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A próxima onda pode ser devastadora

Vivemos o pior momento da pandemia, e o enfrentamento é responsabilidade de todos


2.mar.2021 às 21h00

EDIÇÃO IMPRESSA

Um ano se passou e continuamos a ter surpresas. A grande onda de transmissão do novo


coronavírus em outros países parece ter sido um alerta para o que poderia acontecer no Brasil.

Estamos diante de um novo crescimento de casos desde a segunda quinzena de fevereiro em várias
regiões do Brasil, que se reflete em mais internações e mortes. Este aumento tem características
diferentes do que aconteceu entre junho e agosto de 2020, quando diferentes regiões e estados não
foram atingidos simultaneamente. Desta vez, o aumento vem acontecendo de forma semelhante
nos diferentes lugares, o que coloca o sistema de saúde sob estresse muito mais intenso em todo o
país.

Os números do estado de São Paulo assustam muito. Mesmo sendo o estado com maior
disponibilidade de números de leitos de enfermaria e UTI capazes de absorver pacientes com a
doença, o crescimento nas diferentes regiões do estado projetam uma situação extremamente
difícil.

Mantendo-se o ritmo de crescimento das últimas duas semanas, é possível que o estado de São
Paulo não disponha de leitos suficientes para acolher casos graves em UTIs em menos de duas
semanas.

Embora algumas regiões do Brasil estejam testemunhando esta realidade, é difícil imaginá-la
estendida para o estado com maior estrutura de recursos em saúde do país.

Manaus, com capacidade de internação de casos graves inferior, entrou em colapso já no início de
janeiro. A tragédia vivenciada no estado do Amazonas, onde até o fornecimento de oxigênio
hospitalar foi insuficiente, não encontra precedentes.

Outras regiões do país estão passando por enormes dificuldades. Os estados do Sul já estão
beirando os 100% de ocupação dos leitos provisionados. Cidades de Minas Gerais estão em
situação semelhante.

O cenário pode se agravar ainda mais com o alastramento de variantes virais de maior
transmissibilidade. A variante inglesa já é detectada em grande número na cidade de São Paulo e já
há relatos de transmissão local da variante de Manaus, a P.1, em diferentes locais do estado de São
Paulo.
Ainda temos algum tempo, pouco tempo, para amenizar a gravidade do problema.

Muitos dos que poderão ser internados com Covid-19 em duas semanas ainda não foram
infectados. Mas estão na iminência de contraírem o vírus, considerando-se que serão cinco dias,
em média, de período de incubação e cerca de uma semana até que a doença se agrave. É o
momento de aumentarmos, ainda mais, as medidas de proteção.

As imposições dos estados e municípios são desagradáveis, todos sabem disso. Restrições de
mobilidade, fechamento de atividades econômicas, obrigatoriedade de uso de máscaras. E pior, o
efeito das medidas restritivas tendem a reduzir com a fadiga da população. Entretanto, não restam
outras alternativas ao constatarmos que os serviços de saúde, públicos e privados, estão prestes a
entrar em colapso.

O efeito destas medidas no combate à transmissão só será possível se assumirmos uma atitude
responsável. E aqui vale ressaltar o risco que todos correm, coletivamente.

Perceber que cada um de nós, nossos amigos e familiares, estamos sob risco iminente é a forma
mais direta para adaptarmos nosso comportamento, tentando frear a transmissão do vírus. Não há
mais tempo a perder acreditando que o poder público resolverá o problema de todos.

Não tenhamos ilusões. Na vida real, todos seremos responsáveis pelo que pode acontecer nas
próximas semanas.

Esper Kallás
Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina
da USP e pesquisador na mesma universidade.

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