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Orozimbo Cordeiro Júnior
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Marcelo Guina Ferreira
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Anegleyce T. Rodrigues
RESUMO. Neste ensaio, procuramos apresentar a evolução histórico-sócial do judô produzida no âmbito do
projeto de pesquisa Metodologia do Ensino do Judô sob a Ótica Crítico-Superadora. Esta pesquisa teve por
objetivo elaborar uma proposta de sistematização do judô como elemento da cultura corporal e conhecimento
escolar de educação física. Para tanto, propusemos, de forma inicial e introdutória, algumas referências de
objetivos, conteúdos, ensino e avaliação. Neste ensaio, apresentamos parte desta proposta de metodologia do
ensino como material didático auxiliar para os/as professores/as.
Palvras-chave: judô, metodologia de ensino, educação física.
ABSTRACT. The sociohistorical evolution of judo provided by the research project Methodology for teaching judo from
the critical–excelling stance is discussed in this article. The aim of the project was to establish a plan for systematizing judo
as body culture constituent and scholastic knowledge of physical education. The ancillary pedagogical material is constituted
by an introduction, objectives, contents, teaching methodology and evaluation system.
Key words: judo, teaching methodology, physical education. 1
*
Acadêmico da Faculdade de Educação Física, Universidade Federal de Goiás.
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Faculdade de Educação Física, Universidade Federal de Goiás.
Endereço para correspondência: Universidade Federal de Goiás. Faculdade de Educação Física (FEF). Câmpus II.
CEP: 740001-970. Goiânia – GO. Fax: (0XX62) 821-1185.
1
Trata-se de uma pesquisa teórica, segundo Demo (1989).
14 Cordeiro Júnior et al.
desenvolver uma proposta orientada por esta as relações que o judô mantém com a educação,
segunda referência teórico-metodológica. com a saúde, com o lazer, com o trabalho, com a
Fundamentalmente, procuramos indicar uma economia etc.
dentre muitas possibilidades de trato com o Como sabemos, a historicização dos
conhecimento judô2, a partir de um projeto conteúdos de ensino é uma característica da
político-pedagógico3 que entende a escola proposta crítico-superadora (Bracht et al., 1989).
pública brasileira como um dos espaços sociais Nesta, o método de ensino é, por assim dizer,
mais importantes à construção da hegemonia das o movimento de um conteúdo na história
classes populares (Libâneo, 1984). Fruto desta (Escobar, 1997). Portanto, ensinar judô nesta
pesquisa e do objetivo de apontar uma proposta perspectiva, exige captar o seu movimento na
inicial (aberta e em construção) do judô como história, o que quer dizer que não basta o aluno
conhecimento escolar da educação física, ter domínio sobre as técnicas e os fundamentos
elaboramos um documento didático-pedagógico dessa luta desprendidos, descolados de seu
(em forma de apostilamento) sobre a evolução movimento histórico (ibid.). Quando o currículo
sócio-histórica do judô – até onde nos foi de educação física ensina as técnicas do judô
possível reunir e organizar material como algo com valor em si mesmo,
bibliográfico e demais fontes para tanto4 – evidentemente contribui para o desenvolvimento
como forma de nos auxiliar na tarefa de: a) nos alunos de uma consciência do mundo que os
sistematizar o conteúdo de ensino; b) auxiliar a cerca como algo que tem valor em si mesmo,
ação docente como mediadora entre o aluno ou seja, dentro dos princípios da lógica formal
(sujeito) e o conteúdo (objeto). Por fim, (Lefebvre, 1983; Vázquez, 1968; Cheputlin,
acreditamos que este documento pode ainda 1982), pois perceberão o judô (e realidade social
ajudar, no futuro, em cursos de capacitação também, quem sabe?!) como algo estático e,
docente como material didático complementar. além disso, por não entenderem que ele nem
Tivemos a intenção de proporcionar aos sempre foi como é hoje para nós e, logo, pode
alunos uma compreensão básica acerca de não ser necessariamente assim para os seres
alguns dos aspectos históricos e sociológicos humanos de amanhã, também poderão perceber
básicos da construção do judô como elemento da a realidade social como algo pronto e acabado.
cultura corporal humana. Consideramos também Por outro lado, essa é uma visão do
que o judô, sobretudo a partir da chegada dos conhecimento marcado pela terminalidade do
imigrantes japoneses ao Brasil, e conseqüente mesmo. O judô é visto ainda como algo neutro
contato da cultura deles com a nossa, passou a
diante dos conflitos sociopolíticos. E, por fim,
constituir a cultura corporal brasileira.
esta concepção educacional ensina o judô numa
Com efeito, procuramos retraçar o judô
perspectiva linear, como uma seqüência que
desde as suas origens, abordando os fatores
simplesmente vai da adaptação ao dojô até as
sociais, políticos e econômicos que
projeções mais complexas.
determinaram seu desenvolvimento histórico até
Porém, tratando o conhecimento sobre o
nossos dias. Um exemplo disso é sua
judô na perspectiva crítico-superadora,
transformação de prática corporal – luta – típica
adotamos os princípios da lógica dialética
da cultura nipônica, em esporte-espetáculo,
(Lefebvre, 1983; Vázquez, 1968; Cheputlin,
manifestação característica da cultura capitalista
1982). Assim, confrontamos a visão estática do
ocidental. Também não esquecemos sua chegada
judô à medida em que o ensinamos como algo
ao Brasil e, infelizmente, a falta de dados nos
dinâmico, que se origina, desenvolve-se e
impediu de falar sobre sua chegada em Goiás,
prossegue num processo histórico do qual
especificamente. Finalmente, foi nossa intenção
também somos sujeitos ativos. Confrontamos
não perder de vista a relação entre o judô e a
também a concepção do conhecimento como
prática social global de nossa sociedade, isto é,
algo marcado pela terminalidade, pois o judô,
não sendo ensinado como algo com valor em si
2
Ver Bracht et al. (1992). mesmo, pronto e acabado, mas como algo que
3
Idem. veio sendo construído culturalmente e assim
4
Ver notas bibliográficas. permanece até nossos dias, explicita uma teoria
A evolução sócio-histórica do judô 15
e então aplicar nele chaves, torções etc. com a É nesse contexto histórico específico que
intenção de matá-lo com golpes contundentes. É começa a fazer sentido o aprendizado do judô e
fundamental, neste contexto, que o aluno tenha de seus fundamentos. As condições objetivas da
experiências práticas com os fundamentos sociedade japonesa possibilitaram o surgimento
básicos do jiu-jitsu adaptados à realidade desta nova prática corporal que, a partir das
escolar. Na verdade, aí já se inicia o movimento concepções de Jigoro Kano começa a delinear-se
histórico do que será mais tarde o conteúdo como uma luta com as características
judô. mencionados no item II e cujos fundamentos
essenciais são as projeções, o jogo entre
desequilíbrio x equilíbrio, as imobilizações, as
SURGE O JUDÔ quedas e os rolamentos.
Assim, mesmo o ensino das técnicas e dos
Pontos essenciais a serem trabalhados com fundamentos do judô não ocorre de forma
os alunos: isolada e estática, mas sim dentro de um
. A urbanização do Japão contexto sociocultural que lhe dá sentido e
- surgem grandes cidades (Nagasaki, significado histórico. Portanto, as técnicas do
Hiroshima, Osaka.) com presença do judô também possuem sua origem, sua gênese.
Estado, da Polícia, do Sistema Judiciário O ensino deixa de ser alienante, pois o aluno,
etc. além de fazer, sabe porque está fazendo. Sabe,
. Jigoro Kano também por exemplo, que as quedas e os
- homem que marcou seu tempo e grande rolamentos possuem um significado histórico,
precursor do judô. qual seja: eliminar as contusões traumáticas e
contundentes do antigo jiu jitsu que visava à
Comentários auxiliares morte do oponente. Assim, ser projetado ou
projetar sem que ninguém saia machucado é
Nesse outro contexto histórico, o Japão
parte integrante da luta do judô, que, portanto,
inicia sua modernização e urbanização com a
só pode ser bem praticada quando aprendemos
emergência do capitalismo. Seus contatos com
corretamente como defender nosso corpo e o dos
outros povos e países cresce e, sobretudo, com a
outros praticantes, através da correta execução
superação do sistema feudal e da era dos
de quedas e de rolamentos, enquanto formas de
Samurais, perde sentido a necessidade de uma
amortecer o impacto de nosso corpo no Dojô.
luta com golpes de morte. Além disso, a
Para isso, inclusive, torna-se necessário o
modernidade trouxe consigo as leis, a justiça, a
aprendizado de aspectos anatômicos e
polícia, enfim, uma nova necessidade histórica
biomecânicos destas técnicas, que explicam o
para o povo japonês: o convívio urbano. A partir
porquê do amortecimento (diminuição de
de uma nova necessidade social, surge também
impacto...), a importância da contração da
uma nova prática corporal: o judô. Seu
musculatura que envolve o gradil costal
precursor, Jigoro Kano, pensou numa luta que
(especialmente o grande dorsal) (Dângelo e
mantivesse as tradições culturais japonesas, mas
Fattini, 1998).
que se adequasse aos novos tempos, nos quais
não fazia mais sentido lutar até a morte.
E O JUDÔ VIRA ESPORTE-ESPETÁCULO
PRINCÍPIOS E FUNDAMENTOS DO JUDÔ
Pontos essenciais a serem trabalhados com
os alunos:
. Quedas e rolamentos;
. Maior contato da cultura japonesa com a
. Equilíbrio x desequilíbrio; cultura ocidental
. Projeções; - imigração de japoneses;
. Imobilizações; - as características do esporte-espetáculo
. Comentários auxiliares. (selecionar mais aptos, aptidão física,
A evolução sócio-histórica do judô 17
através de pesquisas no comércio da cidade onde famílias, surgem as primeiras academias de judô
mora, realizações de visitas à federação e outros no Brasil. Elas surgem como uma forma
meios. Este tópico pode servir a uma reflexão encontrada pelos imigrantes de ensinar algo que
crítica sobre os verdadeiros objetivos deste eles conheciam profundamente, o judô, fazendo
comércio: promover o judô ou ganhar dinheiro? disso um meio de sustento para suas vidas. Com
Com todo este comércio, aumenta o número de isso, muitos brasileiros também começam a
praticantes de judô ou aumenta somente o lucro aprender o judô, sem falar dos filhos dos
dos empresários? Como as pessoas que lutam imigrantes japoneses, nascidos no Brasil, que
judô fazem para obter os equipamentos e os também ajudaram a difundir esta luta entre nós.
acessórios necessários para sua prática? A renda
familiar dos alunos permite a eles ter amplo
acesso a esses equipamentos? Quais as FINALIZANDO... UMA PROPOSTA
alternativas? EM ABERTO
iluminará aspectos importantes da história do IPPON – Jornal de judô. Série grandes formadores:
judô em Goiás, ajudando-nos nesta tarefa entre mantendo a tradição, 1(3):16-17, 1997.
outras. KUDO, K. O Judô em ação. São Paulo: Sol S. A., 1972.
Portanto, este é um trabalho em construção e MENEZES, E.T. Judô em formação. Ippon – Jornal de
representa apenas uma sistematização inicial e Judô, 1(7):12, 1996.
introdutória ao conteúdo judô nas aulas de SILVA, Gisele P. da. A mulher no judô: preconceitos,
educação física. O aprofundamento desta estereótipos e discriminações. Rio de Janeiro: Uerj,
1994. (Memórias de Licenciatura).
investigação depende da continuidade do
VIRGÍLIO, S. A arte do judô. Campinas: Papirus, 1996.
trabalho de pesquisa bibliográfica e, sobretudo,
da produção de conhecimento novo, capaz de ________. A arte do judô: golpes extra gokiô. POA:
Rígel, 1990.
iluminar aspectos ainda obscuros deste conteúdo
WANDERLEY, Paulo F. Tenório. Introdução do judô no
(e eles não são poucos, como vimos), seguida de
Brasil: uma análise sob a ótica da transferência
posteriores sistematizações que possam, pouco a cultural. Rio de Janeiro: Uerj, 1995. (Memória de
pouco, no diálogo com a prática, enriquecer e Licenciatura).
ampliar esta nossa proposta inicial,
principalmente no que diz respeito aos possíveis
erros aqui contidos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A sistematização do conteúdo judô nas
aulas de educação física nunca será um APPLE, Michael. Educação e textos: economia política
estado final ao qual poderemos chegar, ela das relações de classe, raça e gênero na escola. POA:
Artes Médicas, 1995.
será muito mais um processo permanente de
construção de uma dada proposta pedagógica. ________. Ideologia e poder. POA: Artes Médicas,
E, por pensar assim, acreditamos que nossa 1989.
caminhada nesta longa jornada já começou. BETTI, Mauro. Educação física e sociedade. São Paulo:
Movimento, 1991.
Agora nossa intenção é tornar esta viagem do
conhecimento algo cada vez mais consistente. ________. BETTI, Mauro. A janela de vidro: esporte,
televisão e educação física. Campinas: Papirus, 1998.
Como se costuma dizer, a sorte foi lançada,
quer dizer, nossa proposta inicial de BRACHT, Valter et al. Metodologia do ensino da
educação física. São Paulo: Cortês/Autores Associados,
sistematização do conteúdo judô nas aulas de 1992.
educação física está aí. E que o jogo continue,
BRACHT, Valter. Sociologia crítica do esporte: uma
ou melhor, que esta luta nunca pare. introdução. Vitória: Ufes/CEFD, 1997.
CHEPUTLIN, A. A dialética materialista: categorias e
leis da dialética. São Paulo: Alfa-Ômega, 1982.
NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
DÂNGELO, J. G. e FATTINI, C. A. Anatomia humana
sistêmica e segmentar. São Paulo: Atheneu, 1998.
Esta é a bibliografia específica de judô
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo.
consultada para a realização da pesquisa, em
São Paulo: Cortez, 1989.
particular para a confecção do material didático
ESCOBAR, M. Ortega. Transfornação da didática –
de apoio acadêmico. construção da teoria pedagógica como categorias da
BAPTISTA, R. de Lara. A Utilização do judô no prática pedagógica: experiência na disciplina escolar
desenvolvimento psicomotor das crianças entre 5 e 8 educação física. Campinas: Unicamp, 1997. (Tese de
anos. Rio de Janeiro: Uerj, 1995. (Memórias de Doutorado).
Licenciatura).
FREITAS, Luis C. de. Crítica à organização do trabalho
BORTOLE, C. Ippon – Jornal de judô. 1(4): agosto de pedagógico. Campinas: Papirus, 1995.
1996a.
GUEDES, D. Pinto e GUEDES, J. Pinto. Sugestões de
BRASIL, I. de Almeida. Conceitos da biomecânica conteúdo programático para programas de educação
aplicados ao ensino-aprendizado do judô. Rio de física escolar direcionados à promoção da saúde. In:
Janeiro: Uerj, 1994. Memórias de Licenciatura. Revista da Apef. Londrina, 9 (16): 3-14, 1994.
CALLEJA, C. C. Judô – Caderno Técnico Didático – KOSIK, Karel. Dialética do concreto. Rio de Janeiro: Paz
MEC. Secretaria de Educação Física e Desportos, s.d. e Terra, 1994.
CARVALHO, Máuri. Judô: crítica radical. In: Revista KUNZ, Elenor. Transformação didático-pedagógica do
Motrivivência. 1(2):35-43, 1989. esporte. Ijuí: Unijuí, 1994.
A evolução sócio-histórica do judô 21
LEFEBVRE, H. Lógica formal/lógica dialética. Rio de SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras
Janeiro: Civilização Brasileira, 1983. aproximações. São Paulo: Autores Associados, 1994.
LIBÂNEO, J. C. Democratização da escola pública. São TUBINO, M. J. Gomes. As dimensões sociais do esporte.
Paulo: Loyola, 1984. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1992.
MARX, Karl e ENGELS Friech. A ideologia alemã, São VÁSQUEZ, A.S. Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e
Paulo: Hucitec, 1987. Terra, 1968.