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Projeto - Núcleo de Estudos ATEÍSMO E APOLOGÉTICA

Prof. Dr. Ricardo Vinícius Ibañez Mantovani

“De fato, não há nenhum assunto a


respeito do qual, não só os
ignorantes, mas também os
instruídos difiram tanto.”
“Da natureza dos deuses” - Cícero

Ementa

Propõe-se o estudo sistemático de obras que versam, crítica ou


apologeticamente, sobre questões tais como a existência de deus(es), a relação homem-
divindade e a confiabilidade das narrativas e tradições religiosas. Deve-se notar, aqui,
que entendemos por ateísmo algo muito mais específico do que sugere a mera
etimologia da palavra (ἄθεος = sem deus), o termo denotando, para nós, a postura e a
proposta teórica de todo aquele que, desacreditando da veracidade de alguma importante
tese “religiosa”, dá-se ao trabalho de organizar e expor as razões de sua descrença. Por
outro lado, por apologética entendemos o discurso racional daqueles que se põem a
estruturar e/ou defender (απολογία = defesa verbal) determinados pontos de sua fé.

Breve histórico

Como é sabido, a filosofia, quando de seu surgimento, colocou-se como uma


explicação alternativa àquela proporcionada pelos mitos. Dali em diante, o homem não
contaria somente com as narrativas dos poetas para explicar o mundo em que vivia, mas
também teria à mão os ensaios racionais dos primeiros pensadores. Disto seria errado,
todavia, concluir que a filosofia nascente foi eminentemente ateia – uma vez que Tales e
a maior parte dos “físicos” que o sucederam não negavam a existência dos deuses.

Faltaríamos com a verdade, no entanto, caso afirmássemos que, ao longo de seu


desenvolvimento, a filosofia não viria a influenciar as crenças religiosas do ocidente.
Inicialmente, vê-se que os filósofos se engajaram num processo de
desantropomorfização das divindades – processo este bem ilustrado pela tese de
Xenófanes (570 – 475 a.C.) segundo a qual os deuses teriam forma de animais caso
estes últimos tivessem o dom da pintura. Na sequência, se pode constatar, na proposta
dos sofistas, o soerguimento do relativismo, do ceticismo e de um consequente
agnosticismo que, aos poucos, vai se espalhando por todos seguimentos da sociedade
grega: como dirá o grande Protágoras (490 – 415 a.C.), sobre os deuses é temerário
assegurar tanto sua existência quanto sua inexistência. Por fim, ainda no âmbito da
antiguidade greco-romana, vê-se o florescimento do atomismo que, se, em Demócrito,
já constituía uma explicação totalmente materialista do cosmos e bastava para
“naturalizar” as divindades (uma vez que também elas seriam compostas por átomos),
em Epicuro e Lucrécio vai vir atrelado à tese de que os homens, caso queiram ser
felizes, não devem se preocupar com os deuses e com a tão propalada “vida após a
morte”.

Contudo, a relação filosofia-religião viria a tomar outra forma após o advento do


cristianismo. Se, com raras exceções, a filosofia greco-romana exercera um papel crítico
relativamente às tradições religiosas, os pensadores da antiguidade tardia e do período
medieval, em sua grande maioria, puseram suas habilidades argumentativas a serviço -
respectivamente - da defesa e da estruturação dos dogmas da fé cristã.

Ora, este estado de coisas mudaria drasticamente a partir do século XVI, quando
a retomada e difusão massiva das filosofias helênica e (sobretudo) helenística - somadas
às incertezas causadas pela reforma protestante, pela descoberta das américas e pela
revolução astronômica - causariam uma verdadeira crise espiritual no continente
europeu, da qual Michel de Montaigne e os chamados “libertinos barrocos” foram os
primeiros porta-vozes - ainda que, certamente, não os últimos.

Doravante, o que se observará será um questionamento progressivo: i) da


autoridade e das “conquistas” da Escolástica (posto em marcha ao longo do século
XVII); ii) da própria religião cristã (em prol do deísmo onipresente do século XVIII); e
iii) da própria noção de Deus que, pretensamente posta em cheque, abriria as portas para
o ateísmo que, nos séculos XIX e XX, tanto proliferou em meio às classes pensantes.

É óbvio, entretanto, que este não é um processo de “mão única”. Afinal,


enquanto Saint-Évremond desafia o catolicismo, Voltaire aponta para a irracionalidade
dos milagres e Feuerbach e Nietzsche tentam, cada um a seu modo, enterrar Deus, do
outro lado tem-se os esforços charronianos e pascalianos para demonstrar a veracidade e
a superioridade da religião de Roma, William Paley indicando que a complexidade da
“máquina do mundo” é, em si mesma, um milagre e Chesterton denunciando o quanto
de supersticioso pode haver no abandono das divindades.

Note-se que a(s) polêmica(s) aqui apenas esboçadas encontram-se, ainda hoje,
em aberto. Pois, se atualmente contamos com os famosos “quatro cavaleiros do
ateísmo”, quais sejam, Richard Dawkins, Christopher Hitchens, Daniel Dennett e Sam
Harris, contamos também com um verdadeiro exército de apologetas - mormente
estadunidenses como, por exemplo, William Lane Craig, William Dembski e Alvin
Plantinga - que, com notável conhecimento lógico, filosófico e científico, mantêm
renhida uma batalha que só os desavisados poderiam dar por finalizada.

Proposta inicial

Para que se iniciem os estudos do Núcleo, propomos a leitura sistemática de


alguns fragmentos da obra Pensamentos, de Blaise Pascal. Além de nossa familiaridade
com a obra citada, sua escolha justifica-se por sua grande abrangência temática - já que
versa sobre a (in)existência de Deus, a relação homem-divindade, a confiabilidade da
narrativa bíblica etc. Ademais, a linguagem acessível (não-hermética) de Pascal pode se
mostrar particularmente auspiciosa no que diz respeito à apresentação dos tópicos
próprios ao Núcleo a estudantes a eles pouco habituados (tendo-se em vista que o
público do LABÔ não deve ser composto apenas por especialistas).

Bibliografia primária
Anônimo: L’Art de ne croire en rien / Traité des trois imposteurs. Paris: Éditions Payot,
2002.
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__________. O capelão do diabo. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
__________. O relojoeiro cego. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
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Globo, 2006.
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