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Povo Sacerdotal

no Novo Testamento
Falar da Igreja como de um “povo sacerdotal” provavelmente
não soe familiar a todo mundo. O que queremos dizer quando
falamos de um povo sacerdotal?

Um povo sacerdotal

Un sacerdócio real – São Pedro na sua primeira carta fornece o


ponto de partida para entendermos o que é um povo sacerdotal
quando diz aos recém-batizados: “Mas vós sois raça escolhida,
sacerdócio real, nação santa e povo adquirido, para proclamar as
proezas daquele que vos chamou das trevas à sua luz maravilhosa.
Vós que outrora éreis Não-povo, agora sois Povo de Deus; éreis os
Não-compadecidos, agora sois Compadecidos” (1Pd 2,9-10).
Não esqueçamos o sentido coletivo, comunitário, de sacerdócio.
O segundo sentido do termo aparece em 1Pedro 2,5: “também
vós, como pedras vivas, entrais na construção de um templo
espiritual e formais um sacerdócio santo, que oferece sacrifícios
espirituais, agradáveis a Deus por meio de Jesus Cristo”. Aqui
entendemos o exercício desse sacerdócio na comunidade
sacerdotal: oferecer sacrifícios espirituais.
Dimensão cultual da Igreja – No NT, a Igreja é a assembleia
convocada para uma celebração religiosa. A Igreja é o povo reunido
por Deus para lhe render culto.
A principal manifestação da Igreja – O Concílio Vaticano II, na
constituição Sacrosanctum Concilium (SC), diz: todos os fiéis
devem ser “persuadidos de que a principal manifestação da Igreja
consiste na participação plena e ativa de todo o santo povo de Deus
para as mesmas celebrações litúrgicas, principalmente na mesma
Eucaristia, numa mesma prece, junto ao altar único presidido pelo
bispo cercado por seu presbitério e seus ministros” (n. 41).
A dispersão da assembleia ao término da celebração é a
expressão sacramental, constantemente renovada até o fim dos
tempos, da missão dos discípulos de comunicar aos outros a Boa-
nova que eles próprios receberam.

Para entendermos o sacerdócio dos fieis, precisamos explicar a


sua fonte: o sacerdócio de Cristo, pois é a Cristo que deveremos
voltar se quisermos perceber algum aspecto de nossa vida cristã.
Cristo, origem de todo sacerdócio

A Igreja existe pela graça que Deus nos comunica através de


Cristo sua Cabeça, só em referência a Cristo podemos entender o
sacerdócio cristão.
A Carta aos Hebreus nos explica o sacerdócio de Jesus:
1. Cristo é sacerdote mediador da nova e eterna Aliança:
“Porque há um só mediador entre Deus e os homens, que é Jesus
Cristo, homem que se deu a si mesmo para a redenção de todos”
(1Tm 2,5).
2. O sacrifício de Cristo é a oferta de si próprio: “quanto mais o
sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu sem mancha
a Deus, purificará nossas consciências de obras mortas, para que
demos culto ao Deus vivo” (Hb 9,14). O sacrifício de Jesus é
existencial, é a sua vida que ele apresenta a Deus. Ele ofereceu a
sua vida a Deus pela obediência à vontade do Pai, e aos seus
irmãos no amor.
Desse modo, o cristão será por sua vez sacerdote e vítima do
culto espiritual que é chamado a praticar.

Un sacerdócio real
para oferecer sacrifícios espirituais

Rm 12,1-2: “Agora, irmãos, pela misericórdia de Deus, eu vos


exorto a vos oferecerdes como sacrifício vivo, santo e aceitável:
seja esse o vosso culto espiritual. Não vos ajusteis a este mundo, e
sim transformai-vos com uma mentalidade nova, para discernir a
vontade de Deus, o que é bom, aceitável e perfeito”. O Sacrifício
que se deve oferecer a Deus é o de toda uma vida santa conforme
sua vontade, e que por isso mesmo lhe é agradável.

Mt 9,13: “O que eu quero é a misericórdia e não o sacrifício”.


Sacrifício espiritual é a esmola, a partilha comunitária, a prece, a
fé, a misericórdia e outras virtudes e até a pessoa mesma do
discípulo, que São Paulo qualifica como “um aroma agradável, um
sacrifício aceito e agradável a Deus” (Filipenses 4,18).
São Paulo entende que o seu empenho pela evangelização das
comunidades é um ato de culto a Deus. Ele próprio diz “nós que
servimos a Deus em espírito”(Filipenses 3,3).
Outro texto que ajuda a encontrar um modelo para que os
cristãos sejam agradáveis a Deus: “sigam o caminho do amor,
como também Cristo nos amou e se entregou por nós a Deus como
oferenda de suave odor” (Efésios 5,2).
No centro do sacrifício espiritual está a oferenda de si a Deus no
cumprimento da sua vontade.
É pela imitação de Cristo, por sua obendiência à vontade do Pai
e pelo amor que o levou a dar assim sua vida pelos irmãos; é o
sacrifício exitencial de Cristo e do cristão. Se os batizados são
sacerdotes, o seu sacrifício só é possível pelo sacrifício único de
Cristo celebrado na Eucaristia. Os verdadeiros sacrifícios consistem
na transformação da existência dos batizados sob a ação do Espírito
Santo em união com o sacrifício de Cristo.

1Pedro 2,4-5.9: “também vós, como pedras vivas, entrais na


construção de um templo espiritual e formais um sacerdócio santo,
que oferece sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por meio de
Jesus Cristo”.

Ap 1,6: “e fez de nós um reino, sacerdotes de Deus seu Pai, a ele a


glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém”.

Hb 5,7-10: “Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e


súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e
lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser
Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu e,
tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte
de salvação eterna, tendo sido proclamado por Deus Sumo
Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec”.
O sacerdócio batismal dos fiéis
no Vaticano II
Segundo a Constituição Dogmática Lumen Gentium do Concílio
Vaticano II, no parágrafo 34, quando trata dos fiéis leigos, afirma
“Àquele que une intimamente à sua vida e à sua missão, dá-lhes
também parte no seu múnus sacerdotal com vistas a exercerem um
culto espiritual, para a glória de Deus e a salvação dos homens”, e,
ainda, “Assim, também os leigos, procedendo santamente em toda
parte como adoradores, consagram a Deus o próprio mundo”.

O Sacerdócio de Cristo
Para entendermos tanto o sacerdócio batismal como o ministerial,
precisamos em primeiro lugar entender o sacerdócio de Cristo. Na
Sagrada Escritura, apenas na Carta aos Hebreus, vemos Jesus
sendo chamado de sacerdote (cf. Hb 2,17; 3,1; 4,14; 5,10). De
fato, Ele não se aproxima da concepção sacerdotal do Antigo
Testamento: sua família pertence à tribo de Judá (Lc 1,27; Hb
7,14). Todavia, as narrativas sobre a sua morte na Cruz o
apresenta dentro de uma concepção de sacrifício onde Jesus é, ao
mesmo tempo, a vítima e o sacerdote (Mc 14,24; Mt 26,28; ICor
5,7). A Epístola aos Hebreus vai entender a morte de Jesus como o
sacrifício aceito por Deus. Realmente, o sacerdócio de Cristo se
realizou num caminho de resposta à vontade de seu Pai,
enfrentando as adversidades que se apresentavam. Esta vida
oferente de Jesus, que encontra seu ápice na Cruz, é a oferta que
Ele fez de si mesmo para a salvação dos homens. Cristo é o
sacerdote na medida em que se entrega, no amor, ao Pai pela
salvação dos homens (Hb 7,26-27).

A Entrada no Templo de Deus


Jesus está vivo e se tornou, no santuário celeste, o único mediador
e intercessor dos homens junto ao Pai (Hb9,11-15). Seu sacerdócio
eterno se manifesta em atitudes de misericórdia com aqueles que
sofrem e com os pecadores, justificando-os, purificando-os e
santificando-os (Hb10,10.14).

Os fiéis participam do sacerdócio de Cristo


Com a subida de Cristo para o santuário celeste e a efusão do
Espírito Santo sobre a Igreja, aparece o povo sacerdotal (IPd 2,4-
5.9; Ap 1,6). De fato, cada fiel pode se aproximar do Pai (Ef 2,18;
Hb 7,25) e oferecer-se a Ele (Rm 12,1) através da conversão e da
aceitação da vontade divina em sua própria vida e da vivência na
comunhão com os irmãos (IPd 2,5). O cristão se torna sacerdote
quando, pelo batismo, entra em comunhão no Corpo Místico de
Cristo e vive a realidade desta consagração batismal: ele se torna
capaz de crer, de esperar e de amar a Deus por meio de uma vida
teologal; se torna capaz de viver sob a moção do Espírito de Deus
servindo a comunidade cristã e humana a partir dos dons e dos
carismas que recebeu; e, é capaz de crescer no seu relacionamento
de amor a Deus, a si mesmo e ao próximo (cf. CIC nº1547). O
sacerdócio batismal se manifesta numa vivência de resposta ao Pai
possibilitada pelo Espírito na medida em que Cristo viveu e
testemunhou.

Os fiéis e a Liturgia
O Vaticano II na Constituição Dogmática Sacrosanctum Concilium
n. 14 deseja que “todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente
e ativa participação na celebração litúrgica que a própria natureza
da Liturgia exige e a qual o povo cristão, ‘raça escolhida, sacerdócio
real, nação santa, povo adquirido’, tem direito e obrigação, por
força do Batismo”. Na Liturgia, por meio da Palavra de Deus e dos
Sacramentos, os fieis são inseridos na comunhão de vida com Jesus
e de lá partem para viver no mundo o testemunho cristão (cf. SC
48 e CIC nº 1273).

Os fieis e as celebrações
Com a indicação conciliar da vivência sacerdotal do batizado,
ocorreu uma abertura da prática celebrativa eclesial em duas
pontas. A primeira em relação ao cuidado e ao incentivo da
participação dos fiéis através das aclamações, das respostas, da
salmodia, das antífonas, dos cânticos, das ações, dos gestos, das
atitudes e do silêncio sagrado (cf. SC nº30). Com isto se ressalta o
aspecto dialogal do rito das celebrações litúrgicas favorecendo com
que os batizados entrem em comunhão com Deus. A segunda em
relação à participação dos fiéis em certos ministérios na celebração,
tais como o de leitor e o de acólito. Deve-se destacar que o que o
CV II queria recuperar a vocação e a dignidade própria do fiel leigo
no mistério de Cristo.
CNBB, Documento 106, Cristão Leigos e Leigas na Igreja e na
Sociedade. Sal da Terra e Luz do Mundo.

2.1 O sacerdócio comun


110. Os cristãos leigos e leigas são portadores da graça batismal,
participantes do sacerdócio comum, fundado no único sacerdócio de
Cristo. Nesse sacerdócio se baseia a fraternidade, a irmandade, a
dignidade de todos na Igreja enquanto única família de Deus,
recebem, pois, o caráter sacramental que os diferencia dos não
batizados. Vivem esse sacerdócio na oferta de si mesmos ao
Senhor, na participação dos sacramentos, sobretudo a Eucaristia,
na vivência das virtudes, na ação evangelizadora, na constante
busca de conversão e de santificação. O martírio é a consumação
desse sacerdócio. “Oferecei vossos corpos em sacrifício vivo, santo,
agradável a Deus: este é o vosso culto espiritual” (Rm 12,1).

111. O sacerdócio batismal concede direitos na Igreja. Dentre


outros, lembramos alguns: associar-se em movimentos de
espiritualidade e de apostolado, conhecer a fé, participar dos
sacramentos, manifestar-se e ser ouvidos em questões de fé,
cooperar na edificação do povo de Deus, educar os filhos na fé
cristã. Aos direitos acrescetam-se os deveres: participar do múnus
profético, sacerdotal e real-pastoral de Cristo, colaborar comos
pastores na ação evangelizadora, dar testemunho do Evangelho em
todos os ambientes. Para o exercício desses direitos e deveres,
nunca deveria lhes faltar a ajuda dos ministros ordenados. De fato,
o documento Ecclesia in America assevera: “É necessário que os
leigos se conscientizem de sua dignidade de batizados e os
pastores tenham profunda estima por eles. A renovação da Igreja
na América Latina não será possível sem a presença dos leigos; por
isso, lhes compete, em grande parte, a responsabilidade do futuro
da Igreja”. Foi para fortalecer o sacerdócio comum dos fiéis que o
Senhor previu o sacerdócio ministerial, conferido a alguns batizados
pelo sacramento da Ordem”.
O Povo Sacerdotal
na Espiritualidade da Cruz
Introdução

Jesus de Nazaré nos ensinou que somos todos Povo sacerdotal,


no sentido em que exercemos livre mediação entre nossas irmãs e
irmãos e o Pai, toda bondade e todo amor.
A Espiritualidade da Cruz nos lembra que todos participamos do
sacerdócio de Jesus. Todo o povo de Deus é sacerdotal porque
todos somos convidados a ser uma ponte entre um Pai próximo e
misericordioso e seus filhos, nossos irmãos. Jesus compromete todo
o seu ser como homem em obediência filial a Deus e no dom de si
mesmo a seus irmãos, até a morte.
Somos um povo sacerdotal, por causa de nossa adesão a Cristo,
mediadores entre o amor livre do Pai comum, comprometido com a
vida de seus filhos e estes, nossos irmãos, vítimas em muitas
ocasiões de dor e injustiça que lastimam a Deus no mais profundo.
A realidade nos convida a repensar a Igreja. Precisamos entrar em
um processo de conversão, para continuar construindo uma Igreja
que atenda às demandas de nosso tempo. A espiritualidade da cruz
nos encoraja à eclesiologia do "Povo de Deus - Povo Sacerdotal".

Povo sacerdotal

Ser um povo sacerdotal não significa, clericalismo, separação de fé


e vida, de ortodoxia e ortopraxe, do relacionamento com Deus e do
relacionamento com o homem, separação do mundo, construção de
status separado com poder privilégios, estabelecimento de
paternalismo e infantilismo, etc.
Ser um povo sacerdotal é exatamente o oposto. É a adesão a Jesus
e seu projeto: A plena realização da pessoa humana em comunhão
com Deus e entre todos os homens, através da oferta pessoal da
existência ao Pai e aos homens. Oferecer isso, sendo real e
existencial (e não ritual), significa abertura e disponibilidade para a
ação de Deus que transforma nossas vidas. Ação, que, sendo de
Deus, é amor que “se doa aos irmãos”.
Ser um povo sacerdotal e exercitar o verdadeiro sacerdócio e o
culto cristão, significa colocar a nossa existência ao serviço da
construção do Povo de Deus, um povo onde são verdadeiramente
vividas: fraternidade, solidariedade, igualdade, comunhão,
dignidade e a liberdade dos “Filhos de Deus”.
Ou seja, viver ao serviço da construção duma comunidade, que
realmente seja o povo de Deus. Um povo onde Deus e seu projeto
de vida e plena felicidade para o homem e para todos os homens,
sejam o único Senhor.
Um povo, portanto, onde não existem outros "senhores", como
poder, ter, saber, prazer, consumo, conforto, o Eu, honra, segurança
... e onde, também não governem os suditos desses "senhores":
injustiça, opressão, ambição, arrogância, violência, marginalização,
medo, indiferença, egoísmo, lei do mais forte, destruição,
autoritarismo, manipulação, desigualdade e morte ...
Ser um povo sacerdotal consiste em não erguer barreiras entre a
existência concreta e o relacionamento com Deus, ou entre o
relacionamento com Deus e a existência real, mas uni-los o mais
intimamente possível, para que a vida humana seja completamente
transformada, graças à mediação de Cristo que comunica a força
(poder) do Espírito, para tornar a vida humana uma oferta contínua
de abertura e disponibilidade filial a Deus e de serviço fraterno aos
homens.

Um sonho para o novo perfil da Igreja do século XXI


A experiência de fé da comunidade à qual a primeira carta de Pedro
é dirigida oferece pistas para iluminar a realidade. Além disso, ela
convida-nos a uma profunda conversão para construir um novo
perfil da Igreja: o povo de Deus, o povo sacerdotal que atende às
demandas de nosso tempo.
Essa conversão fundamenta-se na exigência de retornar ao
encontro com Jesus Cristo, em sua Palavra, no irmão e,
especialmente, nos pobres. Para ser cada vez mais:

• Uma igreja em permanente conversão. Conversão que


abrange não apenas a dimensão pessoal, mas também a dimensão
comunitária e pastoral. Uma conversão que também implica a
mudança de estruturas internas e modos de interação com a
sociedade.

• Uma igreja de comunhão que favorece a participação e


a ministerialidade, que promove os diferentes carismas da
comunidade e que é realmente uma proposta de fraternidade na
comunidade.
• Uma Igreja solidária, aberta e próxima das mulheres e
homens de hoje, especialmente aqueles que trabalham para tornar
nossa sociedade mais humana e fraterna.

• Uma igreja samaritana (Lc 10,25-37), especialmente


comprometida com a causa daqueles que foram excluídos. E
trabalha por a globalização da solidariedade.

• Uma Igreja inculturada que aborda o diálogo com as


culturas a partir da riqueza do Evangelho, que promove as
identidades quebradas pela cultura dominante e que trabalha
decisivamente a favor da vida.

• Uma Igreja missionária, fiel e criativa, que permanece em


busca, que tenta oferecer novas respostas pastorais aos novos
tempos.

• Finalmente, uma Igreja próxima ao Evangelho e ao


Reino, que discerne os sinais dos tempos e continua sendo uma
proposta alternativa para a sociedade atual.

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