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Ontogênese e Formas Particulares Da Função de Direção: Introdução Aos Fundamentos Históricos para A Crítica Marxista Da Administração
Ontogênese e Formas Particulares Da Função de Direção: Introdução Aos Fundamentos Históricos para A Crítica Marxista Da Administração
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1. Administração 2. Capitalisrno 3
·Mariusrno
· 1. Título.
coo 350
CDU 350
R.i.zorna EdltoriaJ
Caixa Postal 4652
20551-970, R'•o deJane'l
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ya oo.corn.br
Impresso no 8 rasi[
2018
Ontogênese e Formas Particulares da Função de Direção:
Introdução aos Fundamentos Históricos para a Crítica
Marxista da Administração '
Introdução
lfaço uso no pre~nlc texto de extensa influência de basicarnenle Marx, Lukács e Chasin. De
Marx foram variados materiw. De Lukács (2012; 2013), fiz uso da Ontologia da ser social, e de
Chasin (2009), do Marx · Esraruro onlol6g1co t resoluçdo mttodológlca. Evitei proposilalmenle curtas
ou longas citações, correndo risco de perder ngor na demc:mJtração de algumas provas. Tentei
compensar isso com uma exposição mn1s d1rrta e orientada parn quem começou ou pret~nde
começar 111cursõu no malenalismo de Marx. Mas aprescnlo também queslões que vão além
daquilo que esses autores pcnrulirarn, preenchendo um défic,t exislenle sobre a ontogénese da
função d e dtreçio. t pr<ciso dizer que, na quahdade de ínlrodução, não Igualo Marx e Lukâcs e
nem foi p osslvel um lralamento dedicado ao eslalulo do 1111balho ou da polílica cm cada um deles.
Submeti os diferenças ao esforço de apontar para a ontogénese da função de d ireção ainda que
Isso implique achados inicialmente abstratos,
16 Ontogénese e Formas Particulares da Função de Direção
a~stração ~ vice-versa Mas isso ainda nos deixa distantes de uma deter-
~açao maten al do problema. qual seja. as condições reais de possibilidade
o esenvolvunento dessas práticas sociais, algumas mais contingentes do que
outras, como veremos.
Mas reco_nhecer que existem elementos comuns não pode ser critério
para_ homogen~J.Zar essas práticas. Nas três práticas temos homens, meios,
6:11alidades... Du.er que tudo é a administra.ção ou dizer que tudo é política ou,
~da. que tudo ~-guerra, é a derrota do pensamento na superfície dos fenômenos;
nivd ~ ~ aliás, freq~entemente o pensamento é de fato derrotado quando a
ele se limita. Somos obngados a rastrear as razões dessa igualdade que não se
~onfirma como plena igualdade. Persiste entre essas práticas uma relação de
identidade e de não identidade, isto é, os elementos comuns coabitam o mesmo
território em conjunto com as diferenças, de modo que sempre resta algo de
política e de guerra na administração e algo de administrativo na política e
na guerr a. O unportante é destacar que as razões da identidade não podem
ser encontradas diretamente em qualquer uma dessas práticas sociais, nem as
razões para a diferenciação entre elas.
Se quisermos de fato inspecionar tais razões devemos lançar os olhos a
um período bastante regredido no tempo de modo a determinar as condições
daquela diferenciação (200.000, 250-000 anos). Para se diferenciarem e ainda
se manterem relacionadas (de modo a encontrarmos em cada uma, vestígios
das demais), é preciso que se entíficassem a partir de um mesmo ponto, de
uma mesma génese - mas não que tenham o mesmo tempo histórico uma vez
que podem se desenvolver de modo desigual, cada qual em direções diferentes.
No entanto, apenas uma gênese comum permitiria que encontrássemos traços
também em comum.
Além da \"Ontade de irlspecionar aquelas razões, devemos procurar condi-
ções que nos permitam identificar os problemas centrais. Uma dessas condições
básicas é não procurar fora do território concreto, fora da vida real e das relações
objetivas que os homens contraíram e que hoje se reproduz a cada instante na
direção de produzir e reproduzir a própria vida humana. Apenas tais relações
bastante objetivas e reais podem fornecer as pistas para nossa investigação.
Uma segunda condição é reconhecer que nosso problema é histórico e concreto,
isto é, não o resolveremos por meio de conceitos abstratos e ahistóricos como,
por exemplo, assumir que "administração é a arte de fazer coisas através de
pessoas~ (frase atribuída a Mary Parker FoUett). Como dissemos antes, isso não
mostra a diferença específica dessa prática social que queremos determinar. Em
outras palavras, apenas o modo como os homens se organizam para produzir
e reproduzir materialmente fornece os traços por meio dos quais é possível
identificar a especificidade da administração frente a outras práticas sociais.
CRITICA MARXlSTA DA ADMINISTRAÇÃO 17
Parece pouco, mas não é; é difícil abandonar o velho hábito de pensar por
conceitos, saltando de definição em definição em busca de uma que acomode
tranquilamente os problemas sem, ao mesmo tempo, tocar na efetividade d as
coisas. Reconhecer o movimento oposto é assumir que as coisas que enfren-
tamos são produtos históricos que se alteram e, como tais, somente podem
ser apreendidos pela história. Por isso um conceito geral ajuda muito pouco;
pode dar conforto momentâneo ao cérebro, ajudar a escrever livros e fazer
provas, mas também nos mantêm mais distantes dos traços reais. Em suma, é
preciso reconhecer que a administração se explica pelo modo como os homens
produzem no interior de relações sociais historicamente determinadas.
Isso nos leva aos dois elementos mais básicos em qualquer modo pelo
qual os homens produzem e reproduzem sua existência. Um dos elementos é a
natureza como condição ineliminável da existência humana. Ainda hoje, mesmo
com o grande avanço da capacidade humana, essa relação não é rompível. É,
primariamente, da relação com a natureza que os homens vão, ao longo da
história, fazendo-se homens; a própria humanização é um resultado de incontá-
veis gerações de hominídeos, procurando resolver a equação da sobrevivência,
dos "se-então" práticos com relação às coisas e aos meios de produção que
necessariamente tiveram que desenvolver.
Aqui, imediatamente, já se encontra o segundo elemento ineliminável: o
trabalho, a atividade produtiva 2 • É certo que foi possível a existência da natureza
nela mesma, sem a atuação concreta dos homens. O contrário é inteiramente
falso, pois a natureza é uma condição básica para a existência dos homens
no plano social que foi, ao longo de inúmeras gerações, se desenvolvendo. O
ponto de destaque é que aos poucos, a hominização do homem corresponde
ao processo de afastar cada vez mais as chamadas barreiras naturais. Aos
poucos os homens se tornam, consideravelmente, os demiurgos da natureza.
Por meio do que adquiriram tal capacidade, que é também seu processo de
humanização, destacando-se do imediato território da natureza e confirmando-
se como autenticamente social? É por meio da atividade produtiva.em meio à
irrefreável atuação do acaso, que homens se fizeram homens, transformando
a natureza e transformando a si próprios, colocando-os em outro nível de
2
0 problemà do trabalho em Marx é objelo de muita discussão. Entendo que se trata de uma
categoria embutida em uma outra, mais ampla, c h amada atividade sensível e que abarca outras
dimensões da vida, mesmo em eras regredidas no tempo. Se destaco o trabalho é para limitar a
análise ao plano econômico como ponto de partida.
18 Ontogênese e Focmas Particulares da Função de Din
das coisas em princípios subjetivos que muitas vezes podem ser universalizados
para outros materiais e atividades (Temos em mente, por exemplo, as práticas
muito regredidas no tempo sobre as formas pontiagudas postas pela natureza,
como espinhos, e a. progressiva transposição dessa propriedade para outros
materiais e que apenas muito mais tarde pôde existir abstratamente como re-
lação inversamente proporcional entre área e pressão. Os variados ·se-então"
dessa espécie existentes na objetividade mesma podem ser reproduzidos pela
subjetividade, o que cria as condições para o desenvolvimento de outras práticas,
como a ciência).
É a prática humana que transmuta o objetivo em subjetivo e vice-versa;
como dissemos, a h.ominização do homem resulta desse processo tendente ao
infinito - mas que encontra obstáculos historicamente contingentes, como as
próprias relações sociais existentes que podem limitar esse processo. Persiste
assim o fato essencial (e não exclusivo4), de que a subjetividade (trabalhador),
a objetividade (objetos e meios de produção) e a prática real que medeia a
subjetividade e a objetividade são elementos comuns às diferentes formas do
trabalho sobre a natureza, nos primórdios da humanidade ou nos tempos mais
atuais e sofrem alteração ao longo da história. A história humana, portanto, é a
história dessa transformação. Obviamente, inúmeras questões se alteram, como
a capacidade produtiva, as técnicas, os materiais e principalmente a relação
entre os homens e essas coisas e as próprias relações sociais no interior das
quais essa produção ocorre - de obstáculos podem vir a ser desobstrutivas. Mas
nada disso altera o fato de que em todo processo de produção há aqueles três
elementos básicos.
Tendo em lllente O trabalho em sua forma mais simples, com baixíssimo
grau de desenvolvimento dos meios de produção, veremos que o processo de
trabalho em si mesn,0 já é produto de longo desenvolvimento e que dependeu de
inúmeras gerações. Podemos destacar atividades bastante banais, como quebrar
cascas de amêndo~s. mas que possivelmente foram atividades corriqueiras na
vida diária daqueles homens em tempos passados. À primeira vista é uma
atividade de fato b.astante simples, mas que comporta inúmeros elementos e
processos important tes entre os quais podemos destacar os mais essenciais e que
nos ajudarão, mais ailianle, apree nder o desenvolvimento da administração.
É possível dlizer que a atividade produ tiva é uma unidade entre dois mo-
mentos relacionad,os, porém diferentes: a preparação e a reaJização. A eficácia
da atividade depe:inde não apenas da mera existência desses dois momentos
•ver nota anterior.
20
Ontogênese e Formas Particulares da F unçao
• de Direção
.
meios, mas também as próprias práticas anteriores e seus resultados são fatores
nada desprezíveis, pois já enriquecem o leque de possibilidades por meio da
apreensão das propriedades e efeitos básicos de algumas coisas e da combinação
entre elas (a rocha, a árvore e o confronto com as cascas por intermédio da
ação imediata dos próprios homens: "se chocar a casca contra a rocha, então
..."). Aqui já se explicita a preparação como resultado de processos de realização
anteriores. Mas importa destacar que a investigaç.ão expressa a procura dos
melhores meios de realização das finalidades, como, em nosso exemplo, a busca
por pedras adequadas para o efeito desejado. A essa investigação corresponde
a apreensão das propriedades das coisas, os efeitos de suas formas, massas e
modo de utilização (com maior ou menor força em um número adequado de
batidas). No momento da preparação, portanto, o protagonismo é da relação
subjetividade-prática e sobressaem as escolhas no campo das possibilidades
que dizem respeito aos meios, aos instrumentos, às coisas por meio das quais a
atividade produtiva pode ser realizada.
O outro momento da unidade, a realização, também pode ser diferenciado
em alguns elementos importantes. O protagonismo agora é a relação prática-
objetividade e se destaca o processo de uso efetivo dos meios e os resultados
também efetivos dessa utilização. A realização propriamente coloca em jogo
as forças reais, não só a potência da subjetividade, da vontade, mas também
a capacidade física, a articulação entre músculos e cérebro. Destacam-se aqui
simultaneamente o autocontrole e o controle das coisas. A isso corresponde a
atividade mais ou menos individual. Mais adiante veremos como se complexifica
quando consideramos o trabalho combinado, que envolve atividade de mais
pessoas simultaneamente.
No plano do controle, trata-se de algo mais imediato e diretamente
Ligado à tarefa, no caso, de quebrar cascas. O controle das coisas explicita o uso
correto da pedra e de outros materiais (como avaliação do desgaste, colocação
aproximada entre pedras e amêndoas etc.) segundo os fins estabelecidos. É
essa realização que fornece os critérios para o uso dos meios, mas também para
uma nova investigação. Nesse tipo de atividade muito simples que estamos
analisando, esses componentes ocorrem quase sempre sem muita distinção
geográfica e temporal, isto é, no controle das coisas se dá simultaneamente a
investigação dos meios (como elemento da preparação) como, por exemplo, o uso
de pedras para golpear as cascas, mas pedras em formatos e pesos cada vez mais
adequados. O autocontrole, por sua vez, destaca a necessidade da disposição
fisica e mental na execução dos movimentos. Isso significa um controle dos
músculos e da própria vontade, mantendo sob tutela a ansiedade, as frustrações e
os prazeres provenientes da realização efetiva dos efeitos desejados. Aqui se dão
as decisões com relação ao emprego da força e do modo, decisões que ocorrem
22 Ontogênese e Formas Particulares da Função de Direção
Funções d e d ireção econôm ica , militar e poliit ica: divisão social e gênese
da administração das cois as e dos homen s
Nossa atenção recai mais sobre o território económico não apenas por
ele ser a base real para a gênese da função de direção económica, política e
militar, como também pelo fato de se constituir o elo tónico do todo articulado
(Chasin, 2009), o fator preponderante (Marx, 2011) no conjunto dos territórios
em reciprocidade. Significa dizer que em todo conjunto articulado de mútuas de-
terminações históricas, um dos fatores desempenha a preponderância. No nosso
caso, são as relações objetivas de produção, familiares, afetivas, educacionais
etc. ligadas à produção e reprodução material. Sem um fator preponderante,
esse todo articulado fica sem rumo e indeterminado (Lukács, 2012). Mas esse
fator somente prepondera em razão de que em cada caso histórico-concreto
outros fatores desempenham o protagonismo frente aos demais que não são
relações objetivas de produção e realizam importantes mediações nessas re-
lações (Paço Cunha, 2015a). Em determinadas sociedades, é a religião que
desempenha o protagonismo, em outras é a política, por exemplo. E o que
explica esse protagonismo é o modo das relações objetivas, pois protagonismo
não é preponderância. O protagonismo se dá na relação entre os elementos
chamados superestruturais. E o que prepondera nesse todo articulado é o e lo
tónico dado pela base económica da sociedade. Trata-se de algo totalmente
distinto de uma relação causal.
E ao lançar a atenção ao território económico, determinamos a adrninis
tração dos homens e das coisas como forma particular da função de direção.
como uma prática social derivada e que progressivamente se desenvolve de
maneira heterogênea em relação ao seu terrilório de origem sem nunca o aban-
donar inteiramente. Vimos que o desdobran,ento e a posterior separação da
função de direção económica em relação ao trabalho se consumam com a divisão
técnica e com a divisão social do trabalho rcspectivamente. E essa análise no,
ensinou que somente é possível determinar a função social de direção a partil
do caráter das relações sociais de produção.
aprendem
mas quand bcd- ...-adores, ganhando doces quando obedecem,
a obedecer
d
' o eso eccm. sofrem pun1ÇÕ6 até que se submetam de
boa .vontade
• ao. domador. Os ciezmhos são mwto '-'e .
uw nores aos h omens
em rntehgcnclll. mas, apnar disso, aprendem desse modo a dar voltas
cambalhotas
• e outras coisas Quando obedecem. ganham ""60
aln que descJam.•
mas,~ nao a~endem, sio c:astipdos Quanto aos homens, é possível faz.e.
los mru~ d6cel5 usando umWm a palavra, mostrando·lhes que obedecu
~ vantaioso Pai:ª eles e quanto "'°s escravos. o método de wucoção que
pensamos convir para 0$ a.D,.11J'.Y.1S também f muito eficiente para cnsin~ 105
a obedecer. De fato. wtisúundo-lhes o estõmago na medida de seu apetite,
mwto conseguiraS dtld As naturezas que amam as honras são incitadas
também 'pelo lou\"Or. pots algumas naturezas são ávidas de louvor não
menos que outras o~ dt corruda ou bebida. 10. Esses recursos, portanto,
dos quais me sirvo pensando turnar mais dóceis os homens, ensino àqueles
de quem quero fazer intendentes Eu também o que faço p:ira aJudá-los: os
mantos e os calçados que devo fornecer aos trabalhadores mando que não
SCJ&m feitos todos iguais, mas uns de quaJidade pior e outros de mdhor,
'P"'ª qu<' 90ssa. com os melhores, recoml'<'nsar o melhor trabnlhndor e dar
os piores ao trabalhador mcno• bom (Xrnofon,e. \?99, 1> <.a<>)
A crueza das questões revela muito bem o momento da prcparaç&o n-
mãos de lscômaco. Nesse contexto, revelam-se - est~d~ Xenofont~ ~erto -
errado _ as "propriedades dos obJctos" sobre os qua\S incide sua admm1stra r
isto é, os homens Aos homens livres, c~':11º sua mulher, ~-palavra ~asta ~
obter obediência ou colaboração. Aqw e evocada a polibca par~ egul
contradições entre o~ próprios g regos livres Aos escravo~. apb~a-s~ outr
expediente, semelhante à educação dos anumus, ind~. p~~em, alem d1s~o~
apropriação do mais-trabalho depende de outros meios, Jª nessas condiçOt
regredidas no tempo. É possível diferenciar os escravos por suas roupas -
calçados, premiando os melhores trabalhadores com as de melhor qualida&:
- há também indicios, por outros materiais, do uso da promessa de liberda-::
como prêmio pela lealdade dos escravos (Aristóteles, 2004, p. 42).
A função de direção de todo o processo se mostra nessa administraçf
das coisaS, claro, mas também dos homens cm que se incluem mediações e
erc1tivas e de convencimento que passam pelas subjetividades dos indivíd1,
relac1onados. enfim, tendo por finalidade o aparecimento de determinas m •
!idades de conduta conforme a expectativa de quem domina todo o processo
trab~o. envolvendo tanto o aspecto produtivo diretamente sobre terra quan
as atividades domésticas.
CRITICA MARXISTA DA AD.~UNISTRAÇÃO 37
encadeados. Seus vizinhos fogem para escapar e para salvar seu grão'
(dtado cm G1ordan. 1969. p 82-3, modificado com base em Ennan. 1894, p.
445)
Para além do exagero, é certo que a apropriação do mais-trabalho e
Para cobrir um vasto território e realiz.ar essa apropriação, o déspota depen
de outras camadas sociais. Entre o déspota e os camponeses estavam escriL
fiscais, contadores e mü1tares que garantiam o fluxo de parte da produç..o p..;;
os silos de armazenamento. Esse processo eXJgia uma séne de atividade
contagem e controle. O Egito era p0voado por outros "tipos sociais", c
ferreiros, cortadores de pedra, nobres territoriais (que detinham p0sses
terras, mas sempre sob tutela do faraó), sacerdotes etc. Destaquemos d.e~
tipos, porém, o escravo, proveniente principalmente de campanhas militare
frequentemente utilizado nas grandes obras e minas, além do trabalho domé~L-
na residência de nobres e das camadas sociais ligadas ao déspota.
Vemos que o mais-trabalho se realiza principalmente nas duas frenl
sobre o camponês e o escravo propriamente dito. No segundo caso, Já telD'
alguns elementos a partir das análises do modo de produção antigo. No ca..
egípcio, entretanto, grande parte da força de trabalho dos escravos era dircc.
nado às obras que exigiam a administração por parte daquelas camadas que
colocavam entre o déspota e os camponeses. No caso antigo, como era o grq.
livre o proprietário da terra, a força de trabalho estava sob seu comando.•
caso egípcio, o comando cai nas mãos dessa camada social de escribas, contai..
res, fiscais... ~ possível considerar que a função de direção nos trabalho:. d..s
grandes obras e nas minas estivesse nas mãos de intendentes ligados a e
camadas; militares p0deriam estar entre eles, certamente. Essa configura
das relações sociais de produção implicam um grande deslocamento da fun •
de direção para fora do arbítrio do escravo, tal como na Grécia.
No caso do camponês, a configuração era outra. Como a camada soe
servia aos seus próprios interesses em grande parte servindo aos interes
do déspota na apropriação do mais-trabalho, e como o camponês não era u::.
escravo em sentido stricto, grande parte do processo de trabalho propriament..
dito ficava no escopo de decisões do próprio camponês O "o que e como" erai:
elementos correntes sob vontade do camponês. Grande parte da preparação e
da realização do processo de trabalho estava, por isso, sob a função de direção
que o proprio camponês exercia. Mas uma parte do controle do processo caia
fora de seu ámbito e era exercido pela camada social que fiscalizava, coletava
e contabilizava os tributos pagos em natura aos silos reais. Isso mostra que e
poss~vel um considerâvel exercicio da função de direção por parte dos próprios
dorrunados num llpo de relação distinta da escravidão direta na qual, mesmo
CAAx:A MARXISTA DA ADMINISTRAÇÃO 39
neb, víamos a atuação de intendentes que não deixavam de ser escravos por
representar os seus senhores na administração dos demais.
Essa configuração das relações que durou milênios manteve-se, em
grande parte, pela razão de inexistir a propriedade privada e, por decorrência,
outros tensionarnentos (como havia no caso grego, entre credores e devedores).
As tempestades políticas não alteravam o modo milenar de vinculação dos
camponeses com a terra e, por isso, não encontramos modificações agudas na
maneira em que se apresenta a função de direção econômíca. O antagonismo
bá51co surgia na relação entre o déspota e o campesinato (e não no "interior~
do próprio campesinato), relação que era envolta por amalgama político e reli-
gioso, com grande protagonismo desse último. Basta lembrar da progressiva
divinização do faraó e dos conflitos com os sacerdotes dai desenvolvidos. E
dada a ligação milenar do camponês à comunidade representada no "grande
Pai', ligação mediada pelo uso da terra sem a existência de propriedade privada
alienável como no caso grego, a religião ocupava um lugar especial na socia-
bilidade egípcia. Ela de certa maneira acomodava as tensões entre a massa da
população e o modo de apropriação realizada principalmente em relação aos
camponeses.
Sem objetivar desenvolver esse aspecto, não poderíamos passar por isso
sem reconhecer os vestígios do trabalho simples e composto, sobretudo pelo fato
de a religião funcionar igualmente como um tipo particular de põr teleológico
secundário. Isso se confirma no fato de que a religião tem ponto de passagem
obrigatório pela consciência dos homens, instruindo formas de condutas, e res-
ponde às condições sociais daquela sociabilidade em particular. Giordan (1969, p.
84-5) comenta que o "eglpcio considerava obrigação dispensar bom tratamento
a seus escravos. O 'Livro dos Mortos' inclui, entre os pecados a serem negados,
o excesso de trabalho imposto aos escravos e os maus tratos infligidos aos
mesmos. Segundo uma lei antiga, quem matasse voluntariamente um escravo,
merecia a pena de morte". Nada mal para aqueles que dependiam em alguma
rnedida dos serviços públicos e privados da escravidão: há que se "proteger" a
galinha dos ovos de ouro5. De tal maneira, a própria religião ajudava a instruir
as condutas desejadas e operava na vida cotidiana de muitos modos, inclusive
acomodando as tensões provenientes do antagonismo básico entre déspota e
camponeses. Não é impossível dizer que ajudava a tornar esse antagonismo
r elativamente imperceptível na superficie das relações, ao contrário do que se
Passa na escravidão com a explícita dominação. Mas nada disso dá à religião a
5
Nuo devemos. com isso, ceder /1 tcntaçio de ident,licar diretamente essa regulação com as l eis
Protetivas do trabalho desenvolvidas molênios mau tarde sob o modo de produç;io capitalista que
ai->:tda estudaremos. As lutas sociais do século XIX não s~o redutlvcis à, relações escravocratas do
E@ito antigo. O principio regulador no en10.nto, é muito semelhante
40 Ontogênese e Formas Particulares da Função de
diretamente pela talha, por exemplo, mas não significa que o mais-trabalho
não se converta em outras formas de tributos reais conforme se desenvolviam
os Estados monárquicos centralizados. Não obstante, os camponeses livres
conservam sob sua tutela todos os elementos do processo de trabalho que, mais
tarde, serão novamente cindidos.
A análise dos três modos de produção (antigo, asiático e feudal) traz
aspectos importantes para a determinação das formas particulares e históricas
da função de direção, da administração das coisas e dos homens (frequente-
mente convertidos em coisas). A variabilidade do processo de trabalho está
associada ao modo de relacionamento entre o produtor direto e os meios de
produção (ferramentas e a terra), mas o fato de ele realizar ou não a totalidade
da função de direção não altera o caráter da relação social de produção. De
modo geral, são as relações sociais de produção que criam as condições para
formas contingentes do processo de trabalho e, portanto, da função de direção
de todo o processo. A identidade entre os modos de produção está na divisão
social do trabalho em sentido especial, pois todas as sociabilidades concretas
que consideramos (com exceção da forma comunitária e primitiva) eram cin·
didas em antagonismos básicos e em outros conflitos simultâneos. A função
de direção nos tempos comunais e primitivos era uma auto-atividade; toma-se
separada dos indivíduos produtores pela razão de haver essa possibilidade real
na própria natureza material da relação entre preparação e realização e, isso
sim é decisivo, pela introdução progressiva da divisão social do trabalho. Mas
mesmo que vigore essa divisão especial é possível encontrar exemplos concreto~
que mostram grande parte da efetivação da função de direção económica no
conjunto das decisões do produtor direto - como no caso dos camponeses egíp-
cios e feudais. Ou, ainda, como no caso do escravo no mundo antigo, é possívd
identificar o compartilhamento dessa função entre dominantes e dominados.
em que os últimos, na figura dos intendentes, exercem considerável parte <L
função de direção em nome dos primeiros e são premiados por isso. Em todos
os casos, entretanto, a função de direção se confirma materialmente e contra a:
conjecturas por analogias, como administração das coisas e, principalmente.
administração dos homens, procurando influenciar por diferentes expedient~
(coerção direta e indireta, convencimento, persuasão etc.) o conjunto das dea-
sões de outros homens, particularmente no território económico e procuran&
garantir a apropriação do mais-trabalho sob inúmeras formas distintas. Sej..
como for, em condições antagónicas de existência essa função responde semprt
às exigências dessa apropriação do mais-trabalho.
CRITICA MARXISTA DA ADM!NlSTRAÇÃO 43
de uma classe social, a classe dos proprietários dos meios de produção, que
se tornaria precisamente a classe econôrnica e politicamente dominante. O
desenvolvimento dessa classe, claro, significou o crescimento de uma outra.
por vezes aliada na luta contra a feudalidade e seus resquícios: o proletariado
europeu. E é na relação entre capitalistas, proprietários dos meios de produção
(o que inclui a terra), e trabalhadores (como portadores da força de trabalho) que
dá o antagonismo básico do modo de produção capitalista. A função de direção
econôrnica precisa, por esse motivo, partir dessa relação social de produção
particular.
Diferentemente do escravo e do servo, o trabalho no capitalismo é pri-
mariamente trabalho assalariado. É o trabalho formalmente livre, sem amarras
políticas. Entre as principais alternativas de vida disponíveis e consideradas
socialmente aceitáveis, temos a possibilidade de servir ao Estado, torna-se dono
de negócio próprio ou vender a força de trabalho na produção econômica, como
na indústria automobilistica, siderúrgicas, em suma, onde quer que ocorra a
produção de mercadorias, sem falar das atividades ligadas à circulação desses
produtos mercantis (lojas e comércio em geral).
Limitando nossa atenção a essa terceira possibilidade, particularmente
no que diz respeito à produção (e não à circulação), é preciso perguntar o
que é a mercadoria, porquanto nenhuma outra sociedade antagónica e não
capitalista até o presente momento teve como centro gravitacional a produção
das mercadorias. A melhor maneira de se determinar a mercadoria é apreendê-
la em seu duplo caráter (cf. Marx, 2013; Netto; Braz, 2006). Ela é ao mesmo
tempo uma coisa útil a determinadas necessidades que se objetiva por meio de
tempo socialmente médio de produção e que é produzida para ser trocada.
Por um lado, e contra as conjecturas subjetivistas, é uma determinação
material das mercadorias ser tempo de trabalho cristalizado, mas trabalho
socialmente útil. Fiquemos com um exemplo aparentemente banal. Cavar
um buraco na terra nunca tomou ninguém rico, a não ser que do buraco brote
coisas úteis, como petróleo e minérios. E é precisamente a capacidade humana, a
energia dos homens combinados e seus instrumentos (que também são produtos
do trabalho}, que retira essa riqueza do solo. Essa riqueza útil, por mais que exista
dem3:1da por ela, nunca viria à vida sem o trabalho humano. Não é a relação
entre oferta e demanda", o "mercado" ou circulação, portanto, que determina o
valor dessas coisas. Não estamos falando do preço dos produtos que oscilam
no m~rcad~ (abaixo e acima do valor), do quanto que o ouro é "subjetivamentr
valonzado . ~ ouro tem valor não porque é raro, mas porque demanda uma
grand_e qu:i-nt~dade de trabalho para ser extraído da terra. Estamos faland"
de co,~a~ uteis .em potencial e do quantum de trabalho médio socialmente
necessar10 (vanavel) para arrancar tais coisas do seio da terra, criando condições
OlnCA MARXISTA DA ADMINISTRAÇÃO 45
•
CRITICA MARXISTA DA ADMINlSTRAÇÃO
49
para eles. A nós cabe reconhecer que a função de direção económica dá respostas
âs relações sociais de produção e que numa sociedade mais avançada e sem
classes a administração dos homens decresceria na mesma proporção em que
cresceria a administração das coisas. Cabe apenas entrever na própria r1altdadc
presente a potência de sua alteração por via da superação da dominaçjo entre
os homens.
Referências bibliográficas
LOCI<E,]. Dois tratados sobre o governo. Sào Paulo: Martins Fontes, 2001.
Ll.JI<.ÃCS, G. Para uma ontologia do ser social. Vol 1. São Paulo: Boi tempo, 2012.