Você está na página 1de 11

ANA VITÓRIA DE SOUZA CARDOSO

GIULIA BRANDÃO GUTIERREZ DURAN


GUSTAVO FOZ FONSECA
JADE FRANÇA TEIXEIRA DE ALMEIDA

O Levante Popular da Juventude

LONDRINA

2019
INTRODUÇÃO

Na história do mundo Ocidental, não se fizeram tão presentes as discussões


acerca da juventude, tema que ganhou maior destaque com as recentes mudanças nos
modos de produção de subjetividade da era moderna. O apogeu das ciências positivistas
entre o final do século XIX e início do século XX permitiram o surgimento de algumas
disciplinas científicas que começaram a se ocupar da adolescência como objeto de
estudo, como a medicina e as ciências psicopedagógicas (SILVA & LOPES, 2009). 
Entretanto, as transformações sociais emergentes no século XXI trouxeram
consigo outras mudanças no entendimento dessa juventude, a exemplo da crescente
influência da tecnologia na vida humana. Influência essa que, de modo geral, associou-
se à juventude por ter surgido na época em que esses jovens eram crianças,
naturalizando esse modo de operacionalização da realidade. Essa situação suscita
frequentemente questionamentos aos mais velhos por parte das crianças e jovens:
“como vocês viviam sem o celular ou o computador?”, “como vocês faziam para se
divertir?” e outras indagações nesse sentido. Esta observação é importante por expor um
fato crucial no que diz respeito ao estudo da juventude, isto é, seu caráter social,
historicamente construído. Nesse sentido, podemos dizer com Silva e Lopes (2009) que

[...] as categorias de adolescência e juventude são entendidas como


construção sócio-histórica, econômica, cultural e relacional,
determinadas em um processo permanente de mudança e
ressignificação nas sociedades contemporâneas.

         Diante dessa breve introdução acerca da juventude, já se torna claro o motivo
pelo qual esse é um assunto digno de relevância. Ademais, os atuais jovens são os
futuros adultos, considerados, na atualidade, os maiores produtores da realidade, dos
modos de subjetivação e produção. Inicialmente, portanto, é preciso pôr em pauta a
relação da juventude com as classes sociais, uma vez que essas também são
simultaneamente produto e produtoras dos processos de subjetivação. Isso acontece em
razão do atravessamento social que permeia todas as relações humanas, pontuado por
Guattari & Rolnik (1996), que afirmam  que a subjetividade não pode ser considerada
como centralizada no indivíduo, ou seja, não implica posse por parte de cada um, e sim
uma constante produção intermitente a partir dos encontros vivenciados com outras
pessoas. O outro é, dessa maneira, o próprio social, que produz efeitos nos corpos e nas
formas de operacionalização da realidade (MANSANO, 2009).
 
SOBRE O LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE

         Tendo em vista o atravessamento social vivenciado por toda essa juventude, é
preciso compreender como as classes sociais afetam as diferentes formas de viver e ver
a realidade de cada um. Podemos nos questionar, por exemplo, fazendo um recorte
específico, quais são as demandas da juventude da periferia ou até mesmo como sua
realidade socioeconômica influencia ou determina sua relação com o mundo. Quando
falamos dessa juventude da periferia, estamos nos referindo ao problema da
desigualdade social, da estratificação em classes inerente ao modelo capitalista. Nesse
sentido, ao buscar compreender suas demandas é preciso ter em vista suas condições
materiais subjacentes. 
         Segundo o estudo de Soeiro, Ferreira & Mineiro (2012), houve nas últimas
décadas um retraimento do mercado internacional, particularmente observado em países
emergentes como o Brasil, o qual foi exponencialmente impactante na realidade dos
jovens, em especial aqueles com menos de 25 anos. Esse fenômeno foi responsável pela
diminuição drástica das ofertas de emprego e no aumento da terceirização e das formas
informais de trabalho, além da precarização da proteção social. Essa exposição aos
vínculos trabalhistas precários afeta as condições subjetivas e objetivas dos jovens na
contemporaneidade, bem como a falta de relacionamentos e vivências proporcionadas
pelo mundo do trabalho. Esta última é capaz de promover, simultaneamente, uma
situação de maior precariedade da realidade jovem, uma vez que decorre do desemprego
e causa uma dessocialização (SOEIRO; FERREIRA; MINEIRO, 2012), a qual se faz
posteriormente necessária ao indivíduo, considerando a tese anterior de atravessamento
social. Dessa maneira, segundo os autores:
 
De facto, o aumento do desemprego entre os jovens empurra-os para
uma situação em que perdem laços sociais mantidos em circunstâncias
históricas anteriores através do mundo do trabalho, colocando questões
importantes ao nível das identidades e da participação social.
(SOEIRO; FERREIRA; MINEIRO, 2012, p. 3).
 
         Nesse contexto social de desemprego e precariedade de direitos e proteção
social, surge e persiste uma pobreza - especialmente entre os jovens, como comentado
acima por  Soeiro, Ferreira & Mineiro (2012) -, que demonstra a ineficiência da
proclamada universalidade de direitos, que não acontece de fato (ACIOLI, 2013).
Entretanto,apesar de esta ser, efetivamente, uma questão a todos os jovens no Brasil,
apresenta uma particularidade especial quando nos referimos aos jovens da periferia.
Essa população apresenta, por exemplo, menores índices de escolarização, frutos do
problema econômico que reflete na precarização da educação. Graças a isso, essa parte
da juventude participa de um cenário com níveis de desemprego maiores ainda, quase
que sem perspectiva de trabalhos formais com carteira assinada, apresentando maior
vulnerabilidade e desvantagem frente os demais jovens por conta de uma menor
qualificação profissional (SILVA &  LOPES, 2009). Portanto, suas demandas envolvem
necessidades não só profissionais mas também educacionais, como consequência de
problemas estruturais do modelo social vigente. 
Essas situações de pobreza estiveram, por sua vez, sempre presente nas
discussões políticas, apesar de ainda permanecerem como uma incógnita, devido ao fato
de haver a percepção de que essa é uma questão a ser urgentemente superada, mas que
não se faz capaz de suscitar o debate acerca de suas próprias origens: “a estrutura de
privilégios, a tradição hierárquica, a impossibilidade de ver o outro como portador de
direitos, sujeito de interesses válidos e legítimos” (ACIOLI, 2013, p. 2).
         Haja vista os processos de subjetivação comentados, que abrangem esses jovens
em um contexto geral, no presente estudo, optou-se por pesquisar o movimento social
que surge para representar esses jovens e suas lutas principais, o Levante Popular da
Juventude (LPJ). O LPJ surge em 2006, no estado do Rio Grande do Sul, com um
grande estímulo de outros movimentos sociais. Sua demanda principal é promover o
engajamento de jovens e sua organização política, especialmente os da periferia de
grandes centros urbanos, em lutas pela realidade social visando um projeto de sociedade
futura. O movimento entende que há a necessidade de reformas estruturais no país e que
a juventude necessita se envolver politicamente por essa luta (SILVA; RUSKOWSKI,
2010).
 O movimento é uma organização que procura promover o engajamento de
indivíduos em uma gestão compartilhada que realiza suas atividades principalmente,
mas não de forma exclusiva, no Rio Grande do Sul, responsável por agregar jovens de
diversos movimentos sociais, bem como de grupos culturais e estudantes (SILVA;
RUSKOWSKI, 2010). O perfil social desses jovens, segundo o mesmo estudo, de Silva
& Ruskowski (2010), é muito variado, ou seja, o movimento é composto por jovens das
classes mais baixas às mais altas.  
Dessa forma, faz-se oportuno refletir acerca das conquistas do movimento LPJ,
constituído naturalmente pela juventude atual. Dentre as diversas participações em
questões políticas do LPJ, estão as ocupações que levaram à campanha em defesa da
“Educação Pública e Popular”, a qual promoveu atividades como oficinas e debates em
escolas sobre a situação política do Estado. A campanha teve como resultado uma
manifestação na Secretaria da Educação do Rio Grande do Sul, onde houve uma
apresentação teatral, em 2008 (SILVA; RUSKOWSKI, 2010). 
O movimento também teve participação por meio de debates em escolas de
Porto Alegre na campanha pela reestatização da Vale do Rio Doce, além de presenciar
marchas coordenadas pelo Centro de Professores do Estado do Rio Grande do Sul, pelo
MST, no Dia Internacional da Mulher, no 1º de Maio, no Grito dos Excluídos, na
Marcha dos SEM, isto é, em variados protestos elaborados por movimentos sociais e
datas consideradas importantes pela esquerda  (SILVA; RUSKOWSKI, 2010).
Tudo isso demonstra, de forma sucinta, o quão necessário é a atuação do
movimento no Brasil. Surge, como demanda nascente do levante, um olhar a essa
juventude e às suas reivindicações políticas, exige-se agora uma escuta particular dessa
população. Entendendo a participação política de forma pragmática, o LPJ, associado a
outros movimentos e a outras lutas, como o engajamento com o movimento estudantil,
tem proporcionado algo que, historicamente no Brasil, tem se constituído como lugar
político característico do jovem, isto é, a luta contra o sistema que, de alguma forma, o
aprisiona. 
A juventude da década de 1960, pré golpe militar, por exemplo, era permeada de
ideais de rebeldia, de transformações, de transgressões de valores estabelecidos, por
uma forte contraposição advinda da contracultura (CARDOSO, 2005). Nesse sentido as
ações dos jovens no Brasil na época da ditadura militar, intimamente ligadas ao
movimento estudantil nas instituições universitárias e secundaristas ou a associações
com partidos de esquerda (NORONHA, 2012), visavam a luta contra o regime. Os
campos culturais foram, e são ainda hoje no movimento do levante popular da juventude
extremamente importantes para sua ação política. O LPJ, assim como a juventude da
década de 1960, tem demonstrado entender que “(..) as políticas públicas são respostas,
e enquanto não haja demandas e pressões sociais, as questões não são pautadas na
agenda pública e, por isso, se mantêm num ‘estado de coisas’ “ (LOPES & SILVA,
2009).
 
O ENGAJAMENTO JUVENIL NA SOCIEDADE

Historicamente, a expressão protagonismo juvenil, demorou a ser consolidada no


Brasil, embora já houvesse sido utilizada diversas vezes em periódicos e fundações ao
redor do país, onde conseguiu fixar-se, ainda que não completamente, como uma
expressão que identificava um discurso, apenas na década de 80 (SOUZA, 2009). A
autora ainda coloca que o protagonismo juvenil, não intitula um método ou um preceito
pedagógico, mas sim, uma “capacidade intrínseca ao jovem, a de ser protagonista – ou
ator principal – no desenvolvimento do país, da chamada comunidade ou do seu
próprio”. Mas quais seriam as razões que norteiam essa dificuldade da consolidação do
termo em âmbitos maiores e mais socialmente importantes? Souza (2009) aponta que,
talvez, um dos argumentos mais interessantes seja uma das definições de jovem, a qual
os define como segmento populacional específico, onde não é possível empregar
princípios que são normalmente aplicados à crianças e nem a adolescentes, pois não
supririam os carecimentos dessa categoria, de acordo com a UNESCO (2005, p.94),
conforme citado por Souza (2009).
O movimento estudantil, composto por um fragmento de universitários que
desempenhavam uma ação política (não apenas em âmbitos tradicionais), foi um
movimento que ajudou o protagonismo juvenil a se instalar no país, uma vez que a
participação dos jovens, em um contexto geral, é fundamental nas produções e
efetivações das medidas propostas por instituições administrativas, tornando a política
um “componente constitutivo da própria noção de jovem” (SOUZA, 2009)
Para a autora, a participação dos jovens no envolvimento de seus contextos
sociais, contribuindo também e obviamente para o desenvolvimento humano, o coloca
tanto como agente, quanto objeto das intervenções, a qual situa o jovem em uma dupla
posição do que a autora chama de “passividade e atividade”, noção essa que explicita o
papel do jovem como alguém que recebe, mas também atua socialmente na defesa de
interesses e noções públicas, colocado mais claramente pela autora quando ela descreve:

Tanto o “ator estratégico” quanto o “jovem protagonista” são


formulações que reúnem numa só́ figura a ambivalente posição
daquele que é alvo de investimento, mas que, por essa mesma razão,
deve oferecer sua contrapartida à comunidade ou ao país. (SOUZA,
2009)

A motivação dos jovens nesse contexto, foi, portanto, a rejeição da condição


imposta pelos adultos, onde os mesmos buscavam a autonomia não só em relação ao
Estado, mas também a autonomia de imposições ideológicas, onde procuravam também
a conservação de direitos, de modo que acabaram constituindo não apenas novas formas
de politica, mas também novos sujeitos e novas formas de se praticar movimentos
sociais, que traziam “outros ângulos para problematizá-las, outras possibilidades de
equacioná-las e outras formas de expressá-las” (ABRAMO, 1994), ou seja, esse
discurso juvenil atua como um recorte do discurso geral da sociedade, onde apenas os
jovens atuam como protagonistas, ainda que o protagonismo juvenil não tenha sido cem
por cento acatado em diversos cenários, neles incluídos textos sobre a juventude, tudo
isso em razão do mesmo ser acusado de  “imprecisão, manipulação ideológica, ausência
de conteúdo” (SOUZA, 2009). Conclui-se, portanto, que a mudança social aconteça não
apenas em razão de uma renovação de gerações, mas, também, de uma ação política
reformadora da juventude (SOUZA, 2009).
E qual seria a visão da psicologia sobre esse engajamento estudantil? A
psicologia vê que tal engajamento com os movimentos sociais, assim como visto na
entrevista colocada no apêndice do presente trabalho, onde as entrevistadas demonstram
grande comprometimento pelo Levante, não apenas pelo compromisso que sentem por
ele, porém também pela maneira como o movimento dá a elas um local a onde pertencer
e fazer a diferença dentro de um grupo, acabam vindo de um sentimento de
responsabilidade em promover uma melhora no contexto em que se assumem presentes,
os quais os indivíduos agem pautados em sua noção de política como um agente de
transformação social (Silva et al., 2016) onde acabam adquirindo afetos pelo grupo,
sendo tal construção subjetiva fonte de grandes estímulos para o engajamento:
A amizade, a possibilidade do encontro, a partilha dos afetos
produzem e realçam a ideia de pertencimento ao grupo, reforçam seus
ideais comunitários, culturais e políticos e possibilitam a construção
de projetos comuns frente aos inúmeros desafios vividos. (SILVA et
al., 2016, p. 295)

O MOVIMENTO E A PSICOLOGIA

Segundo Alessandra S. Lacaz (2012), os movimentos sociais, atualmente,


possuem um caráter descentralizado, eles não lutam por bandeiras sindicais, por
partidos políticos ou por instituições, no entanto, suas lutas englobam todos esses
devido ao fato de trazerem uma “bandeira” comum: a indignação. O LPJ é um exemplo
desse tipo de movimento, em que não existe um líder forte e referência, mas sim várias
células de comando que se comunicam em um tecido para exigir seus imperativos, são
compostos por pessoas inconformadas com a forma que nossa existência têm adquirido.
Lacaz (2012), traz o exemplo do movimento Occupy Wall Street, evento ocorrido em
2011, na qual um de seus chamados era o de “todas as pessoas que querem um mundo
melhor, se encontrem umas às outras” (Naomi Klein, 2011, apud LACAZ, 2012). 
Esses movimentos são chamados de resistência nômade, segundo Gonçalves
(2007), justamente pela inexistência de uma centralidade de comando, caracterizada por
uma ação múltipla, simultânea, não-localizada, organizada por distintos grupos e
possibilitando o que esse autor chama de uma rede complexa que permite a
intercomunicação entre vários “nós”. Esse “nomadismo” dos movimentos advém do
fato de o capitalismo e suas formas de poder terem se tornado também nômades,
exigindo que suas formas de resistência se “nomadizem” também. 
A reestruturação dos movimentos se deu devido ao advento das tecnologias em
rede, principalmente a internet, que deu a possibilidade de uma juventude periférica,
antes completamente excluída de participação social, pudesse ter voz e se organizar de
modo a fazer valer seus direitos. Maia (2002, apud GONÇALVES, 2007), afirma que a
internet em si não possui poder transformador, porém a transformação de estruturas
converge com a indignação frente a poderes opressores que atravessem essa juventude. 
Esses coletivos, como o Levante, não possuem o estandarte de tomada de
estruturas construídas pelo poder ou demandas de melhorias e reformas, o que se têm
levantado é a apropriação de um diferente tipo de poder: a apropriação da potência. Essa
apropriação não depende da autorização de nenhum Estado. O que tem acontecido,
segundo Lacaz (2012) é um encontro de corpos, que desse modo aumentando a pulsão
do encontro na potência do comum, encontros que acontecem nas ruas, de um morador
de rua que conhece um universitário e na troca de experiências entre eles, é nesse
encontro de corpos que se reapropria de novos espaços. 
Lacaz (2012) cita Foucault, quando este afirma que as resistências não
constituem uma forma de contra poder em oposição à um poder hegemônico. Dessa
forma, elas constituem estratégias que o poder terá de inventar para capturá-las, é da
ordem da vida escapar, pois a vida sempre resiste. Com isso, o que existe na realidade,
não é uma relação antagônica entre poder e resistência, mas um agonismo, propriamente
dito. Sendo assim “a liberdade existe aparecerá como condição de existência do poder”
(Foucault, 2009, p. 244, apud LACAZ, 2012). 
Desse modo, a Psicologia vem de encontro a esse movimento, ao entender quais
as demandas desse coletivo e o que está sendo produzido pelo social que provoca
sofrimento, indignação, indagação e potência de vida de modo a procurar construir uma
nova realidade. É permeando essas tensões que o psicólogo se permite ser tocado pela
realidade e tocá-la, lutando por uma juventude que demanda ter a sua voz ouvida e
apropriada. A Psicologia Social pode atuar nesse movimento onde os corpos se
encontram, nesse comum, explicitado por Lacaz (2012), é na clínica do social, que se
faz no cotidiano, onde se aumenta a pulsão de encontro, que leva a apropriação de novas
realizadas em busca de uma sociedade mais igualitária que possibilite à juventude ter
seus direitos postos em prática.  

DISCUSSÃO

Foi realizada uma entrevista com duas estudantes, participantes da célula


estudantil do Levante Popular da Juventude, em Londrina. Esse contato foi realizado
através da ajuda da Professora Ruth, que fez a ponte entre os estudantes de psicologia e
as entrevistadas, sendo que ambas graduam o curso de Artes Visuais na Universidade
Estadual de Londrina. Ao realizarem a entrevista, as alunas se apresentaram como “Sol”
e “Carol” e serão assim descritas ao longo da discussão, elas se mostraram muito
receptivas aos entrevistadores e muito confortáveis em apresentar o Movimento e
discorrer sobre ele. Ao final da entrevista, que havia sido muito interessante e
informativa, Sol e Carol, inclusive, convidaram os entrevistadores para participar de
eventos futuros do Movimento e que entrariam em contato caso surgisse o interesse. 
No início da entrevista, as participantes relataram que o LPJ originou-se em um
bairro periférico no Rio Grande do Sul, cujo nome especificamente não se recordavam
no momento, o que pode ser visualizado nos seguintes trechos “Aí nasceu lá na
periferia” e “Mas era um bairro periférico lá do Rio Grande do Sul”. Diante disso, já se
faz perceptível a relevância da sessão anterior, presente no início desse estudo, que
discutia a classe social e a subjetividade dos jovens na atualidade, pelo fato de que
muitos desses jovens encontram-se atravessados pelo desemprego, desigualdade social,
preconceito racial, etc. E são esses jovens que, apesar de todo esse sofrimento psíquico,
iniciarão um movimento de tamanha importância social tal como o Levante Popular da
Juventude.
Em outro momento da entrevista, a estudante comenta que o motivo pelo qual
ela prossegue na luta é “pela utopia de um país melhor”, isto é, ela acredita ser válido
lutar pelos direitos de todos, já que o que a permitiu estar em uma universidade,
especialmente uma pública, enquanto mulher negra e periférica, foi a luta prévia de
alguém pelos seus direitos. Esse trecho destaca novamente a relevância da discussão
social que envolve esses movimentos e o que eles proporcionam para aqueles que
participam dessas atividades, visto que o LPJ como movimento social visa a promoção
de mudanças sociais, por meio das quais mais jovens como os que iniciaram o
movimento poderão concluir o ensino superior, como mencionado pela participante do
movimento, ou, ao menos, deixar de morrer precocemente vítimas do preconceito
anteriormente citado. Essas mudanças, por conseguinte, dizem respeito diretamente a
esses jovens, envolvendo questões como a desigualdade e a injustiça social, que podem
servir, muitas vezes, de força motriz para o ingresso no ativismo dos movimentos
sociais, embora jovens de todas as classes sociais façam parte do Levante Popular da
Juventude, estatisticamente.
A atuação da Psicologia, nesse sentido, poderia relacionar-se com o sofrimento
psíquico que acomete os jovens na atualidade, como comentado acima. Esse papel, no
entanto, tem de ser repensado, uma vez que a prática psicológica atual é extremamente
elitizada, com preços de sessões pouco acessíveis à população das classes mais baixas,
que compreendem boa parte dos brasileiros. Além disso, o espaço clínico clássico não é
abrangente no sentido ser acessível às diferentes realidades do país, o que faz surgir
uma clínica capaz de se adaptar a diferentes ambientes, como por exemplo o
atendimento a jovens em um espaço aberto, compartilhando vivências e promovendo
um momento para o exercício próprio de suas subjetividades, que muitas vezes não têm
lugar fora disso. Ainda, é preciso reconsiderar a abordagem clínica clássica, além do
espaço físico, já que esta frequentemente não é capaz de relacionar-se adequadamente à
realidade daquele indivíduo e, por consequência, acaba não sendo efetiva.
Em uma parte da entrevista, Sol emite o seguinte enunciado:
[...] tá aí uma das coisas da minha identificação, mas também
assim, do principal que me chamou a atenção...porque eu
sempre, desde que eu entrei no colégio eu sempre quis
construir alguma coisa sabe, então tipo levando pra galera, eu
falando tipo “olha a gente pode fazer isso, não acontece só em
tal lugar, pode acontecer com o colégio inteiro. A gente pode
organizar um festival cultural, a gente pode fazer alguma
coisa”. E aí, dependendo os colégios que eu estava a galera
não  se mobilizava, eu falava sozinha .., e era essas coisas, e
depois que eu vim pra universidade eu conheci certas pessoas e
a minha identificação com o Levante de que essas coisas
podem acontecer e podem ser organizadas de uma forma que
dê certo e que possa chegar em outras pessoas que querem isso
também mas não tem os privilégios sabe...é isso (APÊNDICE).

Nota-se na frase da mesma que o Movimento realizou uma ação


potencializadora para ela, assim como Lacaz (2012), no texto, afirma que o que está
acontecendo é um encontro de corpos, que vêm aumentando a pulsão do encontro, nesse
comum. Está acontecendo uma apropriação da potência e isso tem levado a uma
mudança de estruturas por pessoas que praticam bons encontros. Para Sol, esse encontro
ocorreu na Universidade, em um lugar de enfrentamento e resistências, onde
possibilitou uma organização de pessoas que puderam alcançar outras pessoas e assim
promover a mudança. Carol, diz a seguinte frase “sozinho se chega mais rápido, mas
juntos se chega mais longe” e é nesse caminhar junto que elas seguem no LPJ. A
Psicologia pode ter um papel essencial ao permear esses espaços e possibilitar que as
pessoas se apropriem verdadeiramente de suas potências para promover identificação e
transformação ao encontrar com um outro. 

A formação e a identificação de grupos têm sido tema recorrente dentro da


psicologia, especialmente na psicologia social. Como uma maneira de superar o
individualismo tão presente na forma de organização social vigente, a formação de
grupos possibilita “...o desenvolvimento da consciência social…” (Martins, 2007).
Partindo desse princípio, pode se compreender de que forma se desenvolveu a
identificação das entrevistadas com o Levante Popular da Juventude:

É me fez me identificar muito assim, porque assim, eu cresci na


periferia de São Paulo, na zona Sul, do ladinho do Capão
Redondo, entendeu... e eu cresci num âmbito que todo mundo
fala muito sobre a linda da meritocracia, mas só que eu
sempre pensei que se a pessoa ela não tem uma
educação...tanto psicológica sabe!? De acreditar em si mesmo,
que é capaz de fazer, de investir nos seus próprios sonhos e não
se adaptar ao que o sistema pede, quanto questão estrutural de
dinheiro, pra investir nisso, sabe, isso pra mim sempre foi
muito visível que… mano, se a pessoa não tem suporte ela não
vai conseguir chegar onde ela sonha, vive é um sonho distante.
E o levante também pensa muito nessas coisas (APÊNDICE)

Martins (2007), afirma que isoladamente, uma pessoa pode identificar seu
problema como sendo uma necessidade individual, exclusivo seu, porém quando essa
mesma pessoa se encontra em um grupo, ocorre uma percepção de que os participantes
do mesmo grupo sofrem de situações semelhantes às suas, dessa maneira, entende que
seus problemas são decorrentes da própria vida em sociedade e, assim, juntos, esses
indivíduos, diferentemente da ação individual e isolada, podem levar a resolução do
problema ou a satisfação de necessidades comuns.  

REFERÊNCIAS

ABRAMO, H.W. Cenas juvenis. São Paulo: Scritta/Anpocs, 1994.

ACIOLI, Maíra Souza e Silva. Juventude, Pobreza e Desigualdades Sociais: concepções


e práticas no ProJovem urbano em recife. Estudos de Sociologia - ISSN: 2317-5427,
Recife, v. 1, n. 17, mar. 2013. ISSN 2317-5427. Disponível em:
<https://periodicos.ufpe.br/revistas/revsocio/article/view/235231/28255>. Acesso em:
12 out. 2019.

CARDOSO, Irene. A geração dos anos de 1960: o peso de uma herança. Tempo soc.
São Paulo, v. 17, n. 2, p. 93-107, novembro de 2005. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-
20702005000200005&lng=en&nrm=iso>. acesso em 13 de outubro de 2019. 

DE NORONHA, Danielle Parfentieff. Juventudes e Ditadura Civil-militar: As


representações no cinema brasileiro contemporâneo. In:  Frank Marcon; Danielle
Parfentieff de Noronha. (Ong). Juventudes e Movimentos. 1ed.Aracaju: Criação Editora,
2018,v.1, p19-67. Disponível em  <http://www3.ufrb.edu.br/ebecult/wp-
content/uploads/2012/04/Juventudes-e-ditadura-militar-As-representac-
%C3%83%C3%9Fo%C3%83%C3%89es-no-cinema-brasileiro-contempora
%C3%83%C3%87neo.pdf>. acesso em 13 de outubro de 2019
LACAZ, Alessandra Speranza. Pra não dizer que não falei das flores: jovens e
resistências no contemporâneo. 2012. Tese (Pós-Graduação em Psicologia Institucional)
- Mestrado, [S. l.], 2012. Disponível em:
<http://repositorio.ufes.br/jspui/bitstream/10/2916/1/tese_5797_Alessandra
%20Lacaz.pdf>. Acesso em: 8 out. 2019.

MANSANO, Sonia Regina Vargas. Sujeito, subjetividade e modos de subjetivação na


contemporaneidade. Revista de Psicologia da Unesp, Assis, v. 8, p.110-117, 2009.
Anual. Disponível em:
<http://seer.assis.unesp.br/index.php/psicologia/article/view/946>. Acesso em: 11 out.
2019.

MARTINS, Sueli Terezinha Ferreira. Psicologia social e processo grupal: uma


coerência entre fazer, pensar em Síria Lane. Psicol. Soc. Porto Alegre, v. 19, n. spe2, p.
76-80, 2007. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?
script=sci_arttext&pid=S0102-71822007000500022&lng=en&nrm=iso>. acesso em 06
dez. 2019.

GUATARRI, Félix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis,


RJ: Vozes, 1996. Disponível em: <http://www.marcoaureliosc.com.br/12guattari.pdf>.
Acesso em: 05 dez. 2019.

SILVA, Marcelo Kunrath; RUSKOWSKI, Bianca de Oliveira. Levante juventude,


juventude é pra lutar: redes interpessoais, esferas de vida e identidade na constituição do
engajamento militante. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, v. 3, p.23-48,
out. 2010. Disponível em: <https://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/177587>. Acesso
em: 11 out. 2019. 

SOEIRO, José; FERREIRA, Ricardo Sá; MINEIRO, João. Juventude, precariedade e


desigualdades: as classes contra o fim da história. Revista Angolana de Sociologia,
[s.l.], n. 10, p.77-89, 1 dez. 2012. OpenEdition. http://dx.doi.org/10.4000/ras.198.
Disponível em: <https://repositorio.iscte-iul.pt/bitstream/10071/14702/1/Juventude%2c
%20precariedade%20e%20desigualdades_%20as%20classes%20contra%20o%20fim
%20da%20hist%c3%b3ria.pdf>. Acesso em: 11 out. 2019.

SOUZA, Regina Magalhães de. Protagonismo Juvenil: o discurso da juventude sem


voz. Revista Brasil Adolescência e Conflitualidade: [s. n.], 2009. Disponível em:
<http://www.observatoriodoensinomedio.ufpr.br/wp-
content/uploads/2014/02/Protagonismo-juvenil-o-discurso-da-juventude-sem-voz.pdf>.
Acesso em: 11 out. 2019.
 

SILVA, Carla Regina; LOPES, Roseli Esquerdo. Adolescência e Juventude: entre


conceitos e políticas públicas. Cadernos de Terapia Ocupacional da Ufscar, São
Carlos, v. 17, n. 2, p.87-106, dez. 2009. Disponível em:
<http://www.cadernosdeto.ufscar.br/index.php/cadernos/article/viewFile/100/65>.
Acesso em: 13 out. 2019.

SILVA, Ana Cecília; PADILHA, Erise; BONFIM, Juliano; MESQUITA , Marcos


Ribeiro. Juventudes e participação: compreensão de política, valores e práticas sociais.,
Universidade Federal de Alagoas, 2016. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/psoc/v28n2/1807-0310-psoc-28-02-00288.pdf. Acesso em: 4
dez. 2019.

XXX CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 2007,


Santos. Resistência nômade. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação. [S. l.: s. n.], 2007. Disponível em:
<http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2007/resumos/R0354-2.pdf>. Acesso
em: 12 out. 2019.

Você também pode gostar