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Interdisciplinary Scientific Journal.

ISSN: 2358-8411
Nº 5, volume 4, article nº 2, October/December 2017
D.O.I: http://dx.doi.org/10.17115/2358-8411/v4n5a2
ANAIS VII SEMINÁRIO E III CONGRESSO DIREITO E
MEDICINA - DIREITOS DE PERSONALIDADE

O IMPACTO DO DIAGNÓSTICO DE AUTISMO NA FAMÍLIA

Amós Silva Jubim1

Ieda Tinoco Boechat2

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Cognição e Linguagem

Resumo: O presente trabalho visa identificar o impacto do diagnóstico de autismo


no ambiente familiar. Questiona-se, assim, o problema: De que modo o
diagnóstico de autismo impacta a família? Através de pesquisa bibliográfica,
baseada na obra de autores, como Santos (2006), Silva (2012), Ribeiro (2011) e
Grandin e Scariano (2010), pode-se verificar que o impacto se dá em aspectos
como a rotina, os investimentos e a vida social da família. O artigo evidencia,
assim, que a família fortemente abalada pelo referido diagnóstico, se devidamente
orientada quanto à evolução histórica da compreensão e do diagnóstico do
autismo, entenderá que há muito a ser feito em prol do autista, recebendo suporte
emocional para atravessar o luto e a desesperança, desenvolvendo um ambiente
familiar emocionalmente agradável e sadio. Alcança-se, assim, progresso, no que
diz respeito à atenção à família do autista, tanto em nível individual como coletivo.

Palavras-chave: Espectro autista. Criança. Atenção à família.

Introdução

Este artigo, ao estudar as repercussões do diagnóstico de autismo na

1
2
Uenf, Centro de Ciências do Homem, Programa de Pós-graduação em Cognição e Linguagem,
Campos dos Goytacazes, Brasil, e-mail: iedatboechat@hotmail.com

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família, procura responder à questão-problema: De que modo o diagnóstico de


autismo impacta a família? O presente texto, assim, objetiva investigar os
impactos causados pelo diagnóstico de autismo em aspectos como a rotina, as
finanças e a vida social da família. Tornam-se, então, objetivos específicos:
caracterizar autismo e diagnóstico autista por meio de um breve histórico; discutir
como a família recebe o diagnóstico de autismo dado a um de seus membros;
enumerar as mudanças que ocorrem na família a partir do referido diagnóstico e
explicitar os esforços que a família realiza para lidar com o autista.
A hipótese desta pesquisa é a de que há uma relação entre o diagnóstico
de autismo dado a uma criança e as reações familiares ante a esse diagnóstico,
de modo que diagnóstico de autismo produz um enorme impacto negativo na
família do autista. Entendendo que o ambiente familiar pode auxiliar muito no
desenvolvimento do autista, a família precisa estar amparada e bem instruída para
lidar com as dificuldades que poderá encontrar na referida experiência de vida.
A escolha do tema deve-se à observação de que, à medida que os anos
vão passando, percebe-se uma maior conscientização na sociedade com relação
ao espectro autista. Todavia, faz-se necessário um olhar direcionado para a
família do autista, a qual se mostra, por vezes, muito impactada pelo diagnóstico
de autismo dado a um de seus membros.
No meio acadêmico, têm-se encontrado poucos trabalhos cujo enfoque seja
a família do autista, portanto, o presente trabalho se propõe a contribuir com algum
suporte teórico, visando a um progresso no que diz respeito à atenção à família do
autista, apresentando, portanto, relevância social e acadêmica. Desse modo, o
trabalho se realiza através de pesquisa bibliográfica, baseada na obra de autores
como Santos (2006), Silva (2012), Ribeiro (2011) e Grandin e Scariano (2010).

1 Autismo e diagnóstico autista: um breve histórico

O autismo tem sido considerado por muitos um mistério, marcado


historicamente por múltiplas concepções e também estigmas, visto que há uma
dificuldade de compreensão a respeito do que, de fato, seja o autismo.
De acordo com Silva (2012), Eugen Bleuler “[...] cunhou o termo
esquizofrenia („mente dividida‟) e usou quatro grupos de sintomas, que ficaram
conhecidos como os 4 „a‟s de Bleuler: Ambivalência, Afeto Incongruente,

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Alucinações e Autismo”.
Ainda segundo Silva (2012), Dr. Leo Kanner foi o primeiro a postular
clinicamente o autismo, quando escreveu, em 1943, seu famoso artigo Distúrbio
Autista do Contato Afetivo, no qual descreveu 11 crianças com prévio diagnóstico
de esquizofrenia, porém tendo apenas descrito o mal pela categoria “autismo”.
Cabe salientar que o autismo passou a ser chamado “Síndrome de Kanner” em
referência ao médico que o descreveu.
No início de suas pesquisas, Kanner se inclinou pela explicação biológica
do autismo. No último parágrafo de seu artigo, afirma o seguinte:
Devemos, portanto, supor que estas crianças vieram ao mundo
com uma incapacidade biologicamente inata de formar laços
afetivos comuns de base biológica com as pessoas, assim como
outras crianças vêm ao mundo com a incapacidades físicas ou
intelectuais inatas. (KANNER, 1943 apud GRANDIN; PANEK,
2015, p. 14 )

Segundo Silva (2012), um ano mais tarde, em 1944, o médico Hans


Asperger publicou sua tese de doutoramento, intitulada Psicopatia Autista, que por
40 anos esteve indisponível, até ser traduzida para o inglês quando, então, o
autismo se torna conhecido como “Síndrome de Asperger”, que identifica uma
forma mais branda de autismo.
Kanner, ainda em seus estudos, faz novas observações; tendo por base,
especialmente, a carta de Oliver Triplet, ele chega a dizer: “Não é fácil avaliar o
fato de que todos os pacientes são filhos de pais altamente inteligentes. O certo é
que há um alto grau de obsessão no histórico familiar”, (GRANDIN; PANEK 2015,
p. 14). Com isto, ele passa a observar o comportamento de pessoas que faziam
parte da família de portadores do autismo e assinala: “Em todo o grupo, há muito
poucos pais e mães afetuosos”, (GRANDIN; PANEK 2015, p. 14). Através desta
afirmativa, não havia um desejo de acusar os pais pelo comportamento de seus
filhos, dizem Grandin e Panek (2015), na verdade, Kanner estava apenas
constatando semelhanças entre pais e pacientes, visto que vinham do mesmo
“pool genético”.
Em 1949, Kanner, muda sua atenção do biológico para o psicológico,
afirmando que as crianças autistas, em geral, eram fruto de pais “[..] que se
descongelaram apenas o suficiente para gerar um filho”, (GRANDIN; PANEK
2015, p.14). Apesar de não se orientar pela psicanálise, era influenciado pelos

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pensamentos de sua época, em que se buscava encontrar uma causa psicológica


para o autismo “[...] ao especular sobre os vilões que podiam ter causado o dano
psíquico, sendo os mesmos suspeitos de sempre da psicanálise: “os pais
(especialmente a mãe)” (GRANDIN; PANEK 2015, p. 14). Posteriormente, o
referido pesquisador inverte causa e efeito, defendendo que os “[...] pais é que
eram emocionalmente distantes porque a criança se comportava de um modo
psiquicamente isolado ou fisicamente destrutivo”, Grandin e Panek (2015, p. 16).
Temple Grandin, mais tarde, chega a dizer que se sua mãe não a tivesse “[...]
levado ao neurologista, talvez tivesse ficado vulnerável à armadilha culposa de
mãe geladeira”, Grandin e Panek (2015, p. 16).
A partir de então, diversos autores procuraram estudar sobre o assunto, até que, em
1980, foi inserido no DSM III o “Autismo infantil”, o qual elencou seis sintomas,
sendo necessária a constatação de todos para a realização do diagnóstico.
Posteriormente, na edição do DSM-III – R, mudou-se o nome do transtorno de
“Autismo Infantil” para “Transtorno Autista”, realçando que não apenas crianças
tinham o transtorno, visto ser uma condição crônica, que persistia por toda a vida,
conforme postula Silva (2012). Ainda segundo o referido autor, em 1994, a IV edição
do DSM inaugurou uma categoria denominada “Transtornos invasivos do
desenvolvimento”, em que foram inseridos o Transtorno Autista (ou Síndrome de
Kanner), bem como o transtorno de Asperger.
Novamente, o autismo experimenta reformulação em sua descrição. O DSM– 5,
lançado em maio de 2013, apresenta um grupo de “Transtornos do Espectro
Autista”, que, agora, passa a vigorar. Segundo Santos (2006), baseando-se em Amy
(2001) e Amâncio (2005) etimologicamente, pode-se dizer que autismo origina-se de
“autos”, que em grego significa dizer “si mesmo”. O que seria mais bem descrito
como “isolamento em si mesmo”. Santos (2006), a partir dos estudos de Gauderer
(1997), define o Espectro Autista

[...] como sendo uma inadequacidade no desenvolvimento que se


manifesta de maneira grave, durante toda a vida. Atribui ao
aparecimento do autismo aos três primeiros anos de vida, sendo
uma enfermidade encontrada em todo mundo e em famílias de
toda configuração racial, étnica e social (SANTOS, 2006, p. 13).

Corroborando este pensamento, Amorim (2015) afirma que “O diagnóstico é


feito clinicamente, já por volta de um ano e meio; observando-se diretamente o

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paciente, cujos sintomas costumam se apresentar antes de 3 anos entrevistando-


se pais/responsáveis” (AMORIM, 2015).
Cabe salientar que, em se tratando do diagnóstico,

Ainda não há marcadores biológicos e exames específicos para


autismo, mas alguns exames, tais como cariótipo com pesquisa de
X frágil, EEG, RNM, erros inatos do metabolismo, teste do pezinho,
sorologias para sífilis, rubéola e toxoplasmose, audiometria e
testes neuropsicológicos podem ser necessários para investigar
causas e outras doenças associadas (AMORIM, 2015).

Não obstante o fato de não haverem marcadores biológicos e exames


específicos para autismo, o DSM–5, publicado em 2014, aponta alguns critérios
diagnósticos do Espectro do Autismo, os quais seguem relacionados:

A. Déficits persistentes na comunicação social e na interação


social em múltiplos contextos [...] atualmente ou por história prévia
[...]
B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou
atividades [...] atualmente ou por história prévia [...]
C. Os sintomas devem estar presentes precocemente no período
do desenvolvimento (mas podem não se tornar plenamente
manifestos até que as demandas sociais excedam as capacidades
limitadas ou podem ser mascarados por estratégias aprendidas
mais tarde na vida).
D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no
funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes
da vida do indivíduo no presente (DSM-5, 2014, p. 50).

Por fim, vale salientar que o Transtorno do Espectro Autista aparece no DSM-
5 (2014) dividido em níveis de gravidade: no Nível 3, “exigindo apoio muito
substancial”, há déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não
verbal com prejuízos graves de funcionamento, grande limitação em iniciar
interações sociais e responder minimamente a aberturas sociais vindas de outros;
quanto ao comportamento, há grande dificuldade em lidar com a mudança ou outros
comportamentos restritos/repetitivos, comprometendo o funcionamento em todas as
esferas, gerando sofrimento; há, ainda, dificuldade para redirecionar o foco ou a
ação. No Nível 2, “exigindo apoio substancial”, percebem-se déficits graves nas
habilidades de comunicação social verbal e não verbal; prejuízos sociais aparentes
mesmo na presença de apoio; limitação em dar início a interações sociais e resposta
reduzida ou anormal a aberturas sociais que partem de outros. Ademais, há
inflexibilidade do comportamento, dificuldade de lidar com a mudança ou outros
comportamentos restritos/repetitivos que aparecem com frequência suficiente para
serem óbvios ao observador casual e interferem no funcionamento em uma
variedade de contextos; sofrimento e/ou dificuldade de mudar o foco ou as ações.
No Nível 1, “exigindo apoio”, veem-se déficits na comunicação social que causam

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prejuízos notáveis, bem como dificuldade para iniciar interações sociais e exemplos
claros de respostas atípicas ou sem sucesso a aberturas sociais dos outros; é
possível, ainda, que apresente interesse reduzido por interações sociais. Por fim,
cabe salientar que há inflexibilidade de comportamento, o que causa uma
interferência significativa no funcionamento em um ou mais contextos; dificuldade
em trocar de atividade e problemas para organização e planejamento que obstam a
independência.
Grandin e Scariano (2010, p. 18) afirmam, assim, o autismo é “[...] um
distúrbio do desenvolvimento. Uma deficiência nos sistemas que processam a
informação sensorial recebida faz a criança reagir a alguns estímulos de maneira
excessiva, enquanto a outros reage debilmente”. Inquieta com o
diagnóstico,

puramente, baseado na observação, Temple vai em busca de estudos que se


aprofundem na causa do espectro e autismo, e se submete, inclusive a exames
realizados através da sofisticada aparelhagem de tomografia computadorizada.
Através de estudos em autistas, usando a referida aparelhagem, é possível
observar que

[...] alguns deles possuem defeitos no desenvolvimento neuronal, e


que certas áreas do cérebro podem apresentar uma atividade
acima do normal. Mas o fato é que os sintomas, seja qual for a
forma de autismo desenvolvida, permanecem os mesmos.
(GRANDIN; SCARIANO, 2010, p. 19.)

É importante salientar que os motivos são desconhecidos, mas através das


pesquisas é possível constatar que milhões de neurônios crescem no cérebro em
desenvolvimento, estabelecendo algumas conexões erradas, na concepção de
Grandin e Scariano (2010).

2O diagnóstico de autismo para a família

Para a Abordagem Sistêmica de família, a família é

[...] sempre um conjunto de pessoas consideradas como unidade


social, como um todo sistêmico onde se estabelecem relações
entre os seus membros e o meio exterior. Compreende-se, que a
família constitui um sistema dinâmico, contém outros subsistemas
em relação, desempenhando funções importantes na sociedade,
como sejam, por exemplo, o afeto, a educação, a socialização e a
função reprodutora. Ora, a família como sistema comunicacional

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contribui para a construção de soluções integradoras dos seus


membros no sistema como um todo [...] (DIAS, 2011, p. 141).

Partindo deste conceito, em que tudo o que acontece com um integrante da


família impacta os demais, considera-se, então, compreensível que haja uma
dificuldade, por parte da família, em receber um diagnóstico de autismo, pois
segundo Ribeiro (2011), pais de crianças com autismo passam por um processo
muito doloroso quando se deparam com a realidade. A autora lembra que isso
ocorre, principalmente, pelo fato de as famílias idealizarem um “filho perfeito”, que
crescerá independente; desse modo, frente ao diagnóstico de autismo, a família
experimenta “angústia e desesperança”.

Pode-se, inclusive, ressaltar alguns aspectos do impacto do diagnóstico de


autismo na família. Primeiramente, muitas famílias levam tempo “negando a
realidade”, conforme afirma Ribeiro (2011); tal posicionamento da família pode
retardar e até comprometer o desenvolvimento da criança, visto que, enquanto a
família nega isso, provavelmente a criança permanece sem os devidos cuidados
técnicos de profissionais que lhe auxiliarão em seu desenvolvimento,
maximizando, dessa forma, o sofrimento da criança. Ribeiro (2011) diz que muitas
famílias, após o diagnóstico de autismo, recorrem a “curas milagrosas”. Outro fator
importante é que, a partir do diagnóstico, “[...] até que se consiga restabelecer o
equilíbrio perdido, a família pode passar por um grande período de isolamento”
(RIBEIRO, 2011). Além disso, baseando-se em Ayub (2000), a autora menciona
comportamentos familiares ante o referido diagnóstico.

Muitas vezes estas famílias acabam vivendo em um sistema mais rígido e


fechado, podendo até mesmo se afastarem de sua família de origem:
avós, tios e primos passam a olhar a criança com deficiência como algo
que não entendem, e podem se afastar por não saberem se relacionar
(RIBEIRO 2011 apud AYUB, 2000).

Ainda outra reação que precisa ser observada é que o “[...] autismo coloca a
família frente a uma série de emoções de luto pela perda da criança saudável,
apresentando com isto sentimentos de desvalia e de culpa, caracterizando uma
situação de crise” (RIBEIRO, 2011).
Em sua autobiografia, Temple Grandin, ao relatar aspectos da relação
interpessoal mãe-filha, comenta: “tinha seis meses de idade, quando minha mãe
percebeu que eu não me aninhava mais e ficava rígida quando ela me segurava

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nos braços” (GRANDIN; SCARIANO, 2010, p. 25). E prossegue: “Poucos meses


depois, quando minha mãe tentava me pegar no colo, reagia tentando arranhá-la
com as unhas, como um animal encurralado”, (GRANDIN; SCARIANO 2010, p.
25).
Ainda segundo a autora acima referida, sua mãe não entendia o seu
comportamento e ficava magoada com as suas reações hostis. Como dizem
Grandin e Scariano (2010, p. 25), “Ter uma filha autista era assustador para ela,
pois não sabia como agir com um bebê que a rejeitava”. A mãe de Temple chegou
a afirmar “Se a Temple não me quer, manterei distância” (GRANDIN; PANEK
2015, p. 16.)
As observações e orientações de Grandin podem favorecer as famílias. Em
se tratando dos sintomas do autismo, a autora afirma que “Esses sintomas
parecem

surgir nos primeiros meses de vida. O bebê não responde da mesma forma que os
demais. Não é surdo, pois reage aos sons. Mas suas reações a outros estímulos
sensoriais são inconscientes” (GRANDIN; SCARIANO 2010, p.19). Vale salientar,
segundo ela, que é um equívoco afirmar que a criança autista não apresenta
nenhuma reação às outras pessoas. Apresentam sim, porém, em determinadas
situações, as reações podem variar de acordo com o que a criança está sentindo
no momento.
Ao perceber que sua filha se comportava de um modo diferente do
“comum”, a mãe de Grandin fez o que lhe pareceu mais acertado à época, levou
sua filha a um neurologista. O médico, por sua vez, após examinar a criança a
encaminhou para uma fonoaudióloga, ao perceber que não tinha dano cerebral e
que, certamente, aprenderia a falar. A fonoaudióloga auxiliou Grandin,
principalmente, a compreender as consoantes, quando faladas rapidamente.
Concomitantemente, a mãe de Temple, contratou uma babá. De acordo com
Grandin, em sua autobiografia, “A atitude da babá era semelhante à dos
terapeutas comportamentais de hoje em dia. Em todas as brincadeiras tínhamos
que esperar a nossa vez”. A autora acrescenta: “O único momento em que podia
regressar ao autismo era uma hora a cada dia, após o almoço. No resto do dia
tinha de viver num mundo que não balançava nem girava” (GRANDIN; SCARIANO
2010, p. 12).

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Observa-se, assim, como a vida familiar pode ser, de fato, impactada pelo
diagnóstico de autismo, pois a família tem sua rotina completamente alterada, nela
serão incluídos atendimentos a diversos profissionais, como se demonstra a
seguir.

O recomendado é que uma equipe multidisciplinar avalie e


desenvolva um programa de intervenção orientado a satisfazer as
necessidades particulares a cada indivíduo. Dentre alguns
profissionais que podem ser necessários, podemos citar:
psiquiatras, psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais,
fisioterapeutas e educadores físicos (AMORIM, 2015).

Torna-se fundamental que a família organize da melhor maneira seus


horários para que os efeitos de suas mudanças impactem o mínimo possível o
autista. Para Pereira (2011, p. 56), a “[...] rotina da criança deve ser bem
estruturada, pois a previsibilidade é importante para que ela se mantenha sob
controle e aceite novos conhecimentos”. A estruturação da rotina beneficiará a
família, visto que evitará desgastes desnecessários, pois a “[...] rotina é
imprescindível para que o autista se

adapte ao novo ambiente, entenda a organização do contexto, fique calmo e possa


participar”, (CARDOSO, 2014). Percebe-se, então, que se precisa investir tempo,
dedicação, recursos financeiros nos tratamentos e em profissionais.
É importante salientar que ao “[..] investir numa criança autista, teremos um
adulto com menos conflitos, mais integrado à família e aos amigos, com o
campo de comunicação menos afetado e um cidadão digno como qualquer
outro” (PEREIRA, 2011, p. 56). Entender isso pode minimizar o sofrimento da
família, bem como gerar nos seus membros um desejo de se empenhar no intuito
de ver a evolução no quadro do portador do Espectro. Ademais a vida social da
família é bastante afetada, uma vez que o “[...] autismo leva o contexto familiar a
viver rupturas por interromper atividades sociais normais” (Rodrigues; FONSECA;
SILVA, 2008), ou seja, muitos momentos de lazer e descontração serão trocados
por investimento no tratamento do autista. É possível, porém, que o ambiente
familiar seja sadio e pacífico, não obstante a todas estas mudanças vivenciadas.

3 Mudanças e dedicação: o esforço familiar

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A partir do diagnóstico de autismo, algumas mudanças ocorrem na família.


Ribeiro (2011) afirma que “nesta hora os pais precisam reavaliar planos e
expectativas, repensar o futuro de seu filho e também o da família”; ela
complementa, afirmando que “quando um elemento do grupo familiar passa a
apresentar uma doença, as relações familiares são naturalmente afetadas”. Como
a autora mesmo enfatiza, apoiando-se em Nebo e Jambor (1999),

Ter um filho diferente requer mudanças radicais sobre a visão de


mundo. Nos vemos obrigados a reavaliar os valores. Ao
encontrarmos uma realidade tão amarga, batemos de frente com o
medo do desconhecido. Idealizamos um filho perfeito, e nisto não
há mal algum (RIBEIRO, 2011).

As mudanças acontecem na família, porém elas ocorrem de acordo com a


forma pela qual a família elabora os sentimentos em relação à criança e ao
transtorno que a acomete.

É importante para a família aprender a conviver com seu filho e


suas limitações. O medo passa a ser uma reação comum, e junto
com ele,

vêm as incertezas com relação à criança, seu prognóstico e seu


futuro.

Algumas mães chegam para atendimento muito fragilizadas, com


dificuldades de confiar em si mesmas e com uma dor muito grande
(RIBEIRO, 2011).

A partir do diagnóstico de autismo, mesmo diante das diversas questões


emocionais, financeiras e sociais que surgem, é importante que a família aprenda
a viver com o portador de autismo. Buscar conhecer a história e etiologia do
autismo, bem como trocar informações com familiares de autistas que já lidam há
mais tempo com um portado do espectro é sem dúvida muito válido, para que se
entendam os melhores caminhos para maiores avanços no processo de
tratamento do autista, uma vez que, dado o diagnóstico, muitas incertezas surgem
sobre o futuro.
É importante salientar que o acompanhamento psicológico pode ser
relevante não apenas para a criança como também para a família, devido aos

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conflitos que tendem a se iniciar tanto individualmente quanto nas relações entre
os envolvidos dentro e fora da família. Como afirma Ribeiro (2011),

Com a aceitação do diagnóstico e adequada assistência


especializada, os pais conseguem ir em busca de um resgate da
vida, novamente se reestruturando e restabelecendo relações
externas. Este resgate leva um tempo para ocorrer, e pode variar
de acordo com a maneira como a família encara a deficiência.

O atendimento psicológico especializado é fundamental, tanto para


criança com autismo, como para sua família. Ele pode contribuir
sobremaneira para resgatar a autoestima e a confiança da família,
além de ajudar criança com autismo a ir se desenvolvendo e
encontrando meios para se tornar cada vez mais independente e
ter autonomia (RIBEIRO, 2011).

Durante o desenvolvimento, a criança vai chegando à adolescência e à


idade adulta, e novos desafios se colocam.

Alguns estudiosos do assunto ressaltam que uma época julgada


critica para os pais é a adolescência e o inicio da fase adulta. A
chegada deste filho à vida adulta também pode ser considerada
uma fase difícil, pois começam a aparecer também medos e
angústias sobre o futuro do filho, medos estes que vão crescendo
na medida em que vão envelhecendo (RIBEIRO, 2011).

A grande questão é que o tratamento, na idade adulta tende a parar, já que


“Aqui no Brasil ainda vemos serviços especializados escassos, com limitações de

idade, além disso as possibilidades de trabalho são raras, acabando por deixar os
jovens e adultos com autismo muitas vezes em casa”, (RIBEIRO, 2011).
Observando a história de Temple Grandin, percebe-se todo o esforço
empregado por sua família, ao longo de sua vida, especialmente pela sua mãe, no
sentido de auxiliá-la em seu desenvolvimento. O autista, devido a sua limitação no
contato com o mundo, precisa do auxílio das pessoas que lhe são mais próximas,
por esse motivo, é imprescindível que a família tenha participação ativa no
tratamento do portador do espectro.
Através da autobiografia de Grandin, relatada por Grandin e Scariano
(2010), por exemplo, podemos observar a importância da participação familiar,

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especialmente a materna, no caso dela, para a evolução do processo de


tratamento. Observamos, ainda, que a mãe de Grandin a leva a especialistas,
médicos e psicólogos, para minimizar seus próprios sofrimentos e os que imagina
que sua filha experimenta, ao máximo possível; é notável sua presença na vida
escolar de Temple, mudando-a de escola, quando necessário, e sendo ativa e
participativa, atuando junto aos professores e direção da escola pelo bem-estar de
sua filha; é visível seu desejo de proporcionar lazer e interação a sua filha,
enviando-a para acampamentos e lugares dos quais gostava, por exemplo.
Embora Temple Grandin tenha sido amplamente estimulada e apoiada por sua
mãe, cabe destacar que o “ideal” seria o engajamento de toda a família.
O desenvolvimento de Temple e toda a sua vitoriosa trajetória tem, sem
dúvidas, grande influência de sua família, a qual empreendeu mudanças e se
esforçou para que ela chegasse aonde chegou, alcançando o título de PhD em
Zootecnia, sendo professora de Ciência Animal e autora de best-sellers com mais
de um milhão de exemplares vendidos, o que mostra que o autismo não a impediu
de avançar em diversas áreas de sua vida, uma vez que foi tratado desde a mais
tenra idade com o apoio de sua família, como descrevem Grandin e Scariano
(2010).

Conclusão

Como se percebe, o autismo sempre foi um enigma, um assunto de grande


complexidade, o qual tem sido aclarado, aos poucos, com o passar dos anos.
Desde que o espectro começou a ser estudado têm ocorrido diversas mudanças a
respeito de sua conceituação e compreensão. Ainda há muito o que descobrir,
mas à medida

que os anos passam novas descobertas são feitas. O que se sabe hoje sobre o
autismo já tem proporcionado grande melhora na qualidade de vida dos
portadores do espectro, bem como na vida dos seus familiares.
De modo geral, o nascimento de um filho é precedido por uma grande
expectativa, há diversas especulações sobre a cor dos olhos, cabelo, tamanho,
temperamento, dentre outras que inserem no pensamento familiar um ideal do
filho perfeito. Quando o diagnóstico de autismo é dado à família, várias reações

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podem ocorrer, dentre as quais podemos destacar um luto pela perda do ideal filho
perfeito. As expectativas, então, são redirecionadas, visto que os pais se veem
ante a uma necessidade de aprender a lidar com esta nova situação para atender
às demandas da criança e também às suas.
A importância do diagnóstico de Autismo se dá pelo fato de direcionar as
ações da família e dos profissionais que assistem o portador, no sentido de
proporcionar a ele um progresso nas áreas em que tem mais dificuldade. Ao longo
do tempo, muitas famílias sofreram por não terem dado o devido tratamento aos
seus filhos, por muitos motivos, principalmente a desinformação a respeito do que
é o autismo.
É extremamente importante atender às demandas do portador do Espectro
de Autismo, porém tão importante quanto isso é assistir sua família e auxiliá-la a
lidar com o autista. Há uma tendência por parte da família de procurar um
atendimento especialmente para o autista, porém, já existem estudos que
demonstram uma grande presença do estresse na família gerado em decorrência
do autismo dado a um de seus membros, o que demonstra a necessidade de um
atendimento a todos os familiares.
Por este motivo, o presente trabalho se propõe a incentivar o
acompanhamento e tratamento do Espectro de Autismo em todas as fases da
vida, uma vez que isto proporciona ao autista e sua família uma vida com mais
qualidade. Cabe destacar que há certa propensão em tratar o espectro de autismo
apenas durante a infância, momento doloroso, em que, geralmente, a família
recebe o diagnóstico. Porém, é de suma importância uma assistência continuada,
visando a um progresso maior em todos os aspectos da família do portador do
Espectro.
Por fim, como se percebe muitas mudanças ocorrerão no seio familiar, a
partir do diagnóstico de autismo dado a um de seus membros, visando favorecer o
desenvolvimento do autista, porém tais mudanças devem ser bem orientadas para
que não prejudiquem a estrutura familiar e assim todos os envolvidos no processo

consigam ter o melhor êxito possível, no sentido de desenvolverem um ambiente


familiar emocionalmente agradável e sadio.

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