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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

MESTRADO EM ESTUDOS FRONTEIRIÇOS


FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CAMPUS DO PANTANAL

MARIA CRISTINA FERREIRA MAIA

UM MARCO PARA A LIBERDADE:“PEDRA BRANCA”. CATIVOS NA


FRONTEIRA DE CORUMBÁ (BR)/PUERTO SUAREZ(BO).
(SÉCULO XIX)

Corumbá/MS
2014
MARIA CRISTINA FERREIRA MAIA

UM MARCO PARA A LIBERDADE:“PEDRA BRANCA”. CATIVOS NA


FRONTEIRA DE CORUMBÁ (BR)/PUERTO SUAREZ(BO).
(SÉCULO XIX)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços
de Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul, Campus do Pantanal, como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre.

Linha de Pesquisa: Ocupação e Identidade


fronteiriças

Orientador: Prof. Dr. Gustavo Villela Lima


da Costa

Corumbá – MS
2014
MARIA CRISTINA FERREIRA MAIA

UM MARCO PARA A LIBERDADE: “PEDRA BRANCA”.


CATIVOS NA FRONTEIRA DE CORUMBÁ (BR)/PUERTO
SUAREZ(BO)(SÉCULO XIX).

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Mestrado em Estudos Fronteiriços da


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus do Pantanal, como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________
Orientador: Dr. Gustavo Villela Lima da Costa
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

_______________________________________
1º Avaliador: Dr. Carlos Martins Junior
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)

_____________________________________
2º Avaliador: Dr. Álvaro Banducci Junior
(Universidade Federal de Mato Grosso do Sul)
Aos meus amados pais (In memoriam)
Emília Ribeiro, Dirceu Ulisses Maia e Ana Ferreira Maia.
Minha eterna gratidão pela vida, pelo amor e fé. Onde quer que estejam estarão sempre em
meu coração.
AGRADECIMENTOS

A Deus, meu pai e criador a ti, toda honra e toda glória.


A minha mãe Ana Ferreira Maia do seu amor e avidez pela leitura feita -por muitos
anos- à luz de lampiões, de suas mãos me chegaram os primeiros livrinhos, as coleções de
histórias infantis que eu “lia” acompanhando com o olhar a minha mãe lendo absorta em sua
cadeira de balanço. Lições que me acompanham pela vida.
Este trabalho não teria sido possível sem a compreensão, estímulo e colaboração de
algumas pessoas que sou grata.
A Prof.ª Dra. Vanessa dos Santos Bodstein Bivar, minha primeira orientadora, que
também já na graduação me estimulava para o desafio do mestrado. Agradeço sua
colaboração nas orientações e correções do Projeto de Pesquisa para o mestrado e, em outro
momento, aceitou a proposta de orientar esta dissertação. Não poderia deixar de citar sua
condução na problematização desta pesquisa, no levantamento dos dados das leituras à serem
feitas e na elaboração dos tópicos do Sumário a partir do levantamento dos dados empíricos
encontrados, analisados e separados conforme sua indicação.
Igualmente agradeço o Prof. Dr. Gustavo Villela Lima da Costa, o orientador deste
trabalho final por ter aceitado esse empreendimento com a pesquisa em andamento. Ainda
assim, contribuiu e agregou com seu profundo conhecimento teórico e empírico sobre
fronteira possibilitando-nos avançar na elaboração do texto da dissertação momento que
estruturamos e alicerçamos este trabalho no diálogo com a Antropologia.
Reconhecimento ao Prof. Dr. Carlos Martins Junior por ter aceitado participar da
Banca de Qualificação e por sua correção e indicações de leituras que acrescentaram e
adensaram a pesquisa.
Igualmente registro minhas considerações ao Prof. Dr. Álvaro Banducci Junior por ter
aceitado o convite para participar da Banca de Defesa.
Como o conhecimento se dá em um processo não poderia deixar de agradecer neste
momento de defesa de dissertação para obtenção do título de mestre a todos os professores da
graduação do Curso de História da UFMS-CPAN, que passaram por mim e deixaram
impressões na minha formação intelectual, quais sejam: Prof.ª Dra. Silvia Helena Andrade de
Brito, Prof.ª Me. Kiase Sebastiana Moraes Siqueira, Prof.ª Dra. Isabella Fernanda Ferreira,
Prof.ª Dra. Vanessa dos Santos Bodstein Bivar, Prof. Dr. Eduardo Saboya Filho, Prof.
Dr.Fortunato Pastore, Prof. Dr. José Luis Peixoto, Prof. Dr. Gustavo Villela da Costa, Prof.
Dr.Waldson Luciano Diniz,
Particularmente, a Prof.ª Dra.Elaine Aparecida Cancian de Almeida que me abriu as
portas, direcionou os meus primeiros passos, no caminho da pesquisa através da Iniciação
Científica, me incentivou e partilhou comigo seus conhecimentos sobre o tema da escravidão,
pela competência e envolvimento com a pesquisa científica histórica é minha referência e faz
parte da minha trajetória acadêmica.
A querida Prof.ª Me. Renata Rodrigues de Assis que na Graduação do Curso de
História já me incentivava constantemente a pensar na possiblidade do Mestrado. Agradeço
igualmente o carinho, caronas e atenção dispensadas.
Ao Prof. Me. Divino Marcos de Sena pelo apoio, pelo incentivo e por acreditar
torcendo sempre por mim. Durante minha trajetória acadêmica sempre esteve presente fosse
aos momentos difíceis ou de descontração, tornou-se um amigo querido. Obrigada por dividir
comigo seu grande conhecimento de História, pelo tempo dedicado em me ouvir, pelos textos
enviados, pelos livros emprestados, pelas palavras endereçadas enfim, pelo ser humano que é.
Em especial ao Prof. Dr. Marco Aurélio Machado de Oliveira, pela sempre disposta
solicitude, estímulo, paciência e credibilidade dispensadas desde a época da graduação. Pelas
contribuições teórico-metodológicas na banca de qualificação. Ademais, pela importância de
ter mudado em mim, a partir de seus conhecimentos, otras miradas para lastierras y
población de Bolívia de maneira que contribui em minha formação profissional e pessoal,
minha gratidão.
Ao Prof. Dr. Edgar Aparecido da Costa, pelas aulas de mergulho profundo nas
questões dos territórios de fronteira, conhecimentos que acrescentaram de maneira
significativa na minha formação de mestre na produção da dissertação Também agradeço pela
paciência durante a confecção compartilhada dos artigos científicos. Pela simplicidade e
presteza na condução dos assuntos acadêmicos. Igualmente, não poderia esquecer a
oportunidade da viagem realizada pela turma do mestrado até Buenos Aires.
A todos os professores do Mestrado em Estudos Fronteiriços que com seus
conhecimentos, cada qual dentro de suas temáticas de pesquisa alargou a minha compreensão
e fizeram do mestrado uma experiência, apesar de árdua intelectualmente, muito prazerosa e
profícua.
Gostaria de agradecer em especial a Ramona Trindade Ramos Dias pela sempre gentil
disposição em ajudar nas minhas dúvidas referentes a parte burocrática do mestrado como
também nas minhas inquietações de pesquisa. Pelo companheirismo, compartilhado com o
nosso grupo de mestrado, inclusive, em viagens.
Aos colegas de mestrado pelo convívio e aprendizado em conjunto já deixam
saudades.
Aos novos amigos, Raquel Lourenço do Carmo Moreira, Orsolina Fernandez, Márcia
Maranho, Cléia Rodrigues e João Marcelo Garcia companheiros de viagem, literalmente,
como do mestrado. No decorrer do curso dividimos aflições que eram sempre dissipadas nas
comemorações e nos “brindes” da vida. Obrigada por esse universo.
A Prof. Dra. Beatriz Lima de Paula pelas orientações sobre questões referentes à
cartografia.
Um agradecimento especial à colaboração feita pela Prof.ª Fernanda Loureiro, pelo
seu paciente e atento trabalho de correção do texto final da dissertação.
A Flávio Gomes Pires pela assistência técnica e ajuda na confecção dos mapas
confeccionados para este trabalho.
A querida amiga Fé de Souza que conheci no percurso da graduação e que pela
convivência tornou-se uma amiga presente em minha história.
Aos amigos de fé e de caminhada Élcio Sarath, GeisaSarath, Nelma Motti.

A Tânia Márcia Rondon pela amizade que resiste aos anos e pelo acolhimento em
Cuiabá por ocasião da pesquisa no Arquivo Público de Mato Grosso.
A Ingracia Leite pela sua vivência cheia de sabedoria e amor que constantemente me
ensinam.
Ao meu irmão Newton Gonçalves Ferreira, sua esposa Odália Leite (in memoriam) e
filha Lucirene Rosa da Silva, pelas preces e por sempre desejarem o melhor da vida para mim.
Aos sobrinhos, Jucélia Celestino Ferreira e Elielton B. Ferreira, por me presentearem
com os pequenos João Pedro B. Ferreira, José Lucas B. Ferreira, que encantam meus olhos e
enchem de ternura meu coração. Obrigada por trazerem beleza e doçura a minha vida.
A psicanalista Gize de Bessa Catarineli, pela finesse na intervenção e escuta
psicanalítica, pela generosidade dessa riquíssima interlocução. Ademais, pelo tempo
dispensado na leitura, correção e considerações do texto inicial da dissertação, minha
gratidão.
Gostaria de agradecer em especial à família da amiga Edna Medeiros e sua mãe,
Matilde Medeiros, que abrem não somente a casa para me receber em Campo Grande, mas há
muito tempo, abrigam-me em seus corações.
A minha amiga irmã Catarina da Conceição Medeiros por existir e partilhar comigo o
meu caminho. Minha eterna gratidão.
As irmãs pelo coração Josiane Pina Bulhões Antunes e Sandra Angélia M. Alves pela
presença, apoio, ombros, e passos sempre juntas.
Ao amigo querido Hugo Landivar meu grande incentivador, pelo entusiasmo, cuidado
e orientações de vida minha gratidão.
Meus agradecimentos finais ao CNPq pela Bolsa de Estudos que oportunizou este
trabalho de pesquisa acadêmica.
“A mudança social não é causada apenas pelas novas forças
produtivas que entram em conflito com as formas mais antigas de
organização social, mas também pelo conflito entre as condições
sociais desumanas e as necessidades humanas inalteráveis. Pode-se
fazer quase tudo a um homem. Mas apenas quase. A história da luta
do homem pela liberdade é a manifestação mais expressiva desse
princípio”.

( Erich Fromm)
RESUMO

O regime escravista que alicerçou a sociedade brasileira por mais de trezentos anos terminou
através de um longo e paulatino processo iniciado, oficialmente, a partir da Lei Eusébio de
Queirós e findo, com a Lei Áurea. Dessa forma, objetiva-se investigar como ocorreram as
territorialidades escravistas na fronteira Oeste do Império do Brasil-cidade de Corumbá (BR)-
com a República da Bolívia- região de Puerto Suarez (BO) em fins do século XIX(1870-
1888). Além dos relacionamentos individuais e ou, coletivos do cativo com os demais grupos
sociais que vivenciaram a questão fronteiriça. A metodologia empregada foi o cruzamento das
fontes utilizadas na investigação; fonte bibliográfica e fonte primária, Sumário-Crime, e
Jornal, transcrito e digitalizado. Esta pesquisa é de cunho qualitativo, alicerçada nos pilares
conceituais da Antropologia, Geografia e História na perspectiva interdisciplinar como forma
de ampliar as interpretações sobre a relação das categorias Fronteira e Escravidão. A análise
dos dados empíricos indicou que a descontinuidade geopolítica da fronteira, representada pelo
limite internacional atrelado aos distintos enfoques da questão da política da escravidão entre
a República da Bolívia e o Império do Brasil oportunizou a ocorrência de fugas de cativos
além fronteira. Portanto, o cativo protagonizou sua história, ficou livre da escravidão ao
ultrapassar a fronteira do Brasil com a Bolívia e se refugiar em território boliviano de “Pedra
Branca”, onde o povoado de “Pedra Branca” marca a singularidade do território de fronteira
em questão. Em função da composição heterogênea dos agentes sociais estabelecidos em
“Pedra Branca”, as territorialidades foram igualmente específicas de acordo com o território
de fronteira.

Palavras-chave: Fronteira, Territorialidade, Escravidão, Fuga.


RESUMEN

El régimen esclavista que fundamentó la sociedad brasilera por más de trescientos años
terminó a través deun largoy paulatino proceso iniciado, oficialmente, desde la Ley Eusébio
de Queirósy finalizó con la Ley Áurea. Así, se objetiva investigar cómo ocurrieron las
territorialidades esclavistas en la frontera Oeste del Imperio de Brasil- ciudad de Corumbá
(BR)- con la República de Bolivia- región de Puerto Suarez (BO), en fines del siglo XIX
(1870-1888), además de las relaciones individuales e/o colectivas del cautivo con los demás
grupos sociales que experimentaron la cuestión fronteriza. La metodología utilizada fue el
cruce de las fuentes utilizadas en la investigación: bibliográfica e primaria, sumario-crimen y
periódico (trascrito y digitalizado). Esta investigación es de carácter cualitativo, basada en los
pilares conceptuales de Antropología, Geografía e Historia, en la perspectiva interdisciplinar
como forma de ampliar las interpretaciones sobre la relación de las categorías Frontera y
Esclavitud. El análisis de los datos empíricos indicóque la discontinuidad geopolítica de la
frontera, representada por el límite internacional vinculado a los distintos enfoquesde la
cuestión de la política la esclavitud entre la República de Bolivia e Imperio de Brasil,
favoreció la ocurrencia de las fugas de cautivos allá-frontera. Por lo tanto, el cautivo
protagonizó su historia, se quedó libre de la esclavitudal ultrapasar hacia el lado boliviano de
la frontera y se refugió en este territorio, “Pedra Branca”, marca la singularidad de la región.

Palabras-clave: Frontera, Territorialidad, Esclavitud, Fuga.


LISTAS DE FIGURAS

Figura 1- O Iniciador, 05/01/1883. Seção “Campo Neutro”, sobre política 27

Figura 2- Localização aproximada de “Pedra Branca” 29

Figura 3- Infração e penalidade pela falta de registro de matrícula. 05/01/1883 51

Figura 4- Anúncio oferecendo recompensa pela captura do cativo. A Opinião 28/01/187966

Figura 5- Canal do Tamengo e Laguna Cáceres 77


Figura 6- Portos fluviais. Provável localização do destacamento militar boliviano 78

Figura 7- Marco de limite territorial Bolívia/Brasil 79


LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Registro de batismo de filhos de cativos (século XIX) 35

Tabela 2- Quantitativo de cativos por Províncias 47

Tabela 3- Tipologia das Cartas de Alforria 1875/1887 52

Tabela 4- Mercadorias compradas no comércio local 58

Tabela 5- Prestação de contas do Bazar Abolicionista 59

Tabela 6- Relação dos colaboradores abolicionistas 60-61

Tabela 7- Relação dos colaboradores do Uruguai para o Bazar Abolicionista 62-


63
LISTA DE SIGLAS

A.G Albúm Gráphico de Mato Grosso.

ACMC Arquivo da Camara Municipal de Corumbá.

AHIPAR Administração da Hidrovia do Paraguai.

APMT Arquivo Público de Mato Grosso.


.
AFC Arquivo do Fórum de Corumbá.

BDCN Biblioteca Digital Curt Nimuendajú.

BNB Biblioteca Nacional do Brasil.

BNDB Biblioteca Nacional Digital do Brasil.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 17

1. OS DOIS LADOS DA FRONTEIRA E O CONTEXTO PÓS-GUERRA DO

PARAGUAI................................................................................................................ 22

1.1 Fronteira Geopolítica: espaços em (trans)formação.............................................. 22

1.2 “O lado de lá” da fronteira: lógica da fundação de Puerto Suarez....................... 28

1.3 Fronteira em que o Brasil foi Paraguai.................................................................... 31

1.4 Breve contexto pós-guerra: Corumbá em fins do período escravista..................... 34

2. CONTEXTO CAPITALISTA SISTEMA ESCRAVISTA: CORUMBÁ EM FINS

DOS OITOCENTOS....................................................................................................... 37

2.1 Ordenamento do território............................................................................................... 38

2.2 O “escorregar da fronteira”: bolivianos e paraguaios............................................ 40

2.3 Corumbá hegemônica: interação socioeconômica- Corumbá/ Puerto Suarez/ Bacia

Platina................................................................................................................................. 42

2.4 Territorialidades escravistas na fronteira: escravidão e liberdade......................... 44

2.5 Estado e grupos locais: o processo escravista em seu final....................................... 48

2.6 “Quase livres”: Tipologias das Cartas de Alforria.................................................... 52

2.7 Sociedade Abolicionista Corumbaense........................................................................ 56

2.8 Violência: Atravessando limites territoriais internacional........................................ 64

3.UM MARCO LIMÍTROFE: A LIBERDADE DE CATIVOS EM “PEDRA

BRANCA”............................................................................................................................ 68

3.1 Lugar social da imprensa.............................................................................................. 69

3.2 O limite territorial “delineando” a liberdade: fuga de cativos para Bolívia............ 72

3.3 Fronteira como Recurso Social: Refúgio em “Pedra Branca”.................................. 76


CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 87

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 89

APÊNDICE A....................................................................................................................... 96
17

INTRODUÇÃO

As atuais fronteiras do Brasil foram estabelecidas através de negociações diplomáticas


entre Portugal e Espanha com o tratado de limites territoriais, Tratado de Madrid (1750), ocasião
que estabeleceu o direito de posse, (uti possidetis)1, visto que a ocupação territorial portuguesa
avançou espaços fronteiriços em terras hispânicas. Com esse intuito a fronteira Oeste da capital
provincial mato-grossense deveria ser demarcada e povoada. Assim, em 1778, foi fundado o
destacamento militar cujo nome era povoado de Nossa Senhora da Conceição de Albuquerque
com a estratégia- conforme se referiu Luis de Albuquerque Melo Pereira e Cáceres, governador e
capitão general da Província de Mato Grosso - “[...] para que nenhum em tempo passem vassalos
de outro qualquer monarca a ocupar e a invadir estes domínios meridionais fiz assento d´ uma
fortificação” (ÁLBUM GRÁPHICO/MS,1914, p.349).
Decorridos 84 anos, portanto, em 1862 o povoado de Albuquerque passou a condição de
Villa de Nossa Senhora da Santa Cruz de Corumbá e que em 1878 passou a condição de cidade
de Corumbá, ocasião em que foi estabelecido os limites da cidade conforme a transcrição:
A linha divisória da dita freguesia será a mesma que a do Império com a
República da Bolívia até os fundos de noroeste da Lagoa Uberaba descera
por esta ao Rio Paraguai cujo curso seguirá águas abaixo e pelo Paraguay-
Mirim até a boca inferior d´este, d´alli subirá pelo Paraguay ate a ponta da
serra do Rabicho pelo cume da qual continuará e depois pelos pontos
culminantes dos terrenos montuosos que medeiao entre a mesma Freguesia e
a de Albuquerque até encontrar a Oeste a Fronteira Boliviana (ÁLBUM
GRÁPHICO/MS, 1914, p. 349).

Conforme a historiografia aponta, os processos de criação e demarcação das fronteiras nunca


foram tranquilos ou pacíficos. Ao contrário, ocorreram por meio da violência, coação e
expropriação dos povos que nela viviam.
Nessa perspectiva, o território que compreende o lado brasileiro porção Oeste do Brasil, onde
estava localizado Corumbá com a República da Bolívia foi disputado pela República do
Paraguai fato que gerou a Guerra do Paraguai (1864-1870) em decorrência do fim das
negociações diplomáticas entre o Império do Brasil e a República do Paraguai, em relação às
questões de caráter econômico e político, a citar: direito à navegação comercial do rio
Paraguai e limites territoriais de ambos os países. A guerra iniciada em 1864 interrompeu a
navegação no Rio Paraguai, ocasionando crise econômica na Província de Mato Grosso. Para
resolver a situação, a administração do governo provincial de Mato Grosso, autorizado pelo

1
Princípio do Direito Internacional estabelece a posse de um território para os que de fato ocupam o território
18

governo central do Império, estabeleceu medidas fiscais e administrativas para recuperar a


região, devastada por tropas inimigas, adotando políticas aduaneiras de isenção fiscal aos
comerciantes que quisessem se estabelecer naquela localidade. Dessa forma, a navegação de
cargas e passageiros –inclusive de mascates imigrantes- incrementou sobremaneira a
economia local. O comércio de exportação (charque, couro vaccum, veados, ipecacuanhas e
pele de onças) e de importação de manufaturados vindos, principalmente da Alemanha,
Bélgica, França, Inglaterra (alimentos industrializados, ferragens, cimentos, chapéus,
ladrilhos, tecidos) e da Argentina (trigo),imprimiram uma nova dinâmica mercantil na área de
fronteira, ocasião que Corumbá se torna entroncamento da rota comercial fluvial da Bacia do
Prata, tanto ao interior do Império quanto aos países platinos, fator determinante de
fomentação intensa da atividade mercantil e financeira na região pesquisada.
Acercado comércio em área de fronteira, Esselin e Oliveira (2010) afirmam que
anteriormente ao acordo de navegação e comércio assinado entre o Império do Brasil e a
República do Paraguai (1856) difícil era estabelecer relações comerciais entre Corumbá e Rio
de Janeiro e São Paulo, de forma que mais viável seria, em função da distância, comercializar
com a Bolívia e o Paraguai.
Conforme a historiografia sinaliza, o desfecho da Guerra do Paraguai repercutiu
negativamente na economia do Império do Brasil, somado as rebeliões populares e as crises
internas em várias regiões do Império, inclusive com revoltas e fugas de cativos, o governo
monárquico se ausentou de apoio político.
É nesse contexto em que se delineia o período histórico de investigação,o pós-guerra
do Paraguai, e o cativo, sujeito impulsionador desta pesquisa. Este inserido noterritório de
fronteira, interagindo com a população local e com (e) imigrantes que começavam a ocupar o
espaço rural e urbano. Portanto, o recorte temporal envolve o período de 1870, após a Guerra
do Paraguai, a 1888, fim do período escravista brasileiro, marcos de acontecimentos ocorridos
na região estudada, a fronteira entre Corumbá (BR) e Puerto Suarez (BO).
Ao nos referirmos a região estudada, Corumbá, usaremos o termo cidade de Corumbá
a fim de abarcarmos a compreensão das territorialidades escravista local, como um todo, ou
seja, não vamos nos ater aos termos povoado de Nossa Senhora da Conceição de
Albuquerque e Villa de Santa Cruz de Corumbá uma vez que essas denominações referentes
à Corumbá, estão dentro do recorte desta pesquisa. Assim temos que, a chegada e ocupação
de escravizados (cativos) na Província de Mato Grosso, foi decorrente do movimento
paulista monçoneiro (BRAZIL, 2002). Segundo Brazil (2002, p. 29):
19

[...] a organização do trabalho realizado por cativos deve ser entendida


como o resultado da ação de colonização (montagem de uma estrutura de
produção) dos processos adaptativo dos seus agentesà região e, sobretudo,
dos interesses metropolitanos.

A historiografia regional evidência aexistência de uma composição variada de sujeitos


sociais e instituições estabelecidas no final do século XIX, na zona fronteiriça da Villa de
Santa Cruz de Corumbá. As fontes consultadas para esta pesquisa registram a presença
decomerciantes, eclesiásticos, escravizados, forros, funcionários públicos, imigrantes,
militares, migrantes, profissionais liberais, proprietários de cativos, trabalhadores livres, etc.
Homens e mulheres produziram as territorialidades da área de fronteira entre Corumbá (BR) e
Bolívia, inclusive territorialidades escravistas, estabelecendo uma rede de relações sociais na
qual a exploração do trabalho do escravizado era parte constituinte do tecido social
fronteiriço. Exploração compreendida aqui no sentido de dominação, em que as fugas em
direção ao território boliviano de “Pedra Branca” se constituem como a materialidade da
resistência do cativo ao poder senhorial, ao sistema escravista.
Nessa perspectiva, sobre a heterogeneidade da composição social em território de
fronteira temos as reflexões sobre as características possíveis desse território assim:
[...] tanto pode remeter a delimitações, que contribuem para a separação e
afirmação, como para a convivência, a troca e o encontro de diferenças e
experiências diversas [...] e mais que um termo estático a Fronteira se
assemelha a um campo de espaço móvel e fluido, cujas alterações que estão
intimamente vinculadas às mudanças econômicas, políticas e sociais.
(GUTIERREZ, NAXARA, LOPES, 2003, p. 7-8).

De maneira que, a fronteira configura-se, neste trabalho, como território de


aproximação e negociação. Objetivo principalé investigar e apontar qual foi a relação do
cativo com a fronteira, suas territorialidades neste espaço, outrossim, apontar a singularidade
deste território na tessitura da dinâmica escravista local.Os dados empíricos desta
investigação que marcam a singularidade da região estudada foram analisados em relação a
totalidade das territorialidades escravistas pois “O singular é a manifestação, no espaço
convencionado, de como leis gerais do universal operam dando-lhe uma configuração
específica. Universal e singular, nessa perspectiva, são indissociáveis” (ALVES, 2003, p.10).
Por conseguinte, é relevante apontar que para compreendermos o objeto deste estudo,
a categoria fronteira onde o cativo é o nosso sujeito de pesquisa não se pode desconsiderar o
fator exógeno, o ciclo de acumulação financeira do capitalismo do período. Dessa forma, as
questões referentes a Corumbá estarão sempre relacionadas com as determinações estruturais
20

da reprodução do capital em escala macro e sua repercussão em escala local considerando


sempre o contexto histórico social escravista do período.
Quanto à característica no que diz respeito à perspectiva de análise da problemática
levantada para este trabalho de investigação- fronteira e escravidão- é qualitativa, pois não se
procurou quantificar as variáveis, uma vez que as fontes não forneciam elementos para tal
empreendimento. É explicativa porque a partir da análise dos dados empíricos fornecidos
pelas fontes buscou-se apreender e apontar a problemática das fugas dos cativos na região de
fronteira.
Elegemos este estudo na perspectiva da interdisciplinaridade como forma de ampliar
as interpretações sobre as categorias Fronteira e Escravidão.Assim, no viés interpretativo da
Geografia trabalhamos as questões referentes à fronteira, limite e territorialidades. Do aporte
teórico da História analisamos os distintos enfoques da política para as questões escravistas
entre o Império do Brasil e a República da Bolívia e o contexto capitalista. A Antropologia
forneceu interpretações como o conceito de fronteira vista a partir da perspectiva do cativo –
recurso- ademais, na perspectiva de análise antropológica buscou-secompreender as
territorialidades dos distintos atores sociais e institucionais que atuaram na região de fronteira.
Relevante apontar que embora este trabalho tenha conceitos retirados da Antropologia, não é
um trabalho etnográfico é portanto, conceitual.
Como procedimento inicial de pesquisa foi desenvolvido um levantamento
bibliográfico acerca de fronteira, limite, território e territorialidade, assim como sobre
escravidão e fugas de cativos para além fronteira. As fontes primárias se embasaram em
inventários post-mortem, sumários-crime, ofícios, jornais transcritos e digitalizados e cartas
de liberdade transcritas e impressas. Foram utilizados mapas disponíveis na internet. A
escolha por meios impressos e digitalizados (jornais de época), diz respeito à riqueza de
informação que, problematizadas, possibilitaram a (re)constituição histórica de “Pedra
Branca” ou parte desta.
Os documentos utilizados encontram-se disponíveis no Arquivo Público de Mato
Grosso (APMT), Arquivo Público da Câmara Municipal de Corumbá/MS, Arquivo do Fórum
de Corumbá/MS e na Hemeroteca Digital do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Com
intento de levantar dados de pesquisa, a Armada Naval Boliviana, a Base Naval Tamengo e a
Administração da Hidrovia do Paraguai (AIPHAR) foram visitadas.
Para a execução do projeto foram realizados cruzamento e análise dos dados contidos
nas fontes bibliográficas e na documentação primária, objetivando alcançar respostas
pertinentes à problemática levantada.
21

Quanto à motivação pela temática – escravidão na fronteira Brasil/Bolívia – nasceu


nos primeiros anos de graduação do curso de Licenciatura em História, com a Iniciação
Científica. Na ocasião realizamos estudos nos inventários post-mortem e processos-crime
produzidos no período entre 1870 e 1888, na Vila de Santa Cruz de Corumbá, e mantidos no
Arquivo do Fórum da Comarca de Corumbá/MS. Elegemos, como objeto de análise, as
relações de trabalho do cativo que estavam estabelecidos nas fazendas da região de Corumbá.
Encontramos, na documentação estudada, tanto a presença de trabalhadores livres como a de
escravizados envolvidos nas diversas atividades executadas nas fazendas da região. Os
resultados indicam que, nas propriedades rurais estudadas, houve a utilização do cativo como
mão-de-obra empregada nas fazendas de criação de gado e de lavoura, a exemplo de outras
regiões do Brasil, o sistema escravista, embora estivesse em seu final, resistia e existia
concomitantemente com o modo de produção capitalista.
Esta dissertação está dividida em três capítulos. No primeiro será apresentado o objeto
de estudo, a fronteira entre Brasil e Bolívia, respectivamente as cidades de Corumbá e Puerto
Suarez, relacionando a fronteira a alguns de seus elementos e a conceitos pertinentes à
temática, a citar: limite, território e territorialidade. Também serão trabalhados os aspectos
escravistas, de maneira panorâmica, no intuito de apresentar o local para onde fugiam os
cativos (sujeitos escravizados), lançando um olhar em direção ao outro lado da fronteira, o
território boliviano, outrossim, a fim de contextualizar “Pedra Branca”.
No segundo capítulo serão discutidas as questões referentes à internacionalização do
capital e sua implicação no espaço fronteiriço de Corumbá. Ademais, abordar-se-ão as
territorialidades escravistas locais, tanto das instituições quanto dos atores sociais que viviam
e compunham a dinâmica fronteiriça.
No terceiro e último capítulo os esforços serão concentrados no sentido de apreender,
por meio das fontes, a dinâmica das territorialidades escravistas na região em análise, mais
especificamente, a respeito da fuga de cativos para a República da Bolívia. Os aspectos
referentes às categorias fronteira e escravidão serão analisados e relacionados conforme o
contexto de capital mercantil e a estrutura do sistema escravista brasileiro.
22

1. OS DOIS LADOS DA FRONTEIRA E O CONTEXTO PÓS-GUERRA DO


PARAGUAI.

1.1 Fronteira Geopolítica: espaços em (trans) formação.

A construção do Estado territorial e das fronteiras, de maneira geral, surge no início


do século XV, quando se inicia a formação dos Estados nacionais europeusque tinham como
característica de soberania e autonomia estatal a centralização do poder administrativo sob a
direção da monarquia que também controlava e(de)limitava o espaço territorial jurídico.
Dessa forma, em diferentes momentos históricos da humanidade a ocupação do espaço
territorial definiu e delimitou as fronteiras.
Os sentidos e significados aplicados conceitualmente e empiricamente a categoria
fronteira é resultante da combinação de vários fatores, como econômico, militar e político que
no bojo desse processo alteraram as suas características e significados. Por conseguinte,a
pluralidade de conceitos para a categoria fronteira expressa a complexidadesemântica do
termo em função das múltiplas interpretações nas diversas áreas epistemológicas.
Em Geopolítica as fronteiras são pensadas como um limite burocrático-administrativo
entre municípios e regiões. O território de fronteira, em relação às políticas estabelecidas pelo
Estado, é considerado como “fratura” sociopolítica espacial, como no caso do limite
internacional que separa e divide territórios entre Estados.
Se de um lado temos a interpretação da geopolítica de que as fronteiras definem-se a
partir de uma escala intranacional (poder central), visto que é uma fração de uma totalidade
do Estado territorial, por outro lado elas podem ser definidas a partir de suas dinâmicas
próprias (GRIMSON, 2000). Nessa linha de raciocínio, Santos (1995) e Grimson (2000)
entendem a formação da fronteira como um processo, na medida em que são construções e,
portanto, configuram-se como inacabadas, produto social de um período histórico, pois estão
cultural, econômica e politicamente em constantes transformações. Por conseguinte:
“Fronteira é uma área geográfica, com limites imprecisos, variável e dinâmica, ora retrai, ora
expande e que contém o limite” (COSTA, 2011, p. 134-135).
Por conseguinte, nessa análise estaremos considerando a categoria fronteira como
zona de contato, de acordo com Machado (1998, p.1).
[...] fronteira como lugar de comunicação e troca onde os povos podem se
expandir para além do limite jurídico do Estado, desafiar a lei territorial de
cada Estado limítrofe e às vezes criar uma situação de facto, potencialmente
conflituosa, obrigando a revisão dos acordos diplomáticos.
23

Ao que Raffestin (1993, p. 10-11) agrega:

[...] a fronteira vai muito além do fato geográfico que ela realmente é, pois
ela não é só isso. [...] é um fato social, biológico e também bio social: ela
delimita um „para cá‟ e outro „para lá‟, um „antes‟ e um „depois‟, com um
limite marcado e uma área de segurança.

O conceito de fronteira - espaço da experiência vivida- é mutável em função de


determinantes socioeconômicas e políticas que a (re) definem, sobretudo, empírica e
terminologicamente no espaço e no tempo.
Fani Carlos (1995, p. 106) sobre as fronteiras, no contexto do sistema capitalista,
aponta:
Em seu desenvolvimento o capitalismo produziu o espaço da mundialização.
Tal processo implicou a unificação do espaço mundial onde a organização se
produz a partir de uma hierarquia de Estados que vão do centro à periferia e
se desenvolvem a partir de relações de dominação/subordinação, que têm
como elemento articulador o mercado mundial.

Relevante apontar que estamos trabalhando com as categorias de análise Fronteira e a


relação desta com a Escravidão. Nessa medida, discute-se a presença e, principalmente, a
inter-relação dos cativos com os demais atores sociais que dividiam não só o território de
fronteira, mas moldavam as territorialidades desse espaço junto aos outros atores sociais
locais, em especial, os bolivianos em suas passagens transfronteiriças.
Assim, na análise da fronteira de Corumbá com a Bolívia no século XIX, observam-
se as reflexões de Grimson (2000) que considera os diversos atores territoriais (Estado e
sociedade) na formação das territorialidades (práticas e saberes do e no território). O autor
entende que grupos ou organizações com seus discursos, práticas e interesses distintos,
atribuem lógicas e sentidos para a fronteiraem função de seus lugares sociais.
Da mesma forma Valcuende (2008) nos dá suporte teórico no sentido de
compreendermos quea fronteira pode ser um elemento de articulação transfronteiriça entre os
diversos sujeitos e setores sociais, constituindo, dessa forma, um potencial recurso
(econômico, social, político e simbólico) para as populações locais. Portanto, a fronteira é um
espaço territorial onde podem ocorrer confluências e conflitos em função da composição
social heterogênea em que distintos atores territoriais dividem o mesmo espaço, ocupando
posições de classe (social, cultural, econômica, identitária e ideológica), principalmente
porque, do ponto de vista político e jurídico, as instituições burocráticas administrativas dos
Estados limítrofes, ao estabelecer as leis, em função de seus interesses e lógicas geralmente
distintos, implicam no surgimento de embates e tensões nas relações sociais (relações de
24

poder) do cotidiano fronteiriço entre os distintos atores sociais e grupos que vivem a ena
fronteira.
Dessa forma, ao tratarmos de questões que envolvem ações políticas do Estado para
o território de fronteira apontam-se as reflexões de Machado (1998, p. 42):
[...] o moderno conceito de Estado, onde a soberania corresponde a um
processo absoluto de territorialização. O monopólio legítimo do uso da força
física, a capacidade exclusiva de forjar normas, de trocas sociais
reprodutivas (a moeda, os impostos), a capacidade de estruturar, de maneira
singular, as formas de comunicação (a língua nacional, o sistema educativo,
etc.) são elementos constitutivos da soberania do estado, correspondendo ao
território cujo controle efetivo é exercido pelo governo central (o estado
territorial).

Nessa perspectiva de análise temos o caso ocorrido na fronteira de Corumbá/Bolívia


que nos remete às reflexões de Valcuende (2008) e que diz respeito às ações políticas
administrativas do Estado, em escala local. Vejamos em Corumbá, o procurador da agência
arrecadadora de impostos (Alfândega), Sr. João Antônio Rodrigues, enviou um ofício à
Câmara de Vereadores do município, solicitando a construção de um posto avançado
alfandegário em lugar conveniente para que este órgão pudesse fazer a cobrança e controle
das taxas de imposto sobre compra e venda de gado vaccum. O procurador comunicou que as
autoridades fiscais alfandegárias da região tinham conhecimento de que algumas pessoas
negociavam gado de maneira irregular, ou seja, não pagavam impostos no ato de compra e
venda a Alfândega sobre o comércio de gado. Há a transcrição de parte do ofício do
procurador Sr. João Antônio Rodrigues dirigido a Câmara de Vereadores para as devidas
providências:
[...] grande número de gado vaccum, do qual não se tem podido cobrar o
imposto de que trata a Lei Provincial nº 583 de 5 de setembro de 1881, em
consequência (sic) das tropas passarem muitas léguas distante desta cidade, e
só depois de algum tempo é que consta a dita sahida, sem contudo constar o
número certo de reses, além de que a maior parte dos responsáveis pelo
pagamento do imposto não são moradores desta localidade, juntando-se a
isto a carência de provas para levar-se com effecto a cobrança”2.

Ainda sobre o caso, Sr. João Antônio Rodrigues deu uma segunda alternativa aos
vereadores caso não fosse viável a primeira providência: “[...] é arrematação do mencionado
imposto na forma do Decreto n 416 de junho de 1845, que autoriza as Câmaras arrematarem
as suas rendas, ou parte dellas, com as condições e cautellas necessárias”3.

2
Ofício s/nº dirigido à Câmara Municipal de Vereadores de Corumbá. 25/07/1883. Arquivo Público da Câmara
Municipal de Corumbá (MS).
3
Idem.
25

O próprio Sr. João Antônio Rodrigues afirma no documento que apesar das diligências
tomadas para aumentar a arrecadação de imposto ao cofre público municipal, elas estavam
sendo infrutíferas em função da falta de um posto avançado alfandegário localizado em lugar
estratégico, nos arredores da cidade, provavelmente próximo as estradas por onde passavam
carretasde bois, de maneira que pudesse ser efetivada a fiscalização e cobrança do imposto
sobre as reses que eram negociadas, segundo a Alfândega, ilicitamente. Logo, Sr. João
Antônio Rodrigues, não podendo repassar à Câmara Municipal da cidade os valores
monetários referentes aos tributos cobrados, na oportunidade da negociação de compra e
venda de gado vaccum, sugeriu que a Câmaraencontrasse outras formas de arrecadação
tributária a fim de aumentar a arrecadação da receita orçamentária do município.
Se por um lado a Alfândega atuava enquanto Estado na cobrança, controle e taxação
de impostos, por outro a população local reagia em sentido inverso, isto é, recorria a
estratégias e sentidos próprios na busca de se estabelecer e sobreviver em região de fronteira.
Entretanto, o documento ora estudado não permite constatarmos a localização da estrada por
onde era escoado o gado comercializado. Cabe aqui às considerações:
Nas fronteiras a tensão entre a legalidade e ilegalidade é parte constitutiva da
vida cotidiana. As transações comerciais entre as populações são
consideradas muitas vezes como “contrabando” pelo Estado, mas é uma
atividade mais natural para as pessoas do lugar (GRIMSON, 2000, p. 3).

Devidamente apresentada e conceituada a fronteira (lugar de ir e vir) e a perspectiva


sobre a qual esta será considerada para este trabalho (recurso social), importa apresentar ao
longo deste capitulo alguns de seus elementos constituintes quais sejam limite, território e
territorialidade.
Primeiramente será discutido o limite territorial, parte constitutiva da categoria
fronteira e por ser, para esta investigação, uma categoria de análise de fundamental
relevância. Para tanto, levantamos as considerações de Costa sobre a distinção entre limite e
fronteira “O limite internacional, a linha fronteiriça não é fronteira. Limite é linha, não
tangível, não observável, a não ser pelos marcos divisórios, não habitável, masexiste
(COSTA, 2009, p.69).”
Nesse aspecto, temos o caso da demarcação dos limites de Corumbá com a Bolívia.
Assim, nos anos iniciais da década de 1860, a Vila de Nossa Senhora de Santa Cruz de
Corumbá (atual Corumbá/MS), fronteira com a Bolívia, teve seu território demarcado e
amparado nos dispositivos legais (Artigo 2º da Lei Provincial nº 06 de 10/07/1862), conforme
a transcrição abaixo:
26

A linha divisória da dita Freguesia será a mesma que a do Império com a


República da Bolívia até os fundos de Noroeste da Lagôa Uberaba, descerá
por estas ao rio Paraguay por cujo (ilegível) seguirá as agôas (sic) abaixo e
pelo Paraguay-mirim até a boca inferior d‟este, d‟alle subirá pelo Paraguay
até a ponta da Serra do Rabicho pelo cume da qual continuará e depois pelos
pontos culminantes dos terrenos montuosos que medeião (sic) entre a mesma
Freguesia e a de Albuquerque até encontrar a Oeste a fronteira boliviana4.

O documento acima traz elementos para análise que permite entrever a proximidade da
relação entre o poder executivo e o setor eclesiásticode Cuiabá, capital da Província de Mato
Grosso, representada pelo Sr. José Antônio dos Reis, popularmente conhecido por bispo Dom
José, da diocese de Cuiabá. O bispo em seu parecer sobre a demarcação dos limites da cidade,
autoriza, justifica e legitima a ação do governo estabelecido na capital da província a
demarcar os limites territoriais de Corumbá. O aval do bispo Dom José, representante da
igreja católica, permite-nos depreender que a instituição religiosa estava com suas ações e
ideários consonantes com o aparelho hegemônico do Estado, uma vez que já estavam
demarcados os limites do território de Corumbá, conforme a Lei Provincial acima referida, no
entanto, a documentação foi enviada ao bispo para que este com o seu aval de autoridade
eclesiástica, conferisse legitimidade a ação política do governo provincial.
Para darmos prosseguimento as discussões desta investigação, é relevante neste
momento, abrirmos um parêntese, e apresentar a imprensa de Corumbá, representada pelo
jornal O Iniciador, dada a importância dessa fonte primária digitalizada, fio condutor desta
pesquisa que forneceu elementos, juntamente com as demais fontes, que permitiram apreender
as dinâmicas escravistas ocorridas em “Pedra Branca”. De forma que ao tratarmos de questões
publicadas no jornal O Iniciador estaremos recorrendo a transcrição. Entretanto, convém
registrar que o faremos, brevemente, uma vez que no terceiro capítulo iremos tratar da
problemática levantada para esta pesquisa através da imprensa.
Nessa perspectiva, o surgimento da imprensa corumbaense se deu com a criação do
jornal O Iniciador na ocasião em que se estabeleceram os imigrantes, comerciantes
portugueses, Silvestre Antônio Pereira, redator e editor, e Manoel Antônio Guimarães, diretor.
Lançaram (18/01/1877)5 a primeira edição do jornal cujo subtítulo trazia os dizeres
“Legalidade, Ordem, Justiça e Liberdade”. À disposição das matérias jornalísticas eram
publicadas nas seções intituladas “Campo Neutro”, “Cousas Locais”, “Noticioso”,

4
Cópia de Ofício nº 03 do Presidente da Província de Mato Grosso, Herculano FerreiraPenna.05/02/1863.
Arquivo Público da Câmara Municipal de Corumbá/MS.
5
Para estudo mais aprofundado sobre a imprensa corumbaense do século XIX consultar: SOUZA, João Carlos.
Imprensa e Jacobinismo no início da República em Corumbá (2003, p.218-241).
27

“Variedades”, “Social” e “Editais” sendo que em grande parte das matérias publicadas
apresentavam cunho político, enalteciam o arrojo e progresso da cidade promovido pelas
transações realizadas pelas casas comerciais no período.
De maneira geral, o jornal no século XIX retratava mais que o cotidiano urbano e a
notícia em si, era símbolo de poder, progresso e desenvolvimento. Importante frisar:
[...] que o discurso jornalístico não privilegia as lutas das classes sociais. [...]
e que essa relação de neutralidade realiza em larga escala tarefas ideológicas
de dominação ao se fazer passar como dado neutro da vida social (SILVA,
1986 apud SOUZA, 2003, p. 224).

Figura 1-O Iniciador, 05/01/1883. Seção “Campo Neutro”, sobre política.


(Fonte: Hemeroteca Digital Brasileira).
28

1.2 “O lado de lá” da fronteira: lógica da fundação de Puerto Suarez.

Antes de abordar a respeito do sentido da fundação de Puerto Suarez faz-se necessário


um recuo histórico temporal a fim de contextualizar a situação política da República da
Bolívia ao que se refere à demarcação de sua fronteira com o Império do Brasil.
Xavier (2006) sinaliza que desde a independência da Bolívia (1825) as questões sobre
demarcação de suas fronteiras sempre foram pauta nas negociações do governo boliviano e do
Império do Brasil, porém não eram motivos de conflitos, posto que:
[...] os conflitos e interesses da Bolívia estavam direcionados aos países
andinos uma vez que disputava com o Chile a soberania da região andina
[...] e a atuação do Brasil estava voltada para a região do Prata(XAVIER,
2006, p. 56).

Na disputa contra o Chile na Guerra do Pacífico (1879-1883) a Bolívia perdeu o


território da Província de Antofagasta, questão nodal para o Estado boliviano, visto que a
Província dava acesso ao Pacífico. Por conseguinte, a alternativa encontrada pela Bolívia para
suprimir a rota de seu comércio (Oruro-Antofagasta) com outros Estados e, ao mesmo tempo,
atender a demanda interna, seria escoar a produção extrativista da borracha para a indústria
europeia. As rotas de comércio ocorriam “[...] Via del Amazonas (Guayaramerín-Belém do
Pará), Via del Rio Paraguay (Puerto Suarez) e Via Argentina (Yacuiba)” (BOLIVIA, 2011, p.
71-72).
Contextualizada a situação política internacional da Bolívia e as implicações por esse
motivo provenientes, passamos a análise da fundação da cidade de Puerto Suarez. A cidade,
pertencente ao Departamento de Santa Cruz e localizada na fronteira com Corumbá (Império
do Brasil), foi fundada em 1875 por Miguel Suarez Arana. A lógica da fundação atendeu,
prioritariamente, a demanda de ordem econômica interna da Bolívia, visto que a cidade
interligou o comércio de mercadorias e atuou como corredor de passagem de pessoas
provenientes de Santa Cruz e demais regiões do interior para os Estados Platinos (Argentina,
Paraguai, Uruguai) e vice-versa, e também para o Atlântico.
[...] a través de Puerto Suarez se exportaba la goma procedente del Alto
Paraguay y de la ribera izquierda del Río Itenez, atravesando las provincias
de Chiquitos y Velasco, una vez subiendo el Río Blanco e Itonama hasta las
misiones de Guarayo para luego llegar a Santa Cruz, o por la vía de San José
a Puerto Suarez” (HOLLWEG apudBOLIVIA, 2011, p. 73).

Entretanto, se a fundação de Puerto Suarez goza de um sentido econômico, é de


extrema relevância apontar que em território onde a cidade foi estabelecida(1875) já contava
com suas fronteiras delineadas e limites instituídos geopoliticamente pelo Tratado de
29

Amizade, Limites, Navegação, Comércio e Extradição – conhecido, outrossim, por Tratado


Ayachuco.
Relevante para este trabalho apontar, por ocasião da fundação de Puerto Suarez, na
localidade em que se encontrava o povoado de “Pedra Branca” já havia a presença de um
grupo étnico indígena, provavelmente, Chiquitano. Possivelmente porque a região na qual nos
referimos fazia parte da Província de Chiquitos e, assim sendo, entende-se tratar de uma
população de origem indígena Chiquitana.

Figura 2- Localização aproximada de “Pedra Branca”6. (Fonte: Google Maps).

Em escala local e retornando aos negócios estabelecidos entre comerciantes bolivianos


e brasileiros, por exemplo, temos os reiterados anúncios de propaganda de proprietários das
casas comerciais de Corumbá que publicavam no jornal O Iniciador (1880), na qual

6
A construção do mapa proposto baseia-se em imagens atuais da região para apontar a localização
aproximada do povoado, bem como do posto militar boliviano, ambos (re)conhecidos como “Pedra Branca”.
Para tal, pinçamos os vestígios das fontes sobre essa provável localização e o mapa foi traçado partir de
hipóteses. Temos que o Hito (marco de limite territorial) Tamarinero é o local onde passa a linha limítrofe do
Brasil com a Bolívia, determinada segundo as coordenadas geográficas Latitude (S) 18º58º46’’ e Longitude
057º43º09’’.
30

dispunham de mercadorias oriundas da Bolívia, a citar, produtos alimentícios (chocolate) e


artesanais (redes incas). Há também registrosde máquinas importadas para Bolívia,como
carretas, máquina de moer cana-de-açúcar, máquina de fabricar gelo. Os produtos originários
de outras cidades bolivianas chegavam a Puerto Suarez e partiam da Laguna Cáceres (BO),
percorrendo o Canal do Tamengo no Rio Paraguai até atingirem a Cuenca del Plata, no
Atlântico, e vice-versa.
Essa dessa dinâmica comercial acima aludida é a implicação direta do propósito de
fundação de Puerto Suarez que remete as reflexões de Neto (2009, p. 192): “[...] no
capitalismo, os territórios são elementos de poder estabelecidos no estrito valor-de-troca,
prevalecendo o domínio desta (segunda natureza) em detrimento da primeira natureza (valor
de uso/ocupação)”.
Cabe aqui apresentar o conceito de território e territorialidade que se utilizará para a
compreensão desta última a partir da presença do cativo, em território de fronteira,
especificamente em relação à “Pedra Branca”. Assim, temos as reflexões de Costa (2009, p.
62-63):
[...] o território é um espaço delimitado por e a partir de relações de poder.
[...] é o resultado das relações humanas- sociais, culturais, mas
fundamentalmente políticas-sobre um receptáculo físico que modifica e é
modificado pela sociedade [...] ao mesmo tempo em que é construído, o
território é destruído e reconstruído num mesmo movimento, chamado T-D-
R (territorialização- desterritorialização – reterritorialização).

E sobre territorialidade:
O uso do território é uma forma que se pode denominar territorialidade. [...]
a territorialidade é uma ação própria do território, enquanto este é o resultado
das ações dos seus autores endógenos em confronto com as territorialidades
exógenas e com aquelas que o atravessam (COSTA, 2009, p. 65).

Nesse viés interpretativo de Costa cabe destacar a comparação do sentido de fundação


do povoado de “Pedra Branca” com o de Puerto Suarez. É possível compreender que o
território boliviano de “Pedra Branca” teve sua ocupação pelos nativos como forma de
subsistência e não com o sentido e lógica de fundação de Puerto Suarez, visando este o
estabelecimento de relações comerciais com os Estados platinos e europeus. Portanto, “Pedra
Branca” a nosso ver, diz respeito ao valor de ocupação, de subsistência a que se refere Costa,
ou seja, não visou primeiramente atender a lógica mercantil capitalista, como a cidade de
Puerto Suarez.
Entretanto, se inicialmente “Pedra Branca” caracterizou-se como um território de
ocupação provavelmente étnica-indígena, posteriormenteincidiu sobre esse território
31

territorialidades econômicas. A matéria publicada no jornal corumbaense O


Iniciadorpossibilita-nos algumas reflexões sobre prováveis negócios realizados em “Pedra
Branca”. Em nota o editorial tece uma incisiva crítica dirigida ao uruguaio,Sr. Máximo
Polack, “[...] afirmam-nos que a Bolivia trata de instalar uma Alfandegana “Pedra Branca” já,
e que esta nomeado inspectordella o Sr. Máximo Polack. Que comentários não poderíamos
nós fazer sobre esta nomeação(O Iniciador, 1879, p. 1).
Ainda sobre a questão do “Contrabando”, título da matéria supracitada, na qual estava
envolvido o Sr. Polack, segundo o editorial, há a transcrição abaixo:
[...] introduziu neste porto, como em transito para a Bolívia, uma factura de
fazendas, entre as quais vinham umas camisas de “riscado”; a Alfândega
deixou sahir estas mercadorias prestando Polack uma fiança, ou caução, q´só
devia ser levantada quando o mesmo apresentasse certificado do Vice-
Consul brazileiro na Bolívia de terem ellas entrado nessa república. Tempos
depois Polack apresentou o certificado exigido, e em conseqüência levantou
a caução, consta, porém que essa factura, ou parte della foi vendida em
Corumbá, e que um comerciante desta praça comprara as camisas que della
faziam parte, e que também fora oferecer a outro comerciante, ficando
portanto defraudados os direitos nacionaes. Este facto, segundo nos consta,
fora levado pelo Inspector da Alfandega ao conhecimento do Inspector da
Thezouraria de Fazenda. Depois soube-se que este não era um único facto
desta natureza que se tinha dado e que outras mercadorias nas mesmas
condições foram introduzidas nesta cidade. Há pouco tempo Polack acaba de
estabelecer uma casa de comercio no lugar denominado “Pedra Branca”
(território boliviano) que se acha a 4 léguas d´esta cidade e mais ou menos a
uma légua do marco divisório de nossos limites com aquela republica (O
Iniciador, 1879, p. 2).

Essa matéria jornalística permite observar uma tensa negociação entre comerciantes
locais e estrangeiros, sobretudo, assegura empiricamente o que Valcuende (2008, p. 2) aborda
sobre o lícito/ilícito nas áreas de fronteira: “[...] se por um lado temos as estratégias estatais,
por outro lado temos as estratégias dos distintos atores que dividem o mesmo espaço e que
ocupam uma posição distinta em relação ao mesmo”. Ademais, incide sobre o território de
“Pedra Branca” territorialidades mercantis devido às relações estabelecidas naquele espaço,
principalmente por parte dos comerciantes.

1.3 Fronteira em que o Brasil foi Paraguai.

Diferentes correntes historiográficas discutiram o conflito da Guerra do Paraguai.


Entretanto, neste momento não cabe adentrar nas questões nodais sobre o processo da guerra e
seu desfecho, interessa apontar os fatores que a desencadearam.
32

Nessa medida o conflito: “[...] teve como pano de fundo o expansionismo do Paraguai,
a ação indireta dos ingleses na navegação e as frequentes competições entre Brasil, Paraguai,
Argentina e Uruguai pela navegação no Rio Paraguai” (BRAZIL, 1999, p.171). Dessa forma,
a Guerra do Paraguai foi, na verdade, resultado do processo de construção dos Estados
Nacionais no Rio da Prata e, ao mesmo tempo, marco nas suas consolidações (DORATIOTO,
2002).
Volpato (1993, p. 83) articula sobre a necessidade de se considerar a guerra como
parte de uma totalidade de ordem macro, pois:
[...] marcam o avanço do capitalismo, quando a Inglaterra deixou de ser a
única nação capitalista do mundo e teve que enfrentar a concorrência e a
disputa por mercados com países como a Alemanha, os Estados Unidos e o
Japão.

As regiões da Província de Mato Grosso- Coimbra, Corumbá, Miranda, Nioaque e


Dourados, dentre outra – foram ocupadas por duas tropas paraguaias em dezembro de 1864,
além da cidade de São Borja, Itaqui e Uruguaiana da Província do Rio Grande do Sul
(MOURA, 2008).
Vincular a questão do recrutamento à transição da mão-de-obra (escrava por livre) nos
permite entrever o que as instituições sócio-políticas indagavam a respeito da questão do
recrutamento. “[...] não dispunha, então, de homens livres de reserva, e se existisse tal reserva
estaria comprometida pela transição nos setores produtivos [...]” (SOUSA, 1996, p. 38).O
autor sinaliza que o conflito colaborou para a desarticulação do trabalho escravo uma vez que
grande contingente foi recrutado. A esse respeito dos cativos que foram libertos, e alguns
comprados, pelo governo Imperial para servirem como praças nas forças armadas, acredita-
seque:
[...] dos 7.752 libertos dos cinco anos de guerra, 37% obtiveram alforria sob
a explicita condição de marcharem para a guerra, enquanto 63% ganharam a
liberdade por outras razões. Sendo que no biênio 1867/68 as alforrias para a
guerra superaram as alforrias por outros motivos (SOUSA, 1996, p. 95).

Quanto à guerra e escravidão na Província de Mato Grosso, segundo Volpato (1993, p.


62-63): “Os cativos, quando fugiam dos regimentos tinham um endereço certo: procurar os
diversos quilombos que existiam nos arredores de Cuiabá, pelo interior da província, ou se
internavam na Bolívia ou no Paraguai”. Volpato (1993) indica que o alistamento dos cativos
para lutar na Guerra do Paraguai foi, para estes, uma alternativa, cuja lógica implicava na
obtenção da liberdade “plena”, pois seria materializada com a deserção dos vínculos militares
que os aprisionavam.
33

Acerca do contexto do fim da Guerra do Paraguai (1870), com seu término ocorreu a
reabertura da navegação no rio Paraguai e o governo Provincial de Mato Grosso a fim de
reconstruir economicamente a cidade de Corumbá, parcialmente arruinada no pós-guerra, e o
estabelecimento de leis de incentivos fiscais (isenção de impostos) para os comerciantes que
quisessem se fixar na localidade. Com essa política iniciou-se um novo ciclo econômico na
região que teve na pecuária, inicial e especificamentea carne bovina, em destaque, o charque
(carne-seca), o pilar de sustentação da economia local e da região. Portanto, deve-se
considerar que o ciclo econômico desenvolvimentista ocorrido se fortaleceu devido ao
estabelecimento do comércio de exportação e importação realizado pelos negociantes
capitalistas brasileiros, platinos e europeus, em que os derivados de gado vaccum foram
fundamentalmente responsáveis pelo desenvolvimento da economia local.
No bojo do desenvolvimento do setor econômico de Corumbá, navios de passageiros
atracaram no porto da cidade trazendo os imigrantes. Necessário atentar-se que no período de
guerra Corumbá contou com variada população de migrantes, oriundos de outras Províncias
do Império, causada pelo efetivo militar convocado para a Guerra do Paraguai.
A partir desse momento, em escala nacional, a política de incentivo e financiamento
do governo central brasileiro visava atender as demandas do capitalismo. Foi, portanto,
produto de forças exógenas, ou seja, determinações socioeconômicas, que preconizava a
divisão internacional do trabalho (especialização do trabalhador) em substituição a mão-de-
obra escrava.
Sobre o imigrante Sayad (1998) esclarece que é o fator econômico que origina a
imigração, em outras palavras, é a oferta de emprego que justifica o imigrante. Em escala
local, “os imigrantes europeus, platinos e migrantes nacionais que chegaram à Província de
Mato Grosso, vieram em busca de enriquecimento” (CORRÊA, 1999, p. 202).
Sob essa perspectiva Souza (2008), ao analisar o desenvolvimento da cidade
corumbaense no pós Guerra do Paraguai, recorreu ao termo “Corumbá cosmopolita”. Para o
autor o desenvolvimento econômico e social da cidade se vincula à presença de imigrante e de
comerciantes capitalizados, cuja materialidade está expressa na efervescência cultural,
econômica e social da cidade fronteiriça, tal como nas construções que serviram de morada e
comércio, localizado na Rua do porto fluvial da cidade.
Em mesmo viés interpretativo acerca dos imigrantes em Corumbá, é possível apontar
o desenvolvimento de alguns setores sociais:
[...] Corumbá contava com cerca de 20 nacionalidades diferentes convivendo
em torno de um intenso comércio regional e internacional. Eram franceses,
34

italianos, portugueses, sírios, libaneses, paraguaios, macedônios entre outros


(OLIVEIRA, 2005, p. 351).

O fluxo de imigrantes em direção a Corumbá ocorreu com o fim da Guerra do


Paraguai, período em que a circulação de europeus e platinos tornou-se mais efetivo. Os
paraguaios, ao encerrar o confronto, permaneceram na cidade. Já os bolivianos, por questão
da proximidade fronteiriça e de oportunidade de trabalho, sobretudo na área rural de
Corumbá, também se fizeram presentes.

1.4 Breve contexto pós-guerra: Corumbá em fins do período escravista brasileiro.

Terminada a Guerra contra o Paraguai, o governo da Província de Mato Grosso


determinou o estabelecimento de uma tropa do exército na fronteira de Corumbá com a
Bolívia “[...] acompanhada por um grupo de mercadores encarregados de abastecer a tropa
que atraíram, posteriormente, um maior número de pessoas e comerciantes” (CORRÊA, 1980,
p. 58).
O Arsenal da Marinha estabelecido em Ladário, nos arredores de Corumbá, contribuiu
com a presença de militares para o aumento de migrantes provenientes de diversas partes do
interior do país. Vale ressaltar que os transfronteiriços bolivianos também chegavam a
Corumbá não somente por estrada de terra, mas entravam e saiam através do Canal do
Tamengo7, se dirigindo a Puerto Suarez e imediações.
Embora a cidade fronteiriça brasileira estivesse vivendo um período
desenvolvimentista representado pelo fluxo de capital mercantil, advindo das transações entre
os comerciantes locais e capitalistas estrangeiros, a opulência econômica desse setor não se
estendeu, de maneira geral, à população.
As dificuldades dos demais setores sociais de Corumbá, no caso os fazendeiros
proprietários de cativos, Esselin (2003) aborda que a presença do trabalho cativo nas fazendas
do Pantanal não foi significativa, em função de seu alto preço e da crônica penúria financeira
dos latifundiários.
Nesse contexto, as reflexões de Moura (2008, p. 227) conduzem a relacionar o alto
preço do cativo a seu quantitativo:

7
Canal hídrico que desagua no rio Paraguai, de soberania compartilhada entre Bolívia/Brasil e em suamaior
extensão em território brasileiro, navegável no século XIX.
35

[...] dos que sobreviveram a Guerra do Paraguai os dados apontam para


3.361habitantes, sendo 3.086 livres (91%) e 275 escravizados (8,2%). [...] os
dígitos percentuais podem nos conduzir que o nº de cativos foi mínimo. Mas
há que se considerar que grande parte dos proprietários de cativos não
faziam o devido registro de suas “peças”, [...] por estarem suas fazendas em
áreas distantes da cidade onde a junta abolicionista se reunia.

Tabela 1 - Registro de batismo de filhos de cativos em Corumbá (Século XIX).


NOME IDADE NASC. BATISMO FILIAÇÃO PADRINHO/ ANO
MADRINHA
Anibal 9 meses 27/12/1871 29/09/1872 Thereza Maria Antonio Miguel da 1872
Costa Leite
Agostinho 28/09/1872 02/11/1872 Felizarda Antonio 1872
Pedro/Benedicta
Maciel
Delfino 30/04/1873 17/02/1873 Delfina 1873
Dorothea 19 dias 25/02/1872 Clara Inácio 1872
Gomes/Eulalia da
Cunha
Dulcea 4 meses 23/02/1873 Amélia AntonioGorgano/M 1873
aria Sebastiana
Conceição
Franscisco 04/09/1872 10/11/1872 Ignez Joaquim T. 1872
Ribeiro/Gertrudes
Juvencio 12/10/1873 Clementina 1873
Maria 15 dias 02/04/1873 Vicencia Pedro Pessoa/Isabel 1873
Fernandes
Maria 29/09/1872 Lucinda Maria 1872
Gomes
Samuel 9 dias 23/02/1873 Francisca A intercessão da 1873
Virgem Maria e
Frei Mariano de
Bagnaia
Fonte: Câmara Municipal de Corumbá. Ofícios de “Registro de Batismos de Escravos” dirigidos à Câmara de
Vereadores de Corumbá - século XIX(Organizado pela autora).

Reportando-nos a tabela acima, aponta para além de um número reduzido de


nascimento de filhos de cativos, entre os anos de 1871 e 1873. O importante é que essas
crianças podem ser uma indicação de formação de famílias de cativos, dado que havia uma
concentração na região de Piraputangas, vilarejo localizado na área rural próxima a cidade de
Corumbá onde foram realizados os batizados. O maior proprietário de cativos da região, Sr.
Joaquim Gomes da Silva, o barão de Vila Maria, foi fazendeiro e morador da localidade,
possuía em seu plantel um número expressivo de cativos, ao total de 39. (CANCIAN, 2006).
Embora não seja possível afirmar, o documento acima dá indícios de formação de famílias de
cativos.
A Lei nº 2040 assinada em 28 de setembro de 1871, conhecida como Lei do Ventre
Livre, estabelecia que os filhos de escravos nascidos no Império do Brasil seriam
considerados livres a partir dessa data. Importante, para apreensão do início do processo de
36

desarticulação do regime escravista brasileiro, ao estabelecer relação com a Lei nº 601 de 18


de dezembro de 1850, denominada Lei de Terras. Lei restritiva de acesso à terra, que
determinava que a aquisição de terra no Brasil se daria por meio da compra em que uma das
alternativas foi encarecer o preço da terra, isto é, torna-la inacessível ao que só possuíssem
força de trabalho, impedindo a posse gratuita de terras aos menos favorecidos (GADELHA,
1989).
A Lei Eusébio de Queiroz, criada em 1850 para impedir o tráfico atlântico de escravos
para o Império do Brasil, foi resultante de pressões sofridas pela política econômica da
Inglaterra que, hegemônica, necessitava de mercado consumidor para as demandas de sua
produção industrial. Assim, entende-se estarem imbricadas as leis acima, no sentido de que
naquela ocasião o governo brasileiro antevia que o fim de seu sistema econômico, apoiado na
economia política da escravidão, era uma questão de tempo. Com a Lei de Terras o governo
garantia a posse à elite econômica e com a Lei Eusébio de Queiroz a monarquia articulou
medidas em gabinetes a fim de retardar o fim do sistema escravista brasileiro.
Nessa perspectiva, sobre o quantitativo de cativos existentes em Corumbá, temos que
considerar a historiografia brasileira indicando o seu alto preçopor ocasião do fim do período
escravista. Enfim, Brazil (2002) enfatiza que se a quantidade fosse comparada com as demais
províncias do Império, realmente a proporção de cativos não seria a mesma na região de
fronteira. Entretanto, se relacionada com o contingente matriculados na capital da Província
de Mato Grosso, Cuiabá, a presença da mão-de-obra em Corumbá é considerável dentro das
especificidades histórico-sociais do fim do sistema escravista brasileiro no qual Corumbá era
parte integrante dessa totalidade.
37

2. CONTEXTO CAPITALISTA SISTEMA ESCRAVISTA: CORUMBÁ EM FINS


DOS OITOCENTOS.

2.1 Ordenamento do território.

Os países europeus, Alemanha, Bélgica, França e Inglaterra, e o da América do Norte,


Estados Unidos, países de economia próspera, em atendimento às demandas do ciclo de
acumulação capitalista, entraram em concorrência entre si, o que foi intensificada pelo
crescimento econômico de 1880 (HOBSBAWN, 2010).
Mamigonian (1986) afirma que a navegação a vapor fomentou a expansão das relações
comerciais internacionais capitalistas, propiciando o aumento do setor exportador dos países
detentores de tecnologias, de forma que esses Estados imperialistas8 tinham como política
econômica o Liberalismo que, dentre os demais fatores, visava conquistar o mercado
consumidor através de transações comerciais da exportação de produtos industrializados para
os países não industrializados e importar matérias-primas para a indústria.
Em escala local, a economia de Corumbá ocorreu inicial e fundamentalmente a partir
da produção e exportação da carne de charque, como também de subprodutos do gado bovino,
a citar o couro seco vacum (couro de gado). Como exemplo temos o caso do português
Manoel Cavassa que, ao fim da Guerra do Paraguai, lamentou a perda de sete mil couros
secos. (CAVASSA, 1997 apud TARGAS, 2012). Esse fato nos permite relacionarmos com o
número de reses abatidas, provavelmente, para a produção de charque em vista de ser esse
produto a base da economia local.
Embora Corumbá já estivesse vivenciando novas territorialidades econômicas e
sociais, advindas das negociações realizadas pelas casas comerciais locais, e materializadas no
fluxo de navios por mercadorias e pessoas que (des) embarcavam no porto de Corumbá, é de
extrema relevância considerar que a mão-de-obra escrava ainda se fazia presente na cidade.
Nessa perspectiva de análise, como dado empírico há o inventário de Thiago José
Mangine (1884). Nos Autos de Avaliação da herança foram arrolados como bens semoventes
cativos, de acordo com a transcrição:

8
Imperialismo segundo Lenin é a etapa superior ao capitalismo. Regime de transição do capitalismo para o
socialismo- e a contradição que o preside- o crescente antagonismo entre a socialização das forças produtivas em
escala mundial e a apropriação privada dos meios de produção por uma oligarquia financeira. In: Por que voltar
a Lenin? Imperialismo, barbárie e revolução. Edição eletrônica (e-book). Disponível em:
<www.navegandopublicações.net>. Acesso em: 13 fev. 2014.
38

Maria, escrava de cor preta, 29 anos de idade, solteira de serviço doméstico,


matriculada sob número de ordem 3.215 no município de Uberaba de Minas
Gerais, e averbada neste município sob nº 260 avaliada por 800$000 réis.
Luiza, preta, 14 anos de idade, solteira, serviço doméstico, matriculada em
Cuiabá averbada em Corumbá, avaliada por ser de má conduta e viciada
avaliada por quatro centos mil reis. Claudina, preta 32 anos de idade,
matriculada na Capital de Goyaz e averbada neste município e avaliada por
800$000 réis. Violante, preta 47 anos de idade, lavadeira, solteira, avaliada
por 200$000 réis “[...] achando-se fugida desde 1º de dezembro de 1880”9.

Este documento aponta para a ocorrência do tráfico interprovincial. Sobre isso temos a
matéria publicada no O Iniciador (17/10/1880), comunicando à população fronteiriça a
chegada do vapor Dona Constança, procedente de Cuiabá, que trazia a bordo 41 passageiros e
cinco cativas, três do Coronel Antônio Pedro Alves de Barros, uma do Doutor Antônio José
d‟Sant‟anna e uma de Thiago José Mangine (comerciante atacadista e fazendeiro).
O documento mostra igualmente a fuga da cativa Violante ocorrida no ano de 1880.
Decorridos cinco anos a cativa ainda não havia sido capturada, conforme data do Auto de
Avaliação (12 de fevereiro de 1885). A cativa, à guisa de compreensão particular, protagoniza
sua história, possivelmente conquistando a liberdade desejada. Ainda que os vestígios
documentais não possibilitem afirmarmos para onde fugiu, há que se considerar que a ação de
fuga de Violante ocorreu em território de fronteira.
A respeito da presença de cativos vindos de outras regiões para Corumbá temos a
abertura do Inventário de Salvador Arruda Lobo nos autos de arrolamento dos bens a serem
inventariados, dentre eles, os bens considerados semoventes: Simplício (25 anos), Martinha
(18 anos), Antônio (5 anos) Candido (2 anos), Prudência (35 anos), Vicencio (35 anos), Joana
(30 anos), Eva (30 anos) e Theresa (16 anos), todos eles trabalhadores de lavoura da região de
Minas Gerais10.
Esse documento é relevante, pois fornece elementos para pensarmos na composição
variada de origem dos cativos presentes em Corumbá. Era prática do universo escravista a
mobilidade social do cativo inter e intraprovincial, fato que seria anos mais tarde proibido.
Em Corumbá, no intuito de coibir a chegada de mão-de-obra escrava como retaliação aos que
descumprissem o estabelecido, a Câmara de Vereadores estabeleceu um imposto no valor de
500#000 réis a cada cativo que chegasse à cidade, procedentes de outros lugares da
Província11.

9
Inventário de Thiago José Mangini (1885), fls 108-109. Arquivo do Fórum de Corumbá (MS).
10
Inventário de Salvador de Arruda Lobo fls26/27. 8/09/1872.Arquivo do Fórum Municipal de Corumbá(MS).
11
Relatório da Câmara Receita e Despesa Anual, nº 27, 1885.Arquivo do Fórum de Corumbá (MS).
39

Assim, em 30 de junho de 1885 a Câmara de Vereadores apresentou o Relatório sobre


escravos vindo de fora do município:
[...] a Câmara como fiel interprete dos sentimentos do povo não pode se
estender por todo Império e não dispondo de recurso não ousa pedir verba
pra esse fim, mas no seu orçamento pedi-lo o imposto prohibitivo de
introdução de escravos no município e nacidade de Corumbá e ella espera
que localizados assim os que existirem tenha fácil solução por iniciativa
particular ajudada com o fundo de emancipação anual.12.

Conforme o documento pode-se apreender que o valor cobrado pela Alfândega não
impediu que ocorresse mobilidade espacial do cativo, uma vez que haviam decorrido cinco
anos após a criação do imposto que proibia a entrada dos mesmos na cidade (1880). A
Câmara de Vereadores ainda trabalhava no sentido de arrecadar valor em espécie do Fundo de
Emancipação da cota destinada pelo governo para a indenização dos proprietários de cativos.
Desse modo, o discurso dos Vereadores no relatório é direcionado para o fim da escravidão
em Corumbá, uma vez que sugere, sutilmente, a liberdade de cativos promovida por iniciativa
particular complementada com ajuda do governo representada pelo Fundo de emancipação.
Sobre o ordenamento do território de Corumbá, a política do governo central autorizou
o governo regional de Mato Grosso a tomar medidas econômicas (isenção de impostos por
cinco anos para os comerciantes que se estabelecessem na localidade) e político-
administrativas de caráter militar, ocasião (1872) que foi autorizada a construção do Arsenal
da Marinha na fronteira, em Ladário, parte Leste dos arredores de Corumbá. Nessa época
chegaram militares da marinha de Cuiabá que foram transferidos para servir na fronteira e os
caixeiros-viajantes (comércio informal), com suas mercadorias abasteciam a tropa militar
(CORRÊA, 1980). Este registro agrega no sentido de apreendermos que o comércio local era
formado por atacadistas exportadores e importadores, como também por mascates que
movimentavam o comércio da fronteira.
A política econômica do governo incentivou os comerciantes capitalizados da região
platina e do interior de outras Províncias do Império a se estabelecerem na cidade. Este fato
oportunizou osurgimento de um novo grupo social, comerciantes atacadistas exportadores e
importadores que somados aos fazendeiros proprietários de charqueada, profissionais liberais
e agentes institucionais Alfândega, Câmara Municipal de Vereadores, Forças Armadas Militar
(Exército e Marinha), Poder Judiciário (Cadeia, Cartório, Delegacia de Polícia, Fórum)
compuseram - junto aos demais atores (cativos, (i) migrantes, locais (nativos), grupos étnicos
indígenas) - o tecido social da fronteira de Corumbá.

12
Idem.
40

Já o “lado de lá”, parte extrema Oriental da República da Bolívia, Chiquitania,


pertencente ao Departamento de Santa Cruz na fronteira Corumbá/Puerto Suarez, localizava o
povoado de “Pedra Branca” e o destacamento militar boliviano de mesmo nome. Importante
ressalvar que não cabe neste trabalho adentrar nas questões de identidade étnica da população
boliviana que vivia em “Pedra Branca”. Logo, abordaremos de forma sintética a presença da
população nativa que vivia na Chiquitania, visto que as fontes não permitem afirmações sobre
a procedência do morador de “Pedra Branca”. O território onde localizava a população aqui
tratada pertencia à região da Chiquitania boliviana. O fato é que “[...] se hoje o Chiquitano é
chamado de Campesino outrora foi tido e reconhecido como comunidad indígena, na Bolívia”
(SILVA, 2013, p. 111).

2.2 O “escorregar da fronteira”: bolivianos e paraguaios

Ao tratarmos de questões que envolvem a imigração devemos considerar que se


relacionam a território e territorialidades, sendo estas produzidas por diversos atores sociais
que atuam no território e o reconfiguram, imprimindo singularidades. Nesse sentido o
imigrante ao se estabelecer no território, pode transformá-lo alterando-o de acordo com suas
territorialidades materiais (práticas) e simbólicas (saberes).
Sobre a presença do imigrante em Corumbá, Sena (2013) aponta que “[...] somente em
1876, ingressaram 1.276 imigrantes e deixaram a cidade 224 imigrantes” (SENA, 2013, p.79).
E ainda acrescenta:
A mão de obra européia foi dirigida em grande escala para as regiões
agroexportadoras do Império e que possuíam maiores recursos econômicos
para agenciar a vinda de estrangeiros, o que não ocorreu em Mato Grosso
[...] Mesmo com tais dificuldades a vinda de imigrantes para a referida
província ocorreu, em menor escala de pessoas do “Velho Mundo” e com
maior presença de paraguaios, bolivianos e argentinos (SENA, 2013, p. 81).

Em escala local, acerca da presença do transfronteiriço boliviano, temos o Sumário


Crime13 em que o réu era José Maria Pessoa, 25 anos, solteiro e boliviano de Chiquitos. Nesse
processo estiveram envolvidas vinte pessoas arroladas no processo, sendo que dez dessas
pessoas eram de nacionalidade boliviana. Assim, conforme transcrição, o réu, a vítima e
Pedro Vaca, André Mathias, André Dionizio, Leandro de tal, Gregório de tal, Joaquim
boliviano, Pedro Ignácio, Zoilo, bolivianos nascidos em San Thiago de Chiquitos. Dentre
essas pessoas estavam moradores do Jacadigo, do Urucum e da cidade. Pedro Vacca, 40 anos,

13
Sumário Crime: réu José Maria Pessoa.3/2/1885, p.32.Arquivo Público do Fórum de Corumbá(MS).
41

casado e morador de Jacadigo (arredores de Corumbá), apresentou queixa contra José Maria
Pessoa (caracterizado no processo como chiquitano), arrolado como autor do crime praticado
contra Sr. Thimotéo, peão e morador do Jacadigo.
Este processo criminal é relevante, porque permite apreendermos para além das
interações entre bolivianos, imigrantes e locais, uma que a mobilidade espacial dos sujeitos de
regiões distintas, verificado neste caso envolveu uma dinâmica dos espaços urbano e rural,
que neste trabalho são analisados em conjunto, compreendidos como região de fronteira.
Já a corrente migratória de paraguaios para o Brasil, principalmente para a fronteira do
Brasil com a Bolívia, em Corumbá, ocorreu por causa da Guerra do Paraguai. Com o seu
término, em função da instabilidade política, houve crise financeira e miséria da população
paraguaia.
Sobre a presença dos imigrantes paraguaios em Corumbá:
[...] uma grande parte desses imigrantes é do sexo feminino e compõem-se
em sua quase totalidade de mulheres perdidas, da mais baixa espécie, [...]
que trazem consigo os vícios mais repugnantes e aqui se vêm entregar a mais
imunda devassidão fugindo completamente a todo e qualquer trabalho
(CORRÊA, 1999 apud SIQUEIRA, 2009, p. 42).

Acerca do quantitativo de imigrantes paraguaios o geógrafo e historiador João


Severiano Fonseca, em passagem por Corumbá, assinalava “[...] Cerca de três a quatro mil
paraguaios, em meados desse ano, afluíram a ela, acompanhando nossas forças, mandadas
retirar de Assunção [...]” (FONSECA, 1880, p. 299). Assim, viu-se, de repente, a vila com
uma população quase dobrada. O Iniciador publicou uma matéria do Consulado da República
Paraguaia comunicando, por meio de Edital, que o governo criou política de imigração para
quem quisesse se estabelecer no Paraguai. O governo paraguaio apresentava o país da
seguinte forma:
[...] instituições eminentes liberaes y um gobiernopatriotico que há sabido
aprovecharlasventajas de la paz, firmando nos elementos del progresso
moral y material [...] os emigrantes agricultores terão que solicitar al
gobierno paraguaio concessão de terras que será promptamente atendidos[...]
o emigrantes serão alojados e mantidos de lanacion durante 5 dias seguintes
ao su desembarco e sus tranporte para qualquer local da República Paraguaia
que queira fixar domicilio sera pago pelo referido gobierno.(O Iniciador,
08/01/1882, p.2).

Conforme a transcrição, a política do governo paraguaio para conseguir repatriar e


povoar o território paraguaio onde o quantitativo populacional sofrera baixas expressivas com
a guerra e as implicações destas, de maneira que, o governo faz a propaganda, através do
jornal, de uma República perfeita, onde os poderes estão instituídos, autônomos e justos,
42

retratando uma sociedade pacífica e com oportunidades para os que ali retornassem.Cabem
aqui as reflexões de Grimson (2000) que, ao analisar a presença dos atores políticos
institucionais estabelecidos na área de fronteira, entende que o Estado central, regional e local
fixa normas e cria estruturas organizacionais administrativas que atendam aos interesses da
classe e/ou instituições que o representam:
[...] regulam o ingresso e egresso de mercadorias e pessoas [...] fixa e troca
normas comerciais e de segurança para as zonas de fronteira, edifica sede de
administrações, envia funcionários de outras regiões, intervém na vida
cotidiana da fronteira [...] tem delegações de aduanas, migrações,
consulados, policiais e regimentos do exército (GRIMSON, 2000, p. 4).

De maneira que o reordenamento do território de Corumbá se deu em função dos


vetores exógenos representado pelo avanço da economia capitalista mundial com
repercussões em escala local, e por questões endógenas representadas pela política econômica
do governo regional da Província mato-grossense que visava o reerguimento da economia
local da cidade fronteiriça arruinada pela guerra.

2.3 Corumbá hegemônica: interação socioeconômica- Corumbá/ Puerto Suarez/ Bacia


Platina

Em 1875 Corumbá contava com o setor econômico em expansão. É justamente nesse


período que Puerto Suarez foi fundada. O governo boliviano concedeu ao Sr. Miguel Suarez
Arana concessão de direitos aduaneiros de exportação e importação, em contrapartida este se
comprometeu a fazer uma estrada (carretera) que permitisse o fluxo de mercadorias e pessoas
de Santa Cruz de laSierra em direção à Puerto Suarez e vice-versa. Foram importadas
mercadorias das regiões platinas e da Europa para Santa Cruz, que passavam pelo porto
boliviano localizado na margem direita da Laguna Cáceres:
[...] no ano de 1880 foi intruduzida trienta i seis carretas hacen seis anõs una
maquina a vapor para molienda de caña de azucar i tambien en el anõ de
1878 foe intreducida a esta ciudad una máquina a vapor para fabricarse
hello. (O Iniciador, 08 de agosto de 1880).

Decorridos cinco anos de fundação de Puerto Suarez, em 1880, comerciantes de Santa


Cruz e da província de Chiquitos fizeram um abaixo assinado, composto por 42 assinaturas,
endereçadas ao Ministro da Fazenda da Bolívia. O que motivou o protesto foi a concessão do
governo boliviano à Suarez Arana. Os comerciantes argumentavam que, a partir de recursos
próprios, haviam aberto um caminho por onde escoavam as mercadorias de Chiquitos a
Corumbá. A questão central do documento trata de ações dúbias de Arana, visto que ele, ao
43

estabelecer um caís em Puerto Suarez, passou a reter para si a terça parte dos impostos de
exportação e importação das mercadorias provenientes do interior da Bolívia:

[...] Suarez Arana queda por casi dos jeneraciones du enõ de las terceras
partes de los derecho de importacion y exportacion por el total del Oriente
del Bolívia: isto sem garantia alguna al Fisco por la tercera parte de los
mismos derechos i para que los indios del distrito de Outuquis não puedem
negarse a los trabajos del Sr. Suarez. [...] y el comerciante no tenga
absolutamente recurso de reclamacion sino al supremo gobierno, assumió el
los poderes políticos, militares y consulares [...]. (O Iniciador, 08 de agosto
de 1880).

Segundo o documento transcrito, o Sr. Miguel Suarez Arana pagou ao governo


boliviano o valor de dois mil bolivianos (moeda oficial) referente ao título recebido de Consul
da Bolívia em Corumbá. O fato é que o controle aduaneiro das mercadorias entradas e saídas
do território boliviano foram, conforme a documentação aponta, centralizadas na pessoa do
Sr. Suarez Arana. Na perspectiva da lógica de fundação da cidade de Puerto Suarez, cabe
refletir que relações e conflitos na constituição de cidades comerciais estão relacionados a
questões de ordem econômica (GRIMSON, 2000).
E ainda, sobre a presença dos atores sociais e políticos presentes nas regiões
fronteiriças, como Corumbá e Puerto Suarez, refletimos que:
[...] el Estado central encuentra algunas de sus funciones “clásicas”
condensadas en la frontera: el control territorial implica en ejercicio de la
regulación sobre el ingreso y egreso de personas y mercaderías, el ejercicio
del monopolio impositivo implica la aplicación de aranceles a los productos
que ingresan. Este actor institucional fija y cambia normativas comerciales y
de seguridad para las zonas fronterizas, [...] tienen delegaciones de la
aduana, policía militar, consulados [...] (GRIMSON, 2000, p. 4).

Pode-se inferir que as instituições governamentais, com suas políticas, cumprem o


papel de agente do Estado no controle e segurança de fronteira. Ainda sobre a questão que
envolve o Sr. Arana, observa-se que as negociações do setor privado (comerciantes de Santa
Cruz e Chiquitos) com o governo boliviano foram marcadas por conflitos que “[...] van
delineándos e y transformando la característica de la frontera”. (GRIMSON, 2000, p.4).
Gilberto Luiz Alves (1984)14, discorre sobre a matriz econômica desenvolvimentista
local materializada nas Casas Comerciais (exportadoras e importadoras):

14
Ver ALVES, Gilberto Luiz. Mato Grosso e a História:1870-1929.
44

A casa comercial monopolizava a navegação e o comércio de importação e


exportação de mercadorias; através do crédito, financiava a exploração de
novas atividades econômicas em Mato Grosso ou a expansão das existentes,
aproximando-se, em seu funcionamento do próprio banco; finalmente,
começava a participar diretamente da produção, arrendando e comprando
terras para extrair a borracha e explorar a pecuária extensiva (ALVES, 1984,
p. 31-32).

Acrescentando ainda que: “Inicialmente, o capital financeiro teria utilizado como canal
as próprias casas comerciais, que se tornam então, representantes (isto é, intermediárias) de
bancos nacionais e estrangeiros” (ALVES, 1984, p. 39).
Em perspectiva distinta Queiroz (2008), questiona a interpretação de Alves, uma vez
que aquele entende que o crescimento do setor econômico de Corumbá, após a Guerra do
Paraguai, não foi expressivo e a economia local, para Queiroz, só apresenta um desempenho
melhor ao se comparar com o movimento econômico de Corumbá no período antes da Guerra
do Paraguai. Nessa linha de pensamento, o autor pontua que Alves:
[...] superestima tanto quantitativamente como qualitativamente as
transformações verificadas após a liberação da navegação e, no mesmo
passo, supervaloriza também os papeis desempenhados tanto pelo capital
comercial quanto pelo capital financeiro(QUEIROZ, 2008, p. 136).

Relevante neste momento, apontarmos que nesta pesquisa, não analisaremos em


separado o espaço geográfico rural e urbano visto que a área de fronteira engloba esses
espaços, são, portanto, partes conjuntas que integram a totalidade da área de fronteira.
Ademais as medidas administrativas e econômicas do governo regional e local para Corumbá,
no tocante às suas aplicabilidades não dissociavam o rural do urbano.

2.4 Territorialidades escravistas na fronteira: escravidão e liberdade

Ao estabelecermos relações entre as categorias analíticas - escravidão e fronteira-


servimo-nos das reflexões de Machado sobre as relações de aproximação e troca que podem
ocorrer entre os variados agentes que vivem o cotidiano da fronteira, uma vez que “[...] no
espaço de fronteira, a zona de fronteira se compõe de atores, que, ao mesmo tempo são
produtos e processos das interações econômicas, culturais e políticas, tanto, espontâneas como
promovidas” (MACHADO, 1988, p. 46).
Acerca das interações traçamos uma analogia com a cadeia de Corumbá, espaço
privilegiado para se analisar as prováveis interações ocorridas principalmente entre cativos e
bolivianos com emigrantes, imigrantes e locais. Portanto, ao referirmos às sociabilidades,
45

considera-se a ideia da existência de uma “rede” de integração entre diversos atores sociais e
institucionais na área de fronteira entre Corumbá e Puerto Suarez. A rede:
[...] apresenta a propriedade de conexidade, isto é, através da conexão de
seus nós, ela, simultaneamente, tem a potencialidade de solidarizar ou de
excluir de promover a ordem ou a desordem [...] tem as estratégias: de
circular e comunicar (DIAS, 1995, p, 147).

Nessa perspectiva há provavelmente um momento de interação entre os sujeitos no


espaço da cadeia local. O Iniciador publicou uma matéria da Delegacia de Polícia a qual
apontava que estavam presas na cadeia 44 pessoas, em sua maioria homens. Dessa população
carcerária 20 foram soltas e continuaram detidas 24. Aqueles que continuaram presos tinham
diferentes nacionalidades: bolivianos, italianos, franceses, paraguaios, português, e entre eles
cumpria pena o cativo João do “engenho” (O Iniciador 22/02/1880).
Em outra oportunidade o Jornal apresenta que no espaço da cadeia havia a presa Maria
Domingas à disposição do seu senhor, porém a matéria não faz alusão ao “proprietário” da
cativa (O Iniciador- 18/07/1880).
Ainda sobre o espaço da cadeia estiveram presos, entre os dias 15 e 31 de outubro, 31
pessoas dentre as quais Barbara e Justino, cativos que foram capturados por tentativa de fuga
(O Iniciador- 04/11/1880).
As relações sociais entre cativos e livres ocorreram em outros espaços, não somente na
cadeia. Em 1883 o juiz de Orphãos, Antônio Joaquim Malheiros tornou público por meio do
jornal O Iniciador o desentendimento dele com a baronesa de Vila Maria, em que aquele era
credor da herança do Barão de Vila Maria, herança estava sendo inventariada pela viúva. O
juiz Antônio Joaquim Malheiros mandou publicar no jornal local, com a intenção de “provar”
que a inventariante tinha condições de pagá-lo, uma vez que a relação dos bens
correspondentes à herança do Barão de Villa Maria era vultosa, ultrapassava, portanto, o valor
da dívida da viúva com o Ex. Sr. Malheiros. O documento não esclarece a quantia e os termos
do que fora combinado entre o Barão e o juiz Antônio Joaquim Malheiros.
Esses dados empíricos possibilitam apreender um dos momentos da dinâmica
escravista da área de Piraputangas, região pertencente ao município de Corumbá,
considerando que na parte da descrição dos bens da inventariante publicado no jornal
observam-se as relações de trabalho envolvendo cativos e camaradas15. Assim, entre os bens
arrolados no inventário temos várias moradas (casa principal, casas para hóspedes, casa para
enfermarias, moradas de animais e as senzalas). Fato interessante é que todos os abrigos são

15
Ver SENA, Divino M. Camaradas: Livres e pobres em Mato Grosso. 1808-1850.
46

descritos em detalhes, a citar a cobertura diferenciada dos lugares, sendo a casa grande
principal, os três quartos de hóspedes e o quarto da enfermaria cobertos por telhas; as demais
dependências ou eram cobertas por zinco, “[...] galpões onde se guardava açúcar, ferramentas,
alambiques, moendas etc.[...] e sete galpões pequenos cobertos de palha e sapé que servem de
senzalas aos escravos e camaradas [...]” (O Iniciador, 1883, p.3).
No documento acima depreende-se que as características da construção e cobertura da
casa da viúva do barão de Vila Maria representa a distinção da posição social dos seus
moradores.
Dessa forma, percebe-se que em Piraputangas, na fazenda de mesmo nome, havia uma grande
concentração de cativos cuja propriedade era do Barão de Vila Maria, tal como foi apontado
pela pesquisadora Cancian (2006) no registro de Classificação dos escravos a serem libertos
pelo Fundo de Emancipação (1873): 84 mulheres escravizadas sendo 19 aproximadamente
23%, pertencentes ao barão de Vila Maria.
Com o exemplo acima tencionamos apontar para além da provável rede de
sociabilidades, solidariedades e conflitos entre esses agentes territoriais. Neste estudo, sobre
as interações dos cativos e demais agentes sociais que viviam a/na fronteira, a constituição de
uma rede de sociabilidades principalmente com os bolivianos, pensemos que “[...] a formação
de redes de sociabilidades sempre foi uma estratégia para os escravos tornarem-se livre, numa
sociedade em que, para eles, as oportunidades eram pouquíssimas e a desesperança muita”
(SOUSA, 1996, p. 70).
Conforme Dias (1995), os termos fluidez, fluxos, conexidade perpassam o conceito de
rede. Nesse sentido, com as “pistas” retiradas da análise da documentação, apresentamos a
cadeia pública de Corumbá como um provável espaço de articulação, comunicação, interação
e conhecimento entre cativos e bolivianos, que, provavelmente, repercutiram nas fugas de
cativos direcionadas ao território boliviano de “Pedra Branca”.
Nesse viés analítico passamos à discussão sobre como ocorreu o fim do trabalho
escravo na fronteira de Corumbá/Puerto Suarez- através das Cartas de Liberdade, todavia faz-
se necessário apresentarmos, primeiramente, o contingente de sujeitos escravizados existentes
na Província de Mato Grosso.
47

Tabela 2- Quantitativo de cativos por Províncias.


CATIVOS
ORDEM PROVÍNCIAS
1873 1887
1 Minas Gerais 340.444 191.952

2 Rio de Janeiro 333.807 162.421

3 São Paulo 174.622 107.329

4 Bahia 169.766 76.838

5 Pernambuco 106.236 41.122

6 Rio Grande do Sul 99.401 8.442

7 Maranhão 74.598 33.446

8 Rio de Janeiro (cidade/distrito) 47.084 7.488

9 Alagoas 36.124 15.269

10 Sergipe 35.187 16.875

11 Ceará 31.975 108

12 Pará 31.237 20.535

13 Paraíba 27.651 9.448

14 Piauí 24.016 8.970

15 Espirito Santo 22.297 13.381

16 Santa Catarina 15.250 4.927

17 Rio Grande do Norte 13.634 3.167

18 Paraná 11.807 3.513

19 Goiás 10.771 4.952

20 Mato Grosso 7.051 3.233

21 Amazonas 1.716 0

TOTAL 1.584.674 733.416

Fonte: Panorama do Segundo Império. Nelson Verneck Sodré, 1997.

Os dados quantitativos da tabela demonstram a redução significativa de cativos nas


províncias do Império. Ao estabelecermos relação entre o quantitativo de cativos matriculados
nas Alfândegas da Província de Mato Grosso com o quantitativo da Alfândega de Corumbá
observa-se diacronicamente, em ambos os casos, o decréscimo em função da
48

internacionalização do capital com repercussões na desarticulação do sistema escravista


brasileiro.
Sobre a população de cativos, no ano de 1862 a população de Corumbá estava
composta por “[...] 1.100 livres e quinhentos escravizados (45% da população) [...] já em
1872, o município de Corumbá tinha o total da população de 3.361, sendo 3.086 livres
(91,8%) e 275 escravizados (8,2%)” (MOURA, 2008, p. 226). Passamos agora ao estudo
sobre a desarticulação do sistema escravista na região da fronteira.

2.5 Estado e grupos locais: o processo escravista em seu final

Conforme a historiografia brasileira relata, o movimento abolicionista foi inspirado no


ideáriode liberdade defendida pelo Iluminista Rosseau (1762). Vale lembrar que a causa
abolicionista no Brasil estava vinculada, também, ao ideário republicano. Teve início nas
grandes cidades onde situavam os centros de poder representado tanto pelo Estado e
instituições quanto por forças políticas, como partidos e grupos sociais pró-abolição.
A corrente de pensamento pró-abolicionista do trabalho escravo no Brasil ocorreu sob
duas análises. Na liberdade imediata dos escravizados, de grupo abolicionista, se encontravam
profissionais liberais, comerciantes e outros segmentos sociais. Na outra, dos
emancipacionistas, tinha como representantes os proprietários de cativos, o governo
monárquico e os políticos que representavam a oligarquia agrária. Esse grupo queria que o
processo de liberdade ocorresse de forma gradual.
Entretanto, conforme Azevedo (2004, p. 76), tanto o movimento abolicionista como
emancipacionista se assemelhavam por meio da ideologia de manter os privilégios da elite
econômica e política ao qual representavam. Nesse sentido: “[...] apesar de fazerem duras
críticas à estrutura fundiária [...] de produção extensiva de gêneros de exportação, os
abolicionistas sempre deixavam claro que a sua intenção não era revolucionária, mas tão
somente reformista”.
Com as reflexões de Azevedo estabelecemos relação com o ponto de vista de Moore
Junior (1975, p. 411), no sentido de se apreender o “quanto de velho existe no novo” na
Modernização Conservadora, uma vez que esta:
[...] objetivava manter um projeto conjunto (entre proprietários rurais e
burguesia) na construção de uma sociedade capitalista contendo arraigada
em uma estrutura de dominação, em cujo centro de decisão política do
Estado os interesses da classe dos proprietários rurais se mantiveram
enraizados.
49

De forma que no tocante às medidas emancipacionistas – política do Estado para tratar


da questão do fim da escravidão no Império do Brasil - a Junta Classificadora de Escravos foi
a representação material dos arranjos governamentais da corte, em atendimento aos interesses
econômicos defendidos pela classe senhorial que exigia a indenização no ato da liberdade do
cativo que tivesse seu nome arrolado na lista daqueles em condições de receber a
manumissão.
Conforme a historiografia brasileira assinala, o trabalho da Junta representou parte do
processo que objetivou postergar ao máximo o fim da escravidão no Brasil ao desfazer
gradualmente o sistema (1871-1888). Dessa forma, o governo central do Império do Brasil
elaborou leis para que atendessem a esse pressuposto, criou a Lei 2040 de 28 de setembro de
1871- artigo 3º, o Fundo de Emancipação de escravos no Império do Brasil e também a Junta
Classificadora de escravos. Por conseguinte, os trabalhos realizados pela Junta e o Fundo de
Manumissão se constituíram em práticas utilizadas pelo governo imperial que contribuíram
para a liberdade de alguns cativos.
Assim, o contexto da abolição no Brasil ocorreu de acordo com dinâmicas
diferenciadas. Os abolicionistas militavam para que a liberdade dos cativos acontecesse
imediatamente, em oposição, os emancipacionistas queriam que o fim do trabalho escravo se
desse de forma gradual. Contudo, os proprietários de cativos foram atuantes, não cederam, e
pressionaram politicamente o governo para receberem as indenizações da libertação dos
cativos.
Louzada (2001, p. 2) apresenta os critérios para a manumissão:
[...] na libertação por famílias, preferirão: os cônjuges que forem escravos de
diferentes senhores; os cônjuges, que tiverem filhos, nascidos livres em
virtude da lei e menores de oito anos; os cônjuges, que tiverem filhos livres
menores de 21 anos; os cônjuges com filhos menores escravos; as mães com
filhos menores escravos; os cônjuges sem filhos menores. Na libertação por
indivíduos, preferiram: a mãe ou pai com filhos livres; os de 12 a 50 anos de
idade, começando pelos mais moços no sexo feminino, e pelos mais velhos
no sexo masculino.

Em escala local, na fronteira de Corumbá com a Bolívia, a Junta Classificadora de


Escravos foi criada no ano de 1873 e funcionou até o ano de 1886 com reuniões distribuídas
ao longo dos 12 anos, em grande parte, nos meses de junho ou julho, com o objetivo de
libertar certo número de cativos, cujos dados (origem, sexo, idade etc.) serviram como
determinantes dos valores indenizatórios pagos aos proprietários que estivessem arrolados na
lista a libertação por meio do Fundo de Emancipação. Vê-se que os trabalhos não eram
sistemáticos, considerando que as autoridades que compunham a Junta Classificadora se
50

reuniam em um único mês do ano, este fato aponta para a morosidade com que eram tratados
os assuntos que se referiam a libertação dos cativos em Corumbá.
De forma que, no ano de 1874 a Junta Municipal de Classificação enviou relatório a
Coletoria Alfandegaria declarando que não poderia classificar muitos cativos residentes nos
distritos dos rios São Lourenço, Coxim e Taquary, pois os seus proprietários não os haviam
matriculado, nem averbado na alfândega local e que no caso essas pessoas estavam passiveis
de serem multados conforme o artigo 24 do Decreto n° 483516.
É possível relacionar a falta de exatidão da população de cativos existentes em
Corumbá visto que havia alguns possuidores de cativos que não os matriculavam para não
pagar o imposto devido a Alfândega local conforme o relatório da Junta que solicitou aos
possuidores de cativos inadimplentes com o fisco local para comparecerem e regularizar a
situação junto a Alfandega, entretanto “[...] nenhum se apresentou voluntariamente a dar
informações senão os que foram por ela chamados a esse fim17. Esse documento não traz a
relação dos nomes de proprietários de cativos que estavam com pendências junto a agência
arrecadadora. Esta é uma constatação que implica nas considerações sobre o quantitativo de
cativo em Corumbá pois suas presenças não foram registradas no mapa populacional local.
Entretanto, algumas vezes é possível enxergar vestígios de suas presenças, nos desvãos da
história oficial do cotidiano escravista de Corumbá. Nesse raciocínio, Cancian (2008, p. 144)
aponta para o ano de 1874 uma relação de sete cativos“(Candido, Cristina, Gabriela, Márcia,
Vicencia, Priscila e Rufino) que não estavam devidamente matriculados nem averbados na
Alfândega local”.
A respeito disso temos uma publicação do jornal O Iniciador:

16
Ofício avulso, s/n , dirigido à Câmara Municipal no ano de 1874 sobre trabalhos da Junta Classificadora de
Escravos. Arquivo Púbico da Câmara Municipal de Corumbá (MS).
17
Idem.
51

Figura 3- Infração e penalidade pela falta de registro de matrícula (Fonte: O Iniciador, 05/01/1883).

Essa matéria permite-nos apreendermos empiricamente um momento do trabalho em


conjunto da Junta Emancipadora de Escravos e a Alfandega de Corumbá, onde a primeira,
constata que o Sr. Francisco Teixeira de Souza não havia matriculado Francisco (criança) e
Sr. Manuel Vicente de Souza não havia comunicado o falecimento da cativa Florinda essa
situação gerou multa aos proprietários dos cativos, aplicada pela Alfândega local. Esses dados
apontam a Coletoria de tributos municipal cumprindo seu papel de agente arrecadador de
tributos para o município de Corumbá. Retornando a questão do Fundo de Emancipação
somente os proprietários que estivessem em dias com a Alfândega local, ou seja, que
estivessem registrados os cativos nessa instituição poderia “concorrer” a indenização por
ocasião da liberdade do cativo através do Fundo.
O critério para a distribuição da cota, dinheiro proveniente do Fundo emancipatório e
disponibilizado pelo governo central para as Províncias do Império se dava em função do
52

quantitativo de cativos em condições de serem libertos por aquele instrumento conforme


indicava as Juntas Emancipadoras.
Em escala local e a esse respeito, temos, por exemplo, o ofício do Palácio Provincial
de Mato Grosso dirigido a Câmara Municipal de Corumbá no qual consta:
[...] que o Ministério da Agricultura em 6 de abril último, distribuiu a
referida província por conta do Fundo de Emancipação a quantia de
10:000$000 réis que oportunamente será repartida entre os municípios
proporcionalmente a população escrava de cada um recomendando (sic)
providencias a respeito da classificação de escravos18.

Ressalva-se que da data da publicação no jornalcuiabano, A Situação (13/06/ 1886) até


a efetiva distribuição do dinheiro, decorreu-se um mês, oportunidade em que foi enviado para
Corumbá o valor de 450$000 réis de um montante total de 10.000$000 réis, referente “[...] a
7ª cota do Fundo de Emancipação de um total que coube a essa província” 19. A documentação
aponta que os valores destinados para alforriar os cativos não foram repassados integralmente
para a Junta Emancipadora de Corumbá. Fica claro que a Junta dependia do repasse do
dinheiro para que esta pudesse indenizar os proprietários de cativos por ocasião da alforria
desses. Nessa dinâmica entre governo regional e local há que se considerar “[...] a
possibilidade de distorção dos objetivos uma vez que os fundos também atendiam aos
interesses econômicos em jogo nas diversas províncias do Império” (ROCHA, 1975apud
MOURA, 2008, p. 65).

2.6 “Quase livres”: Tipologias das Cartas de Alforria

As ações de liberdade eram instrumento jurídico de caráter particular, no qual os


senhores oficializavam perante a justiça a sua decisão de dar a liberdade ao cativo, vontade
expressa por meio da Carta de Alforria.
Na região de fronteira de Corumbá com a Bolívia, após a Guerra do Paraguai, a
desarticulação do sistema escravista ocorreu em diferenciadas versões. A exemplo do que já
vinha acontecendo em escala nacional nesse período, houve o aumento do número de alforrias
- prática jurídica institucionalizada pelo governo imperial para a libertação de cativos.
Para não ser exaustivo, visto que não é este o nosso foco de pesquisa, assinala-se que
neste trabalho não haverá análise das diferentes modalidades das cartas de alforria. Entretanto,

18
Circular nº 44 1ª seção. 1886.Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá (MS).
19
Circular nº 53.1ª seção.12/08/1886.Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá (MS).
53

dá-se uma abordagem de apenas duas modalidades de liberdade de cativos por meio desse
instrumento jurídico, objetivando apontar situações a fim de considerar o protagonismo desses
atores para conquistar a liberdade. De modo que, no quadro abaixo, há um panorama das
tipificações das cartas de alforria expedidas em Corumbá.

Tabela 3- Tipologia das Cartas de Alforria em Corumbá (1875 a 1887).


Bons serviços prestados 8

Coartação 2

Com condições 11

Com ônus 11

Pecúlio 2

Sem ônus 7

Testamento 2

TOTAL 43

Fonte: Elaborado pela autora.

Busca-se analisar as duas tipificações, alforria por coartação e pecúlio, pois ambas
possibilitam entrever as estratégias dos cativos para conseguir a carta de liberdade. A alforria
por coartacão “[...] uma espécie de acordo financeiro entre proprietário e cativo, sobre o
pagamento da carta de liberdade paga em parcelas pelo cativo, conforme este fosse juntando o
pecúlio para comprar a Carta de Alforria” (SOUZA, 1999, p.159). Já a alforria por pecúlio,
conforme a historiografia aponta, remete-nos a considerar a possibilidade de um acordo entre
o cativo e o seu senhor, para que aquele pudesse conseguir juntar o montante necessário para
comprar sua liberdade, [...] consistia em uma espécie de economia acumulada pelo escravo,
formado por legados, economias e doações, ou então por meio do trabalho realizados extra ao
seu senhor, a terceiro ou “sobre si” em dias santos, domingos ou reservados “para si”.
(OLIVEIRA, 2006, apud PERRUSATO, 2008, p. 4).
Em escala local, enquadrada na tipologia de alforria por coartação temos o caso de
Vicencia cativa da senhora Anna Izabel Rodrigues Pimenta, domiciliada na ocasião em
Cuiabá e representada em Corumbá pelo seu filho o Sr. José Simão de Lara Pinto. Vicencia se
apresentou no Cartório no dia 17 de março de 1877 ao Sr. Paulino José Soares das Neves,
tabelião em Corumbá um recibo de pagamento nos seguintes termos: “Recebi da minha
escrava Vicencia a quantia de trezentos e quarenta mil réis (340$000 réis) que fica em meu
poder, depositada para quando a mesma entrar com mais seiscentos e sessenta mil reis para
54

receber sua liberdade [...]” (PENTEADO, 1993, p. 58). O recibo do adiantamento da carta de
liberdade de Vicencia foi assinado por José Simão de Lara Pinto, filho e procurador da Sr.
Anna residente em Corumbá. Embora a documentação não forneça elementos para afirmar a
maneira pela qual a cativa conseguiu juntar o montante de 340$000 réis para comprar sua
alforria, é necessário considerar, conforme aponta a historiografia brasileira sobre a questão
das cartas de alforria conseguidas pelos cativos tipificadas como pecúlio, é relevante apontar
que o trabalho de ganho20 nos dizeres de Silva (2007, p. 52)foi uma prática generalizada no
decorrer do século XIX.
Neste caso não podemos considerar que Vicencia teve ajuda da Sociedade
Abolicionista Corumbaense uma vez que o grupo ainda não existia. Esse fato conduz a
trabalharmos com a possibilidade de relacionar o espaço urbano de Corumbá como um
elemento facilitador para comprar sua carta de liberdade. Isto não quer dizer que fosse a única
forma de juntar pecúlio e nem que fosse implicação única de serem conseguidos somente
pelos cativos de ganho.
Como exemplo temos o caso de outra cativa de mesmo nome, Vicencia, 20 anos,
solteira, matriculada no município de Rosário em 1872(nº da matricula 1721) e registrada na
Alfandega de Albuquerque em 1875. A proprietária de Vicencia, Carolina Alves Correa,
declarou em cartório que havia recebido da Sociedade Abolicionista Corumbaense a quantia
de 400$000 (quatrocentos mil) réis juntamente com: “[...] mais 100$000 réis (cem mil réis)
que a libertada obteve de donativos que com o meu consentimento andou pedindo para sua
liberdade, o que perfaz a importância de quinhentos mil réis em que ambas combinamos”
(PENTEADO, 1993, p. 41).
Este caso possibilita entrevermos as territorialidades escravistas na contribuição da
desarticulação do sistema escravista local. Ademais, observar o protagonismo ao adquirir aqui
ou acolá com o esforço de seu trabalho - paralelo às outras tarefas que deveria desempenhar
no interior da residência do Sr. José Simão de Lara Pinto, onde, provavelmente, Vicencia
residia.
Diante dos fatos, pode-se dizer que a modalidade de alforria por coartação tanto
quanto por condições- (prestação de serviços futuros) era uma “pre- liberdade”, que só iria se
efetivar no ato do pagamento do montante total pelo qual o cativo fora avaliado pelo seu
senhor.

20
Cativos que circulavam, com o consentimento de seu proprietário, nas ruas das cidades oferecendo seus
serviços ou produtos em tabuleiros.
55

Como exemplo, de alforria por pecúlio temos o caso do cativo Galdino, 32 anos,
solteiro, oficial de carpinteiro, recebeu sua carta de alforria no dia 14 de julho de 1884 de sua
senhora, Dona Delfina Rondon Serra. A relevância deste caso, para além da tipologia da carta
de liberdade concedida através de pagamento, reside no fato de Galdino ter conseguido o
valor de sua liberdade por meio da participação de diferentes sujeitos (situação que não foi
encontrada com outros cativos ao desenvolver esta pesquisa), sendo alto o seu valor, orçado
em 1.200$000 (um conto e duzentos mil réis).
O episódio apresenta a dinâmica das territorialidades escravistas local, onde o cativo,
para conseguir a liberdade, através da carta de alforria, teve ajuda de dois segmentos sociais
existentes na cidade, quais sejam, a Sociedade Abolicionista e a Irmandade de São Benedicto.
O documento não esclarece qual foi o montante doado por cada entidade para alforriar
Galdino. Entretanto é relevante, pois foi o único caso encontrado na pesquisa que aponta para
a existência em Corumbá da Irmandade21Religiosa de São Benedicto.
Temos outro caso de alforria por pecúlio de Ignacia Maria do Espirito Santo, (nº de
matricula 193, nº de ordem 136), cabra, solteira, aptidão boa para o trabalho e profissão de
costureira, foi averbada na cidade de Cuiabá, em 13 de novembro de 1872, na época com 15
anos de idade, de propriedade do Sr. Antônio Vieira de Moraes. Decorridos cinco anos (1877)
a cativa foi comprada pelo Sr. Thiago José Mangini. Por ocasião da abertura do Inventário de
Thiago José Mangini (1884) o nome de Ignacia foi arrolado na lista dos bens, a serem
inventariados, como “peça semovente”.
Decorridos 12 anos do registro de Ignaciaem Cuiabá, ocorreu a abertura do inventário
feita pela viúva do Sr. Thiago J. Mangini, a Srª Leonor Mangini, residente na Villa de Nova
Friburgo Província do Rio de Janeiro e representada juridicamente pelo seu irmão, Manoel
José Moutinho. No decorrer do processo nos Autos da Juntada pinçamos dos dados do
inventário uma petição datada de 31de julho de 1884, no qual a cativa Ignacia, a essa data,
constava ter 27 anos. No documento a cativa comunicava ao Juiz de Orphãos que já tinha em
mãos o montante de 700$000 (setecentos mil réis) preço pelo qual fora avaliada dispunha,
portanto condições de comprar a sua carta de liberdade.
Este inventário apresenta um fato recorrente no que diz respeito à fonte empírica. Em
alguns documentos é por ocasião da abertura do inventário, na parte do Arrolamento dos bens
do inventariado, que a Alfândega local tomava conhecimento de casos de cativos que não

21
Irmandades Religiosas-tinham uma composição heterogênea(homens, mulheres, escravos, livres, brancos)
eram formadas por leigos que tinham como objetivo ajudar os seus membros e a comunidade.
56

tinham números de matricula, ou seja; seus proprietários não pagaram a taxa de matrícula dos
seus cativos a coletoria alfandegária conforme prescrevia a legislação. Nessa perspectiva de
análise, Thiago Mangini devia a Fazenda Nacional a importância total de 50$880 réis
referente à taxa de três escravos que não foram matriculados na Alfândega local, mas que
eram de sua propriedade. A dívida constava no valor de 48$000 réis e mais a multa de 2$880
réis.
Os cativos que deixaram de ser registrados na Alfandega local e que compunham os
bens semoventes da herança de Thiago José Mangini eram: Maria, preta, 20 anos de idade,
solteira, serviço doméstico, de Uberaba (MG) e averbada neste município sob nº 260; Luiza,
preta, 14 anos, solteira, serviço doméstico, matriculada em Cuiabánº deordem 691, e averbada
em Corumbá sob o número 126. Claudina, 32 anos, preta, solteira, cozinheira, matriculada em
Goyaz, nº de ordem 940, e em Corumbá com o nº 27022. A partir destes exemplos percebe-se
que a falta de registro de cativos na Alfândega local não foi pontual e não esteve relacionada
somente aos proprietários moradores das fazendas, porquanto Thiago José Mangine morava
na cidade e suas cativas desempenhavam trabalho doméstico, o que aponta para o fato que
alguns senhores não faziam a devida matricula por questões econômicas (custos da taxa de
matrícula do cativo) e não somente por questões de localização geoespacial das fazendas nos
arredores de Corumbá. Consta também do inventário na parte de arrolamento de bens, que
dona Leonor do Bom Jesus Murtinho Mangini, viúva do inventariado, recebeu por herança do
seu pai, Dr. José Antonio Murtinho que morava em Cuiabá “[...] Leopoldina, preta, Violante,
preta,Manoel 7 anos, Luisa 6 anos filha de Violante [...]esses escravos passarão a pertencer o
termo de Corumbá visto que a proprietária é residente lá”(Cuiabá/11/08/1877)23.
No inventário o caso dos cativos transmitidos por herança, permite considerar que os
laços entre escravizador e escravizado eram mantidos, não se rompiam pela morte de seu
senhor, no qual os cativos eram “repassados” de geração em geração uma forma sutil de
domínio senhorial familiar do patriarcado da Colônia e do Império.

2.7 Sociedade Abolicionista Corumbaense

No início da década de 80 do século XIX, os clubes abolicionistas foram fundados em


todo o Brasil, convocando a sociedade a participar do movimento pelo fim da escravidão. O

22
Inventário de Thiago José Mangini, 1884.Arquivo do Fórum Municipal de Corumbá(MS).
23
Inventário de Thiago José Mangini, p. 96-97.
57

movimento abolicionista contou com defensores críticos e inflamados, como José do


Patrocínio, Joaquim Nabuco e Rebouças, que nos dizeres de Ricardo Luiz Souza (2006, p.
33): “Esses autores se divergiram nos métodos a serem adotados, com Nabuco e Rebouças
privilegiando uma forma de ação direcionada as elites, ao passo que Patrocínio buscou ações
que visassem diretamente o escravo”.
A respeito dos projetos abolicionistas há a contribuição de Azevedo (2004)que
observa que no início da década de 70 do XIX a causa era discutida nos jornais de época, em
tribunas parlamentares e conferências de salão, entre a elite social e intelectual. De acordo
com a autora:
Devido ao caráter limitado de classe, que apenas muito timidamente ousava
transcender os interesses escravistas, não se pode dizer que os abolicionistas
se distinguissem essencialmente dos emancipacionistas, a não ser, enquanto
para estes bastava a lenta extinção do cativeiro, mediante a libertação do
ventre escravo, aqueles pretendiam ainda um prazo para este término [...]
apesar de fazerem duras críticas a estrutura fundiária[...]os abolicionistas
sempre deixavam claro que a sua intenção não era revolucionária mas tão
somente reformista.[...] queriam reordenar o social a partir das próprias
condições vigentes, sem nunca enveredar por utopias revolucionárias
(AZEVEDO, p. 76-77).

Em escala local, na cidade fronteiriça de Corumbá o movimento pelo fim da


escravidão foi representado pela Sociedade Abolicionista, por meio de bazares se arrecadava
dinheiro para auxiliar a compra de cartas de alforria de alguns cativos. Dessa forma, no ano de
1884 a Sociedade Abolicionista realizou dois bazares. O saldo entre despesa e receita dos
produtos vendidos foi de 1.641$306 réis, mais os valores dos donativos que importaram em
286$600 réis. Do montante arrecadado pagaram-se fornecedores de bebidas e músicos “[...]
do saldo foi retirado o valor de 136$000 réis que a sociedade deu para completar da carta de
liberdade de Teresa Valéria de Jesus”24.
Relevante apontar que a prestação de contas dos bazares foi realizada pelo tesoureiro
da entidade, o tenente do exército Luiz Augusto Esteves25, era comerciante, proprietário da
Casa Luiz Esteves e também possuía cativos. Assim, em 04 de maio de 1884 ele concedeu a
carta de liberdade sem ônusa Sebastiana, por “consideração aos bons serviços prestados”26. O
documento não permite apontar que tipo de serviço a cativa prestou ao Sr. Luiz Esteves que
gerou a sua alforria através da carta de liberdade.

24
Ofício s/n expedido ao presidente da Sociedade Abolicionista Corumbaense. Em 09/06/1884.Arquivo da
Câmara Municipal de Corumbá (MS).
25
Ofício avulso s/nº ano de 1884. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá(MS).
26
Idem.
58

O fato de um membro da sociedade abolicionista ser comerciante e desempenhar uma


função importante na associação aponta que a elite de comerciantes estava consoante com a
política da economia liberal que preconizava a internacionalização do trabalho livre e
remunerado, porque, afinal, os próprios comerciantes tinham produtos no mercado local,
destinados ao mercado consumidor.
A população local contribuía tanto com donativos para o Botequim do Bazar
Abolicionista como participava dos festejos e reuniões da entidade filantrópica. Os
documentos registram que os abolicionistas compravam mercadorias nas casas locais para
colocar à venda nas em que promoviam os bazares. Da casa comercial Firmo de Mattos &
Companhia, por exemplo, foram adquiridos:27.

Tabela 4- Mercadorias compradas no comércio local


04 Fracos de ameixas 8.800$00 réis

04 Frascos de confeites de amêndoas 8.800$00 réis

05 Caixas de grampos 3.000$00 réis

03 Dúzias de escovas de dente 9.000$00 réis

08 Cigarreiras 1.300$00 réis

02 Dúzias de abotoaduras de metal 6.000$00 réis

03 Dúzias de abotoaduras de louça 3.000$00 réis

01 Caixa de linha de crochê 2.500$00 réis

02 Dúzias de vidro de óleo 5.200$00 réis

TOTAL 47.000$600 réis

Fonte: Recibo de pagamento efetuado a Firmo de Mattos & Companhia, 26/05/1884.

Em outro momento, as territorialidades dos abolicionistas não se restringiram apenas


às compras das cartas de alforria. Fomentaram o comércio local, uma vez que compravam
mercadorias nas casas comerciais locais (velas, bebidas, e outros), e promoviam eventos,
como bazares e serões literários, conforme relação de mercadorias abaixo:

27
Idem.Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá(MS).
59

Tabela 5- Prestação de contas do Bazar Abolicionista


23 Garrafas de cerveja imperial A 1.000$00 23$00 réis

01 Garrafa de refresco 0,60$00 réis

01 De Cognac e vinho branco 0,60$00 réis

01 Frasco de Gmelsa 2.400$00 réis

TOTAL 27.000$00 réis

Diferença encontrada 3.800$00 réis

TOTAL 30.800$00 réis

Fonte: Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá. Recibo avulso s/n 1884.

Ainda sobre as ações do movimento abolicionista em Corumbá, temos outro processo


de liberdade por meio da carta de alforria. Rosa, 54 anos, solteira, com matricula no
município de Corumbá, n° de ordem 709, recebeu o título de liberdade de seu senhor, Antônio
Delmiro Pompeu de Camargo, que foi indenizado pela Sociedade Abolicionista Corumbaense
com a quantia de duzentos setenta e sete mil réis:
[...] e ficando desde hoje pertencendo-me cento e tantos mil réis, que a
libertada recolheu ao cofre da Alfândega, no ano de 1879, e os juros
correspondentes, e a importância de sessenta e três mil réis arrecadado por
mim, de um abaixo assignado, que fiz a favor da mesma escrava28.

No caso, a liberdade de Rosa estava estipulada para mais de 440$000 réis, não
podemos precisar o valor total de sua carta de liberdade visto o Sr. Antônio Delmiro não
especificou a quantia que a cativa tinha juntado para comprar sua liberdade.
Conforme a historiografia sobre escravidão sinaliza, em fins do período imperial
brasileiro, nas províncias que tiveram abolicionistas atuantes, os cativos escolhiam os
curadores para representa-los em juízo, estes eram homens que defendiam a causa
abolicionista. Nessa perspectiva, por ocasião da abertura do inventário de Victor Antônio
Rodrigues Coimbra (1874) surge no decorrer dos tramites processuais o nome da cativa
Luiza. Um ano depois (1875) esta compareceu à casa do Juiz de Orphãos e Ausentes, para
comprar sua carta de liberdade. O Sr. José Joaquim S. Franco registrou a “[...] a nomeação do
major João de Allencout nomeado depositário do dinheiro apresentado pela escrava Luzia
para comprar a sua liberdade”29 Continuando o processo da Carta de Liberdade de Luiza
ocorrido no dia 30 de abril de 1875:” [...] declaro que foi pago n‟ juízo pela citada escrava
28
PENTEADO,Yara. Como se de ventre livre nascido fosse...p.41-42.
29
Inventário de Victor Antônio Coimbra.p. 9. Arquivo do Fórum de Corumbá(MS).
60

Luiza em favor de sua liberdade, por esta declaro liberta, nos termos do art.4º, parágrafo 2º da
Lei nº 2040 de 28/09/1871”.
O documento não faz alusão a quantia arrecadada por Luiza para comprar sua carta de
alforria, entretanto, é um dos muitos exemplos do protagonismo cativo no sentido de alcançar
a liberdade. Pergunta-se: qual foi o recurso utilizado pela cativa para comprar a sua carta de
liberdade? É difícil estabelecer uma conclusão sobre como Luiza conseguiu sua liberdade.
Considerando que a escrava foi até a casa do juiz de órfãos acompanhada do Sr. João de
Alencout, seu depositário e curador, pode-se considerar que Luiza morava na área urbana de
Corumbá, embora o inventário forneça elementos que nos direcionam para a possibilidade do
Sr. Victor Coimbra ser proprietário rural, em função da relação de bens do inventariante
(tralha de montaria, enxadas, etc.) de maneira que nenhuma pista direciona a pensar na
possibilidade da cativa ser moradora da área rural30. Logo, no ambiente citadino Luiza pode
ter articulado suas redes de sociabilidades e amealhado pecúlio para a obtenção de sua
liberdade.
A fim de apreendermos a dinâmica abolicionista local temos o caso da cativa Angela,
de propriedade da Sra. Adelaide da Silva Rondon. Angela foi avaliada em 1100$000 réis,
preço correspondente ao valor de sua carta de liberdade. Em 1883 O Iniciador publicou a lista
de pessoas da sociedade local que contribuíram para a compra da carta de alforria da cativa:

Tabela 6- Relação dos colaboradores abolicionistas


João Pedro Alves de Barros 10$000 réis

Antonio Pedro Alves de Barros 10$000 réis

Antonio Joaquim da Rocha 10$000 réis

Carlos Estanislaw Vandoni 8.500 réis

Manoel Dias de Pinho 5$000 réis

Custodio Rodrigues Alves 5$000 réis

Rafael Del Sor 5$000réis

José Pacheco Barbosa 5.000 réis

João Pedro Cavassa 5.000 réis

Antonio José Sant‟anna 5$000 réis

José Manoel Metello 5$000 réis

30
. Inventário de Victor AntonioR. Coimbra.(1874) Arquivo Público do Fórum de Corumbá(MS)
61

João Pompino Caldas 5$000 réis

Man....(ilegível) 5$000 réis

Gomes Esteves 5$000 réis

Luiz Arruda Esteves 5$000 réis

André Barraza 4$000 réis

Santiago Machiavel 4$000 réis

Luiz da Costa Pinto 2$000 réis

Antonio João de Souza 3$000 réis

João Gonçalves de Oliveira Freitas 2$000 réis

Frei Mariano de Bagnaia 2$000 réis

João Antonio Rodrigues 2$000 réis

Salvador Augusto Moreira 2$000 réis

Antonio Rodrigues Vieira 2$000 réis

Um anonymo 2$000 réis

Antonio Correa de Oliveira Santos 5$000 réis

João Almeida 5$000 réis

Antonio Silvestre Pães de Barros 5$000 réis

Américo Ferreira do Valle 6$500 réis

TOTAL 200$000 réis

Fonte: O Iniciador, 14/07/1883.

Conforme transcrição integra o quadro acima, representante dos setores comerciais


platinos, proprietários de casas comerciais, funcionários públicos do município, integrantes da
associação abolicionista local, proprietários de cartórios, profissionais liberais e a instituição
eclesiástica, representada pelo pároco Frei Mariano de Bagnaia. O montante arrecadado ficou
em poder do capitão João Antônio Rodrigues que era o tesoureiro da Sociedade Abolicionista
local. Fato interessante é que o tesoureiro apresentou à entidade abolicionista apenas “[...] a
quantia de 136$000 réis para completode um conto e cem mil réis, importância porque fue
avaliada na qualidade de escrava de D. Adelaide Campos Rondon [...]”31.

31
Nota de Recibo Sociedade Abolicionista. 1884. Arquivo da Câmara Municipal de Corumbá (MS).
62

Observa-se que a quantia transferida para a sociedade abolicionista não foi entregue
em sua totalidade, visto que o dinheiro arrecadado por simpatizantes pró-abolição foi de
200$000 réis, não conferindo, portanto, com o dinheiro repassado pelo João Antônio
Rodrigues. Pelo exposto, os números nos conduzem a afirmar que a ajuda financeira pelos
que defendiam a causa abolicionista não despendeu somas vultosas, o que significa que,
conforme a documentação sugere que de maneira geral os discursos dos defensores
ideológicos da causa em Corumbá não foram acompanhados com a mesma expressividade
econômica para as compras das cartas de alforria. Como no exemplo supracitado, 136$000
réis foi uma colaboração irrisória, valor aproximado de pouco mais de 12%. Não fica claro de
que maneira foi utilizada a diferença (64$000 réis) do valor arrecadado em prol da carta de
alforria de Angela.
Atentamos para a atuação da Sociedade Abolicionista Corumbaense como uma das
financiadoras do fim da escravidão em Corumbá. Nota-se, contudo, que na grande maioria
dos casos observados, a contribuição da Sociedade Abolicionista não alcançava o valor da
carta de alforria. De maneira que, conforme os documentos apontam, o cativo necessitava
quase sempre de outros meios para conseguir o montante do valor da compra de sua
liberdade. Entretanto, não se pode desconsiderar a contribuição da sociedade para a
desarticulação do regime escravista em Corumbá.
Por fim, e pelo exposto, é possível afirmar que as ações da Junta Classificadora de
Escravos, a Sociedade Abolicionista Corumbaense e os cativos imprimiram uma marcante
dinâmica territorial local que envolveu setores sociais de âmbito público e privado para a
desarticulação do sistema escravista local, cujo dinamismo ecoou na República Platina do
Uruguai, conforme a edição do Jornal O Iniciador de 28 de junho de 1884, na coluna “Campo
Neutro” traz a relação, em sua maioria, de senhoras simpatizantes da causa abolicionista, da
sociedade uruguaia que agenciadas pelo Sr. F. Vierci enviaram a sociedade abolicionista de
Corumbá prendas para o Bazar promovido por esta entidade.

Tabela 7- Relação dos colaboradores do Uruguai para o Bazar abolicionista


ANO COLABORADOR(A) MATERIAL

F. Vierci 1 copo de charão e um livro de missa de capa de marfim

Maria Velasco 1 almofada de setim dourado


1884
Lino Arthur Garobelli 1cx de papel com envelope fantasia

Mercedes Pereira 1 corte de chinelas de talagarça bordado a contas


63

Amandita Garabella 1 rica almofada bordada de cetim e veludo

AngelaValaso 1 porta relógio de veludo com flores douradas, 1 porta


cartões de veludo com flores douradas

Paula Piagio 1 rica almofada de cetim azul bordada com flores

AntoniaVierci 1 porta joia de vidro forrado de cetim azul

Theresa Garabelli 1lenço e rica caixinha bordada

Paula Arini 1 vestido de setim roxo claro para criança.

Fonte: O Iniciador, 28/10/1884.

Não somente questões econômicas impediam que o fim do cativeiro pudesse ocorrer a
um contingente expressivo de cativos. Há o caso do Sr. João Antônio Rodriguez que se
dirigiu, por meio de ofício, ao presidente da sociedade abolicionista local:
[...] sendo muitos os meios que dão o direito aos escravos serem postos em
liberdade [...] mas que infelizmente a maior parte desses meios ainda não
foram postos em prática [...] devido a falta de não haver quem se tenha
encarregado e advogar essa causa justa e humanitária, e apesar de eu não
possuir as habilitações que serão precisos para bem desempenhar esse lugar
de advogado, porém convicto que a causa da liberdade não só é humana mas
também Divina, sendo o principal advogado dela o próprio Deos, (sic) [...]
venho oferecer-me a Sociedade Abolicionista Corumbaense para tratar
gratuitamente no foro d‟esta Comarca das causas de liberdade das pessoas
escravas [...] 32.

Ademais dos exemplos mencionados, no território da fronteira entre Corumbá e


Bolívia, também foram concedidas cartas de alforria aos cativos: Joana, Eva, Isabel, Maria
Magdalena, Claudina, Mariana, Leopoldina, Manoel, Antonio Congoio, Joaquim e tantos
outros, que mudaram suascondições sociais de cativos para forros.
É nesse contexto, que ocorreram as práticas escravistas que objetivavam o fim da
escravidão na região da fronteira de Corumbá com a Bolívia. Conforme foi apresentado,
alguns, trabalhadores escravizados alcançaram a liberdade, com isso, estamos dizendo que, a
dinâmica do processo de abolição não se estendeu horizontalmente a população de cativos, ou
seja, a liberdade era para poucos.

2.8 Violência: Atravessando limites territoriais internacionais

No período privilegiado para esta pesquisa (1870-1888) apesar de a escravidão estar


em seu final, não se pode considerar que a violência contra o cativo não existisse. Nesse viés

32
Ofício s/n. 10/05/1884.Arquivo da Câmara Municipal e Corumbá (MS).
64

Brazil (2002) sinaliza que as fugas alémfronteira eram implicação da violência praticada
contra o cativo, onde:
[...] o trabalhador escravizado era submetido a rígida disciplina escravista,
expressa na equação: ritmo/prolongamento da jornada de trabalho servil,
determinadas pelas circunstâncias, ensejava variadas formas de reação
(BRAZIL, p. 99).

É pertinente lembrar que não se pode generalizar que as territorialidades escravistas no


Brasil ocorreram de maneira uniforme. Deve-se considerar as determinantes espaço-tempo-
economia dos períodos (Colônia e Império) que engendraram particularidades nas dinâmicas
políticas, sociais e territoriais do universo escravista brasileiro. Nessa perspectiva, é certo que
um fator comum aos períodos escravistas brasileiros:
[...] no qual esteve assentada a escravidão era o medo. A ameaça permanente
de castigo ou o castigo, ministrados em forma homeopática ou servido em
doses cavalares impregnaram cada segundo do cotidiano servil (MAESTRI,
2006, p. 20).

Por conseguinte, a fim de dominar, impedir e conter insurreições de cativos, o sistema


escravista se apoiou fundamentalmente na violência e opressão.
Em escala local a violência contra cativo esteve presente no interior da casa de
Ulderico Colombo, comerciante e proprietário de cativos. Expediu uma carta de liberdade
condicional a Theodora da Penha (45 anos), que estava sujeita a prestação de serviço durante
quatro anos. A cativa registrou queixa sobre o seu “[...] agressor que lhe ferira no frontal
direito um ferimento que deitava muito sangue e outras contusões que lhe fora feito pelo
Colombo na presença de várias pessoas que estavam no comércio de Colombo fazendo
compras”33.
Outro caso de violência ocorrido no espaço da fronteira entre Corumbá e Bolívia se
deu no ano de 1880, em que “[...] Manoel Pereira Guimarães castigou barbaramente ao
escravo Vicente, que faleceu desses castigos” (MOURA, 2008, p. 311).
A vida árdua, levava os cativos a empreenderem fugas em busca da liberdade. Por
exemplo, em 17 de junho de 1880, Salvador Augusto Moreira compareceu ao Cartório para
passar a carta de liberdade a sua cativa, Maria Domingas, parda, 22 anos. Maria teve a
liberdade condicionada por duas vezes: primeiro deveria retornar ao seu senhor, visto que
estava ausente, e assim que retornasse deveria passar mais três anos com o seu antigo
proprietário e servi-lo com trabalho, características de liberdade condicionada ou, de outra
maneira, uma “quase” liberdade.

33
Sumário Crime de Ulderico Colombo (réu). 26/09/1884.Arquivo do Fórum de Corumbá (MS).
65

É certo que os cativos almejavam libertar-se da escravidão de acordo com as leis,


sendo, por exemplo, cativos de ganho, das cidades, cativos domésticos, cativos especializados
ou ilegalmente através das fugas para os quilombos, para os sertões ou para as fronteiras tanto
no período Colonial quanto do Imperial (MAESTRI, 2006).
Maestri em “Catando Cipó”: O cativo fujão no Brasil escravista: história e
representações discorre sobre o sentido, finalidade e implicações das fugas dos cativos, em
que é categórico ao afirmar que “a quebra da violação de acordos entre proprietários
despóticos e cativos nega a violência sócio produtiva como exigência intrínseca do
escravismo”. Assevera o autor:
Não podemos definir a fuga do cativo como auto-roubo, em interiorização da
visão alienada propiciada pela escravidão, na qual o cativo era propriedade
do escravizador, e não trabalhador por ele explorado através da violência,
aberta ou institucionalizada (MAESTRI, 2006, p. 24).

Nessa perspectiva as fugas de cativos representaram, antes de tudo, a negação, a não


aceitação da condição de sujeição do agente social escravizado:
[...] nas crises políticas das classes dominantes (por exemplo, no caso de
guerras, mas não tão somente neste sentido) permitiram aos cativos um
significativo nível de autonomia, onde eles tomaram o rumo das fronteiras,
penetraram sem medo nos matos, armaram-se por espontânea vontade contra
a ordem escravista, e jamais em sua defesa (MAESTRI, 2006, p.30).

Importante ressaltar que as fugas para o território boliviano foram recorrentes na


Província de Mato Grosso. Na fronteira do Brasil com a Bolívia, em Corumbá, fugiam, para o
território boliviano não somente cativos, mas sujeitos livres que ao cometer um crime se
refugiavam no lado boliviano da fronteira para fugir da Justiça, representada pela Delegacia
de Policia.
Como exemplo, no ano de 1884 foi reaberto um processo crime de briga que envolvia
as paraguaias Apolonia Palácios, 17 anos, e Gregória Ortiz, 16 anos:
Essa briga gerou a abertura de um processo, no qual foi arrolado como
testemunha o soldado do 2º Batalhão de Artilharia, Luciano Florentino de
Souza, baiano de 31 anos [...] foi convocado para ser ouvido como
testemunha, porém, nessa ocasião, havia cometido um crime e achava-se
fugido para a Bolívia (SENA, 2012, p. 86).
66

Figura 4-Anúncio oferecendo recompensa pela captura do cativo. (Fonte: A Opinião, 28/01/1879).

Zaramella (2004) aponta que o jornal A Opinião, foi lançado no ano de 1878 em
Corumbá, com o subtítulo Periódico Literário e Noticioso. A matéria acima publicada pelo
jornal intitulada “Aviso. Negro Fugido” apresenta o Sr. João N. de B. Ferreira, proprietário de
cativo, oferecendo recompensa de 100&000 réis para quem capturasse Honorato, cativo de
sua propriedade que se encontrava fugido. Esta fonte empírica é relevante, visto ser a
materialidade da figura de “capitão do mato”, termo utilizado para se referir aos homens que
capturavam cativos fugidos, prática muito comum aos dois períodos escravista do Brasil.
Continuando sobre as fugas de cativos e de sujeitos livres para território boliviano,
temos a interessante crônica literária publicada no jornal O Iniciador, de 26 de abril de 1883.
Assim, conforme transcrição, O Iniciador publicouna coluna Campo Neutroa matéria
intitulada: “Conversa entre dois Irmãos”,um dos irmãos questiona o outro sobre por que
“abafou” o pobre patrício que estava doente. O irmão retrucou pedindo que não o “amolasse”
e que só fez isso porque o patrício queria ir pra Bonos Ares, do jeito que estava doente e “com
o perigo das republicas lá de baixo eu tive pena de ver ele sofrer e ser roubado”:
- Lá isso é verdade. Mas oh, Zé dizem tanta cousa por ahi...
- Deixa dizer, eu c’a tanto sou d’aqui como da Bolívia, e então adeus.
67

Embora o artigo acima fosse literatura de época, permite-nos apreender já aquele


tempo a “formação” do senso comum sobre fronteira, ou seja, a crônica literária pode
expressar a “mentalidade popular” do período, ademais, aponta para a questão da fronteira
como recurso e permite estabelecer relação entre limite internacional e fugas, tanto de cativos
como de homens livres onde a fronteira com suas características centrais; porosidade e
nodosidade marcam e singularizam esse território.
De maneira que, com análise sobre a relação entre as categorias fronteira e escravidão,
as fontes apontam que em função das distintas temporalidades históricas do sistema de
governo do Império do Brasil e da República da Bolívia, atreladas a questão Geopolítica-
descontinuidade jurídica territorial da fronteira- expressa pelo limite internacional,
favoreceram as fugas de cativos e de sujeitos que infringiram a lei ao cometerem crimes.
68

3. UM MARCO LIMÍTROFE: A LIBERDADE DE CATIVOS EM “PEDRA


BRANCA”.

3.1 Lugar social da imprensa

Conforme foi demonstrado no capítulo anterior sobre a questão do desenvolvimento


de Corumbá ocorrido no século XIX, há que se considerar os fatores: a reabertura da
navegação do Rio Paraguai (1870); a política econômica do governo provincial mato-
grossense, que propiciou o estabelecimento das casas comerciais; e a exportação e
importação, repercutido na economia local, na qual a produção da carne de charque para
exportação e importação ao interior do Império brasileiro foi o lastro da economia de
Corumbá. Da combinação desses fatores ocorreu o fenômeno da imigração e migração,
advento implicado no aumento populacional de Corumbá, ressalvando que nessa ocasião a
fronteira já contava com um contingente de imigrantes paraguaios, militares e civis(homens e
mulheres), que se estabeleceram devido à guerra e com o seu fim permaneceram na
localidade.
Portanto, a efervescência do setor econômico de Corumbá repercutiu no
reordenamento territorial da cidade, expresso fundamentalmente nas relações comerciais
estabelecidas com outros países da Bacia Platina. No que diz respeito à segurança de
fronteira, foi autorizado pelo governo provincial à construção do Arsenal de Marinha em
Ladário, região Leste de Corumbá.
Nesse contexto de desenvolvimento econômico foi que se estabeleceram na cidade os
“imigrantes portugueses proprietários do jornal O Iniciadorfundado por Silvestre Antunes
Pereira Serra e pelo tipógrafo português Manoel Antônio Guimarães. O jornal em 1884
passou a circular semanalmente” (MARTINS, 2003, p.26).
O Iniciador veiculava matérias que enalteciam o empreendedorismo de comerciantes
atacadistas locais que trouxeram o progresso para Corumbá, conforme veremos adiante. Em
alguns editoriais é possível entrever a posição política partidária dos editores do jornal.
34
Vejamos, O Iniciador publicou uma matéria intitulada “Suum Cuieque Tribuere” assinada
com o pseudônimo de “um brasileiro”. O autor da matéria teceu críticas contundentes a um
artigo publicado no editorial 154 do periódico O Corumbaense, de 14 de janeiro de 1882,
abaixo transcrito:

34
Tradução do Latim: dar a cada um o que lhe pertence.
69

[...] é um acervo de imprompérios atirados sem nexo e


desestemperadamente contra o partido Liberal. Toda bílis do redactor se
patenteou eu sua linguagem hyperbólica, sem atender a outra consideração
que não fosse Ferir, Matar e Esfollar a atual situação política. [...] o redator
do Corumbaense, como todos sabem, foi um “exaltado liberal”, e por
motivos que todos sabem (como ele (sic) disse) é hoje Exaltadíssimo
Conservador, redator do partido Conservador, candidato, parece a deputado
provincial [...] (O Iniciador, 1882, p. 3).

O discurso do redator da matéria apresenta característica de jornalismo político


ideológico, no caso pró Partido Liberal. Em alguns momentos, os Editoriais fazem um
discurso positivista, não se podendo, portanto, desconsiderar que não fosse, os editores,
simpatizantes da causa republicana de acordo com a ideologia do Partido Liberal. Voltando a
questão acima, o jornal publicou a matéria extensa (uma folha inteira) de contundentes
críticas dirigidas ao redator de O Corumbaense, assim como “[...] admiramos que um
conservador- puro atire ao vento a palavra – republicano- e reconheça a legitimidade e
purezas das idéias que ella indica sem tremer de horror e de terror” (O Iniciador, 1882, p. 3)
A matéria jornalística de O Iniciador foi tendenciosa ao associar o temor dos
militantes do Partido Conservador com a possibilidade do advento da república. Isto pode ser
observado quando pinçamos do texto a frase: “[...] a imparcialidade que mantemos nos obriga
a analyse d‟este artigo, para que fique bem consignado o seu valor”(O Iniciador, 1882, p.3).
Observa-se um embate e tendência de causas partidárias entre as forças políticas, no
caso o Partido Liberal, representado pelo O Iniciador, contra o Partido Conservador, que tinha
no jornal O Corumbaense, conforme é possível depreender da fonte, um simpatizante. Os
pontos de vista traduzem um momento de tensão de embate de força entre dois formadores de
opinião pública “[...] onde o jornal, além de trazer informações, opiniões, tivera parte ativa na
intervenção da vida pública” (LUCA, 2005, p. 137).
Temos outro exemplo de provável intencionalidade do discurso jornalístico, no sentido
de direcionamento da opinião pública, conforme o Ofício (30/08/1884) dirigido à Câmara de
Vereadores de Corumbá assinado pelo Sr. Alexandre Barreto Bandeira Gouvêia,
comunicando “[...] que no dia 5 de Setembro vindouro tem de ser publicado sob minha
responsabilidade o primeiro número de um periódico com o título de “O Escravo”. Com a
criação desse jornal acredita-se que o intuito estava explicito em seu próprio nome, isto é,
provavelmente os colaboradores e editores do jornal eram abolicionistas. Não pudemos
ampliar os questionamentos a respeito da criação de O Escravo, visto não termos encontrados
nenhuma edição do jornal ou outra documentação referente ao mesmo. Entretanto, é relevante
70

porque permite apreender os embates das relações de poder estabelecidas no tecido social da
fronteira.
Sobre os jornais de época Souza (2003, p. 225), a exemplo de O Iniciador, aponta que
“[...] estiveram atrelados direta ou indiretamente a partidos políticos [...] e a parte essa
vinculação, a visão de mundo expressava as identificações com as elites sociais”. Esse fato se
constata em um editorial publicado em duas extensas colunas de O Iniciador, em que o editor
enalteceu o empreendimento do proprietário, Sr. Thomaz Laranjeira, explorador dos ervais de
mate localizados na província mato-grossense da fronteira com a República do Paraguai:
[...] incansável na luta contra os inúmeros obstáculos a vencer [...] o Sr.
Laranjeiras tem desenvolvido a mais decidida força de vontade e está hoje
habilitado para começar a exportação d‟esse produto de uma industria nova e
de que tantos e tão grandiosos resultados pode auferir a província (O
Iniciador, 1883, p. 1).

No decorrer da matéria o editorial elenca uma série de esforços empregados e barreiras


a serem vencidas (aberturas de estradas, desobstrução do rio Ápa), faz comentários sobre os
benefícios financeiros que o empreendimento da erva mate Laranjeiras traria aos cofres do
governo provincial apontando a relevância do empreendimento, uma vez que estabeleceria a
prosperidade e o progresso da região. Vejamos o apelo feito pela direção do jornal à
Assembleia Provincial mato-grossense:
[...] reconheça os valiosos serviços prestados a Província e pede conceder-
lhe toda proteção que é incontestavelmente credor para que ele possa
encontrar compensação a tantos sacrifícios [...] a proteção em tais casos
consiste em aplanar suas dificuldades por meio de concessões que facilitem a
exportação [...]. Sobrecarregar de impostos e exigências as indústrias
nascentes é erro imperdoável. (O Iniciador, 1883, p. 1).

Encerrando a matéria jornalística o editorial opina: “[...] o Sr. Laranjeiras tem em


nossa opinião, bem justificados direitos a proteção de todos quanto devem ou podem
concorrer para o estabelecimento das bases para o engrandecimento da província[...]”. (O
Iniciador, 1883, p. 1). Com essa publicação observarmos as reflexões de Souza (2003) sobre
o papel da imprensa, quando aponta para o alcance, poder de inserção, intenção e influência
do jornal no cotidiano da cidade no século XIX. A matéria contradiz o discurso jornalístico de
imparcialidade pretendida e anunciada pelos editores e proprietários do periódico, até porque
o jornal representava o grupo de comerciantes locais que o subsidiavam. Nessa perspectiva, o
destaque dado a matéria acima publicada em primeira página revela o discurso, a ideologia
dos proprietários do jornal em consonância com a política econômica liberal, expressa, em
escala local, pelo no fluxo do capital comercial. Nesse sentido Luca (2005) esclarece que “Os
discursos adquirem significados de muitas formas, inclusive pelos procedimentos tipográficos
71

e de ilustração que os cercam, a ênfase nos temas, linguagem e natureza do conteúdo


tampouco se dissociam do público que o jornal quer atingir” (LUCA, p. 140). Nessa linha de
raciocínio a fonte de receita do jornal provinha, em grande medida, dos anúncios de
propaganda pagos pelos comerciantes atacadistas e em menor quantidade dos anúncios pagos
por populares quando necessitavam publicar uma matéria.
De maneira que o jornal indiretamente colaborou com a divulgação da ideia do
capitalismo aliado ao progresso local, uma vez que teve como principais colaboradores os
portugueses capitalizados. Assim que no território de fronteira, com o crescimento do setor
comercial de Corumbá, advindo das transações financeiras geradas tanto pelo setor privado
como por grupos empresariais, se desenvolviam dinâmicas escravistas por parte do governo
local e pela iniciativa privada, o que aponta que a sociedade fronteiriça não era pacífica, mas
repleta de conflitos, porque os escravizados fugiam para o território boliviano a fim de se
livrarem da opressão gerada pelo sistema escravista.

3.2 O limite territorial: “delineando” a liberdade- fuga de cativos para Bolívia

No século XIX as fugas de cativos do território brasileiro para a fronteira boliviana


foram recorrentes no Norte e na parte Oeste da Província de Mato Grosso. O historiador
Newman Caldeira (2008), que pesquisou sobre as fugas internacionais de cativos do Império
do Brasil para a República da Bolívia por meio da documentação diplomática dos países
envolvidos, analisou, exaustivamente, o desenvolvimento do longo processo de negociação de
assuntos pertinentes sobre a questão das fugas dos escravizados do Império para a República
da Bolívia (século XIX), mais precisamente, a fronteira Norte da Província de Mato Grosso, a
região de Villa Maria do Paraguai (hoje Cáceres) com S. Mathias (Província de Chiquitos)
fronteira boliviana.
A respeito da fuga de cativos em território de fronteira, é questão fundamental para
este trabalho apontar dois fatores fundamentais de grande relevância: o primeiro, o limite
internacional – caracterizado pela descontinuidade geopolítica territorial e o segundo diz
respeito as distintas formas de interpretação dos governos brasileiro e boliviano sobre a
questão da extradição de cativos onde ambos fatores abarcam a compreensão das fugas de
cativos do Império do Brasil para a República da Bolívia.
De modo que, o território boliviano, após a independência do domínio colonial
espanhol datada de 1825, formulou a primeira Constituição que estabeleceu os poderes
72

Executivo, Legislativo e Judiciário (1826). Já o Brasil, após a independência política de


Portugal (1822), não rompe com o sistema de governo monárquico, se emancipa
politicamente de Portugal mas mantém o regime escravista.
Nesse descompasso de sistema político institucional distinto, Império no Brasil e na
Bolívia, República, onde já não mais existia a escravidão negra e que ocorreram as fugas
interfronteiriças que implicaram em contendas internacionais entre os Estados para a
devolução e extradição de sujeitos escravizados, que são neste capítulo analisadas
empiricamente.
Em escala local, é relevante sinalizar que no caso da fronteira de Corumbá com Puerto
Suarez, a travessia desse limite fronteiriço não se restringiu apenas a cativos, para o território
boliviano, mais precisamente o povoado de Pedra Branca, sujeitos livres (criminosos) para ali
fugiam a fim de se esconderem da polícia e se livrarem das sanções impostas pela justiça
criminal brasileira. Os primeiros fugiam para escaparem da violência e dominação senhorial,
condição intrínseca do sistema escravista. Como exemplo, temos a coerção sofrida pelo cativo
João do engenho de propriedade de Miguel Henriques de Carvalho:
[...] no dia 8 de fevereiro de 1880, quando se dirigia ao cumprimento de seus
deveres foi elle revistado, embora estivesse desarmado, foi agredido,
esbordoado e ferido por seu agressor, Joaquim Thimotheo Ribeiro e por
afinal preso pello mesmo e conduzido a cadeia ensanguentado [...] (O
Iniciador, 29/02/1880, p. 1).

A ocorrência acima motivou a abertura de uma queixa crime impetrada na justiça por
parte do Sr. Manoel Marcelino Guerra, contra o Sr. Joaquim Timotheo autor da agressão e a
favor do cativo João do engenho. No processo acima, a partir de artigos publicados no
periódico O Iniciador, ocorreram acusações de ambas as partes, sendo que o Sr. Joaquim
Timotheo Ribeiro rebatia as acusações de seu opositor por meio de artigos no jornalO
Corumbaense, e Manoel Marcelino Guerra se posicionava em defesa dos “fracos e oprimidos”
em O Iniciador, inclusive solicitava aos editores do jornal, vejamos a transcrição:
A este jornal que tanto clama por providência e justiça entregaremos todos
os documentos a fim que sua redaçção com a calma que em nós se tornaria
talvez impossível attenta a parte que temos nas offensas já referidas, o
apreciar e trazer ao público a sua opinião a respeito.” (O Iniciador
19/02/1889, p.3).

Continuando seu depoimento o autor da matéria jornalística publicada no periódico O


Iniciador, Sr. Manoel Marcelino Guerra, rebate as acusações do Sr. Benedicto França, seu
“inimigo fidagal”, acusação esta publicada no periódico O Corumbaense. Não cabe aqui
registrar as acusações, importa, entretanto, contextualizar os fatos. No dia 6 de fevereiro de
73

1880 o filho do Sr. Timotheo, Francisco Agostinho Ribeiro, sofreu no interior da residência
deste uma emboscada, tentativa de um assassinato. O pai da vítima denunciou que os cativos
pertencentes à herança de Vila Maria e de Joaquim José Gomes da Silva andavam armados
pela cidade. Na matéria o Sr. Manoel Marcelino não deixa claro os possíveis autores ou
mandantes do crime. O fato é que nas edições dos dias 19 e 29 de fevereiro, 04 de março e 11
de julho de 1880 o jornal O Iniciador publicou uma matéria sobre a questão que mereceu
atenção do governo regional, em Cuiabá, que enviou para Corumbá uma autoridade policial
para averiguar como estava a situação da segurança local a fim de verificar se havia ou não a
necessidade de reforço policial para coibir a violência local. Registra-se que o nome da
autoridade que veio para Corumbá não foi citado no jornal.
O que importa desse episódio diz respeito àviolência sofrida pelo cativo onde também
é possível apreender a importância da imprensa na condução da política local bem como na
formação da opinião pública.
Nesse sentido, segundo as declarações do Sr. Manoel Marcelino de Carvalho, relata a
violência praticada pelo Sr. Joaquim T. Ribeiro contra João do engenho:
A prisão do escravo esbordoado e ferido por ele era necessária para que o
delinqüente pudesse passear tranqüila e impunemente. É proibido a algumas
pessoas terem armas dentro de suas casas [...] mas é permitido ao preclaro
cidadão usar d‟ellas esbordoando um transeunte em uma rua da cidade (O
Iniciador, 11/07 1880, p.3).

Em favor do “injustiçado cativo”, expressão usada pelo Sr. Marcelino Carvalho,


conclui:
[...] fomos informados que a vitima do Sr. Timotheo há muitas noites não
pode dormir pelos sofrimentos que lhe causa uma enfermidade que ameaça
inutilizar-lhe o braço e mesmo leva-lo a sepultura por falta de tratamento na
cadeia [...] (O Iniciador, 11/07/1880, p.3).

Este caso possibilita apreender as tramas do universo escravista local, no qual


evidencia a tensão nas relações sociais tecidas entre cativos e demais agentes territoriais
institucionais, com os sujeitos locais.
Relevante apontar que não adentraremos no processo das negociações sobre extradição
de cativos da República da Bolívia para o Império do Brasil. Contudo, uma análise
panorâmica das alegações e defesa dos direitos dos representantes da diplomacia de ambos
Estados envolvidos será desenvolvida.
Nesse sentido, e conforme aponta a historiografia, o Brasil foi o último país da
América Latina a abolir a escravidão, isto é, enquanto no Brasil o sistema escravista ainda era
vigente, nos Estados lindeiros ao país, em particular a República da Bolívia,a escravidão não
74

mais existia. Esse diferente contexto político entre os Estados teve implicações nas relações
político-diplomáticas da Bolívia com o Brasil uma vez que: “[...] o relacionamento político
dos Estados sul-americanos era constantemente abalado por contenciosos em relação às
definições de fronteira, comércio, extradição, taxas aduaneiras e navegação fluvial”
(CALDEIRA, 2008, p. 59).
Sobre a questão da extradição de cativos, Caldeira (2008, p. 59) sinaliza que residia no
fato de não haver uma legislação específica acercado assunto:
[...] determinando o que poderia ser considerado licito ou ilícito
internacional, em função, na época, de ser recente a formação dos Estados
nacionais na América Latina [...] o governo boliviano insistia em devolver os
cidadãos brasileiros, ou escravos fugitivos apenas nos casos em que
houvesse uma condenação transitada em julgado [...] o que se tornou uma
barreira intransponível, pois as fugas escravas nunca foram classificadas
pelo direito pátrio como um delito que demandasse a abertura de processo
contra o fugitivo impossibilitando, portanto, a condenação.

De forma que as dissensões entre as soberanias envolvidas na questão de extradição de


cativos que se refugiavam no território boliviano, os diplomatas brasileiros alegavam o direito
de propriedade dos senhores dos escravizados.
No Norte da Província de Mato Grosso os proprietáriosexigiam posicionamento
efetivo do governo regional de Mato Grosso afim de que este resolvesse a questão da fuga dos
cativos para o lado boliviano da fronteira, em San Mathias. Assim, por meio de insistentes
ofícios dirigidos ao presidente da Província, pressionavam o governo que, por sua vez
comunicava, por meio de documentação, o descontentamento da classe senhorial do Norte da
Província mato-grossense à Corte Imperial no Rio de Janeiro.
O Encarregado de Negócios brasileiro, cargo, à época, ocupado por Rego Monteiro,
diplomata brasileiro e negociador do Brasil junto à representação boliviana, defendia o direito
de propriedade privada, argumentando que no ato da posse o proprietário pagava pelo cativo
(CALDEIRA, 2008). Em contraponto, a argumentação dos diplomatas representantes do
governo boliviano pautava-se no Código Penal da Bolívia (1836), que ao tratar de assuntos
relacionados ao asilo político de cativos na República Boliviana, adotou o princípio do
território livre, no qual o artigo 109 prescrevia: “[...] el territorio boliviano é un asilo
35.
inviolable para los esclavos desde el momento de pisarlo”

35
LIB em Sucre. In: AHI (211/01/18). Nota nº 1, de 14/12/1842, contendo a resposta do Ministro dasRelações
Exteriores da Bolívia Manuel de la Cruz Mendez ao Ministro e Secretário de Estado dosNegócios Estrangeiros
Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, apensa ao ofício n° 5, de 29/12/1842 apud CALDEIRA(2008,p. 64).
75

Nesse viés interpretativo, em escala local, no ano de 1880 O Iniciador publicou um


aviso da Delegacia de Polícia em que relata: “[...] o italiano Santiago Oliver, que junto a
Januário Manuel Viana esteve em “Pedra Branca” para capturar escravos foi preso num lugar
denominado Paraguay-Mirim”. (O Iniciador, 20/05/1880, p. 3). Decorrido aproximadamente
o tempo de um mês, o Sr. Francisco Agostinho Ribeiro, provavelmente o advogado do
impetrante, entrou na Justiça Pública de Corumbá com um pedido de habeas-corpusa favor do
italiano Santiago Oliver e de Januario Manoel Vianna que estavam presos “preventivamente”.
O pedido de habeas-corpus foi acatado pela Justiça Pública.
Um outro momento de porosidade e tensões no espaço de fronteira a Justiça Pública
comunicou, através do jornal, à absolvição do réu indigitado pelo crime cometido em “Pedra
Branca”:
[...] constando que foi absolvido o réu José Antonio do Monte da denúncia
da Promotoria Pública, como autor das mortes praticadas na Pedra Branca
(Bolívia) nas pessoas de Zabala e Santyago (bolivianos) e de ferimento em
Nicola Becarano (todos bolivianos). (O Iniciador, 02/08/1879, p.3).

Este caso é relevante não só porque permite visualizarmos, em escala local, as tensões
ocorridas na fronteira boliviana, mas materializa o campo de lutas e o sentido que “Pedra
Branca” representava para o cativo- abrigo.
Ainda a respeito das contendas entre as Aduanas de Corumbá e da Bolíviasobre a
invasão do território boliviano para capturar cativos em “Pedra Branca”, à autoridade
boliviana estabelecida no destacamento militar conhecida por “Pedra Branca” foi quem “[...]
representara contra o fato ao comandante da fronteira de Corumbá que transmitiu a
representação ao senhor delegado” (O Iniciador, 20/05/1880, p. 1).Como forma de controle
da área de fronteira de Corumbá com a Bolívia o jornal local publicou o “Comunicado da
Delegacia de Polícia” prevenindo os moradores de Corumbá e da região sobre a gratuidade do
“passe” livre e gratuito para aqueles que se dirigiam à Pedra Branca.
[...] a partir do dia 17 de maio de 1880 ninguém transporá a linha limitrophe
com a república da Bolívia [...] deverá apresentar ao comandante do
destacamento estabelecido na Pedra Branca ao pé do respectivo marco; a fim
de evitar a fuga de escravos e criminosos. (O Iniciador, 13/05/1880, p, 4).

A problemática das fugas internacionais de cativos para a Bolívia se deu em um longo


processo, com a mudança político-diplomática observada na alternância de nomeações de
Encarregados de Negócios Estrangeiros que dificultavam e, em alguns momentos, mudavam
completamente o desfecho das negociações, como no episódio ocorrido em 1836:
[...] ano em que o vice-presidente da República assumiu o compromisso de
restituir os cativos que buscassem o asilo do solo boliviano. [...] como
medidas o governo boliviano mandou reforçar a fiscalização da polícia nas
76

áreas de fronteira [...] como principal medida seria o cumprimento da


exigência do passaporte legal de todos aqueles que pretendessem entrar no
país (CALDEIRA, 2008, p. 68).

Relevante apontar o contexto político do Brasil na assinatura do Tratado de Amizade,


Limites, Navegação, Comércio e Extradição, também conhecidos por Tratado de Ayacucho,
assinado na cidade de La Paz-Bolívia, em 27/03/186736. Foi firmado entre as partes Felippe
Lopes Netto, ministro do Brasil, e Mariano Donato Muñoz, ministro boliviano. Conforme
Caldeira (2008) o Tratado de Ayacucho, entre as demais questões, tratava da extradição e
devolução de cativos asilados na Bolívia, foi assinado em um contexto de guerra no qual se
encontrava o Império do Brasil com a República do Paraguai durante sete anos (1864-1870),
dado que:
Neste momento, o temor de que se formasse uma aliança antibrasileira no
subsitema andino levou os formuladores da política externa brasileira a
conceder a navegação fluvial aos ribeirinhos superiores. Além disso os
constantes protestos do governo boliviano em relação aos limites territoriais
também contribuíram para que o Tratado de La Paz de Ayacucho fosse
confirmado pela chancelaria brasileira em 1868, mesmo sem assegurar a
devolução dos cativos que fugiam em direção à Bolívia 37.

Não iremos nos deter nas discussões do Tratado de Ayacucho, abordaremos apenas a
questão sobre a extradição de cativos da Bolívia para o Brasil. Acerca dessa temática Caldeira
(2008, p. 170) argumenta: “[...] foi o acerto de uma extensa área de fronteira, o que
determinou o fim de uma antiga preocupação da diplomacia brasileira em um momento
crucial de conflito no subsistema platino”. O autor ainda afirma a respeito da devolução de
cativos brasileiros asilados na Bolívia:
[...] notamos que a concessão ou não do asilo territorial, bem como da
extradição [...] foi deixada em aberto, criando as condições ideais para que
cada parte contratante prestasse a interpretação que melhor atendesse aos
seus interesses (CALDEIRA, 2008, p. 97).

A esse respeito, em escala local não encontramos nenhum caso de devolução do cativo
que estivesse refugiado em “Pedra Branca” e seus arredores.

36
AHI 317/04/15 – Minuta do projeto de tratado de Antônio Couto de Sá e Albuquerque a Felipe Lopes Neto,
redigida no Rio de Janeiro em 24/11/1866.
37
Relatório da Repartição dos Negócios Estrangeiros (RRNE), 1868, p. 63-74.In: CALDEIRA, 2008, p. 126.
77

3.3 Fronteira como Recurso Social: Refúgio em “Pedra Branca”

Em escala local, conforme as fontes documentais direcionam, em fins do período


escravista brasileiro os cativos que fugiam de Corumbá se abrigavam no território boliviano,
no lugar denominado “Pedra Branca”.

Figura 5- Canal do Tamengo e Laguna Cáceres- Fronteira Brasil/Bolívia(Fonte: Google Maps).

Conforme já assinalamos, a expressão “Pedra Branca” remete a dois vetores de


pesquisa: primeiro, considera-se que a expressão trata do lugar onde vivia uma população,
provavelmente, do grupo étnico indígena Chiquitano ou uma população nativa da Bolívia;
segundo, a expressão “Pedra Branca” é utilizada, de acordo com fontes primárias, para referir
ao destacamento militar, um posto avançado de vigilância localizado em território boliviano,
no limite fronteiriço entre Corumbá e a República da Bolívia.
A figura acima é uma tentativa de se apresentar a localização aproximada, do povoado
de “Pedra Branca”, que conforme os vestígios das fontes considera-se para este trabalho tratar
da área atualmente pertencente à Armada Boliviana (Marinha), está localizada a Base Naval
Tamengo, de fronte ao marco divisor do limite territorial do Brasil com a Bolívia (na figura
acima denominada Hito Tamarinero, margem norte do Canal do Tamengo), a Leste de Puerto
Suarez e Oeste de Corumbá na margem direita do Canal do Tamengo, Latitude
78

18º59‟36.90‟‟(S) e Longitude 57º42‟21.59” 9 (O). A figura acima é um registro feito a partir


de imagem de satélite atual, no qual traz o registro da estrada atual da Base Naval Tamengo,
outrora, conforme tentamos apontar, possivelmente localizado em seus arredores uma
pequena população de nativos bolivianos.
Agora, no mesmo sentido de localizar o destacamento militar de “Pedra Branca”,
temos a figura abaixo onde hoje é o Porto Gravetal.

Figura 6-Portos fluviais- Provável localização do destacamento militar boliviano de “Pedra Branca”(Fonte: Plan
de Desarrollo Departamental. Secretaria de Desarrollo Productivo, Gobierno Autónomo Departamental de Santa
Cruz).

O círculo localizado na borda extrema direita da figura, na qual hoje se localiza o farol
de vigilância boliviano, é o ponto mais próximo da região de Corumbá.
Tanto o povoado quanto o destacamento militar de “Pedra Branca” se situavam na
região do território boliviano (coordenadas aproximadas de latitude máxima onde está o posto
de vigilância boliviano: 18º58‟49‟‟04 (S) e 19º00‟49.45‟ (O). Quanto à forma de acesso para
“Pedra Branca”, poderia ocorrer via navegação no Canal do Tamengo ou por terra.
79

Figura 7- Marco de limite territorial Bolívia/Brasil-HitoTamarinero (Foto da autora).

A figura acima é o marco territorial conhecido por HitoTamarinero localizado no


quilometro (7,5 Km) referente a distância do porto de Corumbá-(percurso do Canal do
Tamengo que é de 10,5).O Canal do Tamengo é de soberania compartilhada com a Bolívia.
Na Acta de Fundacionde Puerto Suarez,Miguel Suarez Arana se referiu ao marco divisor dos
limites do Brasil com a Bolívia nos seguintes termos:
[...] en senãl del dominio, posesion y soberania la República del Bolivian en
el Puerto y territorio adyjacente, izén la bandera nacional de la nacion, la que
permaneció flameando durante todo el dia y custodiara pela guarda boliviana
que constituí en la Piedra Blanca que esta al el frente el mismo divisório que
determina y assinala los limites38.
Como se chegava até “Pedra Branca”? As fontes sinalizam para duas prováveis
alternativas. A primeira seria pela estrada de terra, (sentido de direção Leste/Oeste) que

38
Acta de fundación de Puerto Suarez. In: Puerto Quijarro, passado e presente. 2011, p. 60.
80

conduzia até o limite do território do brasileiro, considerado neste trabalho, local situado em
frente de onde é hoje o Porto Gravetal, daí atravessar o Canal do Tamengo, para alcançar o
lado boliviano da fronteira, onde estava, possivelmente, o destacamento militar boliviano. De
outra maneira, o trajeto de chegada a Puerto Suarez, saindo de Corumbá, ocorria pelo
caminho fluvial, através do Canal do Tamengo desembocava na Laguna Cáceres (Puerto
Suarez). Entretanto, é relevante considerar que estamos tratando de uma extensa região de
fronteira (Brasil/Bolívia) e como tal há que se considerar uma de suas características, a
porosidade.
Era patente, conforme apontam os documentos, que por essas trajetórias passavam não
só mercadorias, mas sujeitos territoriais nos quais imprimiam um movimento pendular de
deslocamento (ir/vir) de Corumbá/Pedra Branca.
Dessa forma, não só cativos se dirigiam, passavam ou refugiavam por lá. Era uma
região de certa forma dinâmica. Como dado empírico, há o caso da paraguaia Maria Dolores,
morreu afogada “[...] na embocadura da baia do Tamengo quando seguiam para o
destacamento militar Pedra Branca, acontecendo ir a pique à montaria em que viajavam” (O
Iniciador, 19 de setembro de 1880, p. 1).
O Iniciador publicou que Maria Dolores estava acompanhada por dois soldados que
sobreviveram ao naufrágio. O corpo da paraguaia foi encontrado somente dois dias após o
sinistro acidente e no mesmo lugar onde havia afundado a embarcação. O delegado de polícia
acompanhou o médico Jayme Guimaraes e o pharmaceutico Tibério de Oliveira para
examinarem o cadáver.
Esse documento não nos permite afirmar se a paraguaia era moradora ou não de Pedra
Branca, entretanto, outros documentos jornalísticos permitem considerar que naquele povoado
estiveram firmados nativos cativos e outros sujeitos que se dirigiram à localidade.
Nesse sentido, há o documento que sinaliza para outra possível instrumentalização da
fronteira enquanto recurso social. O periódico O Iniciador traz na coluna “Campo Neutro”,
uma matéria de autoria de Sr. Pedro I. Franco, proprietário de um terreno situado em “Pedra
Branca”, conforme transcriçao:
[...] cujo terreno mede 4légoas de frente que desemboca na bahia seguindo
em direção ao poente sobre a margem da dita bahia avisa as pessoas que ali
tenhão occupado o dito terreno, com galpões caza ou gado a virem
entenderem-se com o infraescripto no prazo de 15 dias a fim de tratarem
desse assumpto sob pena de perderem as benfeitorias que no mesmo terreno
tenham feito sem sua previa licença. Para informações dirijam-se a casa de
Pedro Rodrigues39.
39
O Iniciador 04/06/1882. In: Hemeroteca Digital do Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
81

Compreendemos a questão acima como uma disputa por “Pedra Branca” entre atores
sociais no espaço fronteiriço, o que poderia ser também entre estes e sujeitos políticos
institucionais locais “[...] que em busca de seus interesses participam de uma disputa pelas
características e sentidos da fronteira através da qual a própria fronteira é construída e
redefinida” (GRIMSON, 2000, p.2-3).
Ademais, a relevância do documento assinado pelo delegado de polícia João Antônio
Rodrigues é relevante, pois permite apontarmos a localização provável de “Pedra Branca”,
nas proximidades da Laguna Cáceres, onde o marco demarcatório dos limites fronteiriços de
Corumbá com a Bolívia estava estabelecido da seguinte forma:
[...] prossegue a linha divisória pelo meio do Canal do Tamengo por cerca de
6,4 km até um ponto próximo à entrada da Lagoa de Cáceres, na altura da
Base Naval Boliviana Tamengo, que se encontra na margem sul do Canal e
defronte ao Marco Principal “Tamarinero”, erguido na margem norte do
mesmo canal40.

A localização do marco demarcador de limite é parte do documento “Descrição da


Fronteira Brasil/Bolívia parte Sul”. Traz a assinatura de direitos reconhecidos assinados pela
chancelaria boliviana e brasileira. O documento a respeito do Sr. Pedro I. Franco permite
observar a “gênese” da organização territorial de “Pedra Branca”, da movimentação,
aproximação e interações transfronteiriças.
A respeito dos fluxos, não apenas dos sujeitos, há o exemplo do “Aviso” da Aduana
Nacional Boliviana:
En cumplimiento a los dispuestos en el reglamento y más disposiciones
vigentes en el esta aduan, se hace saber al comercio Boliviano y a todos los
interesados q‟ todas las cargas procedentes del extrangero sea en tránsito,
reexportada ó baldeadas seram dirigidas directamente desde el puerto de
Corumbá (Brasil) al Puerto Suarez, quedando asi entendido que toda y
cualquier embarcacion de mayor ó menor calado, no podra bajo pretexto
alguno, desde esta fecha tocar en cualquer puerto en su trayecto sin previo
permiso de esta misma aduana. El administrador Jacobo Bernheim (O
Iniciador, 24/04/1886, p.4).

A respeito dos fluxos de mercadorias há o Inquérito Policial instaurado pelo delegado


de polícia da cidade (a matéria não faz referência ao nome do delegado) de Corumbá contra o
Sr. Máximo Polack, de nacionalidade boliviana, de acordo com matéria publicada no
periódico local. O artigo refere-se à situação de contrabando de “uma factura de fazendas
entre as quais venham umas camisas de riscado efetuado pelo Sr. Polack e com a aquiescência

40
Segunda Comissão Brasileira demarcadora de limites. In: <http://sistemas.mre.gov.br/kitweb/datafiles/Scdl/pt-
br>. Acesso em: 21 set. 2013.
82

do vice-cônsul do Brasil na Bolívia” (O Iniciador 25/01/1879, p.1). O documento aponta que


a alfândega local permitiu que as mercadorias passassem as mãos do Sr. Polack diante do
pagamento de uma fiança. O autor da matéria (que não teve assinatura, trata-se possivelmente
de um Editorial) questiona que as mercadorias destinadas à exportação, para a Bolívia, foram
desviadas no trajeto,
[...] tempos depois Polack apresentou o certificado exigido e em
consequência levantou a caução, consta, porém que esta factura ou parte dela
foi vendida em Corumbá, e que um comerciante desta praça comprara as
camisas que delas faziam parte e consta também que foi oferecera a um
outro comerciante; ficando, portanto defraudado os direitos nacionais (O
Iniciador, 25/0/1879, p.1).

Acerca do contrabando, conforme Grimson (2000), a vida cotidiana dos agentes


territoriais na fronteira é também o cotidiano das ações do público representado pelo Estado
(considerando sempre as instâncias de alcance de poder: central, regional e local), pelo
privado (organizações e setores sociais) e da relação entre ambos. Analogicamente, há o caso
do Sr. Polack, tratada como contrabando pela administração local. De maneira que no
contexto de fronteira é relevante considerar: “[...] as populações fronteiriças não são grupos
homogêneos, vítimas por igual de imposições estatais, mas é um conjunto de agentes sociais
diversos com interesses, práticas e discursos contrastantes” (GRIMSON, 2000, p. 1).
Quanto aos produtos pertencentes à Polack, no caso as camisas vendidas,
posteriormente revendidas por outro comerciante na região, o autor da matéria jornalística
declarou que “[...] depois soube-se que este não era o único fato desta natureza que se tinha
dado e que outras mercadorias nas mesmas condições foram introduzidas nesta cidade”( O
Iniciador, 25/0/1879, p. 1).
Grimson (2000) afirma que, em se tratando de questões referentes a categoria
fronteira, deve-se “[...] em cada cidade ou espaço fronteiriço há pessoas que trabalham de
cruzar mercadorias ao outro lado, evitando os controles aduaneiros. Vivem de cruzar as
fronteiras [...]” (GRIMSON, 2000, p.4).
Relevante a questão de Polack porque é mais um momento desta pesquisa que permite
apreender a provável localização de Pedra Branca e, além disso, permite pinçarmos os
elementos, ainda que tenuamente, apontam para a organização do território de “Pedra
Branca”.
[...] há pouco tempo o Sr. Polack acaba de estabelecer uma casa de comercio
num lugar denominado “Pedra Branca”[território boliviano] (grifo do autor
da matéria jornalística) que se acha a 4 léguas desta cidade e mais ou menos
uma légua do marco divisório dos nossos limites com aquela República (O
Iniciador, 25/01/1879).
83

Outrossim, a respeito da organização do espaço territorial de “Pedra Branca”:


[...] será bom que se saiba que haverá quando muito em Pedra Branca mais
do que umas 10 ou 12 casas de palha, que não há com quem comerciar e que
o único comercio possível é introduzindo as mercadorias nas primeiras villas
ou povoações da Bolívia, Santa Cruz de La Sierra e Santo Corazón, a mais
próxima das quais fica distante 60 léguas mais ou menos (O Iniciador,
25/01/1879, p. 1).

Para encerrar esse episódio o Sr. Polack protestou contra a caução solicitada pela
Alfândega para que esta liberasse suas mercadorias. Novamente, em outro momento o jornal
local publicou uma matéria, sem assinatura do autor, na coluna “Cousas Locaes” que tecia
crítica ao comerciante Sr. Polack, da seguinte maneira:
Afirmam-nos que a Bolívia trata de instalar uma Alfandega na Pedra Branca
já, e que está nomeado Inspectordella o Sr. Máximo Polack. Que
comentários não poderíamos nós fazer sobre essa nomeação... ficará para
depois (O Iniciador, 02/03/1879, p.2).

Acerca das transações comerciais da Alfandega boliviana, o jornal O Iniciador


apresentou uma matéria em defesa à probidade administrativa do Sr. Rafael Augusti,
comerciante da cidade de Montevidéu e sócio da empresa receptora dos direitos da Alfandega
boliviana de Puerto Suarez. O redator do jornal, em função dos rumores que corriam na
cidade contra o capitalista uruguaio, defendeu a seriedade das intenções comerciais e
administrativas do Sr. Rafael, naquele momento este se encontrava no Uruguai. De acordo
com o jornal:
[...] ele nunca abrigou a idéia de especular importando mercador constou-nos
e supõe algumas pessoas, que elle se limitara unicamente a arrecadação dos
direitos devidos de conformidade com os regulamentos e leis em vigor na
vizinha República que na arrecadação desses direitos procedera com toda
imparciabilidade, cumprindo estritamente as disposições legais de modo a
colocar o Oriente da Bolívia em condições de igualdade e equidade
conforme as leis da República (O Iniciador, 17/08/1886, p.3).

Com os casos dos Srs. Máximo Polack e Rafael Augustini, percebe-seum nó nas
relações estabelecidas entre o jornal O Iniciador, funcionários públicos (Máximo Polack e
Rafael Augustini) e a Alfândega local. A questão do Sr. Polack, acusado de descaminho das
mercadorias remete as considerações de Costa (2013, p. 485) a esse respeito:
É justamente por ser um espaço liminar que a fronteira se constitui, por um
lado, como uma área propícia à insubordinação de indivíduos e grupos
sociais em relação à legislação nacional, ou seja, como um lugar onde existe
relativa liberdade de ação (que a torna uma região mais fluida e não
totalmente estruturada), e, por outro, como um lugar onde se exerce mais
visivelmente o controle a repressão do Estado, que pretende controlar e
regular seu espaço soberano.
84

O autor acrescenta:

[...] na óptica do Estado e do dogma da soberania e “visto” como


contrabando ou “descaminho”, ou ainda como uma prática danosa ao
comércio da cidade, é de fato uma prática comercial e de subsistência que
faz parte da vida das cidades (da região fronteiriça) e da vida das pessoas
(vendedores e consumidores) (COSTA, 2013, p. 482).

Para encerrar, sobre as fugas ocorridas para o lado boliviano da fronteira realizadas
por sujeitos livres, temos dois episódios. O primeiro refere-se ao Sumário Crime, em que era
réu o Sr. Joaquim Chaves e vítima o Sr. Manoel Soares dos Santos. O crime ocorreu em um
lugar denominado Bocaiuval, distante de Corumbá aproximadamente “uma légua”
(correspondente a cinco quilômetros). No ato de arrolamento das testemunhas, o denunciado,
camarada que trabalhava no corte de madeira em Bocaiuval,foi convocado pela Justiça
Pública local para ser ouvido como testemunha. Todavia, o oficial de justiça ao chegar ao
local onde havia ocorrido o crime tomou conhecimento, através da segunda testemunha-
Fellipe de Vera Ferreira (30 anos, índio Guaycuru, morador local e camarada que trabalhava
no corte de madeira no sitio Bocaiuval) comunicou ao oficial de justiça que o Sr. Joaquim
Chaves não se encontrava na localidade estava em “Pedra Branca”.
Importa neste documento não o desenrolar e desfecho do processo criminal cujo réu
era Joaquim Chaves, mas a possibilidade de assegurar, conforme algumas matérias publicadas
no jornal O Iniciador, que “Pedra Branca” servia como um lugar de refúgio de cativos,
criminosos e de outros sujeitos que se apropriaram daquele espaço de acordo com suas
necessidades.
O segundo caso sobre fuga de sujeitos livres para Bolívia, temos abertura do Inquérito
Policial no qual o réu, José Maria Pessoa, “boliviano de Chiquitos”, assassinou no lugar
denominado Jacadigo (arredores de Corumbá) Thimóteo de tal (boliviano). O crime ocorreu
em 22 de dezembro, por ocasião de uma festacom música de viola, momento que haviam
inúmeras pessoas presentes ou próximas da casa onde ocorria a comemoração. Neste caso, o
Sr. Pedro Vacca (boliviano, 40 anos de idade, profissão vaqueiro, morador do lugar
denominado de Jacadigo, proprietário de terras no local) declarouque ao se ausentar das terras
numa comitiva para campear gado tomou conhecimento horas depois de que seu peão José
Maria assinara Thimóteo com um tiro de espingarda. O Sr. Pedro Vacca relatou ao delegado
de polícia de Corumbá que o crime ocorreu porque José Maria estava em luta corporal com
Gregório, boliviano, seu camarada. Então, Thimotéo interviu na briga com o intuito de
apaziguar. Mais tarde, após a briga, José Maria, não gostando da atitude de Thimoteo, o
85

assassinou. No decorrer do processo foram arroladas testemunhas moradoras de Ladário, da Bahia


do Tamengo e do Urucum, que estiveram na festa ocasião do crime. Observou-se que inúmeras
vezes foram convocadas as testemunhas e o oficial de justiça ao realizar a intimação percebeu que
“[...] estas encontravam-se ausentes em lugar ignorado”41. O processo criminal iniciado em 1881
foi concluído no ano de 1886 com a condenação de José Maria.
O caso acima aponta para existência de uma rede de comunicações, mobilidade espacial e
heterogeneidade de agentes sociais que viviam na fronteira e teciam as tramas, os nós, enfim, as
territorialidades entre Corumbá e o território boliviano de “Pedra Branca”. Nessa perspectiva, o
termo “escorregar da fronteira” é apropriado, pois remete ao sentido de fluidez, porosidade,
fluxos, mobilidade espacial dos sujeitos que atravessaram os limites transfronteiriços.
Se as fronteiras favorecem as trocas comerciais da mesma maneira favorecem a
mobilidade de entrada e saída do elemento estrangeiro, Valcuende (2008, p. 28) afirma:
[...] as conjecturas históricas ensejam a mobilidade da população de um país
a outro a partir de interesses concretos [...] e que em tempos de conflitos
internos tem sido também uma realidade habitual possibilitada pela
existência de redes que sobrepassam os limites políticos.

Valcuende (2008) aponta que apesar da fronteira ser um espaço controlado e vigiado
pelo governo, os atores sociais que vivem e movem a dinâmica dessa região, dá outro sentido
para a fronteira, usam-na conforme seus interesses, infringindo os procedimentos
convencionados pelas instituições.
Dessa forma, a circulação de indivíduos na região de fronteira, especialmente a fuga
de escravizados para a Bolívia, foi intensa, motivando a comunicação entre as autoridades dos
dois lados, a nível local, nacional e internacional (CALDEIRA, 2008).
A fuga de cativos para o território boliviano, especificamente, Pedra Branca, foi palco
do viver não só no território de fronteira, mas viver a fronteira, conforme entende Valcuende
(2008), no sentido de apropriar-se dos recursos oportunizados pela condição fronteiriça – o
limite territorial.
De maneira geral, as fontes não nos permitem apontar a localidade de destino de todos
os cativos caracterizados como “fugidos”, entretanto, ressalvamos que o território discrimina-
se de fronteira e a ele está implícita as especificidades próprias “[...] desses espaços, tornados
territórios, é preciso compreendê-los nas suas dinâmicas, nas suas peculiaridades”
(OLIVEIRA, 2011, p. 135).

41
Sumário Crime 1881. Réu: José Maria Pessoa. Arquivo do Fórum de Corumbá (MS).
86

Assim os cativos Abel42, Amaro (34 anos)43, Antonio (27 anos), Benedicto (45 anos)
44
, José (24 anos), Julião (30 anos), Moyses (27 anos), Raymundo (34 anos), Vicente (26
anos), Violante (47 anos)45, Thereza46, Maria Domingas (22 anos), Paula, 33 anos,
Martinha(42 anos) materializaram suas liberdades ao fugir.
Esta pesquisa apresentou empiricamente as permeabilidades e nodosidades da região
de fronteira de Corumbá com a da República da Bolívia analisadas no contexto escravista
local. Por fim “Pedra Branca” representou para os cativos a materialidade da liberdade, onde
estes, ao ultrapassarem os limites territoriais do Brasil com a Bolívia romperam com sua
condição de escravizado.

42
Carta de Liberdade Doc. 04, 1881. In:Como se de ventre livre nascido fosse, 1994, p.. 35.
43
Inventário de José de Souza Lima. 26/02/1887. Arquivo do Fórum de Corumbá(MS).
44
Documento nº 20 Averbação no livro sob nº 166. Arquivo do Fórum de Corumbá(MS).In: MOURA, Z.
Cativos nas terras dos pantanais, 2008, p. 216.
45
Inventário de Thiago José Mangini(1884). Arquivo do Fórum de Corumbá(MS).
46
Carta de Liberdade.Doc.06,1884. In: Como se de ventre livre nascido fosse, 1994, p. 79.
87

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa intitulada “UM MARCO PARA LIBERDADE: “PEDRA BRANCA”.


CATIVOS NA FRONTEIRA DE CORUMBÁ (BR)/PUERTO SUAREZ (BO). (SÉCULO
XIX), foi concebida com o objetivo de analisar de que maneira a fronteira foi
instrumentalizada pelo cativo, ou seja; como este se apropriou do território de fronteira
Oriental da República da Bolívia e extremo Oeste do Império do Brasil para se desvencilhar
de sua condição de escravizado.
Entretanto, no decorrer das leituras das fontes e de suas possíveis interpretações
deparamo-nos com a necessidade de alargarmos o foco de pesquisa. Assim, não
desconsideramos nosso propósito inicial de investigação que era compreender qual a relação
entre fronteira e escravidão- na perspectiva das fugas de cativos além fronteira, entretanto, as
fontes nos direcionaram a considerar “Pedra Branca” como um território onde ocorreram
interações sociais de cativos, bolivianos e sujeitos livres oriundos de Corumbá. Nessa medida,
a pesquisa, revelou o termo “Pedra Branca”, remete a duas situações distintas: a primeira;
refere-se a um marco de limite territorial boliviano, onde foi estabelecido um posto militar
reconhecido pelos sujeitos territoriais que viviam na região. A segunda, referência para o
termo “Pedra Branca” diz respeito à um povoado localizado à margem direita do Canal do
Tamengo, próximo da desembocadura da Laguna Cáceres – nas proximidades em frente ao
marco de limite territorial do Brasil com a Bolívia- este, localizado na margem Norte do
Canal do Tamengo constando como –Hito principal Tamarinero no Km 7,5. De outra
maneira, os dados de pesquisa não permitiram precisar a localização exata do destacamento
militar boliviano, de maneira que em ambos os casos apresentamos, uma localização
aproximada.
Por que fugir para Bolívia? Dois vetores foram fundamentais para que ocorressem as
fugas dos cativos para o território boliviano. O primeiro diz respeito a questões da Geopolítica
onde a descontinuidade jurídica territorial expressa pelo elemento constitutivo e demarcador
político da fronteira internacional – limite territorial- atrelado, a outro vetor, também
fundamental, na Bolívia não existia escravidão negra. De forma que, as questões relativas à
extradição de cativos eram analisadas sob perspectiva diferentes pelo Império do Brasil como
também pela República da Bolívia.
A pesquisa revelou que a questão do limite internacional, foi determinante para que
ocorressem as fugas de cativos de Corumbá para Pedra Branca. Ademais, pode-se considerar
88

que o território de fronteira contribuiu para a desarticulação do sistema escravista em


Corumbá.
A pesquisa apontou que diferentes atores sociais imprimiram um movimento pendular
de deslocamento (ir/vir) ao atravessar a fronteira de Corumbá/Pedra Branca e vice-versa. Os
dados empíricos relacionados conforme a teorização da categoria fronteira apontaram para
ambiguidades e contradições da fronteira quais sejam; lugar de passagem, aproximações e
trocas; ora como limite, lugar de controle, separação e conflito. Assim, se por um lado as
dinâmicas econômicas desse espaço fronteiriço ensejaram uma interação social e trocas
comerciais entre os sujeitos sociais locais e que estão expressas nos fatos históricos ocorridos
em “Pedra Branca”, por outro lado, no espaço existiu tensa relação social observável por
ocasião dos reiterados avisos tanto da Aduana boliviana, como pelos crimes de homicídio e
tentativa de homicídios praticados no lugar em questão.
As fontes encontradas e analisadas não forneceram elementos para adentrarmos e
trabalharmos com as territorialidades dos cativos em “Pedra Branca” ou seja, a documentação
não forneceu elementos que nos possibilitasse entrever o cotidiano dos sujeitos que deixavam
a condição de escravizados após ultrapassar os limites do Brasil com a Bolívia e se
estabelecerem em “Pedra Branca”.
Sendo o território, um produto histórico político social, portanto, em constante
transformação, logo, esta pesquisa não se esgota aqui. Cabem estudos aprofundados sobre
esse espaço no sentido de que seja possível observar as dinâmicas territoriais escravistas
ocorridas no processo continuo de construção, desconstrução e reconstrução do território onde
outrora foi “Pedra Branca” e as relações de poder que se estabeleceram a partir daí até os dias
atuais.
Por fim esse estudo pretende contribuir para o entendimento do processo de
construção histórico-social da fronteira Brasil-Bolívia, como um espaço em constante
movimento com a presença de inúmeros atores sociais e relações de poder que se modificam
ao longo do tempo. Para entendermos a atual configuração social da fronteira Corumbá-
Ladário (Brasil) e Puerto Quijarro e Puerto Suarez (Bolívia), é preciso olhar atentamente ao
passado, sobretudo para a presença ainda invisibilizada dos negros na vida social desta
fronteira, cujo protagonismo foi essencial para a construção das atuais fronteiras dos estados
nacionais.
Na busca pela escrita de uma parte da (re) construção interpretativa da história dessa
fronteira, a partir das fugas de cativos, encontramos algo ainda mais significativo e, em
grande medida, transcendente, que é a história desses indivíduos, homens e mulheres negros
89

que, empregaram outro sentido a fronteira – refúgio - ao se deslocarem para o lado boliviano.
Ademais, com suas presenças, transformaram, moveram a dinâmica desse território
cumpriram, portanto, o papel de protagonistas histórico da região de fronteira.
90

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APÊNDICE A - Fontes utilizadas.

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____________________________________________. 05/08/1883.
____________________________________________. 28/10/1884.
____________________________________________. 24/04/1886.
____________________________________________. 17/08/1886.

-Manuscritas:

CIRCULAR nº 44. 1886.

CIRCULAR nº 53. 1886.

INVENTÁRIO de Thiago José Mangini. Município de Corumbá, 1884.

INVENTÁRIO de Victor AntonioR. Coimbra. Termo de Santa Cruz de Corumbá, 1874.

INVENTÁRIO de José de Souza Lima. Município de Corumbá, 1887.

INVENTÁRIO de Salvador Benedicto de Arruda. Município de Corumbá, 1883.

OFÍCIO 25-07-1883.
98

OFÍCIO 05-02-1883.

OFÍCIO 10-05-1884.

OFÍCIO 09-06-1884.

OFÍCIO 30-08-1884.

OFÍCIO da Junta Classificadora de Escravos enviados para a Coletoria Alfandegaria de


Corumbá, 1874.

OFÍCIO A Câmara de Vereadores de Corumbá, 1883.

OFÍCIO de registro de batismo de escravos enviado pelo frei Mariano de Bagnaia a Câmarade
Vereadores de Santa Cruz de Corumbá, 1874.

PROCESSO CRIME. Réu. Joaquim Chaves. Temo de Santa Cruz de Corumbá, 1875.

PROCESSO CRIME. Réu José Maria Pessoa, 1881.

PROCESSO CRIME. Réu Ulderico Colombo,1884.

PROCESSO DE RESPONSABILIDADE. Réu Joaquim Antônio, 1880.

RECIBO de pagamento referente ao fornecimento de produtos para a Sociedade Abolicionista


de Corumbá, 1884.

RECIBO de pagamento referente ao bazar abolicionista de Corumbá, 1884.

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