou arcaz) para
Ficam, portanto, estabelecidas as capelas "com caracte- os paramentos e objetos litúrgicos e um favabo, para as ablu-
rísticas mais definidas - capela-mor, nave e sacristia consti- ções dos padres e para a limpeza dos vasos sagrados. Freqüen-
tuindo o que de mais essencial existe no programa do templo temente ocorria ainda um pequeno depósito, geralmente des-
mineiro" ,16 pelo menos em sua primeira e mais estável ex- tinado a andores, lanternas, estandartes e às várias peças usa-
pressão. das nas procissões, bem como uma outra escadinha, situada
A planta é, assim, extremamente simples e lógica, ha- quase sempre dentro do depósito, para acesso ao camarim,
vendo nítida preferência pela disposição da sacristia ao lado parte superior do altar-mor e no qual ficava colocado o Santís-
da capela-mor, o que resultava em "duas vantagens: maior simo em um ostensório, para adoração dos fiéis ou, como era
simplicidade construtiva e economia de um corredor, impres- mais usual, fazia-se a exposição da imagem do orago, ou santo
cindível quando a sacristia é localizada nos fundos" .17 padroeiro da capela, em uma espécie de pedestal em degraus,
Esse partido, adotado tanto nas Minas como em outras que é chamado "trono", localizado acima do altar.
regiões do Brasil, é originário de Portugal, onde Paulo F. San- A esse partido simples correspondeu uma volumetria
tos indica exemplos na região da Beira-Alta, nas proximida- igualmente singela que, no entanto, "guarda ainda, na sua
des de Viseu. 18 pobreza e humildade - quase indigência - certo sabor pri-
Mas, estando já determinados os componentes essenciais mitivo e ingênuo, que é grande parte do seu encanto" .
19

das capelas, a estes se acrescentam outros elementos, que Assim, a percepção da planta é imediata, pois aos volu-
completariam suas plantas, como o coro, elevado por esteios mes correspondia a distribuição das áreas - a nave era mais
dé' madeira logo à entrada d~ nave e cujo acesso é feito por
uma pequena .e scada,, geralmente situada à direita de quem
alta, seguida pela capela-mor de pé-direito mais baixo, ambas J
cobertas com telhado de duas águas e a sacristia, ainda de ~
~rttra, no lado que é ·chamado da Epístola, enquanto o es- menor altura, '" tratada como um "puxado" residencial, era
"
quetdo denomina-se '
do Evangelho. protegida por uma só água. Em certos casos, ainda, tanto a .
\ ~ Aproximadamente no meio da rnwe, para facilitar a difu- nave quanto a capela-mor abrigavam-se sob um telhado único _f
J, são do som, fiêavâ o púlpito - às vezes, em colocação dupli- de duas águas.
A fachada, também resolvida com grande simplicidade,\
era domJ.nadapor uma única porta de entrada, acima da qual lf
(16) Santos, PauloF. Op. cit. , p.127.
(17) Santos, PauloF. Op. cit., p.127.
(18) Santos·, Paulo F. Op. cit. , p. 127. (19) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 153.
134 BARROCO MINEIRO 135
SUZY DE MELLO

abriam-se duas janelas-sacadas, para a iluminação do coro. vadas e que, primeiramente erguidas com materiais ainda
Lateralmente, o arremate dos cunhais delimitava a construção precários foram, em inúmeros casos, posteriormente recons-
e o frontão - ou seja, a parte superior da fachada - apre- truídas com técnicas de maior solidez, mantendo, porém, suas
sentava a forma triangular tradicional das empenas. Natural- características básicas de planta e fachada e sendo usadas
22
mente, havia algumas variações, inclusive pelo uso de cima- "pelas irmandades de menor poder econômico" .
lhas - molduras que delimitam a empena em relação à parte No entanto, duas outras variações dessas fachadas foram
inferior da fachada - bem como outras que resultavam do igualmente adotadas nas Minas, ambas com uma torre cen-
u~o de técnicas construtivas que, não incluindo a pedra, exi- tral única. No primeiro caso a fachada - ou o frontispício -
glam .ª colocação de esteios intermediários de madeira, como da capela é plana, sendo a sineira freqüentemente resultado
l _?corria nas construções de pau-a-pique.
e · Como observou Paulo F. Santos, "com as três aberturas
de um acréscimo posterior.23 Na segunda hipótese, alér~ da
torre central, o frontispício é resolvido em planos que, dis-
'f acima referidas: a porta principal da nave e as duas portas- postos em ângulos, conferem movimentação inesperada aos
sacadas (ou janelas) do coro, dispostas em forma de triângulo volumes, aproximando-os bastante das construções de plantas
com o vértice para baixo - adotadas logo de começo na maio- mais eruditas, adotadas para monumeptos de maior impor-
ria das capelas das Minas, nasce o partido que viria a tornar- tância. São as chamadas "capelas de frentes chanfradas", que
se típico do frontispício do templo mineiro e que só ocasional- Sylvio de Vasconcellos indica como "da preferência das ir-
mente seria também encontrado (mas sem formar regra), nou- mandades do Rosário ou dos pardos e mulatos, cuja confor-
t!ras regi?es do país" .'
20 mação pode ser originária da Glória do Outeiro, no Rio, ou
E amda segundo a abalizada análise de Paulo F. Santos, das construções poligonais v.g., no Castelo de Garcia d' Ávila
24
Sylvio de Vasconcellos e outros estudiosos, há um "paren- e no extremo norte do Estado (Minas Novas)" . A estas con-
tesco" dessas fachadas com as de capelas e ermidas de gosto clusões, que embora muito válidas podem ter alguns aspectos
românico, na Extremadura, na Beira-Alta e em regiões do discutidos, deve ser somado um dado de importância funda-
nort~ de Portugal, pelo que a solução adotada nas Minas pode mental que é o uso das estruturas de madeira, com paredes
ter sido resultante de uma peculiar interpretação que as adap- mais leves, e ensejando, pelo uso dos esteios, um diferente tipo
tou às condições locais próprias. de modulação nas fachadas, também muito próprio das vilas
f
1
De modo geral não ocorriam torres sineiras nestas capelas do ouro.
Com estas variações, naturais no amplo contexto em que
, - como também sucedera nos seus protótipos portugueses
mais remotos - , sendo os sinos incluídos nas paredes, outra se inseriram, as primeiras capelas mineiras atenderam aos re-
fo_rma que poderia ter sido uma variação dos modelos româ- quisitos dos povoados iniciais e, pela validade de suas soluções,
n_i~?s já mencionados. Mas podiam ser construídos campaná- permaneceram como padrão das construções de menor porte
rios separados do corpo da capela, que Paulo F. Santos indica nas Minas.
ser prática des.c bnhecida tanto nas demàis regiões do país Entretanto, o rápido desenvolvimento que marcou as
qu'.a nto em Rortugal, 21 caracterizando-os, ·. assim, como um aglomerações próximas aos mais ricos depósitos auríferos teria
Í. ele~ento ori ginal das const:uções mineiras.
1
imediatos reflexos na arquitetura religiosa mineira, visto que,
já sendo maior o número de habitantes, também seriam nota-
Essas ca~t".~ª~.,?esprov1das de torres ~o·rresponderam aos
povoamentos m1c1a1s que se tornaram estaveis pela fartura do
ouro, distribuindo-se, em_todas as áreas inicialmente desbra-
(22) Vasconcellos, Sylvio de. "Constantes Variáveis da Arquitetura Religiosa
Tradicional Mineira" in Arquitetura no Brasil: Pintura Mineira e Outros Temas.
Belo Horizonte, Edições Escola de Arquitetura, 1959, p. 9.
(20) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 153. (23) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 10.
(21) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 157. (24) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 10.
136 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 137

Construções religiosas mineiras das entre estes diferenciações de poder eronômico. Assim, na
Características básicas segundo Sylvio de Vasconcellos medida em que as povoações tendem a uma definitiva estabi-
lização, inclusive com maior incremento das atividades co-
merciais, "exigem paróquias providas de vigários próprios. A
classe de maior recurso, recém-constituída, trata de construir
25
a matriz" .
É bem verdade que, em alguns povoados, matrizes de
maior porte são erguidas em uma fase efêmera de euforia, tra-
Evolução das plantas com sua nítida tendência para a curva. zida pelo ouro fácil e farto que, posteriormente, se exaure,
resultando na retração dos mineradores e na conseqüente es-
Tipologia básica das fachadas
tagnação da localidade que, reduzida a um casario esparso e
mínimo é, porém, dominada pela imponente matriz, como
ocorreu, entre outras, em Ouro Branco e, principalmente,
Catas Altas. ,
Porém, em geral, a matriz é erigida em núcleos que se
manteriam por todo o setecentos com uma estabilização já
garantida, apesar das incertezas da mineração e de seu lento e
inexorável declínio a partir da segunda me~ade do século.
©J /IfJJ
/
)
. Mais uma vez, porém, a construção das matrizes repetia
a conjugação de esforços comunitários, visto que muitos ou-
I tros grupos, ainda que socialmente organizados, não dispu-
nham de recursos próprios para financiar suas igrejas, res-
tando-lhes apenas a possibilidade de serem acolhidos "à som-
Capela sem torre Matriz ou capela maior bra das matrizes, que ajudavam a construir. Não se trata, po-
(ou com torre separada) rém, como a princípio, da união de indivíduos, num mesmo
agrupamento. Estes são agora vários, reunidos como em fede - J
Variantes ração, presidida pelo grupo mais forte. Ficam en. tão as matri- · 1~
zes com seu altar-mor sujeitas à irmandade do S.S. Sacra- tf1"' -
menta, reservando-se às dêiiíais àssociações filiadas os altares
laterais da nave que cada uma constrói e conserva a seu gosto. J
Daí a diversidade dos altares encontrados nas matrizes mi-
26
neiras".
1 É interessante salientar - como aponta S:v.lvio de. Vas-
Dt D concellos 27 - que na escolha do padroeiro da matriz preva-1
lecia a preferência dos grupos mais abastados que, constituí- 'ir

Torre central Torre lateral ünica Torre central única


única fach11da pia.na fachada chanfrada (25) Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira in I Seminário
fachada plana
de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957, p. 68.
(De Arquitetura C~/onial M~n~ira e G_on.stantes Variáveis da Arquitetura Reli- (26) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 68.
giosa Trad1c10nal MmeJra, citados no texto . ) (27) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 68.
138 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 139

dos por ricos comerciantes, membros da administração local cristias laterais para ser mantida uma simetria que era muito
ou mineradores de maior fortuna, apegavam-se à devoção do do gosto da época. X
Santíssimo, a seu ver a mais importante na hierarquia reli- Mas como a matriz já exigia maiores espaços e correspon-
giosa. Enquanto isso, as demais classes, socialmente menos dia a melhores condições econômicas e construtivas, a altura
categorizadas, continuavam com suas invocações a santos com da nave era ampliada e um segundo pavimento atendia aos
.os quais se identificavam mais diretamente, como foi visto. requisitos das Irmandades: acima da sacristia situava-se, en-
Em se tratando das matrizes, porém, mesmo que construídas tão, um salão com a mesma área, destinado às reuniões das
pelas poderosas Irmandades dçi Santíssimo Sacramento, sua Mesas das Irmandades e que é denominado consistório. Como
denominação continuava a preferir as diversificadas apelações a sacristia ficava entre dois corredores laterais de acesso, tam-
íl a Nossa Senhora, aspecto também já anteriormente comen- bém este espaço era aproveitado em altura, aí se localizando
v tado. as tribunas, abertas para a capela-mor, para a nave ou para
Em termos de arquitetura, naturalmente, essas novas ambas, e geralmente destinadas a figuras ilustres. O acesso ao
condições iriam trazer não só um programa diferente e mais consistório e às tribunas era feito por meio de uma larga es-
complexo para as plantas como estabelecer uma volumetria cada que, na maioria das construções, era desenvolvida em
mais significativa para as construções. Estas, obviamente, um só lance, "entre as paredes dos fundos da capela-mor e da
passam a ser feitas com técnicas de maior solidez e durabili- sacristia" .31
dade, embora em muitos casos fossem adotadas combinações O acesso ao coro passou a ser feito por meio de escadas
de vários sistemas construtivos. Mas ainda assim as edifica- desenvolvidas no interior de uma das torres, ficando na outra
ções religiosas adquirem com as matrizes suas características o batistério, permanecendo os demais elementos - como púl-
arquitetônicas mais permanentes e definitivas. pitos, arco-cruzeiro e capela-mor, por exemplo - como nas
Em planta, o partido representava, basicamente, a am- capelas, sendo apenas tratados com mais apuro.
pliação do que havia prevalecido para as capelas, com um Como nas demais igrejas brasileiras, também nas Minas
alargamento da nave que, ao mesmo tempo, se tornava tam- prevaleceu a solução da nave única que era especialmente fa-
bém mais comprida e incluía uma espécie de nártex, ou área vorável para a disposição dos altares laterais das demais ir-
de entrada, onde freqüentemente era colocado uma espécie de mandades interessadas na construção da matriz, sendo única
anteparo, chamado tapa-vento, que, em frente à porta, prote- exceção a Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Sabará,
gia o interior. Nesse espaço situava-se o coro, que passava a que tem três naves, embora a Sé de Mariana, com capelas la-
ficar entalado entre as torres já então em número de duas terais profundas, apresente outra rara alteração desse es-
"d?minando a composição da fachada" .28 ' quema geral e que, "nesse particular, lembra as igrejas dos
. Em geral a sacristia ocupava a parte dos fundos abran- 32
Colégios da Bahia, Pará, etc.", feitas segundo os modelos
gendo "'toda a largura da igr~ja, que compreende a' capela- jesuíticos mais tradicionais.
mor e dois corredores, um de cada lado" .29 Ocorriam, tam- É claro que outras variações podiam ocorrer, como a não
bém, várias s.~cristias laterais, que se comunicavam direta- construção do segundo andar ou a inexistência das tribunas,
ment~. com a capela-mor e às quais podia corresponder, do mesmo em matrizes de grande porte porém, fundamental-
lado oposto, "uma capela privativa da Ordem ou Irmandade a mente, os partidos das plantas das matrizes eram bastante
30
que pertence a ÍgreJa". Havia, ainda, a subdivisão das sa- semelhantes e de leitura fácil, uma vez conhecidos seus princi-
pais elementos.

(28) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 129.


(29) Santos, Paulo F. Op. cit., p . 129. (31) Santos, Paulo F . Op. cit., p. 130.
(30) Santos, Paulo F. Op. cit. , p. 130. (32) Santos, Paulo F. Op. cit. , p. 66e131.
140 suzy DE MELLO BARROCO MINEIRO 141

Em relação às fachadas, sucedeu praticamente o mesmo, Além dessa solução formal bastante limitada ainda é im-
pois à composição singela dos frontispícios das capelas foram portante, porém, salientar uma peculiaridade regional no ter-
acrescentadas as duas torres laterais. Aliás, seria uma evolu- ritório das Minas, correspondente à área do Vale de Jequiti-
ção lógica e natural - como a das plantas - observada com nhonha e apontada por Sylvio de Vasconcellos com grande
exatidão por Paulo F. Santos: "nas igrejas mais antigas - via exatidão: a existência de capelas maiores e, mesmo, matrizes,
de regra posteriores às primeiras capelas e erigidas só quando com uma única torre lateral, "solução peculiar à região nor-
as condições do meio permitiram ou exigiram templos mais deste do Estado (Diamantina) , cujo partido aproxima-se do
amplos - a nave termina numa empena, interrompida de adotado pela igreja jesuítica do Castelo, no Rio de Janeiro,
ambos os lados pelas torres - pormenor que mostra clara- caracterizado pela existência de um elemento de ligação entre
mente como o novo tipo (igreja) resultou do crescimento por . ,,36p
a torre e o corpo central que não se tangenciam . ara p au1o
assim dizer orgânico do primitivo (capela) - observação que F. Santos, porém, esse tipo seria 37" comuníssimo em todo Por-
também se evidencia nas plantas" .33 tugal desde a época românica", ficando aqui sua adoção
Portanto, as fachadas das matrizes mineiras conserva- limitada ao Arraial do Tijuco, onde é praticamente usado pe-
ram, inicialmente, o mesmo número e disposição dos vãos das las principais Irmandades.
capelas: uma porta principal com duas janelas no coro, tendo Quanto à volumetria geral das matrizes, também é se- .
como limite superior a mesma empena, ainda tratada como
guida à das capelas, já descrita, sendo que a escala maior dos
um frontão triangular simples e, dos lados, as torres de base volumes é a diferença existente pois repetiram-se as variações
quadrada que eram marcadas por cunhais, inicialmente em de altura do pé-direito para a nave, a capela-mor e a sacristia,
alvenaria ou madeira e depois em pedra. Ê interessante notar que permaneceram igualmente perceptíveis em sua dispo-
que " a verdade construtiva transparece ao ponto de esse fron -
tão, seccionado pelas torres, exibir, sem artifícios, os cantos sição.
34
mutilados" . As torres eram pesadas e "cobertas com telha- Ainda que esses dois partidos fundamentais - o das ca-
dos pontudos, à chinesa. Pilastras reforçam os ângulos das pelas e o das matrizes - tivessem permanecido como básicos
paredes e sustentam entablamentos de forte modenatura, pro- nas Minas, definindo as duas etapas iniciais das construções
tegidos por uma fiada de telhas de topo. A marcação é dura, religiosas, o desenvolvimento das vilas do ouro de maiores re-
as formas rígidas, as proporções pesadas, a expressão grave e cursos trouxe uma terceira fase que marcaria a culminância
35
austera". do Barroco Mineiro quanto à arquitetura das igrejas, como
Esse entablamento - que é uma cimalha de marcante tão bem definiu Sylvio de Vasconcellos: " se o lugar progride,
presença - é mais vigoroso nas matrizes que nas capelas, em- acentuando a estratificação social existente, cedo têm lugar
bora, em alguns exemplos de estrutura de madeira, fosse re- divergências e conflitos que uma convivência tão heterogênea
solvÍdo como um simples beiral, com os respectivos " cachor- de classe fatalmente acabaria por provocar. Quebra-se a har-
ros" - peças d~ sustentação colocadas de topo (ou perpendi- monia estabelecida, procurando cada grupo resolver a seu
culármente) à parede - mantidos aparentes uma vez que esse modo os problemas suscitados. Alguns se dissolvem, outros
"beiral-cimalha" correspondi~ à sua específica função de pro- sujeitam-se ao domínio prepotente, ou recolhem·se às primi-
teção'~contra 'as águas da chuva nos casos de construções de tivas capelas que então reconstroem e ampliam, e, finalmente,
pau-a-pique ou "taipa, nas quais o barro exigia maiores cui-
dados.
(36) Vasconcellos, Sylvio de. " Constantes Variãveis da Arquitetura Religiosa
(33) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 161 . Tradicional Mineira" in Arquitetura no Brasil: Pintura Mineira e Outros Temas.
(34) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 161. Belo Horizonte, Edições Escola de Arquitetura, 1959, p. 9·10.
(35) Santos, Paulo F. Op. cit. , p. 161. (37) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 160.
142 SUZY DE MELLO 143
BARROCO MINEIRO

os mais bem grganizados empenham-se na construção de no- Era o início da grande época da arquitetura religiosa do
vas capelas". Barroco Mineiro que, com a disputa entre as duas principais
Essas novas construções iriam marcar a liberação dos es- Ordens Terceiras - do Carmo e de São Francisco - de indis-
quemas mais limitados e sóbrios das matrizes que, aliás, já cutível poder social e econômico, teria, ainda, na competição
apresentavam nítidas tendências para soluções de maior le- de Irmandades mais pobres, porém com significativo número
veza tanto nas plantas quando nas fachadas. "As formas a de filiados - como a do Rosário - outras forças que amplia-
princípio rígidas, foram amolecendo e se arredondando, 'ao vam o número de construções novas e de maior originalidade e
mesmo tempo que as proporções, de pesadas, robustas, foram apuro.
s~ ade~g~çando, adquirindo elegância. Como conseqüência, a Portanto, " todas essas inovações , introduzidas a princí-
dispos1çao geral, enquadrada numa marcação muito forte fe- pio com timidez, foram adquirindo cada vez maior liberdade,
chada, fracionada em compartimentos distintos, foi se 'tor- até atingirem, na fase de apogeu da arquitetura religiosa em
nando flexível, elástica, amalgamando-se os compartimentos Minas, desenvoltura e arrojo sem precedentes no país. As for-
principais (nave e capela-mor) num só todo de peças que se mas curvas assenhoram-se então definitivamente dos frontis-
• ' 39
mterpenetram e mutuamente se completam." pícios. Torres de base circular, cobertas com cúpulas macias
A tão significativas mudanças que levariam à adoção de em boca de sino, substituem as de base quadrada. Movimen-
plantas curvas - dentro do espírito de Borromini na sua fa- tam-se os entablamentos, acompanhando as formas cilíndri- ·
mosa igreja de San Carlo alle Quattro Fontane, em Roma 0 cas das torres e as ondulantes das paredes, ou abrindo-se em
exemplo mais clássico do gênero, ao lado de construções do SS e deixando que o partido ornamental do frontispício irrom-
Barroco alemão, como a Igreja dos Quatorze Santos, de Neu- pa, livre, ático acima. Colunas saltam das paredes, à frente
mann, e a de Wies, de Zimmerman, na Baviera - corres- das pilastras. E , inovação capital - as portadas vestem-se de
ponde equivalente orientação quanto ao partido das fachadas. ricos ornatos e assumem caráter sui generis, que haveria de
"Com o tempo - como aconteceu com as plantas - as distinguir, à primeira vista, as igrejas de Minas de todas as
formas dos frontispícios começaram a apresentar sintomas de que se tinham feito ou vieram a ser feitas em Portugal e no
41
amolecimento. A sinceridade construtiva cede lugar à procura Brasil". ·
do efeito plástico. Ao frontão triangular - rude e austero - Esse período de riqueza e originalidade de soluções. cor-
sucede o curvilíneo, ora como um simples contorno de linhas respondeu, porém, ao início da exaustão do ouro nas Mmas. /
sinuosas ( .. . ), ora assumindo a feição de amplo ático, com pi- "Ê interessante observar, entretanto, que as mais significati-
lastras, entablamento, consolos, volutas, etc. As torres ainda vas manifestações culturais objetivadas na região das minas
maQtêm a seÇão quadrada (às vezes com os cantos chanfra- ocorreram quando o ouro já começava a escassear e a econo-
dos)', mas as suas· coberturas de telhas são substituídas por mia a feneéer . Se entre 1730 e 1760 os auspiciosos resultados
cúpúfas 'de alvenaria. A cornija .-principal do frontispício com das minerações determinaram febris atividades construtivas
freqüência se encurva ao ,c entro, em arco de cfrculo ou em SS que estabilizaram os centros urbanos, a partir de então o de-
terminando em iângulo vivo. Formas curvas (a·prin~ípio reser- senvolvimento regional decresceu substancialmente. As cons-
v~das ~ó pa~a os _arcos sineiro's) se insinuam nas vergas dos truções se restringiram e se polarizaram em algumas poucas
vaos, a que c1malhas em balanço (padieiras) cónferem relevo e localidades , mas a qualidade das obras impôs-se à sua quan-
evidência." 40 • !
tidade. Paradoxalmente, foi a decadência que ensejou o apuro
das iniciativas artísticas e culturais, talvez proporcionado pela
maior disponibilidade de profissionais e maior seleção de
(38) Vasconcellos, Sylvio de. 54 Arquitetura Colonial Mineira in I Seminário
de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957, p. 68-9.
(39) Santos, Paulo F. Op. cit. , p. 131-2.
(40) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 162. (41) Santos, PauloF. Op. cit. , p . 162.
144 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 145

Etapas sucessivas dos tipos de construções religiosas paralelas mão-de-obra. Com a carência de recursos e maior tempo para
ao desenvolvimento e decadência das povoações mineiras
. segundo Sylvio de Vasconcellos a execução das obras, muitas das quais se arrastariam por
dezenas de anos ou se paralisariam42 inconclusas, fizeram -se

~- -~· 1~ Etapa = 1700 - 1720

- formação das povoações, au-


. b em pensa d as e perf e1"tas. " ·
e1as mais
Foi, porém, uma etapa de curta duração pois o ouro se
tornou rapidamente escasso e difícil trazendo para as Minas o

...~~
sência de classes sociais. Ca-
pelas precárias, invocacões empobrecimento e o desânimo. Muitas construções foram in-
o. de santos, um só altar. · terrompidas e os sonhos de grandeza se reduziram às grossas
paredes de pedra que não foram recobertas ou sequer ter.mi-
nadas, permanecendo até hoje como testemunhas silenciosas
do final triste e inapelável de uma época única, como bem
mostra o imponente mas inacabado arcabouço de pedra da
2~ Etapa = 1720 - 1750 Capela do Rosário, em Sabará.
- povoações estabilizadas; ini-
Nessas circunstâncias, "a nítida separação de classes exis-
cio da formação de classes, tente principia a dissolver-se na pobreza geral, e muitos ·agru-
com predominância de uma pamentos que tentavam manter-se isolados não mais o con-
delas e agrupamento de clas-
ses diferenciadas. Matrizes,
seguem. As construções novas são paralisadas, muitas não se
invocação do S.S. Sacramen- concluem, voltando o povo a conjugar esforços em benefício
43
to, multiplicidade de altares. do templo geral, a Matriz" .
Era a quarta e última etapa da evolução da arquitetura
religiosa nas Minas, com o fechamento de um círculo que, em
cerca de um século, englobou uma produção arquitetônica e
3~ Etapa = 1750 - 1800
artística da maior excepcionalidade, já anteriormente indi-
cada em inúmeras referências mas que cumpre sempre enfati-
- maturidade das povoações, zar como acentuam seus mais diversos e categorizados estu-
classes fortemente diferencia-
diosos, com destaque para Lourival Gomes Machado: "em
" . .6. " .
das; rivalidade de classes . Re-
construção das primitivas ca- Minas, no século XVIII, manifestou-se artisticamente, pela f
~
. ·...1.1..lL 44
pelas, construção de novas, primeira vez, uma autêntica cultura brasileira" .
decadência das matrizes.
Esta manifestação, que engloba todos os tipos de cons-
: ,, trução e inclui, ainda, a pintura, a escultura e a talha, teria na

,\ ' l
.. arquitetura religiosa - por sua maior eséala e riqueza, como
realização coletiva - seu ápice natural. É importante lembrar
também que, em monumentos de programas mais complexos
,t· 4~ Etapa = 18bo - ...
- como as grandes capelas e matrizes - foi obtido um má-
,- decadência ·econômica e dis-
solução de diferenciação so-
cial. Paralisação das novas
construções ou acabamento (42) Vasconcellos, Sylvio de. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o
deficiente das mesmas; novo
Aleijadinho. São Paulo, Cia. Ed. Nacional/MEC, 1979, p. 7-8.
apogeu das matrizes.
(43) Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira in I Seminário
de Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957, p. 69.
(44) Machado, Lourival Gomes. Barroco Mineiro. São Paulo, Perspectiva,
(De Arquitetura Colonial Mineira, citado no texto. ) 1969, p. 277.
146 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 147

ximo de expressão com um mínimo de influências externas já A princípio aprendiz e colaborador do pai logo Antônio ·J
que , nas Minas, as modenaturas eruditas foram simplifica- Francisco se tornou um dos mais requisitados artífices de Vila
das, os partidos desenvolvidos com extrema clareza e a deco- Rica e, finalmente , se impôs como arquiteto, escultor·e enta-
ração, dentro do mais puro espírito barroco, foi integrada na lhador em toda a área próxima à capital da capitania. Seu tra-
arquitetura com rara felicidade. balho foi especialmente disputado pelas duas maiores Ordens
As influências portuguesas, devidamente assimiladas Terceiras - a franciscana e a carmelita - que, através de seu
r>mais igualmente adaptadas e reformuladas , foram aqui bem talento, praticamente sustentaram sua tradicional rivalidade.
· diversas das que prevaleceram nas demais regiões do país. Mas Antônio Francisco que, além de mulato, teria traços
Portanto, pode-se afirmar que " a arquitetura religiosa mi- grosseiros e compleição pouco agradável, contrai uma grave
47
neira diferencia-se ainda mais dos modelos originais portu- enfermidade em torno de 1777. Essa doença, até hoje discu-
gueses. Concebida com intenção plástica, uma particular in- tida, parece ter sido um tipo de lepra nervosa, aliada à artrite
terpretação do barroco e do rococó nela evidenciou-se nitida- e infecções venéreas 48 resultantes da vida desregrada que le-
mente. Artesãos e arquitetos locais, sem interferências exter- vava, fato comum na época, aliás. Daí ter sido apelidado
nas, senão teóricas, e com limitados recursos financeiros, res- como "Aleijadinho", tendo em vista as dificuldades para tra-
tringiram os ditos estilos a seus esquemas fundamentais, des- balhar e se locomover. Prudentemente, porém, Sylvio de Vas- .
pojaram-nos de excessos e adotaram uma sintaxe simples, es- concellos alerta para os naturais exageros que cercam as di-
correita e clara, na qual um vocabulário decorativo, cuidado- versas versões sobre a doença de Antônio Francisco, compro-
/ sarnente escolhido, se enfatizou sobre amplas superfícies metidas por sua extensa e genial obra, feita até seu faleci-
i " 45
~uas. mento em 18 de novembro de 1814, em Vila Rica, com setenta
Sem dúvida, muitos foram os responsáveis por estas solu- e seis anos. 49 ...---
f ções magníficas e, entre estes, inúmeros seriam artífices e ar- - Esses dados, muito resumidos mas essenciais, acrescidos
tesãos anônimos. Mas, dentre todos, um nome teve especial de comentários sobre os principais trabalhos de Antônio Fran-
destaque pela sua genialidade: Antônio Francisco Lisboa, o cisco Lisboa, a seguir, permitem uma primeira visão, mais ge-
Aleijadinho. Nascido em Vila Rica, provavelmente no ano de ral, da sua excepcional importância na arquitetura religiosa
1738_,_era mulato, filho natural do português Manuel Fran- do Barroco Mineiro, onde sua criatividade foi ilimitada e sua .J
46
cisco Lisboa que, embora "carpinteiro por profissão" , foi presença, insuperável. -1'
um dos mais conceituados mestres-de-obras da região no sé-
~ culo XVIII.
\_., Ainda que rrão tivesse cursado " aulas regulares" , Antô-
~ nio Francisco era alfabetizado, conhecia o latim e os textos Exemplificação essencial
ságrádos e logo começou a ~judar o pai nos trabalhos de ar-
quitetura e talha, ent ão em ~fase de grande desenvolvimento.
Com João G9mes Batista, abridor de cunhos na Casa de Fun- Tendo em vista o imenso acervo da arquitetura religiosa
dição de Vila Rica, aperfeiçoou seu talento inato para o de- mineira setecentista bem como sua riquíssima exemplificação,
. .
senho e se familiarizou
voga na corte de Lisboa.
com as composições plásticas mais em uma dificuldade inicial é quase inevitável e corresponde aos
critérios a serem adotados para a seleção das construções a

(45) Vasconcellos, Sylvio de. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o ( 47) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 20.
Aleijadinho. São Paulo, Cia. Ed . "lacional/ MEC, 1979, p . 3. ( 48) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 22.
( 46) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 10. (49) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 21-5.
148 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 149

comentar. A este primeiro problema soma-se outro, igual- Passando, porém, à evolução das capelas em seus mode-
mente complexo, que decorre da dificuldade de se "classificar los definitivos, o primeiro tipo - correspondente às capelas
cronologicamente os tipos sem incorrer em faltas ou abrir lu- sem torres - apresenta inúmeros exemplos que se espalham
gar a comprometedoras exceções. Formas características dos por todo o território inicialmente desbravado nas Minas,
tipos tidos como mais antigos aparecem, retardatárias, nos abrangendo também um período de tempo bastante amplo,
tipos mais evoluídos, lutando por sobreviver, do mesmo modo desde a Capela de São João Batista, do arraial do Ouro Podre,
que formas evoluídas, peculiares aos tipos avançados, são en- considerada como a primeira a ser construída em Vila Rica,
contradas, com freqüência, entre os mais antigos. Essas in- até a de Nossa Senhora da Luz, em Diamantina, já do final do
congruências, que confundem os críticos, as mais das vezes século XVIII e início do XIX.
são devidas a alterações sucessivas por que passaram as igre- Em muitas dessas capelas ocorrem torres isoladas, em
jas" .50 construções mais sólidas ou não, bem como os sinos podem
Considerando, porém, que este trabalho visa, primor- ser instalados em paredes ou janelas do coro e até mesmo em
dialmente, a um primeiro e mais abrangente contato com o precárias armações de madeira que, em um dos lados da fa-
Barroco Mineiro, será mantido o esquema da evolução e da chada, substituem as sineiras, como na Matriz de Nossa Se-
tipologia básica, que permitirá uma seqüência mais coerente e nhora dos Prazeres, em Milho Verde (Distrito do Serro).
de percepção mais fácil, ao mesmo tempo que exemplos de Na região nordeste há diversas construções desse tipo que
maior especificidade serão incluídos, com mais detalhes, quan- foram erguidas nos meados do setecentos ou, talvez, anterior-
do for conveniente. Ê óbvio que o relacionamento não será mente - uma vez que, não existindo documentação, a orien-
completo, restringindo-se às construções de maior importân- tação dada pela decoração interna não pode ser considerada
cia em cada etapa ou tipo, mas sendo, sempre que possível, como definitiva - entre as quais podem ser citadas as se-
pelo menos indicados monumentos situados nas várias regiões guintes:52
do território mineiro. Por outro lado, limitando-se esse texto
basicamente à tipologia arquitetônica, apenas em condições Capela de Nossa Senhora do Rosário - Chapada do Nor-
mais excepcionais serão feitas referências à decoração interna te
- pintura, talha e alfaias - das capelas e matrizes. Capela de Nossa Senhora do Rosário - Berilo
Assim, conforme indica Paulo F. Santos, seriam capelas Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres - Distrito de Mi-
construídas originariamente pelos bandeirantes, entre outras, lho Verde - Serro
a de Nossa Senhora do Carmo, erguida em 1703 por Salvador Capela de São Gonçalo - Minas Novas
Fernandes Furtado de Mendonça, fundador de Mariana e a Matriz de São Francisco de Assis - Minas Novas
capela dos Camargos, construída em 1708, pelos irmãos Ca- Matriz de São Francisco de Assis - Distrito de Costa
margos.51 Ambas situadas n~s -proximidades de Mariana, so- Sena
freram acréscimos e reconstruções sucessivas pois, feitas de Capela de Sant' Ana - Distrito de Santo Antônio do
pa\i-a-pique, ,não ofereciam ,lmaior solidez;· requerendo repa- Norte
ros periódicos .. Suas plantas são simples, dentro do esquema Capela de São Sebastião - Distrito de São Sebastião do
já analisado e as fachadas, igualmente singelas, resolvem-se Bom Sucesso
com a disposição costumeira das duas janelas do coro coloca-
das simetricamente em relação à porta.
(52) Segundo Sylvio de Vasconcellos (Constantes · Variáveis da Arquitetura
Religiosa Tradicional Mineira) e Atlas dos Monumentos Hi'st6ricos e Artísticos de
(50) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 1~2 . Minas Gerais - Circuito dos Diamantes e Campo das Vertentes: Ed. interna da
(51) Santos, Paulo F. Op. cit., p. 159. ,, Fundação João Pinheiro, Belo Horizonte, 1978-79-81.
150 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 151

Na área mais próxima a Ouro Preto, pertencem à mesma mandades e pelo seu constante interesse em "modernizar" e
tipologia, entre outras: tornar mais ricas as suas capelas.
Por outro lado, em muitos dos exemplos relacionados, a
Capela de Sant' Ana - Sabará empena vai se apresentar com recortes caprichosos ou incluin-
Capela de Nossa Senhora do Rosário - Caeté do elementos arredondados, muito menos rígidos que as pri-
Capela de Sant' Ana - Mariana mitivas empenas de forma triangular. Estas modificações re-
Capela de Nossa Senhora das Mercês - Tiradentes sultam também de alterações e reformas sucessivas das cape-
Capela de Nossa Senhora do Rosário - Tiradentes las que, se analisadas em seu vocabulário formal básico, fi-
Capela de São Francisco de Paula - Tiradentes liam-se, sem dúvida, ao primeiro grupo, inclusive pela · sua
Capela da Santíssima Trindade - Tiradentes própria organização em planta, reduzida à nave, capela-mor e
Capela de São João Evangelista - Tiradentes sacristia.
A seguir, ainda que a pJanta permaneça dentro do es-
E, na própria Vila Rica: quema mais simples ou já inclua outros cômodos, os frontispí-
cios vão se apresentar planos e com uma torre única. Mais
Capela do Senhor do Bonfim uma vez, é oportuno lembrar não só que a seqüência dos tipos
Capela do Senhor Bom Jesus das Flores (Taquaral) de fachada visa apenas uma ordenação geral da matéria como
Capela de São Sebastião também que muitas torres foram erguidas posteriormente à
Capela de Nossa Senhora das Dores construção da capela, como ocorreu em Diamantina, com a
Capela de Nossa Senhora da Piedade Capela de Nossa Senhora do Amparo, um dos mais conheci-
dos exemplos desse tipo que também inclui, entre outras:
além da chamada Capela do Padre Faria, sem dúvida a mais
interessante e que, na verdade, é também uma capela dedi- Capela de Nossa Senhora das Mercês - Diamantina
cada a Nossa Senhora do Rosário, sua real denominação. Re- Matriz de Nossa Senhora da Conceição - Couto de Ma-
construída em torno de 1740 para substituir uma outra, mais galhães
antiga e precária, passando a abrigar a Irmandade dos Bran- Capela do Bom Jesus - Couto de Magalhães
cos do Rosário, que tivera um litígio com a dos pretos de Santa Capela de Nossa Senhora do Rosário - Distrito de São
lfigênia do Alto da Cruz.53 Gonçalo do Rio das Pedras/Serro
A Capela do Padre Faria enquadra-se nos esquemas típi- Matriz de Santa Cruz - Chapada do Norte
cos de planta e fachada já descritos, sendo que dispõe de um Capela de Sant' Ana - Conceição do Mato Dentro
campanário isolado e um cruzeiro no amplo adro em que se Capela do Senhor dos Passos - Distrito de Córregos -
situa: Internamente, sua talhi;t de gosto D. João V é de inespe- Conceição do Mato Dentro
rada riqueza, ~endo completàda por belos forros pintados. Capela de Nossa Senhora das Mercês - Mariana
! Aliás embora várias das capelas desse primeiro tipo te- Capela de São José - Ouro Preto
nhavi ma~tido_ sua singeleza também na decoração interna,
em muitas outra~ o apuro da ornamentaÇão dos altares e, Em relação aos frontispícios chanfrados e com torre úni- ·J
principalmente, da capela-mor é surpreendente. Na maioria ca, solução de grande graça e movimentação embora sempre
dos casos esse contraste se explica pelo crescimento das Ir- muito singela, destaca-se a Capela de Nossa Senhora da Ex-
;
pectação do Parto - mais comumente conhecida como Nossa
Senhora do ó - erguida pelo Capitão-Mor Lucas Ribeiro de
Almeida no arraial de Tapanhuacanga, em Sabará, cuja torre
(53) Bandeira, Manuel. Op. cit. , p . 66. central foi , aliás, posteriormente reconstruída. Erguida como ~
·- -.
i52 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 153

"ex-voto", ou seja, como pagamento de uma promessa por ter res únicas - como nas Mercês e no Bom Jesus do Monte -
se salvado de um ataque de malfeitores em 1720, a capela porém com interpretação diversa da do antigo Tijuco, princi-
estaria pronta por volta de 1725. Apesar da elegância despre- palmente devido ao sistema construtivo adotado que, em tai-
tensiosa de sua fachada, seu interior - mais ainda que o da pa, exigia vários esteios de madeira, conferindo aos frontispí-
capela do Padre Faria, em Ouro Preto - é de notável riqueza cios uma modenatura bem mais movimentada.
decorativa ainda que a talha seja anterior à da capela de Vila Para finalizar a tipologia das capelas, não pode deixar de
Rica. Mas a par de sua excepcional qualidade, alterna-se com ser registrado um exemplo único: o da capela de São José em
pinturas eruditas e a unidade da composição é única. Minas Novas, na região do Vale do Jequitinhonha. Possivel-
i- Além do mais, conta com um detalhe decorativo rara- mente construída nos meados do século XVIII, sua planta oc-
·~ mente adotado nas Minas: elementos orientais - as chinoise- togonal é, além de extremamente rara no país, muito seme-
ries ou chinesices - que se inserem em painéis com refinadas lhante à da "Chapelle de la Commanderie", sede da Ordem
composições. Esta decoração de gosto oriental, que é encon- dos Templários na cidade de Laon, na França, construída no
---:71\ trada ainda na Matriz de Sabará e na Sé de Mariana, não é século XII. Esta inexplicável similitude, identificada por Syl-
. '!!f claramente explicada. Para alguns teria sido executada por vio de Vasconcellos,54 é ainda mais interessante quando se
'~ artífices que, tendo trabalhado em Macau, aqui repetiram os nota que a capela de Minas Novas tem um "copiar", ou seja,
~ motivos chineses. Outros acreditam serem obras de artesãos uma pequena área avarandada, coberta por telhados de três
.;.~ locais, inspirados em m.?tivos d~s lo~ças orientais, ~a .época águas, que servia para ampliar a área da nave e que é, tam-
~ bastante comuns nas Mmas devido as rotas de comercio dos bém, elemento pouco usual nas Minas embora bastante co-
\_; portugueses que incluíam importações de portos do Oriente. mum em outras regiões do país.
Entretanto, mesmo com tanto apuro de tratamento na nave e No que diz respeito às matrizes, que vão se desenvolver de
na capela-mor, permanece nesse tipo a planta simples, com acordo com a ampliação dos partidos em planta e em altura
4 sacristia lateral. adotados para as capelas, como foi visto, pode ainda ser feita
V- Além de Nossa Senhora do ô, outras capelas seguem o uma subdivisão - as mais antigas vão ser resolvidas com for-
mesmo esquema, tais como: mas mais contidas, estrutura de madeira aparente e frontões
mais retos, configurando uma solução de grande aceitação nas
Capela de São Francisco de Assis - Caeté Minas setecentistas. Entre essas incluem-se também várias
Capela de Nossa Senhora do Rosário - Itabira capelas de Ordens Terceiras, que mantêm basicamente as
Capela de Nossa Senhora do Rosário - Conceição do mesmas características das matrizes e que são encontradas em
Mato Dentro todo o território mineiro, entre as quais:
. ,, Capela de Santa Rita - Serro
.J·:: Matriz de Nossa Senhora da Conceição - Serro
Antes de pa~sar ao modelo tlas matrizes, porém, é válido Capela da Ordem Terceira do Carmo - Serro
cit~r as capelas que apresent,a m uma torre ·ú nica e que ocor- Capela do Bom Jesus de Matozinhos - Serro
rem, _principalmente, na região de Diamantina, onde essa so- Capela de Nossa Senhora do Rosário- Minas Novas
lução 'é bastante. di:(.undida, sendo adotada pára as capelas das Matriz de Nossa Senhora da Conceição - Conceição do
Ordens Terceiras mais importantes como as do Carmo, de São Mato Dentro
Francisco de Assis e do Rosário, além da do Bonfim, que con-
gregava militares. Aliás, em Diamantina, é importante regis-
trar a presença do Guarda-Mor José Soares de Araújo, res-
ponsável pelas pinturas das capelas das três primeiras e mais (54) Vasconcellos, Sylvio de." 'Goticismos' Mineiros" in Arquitetura no Bra-
sil: Pintura Mineira e Outros Temas. Belo Horizonte, Edições Escola de Arquitetura,
poderosas Ordens. Em São João del Rei tambéi;n ocorrem tor- 1959,p. 30.
154 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 155

Matriz de Santo Antônio - Santa Bárbara de inspiração mais portuguesa como, por exemplo, o da igreja
Capela de Nossa Senhora das Mercês - Santa Bárbara jesuíta de Setúbal. Aliás , os projetos seriam feitos por mestres
Matriz de Santo Amaro - Brumal portugueses, sendo muito natural a adaptação realizada. Nes-
Matriz de Nossa Senhora de Nazaré - Santa Rita Durão te subgrupo incluem-se:
Capela de Nossa Senhora do Rosário - Santa Rita Durão
Capela de Nossa Senhora das Mercês - Sabará Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso - Caeté
Matriz de Antônio Dias - Ouro Preto
Nestes, como em inúmeros outros exemplos, a composi- Matriz de Santo Antônio - Ouro Branco
ção do frontispício é sóbria, a estrutura bem marcada e os
frontões triangulares ou de desenhos simples , enquanto a Mas, como a influência de Antônio Francisco Lisboa já se
planta se organiza segundo a sacristia e corredores laterais, fizera presente, em reformas ou projetos, suas alterações nas
como foi indicado. Matrizes de São João Batista do Morro Grande (atual Barão
Duas exceções, já mencionadas , são constituídas pela de Cocais) e de Santo Antônio, em Tiradentes - cuja talha
Matriz de Nossa Senhora da Conceição, em Sabará, cujo fron- interna é excepcional - são novos determinantes que confe-
tispício e volumetria geral seguem os mesmos parâmetros rem maior liberdade e leveza às composições, mesmo se não
acima indicados, mas que, apresentando três naves - em totalmente seguidas como sucedeu em Tiradentes e na Igreja
exemplo único nas Minas - criam um espaço de "igreja- do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos, em Congonhas do
salão", acentuado pela exuberante talha que a recobre e apre- Campo.
senta-se como a mais "baiana" das igrejas mineiras. A tendência para as soluções mais ousadas e originais(
Por sua vez, o segundo caso é o da S~ de Mariana - resulta em diversas tentativas de grande êxito, como a Capela
Matriz de Nossa Senhora da Assunção - que, após a criação de Santa Efigênia do Alto da Cruz, feita por uma Irmandade
do bispado e a elevação à condição de cidade, sofreu grandes de negros e com belíssima talha atribuída a Francisco Xavier
reformas que tornaram sua planta muito mais complexa, com de Brito, que trabalhara no Rio em importantes obras como a
profundas capelas laterais, inéditas nas Minas, bem como o Ordem Terceira da Penitência, e na qual as torres já se apre-
uso de abóbadas na capela-mor. Seu frontispício passou a ser sentam menos rígidas na disposição e mais leves no trata---J~
tratado com uma modenatura mais próxima das soluções de mento.
gosto português, embora sua proporção - que tende ao qua- ~ Ê essa a época da maior rivalidade entre as Ordens Ter-
drado - mantenha-se basicamente vinculada aos padrões mi- leiras e que, em Mariana, é claramente o a pela situa- ,
neiros. Aliás, ainda em Mariana, cabe lembrar a bela capela ção de efetivo confronto que marca as capelas os Terceiros ~ ~
do Seminário Menor e a Casa Capitular, ambas também exce- carmelitas e franciscanos: uma construí a em frente à outra, Ô O -_.,
l~iÍte~ exemplos do Barroco Mineiro, na praça fronteira à Casa de Câmara e Cadeia, sede da admi-
Na segund'3. subdivisão dos frontispícios das matrizes, nistração municipal. Ainda que ambas apresentem composi-
ql:Íe alguns autores denominam "estilo nacional português", é ções de cuidada feitura, já da segunda metade do setecentos, a
fácil notar que dois fatores novos intervêm: em primeiro lugar, capela carmelita tem mais requinte e, iniciada em 1783, é con-
a adoção da alyell,,il.ria de pedra para as construções e, em se- siderada como " um dos últimos belos monumentos do rococó
55
gundo, o " amoledmento" das formas, anteriormente expli- em Minas" .
cado. Assim , se a volumetria continua sem maiores alterações Em se tratando de matrizes, porém , duas outras mere-
já se teria não só edificações de mais forte presença, modula- cem registros especiais, ainda que erigidas na primeira me-
das pelos cunhais e cimalhas de pedra como os frontões pas-
sam a incluir curvas e contracurvas que, em muitos casos,
efetivamente lembram a adaptação de um voc,a bulário formal (55) Bazin, Gerrnain. Op. cit., v. 2, p . 63 .
156 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 157

tade do século XVIII. A Matriz de Nossa Senhora do Pilar, no senta um elemento pouco usual nas Minas: a "galilé", um
antigo arraial de Ouro Preto, é a mais nova das duas sedes conjunto de três arcadas que formam um pórtico, antes da
paroquiais de Vila Rica, tendo sido "fabricada" - como se entrada da nave. Com duas torres laterais, que limitam o fron-
dizia então - pela conjugação dos esforços de duas poderosas tispício, sua composição é sóbria sem parecer pesada.
lrmandandes, a do Santíssimo Sacramento e a de Nossa Se- Com sua construção começada antes de 1738 e "contra-
nhora do Pilar, ambas fundadas em 1729.16 Sua planta - ou riando o espírito da época, a igreja foi iniciada pelo corpo e
58
"risco" - teria sido feita pelo engenheiro Pedro_Gomes Cha- pela fachada, e continuada pela capela-mor" , segundo risco
ves e, em 1733, já com o corpo principal concluído, recebeu de atribuído ao português Manuel Fernandes Pontes. Sua deco-
volta o Santíssimo, então guardado na Capela do Rosário dos ração interna, que se pretendia de grande riqueza, não chegou
pretos, em meio às grandes celebrações que Simão Ferreira a ser concluída mas, mesmo assim, é de grande efeito e, es-
Machado descreveu no célebre "Triunfo Eucarístico", ante- tando incompleta, permite um raro e fácil entendimento das
riormente mencionado. diversas etapas de execução da talha e da pintura.
Apesar de ter sofrido diversas modificações em sua fa- Mas se os partidos das matrizes e das grandes capelas
chada, no século XIX, o partido geral da matriz é o original, Terceiras vão evoluir para linhas mais livres e menos severas
retangular, sendo seu mais curioso aspecto não o fato de te- - principalmente pela presença do gênio de Antônio Fran-
rem sido adotados diversos sistemas construtivos em sua fei- cisco Lisboa, como se verá a seguir - também chegam às
tura mas sim a inusitada composição interna de sua nave que, Minas as plantas curvas ou elípticas, dentro do espírito de
por efeito único da talha, foi transformada em uma espécie de Borromini e de igrejas do sul da Alemanha, conforme obser-
"caixa com plano dodecagenal alongado, caso único no acervo vações anteriores.
brasileiro. Toda de madeira, em talha dourada, com grandes Estes novos partidos não têm, entretanto, origens muito
pilastras da ordem coríntia, que intercalam os altares de ta- clarasjá que, tanto na arte em geral como na arquitetura em
lhas joaninas e que sustentam, visualmente, a cimalha real particular nem sempre podem ser estabelecidas seqüências ní-
(grande cimalha interna) e o teto abaulado subdividido em tidas de evolução estilística. Para alguns pesquisadores as in-
57
caixotões" . Esse magnífico trabalho de talha, de evidente fluências poderiam ser res.ultantes das ligações da coroa por-
gosto português, foi contratado com Antônio Francisco Pom- tuguesa com a casa real dos Habsburgos, pelo casamento de
bal, supostamente irmão ou cunhado de Manuel Francisco D. João V com D. Maria Ana da Áustria, hipótese bastante
Lisboa e, portanto, tio de Antônio Francisco Lisboa, o Aleija- remota, porém.
dinho. Para outros estudiosos, as formas curvas dos partidos de-
Ao contrár~o da Matriz do Pilar, de Vila Rica, cuja escala correriam de outras construções no mesmo gênero, como a
e J,ocalização em nada indicam sua exuberante e riquíssima igreja de São Marcos, em Madri, 59 que também é um exemplo
decoração interna, a Matriz ,de Nossa Senhora da_C~ muito distante. Mais próximas e viáveis como modelos teriam
de Cat Altas: &o NrâtODenfro tem proporções excepcionais sido duas outras igrejas: a l~reja de Nossa S~_n4.Q!a da Glória.
que são ain a ·mais acentu~das por uma localização privile- no Rio de Janeiro, com sua planta formada por dois octógonos 1
.giad.a, que ,d omina o povoado. Além destas dimensõe!!, que que se combinam e que, sem ter linhas curvas, as sugerem
efetivamente fogem aos padrões mineiros, ·sua fachada apre- pela sua original composição, ou ainda a Igreja de São Pedro
dos Clérigos, no Porto, cuja nave é um polígono alongado. E
importante notar que a igreja carioca, atribuída ao enge-
(56) Bazin, Gennain. Op. cit., v. 2, p. 78.
(57) Silva Telles, August~ Carlos· da. Observações sobre a Arquitetura em
Minas Gerais no Período Colonial in Seminârio sobre a Cultura Mineira no Período
Colonial, Conselho Estadual d~Cultura de Minas Gerais. Belo Horizonte, Imprensa (58) Bazin, Germain. Op. cit., v. 2, p. 54.
Oficial, 1979, p. 109. '· (59) ·santos, Paulo F. Op. cit. ;p. 147.
158 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 159

nheiro-militar José Cardoso Ramalho, teve sua planta riscada partido, como mostra uma alta técnica construtiva pela enge-
60
provavelmente antes de 1728, enquanto que a portuguesa foi nhosa e peculiar solução de sua cobertura. Mas , sendo edifi-
61
!/.. obra do arquiteto italiano Nicolau Nasoni, iniciada em 1731. cada no final do setecentos, em pleno declínio da mineração,
1> A estes exemplos soma-se ainda o da já demolida Igreja sua decoração interior é pobre e já incorporando detalhes de
de São Pedro dos Clérigos do Rio de Janeiro, datada de 1733, 62 disciplina neoclássica.
e também resolvida em planta curva. É , porém, oportuno lem- Finalmente, ainda que de forma esquemática, devem ser
brar que o próprio interior elíptico da Matriz do Pilar de Vila fe itas algumas observações sobre os trabalhos de Antônio
Rica já indica uma inclinação evidente por plantas com for- Francisco Lisboa, o Aleijadinho, cujo gênio marcaria para
mas menos regulares. sempre a arquitetura religiosa do Barroco Mineiro.
Assim, as duas construções que apresentam plantas elíp- Falecendo aos 76 anos de idade e iniciando-se na escul-
ticas nas Minas - a Capela de Nossa Senhora do Rosário, em tura aos 23 anos, 64 Antônio Francisco realizou não só uma
Vila Rica, e a Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Mariana imensa obra como foi esta de também impressionante varie-
- correspondem a partidos que podem ter resultado de uma dade embora nem sempre devidamente documentada. Entre-
evolução natural das inovações de Antônio Francisco Lisboa e tanto, suas mais significativas intervenções nas igrejas das vi-
da influência dos modelos relacionados. Ambas as plantas são las do ouro serão registradas, independentemente de compro-
atribuídas a Antônio de Souza Calheiros, embora não tenha vação documental, visto que as publicações a ele dedicadas
sido encontrada nenhuma documentação comprobatória ares- facilmente suprem as falhas deste estudo de caráter mais
peito. geral. 65
~ A Igreja de São Pedro dos Clérigos, de Mariana, já estava Como já foi mencionado, Antônio Francisco teria interfe-
/ em construção em torno de 1771, embora suas obras fossem rido nas fachadas das Matrizes de Morro Grande (atual Barão
lentas e interrompidas em 1820, sem a conclusão das torres, de Cocais), Tiradentes e Congonhas, além da Capela do Bom
terminadas apenas no século XX, de forma pesada e que com- Jesus, em Vila Rica. Também executou riscos ou a própria
prometeu seu frontispício.63 Sua planta, porém, composta por talha para altares e retábulos das Matrizes de Caeté, Catas
duas elipses que se superpõem , é muito semelhante à do Rosá- Altas, Santa Rita Durão, Rio Pomba, Jaguara e Serra Negra,
rio, em Vila Rica. - além de ser o responsável por inúmeras outras peças de imagi-
.- Mas a Capela da Irmandade negra da capital da capi- nária, púlpitos e cancelos nestas construções, em épocas di-
~ tania tem, sem dúvida, um partido mais cuidado, além de não versas, e ter ainda trabalhado nas Capelas de São José e das
sofrer outras modificações que prejudicassem sua solução ori- Mercês, em Vila Rica. 66
ginal. A composição em planta é igualmente baseada na inter- Porém seria talvez em torno de 1768 que foi chamado
pretação de duas elipses, porém as proporções da sacristia são pela Ordem Terceira do Carmo, de Sabará, para reformar o
mái:s amplas e agradáveis e o ~eu pórtico circular, como uma frontispício de sua capela, cujo risco original fora feito pelo
galilé aberta PQli três ;;i.rcos, é'. de grande elegância. Iniciada mestre português Tiago Moreira, cerca de cinco anos antes,
prqvavelmentr por volta de 1785, não só apresenta uma com- dentro dos padrões mais severos e rígidos, fortemente marca-
posição equilibrada e harmoniosa, apesar de seu complexo

(64) Vasconcellos, Sylvio de. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o


1 Aleijadinho. São Paulo, Cia. Ed. Nacional/MEC, 1979, p. 29.
(60) Silva Telles, Augusto Carlos da. Nossa Senhora da Gl6ria do Outeiro. (65) Entre estas, o volume citado na referência acima e ainda a publicação n?
Rio de Janeiro, Agir, 1969, p. 65. 15 do IPHAN, Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, com a biografia de autoria
(61) Smith, Robert C. Nicolau Nasoni. Lisboa, Horizonte, 1973, p. 17. de R. Bretas e textos de Lúcio Costa e Rodrigo M. F. de Andrade bem corno Alei-
(62) Santos, PauloF. Op. cit. , p.143. jadinho et la sculpture baroque au Brésil, de Germain Bazin (Paris, Le Temps, 1963).
(63) Bazin, Germain. Op. cit. , v. 2, p. 67. (66) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 127-130.
160 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 161

dos por pilastras e cunhais de pedra. Sem maiores possibili-


dades de alterar as torres quadradas e pesadas, Antônio Fran-
cisco reformulou o frontão com volutas - ou elementos cur-
vos - de grande efeito e audaciosamente aplicou decorações
sobre as janelas do corpo e a portada, conferindo nova dinâ-
mica à fachada. Seu trabalho é reconhecido como revolucio-
nário e brilhante e os Terceiros Carmelitas de Sabará o convo-
cariam posteriormente para a decoração do interior, onde exe-
cutaria os belíssimos púlpitos em madeira policromada, as
imagens excepcionais de São João da Cruz e São Simão Stock
(nos altares colaterais do arco cruzeiro) e os magníficos atlan-
tes que sustentam o coro, em solução inédita, que incorpora
todo o vigor do Barroco.
Voltando a trabalhar em Vila Rica, Antônio Francisco
interferiu no frontispício da Capela da Irmandade de São Mi-
guel e Almas, também conhecida como Bom Jesus de Mato-
zinhos das Cabeças, para o qual executou a imagem do santo
padroeiro e a impressionante representação das almas do pur-
_gatório em baixo-relevo, éolocada sobre a portada.
Mas, já consagrado junto à Ordem Terc,eira do Carmo,
foi por ela então requisitado para reformular a fachada da
capela de Vila Rica, riscada por seu próprio pai. Com maior
segurança, desta vez Antônio Francisco encurvou a fachada,
recuou as torres - que vão sendo "adoçadas" para a curva .-
e compôs o frontispício de modo muito mais integrado, pois a
escultura que sobe da sobreporta chega até o grande óculo,
também resolvido com formas curvas e encaixado na cimalha,
sobre a qual se eleva um frontão com linhas caprichosas.
l
Mas, no espírito de forte rivalidade entre as grandes Or- f
. ,,
,/
dens Terceiras, também os franciscanos apelaram para Antô- ~
nio Francisco e, mesmo antes dos carmelitas, o contrataram
para executar o risco de sua grande capela em Vila Rica. Esta
tem uma extraordinária composição de fachada, onde o movi-
mento é enfatizado pelo jogo sábio dos planos e dos elementos
decorativos que, em curvas e contracurvas, sobem da portada
até o óculo - aqui fechado por um medalhão com a efígie de
São Francisco de Assis recebendo os estigmas no Monte Al-
verne - , senão arrematada por fortes volutas interrompidas,
que estabelecem um ritmo inesperado. Com as torres circula-
res também recuadas, o conjunto é marcado por um grande
Capela da Ordem Terceira de São Francisco de Assis - São João dei Rei.
162 SUZY DE MELLO ~ lk _ BrR~~Ife CÚti ~ 163
dinamismo e por uma criatividade ilimitada, além de se en- elementos R~r~~dicos t~o do gosto de Antônio Francisco, é das
quadrar na proporção áurea de modo magistral. mais movimentadas e aproveitando ao máximo a maciez da
A planta também é resolvida com excepcional maestria, pedra-sabão, que o artista iria explorar com grande felicidade.
não só pela exata proporção da nave como pela inusitada in- Mas ainda que todas as capelas citadas pudessem garan- 7
clusão dos púlpitos , esculpidos em pedra-sabão, no próprio tir a Antônio Francisco Lisboa um lugar privilegiado na ar- ~
arco-cruzeiro, que se liga à profunda capela-mor onde Antô- quitetura religiosa mineira, sua última obra representa um
nio Francisco completa esse insuperável conjunto com magní- fecho definitivo para uma vida marcada por indiscutível ge-
fica talha. nialidade. É o conjunto que faz para o I>antuário do Bom Je-
Como coroamento do belíssimo espaço interno, a pintura sus de Matozinhos, em Congonhas do Campo, fundado pelo
do forro da nave, tendo como tema a glorificação da Virgem, ·pÕrtuguês Feiíciano Mendes no morro do Maranhão, em 1757,
de Manuel da Costa Ataíde, amplia - com suas perspectivas como pagamento de uma promessa. Neste trabalho, Antônio
arquitetônicas e seu colorido excepcional - o brilho do trata- Franciscà Lisboa se empenha, já doente, de 1796 a 1808, exe-
mento arquitetônico e as características mais puras do Bar- cutando tanto alfaias como as magníficas cenas da Via Sacra,
roco. encarnadas (ou pintadas) por Manuel da Costa Ataíde e Fran-
Aliás, na capela-mor de São Francisco, Ataíde pintou, cisco Xavier Carneiro, e colocadas nos " Passos" que poste-
em madeira, curiosa réplica de painel azulejado, sendo ainda riormente foram construídos. Essas figuras, entalhadas em
importante registrar - tanto nesta capela como na carmelita madeira, são únicas pela beleza e expressão mas, mesmo as-
j ~ os imponentes e belos lavabos esculpidos, na sacristia, por sim, são ainda superadas pelas dos doze profetas do Antigo
_t!ntônio Francisco. Testamento que, dispostos em dois níveis na bela escadaria
' Também em São João del Rei, Antônio Francisco , traba- que leva ao adro do Santuário, apresentam um expressionismo
r lharia para as duas mais poderosas Ordens Terceiras, sendo inédito na escultura barroca, no geral mais sensual que dra-
1i o frontispício da capela carmelita mais uma de suas obras- mática. Talhados em pedra-sabão, os profetas têm gestos tea-
primas. Mas é na capela de São Francisco de Assis que ainda trais e cada um leva uma cartela que prenuncia terríveis casti-
iria estabelecer nova variação, pois aqui o frontispício é plano, gos para os pecadores deste mundo, em trechos bíblicos esco-
enquanto as torres e as paredes laterais vão ser resolvidas em lhidos pelo próprio Antônio Francisco.
curva. Como bem apontou Silva Telles,67 todas essas modifi- "Os Profetas de Congonhas não anunciam triunfos; ad-
cações e o variado jogo de paredes planas e curvas estabelecem vertem, ameaçam e só prometem desgraças. Pela postura e
um vocabulário próprio para a arquitetura religiosa mineira inscrições que portam, a composição é francamente dramá-
que, a partir de sua planta tradicional, integra-se no dina- tica, severa, teatral e apocalítica. As contorções dos corpos,
mismo e na movimentação do Barroco sem se prender aos es- antes expressões do sensualismo barroco, tornam-se68 aflitivas;
qúem'.as poligonais ou elípticos. - de Borromini, Nasoni e ou- não mais enlevam, mas sim oprimem e inquietam."
tros - adotados em todo o mundo. : Apesar da tradição dos chamados " sacro montes" ser
f Na capela;francis~ana de São João del -Rei, aliás bastante muito antiga na Europa e, também , em Portugal - tendo o
modificada por seu construtor Francisco de Lima Cerqueira, de Congonhas bastante semelhança com o de Braga, que é
também a solução do coroamento da portada - com o uso de maior porém menos harmonioso e sem o alto nível artístico do
... mineiro - não há, no Brasil, outro conjunto religioso como o
do Santuário do Bom Jesus de Matozinhos. Nele, as Minas
atingem, sem sombra de dúvida, o ponto máximo do Barroco
(67) Silva Telles, Augusto Carlos. da. Observações sobre a Arquitetura em
Minas Gerais no Período Colonial in Seminário sobre a Cultura Mineira no Período
Colonial, Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais. Belo Horizonte, Imprensa
Oficial, 1979, p. 114.
f(J)t{d) <- HGt~ ~
(68) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 1 3.
t
J !V0/11\. c0 e;J '{ tiv't!Lh C,,âMtviv
.e_ !fY7. f/llWOd._ tftt. e~z
w(W:dv
164 SUZY DE MELLO

graças ao gênio de seu maior artista que é, ao mesmo tempo,


arquiteto, escultor e entalhador e que, nesta pequena vila do
ouro, realiza a mais bela e completa síntese da arte setecen-
tista mineira.
Portanto, "com Antônio Francisco Lisboa culmina e
acaba o extraordinário surto de manifestações culturais que se
produziu nas Minas durante o século XVIII. Ensimesmados e
exauridos, o artista e sua terra então adormeceram na Histó-
ria, mas apenas para se alevantarem em seguida no esplendor
da própria grandeza'' .69

~
I~ ) A arquitetura
3l~
8
. q do poder português
1?o~ Jo
11 ~
~
.5~M
~ (_()~ ti H~~ "Um soberbo edifício, levantado
' sobre ossos de inocentes, construído
com lágrimas dos pobres, nunca serve
de glória ao seu autor, mas sim de opróbio.

Desenha o nosso chefe sobre a banca,


desta forte cadeia o grande risco,
à proporção do gênio e não das forças
da terra decadente aonde habita. "
TomásAntônioGonzaga(ca.1786)

e onforme já foi mencionado, no capítulo referente ao


casario, as construções portuguesas no Brasil não primaram
por um maior requinte, tanto no que diz respeito aos solares
quanto à própria arquitetura oficial. Mesmo na área do lito-
ral, o colonizador manteve aqui - com raras exceções -
muito mais os modelos de sua arquitetura vernacular do que
edificações de maior luxo ou ostentação, também estas não
muito numerosas nem mesmo na Metrópole.
Na verdade, tanto o período de formação de Portugal
como os séculos subseqüentes de sua estabilização como reino
foram épocas de lutas constantes, contra os mouros e contra
as incursões espanholas, exigindo - antes de mais nada - a
(69) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p.115. criação de uma linha de defesa em suas fronteiras da qual
164 UZY DE MELLO

graças ao g"n aior artista que é, ao mesmo tempo,


arquiteto talhador e que, nesta pequena vila do
ouro, re liz t bela e completa síntese da arte setecen-
tista min lra.
P rtanto, " com Antônio Francisco Lisboa culmina e
acaba e traordinário surto de manifestações culturais que se
produziu nas Minas durante o século XVIII. Ensimesmados e
exauridos , o artista e sua terra então adormeceram na Histó-
ria, mas apenas para se alevantarem em seguida no esplendor
da própria grandeza" .69

A arquitetura
do poder português

"Um soberbo edifício, levantado


sobre ossos de inocentes, construído
com lágrimas dos pobres, nunca serve
de glória ao seu autor, mas sim de opróbio.

Desenha o nosso chefe sobre a banca,


desta forte cadeia o grande risco,
à proporção do gênio e não das forças
da te"a decadente aonde habita. "
Tomãs Antônio Gonzaga ( ca. 1786)

-
,,
~-· iÍ
/ (:,
\i. e onforme já foi mencionado, no capítulo referente ao

~ ~
casario, as construções portuguesas no Brasil não primaram
r I
/•" i---~C- ·'t
~_l_:·: u_
_ li@)
por um maior requinte, tanto no que diz respeito aos solares
quanto à própria arquitetura oficial. Mesmo na área do lito-
ral, o colonizador manteve aqui - com raras exceções -

.
1'
. - 1
@ muito mais os modelos de sua arquitetura vernacular do que
edificações de maior luxo ou ostentação, também estas não
muito numerosas nem mesmo na Metrópole.
Na verdade, tanto o período de formação de Portugal
como os séculos subseqüentes de sua estabilização como reino
foram épocas de lutas constantes, contra os mouros e contra
as incursões espanholas, exigindo - antes de mais nada - a
(69) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 115. <·.
criação de uma linha de defesa em suas fronteiras da qual
166
SUZY DE MELLO 167
BARROCO MINEIRO

resultou, naturalmente, a construção de castelos em detri-


mento da edificação de palácios. gos, porque recursos não lhe faltari~m. _( ... )Exagerou~ f~u~to
como atributo da realeza; sua prod1gahdade deu prestigio m-
Assim, ao longo de seus limites com a Espanha, a paisa- ternacional à Corte de Lisboa, por certo, mas a Corte era fa-
gem portuguesa é eminentemente castrense e as aglomerações chada de um Reino que, terras adentro, estava empobrecido e
que ali se formaram têm características basicamente defensi- imerso na ignorância e na superstição. Preocupou-se com
vas, desde as suas fortes muralhas até os castelos que as domi- obras que exaltassem o fausto da corte portuguesa. Assim
nam em seqüência estratégica, de Guimarães, Guarda e Mi-
mandou construir o Palácio de Vendas Novas, como mandou
randa do Douro, ao norte, até Elvas, Marvão e Castro Marim, aumentar o Paço dos Braganças em Vila Viçosa. Fundou a
ao sul. Para o lado do Atlânticd, na região da Extremadura e
monumental biblioteca da Universidade de Coimbra que o
das Beiras, também a preocupação de defesa é marcada pelos
castelos que se erguiam a partir de Lagos (no Algarve) até Conde de Raczynski considerou a mais bela da Europa. Cons-
truiu o convento de Mafra, mandando aí instalar uma biblio-
Palmela (na Extremadura) , estendendo-se por Figueira da
teca soberba. Fundou em Roma a Academia de Portugal para
Foz (~a Beira Litoral) e Valença do Minho, no extremo norte.
artistas portugueses. Criou a 'Aula do Risco', consti_-uiu .º
E importante, ainda, notar que "nos primeiros tempos,
aqueduto das Ãguas Livres, importou quadros, tapeçarias, .li-
os castelos foram de aparência rude. Porém, desde o século
vros, relógios, carrilhões, mapas, aparelhos de ~st~onomia.
XIII, uma progressiva feição artística começou a animar com
Contudo não existiu um grande plano de obras pubhcas. Po-
alguns estéticos traços, ao sabor dos sucessivos estilos, 'algu-
derá diz~r-se que no século XVIII as obras públicas eram pri-
mas dessas edificações; e no começo do século XVI fez mesmo
meiro feitas para os reis - e depois para o povo. Não se pen-
surgir, na exuberância do manuelino, algumas maravilhas ,, 2
sava no povo .
como, a chamada Torre de Belém, para finalmente regressar,
Portanto, D. João V, que reinou de 1706 a 1750, u~u ­
nos seculos XVII e XVIII, ao severo aspecto das fortificações à
fruindo de todas as inesperadas riquezas do ouro e dos dia-
Vauban, outrora erguidas para defesa de portos e lugares vul- mantes das Minas, seguiu as tendências absolutistas de Luís
nerávei~ das costas portuguesas, e muitas delas ainda exis- XIV, "esquecido de que este dinasta, que dera seu n?me a u~
tentes".
século, deixara a França desorganizada e empobrecida dep01s
A esta preocupação defensiva juntava-se a sobriedade dos
de mm'tas guerras " .3
portugueses que, sabendo serem limitadas as riquezas de seu
território, empenhavam-se nas grandes navegações e na ex- Assim se a sobriedade havia restringido - até o início do
setecentos .:_ a construção de grandes e luxuosos palácios em
ploração comercial das novas terras, restringindo seus gastos
com construções de maior ostentação. Portugal, idêntica política seria seguida no Brasil, o~de m~is
ainda se procuraria refrear os gastos, já que a meta primordial
. !:fosse quadro, constitui D. João V uma grande exceção,
era a obtenção de lucros que compensassem _os pesados e~­
PO~ empolgado pela riqueza do ouro e diamantes do Brasil,
cargos da manutenção da administração colomal. Não se cogi-
resolveu estadear uma opulência que se transformasse em 'ins-
tavam imponentes construções mas edificações sólidas e durá-
trui;nento polític~' e fizesse emp;lidecer as de.~ais cortes euro-
veis que garantissem - com a indispens~v~l segurança - a
péi~s. Com a riqueza que lhe chegou às mãos, poderia ter feito presença dos colonizadores nas terras brasiletras. .
coisa~· prodigiosas, em benefício do Reino: caminhos escolas
Dentro dessas premissas inicialmente só se ergueriam for-
arsenais, navios, fomentando novas fontes de rique;a levan~
tes e fortalezas ao longo do litoral, para proteção contra os
tando a agricultura decadente, modernizando em tra~os lar-

. (1) Peres, Damião. A Gloriosa História dos Mais Belos Castelos de Portugal. (2) Teixeira Soares, Ãlvaro. O Marquês de Pombal. Brasília, Ed. Universi-
Lisboa, Portucalense, 1969, I?· 21 -2. dade de Brasília, 1983, p. 55.
(3) Teixeira Soares, Ãlvaro. Op. cit., p. 55.
i68 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO i69
at~qu~s de piratas estrangeiros e mesmo Tomé de Souza, 0
municipais, são as edificações de mais ampla significação e f
pnmeiro Governador Geral, preocupou-se mais com a cons-
que se erguem nas vilas de maior importância. . .J
trução de muros defensiv.os em Salvador, a cargo de Luís Dias,
~estre construtor que viera para a Bahia nos idos de 1549,
Considerando assim que "o municipalismo brasileiro6
é
vis~ndo t~rnar mais seguras e completas as defesas da pri-
conseqüência da organização do plane colonizador" ' e que
meira capital brasileira. as Casas de Câmara e Cadeia simbolizaram - mais que qual-
quer outra construção - a arquitetura do poder português no
à-- As ?écadas iniciais da colonização portuguesa no Brasil Brasil, é importante conhecer com mais detalhes suas raízes e
caract~r~zan: - se, portanto, pelo estabelecimento de uma rede
de fortific~ç~ ao l~~go do litoral, resultando na produção de sua expressão arquitetônica.
u?1a arqmtetura. mi!itar que, ampliada até quase o final do As Casas de Câmara e Cadeia, que foram implantadas
seculo ~VIII e a~n?md~, ii;tclusive, o interior (fronteira oeste) em todo o território brasileiro nos tempos coloniais, constituí-
e a Bacia A~azo~i~a, mdicava também o alto nível técnico ram uma versão, devidamente adaptada às novas condições,
4Ldos engenheiros militares que aqui trabalharam. dos já tradicionais Paços do Conselho de Portugal, cuja ori-
Entre estes, merece especial destaque Francisco de Frias gem remonta ao domus municipalis, consagrado na Europa e
da Mesqui!a ~~~ "chegou ao Brasil em 1603 como engenheiro- que correspondia, "tradicionalmente, à sede da administração]
~or do. R_emo , tendo aqui permanecido longamente e pro- e da justiça e que se colocou sempre no lugar7 de honra da (!)
Jetado mumeras fortalezas - como o Forte de São Marcelo cidade, isto é, na praça central ou do mercado". .__j
em Salva_?or -: além de executar a planta de traçado ortogo: Essas sedes municipais, que se originaram nas comunas
~al d~ Sao Lms do Maranhão e participar de outras obras medievais tiveram, no decorrer do tempo e de acordo com os
iRn.clusive do primeiro projeto do Mosteiro de São Bento, n~ países em que foram construídas, denominações diversas como
io. Hotel-de-Ville, na França; Palazzo Publico ou Palazzo della
. Mas com.ª estabilização dos primeiros núcleos e o poste- Comunitá, na Itália ou Casas de Ayuntamientos ou Cabildos,
nor desenvolvimento do ciclo da cana-de-açúcar através dos na Espanha, Town Hall na Inglaterra e Rath Haus, na Ale-
g~andes engenhos que foram erguidos principalmente na re- manha.
gião do N?rdeste, já o Brasil passava a requerer maior atenção Porém, basicamente, seu programa inclui salas de reu- {
dos colomzadores. "Sucedendo, pois, ao ciclo das feitorias de niões para juízes, cadeia e corpo da guarda, além de outras )
car~t~r 'econômico-militar' e ao 'prólogo guerreiro da coloni- salas e uma capela. Ainda que o mais antigo exemplo portu-
zaça? , Portugal padroniza e embarca a civilização para 0 guês - o Domus Municipalis de Bragança - fosse uma cons-
Brasil, r~me!e~do-nos em série 'religião, legislação, agricul- trução sóbria, em pedra, do século XI, em estilo românico e
tui;:St e ,as mstitmções municipais'." 5 com uma única sala de assembléia, logo os partidos passaram
~partir de então, ficam ;definidos os :Principais tipos de a incluir torres (nas quais o sino era usado para os avisos de
ar,9_mtetura_ d~ p'od~r I)ortuguês"que, ao lado das construções importância para a vida municipal) bem como ?-mplas esca-
í. mi\itares'.. vao,11nclmr as ~esidências oficiais e as chamadas Ca- darias (das quais eram lidas as proclamações para o povo)
~- sas de Camara e Cadeia que, abrigando as administrações sendo que as salas de reuniões abriam-se, sempre, para a fa-
... chada principal. Em muitos casos eram construídas arcadas
que serviam para feiras e mercados existindo, em outros, até
mesmo enfermarias.
(~) L!1"a Tavar~s, Aurélio de. A Engenharia Militar Portuguesa na Construção
do Brasil. R10 de Janerro, Seção de Publicações do Estado-Maior do Exército i965
p. i34. ' '
. (5)_ Thediin Barreto, !'aulo. "Casas de Câmara e Cadeia", Revista SPHAN
Rio de Janeiro (li), i947, p. 29. , ' (6) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit., p .29.
(7) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit., p. i9.
BARROCO MINEIRO 171
170 SUZY DE MELLO

No que diz respeito à organização administrativa - que das, fontes, etc. ( . ._.) taxava oficiai~ ~ec~nicos, jo~naleiros, r/
em Portugal baseava-se em conselhos do povo, que deram mercadorias e provia posturas. Cabia a Camara legislar, ad-g
11
apoio e sustentação aos reis - no Brasil seria feita uma adap- ministrar, policiar e punir".
tação de acordo com as determinações dos forais e, principal- No que diz respeito às punições, o programa das Casas de
mente, das chamadas "Ordenações do Reino", que eram Câmara e Cadeia era, sem dúvida, bastante completo uma vez
compilações da legislação portuguesa, devidamente ordena- que, localizadas no pavimento térreo, as prisões previam di-
das e designadas de acordo com os reis que promoveram sua versos tipos de reclusão, desde as enxovias para homens, mu-
organização: Afonsinas (séc. XV), Manuelinas (séc. XVI) e lheres e galês - freqüentemente separadas por raça e sexo -
Filipinas (séc. XVIII). e cômodos específicos como o "aljube", prisão para religiosos
"As eleições se faziam, então, pelo sistema indireto: os e a "sala livre", para pessoas de nível mais elevado, até os
'homens bons do povo, dos mais nobres e autorizados' vota- temidos "segredos" ou "moxingas", onde os presos recebiam
vam em seis eleitores que, por sua vez votavam, em segundo "tratos", ou seja, eram torturados e os "oratórios", prisões
turno, nos candidatos aos cargos. Assim, eram eleitos dois juí- para os condenados à morte, que nelas dispunham de um pe-
zes ordinários ou da terra; três ou quatro vereadores e o pro- queno altar para suas últimas orações.
curador, que nos conselhos menores acumulava as funções de O equipamento das celas era extremamente rudimentar, 1 .
8
tesoureiro." ·consistindo em precários fogareiros e bicas d'água além das;
Quando se tratava de um conselho de maior importância, "comuas", instalações sanitárias também muito elementares.
o rei nomeava o juiz que era chamado "de fora" ou "letrado". O sistema carcerário adotado então não previa a alimentação
Além das câmaras, "existia um corpo com atribuições se- dos presos, que deviam receber suas refeições de familiare~~ Ji
melhantes aos da atual justiça do trabalho, composto de juízes amigos ou instituições de caridade através das grossas grad:.:.J
e escrivães de ofício, eleitos pelos ofieiais mecânicos e confir- que protegiam as janelas que se abriam para a rua. ~
9
mados pela Câmara" . Daí o exato comentário de Lúcio Costa: "As Casas de Câ-
Eram estes juízes e escrivães responsáveis pela concessão mara e Cadeia, da mínima de Pilar de Goiás, à mais opulenta
das chamadas "cartas de exame" que habilitavam os oficiais da antiga Vila Rica e à mais bela e genuinamente portuguesa,
mecânicos a exercerem suas atividades profissionais. Essas de Mariana, obedeciam ao odioso costume lusitano de assentar
"cartas de exame" eram confirmadas pela Câmara que seres- sem rodeios o poder sobre a cadeia - embaixo, no térreo, com
ponsabilizava também pelas licenças e autorização para o vãos fortemente gradeados e paredes, pisos e forros reforçados,
exercício profissional de carpinteiros, carapinas, latoeiros, os presos; em cima, no andar, os senhores conselheiros. Mas
ferreiros e todas as demais especialidades incluídas nos cha- como toda medalha tem o seu reverso, o sistema oferecia certas
madRS ''.ofícios mecânicos". vantagens como a contínua ciência das autoridades pelo que
Havia, entretanto, na épocã colonial, un:ia "confusão rei- ocorresse, e a acessibilidade aos presos, através das grades, da
10
nante na esfera das poderes administrativos e judiciais" pois família ou de quem passasse: um bilhete, um doce, um olhar
ach~yam-se as €âmaras submetidas também à autoridade dos . - uma flor". 12
ouvido.res que podiam atuar praticamente como seus fiscais. Contavam, também, as celas com os chamados "avia-
É, · porém: válido lembrar qué "a Câmara tinha atribui- mentos", nome genérico dos diversos tipos de c_orrentes, alge-
ções administrativas e judiciais no cível e no crime", exer- mas, palmatórias, ferros de marcar negros fugidos, troncos e
cendo "jurisdição sobre caminhos, chafarizes, pontes, calça-

(8) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit., p. 29. (11) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit. , p. 31.
(9) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit. , p. 31. (12) Costa, Lúcio. Arquitetura. Rio de Janeiro, Bloch, FENAME, 1980, P·
(10) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit., p . 31. 26-7.
172 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 173

outras peças e instrumentos destinados à tortura e, principal- chamadas Casas de Intendência e Fundição, nas quais era re-
mente, a manter seguros os presos, ainda que de forma cruel. colhido o "quinto" do ouro, bem como na Casa do Contrato, e
E não era poucos os que nessa terrível situação se encon- depois na Intendência, que visavam garantir o monopólio dos
travam pois, nos tempos coloniais, "a cadeia era um dos esteios diamantes, na região do antigo Tijuco, sede do Distrito Dia-
do regime. Penas pecuniárias e corporais previam-se até nas mantino. São construções de grande interesse e da maior im-
simples posturas. Povo, clero e nobreza estavam sujeitos à pri- portância que, por suas características arquitetônicas e simbó-
são. Das multas e prisões não escapavam sequer os oficiais licas, marcam, de forma muito especial, a paisagem barroca
das Câmaras. ( .. .)Prendia-se por tudo". 13 em Minas no setecentos.
Assim, enquanto não eram instaladas em edificações es-
pecialmente feitas para as abrigar, as Casas de Câmara e Ca-
deia funcionaram em igrejas, colégios jesuítas ou residências
cedidas para tais fins, mas, quando era ordenada sua constru- Casas de Câmara e Cadeia
ção, faziam -se os projetos com o maior cuidado e o mais minu-
cioso detalhamento, sendo primordialmente observadas as
questões de segurança pelo que eram extremamente reforçados A ambição desmedida pelas riquezas das Minas aliada ao
os pisos, forros e paredes chegando-se mesmo a prever ângulos conhecido desinteresse português por investimentos na colônia
retos nas canalizações de esgoto para evitar possíveis fugas. podem explicar o fato de que, tendo as primeiras vilas sido
A ·importância das Casas de Câmara e Cadeia fazia com criadas em 1711 e a capitania independente das Minas em
que sua construção fosse freqüentemente financiada pela Real 1720, não fossem logo edificadas na região as Casas de Câmara
Fazenda, embora em muitos casos os custos se dividissem entre e Cadeia que já no seiscentos se erigiam na Bahia (Salvador,
Câmaras mais ricas, entre particulares interessados em agra- Jaguaripe e Cachoeira), emborá houvesse carta régia de 1721
dar ao rei ou se ressarcirem por meio de impostos especifica- recomendando que fossem logo construídas.
mente criados já que a Coroa Portuguesa procm:ava - sempre É bem verdade que em Sabará ·_ uma das primeiras vilas
que possível - evitar maiores gastos ou investimentos na colô- criadas por Afonso de Albuquerque~m 1711 - foi registrada
nia, ainda que se destinassem estes à "coiza mais essencial das a existência de uma Casa de Câmarae Cadeia no ano de 1724,
vilas e que mais as authorizam e enobrecem" .14 situada no Largo do Rosário. 15 Em frente ficava o pelourinho
Nas Minas, distantes do litoral e, portanto, sem a neces- - símbolo do poder municipal e sempre localizado na praça
sidade das defesas .previstas nos diversos modelos de arquite- fronteira à sede administrativa das vilas - e, em um beco na
tura militar - que sempre refletiam o poderio de Portugal - a parte posterior da construção, um dos dois quartéis que abri·
presença desse poder se fez efetiva e fundamentalmente através gavam a guarda sediada na antiga Vila Real de Nossa Senhora
das Casas de Çâmar3: e Cad~ia e da Casa dos Governadores, da Conceição de Sabará. Porém, dada a inexistência de maior
esta em Vila Rica. . documentação a respeito, é possível supor que se. tratasse de
Entreta'nto, dadas as peculiares condiÇões da mineração e edificação apenas adaptada às funções de sede municipal e
da comple~a legislação fiscal que a regia, como já mencionado, que, infelizmente, foi demolida.
bem como da grande quantidade de funcionários que se res- Em seu amplo e minucioso estudioso sobre as Casas de
ponsabilizava pelo recolhimento dos pesados impostos cobra- Câmara e Cadeia no Brasil, 16 Paulo Thedim Barreto inventa-
dos, a autoridade portuguesa se fazia presente também nas riou os principais exemplos indicando, para Minas Gerais,

(15) Passos, Zoroastro Vianna. Em Torno da Hist6ria do Sabará. Belo Hori-


( 13) Thedirn Barreto,. Paulo. Op. cit., p. 77. (. zonte, Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1942, 2? v., p. 212.
(14) Thedirn Barreto, Paulo. Op. cit. , P,: 195. (16) Thedirn Barreto, Paulo. Op. cit., p. 38-40.
174 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 175

apenas as de Mariana, Ouro Preto e São João del Rei, esta com mais segurança estivessem os prezos". Dias antes, "avião
última construída somente em 1829, sendo atualmente a sede fogido alguns que estavão por delitos atrozes", donde ser de
da Prefeitura Municipal. Também nesse caso, dada a impor- todo "conveniente pa. o bem publico que hajão Cadeyas capa-
tância da vila, a Câmara funcionou em outro local, visto haver .
zes pa. se reterem os d e11quen t es " . 21
documentação
17
sobre as atividades de ouvidores a partir de Assim, em outubro de 1723 fez-se um "auto de arrema-
1713. tação" - equivalente a uma concorrência em nossos dias -
Sem sombra de dúvida, porém, os dois exemplos mais que indicava detalhadamente os tipos de prisões a serem cons-
significativos de Casas de Câmara e Cadeia nas Minas Gerais truídas e que incluíam a temida moxinga além de "cadeyas"
- e, certamente, no Brasil - são a da antiga Vila Rica e a de para pretos, brancos e mulheres, bem como minuciosas espe-
Mariana, não apenas por terem sido preservadas praticamente cificações de acabamento, sendo prevista uma co"1strução
em toda a sua integridade como por se constituírem em magní- . 22
assobra d a e em pau-a-pique.
ficas edificações do final do século XVIII, ainda que apresen- Em 1725 estava concluída a obra que passa a receber
tem características arquitetônicas diversas, embora, mesmo acabamentos de maior apuro, que incluíam não só pinturas a
assim, correspondam a tendências estilísticas válidas para a ouro e marmorizados (pinturas imitando mármore ou pedra)
época. como definidos os símbolos reais que marcariam as duas salas
A história da Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica principais: "que se ade pintar o teto da Caza da Camara de
(atualmente abrigando o Museu da Inconfidência, na Ouro branco com as Armas Riais de ouro e prata comforme as que
Preto de hoje) é, porém, bastante tumultuada. Primitivamen- estão pintadas na Caza da moeda" e, também, "pintar o teto
te, sua localização seria no antigo Arraial do Ouro Preto, em da Caza de audiência de branco com as armas Riais no paynel
construção provisória, visto ser este núcleo "o mais impor- do meyo na forma asima declarado, e o mais campo filetes de
23
tante dos que constituíram Vila Rica e onde, ao erigi-la, es- cores, e a simalha coberta de lavor" .
tava Antônio de Albuquerque de morada" .18 Em fevereiro de 1729 é decidida pelos vereadores a cons-
Na administração de D. Lourenço de Almeida, porém, trução de um campanário para o sino, obra arrematada por
uma portaria de fevereiro de 1722 mostra que a Casa de Câ- Antônio Francisco Pombal - tio de Antônio Francisco Lis-
mara e Cadeia havia sido transferida para "o alto da vila, no boa, o Aleijadinho - que fica igualmente encarregado de fa-
Morro de Santa Quitéria, entre os arraiais de Ouro Preto e zer consertos na cadeia, cuja falta de segurança já fora com-
Antônio Dias" .19 provada com pouco agrado pelo rei que, em carta de setembro
Porém, tendo. em vista uma ordem real, já em julho de de 1727, queixava-se ao governador D. Lourenço de J\!meida
'1723 os vereadores propõem a compra de "casas" - como se de que a construção "custara considerável fazenda". · Essa
·dizia na época - "na praça" para a instalação dos serviços edificação foi, aliás, descrita por Cláudio Manoel da Costa em
administrativos, dev~ndo ser Jogo feita lima construção espe- seu poema "Vila Rica".
çífica "por estar danificada a Cadeia e a Casa da Câmara" 20 Mas ainda que reforçada com peças de madeira, a cadeia
E interessa~te ainda registrar os comenÚrios de que a C;sa de pau-a-pique não oferecia segurança efetiva e o governador
estava em• "mina conhecida, e que pedia concerto grande", escreve ao rei que "pela sua debilidade a furavão os prezos,
sendo "que com"'p ouco mais se poderia fazer Cadeyas em que por ser de barro, e paus a pique, achandose hoje as paredes
podres pela tenuidade da materia de que se compoem", ob-

(17) Viegas, Augusto. Op. cit.,p. 24.


(18) Lopes, Francisco Antônio. Os Palácios de Vila Rica. Belo Horizonte {21) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 105.
Imprensa Oficial, 1955, p. 104. ' {22) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit. , p. 106.
(19) Lopes, Francis~o Antônio. Op. cit., p. 104. {23) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 108.
{20) Lopes, Francisco Antônio. Op. ctt., p. 105. {24) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit. , p. 112.
176 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 177

tendo finalmente - em fevereiro de 1730 - autorização real ".~omente em meados de 1784 é que o Governador Luís da ~. i.~
para que se faça uma "Cadeya de pedra e cal para que nella Cunha Menezes decide se encarregar da empreitada de erigir
estejão os prezas, e criminosos com toda a segurança". 25 em Vila Rica uma Casa de Câmara e Cadeia de pedra e cal, no L
Em conseqüência, novo auto de arrematação é feito, em mesmo local da anterior. · --..~
fevereiro de 1732,
26 para a "factura da nova Cadea entrando o Cunha Menezes, que anteriormente governara a capita-
casco velho" e sendo arrematante João Fernandes de Oli- nia de Goiás: tinha já alguma experiência de trabalhos em
veira, que já trabalhara na Matriz do Pilar, obra a ser paga arquitetura e mesmo urbanismo, pois projetara, durante sua
com as rendas da Câmara. administração na região Centro-Oeste, o açougue de Vila Boa
Entretanto, a arrematação foi tornada sem efeito 27 e os além de um passeio público no largo da cadeia da citada vila?°
vereadores continuaram a mandar fazer apenas consertos, Assim, responsabilizou-se pessoalmente pelo próprio pro-
prosseguindo, ao mesmo tempo, as fugas dos presos. jeto de edificação que, arquivado em Portugal, tem como tí-
Tal situação deve ter motivado a providência de Gomes tulo: "Planta da nova Cadeia de Va. Rica principiada no anno
Freire de Andrade ao solicitar ao sargento-mor José Fernan- de 84 pelo Ill.mo Exm.o Senhor Luiz da Cunha Menezes Gor,
des Pinto Alpoim um projeto para a nova cadeia. Alpoim, e Cap.m General da mesma, e desenhada pr. C. Manoel Rib.
competente engenheiro que viera às Minas em 1745 para pro- 31
Guimaraens". .
jetar a residência dos governadores e fizera a planta ortogonal Ainda que não tenha sido esclarecida a real autoria do
da área central de Mariana, recebeu cento e cinqüenta mil-réis projeto face à sua contraditória inscrição e à falta de dados
pelo "risco que fez para a cadeia nova" e mais noventa e seis mais precisos sobre Manuel Ribeiro Guimarães, 32 que teria
mil-réis pelo "recalco" (ou cópia do projeto) tendo ainda for- sido um sargento-mor e apenas responsável pela execução do
necido "Apontamentos e Condições com que se arrematou a desenho, as experiências anteriores de Cunha Menezes em ar-
28
Cadeia". Porém, embora tais especificações fossem muito quitetura e o chafariz que fez erguer no antigo Arraial do Ti-
detalhadas, não são conhecidos os desenhos que constituíam o juco,33 em 1787, mostram o interesse do governador pelas
projeto de Alpoim. construções públicas.
Em julho de 1745, em sessão solene que contou com a Porém, o aspecto que mais pode indicar a participação
presença do governador, dos vereadores e Oficiais da Câmara direta de Cunha Menezes no projeto é a indiscutível seme- 1
e do próprio Alpoim, foram arrematadas as obras por Manuel lhança da solução da fachada principal da Casa de Câmara e
Francisco Lisboa, pai de Antônio Francisco, o Aleijadinho. 29 Cadeia de V~a Rica com a do ~pitólio, de Roma, desenhada Í$
Mais uma vez e por motivos provavelmente ligados ao alto por Miguel Angelo em 1537 e de acordo com uma gravura de J
custo da construção, esta não se efetiva, continuando a ser a Etienne Dupérac, de 1569. 34 Essa semelhança, aliás, pode
arifigá Casa de Câmara e Cadeia constantemente reparada, comprovar a erudição do autor do projeto e, portanto, ser
embora sobre ~uas precárias 'condições insistissem as autori- mais viável ser este uma figura da importância de uma autori-
daJdes em env,ia'r ao rei contí1'uas reclamações. dade como Cunha Menezes do que de um sargento-mor cujo
l •

...
(30) Thedim Barreto, Paulo, Op. cit., p. 39.
(25) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 112. (31) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 221.
(26) Lopes, Francisco Antônio. OJ?.. cit. , p. 112. (32) Smith, Robert Ç. "Alguns Desenhos de Arquitetura Existentes no Ar-
(27) Martins, Judith. Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos XVIII e quivo Histórico ColoniaI Português", in Revista SPHAN, Rio de Janeiro (4), 1940,
XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro, Publicações do IPHAN (27), 1974, 2? v., p. 246.
p. 89. . (33) Mata Machado Filho, Aires da. Op. cit. , p. 184.
(28) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 113. (34) Millon, Henry A., ed. Key Monuments of the History of Architecture .
(29) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit. ~ P· 113. Nova Jersey, Prentice-Hall: Nova Iorque, Abrams, 1966, p . 339.
9içp/:, :: /vJ1if7 V~
V
178 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 179

nome não é encontrado em outros trabalhos ou documentos que não os da "diária regular e economica sustentação dos
36
do setecentos. ditos malfeitores".
Por outro lado, é válido ainda ressaltar que as linhas im- Estas drásticas e tirânicas medidas, que incluíram grande
ponentes da composição arquitetônica, inspiradas em modelo número de prisioneiros, porém, não foram suficientes e Cu-
do mestre do "Cinquecento" italiano e que são baseadas na nha Menezes, disposto a atingir sua meta, decidiu angariar
proporção áurea, retomam a disciplina neoclássica - em de- outros recursos através de uma loteria, que justifica como
trimento da leveza barroca - muito ao gosto da época do sendo o "meio das Loterias hé o com que nas mais polidas
reinado de D. Maria 1 (1777-1815), período no qual se afir- Capitais da Europa se estão construindo obras tão importan-
maria, tanto em Portugal quanto no Brasil, maiores influên- tes ou mais do que esta", além de ser "o meyo mais suave,
cias artísticas francesas e que marcaria o final do Barroco. com que se podem fazer sem despeza dos Estados, nem contri-
r A planta original da Casa de Câmara e Cadeia de Vila buição dos foros, e só sim atrahidos voluntariamente pellos
seus interesses" .
37
't Rica incluía as seguintes peças no térreo: sala e entrada, tres
~vias de brancos , três enxovias de pretos, enxovia para A loteria tinha três mil números e rendeu vinte e sete mil
galês, açougue e pátio interno, com capela. No pavimento su- cruzados, dos quais dez mil ficariam para as obras da Casa de
perior ficavam outra sala de entrada, casa de audiência, casa Câmara e Cadeia e dezessete mil para serem distribuídos em
da Câmara , secretaria, sala livre, sala fechada, hospital, co- prêmios, orgulhando-se o governador de ter sido a primeira
zinha do hospital, oratório, casa do carcereiro, seis prisões realizada na colônia e que "deve também ser como experiên-
para mulheres, três casas de presos e três segredos. Além de cia proporcionada as forças do mesmo para se conhecer pello
38
sofrer modificações durante a construção que alteraram esse seu efeito se se podera continuaar".
programa preliminar, havia evidentes exageros na denomi- Além de todas essas medidas, Cunha Menezes expedia
nação dos cômodos visto que o chamado "hospital" é simples- verdadeiras ordens a particulares, exigindo contribuição com
~ mente uma sala que, na realidade, não passa de uma pequena
madeiras e outros materiais de construção e, para reduzir
J_,,.e nfermaria.
1
35 mais ainda os gastos, não foi feita .arrematação da obra, de-
envolvida por administração direta da Câmara.
Ao se empenhar na construção - em pedra e cal - da Apesar de todos estes esforços, porém, a construção era
Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica, Cunha Menezes fez le nta e ao deixar o governo da capitania das Minas, em julho
diversos levantamentos para verificar' de quais recursos pod - de 1788, Cunha Menezes não conseguiu ver muito adiantados
ria dispor, ficando ciente de que não eram as rendas camará- s trabalhos.
rias suficientes para a empreitada à qual se propunha. Diant Coube ao seu sucessor, o Visconde de Barbacena, reto-
. disso, o governador não só tomou várias providências para au · mar a empreitada após o turbulento período da Inconfidência
mentar os rendimentos da Câmara e cobrar dívidas em atraso Mineira, pelo que só em 1790 há novos documentos referentes
como tambéfu não titubeou em lançar ~ão do trabalho d s edificação. Mas esta continuou em ritmo vagaroso pelas
~alés (presós condenados ~ trabalhos fo~Çados), justificando 1dm inistrações subseqüentes até a de D. Manoel de Portugal
se.como tendo procurado "hum meyo de ajudar, como he {i • astro, último governador da capitania, que em meados de
se estar arranca'fldo a pedra que para a mesma hade servir\ tHJ7 ainda expediu ordens referentes ao desvio do produto de
pelos malfeitores, que os seus delictos vão purgando na util 1111tras loterias feitas para o término da obra.
dade da mesma e ao mesmo tempo servindo de hum exempl 11
castigo". E ainda se vangloriando de não fazer outros gasf<•

(36) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit. , p. 222.


(3 7) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 222-3 .
(35) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit., :p. 81. (38) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 223.
180 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 181

Não obstante tais dificuldades e atrasos bem como modi- da, referências documentais quanto à existência de uma "ter-
ficações feitas na edificação, a Casa de Câmara e Cadeia de ceira cadeia provisória no mesmo bairro do Rosário, a qual
42
Vila Rica é, fundamentalmente, a que Luís da Cunha Mene- incendiou-se" . A cadeia foi transferida para o largo da Sé,
zes informava ser "a sua planta, e prospeto induzo q. eu fis dando para a praia e constando haver em frente "uma cape-
pella minha propria mão" 39 e que foi descrito por Critilo nos 43
linha para os presos ouvirem as missas" . Nessa última loca-
versos 66-114, da III Carta, das "Cartas.Chilenas", atribuídas lização, porém, funcionou apenas a cadeia, até sua mudança
a Tomás Antônio Gonzaga, então ouvidor na capital da capi- para instalações próprias. .
tania. Ainda de acordo com Salomão de Vasconcellos,44 as
Como foi visto, o programa incluía as peças que tradicio- obras da nova .e definitiva sede da Casa de Câmara e Cadeia
nalmente compunham as Casas de Câmara e Cadeia, aten- de Mariana teriam sido iniciadas em 1768, mas o seu termo de
5
dendo às suas condições de funcionamento, sendo importante, arrematação é datado de 20 de outubro de 1782: Desde 1742
no caso da de Vila Rica, notar as canalizações de excelente era solicitada pelos vereadores de Mariana autorização real
feitura em pedra-sabão. para a construção de nova Casa mas, sendo o projeto datado de
Quanto à fachada, já comentada em sua disciplina neo- 1762 e as obras iniciadas com tanto atraso, este só é justifi-
clássica, harmoniza-se muito bem na praça, sendo "mui digna cado pela atuação contrária de Gomes Freire de Andrade que,
40
de se notar pela sua grandeza" . Na verdade, ladeada pelo como governador, procurou impedir sua realização, já que
casario assobradado e tendo em frente a imponente e soturna Vila Rica não dispunha de uma edificação equivalente.49
residência dos governadores, a Casa de Câmara e Cadeia cria, Constituindo um excelente exemplo da arquitetura sete-
no ambiente da grande praça no alto do morro de Santa Qui- centista mineira e se destacando como uma das mais belas
téria, um cenário de grande efeito barroco no qual ficou, até sedes administrativas municipais em todo o Brasil, justificam-
hoje, impregnada toda a pesada e trágica presença do poder se maiores comentários sobre o autor de seu projeto, José Pe-
português. reira dos Santos, sobre o qual pairavam algumas dúvidas, di-
Em se tratando de Mariana, a construção da cadeia e da rimidas pela indiscutível autoridade de Rodrigo Melo Franco
sede municipal administrativa, se bem que menos tumultuada de Andrade.
em seu planejamento, foi igualmente muito demorada, fato José Pereira dos Santos nasceu na freguesia de São Sal-
comum na época, principalmente em se tratando de obras pú- vador do Grijó, na comarca e bispado do Porto, em data não
blicas, como já observado. conhecida. Vindo para as Minas também em ano ignorado, o
Segundo Salomão de Vasconcellos, a Câmara de Ma- primeiro registro de sua presença aqui é de 1737, quando se
riana funcionara anteriormente em uma residência assobra- encontrava preso, por dívidas, em Mariana.47 Este fato, em-
da0a,. na esquina das ladeiras do Pissarrão e de São Gonçalo, bora aparentemente desabonador, pode confirmar o que foi
esta última continuação da Rú~ Direita. Adaptada às funções anteriormente observado, ou seja, José Pereira dos Santos te-
camarárias, des'de 1722, a casa contava, inclusive, com um
pr~longamen~o da ala lateral' esquerda "pelo beco acima, com
um i:>uxado mandado fazer pela câmara, para a prisão de mu- (42) Vasc,1>ncellos, Salomão de. Op. cit. , p . 59.
41
lheres". "' (43) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit. , p . 59.
Entretanto, pelas pesquisas do citado historiador, a Câ- (44) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit., p. 60.
mara teria ocupado anteriormente outro local, havendo, ain- (45) Thedim Barreto, Paulo. "Análise de Alguns Documentos Relativos à
Casa de Câmara e Cadeia de Mariana". Revista do SPHAN, Rio de Janeiro (16),
1967, p. 226.
(46) Andrade, Rodrigo Melo Franco de. "A Casa de Câmara e Cadeia de
(39) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit. , p . 227. Mariana". Módulo - Revista de Arquitetura e Artes Plásticas, Rio de Janeiro (2): 4, •
(40) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit. , p. 39. mar. 1956, p. 10-3.
(41) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit. ',P· 59. (47) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit. , p. 220.
182 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 183

ria sido um dos milhares de portugueses que, visando o enri- incluem-se, com documentação, a capela de Nossa Senhora
quecimento rápido que o ouro aparentemente poderia propor- do Rosário (cujo risco lhe é também atribuído) , obras na Igre-
cionar, deixou sua aldeia para tentar a sorte nas Minas. ja de São Pedro dos Clérigos e o projeto da capela franciscana,
Sem êxito e em evidentes dificuldades, Pereira dos Santos em Mariana. Já em Vila Rica, participaria da construção da
voltou a exercer, nas vilas do ouro, sua profissão de "homem Matriz do Pilar, faria um contrato (que não é executado) para
de bem" da terra natal, trabalhando como mestre pedreiro e a capela carmelita e, à época de seu falecimento, empenhava-
arquiteto, de acordo com seu próprio depoimento no Livro de se na "fábrica" da Capela do Rosário dos pretos. Foi eleito,
Devassas do arquivo da Cúria de Mariana: "solteiro, natural ainda, juiz do ofício de pedreiro (1753) em Mariana e no-
da freguezia de Grijó, Bispado tlo Porto, morador nos Mos- meado "louvado" (uma éspécie de fiscal ofici al) das obras da
sús, que vive do seu officio de pedreiro". 48 ponte do Rosário, em Vila Rica. Assim , teria sido perfeita-
Entretanto, participando de muitas das mais importantes mente natural para José Pereira dos Santos indicar, em seu
obras de Vila Rica e de Mariana, onde residia, inclusive como testamento, o recebimento de 20 oitavas de ouro pelo "tra-
responsável pelos seus projetos, ele se identificara modesta- balho do risco que fez para a nova cadeia e casa de Câ-
52
mente nô documento acima citado. Na verdade, "José Pereira mara" .
dos Santos era dedicado à arquitetura e ao seu ofício de can- Se, porém, a Casa de Câmara e Cadeia de Mariana
teiro, ou de pedreiro, como é modo dizer-se, genericamente, contou com tão competente mestre português para a realiza-
no norte de Portugal e no Brasil. Era também afeiçoado à ção de seu projeto, igualmente a sua construção foi confiada a
construção, em geral. Empreitava obras diversas. Usando-se a outro dos mais experimentados artífices lusitanos, José Pe-
expressão moderna, era arquiteto-construtor, mas com a es- reira Arouca, ao qual erroneamente já foi atribuído o pró-
pecialidade de ter um ofício - o de pedreiro, do qual foi juiz prio projeto.
49
em 1753". Arouca que, de acordo com o segundo vereador da Câ-
Assim, "aplicou-se a 'obras que rematou de grande vulto mara de Marian, Joaquim José da Silva, teria sido discípulo
e fábricas ... e de muitos avultados preços', de acordo com sua de José Pereira dos Santos, 53 tem seu primeiro registro nas
própria definição. Pelo contido no seu testamento, sua orga- Minas como fiador deste, em 1753, nas obras da Igreja de São
nização chegou a ser bem equipada de gente e aparelhos. Teve Pedro dos Clérigos, em Mariana.
a seu cargo operários e feitores, e também 'companheiros' . Nasceu na Freguesia de São Bartolomeu da Vila de Arou-
Determinados serviços ele' os dava a certos 'impreiteiros' - os ca, na comarca do Porto, Bispado de Lamego, em torno de
subempreiteiros de hoje.( .. . ) Por seus teres, transacionou hi- 1733. Embora fosse oficial de pedreiro e "vivesse de admi-
potecas, teve demandas, penhoras, prisões por dívidas e con- nistrar obras de pedreiro e carpinteiro" foi, efetivamente, um
-" cordatas. Situações finançeiras que o levaram ao extremo de dos melhores e mais poderosos empreiteiros do setecentos nas
lavrar escrihlras e emitir:'letras 'fantásticas', feitas para 'ter principais vilas do ouro tendo, inclusive, recebido a patente de
mãos no~,- bens para melµor pagar os credores', conforme de- "Alferes de ordenança de pé do Distrito do Morro de Santo de
clarou
w
ao instituir
-
sua 'alma por herdeira universal" M
,!'IJ se- Antonio", de Mariana, em 6 de novembro de 1787 .54
- ..
gundo seu testamento aberto em 18 de julho de 1762.
Entre os principais trabalhos de José Pereira dos Santos
Entretanto, Arouca soube empregar muito bem seus
ganhos com as construções que administrava, tanto que em
seu testamento, feito em Mariana a 8 de junho de 1783, "com-

(48) Martins, Judith. Op. cit., v. 2, p. 205.


(49) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit., p. 220. (52) Martins, Judith. Op. cit., v. 2, p. 205-7.
(50) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit., p. 220·1. (53) Martins, Judith. Op. cit. , v. 1, p. 60.
(51) Martins, Judith. Op. c!t. , p. 204. (54) Martins, Judith. Op. cit., v. 1, p. 60-76.
184 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 185

sedirando a brevidade da vida homana, e serta a da morte",


declarou "que nunca fuy casado e me acho no estado de sol-
teiro, e nesse estado nunca tive filho algum, que por direito
posão herdar meos bens", determinava que duzentas oitavas
de ouro fossem distribuídas, como esmola, aos pobres. Além
dessa vultosa quantia, Arouca ainda relacionou significativa
lista de bens, incluindo casas, roças, terras, lavras, bois,
bestas, carros, ouro em pó e "para Sima de Sincoenta escra-
vos", bem como diversos pagamentos que lhe eram ainda
devidos por obras feitas. 55
Falecendo em Mariana, a 21 de julho de 1795, deixou
Arouca extensa participação em obras de destaque nas Minas
setecentistas, entre as quais as capelas franciscanas, de Nossa
Senhora de Oliveira, das Mercês e do Carmo, em Mariana. Na
mesma vila trabalhou ainda na Casa Capitular, no Seminário
de Nossa Senhora da Boa Morte, no Palácio, na Sé e na Casa
de Câmara e Cadeia. ,Em Vila Rica foi "louvado" nas capelas
de São Francisco de Assis e do Carmo e na Casa de Câmara e
Cadeia, o que comprova sua competência.
Além de ter realizado inúmeras obras públicas em Ma-
PAV,
riana, desde paredões e calçadas até chafarizes e fontes, em-
preitou também a construção de estradas, inclusive uma de
Vila Rica à mesma vila. Ocupando, igualmente, cargos pú-
blicos, foi tesoureiro da Câmara de Mariana em 1780.
Em 23 de outubro de 1782 "arrematou ·pela importância
de 37 000 cruzados a obra da Cadeia e Casa de Câmara, que
seria edificada no citio e largo dos quarteis velhos perme-
diando com o Pelourinho" .56
Realizada, portanto, por dois dos mais renomados e ca-
pazes mestres portugueses, a Casa de Câmara e Cadeia de
,M ariana teve.Çonstrttção mai~ tranqüila que a de Vila Rica e
sru desenho original foi pouco alterado. -.
, Esse p~ojeto, segundo ~o risco de José Pereira dos Santos,
segue o partido usual das edificações deste tipo, visto que o
pavimento térreõ é reservado às prisões, aqui divididas em
enxovias de brancos, de mulheres e de negros, dispondo das

(54) Martins, Judith. Op. cit., v. 1, p. 75.


(55) Martins, Judith. Op. cit., v. 1, p. 6!!-9. Casa de Câmara e Cadeia - Mariana .
186 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 187

comuas e fogões que eram os parcos equipamentos de locais Nova", e flanqueada pela capela dos Terceiros franciscanos, é
tão sinistros. das mais favoráveis. 58
No pavimento superior, a escada abre-se para uma " sala :;t- Assim, o projeto foi feito com "preocupações urbanísticas
59
de espera" - ou vestíbulo bastante amplo - sendo o restante e estéticas" , não só a partir de sua própria localização como
da fachada ocupada pela " Casa da Câmara" de um lado, e a pela evidente modulação da composição do seu volume e da
"Casa de Audiência" do outro, as peças mais importantes do fachada que - como também ocorreu na de Vila Rica -
edifício. Na parte posterior, distribuem-se os demais cômo- foram "comoduladas segundo a 'divina proporção' . Mas, no
dos: dois "segredos", a secretaria da Câmara, a "sala livre" e frontispício da Câmara de Mariana ficou gravada ao vivo a
as "Casas do carcereiro". composição e a decomposição do retângulo áureo" .YJ
(" Como observou Paulo Thedim Barreto, trata-se de um Em seu todo e ainda que com os elementos tradicionais
--\- projeto dos mais antigos, e certamente feito em torno de 1762, das fachadas destas edificações - como a torre sinefra, cha-
pois foi mantido o tipo de acesso tradicional às enxovias - mada de "trapeirão" por seu projetista, sendo "trapeira" uma
então através de alçapões no seu forro , abertos no piso do "abertura no telhado, guarnecida de caixilho, que permite ar
61
pavimento superior e com a descida garantida por meio de es- e luz ao anterior da construção" , além da portada nobre
cadas de mão, depois recolhidas - recurso adicional para evi- coroada pelas armas reais - a Casa de Câmara e Cadeia de
tar fuga dos presos. Estes alçapões "já desprezados , logo em Mariana assemelha-se a um belo e calmo sobrado mineiro se-
1784, por Luis da Cunha Menezes que, ali bem perto, no tempo tecentista, adaptando os elementos portugueses aos novos
"f ~no e~p.aço, projetava a Casa de C:âmara e Cad~ia de56Vila Rica, condicionamentos da região.
/_beneficiando-a com portas a serviço das enxovias". Portanto, "sem embargo de sua escadaria de cinco lan-
Por outro lado, as especificações construtivas - na época ços, invulgarmente espaçosa, provida de guarda-corpo moldu-
denominadas " Registro das Condições" ou '' Condições da rado de cantaria e ostentando cunhais e pilastras coroados por
obra" - são extremamente detalhadas, incluindo "grande ri- 'pirolas' da mesma pedra, lavradas com requinte barroco; a
queza de preceitos relativos à ·demarcação de uma obra e a despeito da portada em destaque no pavimento superior, tra-
trabalhos de alvenaria, cantaria, carpintaria e serralharia. balhada na pedra do Itacolomi com profusão de molduras e
57
Sua nomenclatura é substanciosa". ornatos; apesar da tarja brasonada sob uma coroa real e do
Todos estes fatores contribuíram para conferir à Casa de campanário que se incorpora ao telhado como 'trapeirão',
Câmara e Cadeia de Mariana características excepcionais que para sustentar o grande relógio e o sino; acumulando embora
se completam por sua volumetria de proporções extremamen- tais e tantos elementos, a frontaria do edifício produz im-
te agradáveis, por sua fachada de composição impecável e, pressão discreta e sossegada. Impressão essa que é ainda acen-
'' finalmente, por uma situa.ção privilegiada. tuada pelo contraste de seu partido horizontal com a vertical
Quanto a Mariana, '<le topografia muito menos aciden- predominante nas fachadas das duas igrejas fronteiras . ( ... )
62
tada que ,a de Vila Rica, pferecia melhores condições urbanas, Aquela obra de arquitetura antiga respira bem estar" .
inclusive por dispor de ' maior número de áreas abertas - Construída em pedra e cal e concluída no início do século
largos e' praças - e pelo traçado mai~ regular de sua parte XIX, a Casa de Câmara e Cadeia de Mariana "é espécime
central, além "'d as amenas praias do Ribeirão do Carmo. A
própria localização da Casa de Câmara e Cadeia, em espaço
amplo à frente de Pelou'r inho, denominado então "praça (58) Andrade, Rodrigo Melo Franco de. Op. cit. , p. 11.
(59) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit. , p . 225.
(60) Thedim Barreto, Paulo. "Casas de Câmara e Cadeia" . Revista SPHAN,
Rio de Janeiro (11), 1947, p. 163. ·
(56) Thedim Barreto, Paulo. Op. cit., p. 223. (61) Corona & Lemos. Op. cit., p. 455.
(57) Thedim Barreto, Paulo. Op. cj t., p . 224-5. (62) Andrade, Rodrigo Melo Franco de. Op. cit. , p. 13.
188 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 1 9

umca no acervo brasileiro, pela extrema nobreza, graça e Câmara" significando, portanto, "sala da Câmara" - foi
apuro de proporções. ( ... ) Esta edificação aproxima-se da muito comumente usada no Brasil, desde os primórdios da
Casa de Câmara de Vila Rica, em Trás-os-Montes". 63 colonização, para indicar as residências oficiais das autori-
Efetivamente, os dois prédios são semelhantes mas os dades portuguesas que, como observado, mal dispunham de
Paços do Conselho de Vila Real foram construídos "em prin- meios para financiar até mesmo as sedes administrativas e as
cípios do século XIX, por iniciativa do 1? Conde de Amarante cadeias, indispensáveis à organização e à manutenção dopo-
64
para neles ficar instalado o Hospital da Misericórdia" . Con- der português no Brasil. Aliás, visando reprimir alguns abu-
siderando-se a data do projeto para Mariana, 1762, seria in- sos, uma ordem real de 1730 proibiu "aos governadores cha-
65
viável uma influência direta. Mas, sendo a região de Trás-os- mar palácio as casas de sua residência" .
Montes famosa em Portugal por seus solares, com especia.l Portanto, ainda que seja usada a denominação de "pa-
destaque para o belíssimo Solar de Mateus, projetado na pri- lácio", ou "paço", as residências das autoridades portuguesas
meira metade do século XVIII por Nicolau Nasoni para Antô- foram, geralmente, construções de luxo muito redu zido e de
nio José Botelho Mourão, o 1? Morgado de Mateus, cujo filho nenhuma ostentação, fato que, aliás, viria causar sérios trans-
governou a capitania de São Paulo no século XVIiI, indireta- tornos em 1808 quando, fugindo às invasões das tropas napo-
mente pode ter havido uma reinterpretação do vocabulário leônicas, transferiram-se para o Rio de Janeiro a família real e
formal destas residências portuguesas na composição maria- os principais membros da corte, que não conseguiram obter
nense, tendo em vista a origem de seu autor, também do logo alojamentos condignos.
.\_. norte. De qualquer forma, porém, é fato conhecido e aceito Nesse quadro, constituiu uma clara exceção o Palácio dos
que a ~itetJlr..a mineira - tanto religiosa como civil e ofi- Governadores de Belém do Pará que, na época do Marquês de
cial - fez engenhosas e originais adaptações das soluções Pombal - criador da Companhia Geral do Comércio, em
v ortuguesas, simplificando-as e ampliando sua leveza e graça. 1755 - correspondeu ao fausto que, para a região, sonhava
Bem diferente da sede administrativa de Vila Rica, a então criar o governador Manoel Bernardo de Mello e Castro.
Casa de Câmara e Cadeia de Mariana tem nobreza sem ser Assim, Mello e Castro solicitou ao arquiteto italiano An-
pesada, é simples nas linhas mas erudita na composição geral, tonio José Landi, em 1759, que lhe projetasse um palácio
impondo-se como um dos melhores exemplos da arquitetura "bem arquitetado e suficientemente vasto para que fique uma
luso-brasileira como só as vilas do ouro conseguiram pr 0 duzir. morada congruente66 à dignidade e decoro dos governadores e
capitães-generais" do Maranhão e do Grão-Pará, tarefa
completada em 1771. Landi realizou imponente construção
assobradada, com pátio central ao gosto italiano e um amplo
.,Residências oficiais programa que incluía cocheiras, cozinha, demais serviços e

f
,,
' .
A palávra "casa" que.:em Portugal até hoje é usada tanto
capela no térreo, situando-se no pavimento superior onze sa-
las, um grande salão e oito dormitórios.
Entretanto, no Rio de Janeiro, os governadores se insta-
para resiqências como para indicar um ~ômodo - "Casa da laram em casas de aluguel atê 1698 quando foi adquirida uma
. residência para seu uso, depois incendiada por piratas fran -
ceses. A segunda casa dos governadores, mais tarde Paço
(63) Silva Telles, Augusto Carlos da. Observações sobre a Arquitetura em
Real, só foi inaugurada em 1743, tendo sido projetada pelo
Minas Gerais no Período Colonial. Seminârio sobre a Cultura Mineira no Período
Colonial, Conselho Estadual de Cultllra de Minas Gerais, Belo Horizonte, Imprensa
Oficial, 1979, p. 111. (65) Wasth Rodrigues, José. Op. cit., p. 150.
(64) Ferreira de Almeida, José Antônio, coord. Tesouros Artísticos de Por- (66) Civita, Victor, ed. Arte no Brasil. São Paulo, Abril Cultural, 1979, v. 1,
tugal, Seleções do Reader's Digest, Lisboa, 1976, p. 581. <·. p. 207.
188 SUZY DE MELLO

única no acervo brasileiro, pela extrema nobreza, graça e


BARROCO MINEIRO

Câmara" significando, portanto, "sala da Câmara" - foi


l J 9

apuro de proporções. ( ... ) Esta edificação aproxima-se da muito comumente usada no Brasil , desde os primórdios da
Casa de Câmara de Vila Rica, em Trás-os-Montes". 63 colonização, para indicar as residências oficiais das autori-
Efetivamente, os dois prédios são semelhantes mas os dades portuguesas que, como observado, mal dispunham de
~a~os do (:onselho de Vila Real foram construídos "em prin- meios para financiar até mesmo as sedes administrativas e as
ctplos do Século XIX , por iniciativa do 1? Conde de Amarante cadeias, indispensáveis à organização e à manutenção dopo-
P.ara neles ficar instalado o Hospital da Misericórdia" .''4 Con- der português no Brasil. Aliás, visando reprimir alguns abu-
s~~erando,se a data do projeto para Mariana, 1762, seria in- sos, uma ordem real de 1730 proibiu "aos 65
governadores cha-
viavel um<t influência direta. Mas, sendo a região de Trás-os- mar palácio as casas de sua residência" .
Montes Íél.tnosa em Portugal por seus solares, com especial Portanto, ainda que seja usada a denominação de "pa-
des.taque llara 0 belíssimo Solar de Mateus, projetado na pri- lácio", ou "paço", as residências das autoridades portuguesas
~etra ~etade do século XVIII por Nicolau Nasoni para Antô- foram, geralmente, construções de luxo muito reduzido e de
mo Jose Bl:ltelho Mourão, o 1? Morgado de Mateus, cujo filho nenhuma ostentação, fato que, aliás, viria causar sérios trans-
governou a capitania de São Paulo no século XVIiI, indireta- tornos em 1808 quando, fugindo às invasões das tropas napo-
mente Pº<:!e ter havido uma reinterpretação do vocabulário leônicas, transferiram-se para o Rio de Janeiro a família real e
formal destas residências portuguesas na composição maria- os principais membros da corte, que não conseguiram obter
\ nense, teti.ct 0 em vista. a origem de seu autor, também do logo alojamentos condignos.
~ norte. De qualquer forma, porém, é fato conhecido e aceito Nesse quadro, constituiu uma clara exceção o Palácio dos
q.ue a ~a - tanto religiosa como civil e ofi- Governadores de Belém do Pará que, na época do Marquês de
cial - fe~ engenhosas e originais adaptações das soluções Pombal - criador da Companhia Geral do Comércio, em
v ortuguesa.s, simplif.icando-as e ampliando sua leveza e graça. 1755 - correspondeu ao fausto que, para a região, sonhava
Bem diferente da. sede administrativa de Vila Rica, a então criar o governador Manoel Bernardo de Mello e Castro.
C asa de Câmara e Cadeia de Mariana tem nobreza sem ser Assim, Mello e Castro solicitou ao arquiteto italiano An-
pesada, é Simples nas linhas mas erudita na composição geral, tonio José Landi, em 1759, que lhe projetasse um palácio
impondo-se como um dos melhores exemplos da arquitetura "bem arquitetado e suficientemente vasto para que fique uma
luso-brasileira como só as vilas do ouro conseguiram produzir. morada congruente à dignidade e decoro dos governadores e
66
capitães-generais" do Maranhão e do Grão-Pará, tarefa
completada em 1771. Landi realizou imponente construção
assobradada, com pátio central ao gosto italiano e um amplo
l~.~sidêllcias oficiais programa que incluía cocheiras, cozinha, demais serviços e
capela no térreo, situando-se no pavimento superior onze sa-
las, um grande salão e oito dormitórios.
~ A P~lavra "casa" queJem Portugal até hoje é usada tanto Entretanto, no Rio de Janeiro, os governadores se insta-
PªIª rest~êncjas como para indicar um cômodo - "Casa da laram em casas de aluguel até 1698 quando foi adquirida uma
residência para seu uso, depois incendiada por piratas fran-
ceses. A segunda casa dos governadores, mais tarde Paço
,,,. (63)
G s·
. ll~a Telles, ·AugiJSto Carlos da. Observações ·sobre a Arquitetura em
Real, só foi inaugurada em 1743, tendo sido projetada pelo
'"mas
C . erazs ~o Período Co.<Jma • . / . Semm. ârio sob re a Cu 1tura M"meu-a
. no P eno
' do
o~10~ªª1• c a llse1ho Estadual de CultUra de Minas Gerais, Belo Horizonte, Imprensa
1
eia, 1 9 79 • P. lll. (65) Wasth Rodrigues, José. Op. cit., p . 150.
t i6:) _F'~treira de Almeida, José Antônio, coord. Tesouros Artísticos de Por·
uga1' e eçoes do Reader's Digest, Lisboa, 1976, p. 581. <·, p. 207.
(66) Civita, Victor, ed. Arte no Brasil. São Paulo, Abril Cultural, 1979, v. 1,
190 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 191

70
Brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim, engenheiro-militar mais esplêndido edifício do Brasil" . Pouco depois, Nassau
67
português e "braço dinfüo do Conde de Bobadela" . fez um outro - o Palácio Bela Vista - de menores propor-
Também autor do belo sobrado que lhe fica em frente, no ções e que utilizava como residência de repouso. Os palácios
antigo Terreiro Cio Carmo (depois, do Paço), onde se situa o nassovianos tiveram esmerados acabamentos e, conseqüente-
chamado "Arco do Teles", Alpoim dispôs a planta "em qua- mente, altíssimos custos incluindo - em sua complexa pro-
dra, com pátios fechados, em torno dos quais se enfileiraram gramação - até mesmo um jardim zoobotânico.
os compartimentos. A escada nobre, larguíssima, ficou no Dentro, porém, do quadro mais limitado das edificações
fundo do primeiro pátio, acessível através de uma portada ro- do poder português no Brasil, as Minas teriam, também nas
cocó e no prolongamento do vestíbulo". residências oficiais, um exemplo da maior importância - a
Situado em uma esquina, suas fachadas são "estáticas ao Casa dos Governadores em Vila Rica, atualmente sede da Es-
modo da Renascença" e baseadas em um ritmo de janelas cola de Minas e Metalurgia da UFOP.
com sobreverga alteada, em cantaria. Esta, em gnaisse e lioz, Antes de sua construção, outras soluções menos grandio-
é usada também nas portadas e cimalhas. Mas "a casa dos sas foram tentadas para resolver o problema do alojamento da
Teles de Menezes, conhecida por Casa do Arco do Teles, é principal autoridade da Capitania.
plasticamente superior à dos Governadores que lhe fica fron- Entre 1717 e 1720, quando Minas ainda se achava ane-
teira: pela proporção dos cheios e vazios, pela cornija ( ... ), xada à Capitania de São Paulo, foi o governador D. Pedro de
mas sem a secura acadêmica dos da Casa dos Governadores Almeida, o Conde de Assumar, que se instalou em Mariana
(pelo menos da que chegou até nós) e pela concisão do voca- - então Vila do Ribeirão do Carmo - tendo como residência
bulário: arco abatido, só na janela· superior, as duas outras um casarão na ladeira de São Francisco, aos fundos da capela
sendo em verga reta, ao passo que na Casa dos Governadores da mesma denominação. Segundo Salomão de Vasconcel-
os arcos (resultantes do acréscimo realizado ao tempo de Luiz los,71 tratava-se de construção feita para o próprio conde, em
69
de Vasconcelos) se repetem prolixamente". uma colina sem arruamentos, exigindo um grande muro de
N-a verdade, os mais luxuosos e imponentes palácios do arrimo na frente e tendo uma das paredes em ângulo agudo
Brasil-Colônia foram os que o Conde João Maurício de Nas- com a rua, o que não era usualmente permitido.
sau-Siegen fez construir na ilha de Antônio Vaz, em Recife, Sua planta, que inclui um pátio central onde ficariam os
durante a ocupação holandesa. Permanecendo em Recife de cavalos, tinha salas contíguas na frente, dispondo-se os de-
1637 a 1644, Nassau transformou a precária vila na rica e mais cômodos alinhados segundo os corredores comuns às so-
fortificada "Cidade Maurícia", cuidando tanto de sua urba- luções residenciais da época, sem maior cuidado ou trata-
nização quanto da edificação de dois grandes palácios. O ar- mento mais nobre. 72
.q µiteto foi Pieter Post, irmão de Frans Post, um dos artistas O mesmo Conde de Assumar, nos idos de 1720, havia
que, durante sua administração, registrou magistralmente em escrito ao rei recomendando que a "habitação dos governa-
pinturas e desenhos os cosfomes e a pàisagem do nordeste dores" fosse localizada em Cachoeira do Campo, assegurando
seiscentista.1 , .
~ O primeiro e mais requintado palácio a ser construído foi
que "as poucas pessoas zelosas que aqui se acham ·assentam
todas ser cogvenientissimo ao serviço de Vossa Majestade esta
o de Frib~rgo (~mbém chamado das Torres), entre 1639 e resolução". Porém, no mesmo ano, foram apenas erigidos
1642, que o cronista francês Pierre Moreau considerou "o
(70) Civita, Victor, ed. Op. cit., v. 1, p. 65.
(71) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit. , p. 37.
(67) Santos, Paulo F . Quatro Séculos de Arquitetura. Rio de Janeiro, IAB, (72) Wasth Rodrigues, José. Op. cit., p. 151.
1981, p. 34. (73) Menezes, Ivo Porto de. O Palácio dos Governadores de Cachoeira do
(68) Santos, Paulo F. Cp. cit. , p. 34. Campo . Arquitetura Civil III, Mobiliário e Alfaias. São Paulo, MEC-IPHAN e F AU /
(69) Santos, Paulo F. Op. cit. , p. 34-5. USP, 1975, p. 109.
192 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 193
quartéis naquele povoado. Somente em 1772 são as casas des-
tinadas à residência de veraneio dos governadores mas sua cerimônias religiosas após as quais foi ele jantar nas "casas"
efetiva reforma como palácio deu-se apenas em 1783. Pelo seu do Capitão-Mor Henrique Lopes, que por elas tinha pago mais
"clima ameno, o edifício reformado, o sossego e segurança do que três arrobas de ouro, visando a confirmação de sua pa-
77

levaram por certo o Visconde de Barbacena a escolhê-lo para tente segundo registros daquela ocasião. Porém, o mais gra-
sua residência permanente, o que lhe mereceu censura da ve aspecto - além da importância da quantia gastá que seria
Corte".
74 extremamente exagerada mesmo para a aquisição de uma re-
Apesar dos registros sobre várias obras realizadas para sidência em Lisboa - era a péssima localização das "casas",
melhoria das condições de conforto - inclusive com o uso de na verda~e uma única e para cuja compra tivera Henrique
janelas guilhotinas com contrapeso e portas corrediças 75 - Lopes "muito má eleição, como se poderia esperar do seu rús-
a documentação sobre o prédio é muito escassa, dele testando tico entendimento, porque estão ao pé do morro chamado
poucos indícios além de vagas informações sobre um "vasto e Pascoal da Silva, cujas vertentes de água as fazem tão úmidas,
elevado casarão" ou um "grande sobrado", com "vasto pátio" que é prejudicial à saúde morar nelas, e com gastar tanto
e "uma pequena capela tendo um altar ricamente paramen- ouro, não teve habilidade para escolher melhor paragem ha-
78
tado" .
76
vendo muita na mesma vila" .
Entretanto, a grande residência oficial que se destaca nas Situada no arraial de Antônio Dias, mas sem rigorosa
Minas - e, pelos motivos já expostos, no Brasil setecentista comprovação de sua correta localização, desta casa - ou de
- é a Casa dos Governadores, na praça que ocupa o alto do outras, nas proximidades - restam apenas ruínas, conhe-
morro de Santa Quitéria, na antiga Vila Rica. Sua pesada cidas popularmente como "Palácio Velho".
volumetria, resolvida à feição de fortaleza, representava bem Quando da chegada do primeiro governador da capitania
a opressão portuguesa e, até hoje, é um símbolo claro do des- independente das Minas, D. Lourenço _de Almeida, em agosto
potismo que caracterizou o poder colonizador naquele perío- de 1721, foi ele alojado no "Palácio Velho", também usado
do. Sua construção, se bem que menos tumultuada e sem por seus sucessores, o Conde das Galveas e Gomes Freire de
maiores interrupções, só foi autorizada em meados do século Andrade, o Conde de Bobadela.
XVIII e, até essa época, as principais autoridades das Minas
Entretanto, Henrique Lopes faleceu antes de 1735, data
não se alojavam com maior conforto.
da chegada de Bobadela e, sem herdeiros, deixou as "casas"
Ê importante lembrar que, desmembradas da Capitania
do Rio de Janeiro, as Minas ficaram sob a jurisdição do gover- para "se instituir um hospital" a ser mantido com as rendas
nador de São Paulo até 1720, quando constituíram-se em ter- de uma lavra de sua propriedade, pelo que o novo governador
mudou-se para as "casas que foram da fundição" que porém
" ritório com administração independente. Entre 1709 e 1720,
permanecendo a sede do governo ainda na Vila do Ribeirão do necessitavam de maiores reparos. 79 ' '

Carmo (Máriana), as Mihás foram dirigidas por Antônio de Gomes Freire de Andrade, em carta ao rei, informava
Albuquerque, D. Braz •.Baltazar da Sílveira e D. Pedro de também que esta seria uma "solução provisória até que o so-
Almeida, o Conde de Assumar, que foi o único a ter moradia berano "acabasse de aperfeiçoar um quarto para a assistencia
também em \4ila Rica. dos governadores" e que, embora sem "recear insulto, con-
Quando da chegada de Assumar a Vila Rica, em de- tudo a volubilidade da plebe barbara sempre se deve acaute-
zembro de 1717, tiveram lugar grandes festividades e solenes lar" pelo que ficaria "uma Companhia de cavalos, Governa-
dor, Provedoria, Intendência e Secretaria debaixo de uma só

(74) Menezes, Ivo Porto de. Op. cit., p. 113.


(75) Menezes, Ivo Porto de. Op. cit., p. 116. (77) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit. , p. 9.
1' (76) Menezes, Ivo Porto de. Op. cit., p. 114-5. (78) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 9.
(79) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 11.
194
SUZY DE MELLO A trn ( 'cl MI NI llt 195

guarda, e dentro da mesma Casa a qual se segurará com um , em 1700, serviu no ?


reduto, e as quatro peças que há desta parte" 80
Considerando-se que um "reduto" era. "uma
e
Braslfõlifãiíte vinte sei â ll ( N l (ltlll l n nheiro militar, tra-
f t1·f 1 - pequena balhando nos mais diversos 111 1 rritório e sendo res-
or . ~,~1ªº avançada, dependente de um sistema defensivo ponsável por inúmeras outra hr 1 h i1111 ortância, como o
ma!~r e que a~ qu~tro peças seriam de artilharia, é possível Aqueduto da Carioca e o Ho pi · o to, ll trbadinhos, no Rio,
verificar que a pnme1:a casa de fundição de Vila Rica contava além de reformar várias fortificaç~ •s 1 111 toda a colônia. Foi,
com detalhes de, arqmtetura militar e armamento próprio. ainda, professor da " Aula de F r if · •C o · Artilharia", no
.como, porem, Go~e__s Fr~i:e de Andrade foi obrigado a Rio de Janeiro, quando escreveu d is v 1111111 s specializados e
P~rtir para o sul em missao md1tar, seu irmão - José Antô- considerados do mais auo nível: ' ' ~· ~11 1• Artil~eiros:· e
mo,. se~undo ~o~de de_ Bobadela - limitou-se a realizar ape- "Exame de Bombeiros".85 Em 1760 f 1 11 0111 1 lo bngadeiro,
nas ~nd1spensave1s serviços para garantir a segurança da cons- tendo falecido em 1765. Com a Ca a d s :1v rnadores de
truçao. Por sua vez, a resposta real ao pedido do governador Vila Rica, Alpoim confirma sua capacidad · nr lfl ssional, jus-
~emc:_rou quase três anos, embora fosse dada a Bobadela aut _ tificando -: pelas peculiares c~racterístic a m t 1 1r s da co?s- Jl
nzaça? par~ que " façais essa obra na forma qi:~ apontais" .B trução - sua presença nas Mmas como en nlt r erviço ..-S
J~, entao, a velha casa de fundição estava em condições do rei.
demasiadamente precárias para sofrer reformas e Gomes Frei- O auto de arrematação da grandiosa con tru · r it em
re de Andrad~ decidi:1 chamar, do Rio de Janeiro, 0 Sargento- junho de 1741 registra que " a obra do Palácio , ~n f rma da
Mo: engenheiro Jose Fernandes Pinto Alpoim para fazer Planta, e condições que ao diante se seguem, fe ita P 1 d.o
0
projeto, de acordo com a autorização da Carta Régia d 16 d Sarg. to mor Ingenheiro, p.a o que foi mandado vir d Ri de
março de 1736. e e
Janeiro" foi vencido "com o lanço de quarenta mjl cruz
~ssim, em junho de 1741, Alpoim apresentou as plantas que dava Manoel Francisco Lix. ª Me. Carapina".
e os Apontamentos para a obra que se pretende fazer por
conta da Real Fazenda em Vila Rica na casa forte" 83
Manoel Francisco Lisboa, natural da freguesia de Odive- 7,.
las 'arcebispado de Lisboa, tem ignoradas tanto a data de na -
m~smo local da casa de fundição, porém não mais com ~ apr~~ ci~ento como a época de sua chegada ao Brasil, onde viveu de
ve1ta!11_e nto da construção primitiva, já comprometida em suas 1747 a 1767. "Carpinteiro e Mestre das Obras Reais", sua
precanas paredes de pau-a-pique. Tratava-se enta-0 d contribuição à arquitetura setecentista mineira é das mais sig-
t · , , e cons-
TUir em pedra e cal um~, verdadeira fortaleza, inclusive com nificativas , não só como construtor mas como autor de "ris-
baluart~s, e para a ~~ai J~ se tinha armamento. Os " aponta- cos". Falecendo em Vila Rica em 1767, participou de inúme-
mentos - o~ espec!ficaçoes --:-- de Alpoim reportam-se, aliás, ras das principais obras do Barroco Mineiro como as Matrizes
.~!oda a termmologia da arqmtetura militar, inexistente nas de Antônio Dias e do Pilar, Capelas de Santa Efigênia e do
Mmas embora comum no litóral. .
Carmo em Ouro Preto, onde fez também pontes, chafarizes e
, Dentro deste pa:tido, t~u-e incluía os .principais elementos obras civis e oficiais trabalhando, ainda, em Ma.riana, Catas
i;las fortalezas, Alpo1m efetivamente aproveitou as condições Altas Caeté e Pitangui. 87 Seu filho natural Antônio Fran-
d~ ter~eno e, de forma exemplar, deu à praça principal de cisco Lisboa, o Aleijadinho, teria aprendido com ele as técni-
VIia Rica um. menumento à autoridade da Coroa Portuguesa. cas com que, mais tarde, traduziria sua genialidade. i
--.. 1

(80) Lopes, Francisco Antônio. Op. clt., p. 11.


(81) Corona & Lemos. Op. cit. , p. 404. (84) Lyra Tavares, Aurélio. Op. cit., p. 158-9.
(82) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 16. (85) Martins, Judith. Op. cit., v. l , p. 23-7.
(83) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 17. (86) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 18.
(87) Martins, Judith. Op. cit., p. 381-90.
197
BARROCO MINEIRO
196 SUZY DE MELLO

Com o prazo da construção da Casa dos Governadores


fixado na arrematação em dois anos e contandó com os recur-
sos da Real Fazenda para seu financiamento, as obras princi-
pais teriam sido terminadas em torno de 1744 embora os re-
gistros sobre os acabamentos sejam datados de 1746 e a pin-
88
tura concluída em 1748.
O primeiro governador a habitá-la foi o responsável por
sua construção - Gomes Freire de Andrade, Conde de Boba-
dela - e esta funcionou como palácio até a mudança da capi-
tal para Belo Horizonte, em 1897. Entretanto, desde 1760 so-
freu reformas, que alteraram os baluartes da parte posterior e
introduziram várias modificações.
Apesar da sobriedade de suas linhas tinha um programa
complexo, com salão, cavalariças, alojamentos para guarda,
capela, dormitórios e dependências de serviço, dispondo ainda
de água encanada. 89 Nas especificações da pintura, há refe-
rências à representação das armas reais em forros bem como a
delicados arremates. 90 Também sua portada, em bela canta-
ria do Itacolomi, é resolvida com elegante composição.
Apesar das alterações que a construção sofreu ao longo
do tempo, mudando sensivelmente sua volumetria original, é PLANTA DO ANDAR NOBRE - - escola 1/750
fácil verificar que, ao contrário do Paço do Rio de Janeiro, a
Casa dos Governadores das Minas é muito bem proporcio-
nada, funcionalmente resolvida e muito bem implantada so-
bre a praça que, com sua austeridade e solidez, ela. domina.
Constituindo um dos mais significativos exemplos da arquite-
tura do poder português no setecentos, a grande residência
oficial completa e enfatiza o belo cenário barroco da principal
vila do ouro.

" '

Casas
!
de,, :Jntendêncfa
,,
e Fundição
~ A Coroa Portuguesa teve, sob sua direta responsabilidade
e-espalhados por"todo o território brasileiro, diversos tipos de
construções que visavam à manutenção do seu poderio na co-

(88) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 36.


(89) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit. , p. 28.
(90) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 25.
199
198 suzy DE MELLO BARR MIN IRO

lônia, principalmente os que se ligavam à arquitetura militar


como fortes , fortalezas, quartéis e casas da pólvora. Nas Minas,
se não foram edificados fortes , inúmeros quartéis existiram nas
vilas do ouro não sendo, porém , construções de maior interesse.
Entretanto, dada a especificidade da economia do ouro e
a desmedida ambição dos portugueses, proliferaram aqui tan-
to as Intendências quanto as Casas de Fundição, sendo incon-
tável a documentação existente sobre a severa fiscalização
exercida pelas últimas.
As Intendências tinham atribuições fiscais de âmbito
mais geral, visto que os impostos eram cobrados sob todas as
formas, inclusive as de pedágios em caminhos apenas carroçá-
veis. A elas, para garantir maior rigor na coleta do quinto do
ouro - o imposto devido ao rei de Portugal e equivalente a
20% do metal obtido - juntaram-se as chamadas Casas de ru~
PAV. SUPERIOR
PAV. TÉRREO _ _ escola 1/400
Fundição.
Segundo Washington Albino,91 a própria seqüência da
criação oficial das vilas do ouro, iniciada em 1711, teve mais a
finalidade primordial de fiscalização do que um genuíno inte-
resse dos colonizadores na estabilização e no desenvolvimento
dos primeiros arraiais. Assim, com o natural crescimento dos
povoados e de suas atividades comerciais era imprescindível
um maior e mais completo esquema fiscal, baseado principal-
mente nas Casas de Intendência e Fundição que, nas Minas,
também podem ser reunidas em uma única edificação.
Ainda que, desde 1719, existissem ordens régias proi-
bindo a circulação do ouro em pó ou "de qualquer outra qua-
lidade" nas Minas, uma carta do rei ao governador, datada de
fevereiro de 1730, explicita e reforça a recomendação determi-
nando "que, em todo o destricto dessa Capitania, corra so-
merifé o 'ouro em barra, que for triarcado na Casa da fundição,
e a pioeda lavrada"nas Cazas dellâ", havendo exceção apenas
para!os mineirq~ (ou ajnerador,es) "por lhes sé'r precizo juntar
o que tirão das lavras, para com mais comodidade o levarem a
92
Caza dã FundiÇão" . . ,. •
Foi nessa época, portanto, que para maior controle da
arrecadação dos chamados "dízimos reais", o Conde de As-

(91) Albino de Souza, Washington Peluso. Op. cit., p. 66.


(92) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 58. Casa de Intendência e Fundição - Sabará.
200 llAHH ' > MINl llRO 201
SUZY DE MELLO

sumar - atendendo a instruções da Coroa - "publicou uma sos dias apesar de algum as dl 1' 11: N - t a de Sab a~ , atual-
proc~a~ação, no ?ia 18 de julho de 1719, anunciando que as mente abrigando o Museu do 11 1 n1 ntado , aliás, para re-
fundiçoes que deviam receber o ouro e retirar o quinto seriam criar os ambientes do sécu VIH . 1' lus suas próprias pro-
abertas no dia 23 de julho do ano seguinte, em Vila Rica porções e por sua situação a av li r l ltl vila, é uma edifica-
Sabará,: São João del Rei e Vila do Príncipe". 93 Foi essa or~ ção imponente, ainda que mant nh t l · mposição formal
dem, ahás, que deu início à série de tumultos que culminaram singela e elegante dos sobrados min ·li' s.
c~m o levante de Felipe dos Santos e depois sua cruel execu- A documentação sobre a constru • muito escassa, sen-
çao. do, porém, considerada como obra d m slr de campo Faus-
A ~uspensa a medida por certo tempo, para se acalmarem tino Rebelo Barbosa que, em 1731 , afirmava l -ta feito às suas
o~ ~mmos, n~vamente voltaram a funcionar as Casas de Fun- custas. Como em 1735 foi estabelecida a lnl n (": n ia na Vila
diçao, a P~~hr de 1722, sendo que, em 1735, passou a ser Real de Sabará, é bastante provável que se trat~ ss d mesmo
cob~ad~ ª,, Jaxa d~ Capitaçã~ dos Escravos e o Censo das sobrado, possivelmente ampliado e reformad panl abrigar,
In~ustnas : . amphando ao maximo as taxações fiscais. Mas no térreo, os serviços fiscais , e, no pavimento superi r, a resi-
o sistem~ f?i abolido em 1751 com o recrudescimento das Casas dência do Intendente.·,
d~ ~undiçao e o .estabelecimento de uma arrecadação anual Estruturado em madeira, como usual, o sobrado tem pa-
mmima, sem cuja obtenção seria aplicada a terrível "der- redes mistas em adobe e taipa. Por sua situação no alto do
ram~", ou recolh~~ento compulsório e geral do imposto de- chamado M~rro da Intendência, em amplo terreno de es-
termmado, como Ja visto. quina, apresenta urna solução muito peculiar, alinhando-se
.~ t~ntas medidas fiscais, muitas repetitivas ou quase con- no arruamento em sua parte mais ampla e assobradada mas
~raditor~as, correspondeu o envio à região das Minas de um com entradas laterais para os dois pavimentos abrindo-se em
mcalculavel_número de funcionários burocratas, responsáveis um amplo pátio, elemento que é pouco comum nas constru-
pela e~ecuçao da co~plicada política da Real Fazenda, entre ções urbanas . Também original é a ocorrência de um segundo
os quais provedores, mtendentes e escrivães, que trabalhavam pátio, ao fundo, que - por meio de uma agradável varanda
nas Casas de Fundição e Intendência. - estabelece uma Clara diferenciação entre as áreas sociais e
. Mas ainda que os sistemas de cobrança dos i~postos va- de trabalho das destinadas aos dormitórios e serviços. Nos de-
na~sem, ~s C:asas de Fundição permaneceram como centros mais aspectos, a planta segue as soluções longitudinais com
de i?1portancia nas vilas do ouro, tanto que, também em 1730, corredor, geralmente adotadas na época.
o rei ord~nou novas coi:istruções para tornar menos trabalhoso Mas a duplicidade de funções é ainda mais evidente e
~ recolhimento do qumto em locais distantes das que exis- curiosa nos acabamentos, mais requintados nas áreas sociais,
tt~Iil',' recomendando que para ',' dar remédio a estes inconve- que certamente serviam também para atendimento oficial
n~el}tes, em fo~m~; que os d.os. íiilneiros tenhão toda a como- mais categorizado. Assim, o forro da sala principal é armado
didape pa. '!mqtar o seu ouro-,tse edifiquem, estabeleção com em painéis (ou "de gamela") e tem pinturas alegóric8;S repre-
brevi.d:;. poss1vel, a custa da fazenda real, mais alguas cazas de sentativas dos quatro continentes até então conhecidos e, no
fundiçao, nas ; Comarcas mais distantes, como já houve em campo central, as armas reais. Nas demais peças, os forros vão
outro tempo". 5 · "' sendo simplificados, variando entre as tábuas lisas e planas
De todas ~~Casas de Fundição que existiram nas Minas (conhecidas como "saia e camisa") até as simples esteiras, ou o
setecentistas, ª-mais in~ssante ·_ e que permanece até nos- barroteamento à vista em áreas de serviço. Com os pisos ocorre
o mesmo, sendo usados seixos rolados nos setores menos nobres
e tabuado corrido para os cômodos de maior importância.
(93) Boxér, C. R. Op. cit., p . 175.
(94) MendesJr., Antônioeta/ii. Op. cit., p.239.
A fachada, na proporção retangular do maior gosto sete-
(95) Lopes, Francisco Antônio. Op. cit., p. 5..7. centista, é resolvida com severa disposição das janelas: de
202 SUZY DE MELLO

verga reta e robustos balaústres torneados, no térreo; e rasga-


das por inteiro, com sacadas de madeira, no pavimento supe-
rior. O amplo telhado, com elegante inclinação e largos bei-
rais ritmados pelos "cachorros", completa o aspecto ao mes-
mo tempo nobre e singelo do belo sobrado tão mineiro mas
que, curiosamente, apresenta uma adaptação de solução ob-
servada por Sylvio de Vasconcellos na região da Extremadura,
em Portugal. 96
Outras Casas de Fundição e Intendência das vilas do ouro
ou se perderam ou foram muito descaracterizadas, não ofe-
recendo a integridade e o interesse do exemplo de Sabará.
Entre elas pode ser citada a de São João del Rei, adaptada no
século XIX para residência do Barão de Itambé e, portanto,
bastante modificada. A paisagem urbana
O mesmo ocorreu com a Casa da Intendência do antigo
Arraial do Tijuco que, construída entre 1733 e 1735, é um
vasto sobrado feito com técnicas mistas de taipa. Destinado a
sediar a Intendência dos Diamantes, tem nobre localização ... "lavrar líquidas fontes,
em esquina da praça Santo Antônio onde se destaca por seu Que vomitão delfins, e régias pontes,
volume e pela inusitada movimentação e leveza dadas à fa- Que se hão de sustentar sobre a firmeza
de grossos arcos da maior riqueza. "
chada pelo grande número de janelas. Reformado entre 1752
e 1761, sofreu várias modificações, desde o século XIX pelo Cláudio Manoel da Costa ( 177 )
que pouco resta de sua planta original, funcionando atual-
mente como Prefeitura Municipal de Diamantina.
Ainda no Tijuco, a antiga Casa do Contrato dos Diaman- A paisagem das vilas do ouro, constituída em sua volu-
tes liga-se ao sistema da contratação, cuja vigência terminou metria mais evidente pelo harmonioso casario, pelas belas ma-
em 1771. Abrigando hoje o Palácio Arquiepiscopal, teria uma trizes e capelas e por alguma construção de porte que abrigava
planta muito interessante, infelizmente também descaracteri~ os representantes do poder português, foi também enriquecid.a
zada. Mas suas amplas dimensões e privilegiada localização com requintados exemplos do que atualmente se pode classi-
,,em esquina mostram ainda o seu indiscutível significado para ficar como equipamento ou mob~liário urbano: as pontes eJ
o Distrito Diamantino na época. . principalmente, as fontes e chafarizes.
Assim,.~ êstas - e inÓmeras outras construções infeliz- Se as pontes são às vezes pouco notadas pelos transeuntes
'. mente per,d idas - indicai claramente a constante presença da ,-. distraídos de hoje,_ns chafarizes - de menor porte e quase
autoridade p,ortuguesa, opressora, ambiciosa e implacável mas o/ sempre parietais, isto é, incluídos _em um pano de parede -
q~e também se,Jntegrou na bela paisagem barroca das Minas com freqüência passam despercebidos a um observador me-
setecentistas, erguendo os magníficos símbolos que constituí- nos atento. São, entretanto, composições da maior significa-
ram a arquitetura do poder português nas vilas do ouro. ção na época colonial e que não apenas apresentam !odo o vo-
cabulário formal do barroco em adaptações tanto fehzes quan-
to originais como seguem, nas Minas, soluções muito mais
livres do que as adotadas no litoral.
(96) Vasconcellos, Sylvio de . Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial,
1968, p . 112·15. ' No Rio de Janeiro, principalmente, os chafarizes são re-
solvidos também "com régua e compasso", inserindo-se em
202 SUZY DE MELLO

verga reta e robustos balaústres torneados, no térreo; e rasga-


das por inteiro, com sacadas de madeira, no pavimento supe-
rior. O amplo telhado, com elegante inclinação e largos bei-
rais ritmados pelos "cachorros'', completa o aspecto ao mes-
mo tempo nobre e singelo do belo sobrado tão mineiro mas
que, curiosamente, apresenta uma adaptação de solução ob-
servada por Sylvio de Vasconcellos na região da Extremadura,
em Portugal. 96
Outras Casas de Fundição e Intendência das vilas do ouro
ou se perderam ou foram muito descaracterizadas, não ofe-
recendo a integridade e o interesse do exemplo de Sabará.
Entre elas pode ser citada a de São João del Rei, adaptada no
século XIX para residência do Barão de Itambé e, portanto,
bastante modificada.
O mesmo ocorreu com a Casa da Intendência do antigo
A paisagem urbana
Arraial do Tijuco que, construída entre 1733 e 1735, é um
vasto sobrado feito com técnicas mistas de taipa. Destinado a
sediar a Intendência dos Diamantes, tem nobre localização . . . "lavrar líquidas fontes,
em esquina da praça Santo Antônio onde se destaca por seu Que vomitão delfins, e régias pontes,
volume e pela inusitada movimentação e leveza dadas à fa- Que se hão de sustentar sobre a firmeza
de grossos arcos da maior riqueza. "
chada pelo grande número de janelas. Reformado entre 1752
e 1761, sofreu várias modificações, desde o século XIX pelo Cláudio Manoel da Costa ( 1773)
que pouco resta de sua planta original, funcionando atual-
mente como Prefeitura Municipal de Diamantina.
Ainda no Tijuco, a antiga Casa do Contrato dos Diaman- A paisagem das vilas do ouro, constituída em sua volu-
tes liga-se ao sistema da contratação, cuja vigência terminou metria mais evidente pelo harmonioso casario, pelas belas ma-
em 1771. Abrigando hoje o Palácio Arquiepiscopal, teria uma trizes e capelas e por alguma construção de porte que abrigava
planta muito interessante, infelizmente também descaracteri~ os representantes do poder português, foi também enriquecid_a
zada. Mas suas amplas dimensões e privilegiada localização com requintados exemplos do que atualmente se pode classi-
,,em esquina mostram ainda o seu indiscutível significado para ficar como equipamento ou mob~liário urbano: as pontes eJ
o Distrito Diamantino na época. : principalmente, as fontes e chafarizes.
Assim, ~stas ...:.... e iní'.lmeras outras construções infeliz- Se as pontes são às vezes pouco notadas pelos transeuntes
mente per,d idas :.. .__ indicai claramente a ~onstante presença da , - distraídos de hoje,_ns. chafarizes - de menor porte e quase
autoridade portuguesa, opressora, ambiciosa e implacável mas o/ sempre parietais, isto é, incluídos _em um pano de parede -
q~e também 'se.J.ntegrou na bela paisage~ barroca das Minas com freqüência passam despercebidos a um observador me-
setecentistas, erguendo os magníficos símbolos que constituí- nos atento. São, entretanto, composições da maior significa-
ram a arquitetura do poder português nas vilas do ouro. ção na época colonial e que não apenas apresentam todo o vo-
cabulário formal do barroco em adaptações tanto felizes quan-
to originais como seguem, nas Minas, soluções muito mais
livres do que as adotadas no litoral.
(96) Vasco_ncellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial,
1968, p. 112-15. ~.• No Rio de Janeiro, principalmente, os chafarizes são re-
'1;. solvidos também " com régua e compasso" , inserindo-se em
BARROCO MINEIRO 205
i04 SUZY DE MELLO

uma disciplina formal de nítido gosto clássico. Dentro destes é o da Praça do Carmo, de Valentim, em gnaisse (pedra de
parâmetros há sempre uma evidente preocupação na disposi- galho) com as faces ondulantes, duas delas em curvas e con-
ção dos elementos que são limitados a um mínimo de movi- tra-curvas, cunhais cilíndricos com bossagem, bacias conchea-
mentação. Estas limitações incluem formas mais contidas e das de vigoroso modelado, soberba cornija barroca de perfil
uma organização menos livre dos seus componentes usuais tais amplo e bem lançado com perfilados e pregueados - os quais
como cartelas, pinhas, motivos heráldicos, bacias e bicas, en- conjugados à delicadeza do lioz nas platibandas de balaústres
tre os mais comuns, compostos quase como nos frontispícios (postas em moda no Palácio de Queluz e já prenúncio do Neo-
de capelas. classicismo) e na preciosa cartela rococó onde se vêem as ar-
A par destas características formais, um outro aspecto é mas de D. Luiz de Vasconcellos - , atingem magistralmente a
2
evidente: o uso de materiais de maior nobreza, como o lioz, aliviar o peso do gnaisse".
o mármore e o gnaisse. Em combinações ou usados isolada- Considerando-se ser este chafariz um dos mais elabora-
mente, lisos ou apicoados em seu acabamento final, essas pe- dos do Rio de Janeiro e de autoria de um notável artista como
dras têm, quase sempre, uma coloração mais escura, que au- Mestre Valentim, trata-se quase de uma exceção - pela ela-
menta o peso das composições e as torna bem mais estáticas e borada composição entre soluções mais rígidas como a do
solenes. Chafariz da Glória, mandado edificar pelo Marquês de La-
Por outro lado, o lioz e os mármores eram enviados do vradio e inaugurado em 1772, com seu frontão de mármore
Reino e, em muitos casos, já em peças especialmente "fabri- com curvas contidas e tanques de perfis retos.
cadas" - como se dizia na época - para colocação em um Nas Minas, pelo contrário, sobressaem os exemplos por
determinado chafariz, como ocorreu no caso da fonte da an- sua maior liberdade e pelo uso dos materiais locais. Assim
tiga Praça do Carmo, para a qual vieram de Portugal, em como não chegavam às vilas do ouro blocos ou peças de már-
174 7, o projeto feito pelo engenheiro Carlos Mardel e não só more e lioz, também o gosto da Metrópole e os modismos da
"apedraria, os arcos e o revestimento interior para o subter- Corte de Lisboa não as atingiam com a força com que se dava
râneo como ainda as peças de mármore lavradas em Lisboa" .
1
no litoral. Portanto, os chafarizes seriam resolvidos com a lin-
Assim, a prevalência do gosto português no Rio de Ja- guagem formal barroca - de maior familiaridade dos mestres
neiro era não só determinada pela importação de elementos já portugueses aqui instalados - e sem a introdução de elemen-
prontos e de materiais construtivos - que por si próprios ten- tos neoclássicos. Repetia-se nos frontões dos chafarizes minei-
dem a estabelecer modismos - como por projetos vindos da ros a agradável combinação das alvenarias caiadas com a pe-
Metrópole que reforçavam mais ainda as naturais e diretas dra como ocorrera nas construções religiosas, sendo obtidos
influências de além-mar nas áreas litorâneas. os ~esmos belos e singelos contrastes. E como as pedras mais
,, .Mesmo no final do setecentos com a atuação destacada usualmente preferidas eram de cor clara - acinzentadas ou
de Mestre Valentim da Foriseca e Silva· nas obras de talha amareladas-, os conjuntos destacam-se por sua excepcional
religiosa e na t omposição de .c.hafarizes e fontes do Rio, onde leveza. ·
sé notam b~las soluções vinculadas ao vocabulário rococó, é Estas características, porém, não diminuíam a erudição
possível observar a introdução de elementos de gosto neoclás- das composições, antes a acentuava, enfatizando, ao mesmo
sico. .,. tempo, sua maior liberdade e sua indiscutível originalidade,
Paulo F. Santos, ao descrever o novo chafariz do Carmo, principalmente nos chafarizes da antiga Vila Rica.
resume com exatidão estas influências: "O mais belo chafariz Ainda que se tornando pequenas obras de muito engenho
e arte, a função primordial das fontes e chafarizes é, natural-

(1) Noronha Santos. "Fontes e Chafarizes do Rio de Janeiro". Revista


SPHAN(lO), Rio de Janeiro, MES, 1946, p. 18._ (2) Santos, Paulo F. Op. cit. , p.38.
206 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 207

mente, a da distribuição da água nas vilas, onde eram raras central, ofereciam aprazíveis locais par.a descanso e conversa. - (
ou inexistiam redes de canalização domiciliar. Assim é que as pontes quase sempre mcluem bancos e, e1? ~
No Brasil-Colônia, apesar de toda a precariedade dos ser- algumas, a parte central é alargada para sua me.lhor e mais
viços públicos, era grande a preocupação com a água, "neces- ampla colocação, o que lhes dá um aspecto particularmente
sária a todo instante" e que, segundo as reivindicações sete- agradável e acolhedor.
centistas, "deveria chegar a lugar mais proporcionado e me- As pontes dispunham de cruzeiros na parte central de sua
nos trabalhoso". Por isso, eram as Câmaras autorizadas a fi- amurada, no geral em cantaria finamente trabalhada e po-
nanciar a construção de chafarizes com suas rendas próprias diam também os~entar cartelas com ~nscrições referentes.à sua
construção ou, amda, as armas reais em escudos de cmdada_
.J
havendo mesmo alguns poucos diretamente pagos pela pouco
liberal Coroa Portuguesa. Mas a maioria era custeado por execução.
acréscimos nos impostos e ainda por doações de particulares. Suas especificações construtivas eram muito detalhadas,
A importância dos chafarizes pode também ser indicada não só para garantir uma completa segurança das obras como
pelos seus requintados projetos e pelas detalhadas e cuidado- para assegurar a elegância do desenvolvimento de seus arcos,
sas especificações quanto à sua edificação. Portanto, não seria que podiam ser plenos ou abatidos. Executados em pedra,
fato invulgar o envio de Lisboa do desenho do Chafariz do incluíam o uso de "gatos" de ferro, que são ganchos usados .
Carmo, no Rio de Janeiro, ou o "risco" de outros, nas Minas, para a união de pedras, 4 visando sempre a maior "seguranç.a
e perfeição". Freqüentemente, as especificações também, ex~­
5
por mestres consagrados como Manoel Francisco Lisboa.
Porém, na paisagem urbana colonial do Brasil, os cha- giam a edificação de paredões de proteção contra possiveis
farizes teriam outra função, constituindo-se como centros de deslizamentos nas margens e, também, a execução de calça-
convivência social direta e espontânea na vida setecentista, mentos de relativa extensão em continuação ao próprio piso
embora em alguns casos com certo tumulto, como observou o da ponte. . , .
viajante inglês John White, em 1787, no Rio: "o chafariz era o As pontes de pedra substituíram antigas e precanas es-
rendez-vous das rixas e, por este motivo, a cada passo, acudia truturas de madeira ou até mesmo simples pinguelas na me-
a guarda do palácio do Vice-Rei, a distribuir tabefes e pran- dida em que as vilas se estabilizavam e sua localização se com-
3
chadas, com visível prazer". Mas como se tratava, então, do provava de interesse para a população-, As Câmaras se respo~ ­
velho Chafariz do Carmo, próximo a um movimentado cais e sabilizavam pela solicitação dos projetos aos mestres ...ma.is
em frente ao Paço, seria certamente muito freqüentado por conceituados e, depois, pela realização de uma concorrencia
truculentos marinheiros. pública para a construção. Esta era vencida. pela proposta .de
Nas Minas os chafarizes seriam centros de reuniões mais valor mais baixo, porém o construtor deveria apresentar fia-
amenas, com lavadeiras, escravos e aguadeiros (vendedores de dores e se responsabilizar pela obra até o prazo de um ano e
água a domi~>ílio) bem cnm':o; os homens que por ali faziam um dia após sua conclusão. Os pagamentos eram feitos, geral-
negócios mente, em três parcelas: a primeira paga no iníci_o, a segunda
. d de,J escambo enquanto
, J
os animais de sela matavam
na metade e a última no término dos trabalhos, após "exame
sua se e em tanques propnos. 6
- Se os •chafarizes se integraram na vida das vilas e nelas por peritos sob juramento" ou "louvados" para se garantir o
funcionavam ·como marcos, além de atender à distribuição da completo atendimento das especificações e do "risco" do pro-
í água, também as pontes se constituíram em pontos de convi-
~ vência urbana, pois não só permitiam a segura travessia de
córregos e ribeirões como, dispondo de bancos em sua parte
1r< ;b (4) Corona & Lemos. Op. cit., p. 239 .

<
(5) Feu de Carvalho. Pontes e Chafarizes de Vi/la Rica de Ouro Preto . Belo
Horizonte, Edições Históricas, 1936, p. 18.
(3) Noronha Santos. Op. cit., P: 22. ·, (6) Feu de Carvalho. Op. cit., p. 18.
BARROCO MINEIRO 209
208 SUZY DE MELLO

jeto. Em certos casos, era ainda prevista a construção, pelo O frontispício tem sempre composições de vocabulário
arrematante, de uma "ponte provisória de madeira, como me- próprio e, tanto nas mais simples quanto nas mais elaboradas,
lhor lhe parecesse, para o povo passar por um dos lados en- são lateralmente arrematadas por cunhais enquanto que sua
quanto se não acabasse a ponte de pedra".
1 ' terminação superior inclui, em geral, cruzes e escudos com as
As arrematações, ou concorrências, para a construção armas reais, além devolutas, pinhas, pirâmides, coruchéus e
das pontes estabeleciam também prazos para a entrega da outros elementos arquitetônicos de coroamento. Quase sem-
obra, em geral de um ano para as pontes maiores, quando a pre apresentam cartelas com dizeres em_ l_atim ou _em portu-
responsabilidade pela sua solidez podia ser estendida a até guês, que registram a data e a responsab:hdade pela const:u-
três anos. Apesar de todas estas cláusulas, um termo de arre- ção - sempre do rei ou do Senado da Camara. Nas soluç_oes
matação já realizado podia ser oficialmente transferido a ou- mais eruditas ocorrem volutas, rocalhas (ou conchas) e muitos
tro construtor assim como subempreitada sem maiores forma- outros elementos barrocos em disposição rica e dinâmica.
lidades, o que sucedia comumente. Os tanques e bacias são de pedra, sendo mais comumente
r Para os chafarizes.eram seguidos os mesmos procedimen- chamadas de tanques as peças de perfis retos e bacias as que
y tos de arrematação e construção, embora as especificações tinham formas curvas além de um acabamento externo enri-
fossem mais complexas por incluírem a execução de canaliza- quecido com estrias e gomos caprichosamente entalhados na .
ções, desaterros, nivelamentos e calçamento de áreas próxi- pedra.
mas à obra. As canalizações eram detalhadas com cuidado e A água saía por meio de "bicas" de bronze, peças de
geralmente indicavam o uso de "telhões" ou telhas "bem ar- "graciosos movimentos" 11 e que, nos chafarizes de maior por-
8 9 te, podiam ser oito ou mais . Em outros, a água j?rrava através
gamassadas com cal e areia" ou "de canos de pedra", em-
bora haja também menção de canos de chumbo. : de "carrancas" ' ou uma "cara disforme esculpida em -pedra,Hl2
Como a água era recolhida principalmente d~ minas, ou madeira ou metal, usada como ornamento em construçoes .
nascentes, eram estas fechadas - à feição de caixas d' água - Nos chafarizes as carrancas eram usualmente de pedra, asse-
"por uma porta com portais, com a grossura de um palmo, melhando-se a cabeças de animais ou monstros fantásticos.
tudo de canella preta, sem branco algum, levaria uma fecha- Dentro, porém, das limitações construt~v~s dos ch_af~r~­
dura, feita no paiz, forte e grossa" 10 podendo ocorrer outro zes sua decoração alcançou no setecentos o apice da criativi-
depósito de água junto ao seu ponto de distribuição. dade e da riqueza, tornando-os - principalmente nas vilas d?
A execução dos chafarizes era igualmente cuidada, sendo ouro - marcos legítimos dá originalidade do Barroco Mi-
a cantaria muito bem aparelhada e ainda exigidos os "gatos" neiro, como tão exatamente resumiu Lúcio Costa em análise
de ferro para sua mais segura fixação, além do uso do betume que abrange todo o Brasil. .
para garantir melhor impermeabilização e depois dos alcatru- "Foi muito desigual o tratamento dado aos chafarizes, ou
zes (canos) de J?edra-sabão, em Vila Rica. bicas, nas cidades coloniais. Se em São Luiz, no ~aranhão,
, Porém sêus componentes de maior interesse são os que o seu adro rebaixado serve agora para demonstraçao de Bum-
éonfiguram 1 o chafariz propriamente dito·, que é constituído ba-meu-Boi, e em Goiás Velho o imponente chafariz da pra~a
pelo "frontispício", ou seja o paredão no. qual se inserem os triangular em aclive ainda funciona; se no Rio eles foram ~a­
"tanques" ou "b·a cias", para recolhimento da água que sai de rios, alguns arquitetonicamente valiosos, com? o do ant~go
"bicas" de bronze ou "carrancas" de pedra. Largo do Paço, onde à moda portuguesa o gramto se associou
ao calcário dê lioz, tal como também ocorreu no portão do

(7) Feu de Carvalho. Op. cit., p. 28.


(8) Feu de Carvalho. Op. cit. , p. 85.
(9) Feu de Carvalho. Op. cit. , p. 122. (11} Noronha Santos. Op. cit., p. 47.
(10) Feu de Carvalho. Op. cit., p. 92. (12) Corona & Lemos. Op. cit., p. 111.
210 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 211
Passeio Público e na igreja da Santa Cruz dos Miiitares obras
onde mestre Valentim deixou a sua marca _ em cidades im- trutura de pedra e um só arco central, ligava dois dos princi-
portantes como Salvador, Recife, Olinda, etc. _ foram de pais arraiais que formaram a vila, os Monssús e o Rosário
ce:to modo !11enosprezados, ao contrário do que sucedeu em Velho.
~mas Gerais, onde. avultam , principalmente na antiga Vila Em Sabará, que se desenvolveu mais para um dos lados
Rica, e por sua variedade e beleza contribuem, juntamente da confluência do Rio das Velhas com seu afluente, o Rio
com as13pontes, para tornar a cidade mais humana e acolhe- Sabará, não há exemplos de maior significação, porém, em
dora." São João dei Rei, cortada pelo Córrego do Lenheiro, duas pon-
tes de pedra que o atravessam são belas obras do final do
setecentos.
A mais antiga foi construída por iniciativa do Senado da
As pontes Câmara - como se dizia então - que, em edital de 15 de
novembro de 1797. ahria ··concorrência para a fatura de uma
uma nova ponte de pedra no lugar e Rua da Intendência, não
, Situad~s em encostas e próximas a ribeirões ou córregos, só pela ruína, e dano em que se acha a antiga como pelas 15
areas de ma10r ~o?centração aurífera, as vilas do ouro teriam, conseqüências previstas, que de poucos dias ameaçam".
quase sem~r~ , mumeras pontes que, inicialmente, se resumi- Este documento se referia a um acidente ocorrido no dia 2 de
ram a precanas construções de madeira . novembro do mesmo ano, quando a ponte ruiu com a passa-
. A p~rtir dos meados do século XVIII, porém, essas obras gem de uma procissão. Ainda no edital, a Câmara justificava
mais rudimentares são substituídas por estruturas em pedra e a prioridade dada a construção da chamada Ponte da Cadeia
cal , exe~utad~s com esmero e segurança, como foi visto. pela sua ligação com a rua da Intendência que era "sem dú -
Alem de mterligar as áreas urbanas, as pontes ofereciam vida a de mayor comércio e de mayor utilidade ao Público e
. . " . 16
- com ,se~s bancos ou assentos na parte central - tranqüilos aos Rea1s1ntereçes
e apr~z1ve1s espaços de convivência, adquirindo natural realce As obras foram arrematadas pelo mestre Joaquim Ber-
na pa~sagem das vilas mineiras o que se comprova pela sua nardes Chaves, em fevereiro de 1798, mas concluídas por Fran-
' 1
~e~çao em poemas de Cláudio Manoel da Costa e Tomás An- cisco de Lima Cerqueira , importante empreiteiro do século
tonio Gonzaga.
XVIII que trabalhara nas capelas do Carmo e de S. Francisco
Se~undo Salomão de Vasconcellos, 14 a primeira ponte de Assis em Vila Rica, no Santuário de Congonhas do Campo
constrmda em todo o território mineiro foi a Ponte de Manoel e tivera grande interferência na capela franciscana de São
R~mps, ~o~e _de seu construtor no ano de 1713, na antiga João dei Rei.
V~la do Ribeir~o do Carmo, atual Mariana. Mas, por ter sido A Ponte da Cadeia, às vezes chamada também da Inten-
fe~ta em madeira, sua denominação popular era Ponte das dência, tem três arcos abatidos e, em sua parte central, dispõe
Tabuas. Como no século XIX foi reedificado com pilastras de de "assentos", ou bancos , colocados linearmente"ao longo do
pedr a , ~o~ou o nome de Ponte Francisco Diogo, o presidente parapeito, que é encimado por um cruzeiro. De sóbria elegân-
da provmcia que<\. reformara.
cia e visível solidez, inclui paredões laterais nas margens do
Outra sólida ponte de Mariana é a da Areia em um dos córrego, existindo, em um deles, uma escada de lajes de pe-
extremos da Rua Direita, e datada de 1790. Co~ pesada es-

(15) Fundação João Pinheiro. Atlas dos Monumentos Históricos e Artísticos


(13) Costa, Lúcio. Op. cit., p. 25. de Minas Gerais. Circuito do Ouro - Campo das Vertentes. Belo Horizonte, ed.
(14) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit. , p. 57. interna, 1981, v. 2, p. 225.
(16) Fundação João Pinheiro. Op. cit. , p. 255.
212 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 213

dra, muito bem lançada, e da qual Sylvio de Vasconcellos en- De 1750 é a chamada Ponte do Padre Faria, junto à ca-
controu idêntica solução em Alcovo da Serra, na Extremadura pela do Rosário, com complexas especificações para estabe-
17
portuguesa. lecer seu nivelamento com o do adro da pequena ermida en-
Ainda em São João dei Rei e também sobre o Córrego do quanto que a Ponte do Ouro Preto data de 1756 e a Ponte da
Lenheiro, fica a Ponte do Rosário, cuja semelhança com a da Barra só foi erguida em 1806, para citar as principais.
Cadeia é evidente, como decorrência das suas próprias especi- Todas foram construídas com "pedra do Itacolomi" e
ficações. Arrematada em 1800 pelo Capitão Manoel Ferreira dispunham de cruzeiros, sendo previstos assentos nas mais
Leite, foi efetivamente construída por Francisco de Lima Cer- importantes. Apesar de suas elegantes soluções, maior desta-
queira para estabelecer uma ligação permanente entre a rua que deve ser dado à chamada Ponte de Antônio Dias, sobre o
do Rosário e a antiga rua da Prata e, também em pedra, tem córrego do mesmo nome.
três arcos sendo o central um pouco maior. Apesar das especi- Além de ter sido arrematada em 1755 por Manoel Fran-
ficações da Ponte do Rosário se reportarem sempre às da Ca- cisco Lisboa, responsável por muitas das principais constru-
deia como na indicação dos bancos laterais - "e fará asentos ções de toda a região, seu projeto é dos mais originais, pois a
18
de huma e outra parte como se praticou na ponte de baixo" área central se abre em curva, para incluir os assentos, for-
- o seu cruzeiro deveria ter haste mais alta e nas suas entra- mando um sólido paredão que é flanqueado por arcos laterais.
das foram previstas quatro "pirambulas" (peças ornamentais) Essa solução, bem diferente das demais e que tem sido atri-
sobre os parapeitos. buída ao próprio Manoel Francisco Lisboa, cria no centro da
Na vizinha Vila de São José dei Rei, hoje Tiradentes, a ponte um amplo e acolhedor espaço para amena convivência
Ponte das Forras, sobre o Ribeiro de Santo Antônio, feita em e, ligada ao triste romance de Marília de Dirceu e Tomás An-
alvenaria de pedra, tem três arcos plenos e foi construída no tônio Gonzaga, até hoje mantém um encantamento peculiar e
final do século XVIII. muito característico da mais famosa das vilas do ouro.
Mas seria em Vila Rica, sede da capitania das Minas e
cortada por numerosos córregos e ribeirões, que as pontes se
multiplicariam e seriam executadas com grande apuro tanto
• 1 no aparelhamento da cantaria como na elegância de seus ar- Os chafarizes
cos. Edificadas, em sua maioria, durante a administração de
Gomes Freire de Andrade - em meados do setecentos - fo-
ram custeadas pelo Senado da Câmara. Mas se as pontes marcaram com graça e elegância a pai-
A mais antiga é a Ponte de São José - ou dos Contos - sagem urbana setecentista das Minas, nela também os cha-
cu'.ia pequena extensão a limita a apenas um arco. Construída farizes iriam ter especial realce por suas composições tão va-
em 1744 por A11tônio Lei te E'squerdo, seu· primeiro risco não riadas e sempre belas, mesmo quando de maior singeleza. E
inéluía assentos, colocados porém com um: acréscimo de sua em Vila Rica também se concentrariam, superando duas de-
"' 1,~ r

.
largura executado no mesmo ano. zenas e englobando fontes menores. Entretanto não só a quan-
~A antiga Ponte
. do Caquende - atual· do Rosário - foi tidade mas a qualidade dos chafarizes da atual Ouro Preto
arrematada em 1753 por Antônio da Silva Herdeiro, mestre deve ser registrada, pois incluem igualmente obras de Antônio
pedreiro, e com parapeitos salientes apoiados em bem talha- Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
das peças de cantaria. · De um dos mais antigos chafarizes, erigido em 1724 no
Largo da Casa da Câmara, resta hoje apenas o auto de arre-
matação que mostra ter sido obra bastante simples. Mas ou-
(17) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 110.
tros, como o do Alto das Cabeças, no adro da Igreja do Senhor
(18) Fundação João Pinheiro. Op, cit., p-: 257.· Bom Jesus e São Miguel e Almas, arrematado em 1763 por
- - - --- ---- -- - - -

214 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 215

Francisco de Lima (que poderia ter sido Francisco de Lima as curvas e contracurvas de pedra, aplicadas sobre a alvenaria
Cerqueira, o conhecido mestre), são de agradável simplici- caiada, formando uma espécie de ampla moldura em cujo
dade em sua composição, que combina a cantaria de talha centro se destaca uma grande concha que se apóia em volutas,
singela com a parede caiada de branco, tendo dois peixes cru- das quais saem os canos da água. No seu coroamento, uma
zados, em pedra, como elementos centrais na decoração do forte cimalha se eleva, em planos sucessivos, sobre uma tarja,
frontispício e que funcionam como saídas da água. tendo três belas pinhas como terminação.
Como este, vários outros chafarizes - o do Rosário ou A tarja traz a seguinte inscrição em latim: "Is quae pota-
Caquende (1743), o do Quartel ou dos Cavalos (1746) e o do tum cole gens pleno ore senatum securit ut sitis nam facit ille
Caminho das Lages (sem data conhecida), para citar apen as si tis", cuja tradução é: "Povo que vais beber, louva saciado o
alguns - são singelos mas sempre de cuidada feitura e agra- Senado porque tens sede e ele a faz cessar". .
dáveis proporções. Além destes, há alguns - como o Chafariz Tendo sido sua construção arrematada em 1745 por João
da Rua Barão do Ouro Branco, de 1761 - que já se resolvem Domingues Veiga, um dos mais conhecidos mestres de Vila
com elementos barrocos mais rebuscados como pinhas e con- Rica, o Chafariz dos Contos tem a data de 1760, fato que pode
chas finamente entalhados na pedra do Itacolomi. E, por fim, indicar uma reforma posterior. Esteve parcialmente soterrado
há os que representam a exuberância das formas barrocas e foi "restaurado em 1935-1936, com restabelecimento do tan-
20
adaptadas com grande sensibilidade como ocorre com o Cha: que para cavalos provido de poiais", sendo poial um "as-
21
fariz dos Contos (1745). sento de pedra em muros":
Esta tipologia, ainda que esquemática, abrange todos os O outro chafariz de igual impacto e maior porte, em Vila
chafarizes das Minas setecentistas, cuja cor.1posição é resol- .fü.8t... é o de Antônio Dias, também denominado Chafariz de >
vida basicamente com o contraste da pedra e das paredes caia- Marília por estar situado nas proximidades da casa de Maria
das, seguindo bem de perto, aliás, as soluções dos frontispí - Dorotéia Joaquina de Seixas, a infeliz Marília de Dirceu.
cios das matrizes e capelas, em particular quanto aos cunhais Arrematado em 1758 por Manoel Francisco Lisboa, este
e aos arremates superiores. Em muitos são inscritas frases em chafariz tem situação privilegiada já que se inclui em um muro
latim que indicam.a erudição de seus projetistas, infelizmente amplo, na subida de uma encosta fronteira à Ponte de Antô-
não registrados nos autos de arrematação que consignam ape- nio Dias. Abrangendo toda a parede caiada, é organizado à
nas o responsável pela construção. feição de um cenário, no centro do qual se destaca uma grande
Em Vila Rica a grande maioria dos chafarizes foi erigida cartela de cantaria - que indui quatro carrancas de pedra,
também durante o governo de Gomes Freire de Andrade, que por onde jorra a água - emoldurada por fortes cunhais com
procurou dar à sede da capitania um novo impulso progres- volutas. Em cada lado dos cunhais, completando a parede,
sista. Entre os chafarizes feitos nesse período destacam-se os destaca-se a moldura, em pedra, de uma falsa janela, de arco
doi., mais not<\,veis da vila e ·trve se enquadram no último tipo. abatido e com arremate superior em forma de concha. A ter-
apresentando um vocabulário formal de . muito requinte e li- minação da parte central é f~ita com uma lev.e cimalha de
berdade. ' · cantaria sobre a qual são dispostos elementos curvos, sendo o
O Cl~afariz dos Contos, o.u de São fosé, é o de mais rica do centro uma concha estilizada e a bacia, arredondada, tem
composição e, sé'gundo Lúcio Costa, "impressiona por sua de- a parte externa recortada em gomos, com movimentação deli-
19
senvoltura plástica e robustez" . Embora sendo parietal - cada. Seu efeito cenográfico é dos mais diferentes e expressi-
ou seja, incluído em uma parede - sua composição adquire
um extraordinário relevo graças à movimentação que envolve

(20) Bandeira, Manuel. Op. cit., p. 93.


(19) Costa, Lúcio. Op. cit. , p. 25. (21) Carona & Lemos. Op. cit., p. 379.
216 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 217

vos, principalmente por não se inserir -nas soluções mais co- Considerando-se(!_~como s.ua mais p~ovável ~ata de
muns que se organizam à feição de frontispícios de igrejas. nascimento, Antônio Francisco tena apenas vmte e tres anos
Ainda em Vila Rica, um outro chafariz conhecido como quando o fez e, trabalhando com.o ~ai, j~ demonst~a sua s~n ­
do AltÜda Cruz do Padre Faria e que por seu dimensiona- sibilidade para inovações e sua md1scuhvel capac1~ade cna-
f;iento e características básicas pertenceria ao segundo tipo na tirn, podendo ter sido responsável ainda pelo projeto deste
classificação apresentada constitui, porém, um exemplo ex- "chafariz tal como o do Palácio dos Governadores". 25
cepcional. Erigido a partir de 1757, com risco e construção de Também Sylvio de Vasconcellos indica que houve um pe-
Manoel Francisco Lisboa, 22 apresenta composição mais tra- ríodo - entre 1752 e 1761, aproximadamente - "no qual
dicional, com os cunhais enquadrando o frontispício caiado Antônio Francisco interessou-se por chafarizes. O primeiro
de branco e sobre o qual se destaca uma cartela reta, arrema- deles, do Palácio dos Governadores, é de 1752 e o do Alto da -
tada no centro por uma concha, e que contém três carrancas 26
Cruz ê<leT757-1761" pelo que poderia ter sido feita, nesta
em pedra. Seu tanque é reto mas, na parte superior, é termi- mesmâ epoca, outra obra de concepção muito original de An-
nado em curva formada por volutas. Esse frontão é limitado tônio Francisco: o Chafariz da Samaritana, em Mariana,..
por uma leve cimalha de pedra e completada por uma outra "Muito mais inspirado em modelos renascentistas do que
voluta. Logo acima ergue-se um belo busto feminino em pe- barrocos, este chafariz afasta-se do partido arquitetônico 'à
dra-sabão, datado de 1761. feição de frontispício de capela', sistematicamente ~dotado
-- Trata-se de solução não só surpreendente quanto única, por construções similares, para resolver-se em _um pamel re-
\ visto que cruzes, escudos, volutas e pinhas constituíam os ele- tangular, no 'qual se inserem as figuras de Cnst? e de uma
mentos usualmente adotados para o coroamento dos chafari- mulher ao lado de uma cisterna. Ao fundo, uma arvore, duas
'- zes. Porém, mais significativa é a atribuição da autoria do figuras e um perfil urbano. Cristo e a mulher de Samaria se
busto a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Inicialmen- mostram jovens, tranqüilos, com feições apolíneas e, não fora
te levantada por Lúcio Costa, foi firmem_ente corroborada por sua conotação bíblica; o relevo poderia ser interpretado como
Sylvio de Vasconcellos que o considera também como um dos representando romantica cena pas t ora1. "27
A •

"primeiros trabalhos escultóricos regionais executados em Esta bela composição, antigamente situada em frente ao
23
pedra-sabão" . Palácio Episcopal de Mariana, encontra-se hoje incorporada
Ainda em relação ao busto, lembra Sylvio de Vasconcel- ao acervo do Museu Arquidiocesano, instalado na imponente
los que não teria sido de autoria de Manoel Francisco, muito Casa Capitular daquela cidade.
conservador em suas soluções mas sim de seu jovem e impe- Os demais exemplos de Mariana - como o pequeno Cha-
tuoso filho, Antônio Francisco, influenciado por João Gomes fariz d; São. ed o e o Chafari de São Francisco - enqua-
Batista e pelas suas idéias quanto ao "pensamento iluminista dram-se nos modelos setecentistas, não oferecendo aspectos
de Pombal", cujas tendências;:eram muito . mais humanistas de maior originalidade.
do que místicas. • :• Em Sabará, onde restam poucos chafarizes, apresentam-
1"0 busto po Chafariz do Alto da Cruz -c orresponde per- se estes comleitura menos erudita que os da Vila Rica, ocor-
feitamente a este humanismo que, superando as já esgotadas rendo menos os agradáveis contrastes das esculturas em pedra
concepções barrocas, antecipa o caráter mundano do rococó e sobre a alvenaria branca. Com soluções mais simples, como a
24
o espírito racionalista do neoclassicismo." do Chafariz do Ca uende, construído em 1757 e atribuído aos
pe reiros João Duarte e José de Sousa, iiãotem maior liber-
(22) Vasconcellos, Sylvio de. Vida e · Obra de Antônio Francisco Lisboa, o
Aleijadinho. São Paulo, Cia. Ed. Nacional; Brasília, INL-MEC, 1979, p. 121. (25) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 39.
(23) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 40. (26) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 42.
(24) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 41. (27) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 41.
218 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 219

dade de composição resumindo-se sua cantaria no tanque ciamento para lavadeiras que muito se assemelha ao de Tira-
reto, nos cunhais lisos, na cimalha perfilada e nas bicas sim - dentes.28
ples. Apenas se destaca, no centro do frontispício, um escudo Nas demais vilas do ouro, os chafarizes se resolvem com
de belo desenho enquanto que o arremate superior, em alve- maior simplicidade, tanto na composição quanto no uso dos
naria caiada, inclui singelas volutas, alguns pináculos e uma materiais, como no chafariz do Largo do Rosário, em Dia-
pequena cruz. mantina, que, embora em pedra, tem linhas contidas e evi-
Como exceção, porém, destaca-se o Chafariz do Rosário, dente tendência neoclássica. Neste está gravada a data de 1787
de 1752 , construído em outro local da Vila Real de Sabará e e a inscrição 'Governando o llmo. e Exmo. Snr. Luis da Cu-
depois transferido para a Praça do Rosário. Com duas carran- nha Menezes". Aliás, a disciplina neoclássica iria prevalecer
cas de pedra, seu frontispício tem um arremate robusto e de em diversos outros chafarizes, como no da Câmara, também
·composição erudita, que, em talha de excelente feitura, inclui no antigo Arraial do Tijuco, e em vários exemplos de São João
volutas e elementos curvos com dinâmica disposição. Termi- dei Rei que, construídos principalmente no século XIX, mui-
nado por bem talhada cruz, dispõe ainda de um rico escudo tas vezes substituem os mais antigos, naturalmente desgasta-
encimado por uma coroa com forte relevo. dos pelo uso constante.
Já em Tiradentes, na antiga Vila de São José dei Rei, o Ainda assim, restam nas Minas muitos e belos chafarizes
Chafariz de São José e Serra é também exemplo de solução setecentistas que até os nossos dias enriquecem e amenizam a
única, tanto nas Minas como no Brasil. Embora sendo do tipo paisagem das vilas do ouro.
parietal, agencia em seu entorno uma área murada e com ban-
cos de pedra, que é protegida por blocos de cantaria contra a
entrada de cavalos ou animais de maior porte. Esse amplo
espaço, quase à feição de pátio, é calçado por lajes e até hoje
funciona como um local para longas e tranqüilas conversas.
Situado fora do centro, mas de fácil acesso, o chafariz é ali-
mentado, através de canos de pedra, por nascentes puras da
Serra de São José que, bem próxima, completa com seu belo
recorte o pais:igismo natural do entorno.
O Chafariz de São José tem a data de 1749 e seu frontis-
pício caiado é contido por cunhais de pedra com volutas que
se repetem na parte superior, arrematada por uma cruz. Uma
pequena cimalha, com o centro em curva, define o frontão no
qual se inserem 'as armas portuguesas, em pedra. Logo abai-
xo, incluído na curva da cimalha, foi embutido um oratório
com a imagem de São José de Botas, detalhe também inédito
em composiçõe_s d~ gênero nas Minas. O tahque, em cuidada
cantaria, é resolvido com curvas e contracurvas que resultam
em agradável movimentação, sendo a água distribuída por
três carrancas de pedra. Na parte posterior do frontispício,
além de depósitos para água, existem ainda tanques para uso
dos animais.
Curiosamente, Sylvio de Vasconcellos enc;ontrou em Eri- (28) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade. Belo Horizonte, Imprensa Oficial.
ceira - nas proximidades de _Lisboa - um chafariz com agen- 1968, p. 112-4.
BARROCO MINEIRO 221

O quadro se completa, então, com o desenvolvimento dos


núcleos urbanos, centros de grande concentração populacio-
nal e de intenso comércio, que se estabilizam ou ficam estag-
nados em curto período de tempo.
Ainda que o esquema acima seja um resumo bastante
simplificado, sujeito a ser alterado pela interação de outros
fatores, representa com bastante exatidão o que se passou nas
Minas, dos fins do século XVII até praticamente o final do
setecentos. Sendo o ouro de aluvião de acesso fácil mas, em
contrapartida, de esgotamento também rápido, os arraiais se
iniciaram nas vizinhanças das reservas auríferas descobertas,
evoluindo para a formação das vilas estáveis quando se tratava
de áreas mais ricas ou se estagnando e ~té desaparecendo,
Fazendas mineiras caso fossem os recursos mais limitados, como foi visto.
Em um tal contexto, o comércio seria a segunda grande
atividade lucrativa - freqüentemente até mais rendosa por
independer dos azares intrínsecos à mineração - e quase nin-
"Passei por essas plácidas colinas guém cuidava da agricultura, muito lenta e trabalhosa para o
e vi das nuvens, silencioso, o gado ritmo dinâmico do pronto e certo enriquecimento que outras
pascer nas solidões esmeraldinas. oportunidades podiam oferecer e, mesmo, garantir.
Largos rios de corpo sossegado Nos primórdios das Minas ou se minerava ou se comer-
dormiam sobre a tarde, imensamente, ciava. Assim, a primeira década foi marcada por grande es-
- e eram sonhos sem fim, de cada lado. " cassez de alimentos, com graves períodos de fome. E, durante
Cecília Meireles (1953) quase todo o ciclo do ouro, foram aqui os preços muito infla-
cionados tanto para alimentos como para utensílios em geral.
Mesmo com o declínio da produção do ouro, essa situação bá-
Constituindo uma atividade muito específica, a mine- sica não se alterou muito e as reduzidas propriedades rurais
ração estabelece seus próprios padrões econômicos e, conse- existentes foram de caráter secundário, ligadas a uma agricul-
qüentemente, características igualmente peculiares. Sem ter tura de subsistência que pouco rendia, prejudicada também
que.se sujeitar ao preparo da terra, ao plantio e à espera da pelas condições do solo, comprometido quanto à fertilidade
colheita, a exploração
... das riquezas
.. . do solo .é essencialmente -
pela sua própria riqueza mineral.
din ~mica, dispensando, inclus,ive, os benefici.a mentos que re- Todos esses fatores vão caracterizar o mineiro, consolidar
tardam os lucros agrícolas. sua arquitetura mais típica e moldar seus ambientes: ''Come-
Uma pepita de ouro tem valor imediato, ainda que não çam a definir-se as contradições locais. O homem se afunda
fundida em barra, e um diamante bruto pode proporcionar nos vales profundos, os pés mergulhados nas águas frias dos
incalculáveis lucros, mesmo sem ter sido lapidado. Esta inde- ribeiros ou das enxurradas, agarra-se às encostas abruptas,
pendência dos processos de transformação, contrariamente perfurando minas, atrás dos veeiros; contudo é um povo ur-
1
aos outros tipos de produção, é refletida direta e imediata- h;111n por excelência. Terra e ouro; cidade e pobreza" , é im -

mente por um acelerado e intenso florescimento comercial, Pl 1rtan te repetir.


com evidente detrimento dos trabalhos agrícolas, demasiada-
mente vagarosos quando comparado~ com tais possibilidades. (1) Vascon;:ellos, Sylvio de. Op. cit., p. 30-1.
222 SUZY DE MELLO
BARROCO MINEIRO 223
Portanto, ao contrário dos grandes latifúndios do Nor-
deste, gerados pela cana-de-açúcar e estabilizados pela produ- da farinha de mandioca feita no caldo de peixe ou da carne. O
feijão era de uso cotidiano". 5
ção dos engenhos, não se configura aqui uma arquitetura ru -
ral h;'1-;ica e C\tÚvcl. desenvolvendo sistemas hierárquicos rí - Destes exemplos iniciais não há remanescentes pois além
gidos como o patriarcado. f de serem muito antigos, seu caráter de transitoriedade ~s tor-
nava construções bastante rudimentares e de "pouca dura"
Tampouco se impõem totalmente as soluções chamadas principal_mente por terem sido feitos em taipa de pilão, sis~
"bandeiristas" que atendem aos condicionamentos específi- tema mm to popular entre os paulistas.
cos dos paulistas, com "uma classe dominante alicerçada na Mas a etapa seguinte já indicaria várias adaptações que
fazenda de base policultora e escravagista, e na bandeira de adequavam desde o sistema construtivo até a própria solução
base mameluca". 2 da P!anta às condições locais. Entre estas o abandono da taipa
Nas Minas, formadas e rapidamente estabilizadas com d~ pilão, causado pelas dificuldades tanto na obtenção de ar-
conformação urbana clara e indiscutível, a arquitetura rural é gila como na prevenção da ação erosiva das águas sobre ela
reduzida a propriedades menores e sem importância nos pri- impossível de ser contida em terrenos de forte relevo como o~
meiros tempos, cuja principal produção é a da cachaça. Só das Minas. Em seu lugar são adotadas as estruturas indepen-
bem mais tarde, já nos meados do século, implantam-se con- dentes de madeira, facilmente adaptáveis à topografia aciden-
juntos maiores, que se estendem pelos vales à margem das ~ada da região, com as paredes feitas em pau-a-pique. Quanto
áreas de mineração, com atividades agropecuárias de impor- as plantas, preferem-se as de proporções quadradas sendo
tância. Finalmente, após a exaustão do ouro na segunda me- mantida na fachada a tradicional organização da casa bandei-
tade do século XVIII as fazendas vão ter uma presença mais rista, que tem uma varanda fronteira entalada entre uma pe-
significativa na economia, porém em regiões distantes dos pri- quena capela e o quarto de hóspedes.
meiros centros de mineração e sob a forma de um "ruralismo _Est~s e~ementos são adaptados e anexados às construções
3
auto-suficiente" , muito diverso do espírito que marcou o ci- rurais mineiras que, entretanto, não adotam outras típicas ca-
clo do ouro. racterísticas bandeiristas como a localização da casa em uma
Em resumo. as Minas apresentam, fundamentalmente, plataforma que garante a proteção necessária contra as enxur-
radas. 5ª
duas situações opostas: primeiro, a urbanização; depois, o ru -
ralismo extensivo, 4 interessando aqui, por suas vinculações Nesta fase as fazendas ain,da ocupam áreas periféricas da\
arquitetônicas e pelos limites cronológicos, a análise da arqui- vilas e não constituem propriedades de grande vulto, comple-
tetura rural da primeira fase, que corresponde à da prevalên- mentando, com sua produção, os ganhos de seus donos nas
mais atraentes atividades de mineração.
cia-das atividades de mineração.
~,partir, poré~, dos meados do setecentos, quando o
As primúras construçõ~~ · rurais foràm, como visto, de ouro Jª se torna mais escasso e de difícil obtenção, surgem as
reduzida esq~la e produção l~mitada. Além·da cachaça, certa- fazendas maiores, pertencentes a mineradores que se enrique-
mente se fazia também fub'á e farinha de mandioca, pois é ceram nos tempos de maior abundância aurífera. Embora
sabido que "o pão foi outra novidade do século XIX. O que se muitos mantivessem ainda a exploração de lavras, suas está-
. "'
usou nos tempos coloniais, em vez de pão, foi beiju de tapioca veis. fortu?as tornavam-se mais sólidas com a diversificação
ao almoço, e ao jantar a farofa, o pirão escaldado ou a massa dos investimentos e com as rendas agrícolas.

(2) Saia, Luís. Morada Paulista. São Paulo, Perspectiva, 1972, p. 126-7.
(3) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 94. (5) Freyre, Gilberto. Casa Grande & Senzala . Rio de Janeiro José Olympio
(4) Vasconcellos, Sylvio de. Op. i:it., p. ~· 1973, p. 459. ' '
(Sa) Saia, Luís. Op. cit., p. 69.
BARROCO MINEIRO 225
224 SUZY DE MELLO

Y Portanto, se a faixa fronteira de caráter "social" perma-


Neste período, principalmente, as sedes das fazendas são
nece nas construções é pela extrema discrição e a constante
construídas como sobrados urbanos, repetindo-se no campo a
desconfiança típicas dos mineiros que, desde os longínquos
linguagem básica da arquitetura das vilas. A diferença mais
tempos das primeiras riquezas descobertas, sabem que o mais
evidente é a presença das grandes·varandas fronteiras, que são
seguro - como reza o ditado - é "confiar, desconfiando".
mantidas assim como, em numerosos exemplos. é preservada a
Zeloso de sua privacidade e pouco afeito a exibi~ionismos pes-
colocação da capela e do quarto de hóspedes em uma faixa
soais, o mineiro encontra na solução paulista de definição clara
que estabelece uma nítida distinção entre áreas sociais e ínti-
das áreas sociais a possibilidade de manter estas caracterís-
mas.
ticas ao mesmo tempo que ela lhe permite, quando e se o de-
"O funcionamento da faixa fronteira da morada seiscen- sejar, exercitar adequadamente sua tradicional hospitalidade.
tista de São Paulo fixa o caráter feudal da sociedade bandei-
Por sua vez, as soluções assobradadas, com renques de
rista e denuncia os elementos fundamentais da organização da
janelas abrindo-se no pavimento superior ao gosto da arqui-
família da época, separada do mundo e muçulmanamente en-
clausurada no interior da habitação de janelas gradeadas. Até tetura urbana, correspondem ao tipo de construção que lhe é
a faixa fronteira chegam o hóspede, o agregado, o mameluco e mais familiar: o das vilas rapidamente estabilizadas pelo co-
o escravo, sendo-lhes entretanto vedado o acesso à parte mais mércio.
íntima da residência. O hóspede tem seu dormitório aberto Todos estes fatores contribuem para que a arquitetura
sobre o alpendre, em ligação com o interior da morada. Deste rural mineira do setecentos não siga os padrões usuais de ou-
modo, sua presença acontece 'independente da mais família', tras regiões brasileiras sendo resolvida, antes, por constantes
conforme relata um cronista do século XVIII, ao discorrer so- adaptações que atendem às peculiaridades locais.
6
bre os costumes das famílias seiscentistas." Assim, a "casa grande" é quase sempre chamada "sede"
Curiosamente, porém, a separação destas áreas foi man- e, ao contrário dos engenhos, é disposta de forma isolada,
tida nas Minas não com as intenções de segregação da família com um terreiro à frente. Mas este terreiro não é claramente
e, principalmente, das mulheres, muito naturais nos esque- delimitado por outras dependências, sendo que "raras sujei-
mas feudais que caracterizavam São Paulo. Aqui, onde predo- fam -se a acostamento de engenhos e paióis. Senzalas aprovei-
minava uma sociedade pequeno-burguesa, formada ao sabor tam de porões ou de prolongamentos posteriores da fazenda.
da sorte na mineração e do espírito aventureiro dos seus com- O mais das vezes disseminam-se em ranchos, entre si, bas-
8
ponentes, o liberalismo era muito maior, inclusive na organi- tante distanciados, com suas hortas e pomares próprios".
zação familiar e na atuação feminina. Raramente ocorrem, nas fazendas mineiras, capelas in-
"Na realidade a chefia de direito, nas zonas rurais, cabe dependentes como a do Engenho Bonito, em Nazaré da Mata
ao marido, mas a de fato, ;â' mulher. No mutismo cauteloso .e (Pernambuco) - imponente e que sobreviveu à própria Casa
; ?ªs reservas, às quais se reéolhe o Senhor, é à Senhora que Grande - ou como a do Sítio Santo Antônio, no município de
•tncumbe d comando efetivo da propriedade: a distribuição dos São Roque (São Paulo), de agradável rusticidade: Aqui ou as
serviços, ,a atenção 'aos bichos, a econotl).ia doméstica, a edu- capelas são um cômodo na "sede" ou se "afastam para o ar-
9
cação dos fi.lhos, os cuidados com os doentes e tudo mais. É raial vizinho" , quase sempre bastante próximo, não justifi-
com sua interferência que se evitam conflitos, e é em torno cando efetivamente uma construção de maior porte dentro de
dela que se mantém a pouca unidade da família."
7
uma propriedade rural não tão distante da vila.

(8) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 89-90.


(6) Saia, Luís. Op. cit., p . 133.
(9) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p . 90.
(7) Vasconcellos, Sylviode. Op. cit.,~p.94 .
BARROCO MINEIRO 227
226 SUZY DE MELLO

A inspiração urbana das soluções, principalmente evi-


denciada pelo uso dos corredores, pelas janelas amplas, aber-
tas em longas e belas seqüências, reduz o uso das alcovas uma
vez que, erguidas quase isoladamente, as sedes não são limi-
tadas, dos lados, por outros volumes de mesma altura assim
como não repetem os parcos e reduzidos vãos das casas ban-
deiristas.
Finalmente, como registra ainda Sylvio de Vasconcellos,
"poucas construções emolduram a residência do fazendeiro,
da qual nunca se originam povoados. Parece que o século de
promiscuidade obrigatória, determinada pelas concentrações
sugeridas pelo ouro. desagradou ao povo que, por tradição, não
a prezava. Dispensado dela, deixou-se levar ao extremo oposto
10
do ilhamento, isolando-se nos matos" .
Mas, em partidos mais antigos, de menor altura, ou nos PLANTA _ _ escala 1/200
sobradões de linguagem mais urbana, as fazendas mineiras
completam a tipologia arquitetônica do Barroco Mineiro com
exemplificação variada e sempre valorizada pelas proporções
harmoniosas, pelas amplas e numerosas janelas, pelas acolhe-
doras varandas e por tantas belas capelas que as enriquecem.
Pois são sempre "composições claras, limpas, definidas, bem
moduladas e rítmicas. ( ... ) Se lhes falta a ênfase que civiliza-
ções mais apuradas conferiram às suas moradas, será exata-
mente nesta despretensiosa beleza, nesta fisionomia não 11
ma-
quilada, que devemos buscar seu valor e importância" .

Alguns exemplos FACHADA FRONTAL

Dentro das características:básicas indicadas dos estabele-


cimentos rurais' rudimentares .que se implantaram nas proxi-
midades das áreas de minera1Ção - ranchos·precários, cober-·
tos com fibras vegetais - nada restou. Porém da presença
paulista na "prime~ra fase da colbnização dé Minas" persis-
12

tiram soluções que indicam a l.nfluência das casas bandei-


ristas.

(10) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 90.


( 11) Vasconcellos, Sylvio de. Arquitetura Colonial Mineira in I Seminário de FACHADA POS'TERIOR
Estudos Mineiros. Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1957, p. 67.
Fazenda do Manso - Ouro Preto (Levantamento do SPHAN).
(12) Saia, Luís. Op. cit., p. 33.
228 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 229

Esta torna~se mais evidente no partido quadrado, franca- Poderoso proprietário de lavras e terras , o Barão de Pa-
mente preferido nas primeiras construções rurais, cuja planta raopeba residiu na fazenda que , na época, contaria com mais
também repete a disposição de uma "faixa social" na frente de oitocentos escravos. Presidente da Província de Minas, nela
da residência, mesmo que o agrupamento dos cômodos poste- hospedou D. Pedro II em suas visitas às Minas.
riores tenha organização variada. Em certos casos, a fachada Do grande conjunto originalmente composto pela Fa-
é resolvida com predominância dos cheios sobre os vazios. zenda da Boa Esperança, restam a sede e o paiol, além dos
como ocorria nas moradas paulistas. Entre os exemplos que alicerces de parte de uma senzala e um portão, protegido por
correspondem a estas soluções incluem-se a chamada "Fa- telhado encachorrado, antiga estrada principal à qual se tinha
zenda Velha", em Sete Lagoas e a de Amarantina, próxima a acesso por uma pequena estrada de cavaleiros.
Ouro Preto, em pedra, e que deu origem ao antigo arraial de Atrás da casa, à direita, há um moinho quase em ruínas
São Gonçalo da Vargem, em torno da segunda década do se- e, mais abaixo, já meio coberto pelo mato, situa-se um enge-
tecentos, e cujo nome foi posteriormente mudado para São nho de serra, igualmente arruinado, que era usado para movi-
Gonçalo do Amarante. mentar uma pequena usina.
Também com organização nitidamente paulista, a Fa- Esta disposição indica a localização mais usual dos de-
zenda do Manso, nas proximidades de Ouro Preto, de cons- mais componentes do conjunto em relação à sede da fazenda,
trução mais tardia f é um exemplar de grande interesse e que,
1
que tinha à frente um amplo terreiro, com as senzalas em um
na parte de trás, dispõe de um porão para aproveitamento da dos lados, ficando em situação mais secundária as construções
declividade do terreno, solução já de adaptação às condições que abrigavam as funções técnicas complementares, como
locais. moinhos e engenhos.
Entretanto, em alguns casos, é notada a ampliação de Também o partido adotado na Fazenda da Boa Espe-
seus núcleos - erigidos dentro dos esquemas citados - com rança exprime uma solução de compromisso entre as duas
obras mais amplas que alteram a solução original, como ocor- grandes tendências: com a forma de "L" invertido, tem no
reu com a Fazenda da Boa Esperança, em Belo Vale. segmento menor o "núcleo" da casa, retangular mas organi-
O atual município de Belo Vale tem suas origens em torno zado à feição bandeirista, com a capela e o quarto de hóspedes
de 1681 quando bandeirantes paulistas ali se instalaram, fun- limitando a varanda. No segmento maior - construído quase
como um "puxado" - desenvolve-se ampla seqüência de cô-
dando um arraial. A este núcleo primitivo, denominado São
modos para dormitórios e outros usos, inclusive cozinha. Os
Gonçalo da Ponte, juntou-se logo outro - Santana do Parao-
segmentos construídos do "L" são unidos por um muro que
peba - uma vez que a região ocupava um grande vale junto
delimita, assim , um pátio de grandes proporções.
ao rio .Paraopeba. As primeiras atividades foram de minera-
De acordo com pesquisas e levantamentos feitos , a Fa-
ção, mais tarde ,substituídas pe:J.a agricultur~.
. ·... zenda teria inicialmente apenas o núcleo da frente, correspon-
Apesar de1 ser muito escassa a documen.tação sobre a Fa- dendo ao partido paulista em sua faixa de fachada. A ala mais
zenda da Boa Esperança, sabe-se que foi construída pela fa- longa, resolvida com um amplo corredor avarandado no lado
mília" Mendonça, provavelmente no último quartel do século que se abre para o pátio, teria sido um grande acréscimo feito,
XVIII , e adquirida"'p or volta de 1790 por Romualdo José Mon- talvez no final do século XVIII , pelo Barão de Paraopeba.
teiro de Barros, Barão de Paraopeba.14 Efetivamente, a solução é de nítida inspiração urbana - cla-
ramente indicada pelo corredor e pela disposição dos cômodos
- em franco contraste com a organização compacta da parte
(13) Saia, Luís. Op. cit. , p. 62.
( 14) Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. mais antiga.
Processo de Tombamento da Fazenda da Boa Esperança. Belo (Horizonte, 1975, p. Além desta ampliação e de evidente alteração no antigo
38. quarto de hóspedes - que passa a se ligar diretamente com o
! l

230 SUZY DE MELLO


231
BARROCO MINEIRO
resto da casa e parece ter sido adaptado para funcionar quase
como um escritório - há pequenas modificações nas varan-
das, que envolvem o núcleo inicial sendo, porém, mais impor-
tante destacar as mudanças na capela, que foi aumentada na
capela-mor e teve seu pé-direito alteado, provavelmente para
receber novo e maior altar. Com estas intervenções, a capela
passou a ter uma volumetria própria e sem maiores vincula-
ções com o restante da construção, embora nela ainda lateral-
mente inserida.
Um desenho da Fazenda da Boa Esperança, existente nos
arquivos do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional - que fez o seu tombamento em 1959 - mostra al-
gumas pequenas modificações nos arcos da fachada principal
e a redução do corpo da capela, reintegrada à cobertura pri-
mitiva. Na abalizada opinião de Lúcio Costa, porém, trata-se
de uma aguada do final do século XIX, provavelmente execu-
tada para sugerir novas reformas, felizmente não executadas.
Um outro aspecto peculiar à Fazenda da Boa Esperança
é o uso de varandas circunscreventes, pouco adotado nas Mi-
nas, onde havia nítida preferência por varandas sociais (fron-
teiras) e íntimas ou de serviços (nos fundos ou dispostas late-
ralmente). Entretanto, nesta casa acolhedora os avarandados
fechados por treliças e grades, tendo como arremate superior
peças em madeira de caprichoso recorte, são notáveis não ape-
nas pela ambientação agradável e amena que agenciam como
pelo ritmo e modulação que conferem às fachadas laterais. A
fachada principal, marcada também pela delicada movimen-
tação dos arcos abatidos que a compõem, destaca-se pela sin-
gela elegância.
Ma~. ainda que oferecendo: características ongmais em
muitos aspectos, os acabamentos' da Fazenda da Boa Espe-
rança'. incluem-se nas soluções tradicionais da·;arquitetura ru -
ral, com os pisos em tábuas corridas, inclusive nas varandas, e PLANTA l!llAIXA

o uso d~ forros ' alt.ead,os (ou em gamelas) nas duas salas prin-
•scolo - • : ~o

cipais, sendo adotadas esteiras para os demais cômodos . l!fiENDA


!·:<·:·:··-:·:-:.:·:·:·:·.( ELEMENTOS ALTEltAOOS OU ACHESCIDO•

ç_ :":.--: .::
Situada em plano ligeiramente elevado, sobre embasa- t:LUUNTOS 'SUPIUMIDOS

mento de pedra, a construção tem. estrutura autônoma de ma-


ckira e vedações em pau-a -pique. sistema construtivo dos mais
populares da época, na região. Os vãos têm vergas retas e o
telhado de quatro águas é resolvido com os gradosos galhos

· - Belo Vale (Levantamento do IEPHA/MG).
Fazen d a d a Boa Esperanca
232 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 233

(ou inclinações), que conferem maior leveza às coberturas e


são também muito usuais nas Minas.
No que diz respeito à capela, porém, novamente a Fa-
zenda da Boa Esperança é excepcional. Inicialmente, pelo rico
retábulo do altar-mor, de talha de gosto rococó, branco e
ouro, com composição que indica influências de Francisco
Vieira Servas, um dos grandes mestres entalhadores do sete-
centos. Ainda mais importantes, entretanto, são a pintura do
forro e os seis painéis laterais, atribuídos a Manoel da Costa
Ataíde. O forro tem como tema a Ascensão de Cristo enquanto
os painéis laterais representam diversas cenas bíblicas, inclu-
sive uma Ceia, sendo não só o magistral tratamento como o
LE\'AJilAMENTO ATUAL OE FACHADA. -
belo colorido muito característicos do maior mestre da pintura
De._ 1:2$0 barroca mineira. Embora dois outros quadros tenham sido
cortados para o encaixe do novo retábulo, há ainda seis pin-
turas parietais, dispostas três a três, que retratam atos de ca-
ridade bem como, sobre a porta, uma cena de Cristo com a
Samaritana. A riqueza desta capela, que abrange talha e pin-
tura em conjunto, constitui, entretanto, um exemplo pouco
comum na arquitetura rural mineira, correspondendo às con-
F~l~H~A dições próprias de seu segundo proprietário que, além de prós-
BOA ESPERAN~A pero fazendeiro, teve significativa influência política.
Também como exemplar de transição entre a arquitetura
urbana e a rural é a Fazenda Quebra Canoas, localizada entre
Barra Longa e Ponte Nova, para residência dos padres José
Ferreira de Souza e João Ferreira de Souza, vigários colados
(ou oficialmente designados) de São José de Barra Longa e
Santo Antônio de Itaverava, respectivamente.
•usco OE FAC~AOA [l(ISTE NOS ARQUIVOS DA SPHAN.A OlfERENÇA DA
ALTEAMENTO DA CAPELA E NCS ARC09 ABATIDOS DA 'JARANDA ;AS OINENSÓES
CONSTRU<;Ào ESTÁ NO ALONOANENTO
sÃo
E
BEM APROXIMA0.11.S.D DESENHO
Construída no final do século XVII 1, com partido que ten-
l"OOE COAAESPON_DER À CONSTAUC~O
!:'!u:!;~;~~E: ... ~.~- E0111CA~ •:
PRIMITIVA,EM80RA SEJA ·º[
QUE PERMITEM .JOCU.R co~
~INS
T:L
00 sicuLO XIX,UNA vn OVE FORAM CONSTA_
HIPÓTESE .A CONSTl;l:Uc;Ão PRIMITIVA r( DO ÜLTI_
de ao quadrado e com a solução bandeirista da varanda limi-
tada entre a capela e o quarto de hóspedes (também usado para
arreios, denominação que pode ser encontrada em alguns ca-
sos), a Fazenda tem dois pavimentos, repetindo-se no superior
a varanda, igualmente fechada nos cômodos laterais porém
com finalidades diversas: na área correspondente à capela o
pé-direito é ampliado, alcançando 6,50 m de altura, enquanto
que sobre o quarto de hóspedes foi criado um depósito.
A capela, que é um pouco elevada em relação ao piso da
varanda, serve-se desta como nave, permitindo uma ampla
visibilidade do altar graças à diferença de nível existente. Tam-
Fazenda da Boa Esperança - Belo Vale (Levantamento do IEPHA/MG). bém para facilitar a assistência das pessoas da casa às cerimô-
•'

234 SUZY DE MELLO


BARROCO MINEIRO 235
nias religiosas foi aberta uma porta, acima do piso da varanda
superior, que funciona como um balcão para a capela. Esta norte de Portugal, estabeleceu-se inicialme_:it~ nas pr~x~mida­
dispõe ainda de ampla sacristia, onde há uma pia batismal em des de Santa Bárbara, onde obteve grande exito em atmdades
pedra-sabão, elemento bastante raro nas fazendas que, usual- de mineração, adquirindo a seguir vastas áreas no local deno-
mente próximas às capelas dos arraiais, nelas faziam realizar minado Itajuru, famoso por seus depósitos auríferos, que pas-
os batizados. Também interessante, embora mais comum, é o sou a explorar com igual sucesso.
confessionário com treliça, usado às vezes pará impedir a vista Em 1797, já possuidor de imensa fortu.na e per~~bendo
das mulheres nos atos litúrgicos. que era ocasião propícia para explorar a agncult~ra, reque-
Mas na decoração interna da capela reside sua maior ori- reu e obteve do governador de então, Bernardo Jose ?e ~rena,
ginalidade, uma vez que a talha foi substituída por pinturas, uma sesmaria de meia légua em quadra, mais para o mtenor da
executadas sobre peças lisas de madeira, tendo como motivo região". 15
composições florais de requintada execução. No lugar do retá- Ali se estabeleceu com a família, porém, falecendo pouco
bulo foi colocada uma bela e ampla tela cujo tema é a Santa depois, não chegou a realizar seus planos. Deles se encarn:gou
Ceia, e lateralmente foram pintados belos medalhões com ins- seu genro, João da Mota Ribeiro, natural de Braga e que, v~n?o
crições em latim. para as Minas em 1795, passara a tra?al~ar como admm1s-
O forro abobadado tem como elemento central uma gran- trador das lavras do Capitão João Teixeira Alves, demons-
de concha - ou rocalha - que muito se assemelha às de trando invulgar capacidade. . . . _
particular preferência de Manoel da Costa Ataíde, inclusive Com esta mesma capacidade e com amda maior v1sao,
pelo colorido, o mesmo ocorrendo com a Ceia e outras pinturas empenhou-se João da Mota Rib~iro em ~tivida?es agrí~olas,
na porta do coro, justificando-se a atribuição das obras ao mais industriais pecuárias, comerciais e de mmeraçao ampliando
importante mestre da pintura setecentista nas Minas. sua fortun~ e tornando-se um legítimo pio~eiro. . _
A Fazenda Quebra Canoas tem, como outra particulari- "Inconformado com a rotina, que circunscrevia entao .ª
dade, um amplo pátio interno, de forma quadrada, com cal- lavoura à plantação da cana-de-açúcar, do milho e do fei -
çamento em seixos rolados formando desenhos, solução muito jão", 16 cultivou o trigo, o algodão e a ma~ona ao mesmo tem-
comum na época. po em que, com moinhos trituradores, foi grande produtor de
Também com estrutura autônoma em madeira, telhado farinha de trigo, além de beneficiar a mamona e o coco ma-
de quatro águas com galho e vãos com arco abatido, a Fazenda caúba, com o qual passou a fabricar azeit; .. "Mont~u na sua
tem ainda porão e sótão, sendo o pavimento térreo apenas par- fazenda os primeiros teares de que há n?ticia em Mi~as, tor-
cial e o segundo tendo corredores já decorrentes das plantas nando-se desde logo o fornecedor de tecidos de algodao ~ ou-
urbanas; tras fibras vegetais a todos os mercados vizinhos. (. .. ) Fo.i, ao
Com um terr(firo à fqmte, a ·sede é completada por outras lado disso, o vanguardeiro da indústria do. fer~o em ~ma~,
construções, lateralmente dispostas, resolvidas. como telheiros instituindo na sua propriedade uma das primeiras forJas hi-
e que abrigavam paióis, currais e seu antigo engenho de açúcar. dráulicas de beneficiamento desse minério. ( ... ) Incremento~
Todo o~conjunto, embora simples na composição, mantém a ainda a pecuária, então incipiente em Minas.' i~portando di~
elegante sobriedade que tão bem caracteriza as antigas fazen - retamente os primeiros exemplares do gado m?i~~o que aqm
das mineiras. surgiram e instalando modesta fábrica de lat~ci~ws, para o
Entre estas, por sua forte presença, inclui-se obrigatoria- aproveitamento racional do leite dos seus currais.
mente a Fazenda do Rio São João, em Bom Jesus do Amparo, já
com influências muito mais urbanas em sua arquitetura.
As origens desta grande fazenda remontam ~ chegada às (15) Vasconcellos, Salomão de. Solares e Vultos do Passado . Belo Horizonte,
Imprensa Oficial, s.d., p. 13.
Minas de João Teixeira Alves, em tq_rno de 1759. Vindo do ( 16) Vasconcellos, Salomão de . Op. c~t., p. 15.
(17) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit., p. 15-6.
236 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 237

Tendo ido morar na antiga residência do sogro, João da Também feita com estrutura autônoma de madeira e com
Mota Ribeiro - já por sua vez, um poderoso proprietário - um amplo terreiro à frente, os vãos têm vergas abatidas no
decidiu ampliar a primitiva casa erguendo junto a ela um vasto pavimento superior e retas no térreo, na solução usual.
sobrado, terminado em 1815 e cujo projeto teria seguido o que Porém, no grande conjunto da Fazenda do Rio São João,
José Teixeira da Fonseca Vasconcellos, o Visconde de Caeté, a capela tem especial realce. Situada na parte mais antiga,
trouxera de Lisboa em 1796 e logo mandara edificar ao lado ocupa toda a altura da construção com seu pé-direito duplo.
da sede da fazenda de sua família, em Santa Quitéria. 18 Assim, o arco central da fachada dá acesso a uma entrada
Conhecido como o Solar de Santo Antônio, a residência para a nave que fica no nível do pavimento térreo. Pelo ava-
do Visconde de Caeté tem, efetivamente, solução mais eru- randado interno de circulação, no pavimento superior, é al-
dita, sendo a fachada ritmada por dez janelas sacadas no pa- cançado o coro, bastante amplo e que dispunha de um belo
vimento superior, às quais correspondem outras tantas janelas órgão.
no térreo, sendo todos os vãos de arco abatido. O altar, em branco e ouro, tem talha de excelente quali-
Já na Fazenda do Rio São João - nome escolhido para a dade e grande delicadeza, com inspiração rococó. Dispondo
propriedade por Mota Ribeiro - o sobrado feito no início do de púlpito, pia batismal e sacristia, a capela - consagrada a
século XIX tem o mesmo dimensionamento e volumetria, mas Nossa Senhora da Glória - teria sido executada pelos mes-
os vãos apresentam modificações, embora no pavimento supe- mos artistas responsáveis pela bela Matriz de Santa Bár-
rior sejam também em igual número. Mas são janelas simples bara, 19 o que bem indica sua importância.
e não sacadas, mesmo mantendo os arcos abatidos. No térreo, Além de suas origens tão vinculadas ao desbravamento
porém, os vãos são apenas sete, de verga reta, sendo portas e do território mineiro e ao pioneirismo que lhe trouxe o pro-
janelas intercaladas sem maior cuidado. Portanto, se é fácil gresso, a Fazenda do Rio São João continuou ligada a outros
notar a semelhança das proporções e do volume, é evidente relevantes fatos históricos do século XIX, pois nela freqüente-
que o sobrado de Mota Ribeiro corresponde a uma versão me- mente despachava e nela faleceu o primeiro Presidente da
nos cuidada do que a que lhe teria servido como modelo. Província e Senador do Império, o Visconde de Caeté, em fe -
Um outro detalhe que altera a composição é que o so- vereiro de 1838. E, em 1842, Caxias e suas tropas ali se abri-
brado do Rio São João foi construído como prolongamento da garam, no regresso de Santa Luzia, quando venceram os ho-
primitiva fazenda, servindo-se de sua varanda para acesso às mens de Feliciano José Pinto Coelho da Cunha, o Barão de
salas, e com engenhoso encaixe dos telhados. Nesta parte, a Cocais.
planta é compacta, enquanto a área mais antiga tem desenvol- Tanto como cenário histórico como por seu interesse e
vimento planimétrico quase linear, com os cômodos em se- indiscutível valor arquitetônico, a Fazenda .do Rio São João é
qüência e abrindo-se para um ~varandado interno no qual se um dos mais notáveis exemplos das construções rurais minei-
organizavam outros pavilhões, hdje reduzidos a um único - o ras que, entretanto, podem ser bem representadas por outras
do velho moinho - no final da construção, tendo se perdido edificações de menor porte como a chamada "Fazenda Ve-
sua primitiva org~nização em quadra. lha" ou "Fazenda do Leitão", no antigo arraial do Curral d'El
A solução de f.itchada da edificação inicial é extrema- Rei (atual Belo Horizonte) que é praticamente a versão em
mente agradável com um amplo arco central ladeado pores- estrutura de madeira de uma casa rural do Minho, usualmente
cadas de madeira que terminam. nas varandas laterais. Sobre feita em pedra.
o arco e acima do telhado ergue-se um bem proporcionado Desde a singeleza da Fazenda das Carreiras, em Ouro
mirante, que destaca os elegantes galbos do telhado. Branco, até a imponência da Jaguará, próxima a Lagoa San-

(18) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit., p. 97 . .


(19) Vasconcellos, Salomão de. Op. cit. , p. 21.
238 SUZY DE MELLO

ta, com grande capela na qual trabalhou Antônio Francisco


Lisboa, o Aleijadinho - e cujas talhas estão hoje na Matriz de
Nova Lima - são muitos os exemplos e variadas as soluções.
Destas, uma última deve ser mencionada por ser muito rara: a
da Fazenda da Borda do Campo, no distrito· de Correia de Al-
meida, em Barbacena, dos meados do setecentos, cuja capela
isolada, de proporções mínimas mas perfeitas, tem sua nave
ampliada por gracioso "copiar" - ou alpendre coberto por
um telhado de três águas - elemento bastante comum nas
capelas rurais do Nordeste mas de difícil ocorrência nas Mi-
nas.
Independentemente, porém, de suas originalidades ou de
Construtores, projetos
sua volumetria mais destacada, as fazendas mineiras do final
do setecentos refletem sempre, na sua composição pura e ele-
e sistemas construtivos
gante, a mesma beleza e dignidade peculiares a todo o Bar-
roco Mineiro.
"Sobre o tempo, sobre a taipa,
a chuva esco"e. As paredes
que viram morrer os homens,
que viram fugir o ouro,
que viram finar-se o reino,
que viram, reviram, viram,
já não vêem. Também morrem.

Minhas casas fustigadas,


minhas paredes zurzidas,
minhas esteiras defo"º·
meus passos de telha -vã
estão úmidos e humildes.
,,

f
I
.. Ai como morrem as casas!
Como se deixam morrer!"
Carlos Drummond de Andrade (1951)

Ü mai amplo conhecimento de uma arquitetura, po-


rém, não pode se limitar apenas à análise formal de fa~hadas
ou à caracterização de partidos e plantas. Sendo a arqmtetura
não só re ultante de influências artísticas mas também ~rod~­
to das téc.nic 'tS usuais de construção na época em que e reah-
zada ua rea • validade é igualmente condicionada por estes
aspe~to . A questão torna-se ainda mais complexa quando a
- ~- - --- --- ---- -

2 SUZY DE MELLO

ande capela na qual trabalhou Antônio Francisco


1
leijadinho - e cujas talhas estão hoje na Matriz de
a - são muitos os exemplos e variadas as soluções.
estas, 1 a última deve ser mencionada por ser muito rara: a
_oa da Borda do Campo, no distrito· de Correia de Al-
m , em Barbacena, dos meados do setecentos, cuja capela
i lada, de proporções mínimas mas perfeitas, tem sua nave
ampliada por gracioso "copiar" - ou alpendre coberto por
um telhado de três águas - elemento bastante comum nas
capelas rurais do Nordeste mas de difícil ocorrência nas Mi-
na .
Independentemente, porém, de suas originalidades ou de
Construtores, projetos
ua volumetria mais destacada, as fazendas mineiras do final
do setecentos refletem sempre, na sua composição pura e ele-
e sistemas construtivos
gante, a mesma beleza e dignidade peculiares a todo o Bar-
roco Mineiro.
"Sobre o tempo, sobre a taipa,
a chuva escorre. As paredes
que viram morrer os homens,
que viram fugir o ouro,
que viram finar-se o reino,
que viram, reviram, viram,
já não vêem. Também morrem .
. . . . . .. . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Minhas casas fustigadas,
minhas paredes zurzidas,
minhas esteiras de forro,
meus passos de telha-vã
estão úmidos e humildes .
. . . . . .. . . . . . . . .. . . . . . . . ... . . . . . . . .. . . . . . . . . .. . . . . . . . .
,: .
Ai como morrem as casas!
Como se deixam morrer!"
f
1 I Carlos Drummond de Andrade (1951)
f'

Ü mais amplo conhecimento de uma arquitetura, po-


rém , não pode se limitar apenas à análise formal de fa:hadas
ou à caracterização de partidos e plantas. Sendo a arqmtetura
não só resultante de influências artísticas mas também ?rod~­
to das técnicas usuais de construção na época em que e reali-
zada, sua rea: validade é igualmente condicionada por estes
aspectos. A questão torna-se ainda mais complexa quando a
240 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO li

estes dados juntam-se outros como os tipos de materiais dis- Somente entre os engenheiros militares que tra alh 11' 1111
poníveis e algumas especificidades próprias de determinadas no Brasil até o início do século XIX há um registro de ru l s 1
regiões - como a topografia, por exemplo - que atuam na- 9uzentos nomes,1 que incluem não só portugueses mas dlv 1
turalmente para estabelecer soluções mais fáceis, práticas e 1 estrangeiros contratados por Lisboa, como Henriqu An
sos
seguras. tônio Galuzzi, nascido em Mântua (Itália) e autor do pr ~ t
Este entrelaçamento de fatores diversificados é acrescido da fortaleza de São José, em Macapá, em 1763. Embora s
por outros , mais subjetivos porém importantes e que dizem italianos fossem mais numerosos, aqui estiveram igualment ·
respeito às influências sociais e econômicas vigentes além de alemães, franceses, holandeses e mesmo suecos, que partici-
se impor, ainda, o conhecimento do tipo de profissional res- param não só dos projetos de fortificações diversas como da
ponsável pela produção arquitetônica do período em estudo. elaboração de cartas e mapas e da demarcação de fronteiras,
O quadro final, resultante de todos estes dados, não é de principalmente após o Tratado de Madri (1750), que visou
difícil compreensão e, pelo contrário, sempre torna mais com- ratificar os limites dos domínios de Portugal e da Espanha na
pleto o entendimento do que foi construído, como o foi, por América.
que o foi e por quem o foi. A presença destes técnicos foi praticamente constante,
No decorrer deste trabalho inúmeros aspectos ligados a pois desde o final do século XVI até as primeiras décadas do
todas estas questões foram abordados, com maior ou menor XIX há registros sobre sua atuação. Portanto, se já em 1603 o
ênfase, para melhor esclarecimento dos exemplos comenta- engenheiro português Francisco de Frias da Mesquita fora no-
dos. Entretanto, outras observações podem complementar e meado como responsável pelas fortificações brasileiras, em
enriquecer a vivência mais completa da tipologia arquitetô- 1648 o holandês Miguel Timermans viera dar aulas de enge-
nica do Barroco Mineiro, principalmente pela caracterização nharia e o francês Pedro Gracin servira em Pernambuco como
básica dos mestres que aqui trabalharam e pelo conhecimento capitão engenheiro de 1654a1660.
das técnicas construtivas mais tradicionais. No século XVIII houve ainda maior afluência de enge-
Assim , mesmo em se tratando de um panorama mais glo- nheiros militares, tanto devido ao Tratado de Madri como
bal como é o caso presente, não poderiam ser dispensados pela necessidade de serem reforçadas as defesas do Rio de
alguns comentários que , sem dúvida, tornarão ainda mais evi- Janeiro, nova capital da colônia a partir de 1763, e pela im-
dente e precioso o imenso acervo arquitetônico e artístico das portância adquirida pelo Brasil após a descoberta do ouro e
Minas setecentistas. dos diamantes nas Minas.
Foi nesta época que aqui aportaram, entre outros, Felipe
Frederico Sturms, engenheiro alemão, que prestou serviços no
,.:
norte do país, a partir de 1750, e o sueco Jaques Funck, for-
Os mestres , mado em Estocolmo, cuja ampla atuação entre 1767 e 1780
abrangeu obras desde o Rio de Janeiro até o Rio Grande do
Sul. 2
Como já foi visto, a arquitetura brasileira da época colo- É interessante notar ainda que Gomes Freire de Andra-
nial nas regiões litô râneas teve, em seus mais importantes de, o Conde de Bobadela, além de sua destacada atuação ad-
exemplos, a participação de técnicos que atuaram como seus ministrativa no Brasil - inclusive como governador da capi-
~ principais projetistas: no caso de fortes e fortalezas, os enge-
nheiros militares enviados pela coroa portuguesa e, para as
edificações religiosas, frades de comprovados conhecimentos
de estabilidade e dos princípios básicos de composição arqui-
t tetônica.
/
,
.
( 1) Lyra Tavares, Aurélio de. Op. cit., p . 182-4.
(2) Lyra Tavares, Aurélio de . Op. cit., p . 121-7.
242 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 243

tania de Minas Gerais - também teve atividade de relevo Coronel José Cardoso Ramalho,4 e o da igreja da Santa Cruz
como engenho militar, "sobretudo tudo à frente da Comissão dos Militares, de 1780, ao Brigadeiro José Custódio de Sá e
de Demarcação de limites resultante do Tratado de 1750, no Faria, ambos engenheiros militares.
setor do Rio Grande de São Pedro. Foi seu grande amigo o Esta intensa participação dos militares indica claramente
3
ilustre engenheiro José Fernandes Pinto Alpoim" . sua significativa presença no Brasil, principalmente nas re-
Entre os religiosos, muitos tiveram notável influência, giões litorâneas, onde se concentravam as fortificações , bem
como o jesuíta Francisco Dias, que veio para o Brasil em 1577, como a falta de técnicos leigos, especializados e competentes,
tendo trabalhado antes na Igreja de São Roque, sede lisboeta para a realização das construções. Efetivamente, tão limita-
da Companhia de Jesus, com risco do italiano Felipe Terzi. dos eram os recursos humanos neste setor que nas "Declara-
Outra grande presença foi a do Frei Francisco dos Santos, ções de Obra", organizadas em 1684 por Frei Bernardo de
responsável pela chamada "Escola Franciscana" do Nordeste São Bento Corrêa de Souza, que atuava então como arquiteto
e que desenvolveu soluções tanto originais quanto de excelente do mosteiro beneditino do Rio de Janeiro, foram registrados
composição arquitetônica para os amplos conventos da Or- seus péssimos conceitos sobre os oficiais e artífices "que se
dem, também na região nordestina. Além destes seria igual- denominão mestres pedreiros que apenas sam aparelhadores
mente válido citar, entre os beneditinos, os trabalhos de Frei ou canteiros, dando lhes o titulo de Mestre, a nosa necesi-
5
Macário de São João na Bahia e de Frei Bernardo de São Ben- dade, e não a sua sciencia".
to Corrêa de Souza, um dos arquitetos do Mosteiro de São Nas Minas, porém, a situação seria completamente di-
Bento no Rio de Janeiro. versa, sob todos os pontos de vista. Inicialmente, a proibição
Devido, porém, à sua formação menos técnica, ainda os da entrada das Ordens Religiosas - que mantinham soluções
religiosos se notabilizaram em outras formas de expressão ar- arquitetônicas próprias, freqüentemente arcaizantes, como foi
tística, como os beneditinos Frei Agostinho da Piedade e Frei observado - afastou as influências mais tradicionais e, inclu-
Agostinho de Jesus, magníficos escultores do século XVII, em sive, de direta inspiração européia, visto que os padres regu-
Salvador, e ainda Frei Domingos da Conceição, da citada Or- lares que atendiam os fiéis não tinham os conhecimentos, a
dem, escultor e o grande entalhador do mosteiro do Rio de cultura e, muito menos, os talentos dos frades, especialmente
Janeiro, também na mesma época. A técnica da pintura a óleo escolhidos nas suas sedes européias, para aqui trabalhar. An-
foi introduzida no Brasil por outro beneditino, Frei Ricardo tes pelo contrário, os padres se reduziram, nas Minas setecen-
do Pilar, com belíssimos trabalhos igualmente feitos para a tistas, a uma posição de "funcionários" religiosos das paró-
sede carioca da Ordem de São Bento. quias e das poderosas Ordens Terceiras. Com esta situação,
Entretanto, apesar de bastante numerosos e de seus ta- todo um conjunto de importantes influências , evidentes na
lentos vários, os eligiosos freqüentemente .não eram em nú- arquitetura das demais regiões da colônia, simplesmente ine-
mero suficiente para aténder a- t~das as dem~ndas, sendo tam- xistiu aqui.
bém convocados os engenheiros militares pára a execução de E, para algumas raras exceções, como o projeto da capela
projetos de conventos e igrejas. Assim, o prirpeiro "risco" feito franciscana de Mariana, feito pelo Padre José Lopes Ferreira
para o mosteiro·beneditino do RÍO de Janeiro foi assinado por da Rocha, promotor da diocese, foi recomendado "conferir o
Francisco de Frias da Mesquita em 1617 enquanto, ainda na dito risco com um mestre arquiteto para regularem os precei-
mesma cidade, o projeto da igreja de Nossa Senhora da Glória tos da obra" e, finalmente, usando de "melhor conselho pa. a
do Outeiro, do início do século.XVIII, é atribuído ao Tenente-

(4) Silva Telles, Augusto Carlos da. Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Rio
de Janeiro, Agir, 1969, p. 64.
(3) Lyra Tavares, Aurélio de. Op. cit., p. 140. ~-
(5) Bazin, Germain. Op. cit., v. l, p. 44.
244 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 245

perfeição da obra da igreja se fez hum novo (risco) feito pelo pediu também um projeto para a nova Casa de Câmara e Ca-
Mestre José Pera. (dos Santos) para substituir o que havia deia da mesma '. ila, que não foi construído e, provavelmente,
1
6
feito o Irmão Revdo. Dr. Promotor" . uma planta ortogonal para a área central de Mariana, esta
O mesmo praticamente ocorreu com os engenheiros mili- realizada.
tares cujas especializações - em cartografia, demarcação de A estes dois nomes pode ser acrescentado o do Governa-
fronteiras e fortificações - não encontravam, nas Mihas, ne- dor Luís da Cunha Menezes que, embora não sendo enge-
nhum campo de aplicação, dispensando sua presença na capi- nheiro militar, ocupava o principal posto administrativo nas
Minas e que, em 6 de setembro de 1786, enviou ao Secretário
tania. Apenas dois engenheiros militares se vinculam a cons-
d' Além-Mar seu projeto para a nova Casa de Câmara e Cadeia
truções mineiras setecentistas - Pedro Gomes Chaves e Al-
de Vila Rica, afirmando que "em tudo hé muito differente do
poim. 11
que fes e lhe vendeu o sobredito Alpoym" . A interferência
Sobre Pedro Gomes Chaves são mínimas as informações7 de Luís da Cunha Menezes na arquitetura mineira, além de se
encontradas. Seria ele "sargento-mor da Praça da Bahia" reduzir apenas a esse projeto, foi efetivada já no final do sé-
mas, prestando serviços em Vila Rica, foi "notificado para re- culo XVIII, época demasiadamente tardia para ensejar maio-
gressar ao Rio por carta régia de 17 de maio de 1722", embora res influências.
exista um registro no Livro de Termos da Irmandade do San- Aliás, nem Pedro Gomes Chaves nem Alpoim definiram
tíssimo Sacramento referente a um acréscimo por ele feito na quaisquer "escolas" com seus projetos nas Minas pois a Ma-
Capela-mor da Matriz do Pilar, datado de 2 de agosto de triz do Pilar, como uma construção religiosa em meio a inú-
8
1741. meras outras, não lançou modelos diferentes - apesar da so-
O Sargento-Mor engenheiro Pedro Gomes Chaves foi in- lução original de sua nave, delimitada pela talha - e a Casa
dicado pelo Conselho Ultramarino, em 1709, para a "Praça dos Governadores, resolvida como uma fortaleza, constitui o
da Bahia", devendo lecionar na "Aula Pública" e viajar para único exemplo de formas ligadas à arquitetura militar aqui
9
qualquer outra região da colônia se assim lhe fosse ordenado. existente no setecentos.
Embora não sejam conhecidos os motivos de sua presença nas Portanto, a presença dos engenheiros militares nas Minas
Minas, o projeto da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, a se- foi não só mínima como sem outros desdobramentos que pu-
gunda matriz de Vila Rica, lhe é atribuído. dessem se refletir na arquitetura em geral. Assim , se a mar-
Quanto a José Fernandes Pinto Alpoim, cujos principais cante ausência de influências de religiosos nos projetos minei-
dados biográficos foram anteriormente citados, veio para as ros é indiscutível, a atuação limitada dos técnicos militares
Minas por indicação de Gomes Freire de Andrade, seu grande também não alterou a produção arquitetônica local, confe-
amigo e então governador da Gapitania, para "fazer o orça- rindo às Minas mais uma característica muito peculiar em re-
mento do trabalho do · PaláciÓ •dos Governadores em Vila lação às demais regiões brasileiras.
10
Rica", conforme Carta Régia cle 16 de março."de 1736. Apro- Já a vinda de mestres-de-obras, pedreiros, carpinteiros e
outros profissionais da construção para as Minas setecentistas
·1 1

veitando a presença de Alpoim nas Minas, <;Jomes Freire lhe


.. estabeleceu a característica definitiva para acentuar a singula-
ridade deste quadro. Atraídos pela possibilidade de fácil enri- -
(6) Martins, Judith. Op. cit. , v. 2, p. 171.
quecimento com o ouro, os portugueses procuraram os cami-
(7) Lyra Tavares, Aurélio de. Op. cit. , p. 172. nhos das Minas em gigantesca migração, como foi visto. Aqui
(8) Martins, Judith. Op. cit., v. 1, p·. 181. chegando, porém, perceberam que a obtenção das sonhadas
(9) Sousa Viterbo. Dicionário Hist6rico e Documental dos Architectos, Enge·
nheiros e Constructores Portugueses ou a serviço de Portugal. Lisboa, Imprensa Ofi-
cial, 1899, V. 1, p. 210.
(10) Martins, Judith. Op. cit. , v. 1,, p.23. , (11) Martins, Judith. Op. cit. , v. 2, p. 44.
- -~- ~~ - -

BARROCO MINEIRO 247


246 SUZY DE MELLO
ções religiosas, resultando no belo e original acervo que cons-
riquezas não era tão fácil nem tão rápida; antes, tratava-se de
titui o Barroco Mineiro.
aventurosa empreitada que podia oferecer inúmeras dificul-
Suas profissões são as mais variadas - desde taipeiros e
dades e graves perigos. Tendo, porém, empenhado todas as
oleiros até serralheiros e telheiros - quase sempre com espe-
suas economias na viagem para o Brasil, logo viram que o
cializações detalhadas que, freqüentemente, aqui eram am-
ritmo incessante do progresso nas vilas do ouro poderia lhes
pliadas como se deu com José Pereira Arouca, já citado antes,
facilitar o próprio exercício de suas profissões de "homens de
registrado como pedreiro porém, em verdade, um dos maiores
bem" e assim lhes garantir bons ganhos e situação estável,
e melhores empreiteiros de Mariana e Vila Rica.
sem os azares da mineração, sempre instável e cada vez menos
Graças aos registros dos "Livros" das Irmandades e Or-
rendosa.
dens Terceiras bem como a documentos civis ou de caráter re-
As grandes rivalidades entre as ricas Ordens Terceiras se
ligioso - como Cartas de Exame, testamentos e Livros de De-
materializaram na disputa para exibirem as capelas de maior
vassa em Visitas Pastorais - seus nomes ficaram registrados
opulência e os trabalhos de construção, talhas e douramentos
juntamente com recibos de pagamentos e, licenças para traba-
se multiplicaram oferecendo oportunidades de todos os tipos,
lho, mas somente poucos puderam ter reunidos dados mais
em constante seqüência e em todas as vilas do ouro. Ê sabido
completos, que incluíssem sua origem, data de nascimento
que os pagamentos podiam ser de menor monta assim como estado civil e outras informações mais minuciosas. Ainda as~
em certos casos, nem sequer se efetivarem, porém os serviço~ sim, porém, é difícil fazer uma idéia precisa de suas persona-
eram tantos que alguns prejuízos podiam ser absorvidos com lidades como acertadamente observou Germain Bazin. 12
facilidade. De um modo geral, porém, viram-se envolvidos em situa-
Por outro lado, diversas obras públicas também propor-
ções de concubinato com negras forras ou escravas - denun-
cionavam lucros certos, como a construção de chafarizes e
ciadas nos Livros de Devassas das Visitas Pastorais - daí re-
pontes, ao mesmo tempo em que ofereciam novas frentes de
sultando, freqüentemente, filhos naturais. O respeitado Ma-
trabalho absorvendo todo o contingente dos chamados "ofi-
noel Francisco Lisboa, pai de Antônio Francisco, o Aleijadi-
ciais mecânicos" - artífices e artesãos - que se instalaram
nho, teve sérias dificuldades em uma destas situações em fe -
nas Minas como jamais ocorrera em áreas litorâneas. • • 13 '
vere1ro de 1734, sendo Julgado e absolvido. Mas o próprio
Mas estes mestres em sua grande maioria eram pedreiros
Antônio Francisco nasceu de outra ligação, provavelmente em
e carpinteiros de diversas regiões portuguesas, extremamente
1738, ano em que Manoel Francisco se casou, na Matriz de
capazes nos seus ofícios mas oriundos de aldeias do interior e
Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, com Antônia
sem maiores conhecimentos de estilos arquitetônicos e de re-
Maria de São Pedro, com a qual teve quatro filhos.
quintes decorativos. Ao se defrontarem com os programas
Muitos, porém, não se casaram e, em seus testamentos,
construtivos das . vilas do ourp,: suas soluções não poderiam
. ' ...
segmr esquemas complexos; àiítes, resumiram o vocabulário
logo após se declararem solteiros, relacionam os filhos natu-
rais que deixavam, muitas vezes como herdeiros. Eoi o que se
for'm al de suas origens, adaptando-o aos materiais disponí-
deu com o grande mestre da pintura barroca, Manoel da Costa
veis, às condições topográficas e aos requisitos funcionais da
Ataíde, que em seu testamento, datado de 1826, declarou que
época. •
sempre viveu no "Estado de Solteiro" mas "por fragilidade
Vindos principalmente da Extremadura, das Beiras e do
humana" deixava quatro filhos naturais. 14
norte aqui refizeram sua arquitetura vernacular sem os mo-
dismos da corte ou as interferências oficiais. E com essa ines-
perada liberdade, souberam réalizar adaptações especialmen-
te felizes pois não repetiram os detalhes mas sim os elementos (12) Bazin, Germain. Op. cit., v. l, p. 47.
essenciais - como proporções e modulação - a partir dos (13) Martins, Judith. Op. cit., v. 1, p. 381.
(14) Martins, Judith. Op. cit., v. 1, p . 87.
quais se foram definindo os partidos do casario e das constru-
248 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 249

Se, entretanto, são bastante falhos os dados pessoais so- experiência com o pai, é considerado como arquiteto, escultor
bre os oficiais mecânicos setecentistas, também é interessante e entalhador graças à genialidade de suas criações.
notar que a profissão de arquiteto não é indicada em suas Aliás, a oportunidade de formação profissional do mu-
cartas de exame ou em outros documentos. Este fato é expli- lato Antônio Francisco com seu pai retrata perfeitamente a si-
cado por serem os projetos - ou "riscos" - "propostos por tuação nas Minas, quando os mestres portugueses tiveram
qualquer pessoa que tivesse adquirido conhecimentos de ar- como ajudantes e aprendizes os mulatos, que nascidos livres e
quitetura, quer pela prática, com o exercício de uma atividade com claras tendências artísticas, depois os sucederiam na ar-
ligada à construção, quer intelectualmente, quer tecnicamen- quitetura e nas artes em geral.
15
te, pela competência de engenheiro" . Assim, nas Minas, os ' É importante, porém, esclarecer que embora a designa-
projetos foram feitos principalmente por pedreiros e carpin- ção oficial de arquiteto não fosse comum na época colonial po-
teiros, embora diversos tivessem como responsáveis entalha- deria ser considerada equivalente a títulos como "mestre do
dores ou outros artistas. risco" e "mestre de obras", entre outros. Seria, aliás, este o
O próprio Manoel Francisco Lisboa, cujo sumário bio- caso de Luis Dias, que veio para o Brasil em 1549, com Tomé
gráfico foi anteriormente apresentado, embora se destaque de Souza, para executar as fortificações e as primeiras cons-
pelas notáveis obras de arquitetura aqui realizadas, exercia o truções de importância em Salvador, com o título de "mestre
ofício de carpinteiro. Talvez nem fosse "conhecido como ar- da pedraria" e que "deve ser considerado o pioneiro dos nos-
tista apreciável em Portugal tendo saído de lá muito cedo e só sos arquitetos" .19
16
no Brasil iniciado suas atividades" . Finalmente deve ser registrada a atuação do Guarda-Mor
Nas Minas setecentistas, entretanto, sua competência foi José Soares de Araújo, nascido em Braga e que, servindo no
indiscutível e reconhecida na época quando por treze anos antigo Arraial do T~juco na segunda metade do século XVIII,
quase consecutivos foi eleito "juíz do ofício de carpinteiro" em foi o autor das mais importantes pinturas nas principais cape-
Vila Rica, posição da maior importância na profissão. Além las locais e de algumas vilas próximas, com composições de
de ter sido "louvado" (ou fiscal) de inúmeras construções, grande beleza e originalidade, especialmente quanto ao seu
"em 1760, seu prestígio tinha atingido a tal ponto, que o Go- colorido.
vernador Gomes Freire de Andrade convocou-o para, à vista Ainda que a presença extremamente numerosa dos artí-
dos apontamentos que lhes fossem apresentados pelo Tesou- fices e oficiais mecânicos nas Minas setecentistas impossibilite
reiro da Fazenda Real, opinar e orientar as obras que deve- comentários mais detalhados sobre suas obras ou uma relação
riam ser feitas na Sé de Mariana, relativas aos ofícios de car- mais ampla de seus nomes, seu trabalho constituiu, sem dú-
17
pinteiro e pedreiro" . vida, o ponto de referência básico para o estabelecimento da
' í>o~tanto, Manoel Francisco Lisboa, indicado como "car- arquitetura e da arte que tão peculiar e magistralmente carac-
18
pinteiro e mestre•das obras reai; "-, efetivamente merece o tí- terizam as vilas do ouro.
tulo assim como seu filho Antônio Francisco, o Aleijadinho,
com f9rmação profissional decorrente do aprendizado e da

(15) Bazin, Germain. Op. cit. , v. l, p. 43 .


(16) Martins, Judith . "Subsídios para a Biografia de Manuel Francisco Lis-
boa". Revista SPHAN, Rio de Janeiro, MES (4), 1940, p. 125.
(17) Martins, Judith. Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos XVIII e
XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro, IPHAN (27), 1974, v. l, p. 382. (19) Andrade, Rodrigo M. F. de. Artistas Coloniais . Rio de Janeiro, MEC,
(18) Martins, Judith. Op. cit. , v. 1, p . 38k . 1958, p . 7.
BARROCO MINEIRO 25 1
250 SUZY DE MELLO

Os projetos e sua construção seu responsável estivesse legalmente habilitado para o exercí-
cio profissional por meio das "cartas de exame" expedidas
pela Câmara. Esses procedimentos constituíam a "arremata-
Apesar de todas as dificuldades materiais da época colo- ção" da obra, quando se procedia ao "auto de arrematação" ,
nial, que se agravavam nas Minas pela sua distância do lito- isto é, ao registro do nome do "arrematante" com as condi-
ral, os projetos de arquitetura foram aqui desenhados de acor- ções de prazo, pagamentos e outros detalhes relativos à cons-
do com as normas então vigentes, que incluíam plantas, cortes trução, praticamente equivalendo a um contrato de trabalho
e "alçados" (ou elevações) bem como detalhes em escala maior nos dias de hoje.
para facilitar sua execução. Feitos à tinta e muitas vezes com Eram exigidos também fiadores e o arrematante ficava
uso de cores, indicavam sempre a escala usada - denomi- responsável pela segurança e funcionamento da obra reali-
nada petipé - sendo as dimensões medidas em palmos, bra- zada por um certo prazo, que variava de urr ano e um dia até
ças, pés e passos como era usual. três anos. Os pagamentos se faziam, em geral, em três etapas,
Os desenhos, geralmente chamados "riscos", eram com- a primeira correspondendo ao início dos trabalhos e a segunda
plementados por minuciosas especificações relativas às obras, ao ser completada sua metade. Neste caso, porém, era reali-
que formavam as "Condições das Obras" ou "Registro das zada uma vistoria oficial, por mestres construtores também
Condições". Nestes documentos todas as etapas da construção respeitados na vila, para se verificar o exato cumprimento das
eram cuidadosamente detalhadas, com sua nomenclatura téc- especificações. Esta vistoria ou fiscalização era conhecida
nica, desde a implantação da edificação - que podia incluir como "louvação" e seus responsáveis, como "louvados". Apro-
nivelamentos e terraplenagem - até os trabalhos de alvena- vados os trabalhos pelos "louvados", a segunda parcela era
ria, cantaria, carpintaria, serralheria e pintura. Em alguns paga e a obra seguia até sua conclusão quando tinha lugar
projetos de maior importância, o autor era obrigado a apre- outra "louvação" e o pagamento final.
sentar uma cópia, então chamada de "recalco". O termo Assim como os chamados "juízes de ofício" - respon-
"prospecto", muito comum no período colonial, tinha varia- sáveis pela expedição das "cartas de exame" de habilitação
das acepções, podendo indicar tanto uma fachada ou uma profissional - os "louvados" deviam ser mestres de compro-
perspectiva de um edifício 20 como todo o projeto arquitetô- vada competência pois ambas as funções eram de grande res-
nico. ponsabilidade e solenemente atribuídas pelas Câmaras no sé-
Quanto à sua construção, em se tratando de edificações culo XVIII. Os "louvados". assinavam um "termo de jura-
não particulares, toda uma série de providências era exigida mento" lavrado pelo escrivão da Câmara para sua específica
de acordo com a legislação portuguesa, vigente também nas tarefa fazendo "os juramentos aos Santos Evangelhos em hum
Minas. ' livro delles em que puzerão suas mãos direitas sobre o cargo
No caso, pori exemplo, de\ :1m chafariz, edificado sob a do qual lhes encarregou que bem e verdadeiramente em suas
responsabilidade da Câmara de uma vila, seus membros no Consciencias louvassem as ditas obras a vista das ditas Condi-
geral decidiam a construção e faziam diretamente a solicita- çõens; e recebido por elle o dito juramento assim o prometerão
21
ção do "risco" a um mestre de reputação já confirmada. Em cumprir" . Feita a inspeção da obra, os "louvados" apresen-
seguida era o projetô "posto em praça", ou seja, colocado em tavam sua "determinação", ou parecer, por escrito, também
concorrência pública para sua construção. Recebidas as pro- perante o escrivão e o presidente da Câmara. Em vários casos
postas era vencedora a que desse o menor preço para a execu- os "louvados" não aprovaram os trabalhos vistoriados sendo o
ção da obra desde que fossem respeitadas as especificações e

(21) Martins, Judith . Op. cit., v. 2, p. 253.


(20) Corona & Lemos. Op. cit., p . 391. '
252 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 253

arrematante obrigado a refazê-los, como indicam registros da A conclusão de uma edificação - religiosa ou civil - era
época. a sua "baixa" ou aceitação, embora fossem freqüentes refor-
Considerando que a indicação para "louvado" equivalia mas e alterações posteriores.
a um reconhecimento oficial de capacitação profissional e a Mas, apesar de tantas formalidades, havia freqüentes
uma consagração pública, os principais mestres - como Ma- subempreitadas de obras, feitas com relativa facilidade e nem
noel Francisco Lisboa, Antônio Francisco Lisboa e Antônio sempre registradas oficialmente pelo que, em certos casos, há
Francisco Pombal, para citar apenas os mais conhecidos - discrepâncias entre os documentos existentes e a efetiva parti-
atuaram como "louvados" em Vila Rica ainda que, quando cipação dos mestres ali indicados. Fatos semelhantes ocorre-
arrematantes de outras obras, fossem igualmente sujeitos a ram também nos Livros das Ordens Terceiras e Irmandades
"louvações". de brancos que proibiam neles constar a assinatura de mula-
Para os edifícios oficiais eram adotados os mesmos proce- tos, mesmo com a fama e o gênio de Antônio Francisco Lis-
dimentos como ocorreu na Casa de Câmara e Cadeia de Ma- boa, o Aleijadinho, disputado pelos carmelitas e franciscanos.
riana e na Casa dos Governadores, em Vila Rica. Apesar destes preconceitos, contornáveis pelo pagamento
Quanto às construções religiosas, feitas nas Minas sete- de "diárias" (ou "jornal") ou por meio de intermediários, as
centistas como grandes empreitadas coletivas, organizadas e Ordens Terceiras e as Irmandades foram as grandes constru-
dirigidas pelas Ordens Terceiras e Irmandades e, portanto, toras das Minas setecentistas. Ainda que nem sempre fizes-
com recursos doados por seus componentes, também eram se- sem seus pagamentos em dia, tiveram todas a seu serviço não
guidas regras semelhantes embora com algumas variações só os melhores mestres portugueses como uma segunda gera-
para adequá-las a aspectos específicos. ção de capazes artífices, já aqui nascidos e, em sua maioria,
Como foi visto, sua direção era feita pela "Mesa", que mulatos muito dotados para as artes e oriundos da intensa
deliberava igualmente sobre a construção de uma nova capela miscigenação dos primeiros tempos.
para seu uso. Se aprovada a obra, a própria Mesa indicava o As inúmeras capelas e matrizes erguidas nas Minas, se-
autor do risco, sendo lavradas atas (ou termos) das reuniões gundo concorrências democraticamente abertas, permitiram
nos "Livros de Termos e Deliberações" . Apresentado o pro- a ampla participação dos mestres e artífices aqui radicados,
jeto, novas discussões tinham lugar para sua aprovação e era o ao contrário das normas usuais das Ordens Regulares, com
risco "posto em praça" ou, em casos especiais, diretamente soluções impostas e limitadas pelas suas tradições. Como re-
contratado o executante, com os registros sempre feitos nos sultado, as vilas do ouro tiveram suas paisagens enriquecidas
"Livros de Termos" . Os pagamentos e demais despesas eram por uma arquitetura mais variada e livre nas suas expressões,
consignados nos "Livros de Receita e Despesa", também embora sempre coerente e singela na sua linguagem.
mantidos pelas Ordens Terceiras e Irmandades, que exigiam
fiadores e garantias. '': •
Para as cpnstruções de maior porte, a -.a rrematação era
geralmente feita por etapas, de acordo com o tipo do trabalho:
obras de alvenaria, de cantaria, de carpintaria (talha inclu- Os sistemas construtivos
sive), de pintura e de douramento, completadas pelos traba-
lhos de mobiliário, marcenaria e serralheria, entre outros.
Este sistema, igualmente chamado de adjudicação, permitia Dentro dos limites deste trabalho interessa não o estudo
controle mais completo das despesas e facilitava as numerosas detalhado dos sistemas construtivos mas sim uma visão geral
modificações dos projetos, especialmente usuais nas edifica- que também indique os processos e materiais mais caracterís-
ções religiosas. As "louvações" eram sempre realizadas pelas ticos nas Minas durante o decorrer do século XVIII. Entre-
Ordens Terceiras, seguindo as mes!J1as normas já indicadas. tanto , algumas considerações básicas são fundamentais para
254 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 255

a compreensão das técnicas que se impuseram como de maior


adequação para o território mineiro.
Em primeiro lugar, é importante verificar que o uso da
terra nas construções tem remotas origens e múltipla utiliza-
ção como apontou Afonso Arinos de Melo Franco:
"No Reino, tanto como na Colônia, as casas de pedra e
,cal eram escassas. Mais freqüentes, talvez, as de pedra e bar-
ro, mas principalmente as de taipa, nas várias significações
deste termo. No fundo, todas traduzindo o uso da terra como
( material mais importante. Antiquíssimo era em Portugal o
emprego da terra como material na ereção de paredes, muros
e até muralhas fortes. Foi usada pelos sarracenos e pelos ro-
manos, na península, e os técnicos querem recuar o seu em-
prego, no Velho Mundo, para tempos ainda mais remotos que
os de Roma. No Reino, como aqui, até torres, casas nobres, e
edifícios públicos, fortins, conventos e igrejas se fizeram de
taipa. Taipa de mão, taipa de pilão, taipa francesa, taipais;
palavras que encontramos a cada página na leitura de velhas
crônicas. A origem provavelmente árabe do vocábulo parece BURRO
indicar que o costume de construção romana reanimou-se ao
•Taipal. • Pau-a-pique.
influxo mouro e por seu intermédio entrou na língua. E não se
suponha que a terra era empregada apenas em centros meno-
res. Em Lisboa e no Porto, como no Rio, na Bahia ou Recife,
o adobe e a taipa reinaram vitoriosamente durante três sécu-
" 22
\ 1os.
Essa utilização tradicional da terra como material cons-
trutivo foi, naturalmente, repetida nas Minas onde as taipas
\ também são usadas ao longo de todo o setecentos.
A primeira técnica aqui adotada foi a da taipa de pilão,
certamente introduzida pelos bandeirantes. Em resumo, a
\ taipa de pilã~ c~ns~ste n: ar~açã~ de duas tábua.s paralelas,
'*.l'C fíamaaas ta1pa1s; que sao f1xad·as por cunhas dispostas em
interv'alos regulares. Entre os taipais é colocaâo o barro, fre-
qüentemente enriquecido com areia e argila para aumentar
sua liga e, em out.ros.. casos, com estrume de éurral ou fibras
vegetais que atuam como aglutinantes. O barro é então so-
cado a pilão ou com os pés para aqquirir maior consistência e,

m e chorros. • Beiral com beira-seveira.


(22) Melo Franco, Afonso Arinos de. Desenvolvimento da Civilização Mate-
rial no Brasil. Rio de Janeiro, MES-SPHAN (11), 1944, p. 16-7.
~~---~~~~~-----
SI t m s co nstrutivos - alguns exemplos.
256 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 257

em camadas sucessivas , com a repetição desta operação , for- Ainda utilizado em zonas rurais e mesmo na periferia de
9 .ma-se uma parede monolítica que, após a retirada dos taipais, grandes cidades, o pau-a-pique foi particularmente usado nas
L~presenta-se bastante lisa e com boa resistência. Minas e teve suas características construtivas muito bem apro-
A taipa de pilão foi amplamente usada em todo o Brasil, veitadas no setecentos. Segundo sua própria execução, o pau-
principalmente nos primeiros séculos da colonização e em re- a-pique mostra com clareza as funções de seus elementos com-
giões menos ricas em pedras mas sua maior predominância se ponentes, pois os esteios ficavam aparentes - aumentando a
registrou em São Paulo e Goiás. resistência da madeira e indicando sua função de sustentação
- enquanto que os panos de parede, rebocados e caiados,
Nas Minas , apesar de inicialmente feita pelos paulistas,
constituíam naturalmente as vedações.
G teve aplicação menos intensa pois, sendo muito sujeita à ero-
VJ são pela água, sua adoção nos terrenos mais acidentados era Em se tratando de paredes de maior altura ou que exi-
gissem mais solidez eram usados reforços feitos com outras
problemática pelas dificuldades na proteção contra as enxur-
peças intermediárias de madeira, formando-se então os cha-
i ~~das, especialmente fortes nas difíceis topografias das vilas mados "frontais tecidos".
;_:o ouro. Dentro deste esquema simples mas .de grande clareza
· Entretanto , diversas construções dela se valeram, inclu- construtiva, foi estabelecida uma linguagem formal espontâ-
sive da importância da Matriz de Nossa Senhora da Concei- nea e agradável para a arquitetura que, desataviada e pura,
ção, em Catas Altas, na sua primitiva estrutura. alcançou uma elegância singela e inata que caracteriza parti-
{ No antigo Arraial do Tijuco, a taipa de pilão era feita cularmente as vilas do ouro.
com cascalho misturado ao barro, em processo muito seme- Estas qualidades resultaram tanto da sensibilidade na
lhante ao do concreto armado de hoje. Este cascalho, reco- distribuição dos esteios, que definem o ritmo das composições,
lhido de rios ou do próprio local da construção, era chamado quanto da vasta prática dos mestres portugueses nas constru-
{} "crista~ podre" ou " pirur~ca" , ~ndo a taipa assim executada ções em madeira que lhes permitia a utilização de peças extre-
J conhecida como " de formigão" . mamente esbeltas. Com sua grande experiência em arquite-
,____
Outra técnica de taipa, de extensa aplicação nas Minas, tura naval, as estruturas em madeira são resolvidas com en-
fo~ a do E ª~- a~que , conhecida ainda como taipa de sebe , sambladuras perfeitas e com total autonomia e segurança.
. taipa de mao, aipa de sopapo, de pescoção ou de tapona. "Suprimido o mar, a engenharia náutica reformula-se, adap-
Í Neste caso é form ada uma armação de madeira - chamada ta-se e refloresce na construção civil." 24
~ "gaiola" - que é limitada lateralmente pelos " esteios" - pe- Assim, não só residências eram feitas com estrutura au-
ças verticais - e na parte inferior pelo "baldrame" - peça tônoma de madeira - que facilitava a construção em terrenos
horizm:ital - sendo fechada superiormente pelo "frechai" , acidentados - como de pau-a-pique se ergueram capelas
também horizontal. A área de!J.mitada por esta armação cor- como a de Nossa Senhora do Ó, em Sabará; de São Francisco,
responde a uma parede e é preenchida com um tramado de em Caeté e de Nossa Senhora das Mercês, em M ariana, além
pequenos paus roliços, amarrados com fibras vegetais, em xa- de outras, posteriormente refeitas em pedra. .
drez. Sobre esta tramà o barro é jogado com as mãos e logo Nas edificações mineiras foram igualmente utilizados
em seguida comprimido. Ao secar, a parede tem boa resis- tanto os adobes - tijolos de grandes dimensões, secos ao sol
·? tência e peso relati; o pois funciona como vedação, ficando as - como os moledos, formados por rochas em decomposição,
u argas concentradas na estrutura autônoma de madeira. argilas estratificadas e saibros aglutinados. Porém, freqüente-

(23) Vasconcellos, Sylvio de. Arquitetura no Brasil: Sistemas Construtivos . (24) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade . Belo Horizonte, Imprensa Oficial.
Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, i979, p. 2~. i968, p. 49.
258 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 259

mente eram combinadas técnicas diferentes em uma mesma m algu mas vilas ocorriam certas tipicidades cu riosas
obra para o melhor aproveitamento das vantagens oferecidas ·orn a preferência , em São João dei Rei e na atual Tiraden-
por cada uma. 1 ·s, pelas originais " beiras-seveiras" que são beirais fo rmados
Entretanto, a variedade dos materiais e a diversi1dade das t or fiadas de telhas superpostas em balanço sucessivo . Já no
características do vasto território das Minas determinou a pre- an ligo Arraial do Tijuco, além do gosto pelas fachadas colo-

~
ferência de sistemas construtivos diferenciados para cada sub- ri elas, era muito usada uma faixa pintada com delicados mo-
região: "no Sul, a taipa de pilão, os moledos e os adobos não- tiv s florais, logo abaixo do beiral, como já mencionado.
estruturados em madeira - construções maciças, de muros Outros elementos, ainda que encontradiços nas demais
suportantes; no Centro, as estruturas de madeira 1e o pau-a- regiões do Brasil, foram resolvidos com grande requin te e
pique, mais adequado à irregularidade dos terrenos; no Norte, raça nas Minas setecentistas. Entre os principais podem ser
os frontais tecidos, em compromisso misto de estruturas autô- incluídos os balcões e as sacadas , as treliças, os forros em es-
nomas e maciças conjuga. das. Contudo, o sistema construtivo teira ou em painéis alteados (ou de "gamela" ou " masseira")
ais utilizado em toda a região é o constituído pelas estrutu- e os pátios calçados com seixos rolados em caprichosos dese-
25
as de madeira com paredes de pau-a-pique" . nhos . Os detalhes são incontáveis e da maior variedade, mas
Porém, embora se mantendo o uso das taipas, uma na- sempre indicando feitura cuidada , constante bom gosto e se-
tural evolução levou às construções em pedra, sem dúvida gu ro domínio das técnicas.
mais nobres e mais duráveis. Nas Minas destacaram-se estas a Esta grande capacidade profissional dos mestres portu-
partir do seu exemplo mais simples: os muros de pedra seca, gueses , traduzida na competente adaptação das soluções sim-
construídos pelos escravos à feição dos inúmeros existentes em ples e elegantes de sua arquitetura vernacular e no melhor
Portugal. E, em se tratando de peças de cantaria com apare- aproveitamento dos recursos locais, foi uma das principais
lhamento mais cuidado, o chamado itacolomito, um tipo de bases das notáveis realizações que caracterizam o Barroco Mi-
quartzo de colorido variando entre tons amarelados, acinzen- neiro.
tados ou esverdeados, conforme sua região de origem, permi-
tia a execução de bela ensilharia para embasamentos, mol-
duras de vãos, cimalhas e outros elementos. Também a pedra-
sabão, talcosa e macia, favoreceu os trabalhos de escultura
enquanto que a canga, um tipo de minério de ferro, era apro-
veitada em alicerces e paredes.
Ê ainda válido salientar as engenhosas soluções dos te-
lhado~, principalmente pelos graciosos "galhos" - ou incli-
nações dos caibros - que, ft;jtos com notável sensibilidade,
conferem às construções mineiras especial encanto e um ines-
perado aspecto oriental. Assim como é importante notar os
amplos beirais ritmados, quase sempre pelos "cachorros" -
peças de sustentaçi o, em madeira - de caprichosos perfis ou
as recortadas cimalhas que podem completar os beirais, exe-
cutadas em madeira ou em alvenaria.

(25) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 47.


BARROCO M INEIRO 261

, em síntese final , devidamente valorizada como a mais sig-


nificativa das " objetivações concretas de uma cultura em for-
mação, desabrochada em peculiaridades que singularizam a
própria inteligência nacional" . 1
Inicialmente, como uma premissa de caráter mais geral,
é oportuno lembrar o que Leopoldo Castedo classificou como a
"constante barroca na arte brasileira", aliás título de um en-
saio no qual demonstra que as quatro grandes características
do povo brasileiro - universalidade, intimidade com o divino,
sensualidade e audácia - são essencialmente barrocas e sem-
pre se fizeram presentes nas manifestações artísticas dos mais
diversos tipos e origens no Brasil. Embora não cabendo aqui
detalhadas discussões sobre o trabalho do crítico e historiador

Conclusões~------
chileno, é válida a transcrição de um dos seus mais interes-
santes parágrafos, que também inclui oportuna referência
comparativa com a arte da América Espanhola:
" A importância relativa da ornamentação é comum em
toda a América de origem ibérica, com a marcada diferença
"Vendo aquelas casas, aquelas igrejas, de
surpresa em surpresa, a gente como que se
de que, enquanto a visualização na arte hispano-americana
encontra, fica contente, feliz , e se lembra segue um plano único, se nota no Brasil um movimento envol-
de coisas esquecidas, de coisas que a gente vente, como expressão do dinamismo típico característico no
nunca soube, mas que estavam lá dentro de barroco centro-europeu. E esse movimento, que culmina, no
n6s, não sei. - Proust devia explicar isso direito. " período colonial, na obra do Aleijadinho, pode ser registrado,
Lúcio Costa (1929) com 1;1s variações naturais, em todas as fases da história da
arte no Brasil como uma feliz constante - um traço nacional
inconfundível - da obra dos santeiros coloniais às integrações
Ás várias tipologias arquitetônicas apresentadas neste esculturais de Brasília; dos topos de frontispícios partidos em
trabalho indicam claramente todo um universo de realizações volutas às fachadas ondulantes e à exaltação plástica da dança
diversificadas em suas múltiplas funções, porém de extraor- no Brasil moderno; das alfaias de Mestre Ataíde aos retorci-
dinária coerência quanto à sua forma de expressão. dos das pinturas de Portinari; das barbas encrespadas dos
Esta qualidade, perceptí~el mesmo pelos observadores 'Profetas' do Aleijadinho aos 'Cristos' baianos primitivos de
2
menos especializados e pelos turistas mais desatentos, decorre Mário Cravo."
de diversos fatores que, específicos do Barroco Mineiro, lhe Realmente, tendo a época da efetiva colonização portu-
conferem uma posição relevante no panorama artístico do guesa no Brasil coincidido com a eclosão e o desenvolvimento
Brasil. .
Porém, ainda que estas principais especificidades te-
do Barroco na Europa - desde sua fase inicial, conhecida

nham sido indicadas em seus aspectos de maior destaque, é


importante completá-las com o estabelecimento de certas pro-
posições conclusivas. Através delas, e da análise básica de suas (1) Lefêvre, Renée & Vasconcellos, Sylvio de. Minas: Cidades Barrocas. São
Paulo, Cia. Ed. Nacional; Ed. da Universidade de São Paulo, 1968, p. 2.
características, a arquitetura mineira setecentista poderá ser (2) Castedo, Leopoldo. A Constante Barroca na Arte Brasileira. Rio de Ja-
mais facilmente compreendida e mais amplamente usufruída. neiro, MEC-Conselho Federal de Cultura, 1980, p. 24.
262 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 263

como protobarroca ou maneirista até os requintes do Rococó, premissas de um novo barroco, vindo de fora, que faz justiça a
no período final - era natural a sua transposição, ainda que •I mesmo e, como sempre, com um imenso talento'." 3
com razoável atraso. Esta demora, porém, não só ensejou aos É, pois, válido lembrar que " re.s ulta bastante evidenciada
portugueses maior intimidade com a linguagem formal do es- a peculiaridade do Barroco Mineiro e sua continuidade irrecu-
tilo como permitiu que a nova colônia superasse os seus está- sável na arquitetura contemporânea de Oscar Niemeyer, ini-
gios mais primitivos para recebê-lo já em condições de maior ciada nas Minas. Resulta, também, que ambas constituem,
estabilidade. p r seu ineditismo, características de uma nascente, ou pelo
Por outro lado, sendo o Barroco a expressão artística da menos insinuada, tipicidade nacional, ·extremamente diluída
Contra-Reforma - a reação do catolicismo contra a Reforma cm outras manifestações artísticas que, a propósito, se pudes-
4
Protestante de Lutero - , teria a natural preferência das gran- sem invocar".
des Ordens Religiosas, responsáveis pelas principais constru- Se bem que estas observações sejam apenas ilustrativas,
ções nos primórdios do Brasil: os colégios e os conventos edi- não cabendo aqui minuciosas análises, é evidente que a obra
ficados no litoral. de Niemeyer vincula-se nitidamente ao espírito barroco pelo
Portanto, praticamente construído sob as influências do tratamento dinâmico do espaço e pela plasticidade magistral-
Barroco, em suas várias interpretações e em todas as suas for- mente obtida com o concreto.
mas, somente no início do século XIX o Brasil adotaria adis- Dentro deste quadro de persistência das formas barrocas,
[ ciplina neoclássica. Assim, três séculos de predominância bar- a arquitetura mineira setecentista não apenas nele se inclui
roca teriam naturais desdobramentos no gosto artístico do como, de modo muito especial, se apresenta com aspectos
povo, bem como sofreriam interpretações de maior abrangên- ainda mais particulares, que determinam as demais conclu-

f cia incluindo, também, a produção arquitetônica moderna,


não como cópias gratuitas mas antes com inspiração própria e _
de indiscutível criatividade. ·
E o caso de Oscar Niemeyer, o maior e mais importante
exemplo brasileiro, que escreveu:
sões, já diretamente a ela vinculadas.
Assim, a primeira conclusão diz respeito à originalidade
das soluções que informam o Barroco Mineiro. Como indicou
Gilberto Freyre, se temos uma civilização luso-brasileira tro-
pical, "o Brasil não é monolítico, e sim vário. O trópico bra-
"Para mim, os caminhos da arquitetura, da escultura e sileiro não é o mesmo, em todas as regiões do país, porém
da poesia se cruzam também. Aí nascem as obras de arte." diverso. A unidade brasileira é do que se nutre para ser o
"(. .. )mas depois, com a arquitetura contemporânea vito- espantoso fenômeno sócio-ecológico que é: da diversidade de
riosa, voltei-me inteiramente contra o funcionalismo, desejoso regiões - Brasís no plural - que se interpenetram, comple-
5
de vê-la integrada na técnica que surgira e juntas caminhando tando-se no Brasil: no Brasil singular".
pelo cé).mpo da beleza e da poesia. E essa idéia passou a domi- Esta variedade, evidente nas mais diversas condições e
nar-me, como uma deliberação interior irreprimível, decor- em todas as numerosas manifestações culturais, tem na arqui-
rente talvez de antigas lembranças, das igrejas de Minas Ge- tetura destacada presença. Partindo as construções brasileiras
rais, das mulheres belas e sensuais que passam pela vida, das da época colonial da raiz única portuguesa - já que as in-
montanhas esculturais e inesquecíveis do meu país."
"Os que visitavam Pampulha se entusiasmavam com as
formas novas que ela oferecia e a leveza de sua arquitetura.
( ... )De Ozenfant, amigo de Le Corbusier, recolhi, no seu livro (3) Niemeyer, Oscar. A Forma na Arquitetura. Rio de Janeiro, Avenir, 1978,
de memórias, este trecho claro, de destino inconfundível: 'Le p. 15, 22, 28, 30.
(4) Vasconcellos, Sylvio de. Mineiridade . Belo Horizonte. Imprensa Oficial,
Corbusier, depois de ter defendido a disciplina purista e a 1968, p . 175.
lealdade ao ângulo reto, pelo qual pretendia direitos particu- (5) Freyre, Gilberto. Brasís, Brasil, Brasília. Rio de Janeiro, Record, 1968, p.
lares, parece ter decidido abandoná-lo, ao sentir no vento as 19.
264
SUZY DE MELLO 265
BARROCO MINEIRO

fluências indígenas e africanas são, comparativamente, míni- n itância de soluções diversificadas ou sua conjugação em es-
mas nesse campo - teriam que apresentar as indispensáveis quemas essenciais. A primeira hipótese, mais simples e mais
adaptações impostas, principalmente, pelo clima e pelos ma- aceita pelo litoral brasileiro , propicia a coexistência de pa-
teriais disponíveis, complementadas por outras de caráter eco- <frões diferenciados provindos da Europa, e de manifestações
nômico e social, primordialmente.
de cultura africana. Esta alternativa não corresponde, toda
' As próprias raízes portuguesas, porém, já chegaram ao via ao clima reinante no segundo período da civilização mi-
território brasileiro enriquecidas com novos elementos - afri- nei~a que busca desesperadamente afirmação própria. Esta só
canos e orientais - resultantes do ciclo das grandes navega- podia enquadrar-se na segunda hipótese, formulada em so-
çes, quando Portugal estabeleceu colônias em paragens dis- matórias e abstrações e traduzida em essencialidades."
7

tantes como Goa, Damão e Macau. E aqui foram novamente Esses aspectos essenciais são, entretanto, diretamente li-
reformuladas; resultando em uma produção arquitetônica gados à coerência do tratamento formal e espacial dado a to-
também nitidamente "luso-brasileira tropical". dos os tipos de arquitetura no Barroco Mineiro, que sempre se
Ou como bem explicou Lúcio Costa: "Há certa tendência exprime em vocabulário simples e elegante, ressaltado por
a considerar 'imitações' de obras reinóis as obras e peças rea- uma grande sensibilidade no uso das mais adequadas propor-
lizadas na colônia. Na verdade, porém, são obras tão legíti- ções. Dessa constante preocupação resulta o aspecto agradá-
mas quanto as de lá, porque o colono, par droit de conquête, vel e tranqüilo das vilas do ouro onde - das casas térreas aos
estava 'em casa' , e o que fazia de semelhante ou já diferen- sobrados e das capelas e matrizes aos edifícios oficiais - to-
ciado era o que lhe apetecia fazer - assim como ao falar por- das as construções se harmonizam em sua volumetria e nas
tuguês não estava a imitar ninguém, senão a falar, com so- composições de fachadas . Da Casa de Câmara e Cadeia de
taque ou não, a própria língua". 6
Mariana às capelas das Ordens Terceiras não há a procura de
Entretanto, a arquitetura mineira do setecentos é a que uma monumentalidade gratuita, antes a impressão de maior
mais oferece soluções originais, obtidas através de adaptações ou menor importância de uma obra é sentida através do jogo
peculiares aos seus condicionamentos próprios. Sem a facili- sábio das relações espaciais.
dade dos materiais vindos de Lisboa e sem a imposição de pro- Assim, ao contrário de muitos conjuntos religiosos do li-
jetos de maior inspiração européia, presentes nas cidades do toral, que se destacam pela imponência de sua escala, ~s ma-
litoral, as Minas passam a desenvolver modelos recriados, trizes e capelas mineiras revelam-se em sua volumetria sem
nos quais se destaca a simplificação das formas e a predomi- recorrer senão a uma sensível organização dos elementos de
nância dos valores essenciais. Assim, em lugar de detalhes ela- sua composição. "A Igreja de São Francisco, de Ouro Preto,
borados, a preferência pelas proporções mais agradáveis e em por exemplo, mostra-se a quem a vê com o largo fronteiro de
vez de exuberância ornamental, o claro apego a uma elegância permeio, como um 'pequeno' templo, pouco mais que uma
mais despojada. ., .
capela. Mas à medida que a gente se aproxima, a igreja cres-
Sylvio de Vasconcellos resun'iiu esta tendência em obser- ce até revelar-se em toda a sua imponente grandeza. O exame
vações, da maior exatidão: [
at~nto da composição sugere que o arquiteto procurou delibe-
"Nas Minas, a extraordinária complexidade ambiente radamente escalonar as impressões produzidas pela obra".
8

encontra sua resultante nos ideais de simplicidade e equilí- Aliás, é justo citar ainda outra semelhança entre as so-
brio, aos quais aspira ; ua gente. Em face de tantas influências luções do Barroco Mineiro e a obra de Oscar Niemeyer que
recebidas, simultapeamente, em área territorial exígua, em
curto prazo, duas saídas se apresentaram às Minas: a conco-

(7) Vasconcellos, Sylvio de . Op. cit. , p . 158.


(6) Costa, Lúcio. Op. cit., p. 5. (8) Graeff, Edgar A. Cidade Utopia . Belo Horizonte, Vega; Ed. da Univer-
sidade de São Paulo, 1979, p. 73.
266 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 267

"não é resultado do acaso, capricho individual ou exotismo. negros. E, justamente, as Irmandades de negros - como as
~xpressa uma cultura ou, pelo menos, uma aculturação espe- do Rosário e de Santa Efigênia - edificam importantes e re-
cifica. Ambos, Oscar e Antônio Francisco (Lisboa), procuram quintadas capelas, como as daquelas denominações , em Vila
desesperadamente as proposições mais simples, diretas, con- Rica, para citar apenas dois exemplos mais conhecidos.
clusas, contidas em um mínimo de elementos interessados a "No reino os mosteiros são uma afirmação do poder, ini-
um máximo de expressão" .9 ciativa do Rei ~isand1> à glória do absolutismo. Nas Minas são
Portanto, sem as soluções condicionadas pelos modelos uma afirmação da fé popular, iniciativa dos humildes , objeti-
euro~eus .~as Ord~ns Religiosas ou pela interferência da enge- vando o triunfo das almas. " 11
nharia militar, e hvre de determinações motivadas por mate- Estas circunstâncias, que só ocorreram com toda a pleni-
riais construtivos importados, a arquitetura mineira setecen- tude nas Minas setecentistas, são os mais evidentes indicado-
tista.resolve-se com s~l1:1ções leves, elegantes e simples que, a res do liberalismo que informava as principais realizações ar-
partir de um vocabulano formal de origem portuguesa verna- quitetônicas do Ciclo do Ouro.
cular, aqui se reformula para se impor no Barroco e no Ro- · Enquanto" no litoral sim, o absolutismo se reflete franca-
cocó com inegável originalidade. mente na arquitetura. Nas igrejas e conventos que são ofere-
Em segundo lugar é importante salientar as característi- cidos, já prontos, ao povo, pelos seus presuntivos condutores,
cas liberais da produção arquitetônica mineira no século na capela que o senhor das terras constrói para si e seus de-
XVIII , atributo que se reforça na sua própria originalidade. pendentes; nas fortificações que protegem o povo e o reino
Pois, acima de tudo, "o Barroco não é, nas Minas, ex- ( contra os invasores; nas construções que visam impressionar o
pressão do absolutismo, veículo da Contra-Reforma, instru- indígena. Tudo contribui para manifestar poder e exercê-lo.
mento de elites. Por mais que teoricamente o estilo, em si Poder do Rei, dos terratenentes e dos padres, constituídos em
m~smo, responda a estas condicionantes do seu tempo, nas elites" . 12
Mmas não serve a elas. Não foi implantado em seu favor, mas Nas Minas, as elites não são estáveis e o poder real é cora-
manuseado, ao contrário, por gente a elas infensa. Não havia josamente contestado por rebeliões, de Felipe dos Santos a
.l,_ reforma a combater, nem gentio a catequizar, nem aristocra- Tiradentes, além de ser continuamente desafiado pelos sabi-
cia a sustentar. O Barroco nas Minas é, eminentemente, ex- \ dos contrabandos do ouro e dos diamantes. Por outro la~o: a
pressão popular,~ e liberal. Sob muitos aspectos \ ausência das grandes ~r?ens altera todaª. estrutura tradic10-
antiabsolutista, antiautocrático. Pelo menos até quanto cor~ nal da organização religiosa que, tr~nsfend~ ~ara as Irman-
responda às aspirações do povo" . 10
Como foi visto , nas Minas não ocorreram grandes solares
l dades e os Terceiros, i11depende de elites clericais.
Mesmo as constn1ções oficiais , embora símbolos inequí-
e ~s residê?cias de ~aior vulto e requinte são raras já que os vocos do poder português, figuram mais como contrapontos
mmeradores, conscientes da preç,a riedade das riquezas do em um cenário nele se integrando de forma particular. Além
ouro, preferiam casas mais simples e despretensiosas. Em do mais, a Cas~ de Cãin.ara e Cadeia de Vila Rica é "símbolo e
contrapartida, entretanto, as construções religiosas, de mais expressão da autonomia e do poder democrático local", en-
destaque e enriquecidas com belas talhas douradas, são reali- quanto que a Casa dos Governadores " distingue-se por seus
zadas como empreitada coletiva, comum a todo o grupo co- baluartes construídos para enfrentar a rebeldia do povo. Como
munitário que se organiza nas Irmandades e Ordens Tercei- ·residência é banal" .13
ras: Estas associações, por sua vez, tanto podiam reunir os
mais abastados quanto os mais humildes, inclusive mulatos e

( 11) Vasconcellos, SyJviO de. Op. cit., p . 128.


(9) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 166. (12) Vasconcellos, SyJviO de. Op. cit., p. 140.
(10) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p. 139.
(13) Vasconcellos, SyJviO de. Op. cit. , p . 139.
268 SUZY DE MELLO BARROCO MIN IR 269

Por tais razões, é importante notar que "a Casa de Câ- Aberta, então, à participação do povo e dele se consti-
mara e Cadeia de Vila Rica pode exprimir, de certa maneira, tuindo em legítima expressão, a arquitetura mineira setecen-
o absolutismo, em virtude da participação que nela teve Cu- tista foi um exemplo único do liberalismo representado pelo
nha Menezes. Contudo distancia-se completamente das solu- Barroco. Este liberalismo tem ainda maior significação quan-
ções arquitetônicas locais e do sentir do povo que a combateu do pressupõe também a grande participação dos mulat?s, que
violentamente, "ofendido pelo despotismo do Governador. Na ' constituíam um amplo contingente e que se caracterizavam
por uma "inteligência viva, natural ambição e imagi~~ção fér-
r verdade, é a menos mineira das construções que se ergueram
na região. Sua arquitetura nada tem a ver com a tipicidade
local. Adota comportamento muito mais voltado para o neo-
til além de uma acentuada inclinação para os of1c1os e as
artes.( ... ) O mulato de Minas Gerais foi o verda?e~ro ~rie,n­
classicismo nascente, do que para o Barroco que na casa de tador de toda atividade artística e quase seu umco mter-
Rodrigues de Macedo, depois dos Contos, contemporânea, é
14
prete " . 17
\ ..; ainda visível" . Tendo em Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, seu
Portanto, ainda que o poder português se empenhasse em mais extraordinário nome e que trabalhou para as mais im-
prevalecer nas Minas, principalmente pelas riquezas de seu portantes Irmandades e para os poderosos Terceiros carme-
território, foi sempre desafiado e a arquitetura feita livre- litas e franciscanos nas principais vilas do ouro, os mulatos
mente por este mesmo povo é a que melhor exprime o vocabu- reafirmaram através de sua capacidade artística, o espírito
lário barroco. democrático 'que floresceu, juntamente com as inigualáveis
Finalmente, um último dado completa esta característica criações do Barroco Mineiro.
de liberdade arquitetônica: além da rejeição de modelos pre- O terceiro aspecto a ser indicado decorre, em parte, deste
estabelecidos ou impostos, as construções mineiras sofrem in- liberalismo do Barroco Mineiro reportando-se, porém, à sua
tervenções constantes e, por vezes, são feitas segundo projetos expressão arquitetônica própria.
coletivos, como ocorreu com uma reforma feita, em 1798, na Desenvolvido, primordialmente, a partir do trab~l~o dos
Sé de Mariana e que foi orientada por uma comissão. 15 mestres portugueses e vinculado, portanto, ao vocabulano for-
Assim, é importante registrar os comentários de Sylvio de mal da arquitetura vernacular que lhes era familiar, o Barroco
Vasconcellos sobre esta característica que nem sempre merece Mineiro realiza adaptações e recondicionamentos que acabam
a devida atenção: por constituir uma linguagem própria que é característica das
"Não há, nas Minas, equipe da qual dependa, obrigato-
Minas.
riamente, a orientação a seguir. O Irmão da Opa, mais hu-
Esta linguagem abrange não só o uso de elementos for-
milde, e o Louvado, mais acatado, interferem nos projetos. Ã
erudiçã9 técnica de Alpoim, junta-se a experiência de Arouca mais mas o aproveitamento de materiais e técnicas construti-
ou de Manoel da Costa Ataíde.~ aos preceitos de Vignola, os vas em soluções que reinterpretam as portuguesas, confe-
conselhos de João'Gomes Batista; à arquitefüra oficial de Cu- rindo-lhes maior leveza e uma elegância mais natural e espon-
nha Menezes, acrescenta-se º +.e ngenho e arte dos alvanéus [ tânea. E por isso que as vilas do ouro, embora mantendo ev~­
carapinas locais; aos ensinamentos deixados pelos primeiros dentes semelhanças com as aldeias da Extremadura, das Bei-
entalh~adores e pintores que circularam pela região, casa-se a ras e do Norte, apresentam - ao mesmo tempo - uma graça
. . d ... . d muito própria.
mventiva e seus contmua ores. ,,16
"Tudo é absorvido, misturado e destilado para que só so-
breviva sua essência mais preciosa e válida. Jamais injunções;

(14) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 140.


(15) Bazin, Gennain. Op. cit., v. 1, p. 43.
(16) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p.134-5. (17) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. Op. cit., p. 124-5.
270 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 271

tudo é espontâneo e, por espontâneo, de uma autenticidade as obras, das pequenas capelas às matrizes de maior porte e
18
nativa extraordinária." dos chafarizes aos sobrados mais requintados.
As técnicas da taipa e do pau-a-pique são aproveitadas São aspectos que se complementam assim como, in tima-
isolada ou conjuntamente para a obtenção dos melhores re- mente associados ao liberalismo que os inspirava, tê m como
sultados enquanto que as estruturas autônomas de madeira resultado o quarto ponto que diz respeito à unidade do Bar-
tornam-se cada vez mais esbeltas e versáteis, aperfeiçoadas roco Mineiro.
pela intimidade lusitana com a engenharia naval, baseada en- Esta unidade abrange toda a atividade cultural das Mi-
tão em notáveis técnicas de carpintaria. E se o lioz aqui ine- nas no século XVIII , principalmente a partir de sua segunda
xiste, o itacolomito passa a ser trabalhado com esmero pelos metade, e nela a arquitetura se junta à escultura, à talha e à
competentes canteiros ao mesmo tempo em que a maciez da pintura. " O que floresce na segunda metade da primeira cen-
pedra-sabão enseja a execução de magníficas talhas . túria mineira vinha sendo desde muito cultivado e ensaiado.
As proporções são cada vez mais refinadas e os vãos - de Agora explode em grandezas. A tal ponto que repercute no li-
cuidado dimensionamento e fechados com treliças de gosto toral, onde chega a influência da 'escola' mineira. Na Bahia, é
mudejar - agradavelmente dispostos nas paredes caiadas o pintor José Joaquim da Rocha quem a introduz; no Rio de
marcam o ritmo das composições de excepcional elegância e Janeiro, é Mestre Valentim quem a testemunha." 20
singeleza. Estas qualidades resultam de um apuro arquitetô- Porém, não apenas às artes plásticas e à arquitetura se
nico que, unindo o popular e o erudito, chega a um equilíbrio limitariam as produções culturais mineiras da época; pelo
praticamente perfeito. contrário, tanto a música quanto as letras teriam também ex-
Mesmo nas difíceis e acidentadas topografias das vilas do cepcional realce.
ouro as soluções são sempre lógicas e resolvidas com o conhe- A música foi das maiores e mais importantes atividades
cimento e a segurança que só uma longa vivência dos pro- nas Minas setecentistas, destacando-se tanto pela quantidade
blemas construtivos pode garantir. dos instrumentistas quanto pela qualidade dos compositores.
Esta experiência, trazida pelos mestres portugueses, é Afirma-se que os músicos existentes na capitania "são tantos
logo assimilada pelos aprendizes mulatos que, eles próprios que certamente excedem o número dos que há em todo o
oficiais mecânicos com o passar do tempo, a repetem e a re- •
remo " 21
.
criam, enfatizando a originalidade de muitas soluções. Francisco Curt Lange, o grande pesquisador da música
Trata-se, "de toda uma cultura que se refaz, ao sabor das mineira do setecentos, assegura que " um minucioso estudo
-circunstâncias, sem apego a imposições pregressas, invocadas dos livros das irmandades conduz-nos imediatamente à desco-
19
apenas como alicerces do futuro". berta do 'mulatismo musical' , se assim podemos chamá-lo. Os
Na medida em que são indicadas estas premissas básicas homens de cor se haviam agrupado - referimo-nos a Vila
torna-se evidente também o seu n;i.tural encadeamento, pois, Rica, onde se conservou maior número de documentação -
se a originalidade das soluções poêie. parecer equivalente à sua nas Confrarias da Boa Morte, das Mercês dos Perdões, das
expressão arquitetônica própria~ esta inclui mais especial- Mercês de Cima, de São José e de São Francisco de Paula,
mente o alto nível das técnicas construtivas desenvolvidas e a porém seu campo de ação não era somente o da sua própria
grande competência no uso dos materiais disponíveis, en- riqueza e freguesia, já que a antiga Vila Rica estava dividida
quanto a primeira ligà-se de forma mais direta às notáveis em duas: Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e Nossa Se-
qualidades formais do Barroco Mineiro que abrangem todas nhora da Conceição de Antônio Dias. Nossos músicos circula-

( 18) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 135. (20) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p . 135.
(19) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 49. (21) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p . 69.
272 . SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 273

vam livremente e se apresentavam também nos templos cujas conforme registro nos "Autos da Devassa" , relativo ao seqüe -
irmandades e ordens terceiras só admitiam brancos. Devemos tro de seus bens quando foi preso. Para se ter um ponto de
acrescentar que tão pouco uma discriminação racial desse tipo comparação, é suficiente lembrar que a biblioteca de gra ndes
seria possível. A música estava em mãos dos mulatos que do- filósofos europeus como Kant, do mesmo período , incluía so-
minavam sua a'rte, executando-a com perfeição" .22 mente trezentos exemplares e a de Spinoza, um século a ntes ,
Verifica-se, assim, que se repetiu na música a mesma limitava-se apenas a cento e sessenta livros.24

L
predominância dos mulatos já mencionada para a arquitetura Naturalmente esse nível de erudição não representava a
e as artes plásticas, inclusive assegurando e acentuando a de- média da cultura mineira setecentista mas é um seguro indi-
mocratização cultural característica do Barroco Mineiro. cador de que, como ocorria no Rio e na Bahia, também aqui
É importante ainda notar que a criatividade se manifes- havia uma elite intelectual respeitável, apesar das dificuldades
tava em todos os campos pois à grande quantidade de músicos inerentes aos territórios do interior, sempre menos acessíveis e
exímios juntou-se um significativo número de talentosos. com- mais atrasados.
positores como José Joaquim Emérico Lobo de Mesquita, Portanto, o desenvolvimento singular da arquitetura nas
Francisco Gomes da Rocha, Inácio Parreiras Neves, Marcos Minas durante o setecentos não foi um fato isolado, enqua-
Coelho Neto (pai), Marcos Coelho Neto (filho), Jerônimo de drando-se lógica e espontaneamente na efervescência cultural
Sousa Lobo e ainda o Padre José Maurício Nunes Garcia, nas- característica da capitania naquele período, sem precedentes
23
cido no Rio de Janeiro mas de origem mineira. no Brasil, só diminuindo e depois se anulando com a exaustão
Também a poesia teve, na mesma época, um destacado do ouro no século XIX.
florescimento nas Minas com as obras da chamada "Arcádia A par, porém, de suas inegáveis qualidades formais,
Mineira", de autoria de Cláudio Manoel da Costa, Tomás An- construtivas e expressivas, a arquitetura das Minas apresenta
tônio Gonzaga, Inácio José de Alvarenga Peixoto e outros. uma notável coerência, pois toda a sua tipologia foi realizada
Ainda que, para muitos críticos, seus versos tivessem maior dentro dos mesmos princípios de cuidadas proporções e sin-
vinculação com fontes européias - por serem os autores nas- gela elegância.
cidos em Portugal ou terem estudado em Coimbra - ainda .[ . De todos estes atributos decorre o quinto e último ponto a
assim constituíram-se em importantes contribuições que justi- \ ser comentado como uma somatória destas conclusões: em
nenhuma outra região do país a arquitetur~ ~efletiu, ~e f_orma

l
ficam sua inclusão como expressões da cultura mineira. Aliás,
apesar da forma poética clássica, os temas se ligaram muito às tão completa, abrangente e bela as condzçoes economzcas e
Minas, como o poema "Vila Rica", de Cláudio Manoel da sociais de uma época.
Costa ou "As Cartas Chilenas" , e as "Poesias", de Tomás Embora a boa e verdadeira arquitetura tenha sido sem-
Antônio Gonzaga, para citar os principais trabalhos. pre, como ainda o é e continuará a ser, o reflexo da sociedade
Dentro de um contexto de produção cultural variada e de que a produz, nas Minas ela alcançou uma síntese perfeita e
tal qualidade, não seria de estranhar que um dos religiosos total. O Barroco Mineiro, incorporando soluções ainda liga-
envolvidos na Inconfidência Mineira, o Cônego Luís Vieira da das aos modelos portugueses nos seus primórdios, alcançou as
Silva - oriundo de família humilde e pobre - , dispusesse de suas mais peculiares e fortes expressões para evoluir, final -
uma biblioteca com duzentas e trinta obras, totalizando cerca mente, até as formas finais e mais delicadas do Rococó sem-
de oitocentos volum~s que abrangiam os mais diversos assun- pre dentro de esquemas de maior unidade e coerência com
tos, editados em latim, francês, italiano, espanhol e inglês seus condicionamentos próprios.

(22) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. Op. cit., p. 129. (24) Frieiro, Eduardo. O Diabo na Livraria do Cônego. Belo Horizonte, Ita-
(23) Buarque de Holanda, Sérgio, dir. Op . cit. , p. 143. tiaia, 1957. p. 21-35.
274 SUZY DE MELLO

Ê fácil verificar que, nas demais regiões brasileiras, co-


existiram tratamentos diversificados para o Barroco, facil -
mente identificáveis até nos mesmos tipos de construção como
os conventos franciscanos , que têm linguagem formal dife-
rente dos conjuntos jesuíticos ou beneditinos.
Assim, trata-se de uma qualidade única e rara, que es-
teve presente desde a urbanização das vilas do ouro até a ar-
quitetura que as caracterizou, em todas as suas manifesta-
ções. O Ciclo do Ouro abrangeu, assim, um século de arte e
arquitetura perfeitamente integradas no seu contexto social e
econômico, integração que não se repetiu no Brasil ou no
mundo, mesmo quando outras grandes reservas de ouro fo-
ram encontradas.
Ê esta última característica resumida exemplarmente por
Sylvio de Vasconcellos:
"No horizonte desponta a aurora do século XIX. Com
ele, o neoclassicismo. Agoniza o Barroco em seus últimos lam-
pejos. Ãs pressas, com sofreguidão quase, procura-se termi-
nar o que é possível, arrematar, em gesto final, um século de
glórias. Urge um arranco último, antes que a paralisia imobi-
lize as Minas. Eis que se erguem os Profetas de Congonhas ,
tão rebelados ainda como os mineiros; austeros, graves, ele-
gantes, circunspectos; generosos e ásperos nas invectivas; ro-
mânticos no goticismo orientalizado, clássicos na postura;
25
imagens admiráveis da contraditória mineiridade. "
A seguir vem a estagnação econômica e a decadência da
arquitetura que, no século XIX , perde sua autenticidade com
as reproduções de gosto neoclássico e, depois , do ecletismo e
dos modismos românticos onde não há mais originalidade
nem criação. Com o fim do ouro encerra-se também a mais
brilhante fase da arquitetura côlonial brasileira.
Resta, porém, o imenso acérvo do Barroco Mineiro que,
' -
em suas múltiplas expressões, cumpre bem conhecer para
ainda melhor amar. E sempre na certeza de que, como escre-
veu nosso poeta maior,26 Carlós Drummond de Andrade:
"Minas continua, depois da última página".

(25) Vasconcellos, Sylvio de. Op. cit. , p . 150.


(26) Andrade, Carlos Drummond de, coord. Brasil, Terra & Alma - Minas
Gerais. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1967, p. ~-
274 SUZY DE MELLO

Ê fácil verificar que, nas demais regiões brasileiras, co-


existiram tratamentos diversificados para o Barroco, facil-
. mente identificáveis até nos mesmos tipos de construção como
/ os conventos franciscanos, que têm linguagem formal dife-
rente dos conjuntos jesuíticos ou beneditinos.
C Assim, trata-se de uma qualidade única e rara, que es-
teve presente desde a urbanização das vilas do ouro até a ar-
quitetura que as caracterizou, em todas as suas manifesta-
ções. O Ciclo do Ouro abrangeu, assim, um século de arte e
arquitetura perfeitamente integradas no seu contexto social e
econômico, integração que não se repetiu no Brasil ou no
mundo, mesmo quando outras grandes reservas de ouro fo-
ram encontradas.
Ê esta última característica resumida exemplarmente por
Sylvio de Vasconcellos:
"No horizonte desponta a aurora do século XIX. Com
ele, o neoclassicismo. Agoniza o Barroco em seus últimos lam-
pejos. Ãs pressas, com sofreguidão quase, procura-se termi-
nar o que é possível, arrematar, em gesto final, um século de
glórias. Urge um arranco último, antes que a paralisia imobi-
lize as Minas. Eis que se erguem os Profetas de Congonhas,
tão rebelados ainda como os mineiros; austeros, graves, ele-
gantes, circunspectos; generosos e ásperos nas invectivas; ro-
mânticos no goticismo orientalizado, clássicos na postura;
25
imagens admiráveis da contraditória mineiridade. "
A seguir vem a estagnação econômica e a decadência da
arquitetura que, no século XIX, perde sua autenticidade com
as reproduções de gosto neoclássico e, depois, do ecletismo e
dos modismos românticos onde não há mais originalidade
nem criação. Com o fim do ouro encerra-se também a mais
brilhante fase da arquitetura colonial brasileira. \
Resta, porém, o imenso acérvo do Barroco Mineiro que,
em suas múltiplas expressões, cumpre bein conhecer para
ainda melhor amar. E sempre na certeza de que, como escre-
veu nosso poeta maior, 26 Carlos Drummond de Andrade:
"Minas continua, depois da última página".

(25) ·vasconcellos, Sylvio de. Op. cit., p. 150.


(26) Andrade, Carlos Drurnrnond de, coord. Brasil, Terra & Alma - Minas
Gerais. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1967, p. 6,.
!. ;:_ ~ ão:; Santos e resta- e
~.,,°""""' na caprrania . Em 171 8 criou a Vila de São José do ~
R\o d.as Mo'f"t.es, depo\s chamada São José de\ f\e\ ~\\tadent.es). o[Tl
D. Lourenço de Almeida Foi o primeiro governador da recém-criada Capitania das Minas Ge- ~
13/dezembro/1720 /
m
lnamea~~o} rak festivamente empossado em Vila Rica. Durante sua adminis- r-
18/ agosto/ 1721 tração foram descobertos os diamantes. 5
(posse)

D. André de Melo e Castro, .· 1? /setembro/1732 Implantação mais efetiva do imposto sobre o ouro ("quinto").
Conde das Galveas (posse)

Gomes Freire de Andrade, 4/janeiro/1735 Acumulou as funções de governador em Minas e no Rio mas foi um
Conde de Bobadela (nomeação) dinâmico administrador. Seu período de governo foi o mais longo,

continua
Anexo 1 - Governadores de Minas Gerais (até a independência do Brasil).

continuação

Nomes Datas Observações

26/março/1735 interrompido quando faleceu em 1? /janeiro/1763. Incumbido pelo


(posse) rei de diversas missões importantes em vários pontos da colônia, foi
substituído inúmeras vezes em seu governo, inclusive por seu ir-
mão, o segundo Conde de Bobadela.

Luiz Diogo Lobo da Silva 15/junho/1763 1 Procurou desbravar novas regiões do território mineiro.
(nomeação)
28/dezembro/1763
(posse) t:o
>
;Z>
;Z>
D. José Luiz de Menezes Abranches 22/agosto/1767 Muito jovem, fez uma administração de alto nível, tanto na área
Castelo Branco e Noronha, (nomeação) econômica quanto nas medidas para melhoria das condições da
Conde de Valadares 16/julho/1768 população.
(posse)
s::
1 2

Antônio Carlos Furtado 18/dezembro/1772 Não teve atuação de importância sendo, pelo contrário, ~ ~
de Mendonça (General) (nomeação) rado uma figura bastante ridícula.
22 /maio / 1773
(posse)

D. Antônio de Noronha 2/janeiro/1775 ( Desbravou a região do Rio D oce e construiu o quer.elo:ca:::z:t::a:


(nomeação) do Campo.
29/maio / 1775
(posse)
') \ \
continua
....,
Anexo 1 - Governadores de Minas Gerais (até a independência do Brasil). "'
....,

-
__,
"'
Nomes Datas Observações °'
--
Antonio de Albuquerque 9/nove~bro/1709 Pacificou a região criando em 1711 a Vila do Ribeirão de Nossa Se-
Coelho de Carvalho (nomeação ) nhora do Carmo (Mariana) , Vila Rica de A lbuquerque (Ouro Preto )
e a Vila Real de Nossa Sen hora da Conceição de Sabará .

D. Braz Baltazar da Silveira 21/setembro/1713 Revigorou a cobrança do " quinto" e foi o responsável pela criação
. (posse ) da Vila de São João dei Rei (1713), Piedade do Pitangu i (1715), Vila
Nova da Rainha (Caeté ) e Vila do Príncipe (Serro), estas em 1714 .

Vl
D. Pedro de Almeida, 4/setembro/1717 Dominou a revolta de Pascoal da Silva e Filipe dos Santos e resta- e:
Conde de Assumar (posse) beleceu a ordem na capitania. Em 1718 criou a Vil a de São José do ~
Rio das Mortes, depois chamada São José dei Rei (Tiradentes ). otT1
D. Lourenço de A lmeida ... ...
'
13/dezembro/1720 Foi o primeiro governador da recém-criada Capitania das M inas Ge- 3::
tT1
·-
'
(nomeação )
18/agósto/1721
(posse )
rais, festivamente empossado em Vila Rica . Durante sua adminis-
tração foram descobertos os diamantes. 5
D. André de Melo e Castro, 1? /setembro/1732 Implantação mais efetiva do imposto sobre o ouro ("quinto").
Conde das Galveas (posse )

Gomes Freire de Andrade, 4/janeiro/ 1735 Acumu lou as funções de governador em Minas e no Rio mas foi um
Conde de Bobadela (nomeação ) dinâmico administrador. Seu período de governo fo i ~ mais longo,

contmua
Anexo 1 - Governadores de Minas Gera is (até a independência do Brasil).

continuação

Nomes Datas Observações

26/março/1735 interrompido quando faleceu em 1?/ janeiro /1 763 . Incumbido pelo


(posse ) rei de diversas missões importantes em vários pontos da colônia , foi
substituído inúmeras vezes em seu governo, inclusive por seu ir-
mão, o seg undo Conde de Bobadela.

Luiz Diogo Lobo da Silva 15/junho/1763 Procurou desbravar novas regiões do território mineiro .
(nomeação )
28/ dezembro/ 1763
(posse ) ~
::o
::o
D. José Lu iz de Menezes Abranc hes
Castelo Branco e Noro nha,
22/agosto/1767
(nomeação )
Muito jovem, fez uma administração de alto nível, tanto na área g
Conde de Valadares
econômica quanto nas medidas para melhoria das condições da o
16/julho/1768 população. ;!::
(posse )
~
Antônio Carlos Furtado 18/dezembro/1772 Não teve atuação de importância sendo, pelo contrário, conside-
;;;
de Mendonça (General )
o
(nomeação) rado uma figura bastante ridícu la.
22/maio/1773
(posse)

D. Antônio de Noronha 2/janeiro/1775 Desbravou a região do Rio Doce e construiu o quartel de Cachoeira
(nomeação) do Campo.
29/maio/1775
(posse)

continua
N
__,
Anexo 1 - Governadores de Minas Gerais (até a independência do Brasil) . __,
.....,
continuação ,_ "
~

Observações
Nomes Datas

20/fevereiro/ 1780 Autor de um interessante estudo - "Exposição sobre o Estado de


D. Rodrigo José de Menezes Decadência da Capitania" - com projetos muito válidos para a me-
(depois Conde de Cavaleiros ) (posse )
lhoria da situação econômica em Minas .

Projetou e construiu a Casa de Câmara e Cadeia de Ouro Preto


D. Luiz da Cunha M,enezes 10/outubro/1783
(posse ) (atual Museu da Inconfidência), fica ndo ridicu larizado como o "Fan-
(mais tarde Conde de Lumiares ) fa rrão Minésio" nas "Cartas Chilenas" de Tomás Antônio Gonzaga.
Vl

Destacou-se pelo seu rigor principalmente na Inconfidência Mineira.


e:
Luiz Anton io Fu rtado de Mendonça 11/ julho/ 1788 ~
Visconde de Barbacena (posse) otT1
. ..
•· Governou no período de fra nca decadência da mineração . ::.'.
1797/1804 tT"l
·Bernardo J osé de Lor ena r
(depois Conde de Sarzedas) 5
Admi nistrou durante a transferência da corte portuguesa para o Rio
D. Pedro Xavier de Ataíde e Melo 1804/181 0
(1808).
Conde de Condeixa

1810/1814 Sem atuüção mais marcante .


D. Francisco de Assis Mascarenhas
(mais tarde Conde e Marquês
de Palma )

(1 814/1822) último representa nte da Coroa portuguesa em Minas Gerais.


D. Manuel de Portugal e Castro

Nome atual Denominação inicial Observações

Ouro Preto Vila Rica de Criada em 1711 por A ntônio de A lbuquerque, originou-se de arraiais
de A lbuquerque, de bandeirantes erguidos a partir de 1697 em área rica em ouro . A
depois Vila Rica partir de 1720 foi a capital da capitania. Em 1823 recebeu o títu lo de
Imperial Cidade de Ou ro Preto, contin uando como capital da Pro-
víncia até 1897, quando esta passou a ser Belo Horizonte .

Vila do Ribeirão de Criada em 1711 por Antôn io de A lbuquerque, tinha ouro abu n-
Mariana til
Nossa Senhora do dante e de excelente qualidade, explorado pelos paulistas desde >
Carmo, depois Vila do 1696. Como a primeira sede de bispado em Minas, foi elevada a ::o
cidade em 1745 com o nome de Mariana em homenagem à ra inha
::o
Ribeirão do Carmo o
(")
D. Maria Ana, esposa de D. João V. o
::.'.
Sabará Vil a Real de Nossa Também criada por Antôn io de A lbuquerque em 1711, resu ltou da z~
Senhora da Conceição un ião de diversos arraiais fundados por bandeirantes famosos como
Borba Gato e Fernão Dias Pais, em 1682, que buscavam os tesouros
::o
do Sabará o
do lendá rio Sabarabuçu, um eldorado de pedras preciosas e ouro .
Elevada a cidade em 1838.

São João dei Rei Vila Real de São Criada em 1713 por D. Braz Baltazar da Silveira, foi gra nde centro
João dei Rei de mineração e agricultura, passando a cidade em 1838.

Caeté Vila Nova da Rainha Também criada em 1714 por D. Braz Ba ltazar da Silveira , originou-
se de um arraial de mineração surgido em torno de 1701, fun dado
por bandeirantes. Elevada a cidade em 1865.
.....,

"'"
Anexo 2 - A lgumas das principais vilas de mineração. continua

- J
continuação
"'
~
Nome atual Denominação inicial Observações

Serro Vila do Príncipe e O Arraial das Lavras Velhas, centro de mineração desde 1702, foi
Comarca do Serro elevada a Vila por D. Braz Baltazar da Silveira em 1714, tornando-se
do Frio cidade em 1838.
Pitangui Vila de Piedade do Inicialmente um movimentado arraial de mineradores paulistas que
Pitangui D. Braz Baltazar da Silveira elevou a vila em 1715 e que passou a
cidade em 1855 .

Diamantina • Arraial do Tijuco, A descoberta dos diamantes no Arraial do Tijuco data de 1713 mas
depois Vila Diamantina V>
só em 1729 foi levada ao conhecimento oficial. Recebeu o título de e::
Vila Diamantina em 1831 e foi elevada a cidade em 1838. N
-<:
Tiradentes 1
om
Vila de São José do Rio Criada em 1718 pelo Conde de Assumar, teve sua origem em ativi-
das Mortes, depois dades de mineração iniciadas em torno de 1702. Elevada a cidade ~
Vila de São José dei Rei em 1860. m
r
r
o
Barão de Cocais São João do Morro Centro de mineração antes de 1710; em 1943 foi criado o município
Grande, depois com a atual denominação .
Morro Grande

Santa Rita Durão 1nficionado Arraial de mineradores, em 1702, o nome primitivo indicava a má
qualidade de seu ouro.

Catas Altas Catas Altas Fundada por bandeirantes paulistas, em torno de 1703, também
do Mato Dentro para mineração .

Anexo 2 - /\lgumas das principais vilas de mineração .

~~
:::> !'> §:::j:::j:::j:::j:::j
éi) ..
.. o . . . ~RJ~ri:l8 ~
...._...._...._...._

.................
s:: (/) ):..
~~~~8S g.
~
m<
-f
QJ
o-.....i.....a.CJ1CJ1
>õ'
s:: iil
-cn C.i
G> (/) 1
1 s::
oQJI WN""" êií o "'O
o
ó:;· ~~s~~~
<')e:
Q) s· a.
.e:. a.
n· (.T1 ~õ
g.
e:
•O
-º~ ~
QJI
o o:i
ClJ 5l a.
CD
>
~
~CD o
o 3 ~
e:
g
a ~§~§*~ ~§· ~~
:e "3~õi0ui- o
o Q)
......
F::r
CD o
o Q) '<') 3 :::
... ~ 11>1
...
:J
,CD •
C'
QJ
(/)
Ui e e s::
:;· z
...... (/)
Q)
(/)
t:l
~
~~ G> o
....... a.
o CD ~ CD
iil
'? ...... W.:>.OONO>-.J ~õº
3· ... ~ e;;·
~~ §§§§§§ Q) !!!.. '<') ......
.:_.3 ~ ~·
g ê
......

...... ~ g ~
j ~ -~ ~ t::l _::J_:::J
(.T1 00.:..
::i
c2li> ;:,e~
g. g.
e
<')

"""
<O
~
BARROCO MINEIRO 283

10. Costa, Lúcio. "O Aleijadinho e a Arquitetura Tradicional'', in


Sobre Arquitetura. Porto Alegre, CEUA, 1962, v. 1, p. 15.

Bibliografia citada no texto


Albinc de Souza, Washington Peluso. As Lições das Vilas e Cidades
de Minas Gerais, in IV Seminário de Estudos Mineiros. Belo
Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 1977.
Andrade, Carlos Drummond de, coord. Brasil, Terra & Alma
Minas Gerais. Rio de Janeiro, Ed. do Autor, 1967.
Bibliografia..____ _ __ _ __ . "Colóquio das Estátuas", in The 12 Prophets of Antonio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Rio de Janeiro, MEC, 1958 .
. "Morte das Casas de Ouro Preto" (Claro Enigma), in Obra
Completa. Rio de Janeiro, Aguilar, 1967 .
. "Não Dá para Entender". Jornal do Brasil. Rio de Janeiro,
Indicações bibliográficas 03 de dezembro de 1983, Caderno B, p. 8.
Andrade, Rodrigo Melo Franco de. "A Casa de Câmara e Cadeia de
das citações feitas nas páginas Mariana". Módulo - Revista de Arquitetura e Artes Plásti-
de título dos capítulos cas, Rio de Janeiro (2): 4, mar. 1956.
__ . Artistas Coloniais. Rio de Janeiro, MEC, 1958.
1. Meireles, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro, Antonil, André João, pseud. / Andreoni, João Antônio/. Cultura e
Livros de Portugal, 1953, p. 20. Opulência do Brasil (por suas drogas e minas). São Paulo,
Melhoramentos; Brasília, INL, 1976.
2. Antonil, André João, pseud. /João Antônio Andreoni/. Cultura
Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Publicação n? 15 da Dire-
e Opulência do Brasil (por suas drogas e minas). São Paulo,
toria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Rio de Ja-
Melhoramentos; Brasília, INL, 1976, p. 195.
neiro, MES, 1951.
3. Mendes, Murilo. Flores de Ouro Preto in Contemplação de
Bandeira, Manuel. Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro, Letras e
Ouro Preto. Rio de Janeiro, MEC, 1954, p. 34.
Artes, 1963.
4. Meireles, Cecília. Op. cit., p. 20-1. Bastide, Roger. Brasil - Terra de Contrastes. São Paulo, Difusão
5. Andrade, Carlos Drummond de. "Colóquio das Estátuas" in Européia do Livro, 1969.
The 12 Prophets of Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Bazin, Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de
Rio de Janeiro, MEC, 1958, s.p;'. • Janeiro, Record, 1983, vol. 1.
6. Gonzaga, Tomás Antônio. Cartas Chilenas (Ili, V. 78 a 85) in __ . Aleijadinho et la sculpture baroque au Brésil. Paris, Le
Obras Completas, v. 1, edição crítica de M. Rodrigues Lapa.
Temps, 1963.
Rio de Janeiro, MEC-INL, 1957, p. 215.
Boltshauser, João. Noções de Evolução Urbana nas Américas. Belo
7. Costa, Cláudio Matioel da. "Villa Rica" (v. 194) in Anuário do
Horizonte, Edições Escola de Arquitetura da UFMG, 1959,
Museu da Inconfidência (4). Ouro Preto, MEC-DPHAN, 1955-
57, p. 115-197. vol. 1.
8. Meireles, Cecília. Op. cit., p. 19. Boxer, C. R. A Idade de Ouro do Brasil. São Paulo, Cia. Ed. Na-
9.' Andrade, Carlos Drummond de. "Morte das Casas de Ouro cional, 1963.
Preto", in Claro Enigma, Obra Completa. Rio de Janeiro, Agui- Buarque de Holanda, Sérgio, dir. História Geral da Civilização Bra-
lar, 1967, p. 257-8. sileira. (A Época Colonial). São Paulo, Difusão Européia do
Livro, 1973, tomo I, vol. 2.
284 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 285

_ _ . Raízes do Brasil. Rio de Janeiro, J. Olympio, INL-MEC, Goulart Reis Filho, Nestor. Evolução Urbana do Brasil. São Paulo,
1971. Pioneira; Ed. da Universidade de São Paulo, 1968.
Campiglia, G. Oscar Oswaldo. Igrejas do Brasil. (Fontes para a His- __ . Quadro da Arquitetura no Brasil. São Paulo, Perspectiva,
tória da Igreja no Brasil.) São Paulo, Melhoramentos, 1958. 1970.
Carrato, José Ferreira. Igreja, Iluminismo e Escolas Mineiras Co- Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Ge-
loniais. São Paulo, Cia. Ed. Nacional; Ed. da Universidade de rais. Processo de Tombamento da Fazenda Boa Esperança.
São Paulo,1968. Belo Horizonte, 1975.
Carvalho, José Antônio. O Colégio e as Residências dos Jesuítas no Latif, Miran de Barros. As Minas Gerais. Rio, Agir, 1960.
Espírito Santo. Rio de Janeiro, Expressão e Cultura, 1982. Lefêvre, Renée & Vasconcellos, Sylvio de. Minas : Cidades Barrocas.
Castedo, Leopoldo. A Constante Barroca na Arte Brasileira. Rio de São Paulo, Cia. Ed. Nacional/EDUSP, 1968.
Janeiro, MEC - Conselho Federal de Cultura, 1980. Lopes, Francisco Antônio. Os Palácios de Vila Rica. Belo Hori-
Civita, Victor, ed. Arte no Brasil. São Paulo, Abril Cultural, 1979. zonte, Imprensa Oficial, 1955.
vol. 1. Lyra Tavares, Aurélio de. A Engenharia Militar Portuguesa na
Corona & Lemos. Dicionário da Arquitetura Brasileira. São Paulo, Construção do Brasil. Rio de Janeiro, Seção de Publicações
Edart, 1972. do Estado-Maior do Exército, 1965.
Costa, Cláudio Manoel da. Vil/a Rica. Anuário do Museu da lncon- Machado, Lourival Gomes. Barroco Mineiro. São Paulo, Perspec-
fidência (4), Ouro Preto, MEC-DPHAN, 1955-57. tiva, 1969.
Costa, Lúcio. Arquitetura. Rio de Janeiro, Bloch-FENAME, 1980. Martinez, Socorro Targino. Ordens Terceiras: Ideologia e Arquite-
__ . "A Arquitetura dos Jesuítas no Brasil". Revista do Serviço do tura. Dissertação para Mestrado em Ciências Sociais, Facul-
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (5). Rio de Janeiro, dade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal
MES, 1941. da Bahia, Salvador, 1979.
__ . Sobre Arquitetura. Porto Alegre, Centro dos Estudantes Uni- Martins, Judith. Dicionário de Artistas e Artífices dos Séculos XVIII
e XIX em Minas Gerais. Rio de Janeiro, IPHAN, 1974, 2 vols.
versitários de Arquitetura, 1962, vol. 1.
__ . "Subsídios para a Biografia de Manuel Francisco Lisboa".
Felício dos Santos, Joaquim. Memórias do Distrito Diamantino da
Revista SPHAN, Rio de Janeiro, MES (4): 1940.
Comarca do Sêrro Frio. Belo Horizonte, Itatiaia-São Paulo,
Mata Machado Filho, Aires da. Arraial do Tijuco - Cidade Dia -
Ed. da Universidade de São Paulo, 1976.
Ferreira de Almeida, José Antônio, coord. Tesouros Artísticos de mantina. São Paulo, Martins, 1957.
Portugal. Lisboa, Seleções do Reader's Digest, 1976. Mawe, John. Viagens ao Interior do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia;
Feu de Carvalho. Pontes e Chafarizes de Vi/la Rica de Ouro Preto. São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1978.
Belo Horizonte, Edições Históricas, 1936. Meireles, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro, Li-
Freyre, Gilberto. Brasís. Brasil, Brasília. Rio de Janeiro, Record, vros de Portugal, 1953.
1968. Melo Franco, Afonso Arinos de. Desenvolvimento da Civilização
_ _ . Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro, José Olympio, 1973. Material no Brasil. Rio de Janeiro, MES-SPHAN (11): 1944.
Frieiro, Eduardo. O Diabo na Liy.raria do Cônego. Belo Horizonte, Mendes Ir., Antônio et alii. Brasil História: Texto e Consulta. São \
Itatiaia, 1957. _, • Paulo, Brasiliense, 1976, vol. 1.
Fundação João Pinheiro. Atlas dos Monumentos Históricos e Artís- Mendes, Murillo. Contemplação de Ouro Preto. Rio de Janeiro,
ticos de Minas Gerais. Circuito do Ouro. Campo das Verten- MEC, 1954.
.
tes. Belo Horizonte, ed. interna, 1981, vol. 2 .
Gasman, Lydnéa. Documentos Históricos Brasileiros. Rio de Ja-
Menezes, Ivo Porto de. O Palácio dos Governadores de Cachoeira do
Campo. Arquitetura Civil III - Mobiliário e Alfaias. São
neiro, FENAME-MEC, 1976. Paulo, MEC-IPHAN e FAU-USP, 1975.
Gonzaga, Tomás Antônio. Cartas Chilenas in Obras Completas. Metais de Minas Gerais SI A - MET AMIG. Ouro . Belo Horizonte,
Ed. crítica de M. Rodrigues Lapa. Rio de Janeiro, MEC-INL, 1981.
1957,vol. 1. Millon, Henry A. Key Monuments of the History of Architecture.
Graeff, Edgar A. Cidade Utopia. Belo Horizonte, Vega - Ed. da Nova Jersey, Prentice-Hall; Nova Iorque, Abrams, 1966.
Universidade de São Paulo, 1979. Niemeyer, Oscar. A Forma na Arquitetura. Rio, Avenir, 1978.
286 SUZY DE MELLO BARROCO MINEIRO 287

Noronha Santos. "Fontes e Chafarizes do Rio de Janeiro". Revista Engenheiros e Constructores Portugueses ou a Serviço de Por-
SPHAN(10), Rio de Janeiro, MES, 1946. tugal. Lisboa, Imprensa Oficial, 1899, vol. 1.
Oliveira Torres, João Camilo de. História de Minas Gerais . Belo Ho- Teixeira Soares, Álvaro. O Marquês de Pombal. Brasília, Ed . Uni-
rizonte, Lemi; Brasília, INL, 1980, vol. 1. versidade de Brasília, 1983.
Omegna, Nelson. A Cidade Colonial. Ebrasa; INL-MEC, 1971. Thedim Barreto, Paulo. "Análise de Alguns Documentos Relativos
Passos, Zoroastro Vianna. Em Torno da História do Sabará. Rio de à Casa de Câmara e Cadeia de Mariana" . Revista SPHAN,
Janeiro, MES-SPHAN, 1940, vol. 1. Rio de Janeiro, (16): 1967.
Peres, Damião. A Gloriosa História dos mais Belos Castelos de Por- . "Casas de Câmara e Cadeia". Revista SPHAN. Rio de Ja-
tugal. Lisboa, Portucalense, 1969. neiro, (11), 1947.
Pound, Ezra. Poesia. Brasília, Ed. Universidade de Brasília; São Vasconcellos, Diogo de. História Antiga das Minas Gerais. Rio de
Paulo, HUCITEC, 1983. Janeiro, INL-MES, Imprensa Nacional, 1948, vol. 2.
Prado Júnior, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Pau- Vasconcellos, Salomão de. Breviário Histórico e Turístico da Cidade
lo, Brasiliense, 1973. de Mariana. Belo Horizonte, Biblioteca Mineira de Cultura,
__ . História Econômica do Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1967. vol. XVII, 1947.
Saia, Luís. Morada Paulista. São Paulo, Perspectiva, 1972. . Solares e Vultos do Passado. Belo Horizonte, Imprensa Ofi-
Saint-Hilaire, Auguste de. Viagem pelo Distrito dos Diamantes e cial, s.d.
Litoral do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia; São Paulo, Ed. da Vasconcellos, Sylvio de. A Arquitetura Colonial Mineira. Primeiro
Universidade de São Paulo, 1974. Seminário de Estudos Mineiros, Belo Horizonte, Universidade
Salles, Fritz Teixeira de. Associações Religiosas no Ciclo do Ouro. de Minas Gerais, 1957.
Belo Horizonte, Universidade de Minas Gerais, 1963. _ _ . Arquitetura no Brasil - Pintura Mineira e Outros Temas .
__ . Vila Rica do Pilar. Belo Horizonte, Itatiaia, 1965. Belo Horizonte; Edições Escola de Arquitetura da UFMG,
Santos, Paulo F. Quatro Séculos de Arquitetura. Rio, IAB. 1959.
IAB. __ . Arquitetura no -Brasil: Sistemas Construtivos. Belo Hori-
__ . Subsídios para o Estudo da Arquitetura Religiosa em Ouro zonte, Universidade Federal de Minas Gerais, 1979.
Preto. Rio de Janeiro, Kosmos, 1951. __ . "Formação Urbana do Arraial do Tijuco". Revista SPHAN,
Silva Nigra, Dom Clemente Maria. Os Dois Escultores: Frei Agosti- Rio de Janeiro (14), MEC, 1959.
nho da Piedade - Frei Agostinho de Jesus e o Arquiteto Frei _ _ . Mineiridade . (Ensaio de Caracterização). Belo Horizonte,
Macário de São João. Salvador, Universidade Federal da Imprensa Oficial, 1968.
Bahia, 1971. __ . Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho .
Silva Telles, Augusto Carlos da. "A Ocupação do Território e a São Paulo, Cia. Ed. Nacional/INL-MEC, 1979.
Trama Urbana". Revista Barroco, B. Horizonte (10), 1978179. __ . Vila Rica. São Paulo, Perspectiva, 1977.
79. Vauthier, L. L. "Casas de Residência do Brasil". Revista SPHAN,
__ . Atlas dos Monumentos Históricos e Artísticos do Brasil. Rio Rio de Janeiro (7), MES, 1943.
de Janeiro, MEC/DAC/FENAME, 1975. Vianna, Hélio. História do Brasil. São Paulo, Melhoramentos, 1970.
_ _ . Observações sobre a Arquitetura em Minas Gerais no Pe- Vol. 1.
ríodo Colonial. Seminário sobre a Cultura Mineira no Período Viegas, Augusto. Notícia de São João dei Rei. Belo Horizonte, Im-
Colonial, Conselho Estadual de Cultura de Minas Gerais. Belo prensa Oficial, 1942.
Horizonte, Imprensa Oficial, 1979. W asth Rodrigues, José. "A Casa de Moradia no Brasil Antigo". Re-
__ . Nossa Senhora da.Glória do Outeiro. Rio, Agir, 1969. . vista SPHAN, Rio de Janeiro (9), MES, 1945.
Smith, Robert C. "Alguns Desenhos de Arquitetura Existentes no _ _ . Documentário Arquitetônico Relativo à Antiga Construção
Arquivo Histórico Colonial Português". Revista SPHAN, Rio Civil no Brasil. São Paulo, Martins; Ed. da Universidade de
de Janeiro (4), MES, 1940. São Paulo, 1975.
_ _ . Arquitetura Colonial. Salvador, Progresso, 1955.
__ . Nicolau Nasoni. Lisboa, Horizonte, 1973.
Sousa Viterbo. Dicionário Histórico e Documental dos Architectos,

Você também pode gostar