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RONALDO DE OLIVEIRA BATISTA a pajayra ea sentengd estudo introdutério — [ian RONALDO DE OLIVEIRA BATISTA a palayra ea ~ sentenga estudo introdutério TT VrayP Cans Promro Gxineat Andrés Custodio nace on ca ‘stockphote vee tovona Ava Sah ies (Us) “ Carlos Alberto Faraco [UFPR) Marcos Bagno (UnB) Mare Marta Perera Scher {UFES| Rachel Gazols de Andrade PUCSPI Seine Tanmus Muchall PUCSL Stel ris orton aro (Ur) CaP BRAS. ATAGACAO NA OTE SIwo}eATO WACONAL DOS EDTRES DE LVROS RL Bat pale enact tec /Roni de Ove Bats ean vgusdeensno18) comemoxscis Inco boar Iss oreh79540102 rua portuguess- Esta ensino Super. 2-Linga portagess 0 ems de portugues Fonmagao 4 Pofesores dengan Fermagaa TR See coo. rs Dieitos eserados 8 PARABOLA EDITORIAL ua Sussuarana, 216 - Ipiranga 2589-9263 re desta obra pode set ora efou guasquer ISBN; 978.05:7934-019-2 © do texto:Ronaldo de Olivera Batista ‘da edito brasileira: Pardbol Elitoril, S40 Paulo feverero de 2011 SUMARIO PREFACIO APRESENTAGAO Intropugao: O QUE E UMA LINGUA? COMO ELA PODE SER ANALISADA? Caracteristicas das linguas naturais, Os niveis de descrigao e andlise lingufstica A lingua em uso: formas e fungdes produzindo efeitos de sentido OESTUDO DA PALAVRA. Se¢ho um: O LEXICO E A NOGAO MORFOLOGICA Lexicologia ¢ léxico: primeiras definigles As entradas lexicais Lexema, vocabulo, gramemas e afixos Palavra: critérios de definigao do conceito ‘A proposta de Mattoso Camara segho pois: A ESTRUTURA DA PALAVRA Morfologia: estudando a estrutura das palavras Morfologia flexional e morfologia lexical A flexdo e seu cardter obrigatorio. Flexo nominal Flexdo verbal Processos de formago de palavras no portugués Neologismos 1B 7 a 2B 26 31 31 35 35 38 5 7 ” 56 56 57 59 2 6 stgdo tres: CLASSES DE PALAVRAS 65 Para os meus pals, Classes de palavras abertas e fechadas no portugués 6 Natal e Lenilde, Observagées sobre as classes fechadas, o7 . Critérios de definigao de classes abertas 69 e meus irmiios, im quadro de definigées: possibilidades para o portugué 70 Ce ae coats aces para o portuguts 3 Renato e Patricia. Em busca de padronizagbes para a classificagio R O ESTUDO DA SENTENGA. stho um: O CONHECIMENTO DA LINGUA EASINTAXE 77 (O conhecimento sintatico 7 Acestrutura dlas sentengas: os constituintes 82 (Os testes de constituintes 86 Os testes de constituintes ¢ a explicagao sintética para a ambiguidade 89 [As fungGes sintéticas na sentenga: uma observagao geral o se¢Ao pois: PREDICADOS, ARGUMENTOS, PAPEIS TEMATICOS 97 Predicados e argumentos: uma introdugio 97 Predicados e argumentos: os conceitos 9 Adjuntos 101 Papéis teméticos 102 st¢do TREs: A SENTENGA E O USO DA LINGUA: OS PROPOSITOS COMUNICATIVOS 105 3s tipos de sentenga: uma observaciio formal 105 Os propésitos comunicativos das sentengas e a nogdo de “enunciado” 107 A forga ilocucionaria das sentengas quando sto enunciadas 110 Estrutura informacional da sentenga m2 Focalizago: 0 foco para “chamar a atengao” 15 Topicalizagio: a demarcagao de topicos na conversagaio 16 TREINANDO A DESCRICAO E ANALISE LINGUISTICA A PALAVRA: listas de exercicios 121 A SENTENGA: listas de exercicios 131 AVIRA F ASENTENCA, Ronaldo de Oliveira Batista PREFACIO capacidade humana da linguagem permite a existéncia de relacionamentos do homem consigo mesmo, com mundo e com os outros homens. Refletir sobre essa ca- pacidade é tarefa de linguistas, de professores de lingua portuguesa e de varios outros profissionais que se vol- N para a riqueza da interacdo humana, Interagir, portanto, implica ysuagem, que pode ser manifestada pelo verbal ou pelo nao verbal. O curso que trata especificamente das linguagens verbal, intensa- mente, e nao verbal, em menor escala, é 0 curso de letras, que busca formar um profissional que domine os fundamentos basicos da érea, como condicao para atuar criticamente no campo profissional, sem problemas de limites por enquadres especificos e ainda pouco explo- rados. E isso que Ronaldo de Oliveira Batista pretende fazer. Com a forca jovem que traz 0s sonhos para o futuro, a competéncia da formacdo continuada e a capacidade de lecionar com maestria, 0 Prerhcto linguista docente fixa-se no ensino que projeta a pesquisa, na pesquisa que projeta a extenso, num processo de retroalimentacdo, de forma a garantir a indissociabilidade entre o trabalho de pesquisa e de ensino na graduacao. Centrando-se no verbal, Ronaldo de Oliveira Batista, colega exce- lente, professor dedicado e pesquisador zeloso da drea de letras e lin- guistica, tem sua competéncia reconhecida por colegas e alunos; e ele nao s6 respeita seus alunos, como é respeitado por eles. Preocupa-se, sobremaneira, com a entrada dos alunos de ensino médio no curso de letras, pois os recém-graduandos apresentam mais defasagens do que aquilo que se poderia suportar. Em suas palavras, nota-se a preocupacaio com tais defasagens, com as expectativas que os estudantes trazem para a sala de aula do ensino superior e com a decepgiio que revelam quando nao conseguem preen- cher as lacunas deixadas pelos niveis de formacao em que deveriam ter adquirido os conhecimentos linguistico-gramaticais basicos. A palavra ea sentenga vem preencher essas lacunas e ajudar na formagio comple- ta do profissional de letras, tZ0 importante em todos os momentos da vida em sociedade, uma vez que, sendo professor, atua na base social; sendo revisor, zela pela boa leitura, e, sendo um humanista, colabora com a melhoria dos individuos da comunidade. Enveredando pelas teorias linguisticas modernas, 0 autor trata das varias vozes de pensadores da atualidade que permeiam seu proprio discurso, revelando miiltiplos olhares acerca da tematica central desta obra: usos e fungdes da lingua portuguesa, voltados para os compo- nentes gramaticais: o lexical, o morfolégico e o sintatico, enfocando duas perspectivas diferentes — a formal e a funcional. Sendo um professor que de fato abraca a tarefa do magistério em plenitude, discute as questes tedricas com a sobriedade de um pesqui- sador responsdvel ea leveza de um jovem professor experiente que tem em mente seus alunos de letras: reais, verdadeiros, atemorizados com asala de aula proxima-futura e felizes com as descobertas cotidianas. Ronaldo ministra aulas de lingua materna com propriedade, o que nos leva a salientar a necessidade de se ler a obra em tela por sua gran- Nea Ronaldo de Oliveira Batista TESST SE gem, no que concerne a palavra e a sentenca. A palavra ea sentenga — um estudo manual bem organizado que propiciara aos docentes momentos de rodutério tem a forca de um reflexdo acerca de aspectos te6i desenvolvimento de suas aulas e aos alunos a possibilidade de apreen- dere rever conceitos e de descrever e analisar a lingua portuguesa por meio da pratica. metodolégicos importantes para 0 livro apresenta-se dividido em trés partes e seis seces, a saber, primeira parte: O estudo da palavra: seco 1: 0 léxico ea nocdo de pa- lavra, seco 2: a estrutura morfologica, seco 3: classes de palavras; se- gunda parte: O estudo da sentenga: seco 1: 0 conhecimento da lingua ea sintaxe, seco 2: pret 3: a sentenca e uso da lingua: os propésitos comunicativos e terceira parte: Treinando a descricao e analise linguistica. ados, argumentos, papéis tematicos, secao Na primeira parte — O estudo da palavra —, sto contempladas questées referentes a lexicologia, cujo objeto de estudo ¢ o léxico de uma lingua (conjunto de unidades, de diferentes naturezas constituin- tes do universo lexical de uma lingua); questdes referentes & morfolo- gia, cujo objeto de estudo sao as palavras em sua estrutura, formagio, flexes e classificagio e questées referentes as classes de palavras de nossa lingua e acerca das combinagSes que podemos realizar por meio da generalizagio de alguns desses conhecimentos em forma de regras. Na segunda parte — © estudo da sentenga —, sio abordados os aspectos relacionados ao conhecimento da lingua e da sintaxe que to- mam as sentencas como objeto privilegiado em sua constituicdo e em suas regras, que governam essa constituicao; aspectos relacionados aos predicados, argumentos, papéis tematicos que tratam da competéncia Tingufstica, que permite aos sujeitos reconhecer a formagao das senten- cas de uma lingua e aspectos relacionados a sentenga e uso da lingua: 0s propésitos comunicativos, que focalizam as formas, 0s significados ‘0u 08 efeitos provocados nos interlocutores do discurso. wien [2] apresentam-se exercicios muito bem estruturados, divididos em duas partes A palavra: listas de exercicios e A sentenga: listas de exerci- cios, que enfocam a descricdo ¢ andlise, visando ao aprendizado da lingua por meio da pratica Diante disso, posso afirmar ser esta obra de grande relevancia para os estudos linguistico-gramaticais deste inicio de século, voltados para co ensino de lingua portuguesa, fundamental para a formacio de todos os alunos de letras, E concluo asseverando que, nesse ir ao e vir entre, sobre, sob a lin- guia portuguesa, percebo o princfpio de investigagao fortemente mar- cado em Ronaldo, que exala um saber fazer diante de vistas dirigidas para os estudos pedalingufsticos contemporaneos. So Paulo, 22 de dezembro de 2010 Neusa Mania Ouiveks BaRsosa Basros ADALAVRA #4 SENIENGS Ronaldo de Oliveira Batista APRESENTAGAO © chegar ao nivel superior para iniciar um curso de le- tras, 0s alunos, em geral, deparam-se com uma situacao que os leva a surpresa, sendo ao espanto, jé que o objeti- vo dos cursos de lingua na universidade é predominan- temente oferecer subsfdios, de cardter cientifico, para a prtica de descricio e andlise linguisticas. De fato, muitos estudantes es- peram encontrar na graduagéio em letras uma oportunidade para rever, ‘ou mesmno aprender, aspectos de norma culta escrita e de uso oral formal da lingua. Mas nao ¢ isso o que os estudantes encontram. £ importante frisar, sempre, que o desenvolvimento da capacidade dos alunos no uso da norma culta da lingua é responsabilidade do ensino de lingua por- tuguesa nos niveis basics e resultado de leitura e pratica de escrita ao longo do desenvolvimento de nossas diferentes perspectivas profissio- nais. Nao quero, com essas consideraces, negar a importancia e o valor da norma culta em nossa sociedade. Tal forma de uso da lingua encon- tra seu espaco social ja bastante sedimentado, e a escola deve fornecer ao aluno o instrumental adequado para que ele seja proficiente nessa PRESENTAGAO, Meee eee ELLIE EON que a escola transmita a ele nogbes de variacao linguistica, para que esse mesmo aluno nao reproduza opinides imprecisas a respeito do que é a lingua e suas formas ¢ modalidades de uso no espaco social. ee NE Sendo assim, 0 objetivo principal deste livro é oferecer aos alunos de Ietras um material que permita o ingresso no universo fascinante de descricao e andlise de uma lingua, tendo por bases concepsdes das ciéncias da linguagem. Encontramos aqui outra barreira, uma vez que os descaminhos do ensino de gramitica nos niveis basicos fazem com que nossos alunos adquiram verdadeira averséo em relacao ao estudo gramatical da lingua. Também nao iniciarei aqui uma reflexao a res- peito dos objetivos e fungées do ensino de gramatica na educagao ba- sica, porém é importante salientar que tal perspectiva deveria ser feita por meio do estimulo da curiosidade cientifica do aluno, que passaria a ver uma lingua e sua gramética como algo a desvendar, como se es- tivéssemos diante de uma curiosa engenharia que pode ser descoberta para melhor conhecer seus mecanismos de organizagio e uso. A tarefa 6 ardua e necesita, sem diivida, de uma revisio do ensino de gramé- tica para os alunos de niveis basicos. © que se propde neste livro é que os alunos de letras, os professo- res de lingua portuguesa e os interessados em questées de linguagem ‘comecem a ver a organizacao’gramatical da lingua portuguesa como um objeto cientifico. Tendo esse caminho em vista, este livro procura introduzir ques- tes de descricdo e andlise da estrutura da lingua portuguesa. Nao assumi de forma incisiva nenhuma teoria para aproximar 0 leitor do tratamento cientifico de uma lingua, Naturalmente que muitos dos pontos vistos no livro apresentam subjacentes aspectos particulares a alguma teoria linguistica, porém optei pela iniciacéo a uma atividade antes de tudo descritiva e n&o tedrica, Assim, convido voces a iniciar 0 que vou chamar de aventura no universo de observacio cientifica da lingua portuguesa. Para sua ini- ciag&o, trabalharemos essencialmente com a estrutura, usos e funcdes da lingua portuguesa, considerando privilegiadamente trés compo- AUALAVRR E ASENTENGA Ronaldo de Oliveira Batista EC LIES ENE CIS OS. EOMLIGOS SOKE A Pa= lavra; 0 componente morfoldgico, com os estudos sobre a estrutura da palavra; o componente sintatico, tomado, de forma bastante basica e introdutéria, de duas perspectivas diferentes —a formal e a funcional Olleitor percebera que os aspectos formais da sentenca sao estudados tendo como teoria subjacente algumas das pro} rativa chomskiana, e os aspectos fur stas da gramatica ge- mnais so estudados por meio de uma perspectiva que retoma alguns pontos te6ricos da gramatica fun- cional, Nessa aventura, espero que fique aberto 0 caminho da curio- sidade para que vocés possam se interessar pelo aprofundamento de estudos sobre a sentenca em uma dessas perspectivas ou também pelo complexo estudo da palavra Iniciaremos nas proximas paginas o estudo da palavrae da senten- ga em lingua portuguesa. Os t6picos sero divididos em secies especi- ficas, cada uma acompanhada de sugestées de leitura para aprofunda- mento. No final do livro, hé exercicios, j4 que s6 se aprende a descrever e analisar uma lingua por meio da pratica Agora, sim, acredito que o caminho esté no seu inicio, Desejo a voces. ‘uma boa jornada na aventura de descrever e analisar a lingua portuguesa. Dedico aos alunos das turmas de letras da Universidade Presbite- riana Mackenzie dos anos 2007, 2008 ¢ 2009 este trabalho, jé que tive- ram contato com muitos t6picos deste livro, em uma versio prelimi- nar, Eles foram, talvez sem saber, constantemente fonte de inspiracao para que este material pudesse tomar a forma que agora ele tem Agradeco a Evani Viotti pela convivéncia e conversas durante 0 periodo em que me deu aulas na pos-graduacio em linguistica da Uni- versidade de Si Paulo. Com ela, aprendi muitos dos modelos que procuro retomar em minhas atividades de docéncia e pesquisa. Ammisesragio. INTRODUCAO | ' | OQUEEUMALINGUA? COMO ELA PODE SER - ANALISADA? vamos considerar uma lingua um sistema complexo de elementos sonoros, de signos e de formas de combinacao de unidades (le diferentes dimensées), isto quer dizer que uma lingua seré defi- nida como um conjunto de unidades, em permanen- relagdo em torno de uma estrutura. Nessa estrutura, cada uma das unidades que compdem uma lingua (unidades diversas com diferentes funces) assume um valor (exerce um papel determinado) para que a lingua possa funcionar como meio de expresso e comunicacao. Assim, a lingua é vista como resultado de permanentes relacdes entre os elementos que a compéem, alocacos em diferentes componen- tes, cada um dando sua contribuicdo para a organizacio linguistica. (que una uNcua? nho da andlise linguistica. Dizer que uma lingua como o portugués é duplamente articulada significa dizer que ela pode ser dividida em dois componentes, cada um com suas unidades préprias. Pode-se as- sumir a nocdo de que uma lingua é um conjunto de sons (produzidos e articulados com o ar que sai de sos pulmdes — no caso da lingua Portuguesa) aos quais atribuimos significados, de cardter convencio- nal, ou seja, ao longo da nossa troca social, convencionou-se, muitas vezes de forma absolutamente arbitréria, que determinado agrupa- mento de sons nos levaria a determinados conceitos e nogées. A lingua, dessa forma, possuii uma dupla articulagio, uma vez que apresenta duas possibilidades de segmentacéio em torno das unidades basicas que a organizam: os sons e os morfemas, unidades constituintes das linguas naturais que conferem a elas um caniter discreto. Com essa expressiio — cardter discreto — queremos dizer que se pode segmentar e discriminar quais so 0s componentes de uma palavra e de uma frase, por exemplo. E possivel dizer que uma palavra é composta por um nie mero especifico de sons. Ao observar palavras como algo, lagoa e gola, ve ‘mos que a cada palavra tem-se um significado. Esse contetido semantic de cada palavra é resultado de diferentes processos combinatérios (¢in- tagmaticos) de quatro unidades sonoras discretas: os sons /a/ /I/ /g/ /ol. Ao considerar uma unidade linguistica de qualquer extensio, re- conhecemos que ela é formada por sons de carater distintivo, permi- tindo a diferenciacio entre uma unidade e outra. Assim, no signo palo, segmentamos as unidades que fazem parte do aspecto material dessa palavra, os sons (representados na modalidade escrita, em diferentes graus de representacio, por letras e diacriticos: pa to. Cada um desses sons assume um valor distintivo na organizacdo das unidades sonoras da lingua portuguesa, por isso que a troca de um som pelo outro, no ‘mesmo espaco (na mesma distribuicdo) leva a uma troca de significa- do; trocar o p por um b resulta na alteragio do signo, de pato passamos a ter a forma verbal bato. No entanto, devemos assumir que, antes de segmentar as palavras em unidades sonoras de carter distintivo (observe que nao podemos wa Ronaldo de Oliveira Batista fa: 0 que significa um p?), é possivel depreender unidades minimas que apresentam, além de sua parte sonora material (equiva- lente a representacdes grafematicas na escrita), significados (tanto de cardter lexical, no sentido de que so associados a diferentes elemen- tos e aspectos do mundo que nos rodeia, como de carter gramatical, responsdveis por varias categorias gramaticais da lingua). Dessa for- ma, uma palavra como pato pode ser segmentada em unidades mini- mas de forma e contetido (os chamados signos minimos, com signifi- cado e significante): pat radical da palavra, elemento significativo de natureza lexical 0 elemento significativo de natureza gramatical que indica 0 género masculino Observe que essa segmentacdo em unidades minimas significati- vas 86 pode ser realizada satisfatoriamente quandg estabelecemos cri- térios de comparagiio com outra unidade muito semelhante, distinta o ponto da estrutura, como pata, num tni Essas unidades significativas dizem respeito a 1° articulacio da lin- guagem, a que determina a presenga de unidades com forma e sentido, 6 signos minimos, as menores partes que formam uma palavra. As unidades da 1° articulagio so chamadas de woRrEMas, J as unidades sonoras, no mais significativas, mas distintivas, dizem respeito a 2* articulacdo da linguagem, a segunda divisio pos- sivel, determinando a presenga de unidades sonoras que compéem 0 sistema de sons da lingua, As unidades da 2* articulagao so chamadas de FONEMAS. “ A dupla arti cas essenciais que ajudam a definir uma lingua natural como uma com- plexa organizacéo, em torno de unidades menores que se associam a unidades maiores, sendo que a cada associagio se ganha em termos de significado, contribuindo para que os dois processos centrais de uso de uma lingua se estabelecam, a expressiio e a comunicacdo dos usuarios de uma lingua em meio a trocas sociais entre os falantes. Jago da linguagem humana é uma das caracteristi- Oquee una | OS EES logico e 0 morfolégico, permite evicienciar que a lingua pode ser tra- tada como um objeto de observacao analitica, a partir da decompo- sigdio de suas unidades, até chegar a um limite maximo de reconhe- cimento de unidades que pertencem a uma organizacao linguistica. Segmentar (decompor unidades) uma lingua é um dos principios basicos da atividade de andlise linguistica. Ao lado da segmentagao, uma das outras operagdes centrais da observacao de um estudioso de uma lingua, seja ele um gramético, seja ele um linguista, ¢ a de delimitar a distribuicio das unidades segmentadas. Isso quer dizer que o analista precisa descrever em qual posiciio as unidades devem aparecer, quais so as combinacdes possiveis e quais sio as restri- ‘ges que evitam formas da lingua ndo reconhecidas como legitimas e possiveis pelos falante: SEeeeteReeEEECEORCEEESESeEEEESOeEOEESESESEEOSS Segmentar ¢ analisar a distribuic¢do so atividades acompanha- das de classificacao e explicacdo de qual a raz%io do comportamento de unidades linguisticas ser do jeito que se apresenta ao falante. Nes- ses processos de andlise linguistica, estamos o tempo todo estabele- cendo atividades de descricao e andlise que retomam os dois eixos centrais de observacdo de uma lingua: o paradigma e o sintagma. paradigma diz respeito a escolhas feitas pelos falantes em meio a unidades dispontveis para 6 uso, de acordo com os inventérios ¢ as regras do sistema linguistico. © sintagma diz respeito a formas de combinacdo, de diferentes extensées, das unidades selecionadas pelos falantes nos diferentes paradigmas que formam o inventario disponivel para 0 uso linguistico. Dessa forma, todas as linguas se organizam em torno de duas operagdes fundamentais: selecionar e combinar. As formas e re- gras de selecdo e combinacio, a descricao das diferentes unidades que compdem os diferentes inventarios da lingua séo objetos de uma anélise lingufstica. Neste livro, vamos explorar esses aspec- tos em relacdo a formas e combinagées nos ambitos da palavra e da frase, Antes, porém, vamos a algumas consideracdes ainda de carater introdutorio: AALAVRA HA SENTENEA Ido de liveira Batista Caracteristicas das linguas naturals (@ Arbitrariedade ‘A maioria dos elementos que constitui as unidades significativas das linguas (0s signos linguisticos) 6 arbitréria. Com isso se quer dizer que nao ha uma relacio de implicagio imediata e obrigat6ria entre a forma eo sentido dos signos. Ou seja, ndo hé nada na estrutura sono- ra (representada pelas letras na escrita) que nos leve imediatamente a0 significado. Isso quer dizer que, na constituicao de um signo como pato, nenhuma das unidades sonoras nos traduz exatamente o signifi- cado de “pato” como unidade do nosso universo biossocial e cultural. Osom /p/ nao nos leva a imaginar nenhum dos elementos que consti- tuem 0 conceito de “pato”. Tal fato é evidente quando nos lembramos de que 0 mesmo conceito “pato” pode ser acessado em diferentes lin- guas por meio de diferentes formas, como duck em inglés. Sendo assim, afirmamos que os elementos que organizam as lin- guias naturais so arbitrérios e convencionais, resultado de um acordo que se estabeleceu coletivamente. No entanto, nao se pode ignorar 0 fato de que determinadas unidades e combinagées da lingua podem contrariar esse principio. © Independencia em relagio ao espago e tempo ‘As linguas naturais nao fazem referéncia apenas ao que ocupa 0 mesmo espaco ¢ se situa no mesmo tempo que os falantes usuarios dos sistemas linguisticos. Podemos falar daquilo que est ausente, sem que o objeto de nossa referéncia esteja fisicamente presente. Exatamen- te por conta desse aspecto das linguas naturais ¢ que podemos fazer referéncia a elementos abstratos, ao passado e ao futuro, A linguagem humana nao esta presa ao universo da presentificacio. Por isso € que podemos definir um signo como aquela unidade que representa ou substitui o que esté ausente. (© Produtividade e abertura As linguas naturais so sistemas organizados em torno da ideia de produtividade, ou seja, as unidades das linguas podem se expandir, que e uma uivcua? ei ETE remos dizer que, de um conjunto delimitado de unidades que formam sistema de uma lingua, podemos realizar diferentes, e praticamente nfinitas, combinagGes, desde que sejam respeitadas regras de combi- nacdo das unidades linguisticas. Pode-se visualizar essa caracteristica das linguas naturais quando colocamos em foco o componente sintati- co da lingua. De posse de algumas unidades da lingua, como as pala- vas, podemos realizar infinitas combinacGes, dado o cardter criativo das linguas. (d) Gramaticalidade Todos os sistemas linguisticos organizam-se em torno de regras de selecdo e combinagio. A obediéncia a essas regras é fundamental para que se produzam unidades que sero aceitas e reconhecidas pelos membros de uma comunidade linguistica. Dessa forma, pode-se dizer que todos os falantes de determinada lingua tém um conhecimento, de natureza abstrata (que independe dos processos de escolarizacao), a respeito da estrutura e das formas de combinago das unidades de sua Iingua. Esse saber, que nos permite reconhecer a gramaticalidade das unidades, 6 denominado competéncia linguistica © Divisio analitica em componentes (ou niveis de anéilise)' As linguas naturais podem ser analisadas, isso quer dizer que elas podem ser decompostas pelo analista, que pode observar seus ele- mentos formativos e suas condigées de combinacio. Assim, as linguas podem apresentar componentes de diferentes naturezas, que sdo re- conhecidos como os niveis de descricdo e andlise lingufstica. Natural- mente que esses niveis siio um construto tedrico, no sentido de que um trabalho cientifico de anélise que estipula sua existéncia e modos de observacdo. O trabalho de andlise, da linguistica e da gramatica, é conceber que uma lingua é uma estrutura, um sistema, organizado em diferentes camadas, cada uma delas com suas particularidades e uni- dades préprias de analise. NRL AVRA I A SENTENCA Ronaldo de! ira Batista Os nfveis de descri¢éo e analise lingufstica Uma proposicao de andlise da lingua em niveis encontra sua motiva- so no fato de que linguas devem ser descritas ¢ analisadas como uma estrutura, um conjunto de unidades formais em constante relacio. Essa perspectiva de observacdo demanda a escolha de métodos e formas de descri¢do e andlise. O método que seguiremos ¢ aquele que segmenta unidades da lingua portuguesa (em suas diferentes dimensées) em seus diferentes niveis constituintes, como se estivéssemos diante de um objeto constituido de diferentes camadas, cada uma com suas especificidades, Partindo do prinefpio que afirma ser o texto a unidade de comuni- caciio e expresso da lingua, em nossa atividade de analise, podemos observar que o texto — unidade formal maxima — é constituido de porgdes menores que ele mesmo. A atividade de segmentacdo permite a decomposigio de unidades complexas até o grau maximo de obser- vacdo dos elementos minimos que formam unidades maiores. Mesmo tendo nocdo da presenca do texto como unidade formal maxima, vamos nos limitar a sentenca como nivel de observacdo. Para isso, tomemos uma unidade complexa como As 's sorriramt, A observacao da sentenca (considerada neste exemplo como a uni- dade maxima) permite concluir que ela é formada por unidades meno- res que a propria sentenca. Chegamos assim aos constituintes minimos do nivel sintatico: os sintagmas (blocos de forma e sentido que organi- zam em unidades formais as palavras de uma sentenca), [As mocas] [sorriram] Nossa observacio analitica nos permite chegar a outro nivel de ané- lise, resultado de segmentactio dos elementos que formam as palavras. As a—artigo feminino 5 — forma que indica plural mocas mog — radical a — forma que indica feminino s — forma que indica plural Oque tuna uncua? (2 | 24 i — forma que indica a 3* conjugacao verbal ta — forma que indica 0 modo-tempo verbal m— forma que indica 0 ntimero-pessoa (© grau maximo a que podemos chegar, em termos de segmentacao exclusivamente lingufstica, é 0 que nos evidenciara os sons pertinentes que formam as menores unidades que estruturam as palavras. Assim, para ficar apenas em um exemplo, a palavra moga é composta pelos sons /m/ fof /s/ fal. Se observarmos 0 resultado da aplicagao do método de andllise linguistica, podemos tomar consciéncia do fato de que a cada vez que avancamos nas segmentacdes perdemos sentidos complexos ¢ evidenciamos formas que constituem unidades de uma lingua. Nesse sentido, devemos considerar que determinada unidade s6 € reconhe- cida como uma unidade lingufstica quando a colocamos em confron- to. com outras unidades da mesma classe, e observamos também que ela é constituinte integrante de uma unidade mais complexa, hierar- quicamente superior, Os elementos mais basicos que compdem uma lingua natural (no caso das Iinguas articuladas verbalmente) sao os sons. Esses sons so organizados em um sistema sonoro, em que cada unidade sonora res- ponde por uma fungio de carter distintivo (um som precisa apresen- tar caracteristicas que o distingam dos outros sons do sistema). Sendo assim, o primeiro e mais basico nivel de descrigio e andlise 6 0 nivEt FONOLOGICO, e suas unidades so os sons distintivos, os Qualquer observagio banal a respeito de uma lingua e seu fun- cionamento reconhece que os falantes no se comunicam por meio de sons isolados. Na verdade, realizamos uma atividade de integraciio desses sons. Um som, ao se integrar a outro, forma um segundo nivel de descricao e andlise: aquele que determina a formacao dos morfemas ¢ palavras de uma lingua. Assim, definimos 0s Nive MoRFOLOGICO F LEXICAL. O primeiro diz res- Peito aos morfemas que compdem a lingua, e 0 segundo se estabelece a AINLAVIRA EA SENTENGA Ronaldo de Oliveira Batista eeeeeeeeehen ns Dll TR NDEI as diferentes palavras que constituem o conjunto lexical das linguas. ‘Também nao nos comunicamos, na maioria dos casos, por meio de morfemas ou palavras isoladas. £ necessario que essas unidades mais uma vez se integrem, formando uma unidade pertencente a um nivel hierarquicamente superior de anélise: 0 Nivel sintAtico. A este nivel pertencem os sintagmas (constituintes das sentencas) e as sentengas propriamente ditas. Prosseguindo na constituicao de niveis hierarquicos, chegamos ao NiVEL TexTUAL, resultado de diferentes combinacGes, com diferentes ex- tensdes, que determinam a presenca dos textos das Iinguas. Associada a essas unidades dos néveis hierarquicos, em permanen- te relagdo (observem a nogio de sistema, jé que um nivel nao se define a nao ser em relagio a outrc), temos a dimensdo seméntica, respons4- vel pelos diferentes significados que morfemas, palavras, sintagmas, sentencas € textos assumem na lingua. Tem-se assim, em diferentes graus, 0 aspecto sEMANTICO das linguas. Ainda devemos considerar também que as Iinguas so utilizadas nos diferentes processos comunicativos, isso quer dizer que o uso da lingua também apresenta uma dimensio de andlise, a dimensio rrac- MAtica de observacao. De uma forma global, podemos assumir a visio de que uma lingua se estrutura em torno de um léxico (Conjunto de elementos lexicais res- ponsaveis pela relacdo entre linguagem e mundo) e de uma gramatica, vista aqui como as regras de combinacao presentes nos diferentes ni- veis que organizam e estruturam uma lingua natural. Nesse momento, podemos langar um ponto de reflexio: de que forma se constituiu, ao longo dos tempos, os métodos de descricao e andllise das linguas naturais? Em torno de duas perspectivas seria uma resposta adequada, tendo em vista que estamos diante de uma intro- dugio as atividades de andlise de uma lingua. Essas duas perspectivas tomaram como objeto preferencial de and- lise a forma ou a funcdo que as unidades linguisticas apresentam. Com (Ocqur una uncua? 25 ee eo ec eee eee SOE ES LS € relagdes levando em consideragéo ora sua forma (desvinculada do uuso real nos processos de expressiio e comunicacdo em meio a trocas sociais), ora sua funcdo (destacando de que maneira a estrutura linguis- tica 6 condicionada pelos diferentes fatores e processos que regem a interacdo verbal). | A lingua em uso: formas e funcées produzindo efeitos de sentido Colocar uma lingua e seu sistema (onjunto de unidades formais ‘em permanente relacdo) em uma perspectiva de observagio que leva em conta o uso, em meio a processos efetivos de troca comunicativa, de expressio de valores e posicionamentos histérico-sociais, leva o ana- lista da linguagem a considerar, em suas abordagens, elementos que sio de natureza extralinguistica (ou situacionais, como 0 contexto, 0s objetivos da interacdo e os papéis sociais assumidos pelos falantes), fundamentais para o real contato entre as pessoas no momento em que da lingua surgem os mais diferentes tipos de significagiio, em meio a diversos contratos sociais que instauram a interacao verbal. Nessa perspectiva, a forma esté condicionada pelas diferentes fun- Bes que os usuarios da lingua atribuem a ela mediante as necessida- des comunicativas, 0 que implica considerar que a escolha de unida- des linguisticas e das varias possibilidades de combinacdo depende da intencionalidade discursiva. Essas diferentes fungdes tém sido, tradi cionalmente, consideradas como fungées da linguagem: referencial (pre- dominantemente em 3* pessoa, destaca a relacio entre a linguagem e 0 mundo, no sentido de que o mais importante ¢ transmitir informa- Ges); expressiva (em 1* pessoa e com a presenca de elementos linguis- ticos — como os adjetivos —, que destacam 0 pos oal 0 foco no|s] receptor[es] da linguagem, em meio aos valores da persua- so, a partir dos quais, por meio de elementos linguistics especifica- mente selecionados para tal fim, procura-se convencer o interlocutor A OAIAVRA EA SENTENGA Ronaldo de Oliveira Batista COS BIATS NAT ACOS CIEHOS CE SERITEO, POF TSO TARDETE CHARA Che apelativa); metalinguistica (a linguagem é o foco principal, fala-se do proprio cédigo em utilizagao na interacio); postica (0 que se observam. so 0s recursos linguisticos empregados para a obtencio de efeitos de sentido); fatica (© contato entre os falantes ¢ o principal, sendo que essa funcdo utiliza diferentes meios para instaurar o proceso comunicat vo, verificar seu andamento e também encerré-Io). Assim, os componentes formais de uma lingua (as unidades sono- ras, morfologicas, sintaticas, textuais) so elaborados e organizados pel partir de intencSes comunicativas e também de posicionamentos his- falantes, em suas modalidades (lingua escrita ou lingua oral), a torico-sociais que os usuérios estabelecem tendo em vista os diferentes contextos de uso do sistema linguistico. Usar uma lingua é se posicionar discursivamente, criando diferen- tes espacos de atuacao social, intermediados pelos valores ideol6gicos, produzindo, consequentemente, diferentes efeitos de sentido, que aca- bam por tornar a linguagem verbal tao variada e fascinante, uma vez que o sentido produzido em determinado momento, veiculado por um arranjo formal resultante das escolhas feitas no sistema linguistico, n’io sera necessariamente 0 mesmo obtido em outra configuracao de uma interacao verbal, sendo que falantes diferentes, contextos diferentes, intengdes comunicativas diferentes, papéis sociais diferentes podem levar a diferentes formas de contato linguistico, gerando, assim, os mais variados efeitos de sentido, colocando, portanto, a lingua numa dimensio discursiva. A titulo de breve conclusao desses posicionamentos iniciais, as- sumimos 0 carater introdutéri deste livro, 0 que nos permite tra car um caminho didatico que mescla diferentes propostas te6ricas ¢ metodolégicas, constituidas ao longo da histéria dos estudos sobre linguas ¢ linguagem. Muitas das posicdes assumidas divergem en- tre si. No entanto, todas elas possibilitam ao iniciante 0 acesso ao universo da atividade de déscricdo e andlise linguistica. Partimos, assim, do principio de que, mesmo tendo bases filos6ficas diferentes e até mesmo divergentes, as diretrizes utilizadas sio as que ficaram Ocque fun uncua? 27 28 consagradas ao longo do estabelecimento dos estudos ling contemporaneos, possibilitando ao olhar iniciante trilhar um cami- nho seguro, jé com um lastro historico consideravel. A delimitacdo de divergéncias, de questionamentos de conceitos e métodos deve ser tarefa de estudos mais avancados. ATALAVRA K ASENTENGA Ronaldo de Oliveira Batista 0 ESTUDO da PALAVRA. | SECAO | OLEXICOEANOCAO DE PALAVRA Lexicologia e léxico: primeiras definicées que pode ser definida como a ros. Note 32] Ea lexicologia tem como objeto de estudo o léxico de uma definido como o conjunto de unidades, de diferentes naturezas, que compéem o universo lexical de uma lingua Nossa mente tem armazenado, por assim di palavras, denominado Lfxico. Mas 0 que é esse Iéxic constituido? Teorias linguisticas tém apontado que o léxico contém raizes e afixos, além de elementos de natureza gramatical. Tal afirma- x, um estoque de Do que ele & do baseia-se nas seguintes hipéteses: 1* hipstese: Uma das explicagées parte do principio de que no 6 adequado pensar em duas possibilidades de armazenamento para palavras como mesa e mesas. A meméria humana tem uma capacidade limitada, se todas as palavras derivadas e flexionadas es! Iéxico, o némero de unidades armazenadas si 0 posicionamento que afirma serem os componentes especificos para a linguagem humana relacionados economia e a limitaao de catego- imenso, co! rias e informacées; 2* hipotese: Ha, evidentemente, em todas as linguas uma grande possibilidade de criagiio de novas palavras. Essas criagdes nao esto armazenadas no léxico. Dai se supor que, na verdade, o que léxico contém so radicais, afixos que se adicionam aos radicé gramaticais e informacdes a respeito dos processos de formacao de no- vas palavras, Tradicionalmente, nao é essa visto que se tem de léxico. A lingui ca descritiva, principalmente aquela que se fazia nos Estados Unidos nas décadas de 1940 e 1950, previa que o léxico era uma lista dos morfemas tes de uma palavra) de uma lingua, partindo da nogiio de exaustividade. Nao era feita, nessa proposta, qualquer mengdo (lementos consti ‘a.um mentalismo na abordagem de estruturas linguisticas. A MLAVRA EA SENTERG A Ronaldo de Oliveira Batista BR E O QUE DIZ O DICIONARIO? me ane —_— _ “E muito comum que o léxico ndo seja entendido apenas como ‘uma longa lista de palavras. Ao contrério, concebemos 0 léxico como um conjunto de recursos lexicais, que incluem os morfe- imas da lingua e mais os processos disponivels na lingua para construlr palavras com esses recursos. Por exemplo, dada 3 exis- ‘téncia em portugués de verbos camo campensar e oxida, e dos afixos formadores de palavras—dvel—(a) ntee anti—, qualquer falante padia chegar as palavras compensdvel (coma em cheque compensavel) ¢ antioxidante [...], bem antes que elas fossem di- cionarizadas, usando-as com a expectativa de ser imediatamen- ‘te compreendido por seu interlocutor, mesmo que os dois ndo as tivessern nunca encontrado antes.” (R. L. Trask, Diciondrio de inguagem ¢ linguistica, p. 155) Para estudar 0 Iéxico da inicdo precisa, ou pel nsideraremos como ol . Tendo essa definic: \gua portuguesa, é preciso iniciar com ‘enos tentar uma definicao precisa, do da lingua portuguesa e seus compo- em vista, comecamos com uma di ¢ 0 que vamos considerar como os dois tipos de Iéxico: 0 Iéxico no eo léxico externo. interno 0 conjunto de conhecimentos que ‘0 tem a respeito da estrutura, significado, composicio e \sdio das unidades lexicais que compdem sua lingua. Ou seja, 0 imento de nossa competéncia independentemente do grau de de léxico mais corrente que te- . Na compreenstio mais usual do que seja uma lingua, Iéxico é 0 to de palavras disponivel para uso e dicionarizacdo. Essa ima- léxico, como conjunto de palavras utilizadas pelos falantes, é nada ao conceito de léxico externo. 1 A NOCKO DE PALAVRA [ss] 34 ESEEEASEREEESELEREEBELEREEEEELEREOERRSEREEEECERESOEECEREEOCECORECSEIOSSS as seguintes visbes: {@) oléxico da lingua € aberto e suscetivel a expansées; (B) 0 léxico representa a relagao entre um conjunto limitado de unidades e possibilidades de combinasao de dif numérica, preciso Isso nos leva a considerar que 0 léxico de uma lingua é um con- junto sempre pronto a receber unidades novas (produtividade lexi- cal) ¢ a descartar unidades que deixam de ser usadas pelos falantes (incluem-se aqui as unidades con: que isso acontece? leradas como areaismos). E por Exatamente porque é o léxico que recorta nossa percepgao do mun- do, em seus aspectos naturais, biol6gicos, sociais ¢ culturais. Sendo as- sim, nossa representagio linguistica do mundo é feita por meio das unidades lexicais, aquelas que possuem uma significacdo por elas mes- ‘mas, jd que categorizam (a partir de modelos que podem ser tomados como gerais) o mundo a nosso redor. Como 0 mundo em que os falantes se situam nao é fixo (j4 conse- guiu conceber um mundo sem alteragées de qualquer natureza?), 0 Iéxico também nao pode ser fechado, pois as novas experiéncias e fatos que surgem na convivéncia ¢ na vida precisam ser nomeados pelos fa- lantes. Dai a necessidade de um sistema lexical (e de um conhecimento produtivo desse sistema) ser aberto e passivel de expansdo, jd que o Iéxico categoriza 0 mundo. Essa capacidade de expansio do Iéxico e de categorizacio (por meio das unidades significativas) se da porque o léxico 6 “ecologicamente cor- reto”, isso quer dizer que o falante trabalha produtivamente com um niimero de certa forma limitado de unidades, componentes do Iéxico interno, ea partir desse conjunto faz as combinagdes pertinentes ao siste- ma da lingua (levemos nos lembrar de que faz parte do léxico interno o conhecimento a respeito da estrutura interna da palavra, suas unidades ¢ formas de combina¢éio). Ou seja, a formacao de unidades lexicais nao se da por meio de agrupamentos lexicais com unidades sempre inédi- NINLAVRA EA SENTENGA Ronaldo de Oliveira Batista como unidade integrante de sua lingua, e assim faz as combinacdes au- torizadas pelo sistema linguistico e pelo uso no processo comunicativo. SeEeEEEeet SESEIESEEEEELEREREELEUEEEEETE As entradas lexicais ‘As unidades que compdem o nosso léxico so as seguintes: @) unidades lexicais, denominadas morfemas lexicais, correspon- dentes ao néicleo de significac&o da palavra (os radicais), consti- tuintes das classes como substantivo, adjetivo, verbo; (b) unidades de carter gramatical, os morfemas gramaticais, que nos informam a respeito de categorias como ntimero, género, modo-tempo, nimero-pessoa e também as unidades das com- binacdes morfossintaticas, como prepo (© unidades de cardter derivacional, os morfemas derivacionais (bufixos e prefixos), elementos que atuam nos processos de de- rivagao lexical (formagdo de novas palavras); (@) unidades que estabelecem a relacdo entre linguagem, falante € situagao de uso da lingua, os déiticos, elementos como ad- vérbios e pronomes que contextualizam os falantes a partir do processo de enunciacao (eu, para indicar quem fala, vocé, para © receptor, aqui e agora, situando tempo e espaco, por exemplo). Lexema, vocdbulo, gramemas e afixos Ainda buscando conceituar unidades do universo lexical e das ati vidades de anélise desse conjunto de elementos, vamos estabelecer uma distingdo entre lexema, voctbulo, gramema e afixos. Olexema é uma unidade do léxico, um elemento de carater abstrato, passivel virtualmente de diferentes formas de concretizacao na produ- cdo discursiva. Essa unidade abstrata, ao ser efetivada num proceso comunicativo, podera sofrer alterag6es (em sua forma considerada como (© LENCO E A NOGKO DE PALAVRA | 36 bdsica) em consequéncia do contexto morfossintatico em que se atualiza, recebendo, dessa forma, flexes necessarias, Temos assim 0 vocabulo. JA os gramemas so os elementos de natureza gramatical, sejam eles presos (quando obrigatoriamente anexados a uma base) ou nao (aso de artigos, preposicdes, conjungdes e alguns pronomes). Quando atualizados ambém sfio vocdbulos os gramemas que nao so ane- xadios a uma base, porém essa posicao ndo é undnime entre os teéricos. Os afixos so elementos atuantes na derivacdo, por sufixacdo ou prefixacaio, sempre anexados a uma base de significacdo. Observe a andlise seguinte para visualizar a aplicagao dos conceitos. Numa frase como As mentinas brincaram com o tio nos pargui — 05 lexemas: MENINO, BRINCAR, TIO, PARQUE; — os vocabulos: meninas, brincaram, tio, parquinhos; — 05 gramemas: as, com, 0, nos (nao presos e também vocdbulos quando atualizados) e-s (preso, desinéncia de plural) e-0 (pre- so, vogal temética no sufixo — osufixo: -inh Partindo da nocdo de léxico como componente com dados sobre as palavras da lingua e informacao sobre o proceso de produtividade lexical, podemos iniciar uma reflexao a respeito do tipo de regras que estd armazenado no nosso léxico mental. Essas regras seriam especificas para as linguas, indicando, por exemplo, que o portugués pode formar palavras a partir de um radical e do acréscimo de prefixos e sufixos, desde que sejam respeitadas algu- mas estratégias combinatérias, como as que determinam que preferen- cialmente prefixos so anexados a determinadas classes de pal mesmo ocorrendo com os sufixos, ‘De maneira muito geral, podemos apontar que uma possivel re- gta de produtividade lexical contida em nosso léxico mental (inter- no) seria: Em por ser acrescidos elem os tens lexieais so formados de um radical, tos como prefixos e sufixos. LN TALAVRA EA SENITENGA Ronaldo de Oliveira Batista Naturalmente, essa regra ainda deve passar por outro estagio de maior especificagao, aquele que determinaré quais afixos podem se prender a quais radicai Podemos observar alguns fendmenos em portugués que nos apon- tam regras de formaco de palavras em nossa lingua, por exemplo: ; por outro lado, temos hd algo que regula pre- J em portugués, e é muito provavel que uma regra esteja relacionada ao tipo de palavra (a classe de palavra) e a que tipo de informac&o semantica (de significado) ela veicula. b. Se observarmos enunciados como’ Jodo tem conhecimento de histéria * Jofio é um homem conhecimento Je é um homem f * Um feliz ¢ Joao (pelo menos nao em situacdes neutras de uti- izacao da ‘A menina caiu numa caleada A menina preciso numa calcada Considerando os dados acima, também teremos de admitir que pa- ar a formagio de sequéncias gramaticais em portugués. Observagdes como essas nos levam a considerar que o léxico con- tem informagées também a respeito das classes de palavras de uma lingua, ponto que retomaremos em préxima seco. E O QUE DIZ O DICIONARIO? am LEXEM: % & De um modo geral, 0 emprego do termo ‘lexema’ permite evitar uma ambiguidade do termo ‘palavra’. E embaragoso ter que dizer ‘que cantando é uma forma da palavra cantar, como 0 exige a Do Lexeo EA NO 38 ee INOS conereto, numa oposigSo palavralvocébulo[..J, ¢frequente que a linguist ca moderna recorra ao termo lexema para indicar uma unidade abstrata." (Jean Dubois etal, Diciondrio de linguistiea, p. 363) “VOCABULO. 0 termo vactbulo,designa a ocorréncia de um lexema no discurso, na ter- minologia da estatistica lexical, Corno 0 termo lexema esté reservado as Uunidades (vituals) que compdem oléxico, o termo palavraa qualquer ocor- réncia realizada em fala, 0 vocdbulo seré a atualizagao de um lexema par- ticular no discurso. Assim, pequeno, entrada de dicionério, é um lexema, ‘Mas, por outro lado, a frase realizada O pequeno principe morano pequeno planeta comporta sete palavras ¢ duas vezes 0 vocdbulo pequeno.” Uean Dubois etal, Diciondrio de linguistica, p. 614) Palavra: critérios de definic&o do conceito ias da linguagem (em suas diferentes vertentes tedricas) e icluindo nesse conceito as graméti- a no oferecem uma possibilidade satisfatoria de cas dos falantes como ida em termos téc- nicos ou nao. E inclusive a palavra que emerge como a unidade de comunicacdo e expresso fundamental da crianga durant 0 proceso 1a materna. Ao desenvolver os estagios gui ctianga passa pelo periodo da “fal lofréstica’, no qual unidades utilizadas para a crianga se expres se comunicar sao formadas por palavras isoladas, que em diferentes contextos representa diferentes significagdes. Na entrada da crianca no mundo da linguagem, a palavra é 0 meio de acesso & realidade psi- colinguistica, colocando em funcionamento o discurso. re AVIA F A SENTENGA Ronaldo de Oliveira Batista | PARA SABER MAIS: "E certo, porém, que a nogéo de palavra varia conforme o nivel de consciéncia do falante. Nas nossas culturas ocidentais, herdei- ras do patriménio greco-letino, ao lado, da intuigda espontnea, se sobrepde a longa tradico gramatical (greco-latinal, em que 6 Individvo aprendeu a isolat palavras, a identificé-las e a apor-hes rétulos, Provavelmente esse falante comum ficard muito surpre- 30 20 saber que 95 linguistas nao sabem definir a palavra, nem ‘tampouco delimité-la. Estamos falando naturalmente de uma definigéo de validade universal. A nogio acaciana que 0 vulgo ‘tem de palavra se opde a0 quebra-cabecas que ela se revela para vm analista de linguas. Garcia de Diego, muito a propésito, cog: nominava a palavra de fantasma da linguagem’” (Maria Tereza C. Biderman, Teoria linguistica, p. 200) De qualquer maneira, complexa ou nao, a definigdo do que seja a palavra encontrou diferentes formulacdes ao longo da historia dos estudos sobre a linguagem verbal. Retomando pontos apresentados por Basilio (2004) e Rosa (2000), tentativas em busca de resposta para a permanente indagacdo: 0 6 uma palavra? jemos ver a seguir diferentes e 1.A palavra é um elemento grafico jue eles pen- Se formos buscar a intuicdo dos falantes a respei sam ser uma palavra, € possivel obter como resposta que palavra é aquilo escrito de forma separada em textos. Ou seja, uma definiciio de palavra grifica, sequéncia de caracteres separada por espagos em bran- co ou por sinais de pontuagao. Sendo assim, hé em (1) cinco palavras, valendo-nos do critério da (1) Minha mae é uma corajosa. EXICO B A NOGAO

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