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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ – UESC

DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS – DFCH

CURSO: LICENCIATURA EM HISTÓRIA

BRUNA MARQUES RIBEIRO DRISOSTES

A GÊNESE DO CINEMA PORNOGRÁFICO NA BELLE ÉPOQUE (1900 - 1914)

ILHÉUS – BAHIA

2017
BRUNA MARQUES RIBEIRO DRISOSTES

A GÊNESE DO CINEMA PORNOGRÁFICO NA BELLE ÉPOQUE (1900 - 1914)

Trabalho Monográfico de Conclusão de Curso


apresentado como requisito parcial para a obtenção do
grau de Licenciada em História pelo Departamento de
Filosofia e Ciências Humanas da Universidade
Estadual de Santa Cruz – UESC.

Orientador: Prof. Dr. Clóvis Pereira dos Santos – UESC

ILHÉUS – BAHIA

2017
FICHA CATOLOGRÁFICA

DRISOSTES, Bruna Marques Ribeiro. A Gênese do Cinema Pornográfico na Belle


Époque (1900 - 1914). 2017.2. 39 f. Trabalho de Conclusão de Curso – TCC
(Graduação – Licenciatura em História). Orientação: Prof. Dr. Clóvis Pereira dos
Santos – UESC. Departamento de Filosofia e Ciências Humanas – DFCH, Curso de
Licenciatura em História, Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC – Ilhéus –
BA: 2017.
BRUNA MARQUES RIBEIRO DRISOSTES

A GÊNESE DO CINEMA PORNOGRÁFICO NA BELLE ÉPOQUE (1900-1914)

Aprovado em: Ilhéus – BA, _______ de ___________________________________ de


2017.

___________________________________________________________________

Clóvis Pereira dos Santos – Dr.

UESC / DFCH

(Orientador – 1.º Membro da Banca Examinadora)

___________________________________________________________________

Carlos Alberto de Oliveira – Dr.

UESC / DFCH

(2.º Membro da Banca Examinadora)


A GÊNESE DO CINEMA PORNOGRÁFICO NA BELLE ÉPOQUE (1900-1914)

RESUMO

O presente estudo monográfico se propôs a analisar quais foram as


influências que culminaram no nascimento do cinema pornográfico durante o
final do século XIX, conhecido também como Belle Époque. Apesar do
discurso pudico, o corpo passa a ser objeto de discurso e análise,
principalmente pela influência da medicina, que desenvolveu um tipo de
voyeurismo onde havia necessidade de enumerar, catalogar e espionar as
práticas sexuais comuns. Era necessário falar sobre sexo. Isso é evidenciado
principalmente nas escolas de anatomia, onde fotografavam homens e
mulheres desnudos para compreender o funcionamento do corpo. Ao mesmo
tempo, estava nascendo o que veria a ser conhecido como cultura de
massas, onde as características principais são: o consumo rápido, acesso
popular e produção em larga escala. No caso da Belle Époque, tal cultura
esteve presente nos teatros de vaudevilles, que foram bastante populares por
serem amontoados de apresentações artísticas de baixo custo. Dentre eles,
estava o cinema, que era utilizado tanto pela classe burguesa quanto pelos
proletariados. Vale ressaltar que nestes locais já existia uma produção
pornográfica, principalmente utilizando as imagens de nu das aulas de
anatomia. Com o aumento da demanda, os filmes pornográficos (ou stag
films) começaram a ser produzido em larga escala. Para a pesquisa, foram
utilizados como fontes primárias os filmes: A Free Ride (1915); L'Ecu d'Or
(1908); El Sartário(1907/1912); Am Sklavenmarkt (1907). A partir da análise
dos filmes foram constatados pontos em comuns e algumas diferenças na
estrutura, apesar de serem de países diferentes. A principal característica
constatada foi à necessidade do voyeurismo e da descoberta do sexo. Em
todos os filmes aparecem cenas em que os atores estão espionando através
de moitas, fechaduras, buracos entre outros, tornando o olhar (descoberta) a
verdadeira experiência pornográfica da Belle Époque. Tantos nos filmes, na
medicina ou nos teatros de vaudevilles existiam mecanismos em comum que
tornava possível descobrir o sexo.

Palavras chave: Cinema, Sexualidade, Pornografia


THE GENESIS OF PORNOGRAPHIC CINEMA IN BELLE ÉPOQUE (1900-1914)

ABSTRACT

The present monographic study set out to analyze which were the influences
that culminated in the birth of pornographic cinema during the late nineteenth
century, also known as Belle Époque. Despite the prudish discourse, the body
becomes the object of discourse and analysis, mainly by the influence of
medicine, which developed a type of voyeurism where there was a need to list,
catalog and spy on common sexual practices. It was necessary to talk about
sex. This is evidenced mainly in anatomy schools, where they photographed
naked men and women to understand the functioning of the body. At the same
time, what was to be known as mass culture was emerging, where the main
characteristics are: rapid consumption, popular access and large-scale
production. In the case of Belle Époque, such culture was present in the
vaudevilles theaters, which were popular because they were packed with low-
cost artistic performances. Among them was cinema, which was used by both
the bourgeois class and the proletariat. It is worth mentioning that in these
places already existed a pornographic production, mainly using the naked
images of the classes of anatomy. With increasing demand, pornographic
films (or stag films) began to be produced on a large scale. For the research,
were used as primary sources the films: A Free Ride (1915); L'Ecu d'Or
(1908); The Sartario (1907/1912); Am Sklavenmarkt (1907). From the analysis
of the films, common points and some differences in structure were observed,
although they were from different countries. The main characteristic was the
need for voyeurism and the discovery of sex. In all the films appear scenes in
which the actors are spying through clumps, locks, holes among others,
turning the look (discovery) the true pornographic experience of Belle Époque.
So many in the movies, in medicine or in vaudevilles theaters there were
mechanisms in common that made it possible to discover sex.

Keywords: Cinema, Sexuality, Pornography


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................7

2 SOBRE A RELÇAO ENTRE CINEMA E HISTÓRIA.........................................9

3 CONCEITUANDO A PORNOGRAFIA.............................................................15

4 A BELLE ÉPOQUE..........................................................................................19

5 A GÊNESE DO CINEMA PORNOGRÁFICO.................................................25

6 CONCLUSÃO...................................................................................................36

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................39
7

1 INTRODUÇÃO

O nascimento do cinema se deu no final do século XIX, e não houve


precisamente um criador, pois o cinema surgiu com a evolução dos chamados
brinquedos óptico. Em cada lugar esses mecanismos utilizados principalmente por
ilusionistas foram ganhando novas formas até chegar as primeiras maquinas de
filmes. As principais invenções relacionadas ao denominado cinema primitivo foram:
Cinetoscópio (1891) e o Vintascópio (1896) Thomas Edison nos E.U.A), Bioscópio
(1892) pelos irmãos Max e Emil Skladanowsky na Alemanha e talvez o mais
conhecido entre estes seja o Cinematografo (1895) pelos Irmãos Lumière, na
França. O marco do cinema será precisamente em 1895, quando os Irmãos Lumière
apresentaram no Grand Café em Paris, cerca de 10 filmes com uma média de 50
minutos cada. O mais famoso entre eles está o chamado L'Arrivée d'un train à La
Ciotat (A chegada do trem na estação).

O cinema primitivo não se dissociou das apresentações populares


ligados à dança, música, teatro, ilusionismo entre outros. Tais apresentações
ocorriam em uma espécie de amontoados de modalidades artísticas que atraiam
principalmente a camada popular da sociedade pelo seu baixo custo. Nos Estados
Unidos estas apresentações ficaram conhecidas como Vaudevilles, Music-balls na
Inglaterra e Café Concert na França. Eram lugares mal vistos pela sociedade
burguesa onde o álcool e a prostituição circulavam ao redor destes locais. Os filmes
apresentados nas pequenas salas ou no penny árcade (máquina de cinema
individual), variavam imensamente: de contos de fadas à filmes pornográficos
denominado de Stag Films. Os filmes pornográficos tanto eram apresentados
nesses locais mais populares ou em bordeis da alta sociedade, utilizando
comumente prostitutas para atuar.

Os Stags Films foram produzidos em larga escala e eram utilizadas


diferentes imagens que eram tidas como pornográficas como, por exemplo, os
pequenos vídeos de estudo de anatomia feminina. A demanda desse tipo de filme foi
tão grande que muitas companhias de cinema de grande porte entraram na
8

concorrência deste mercado. A Pathé e a Biograph Company produziram centenas


de pequenos vídeos de mulheres nuas em poses sexuais. Em Viena, a companhia
Saturn Films comandada por Johann Schwarzer produziu cerca de 50 filmes no
período de 1906 a 1911, momento em que o governo Austríaco manda encerrar a
produção devido à imoralidade.

Os filmes pornográficos mais conhecidos deste período do cinema são:


Le Coucher de la Mariee(1896), El Sartario (1907/1912), A Free Ride (1915), Am
Sklavenmarkt (1907), Am Ambed (1910), L'Ecu d'Or ( 1908). O final do século XIX e
o inicio do século XX é um período de grandes revoluções no que tange a
sexualidade. A sociedade está transacionando de uma rigorosidade moral típica da
época Vitoriana para uma abertura que irá guiar o século XX. A sociedade vitoriana
vai ser caracterizada pela “administração dos instintos” e essa regulação excessiva
irá provocar uma necessidade de escape, principalmente por um sexo decadente
permitido aos homens, seja através de bordéis, clubes homossexuais ou nos pennys
arcade dos Vaudevilles. Faz-se necessário observar estes fatores para compreender
como o cinema pornográfico se desenvolveu de maneira rápida e como ele poderia
suprir determinadas necessidades da sociedade do Fin de siècle.
9

2 SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CINEMA E HISTÓRIA

Por um longo período, o cinema foi ignorado enquanto fonte para a


análise histórica. Devido às concepções de fontes históricas estarem
relacionadas a documentos escritos e a narrativa oficial, a historiografia
tradicional desacreditava que o cinema fornecesse algum tipo de suporte para
compreender os processos históricos. Para além, é importante assinalar que
durante seu nascimento, o cinema estava ligado também as camadas
populares, fazendo que o mesmo não fosse considerado arte:

“Além do mais, no início do século XX, o que é o


cinematógrafo para os espíritos superiores, para as pessoas
cultivadas? ‘Uma máquina de idiotização e de dissolução, um
passatempo de iletrados, de criaturas miseráveis exploradas
por seu trabalho.” (FERRO,p. 83)

Com o advento da Escola dos Annales , em 1930, houve um grande


debate a respeito das definições de fonte histórica. Os historiadores
começaram a contestar o tipo de narrativa que privilegiava os aspectos
econômicos e políticos e partir desta controvérsia, sucedeu-se uma
redefinição do conceito de fonte histórica, que permitiu a história explorar
outros aspectos que permeiam a sociedade.

A partir deste debate, o documento passou a ser entendido enquanto


rastros deixados pelos homens que podem ser analisados, pois, através delas
é possível compreender as formas de organização, as mentalidades, as
divisões sociais entre outros. A fonte histórica passa de um objeto que
apenas narra para um objeto que faz compreender as diversas dimensões da
sociedade. Marc Bloch conceitua a fonte histórica enquanto vestígios:

“[...] um conhecimento através de vestígios. Quer se


trate das ossadas emparedadas nas muralhas da Síria, de uma
palavra cuja forma ou emprego revele um costume, de um
relato escrito pela testemunha de uma cena antiga ou recente,
o que entendemos efetivamente por documentos senão um
"vestígio" quer dizer, a marca, perceptível aos sentidos,
deixada por um fenômeno em si mesmo impossível de captar?
( BLOCH. Pg, 73)”
10

Entretanto, até 1960, o cinema continuava sendo desprezado pelos


estudos historiográficos. Em 1974, os historiadores Jacques LeGoff e Pierre
Nora publicam a obra dividida em três volumes , alcunhada de História:
Novos problemas; Novas abordagens; Novos objetos. O objetivo da
publicação foi desenvolver novas analises relativos aos vestígios históricos,
incluindo as imagens, que são projeções das perspectivas de uma
determinada época.

Incorporado à obra, estava um manifesto escrito por Marc Ferro em


1971 denominado de: “O filme: uma contra-análise da sociedade?”, onde o
autor debate sobre a importância do cinema para compreender a sociedade,
entendendo os filmes como fonte histórica significativa e os métodos que
podem ser utilizados pelos historiadores para analisar tais obras.

A montagem do filme é consequência de uma seleção de imagens e


falas a partir da perspectiva do diretor. Esta perspectiva é influenciada por
vários fatores como, por exemplo, sua condição mediante a sociedade, que
molda a ideia proposta pelo filme. Para Peter Burke, cabe ao historiador
possuir discernimento e sensibilidade ao analisar as imagens compostas para
assim perceber as intenções do diretor através da investigação acerca do
período histórico cultural e suas influencias:

“No caso de imagens, como no caso de textos, o


historiador necessita ler nas entrelinhas, observando os
detalhes pequenos, mas significativos – incluindo ausências
significativas – usando-os como pistas para informações que os
produtores de imagens não sabiam que eles sabiam, ou para
suposições que eles não estavam conscientes de possuir.”
(BURKE. Pg, 238)

O cinema, por ser um veículo de divulgação de ideais, acaba por expor


as representações que fazem parte de determinada sociedade. Contudo, isto
não significa que estas representações não passem por diversos filtros
sociais, pois, não é possível fazer uma arte impessoal. Porém, a exposição de
certa visão permite o questionamento dos motivos que levam a representar
de determinada forma.
11

Por meios das imagens, não se deve buscar apenas as confirmações


ou as contradições, é necessário compreende-las através do método histórico
como assinala Marc Ferro:

“Partir da imagem, das imagens. Não buscar nelas


somente ilustração, confirmação ou o desmentido do outro
saber que é o da tradição escrita. [...] Resta agora estudar o
filme, associá-lo com o mundo que o produz. Qual é a
hipótese? Que o filme, imagem ou não da realidade,
documento ou ficção, intriga autêntica ou pura invenção, é
História. E qual o postulado? Que aquilo que não aconteceu (e
por que não aquilo que aconteceu?), as crenças, as intenções,
o imaginário do homem, são tão História quanto a História.”
(FERRO,pg,86)

Os filmes documentários e filmes de ficção possuem tratamentos


diferenciados, sendo o primeiro considerado um documento fidedigno e o
outro apenas imagens fantasiosas. É uma visão de que os documentários se
faz um registro primário do passado e torna-se documento a partir da
disposição das imagens. Essa distinção rígida não leva em consideração a
complexidade da linguagem cinematográfica, o que permite uma analise rasa
acerca do cinema, pois, os filmes documentários também pelo processo do
olhar do diretor, suas influencias, recortando aquilo julgado necessário.
Dentro de tal perspectiva, é possível entender que assim como os filmes de
ficção, os documentários também carregam o imaginário construído pela
sociedade.

Este tipo de análise acaba por favorecer a discussões historiográficas


do documentário em detrimento aos filmes ficcionais, principalmente os filmes
destinados as grandes massas. Por se utilizar de elementos que oferecem
uma ideia autenticidade em relação à realidade social, como por exemplo,
entrevistas com pessoas envolvidas e especialistas, imagens de arquivos e
museus ou a utilização de fatos reais, os documentários são entendidos
enquanto uma fonte histórica mais segura. Toda via, este entendimento
acaba por empobrecer o debate do cinema, uma vez que, não compreende o
documentário também como uma obra ficcional.
12

Ao colocar o cinema popular enquanto um subproduto cinematográfico,


a historiografia não possibilitou a analise dos impactos dos seus discursos
dentro da sociedade e as formas de reafirmação de valores ou até mesmo
quebra de paradigmas. Este episódio se deve principalmente pela forma
como os elementos ligados a indústria cultural foi tratada com descaso, sendo
considerados objetos alienantes não dignos de analise. Entretanto, esta
realidade está mudando devidos os avanços dos estudos sobre modernidade
e cultura dentro do capitalismo, entendendo que apesar de uniformizada e
representar uma ideologia dominante, a cultura (e o cinema) de massas
também transpõem para as telas as projeções e percepções de determinado
período:

“É o cinema, e tão somente o cinema, que faz justiça a


essa interpretação materialista do universo [..] , o cinema
organiza coisas materiais e pessoas, e não um meio neutro,
numa composição que recebe o seu estilo, e até pode se tornar
fantástica ou voluntariamente simbólica, não tanto pela
interpretação na mente do artista, quanto pela própria
manipulação de objetos físicos e material de gravação. O meio
do cinema é a realidade física como tal. (PANOFSKY. pg,363)

Quando existe a produção de uma obra, ela acaba por exteriorizar os


ideais presentes tanto no diretor quanto na sociedade em questão, pois, toda
obra é influenciada pelos os aspectos sócios culturais que as rondam. É
através desta linguagem invisível, que o historiador deve trabalhar para
desvelar o real conteúdo da película, procurando manter a critica em cima dos
fatores que levaram à determinada posição da imagem, os diálogos
produzidos, as trilhas sonoras e correlacionando com ambiente social. Todos
estes aspectos permitem ao historiador compreender as influencias que o
cinema provoca na sociedade e de que forma se da esta relação simbiótica.
O cinema é uma forma de entender as particularidades através das imagens
em movimento, criando um universo imaginário, porem, interligado com sua
realidade.

Este método de analise que coloca em discussão os aspectos


exteriores e interiores das obras artísticas foi sistematizado em um ensaio de
Erwin Panofsky, onde, o autor evidencia a Iconografia enquanto subdivisão da
13

historia da arte que busca através da categorização e descrição das obras,


revelar as principais características e elementos presentes. Entretanto, este
método de analise não permite a interpretação por si só. Devido a este fato, é
necessário o exercício da Iconologia, no qual, busca-se a compreensão dos
ícones e dos simbolismos presente na representação visual.

Proposta em três passos, método iconográfico e iconoclasta, busca


abarcar todos os aspectos de uma obra. Por meio da descrição, são posto os
principais elementos visuais do produto artístico:

“O mundo das formas puras assim reconhecidas como


portadoras de significados primários ou naturais pode ser chamado
de mundo dos motivos artísticos. Uma enumeração desses motivos
constituiria uma descrição pré-iconográfica de uma obra de arte.”
(PANOFSKY.Pg.50)

Posteriormente, o pesquisador traça o estudo descritivo da obra em


questão, investigando os fundamentos estéticos de como se está
representado-os:

“ Assim fazendo, ligamos os motivos e as combinações de motivos


artísticos composições com assuntos e conceitos. Motivos reconhecidos
como portadores de um significado secundário ou convencional podem
chamar-se imagens, sendo que combinações de imagens são o que os
antigos teóricos de arte chamavam de invenzioni; nós costumamos dar-lhes o
nome de estórias e alegorias . A identificação de tais imagens, estórias e
alegorias é o domínio daquilo que é normalmente conhecido por "iconografia"
(PANOFSKY.p,51)

Por fim, a interpretação iconológica que permite a compreensão dos


valores simbólicos do período histórico em que a obra se encontra localizada,
possibilitando assim sua interpretação e síntese. Este estágio exige do
pesquisador um conhecimento prévio que abarque os elementos como
filosofia, religião, política entre outros, para analisar os motivos que levaram a
obra a ser representada de tal maneira:

“É apreendido pela determinação daqueles princípios


subjacentes que revelam a atitude básica de uma nação, de um
período, classe social, crença religiosa ou filosófica qualificados por
uma personalidade e condensados numa obra. Não é preciso dizer
que estes princípios se manifestam, e, portanto esclarecem, quer
através dos "métodos de composição", quer da "significação
iconográfica" (PANOFSKY.pg,50)
14

Deste modo, o método analítico de Panofsky permite que o historiador


trace os principais elementos expostos e os elementos de caráter subjetivo,
sendo um método de investigação histórica, pois levam em consideração as
especificidades de cada época, evitando um juízo de valor que pode levar ao
anacronismo da critica.
15

3 CONCEITUANDO A PORNOGRAFIA

A pornografia é um conceito extremamente dubio.Dubio no sentindo de


que os seus limites   são nebulosos, pois, dependem de variaveis culturais de
cada período.  Sexo ou/e nudez podem caracterizar a  pornografia, mas não
apenas isto,uma vez que, esses elementos dependem  do tabu envolvido
perante estes temas.Em muitas sociedades,por exemplo, a nudez nem
sempre é acompanhada de uma carga pornoerotica, muito pelo contrario, é
vista como algo natural.O que irá tornar  pornografico ou não serão os
signficados  que os elementos irão ganhar pela sociedade.Uma seção de 
sadomasoquismo, mesmo que não envolva sexo nem nudez, em nossa
sociedade é considerado pornografia. 
No dicionário Michaelis, a pornografia é definida como: “1 Arte ou
literatura obscena. 2 Tratado acerca da prostituição. 3 Coleção de pinturas ou
gravuras obscenas. 4 Caráter obsceno de uma publicação. 5 Devassidão”. De
fato, a pornografia por muito tempo esteve ligada as sexualidades
escondidas, aquilo que não deve ficar em publico (o obsceno). Entretanto,
não é possível limitar a pornografia apenas pelo ato sexual em si, pois seus
domínios dependem de uma series de fatores como as leis, cultura, período
histórico e principalmente  da dualidade erótico/não erótico. Como determinar 
esta divisa  entre pornografia e erotismo, principalmente em períodos  em que
o corpo continuava sendo visto como algo “pecaminoso”? 
A pornografia,em suma, está ligada ao conceito de obsceno.Ou seja
tudo que não deve (ou não deveria)  estar em cena.Aquilo que a sociedade
considera que não deve ser visto por uma serie de tabus envolvidos.Por isso,
uma seção de sadomasoquismo é considerado pornografia para nós do
seculo XXI. Para Abreu: 

“Operando na ambiguidade fora de cena/dentro de cena, a


pornografia talvez possa ser entendida como um discurso veiculador
do obsceno( doisponto) exibe o que deveria estar oculto.Espaco do
proibido,do interdito, daquilo que nao deveria ser exposto.A
sexualidade fora de lugar.” ( ABREU. pg,19) 
16

Obsceno e pornografia são dois conceitos praticamente


inseparaveis,visto que,um depende do outro para existir.Nem toda
obscenidade é pornografica mas toda pornografia é obscena no sentindo de
que normalmente as imagens conseideradas pornograficas estão nas
periferias culturias da sociedade.
 Outra  questão que permeia o debate da pornografia é a concepção de
erotismo.É necessario compreender que  no erotismo existe a carga sexual
entretanto ela não é explicita como na pornografia.A pornografia marca de
forma bruta o territorio da sexualidade, o que normalmente não ocorre com o
erotismo.O erotismo está ligado aos jogos do prazeres,do proibido.E este
proibido é o interdito.Os interditos são as primeiras “leis” sociais criadas  a
partir da formação comunidade humana.Considerado o primeiro interdito é a
noção de morte,que George Bataille nomeia de noção de descontinuidade do
ser. O ser humano, a partir do momento que se entende enquanto ser
descontinuo,busca em sua nostalgia, a continuidade do ser. A violência da
morte assusta o humano,que busca maneiras de afasta-la,de nega-la e o
erotismo surge dessa necessidade.Contraditoriamente, o erotismo acaba por
revelar essa mesma descontinuidade humana. 
 A pornografia e o erotismo sao dois conceitos que tendem a serem
confundidos por serem tao proximo entre si. É preciso compreender que tais
conceitos dependem das nocoes morais,de permitido ou nao permitido de
cada sociedade ou periodo historico,como salienta Abreu: 
 
“A fronteira entre eles,se ha uma, certamente imprecisa,ja que
nao depende somente da natureza e da funcionamento da
mensagens, mas tambem de sua recepcao,de seu posicionamento
entre o admissivel e o inadmissivel, cuja linha divisoria flutua no
espaco e no tempo.” (ABREU. pg,16) 
 
Saliento que a intenção é repensar o conceito de pornografia
que  é comumente veiculado apenas como a represetação de cenas
sexuais, como se nao houvesse um contexto  por trás que justificasse essa
ideia de pornografia. Nao tem como chegar com um conceito pré concebido
da pornografia para pensar as representações da sexualidade e sim se faz
17

necessario entender que os conceitos apresentados  dependem  do contexto


historico e cultural do periodo que se pretende estudar. 
O erotismo é entendido enquanto uma concepção estruturada a partir
de um esqueleto sociocultural intimamente ligada aos campos do poder. Para
compreender esta formação é necessário situar a concepção de erotismo em
relação ao que tange a sexualidade, gênero e desejo. Sendo assim, é
possível pontuar de qual forma o erotismo comporta-se mediante as esferas
sociais.
É importante frisar que o erotismo é assinalado pelo desejo, sendo seu
objeto de atenção. Este desejo foi sendo forjado por meio de simbolismo
culturais que permeiam a noção do individuo. Entretanto, o conceito de
sexualidade tomada pela forma atual, foi concebido a partir do final do século
XIX, com o avanço do cientificismo sobre o discurso do corpo.
Dentro da sociedade existem hierarquias, que moldam as noções do
permitidos. Podemos assim situar que o erotismo ele também responde
através destas hierarquias, sendo tolhido ou permitido, dependendo de que
forma este erotismo esteja ligado seja por gênero, classe social ou etc.
Peguemos, por exemplo, a forma como o erotismo feminino foi reprimido
durante o Período Vitoriano, pois, a condição da mulher em sociedade estava
subalternizada pela imagem masculina e pela designação ao lar “virginal”.
Contudo, para as classes mais baixas, existia uma maior “liberdade” da
sexualidade feminina, pois, esta mulher proletária não se encaixava nos
moldes burgueses de conduta e família, possibilitando assim determinados
tipos comportamento que uma mulher mais abastadas não poderia fazê-lo.
Permito aqui um adendo sobre os estudos clássicos acerca da
sexualidade e do erotismo, em que muitos autores acabam por ignorar a
existência das classes menos favorecidas, como se apenas existisse
sexualidade entre os ambientes abastados. Este fato se torna um grande
empecilho para o estudo da sexualidade no geral, pois, torna a história
homogênea e acaba por impossibilitar a compreensão de qual forma se
deram os impactos dos discursos sexuais. A história não tem condições de
ser feita em uma via de mão única.
18

A pornografia faz seu percurso através do proibido, do considerado


obsceno e dos interditos. Falar em pornografia significa violar o espaço
proibido, permitindo o entendimento da consciência indecorosa, resultado das
supressões demandadas pela sociedade. Para Freud, o controle das pulsões
permite que a comunidade permaneça intacta, como uma troca do “eu” pelo
“grupo”:

“A civilização humana, expressão pela qual quero significar


tudo aquilo em que a vida humana se elevou acima de sua condição
animal e difere da vida dos animais [...] apresenta, como sabemos,
dois aspectos ao observador. Por um lado, inclui todo o
conhecimento e capacidade que o homem adquiriu com o fim de
controlar as forças da natureza e extrair a riqueza desta para a
satisfação das necessidades humanas; por outro, inclui todos os
regulamentos necessários para ajustar as relações dos homens uns
com os outros e, especialmente, a distribuição da riqueza disponível.
(FREUD. Pg,16)

As trajetórias das sociedades humanas estão recheadas de elementos


pornográficos, pois, a pornografia é um mecanismo imaginativo de expressar
a sexualidade de forma coletiva e individual. Mesmo relegada aos ambientes
ocultos, a pornografia cumpre seu papel social de permitir a extravazão da
libido por meio das projeções fantasiosas. A análise pornográfica se dá por
três segmentos, como evidencia Susan Sontag:

“[...] a existência das pornografias (há pelo menos três) e


antes de se empenhar em considerá-las uma a uma. Há muito a se
ganhar em exatidão se a pornografia, como um item na história
social, for tratada de modo totalmente separado da pornografia
enquanto fenômeno psicológico (segundo a visão comum,
sintomático de deficiência ou deformidade sexual, tanto nos
produtores como nos consumidores) e se, em seguida, se distinguir
dessas duas uma outra pornografia: modalidade ou uso menor, mas
interessante, no interior das artes.” (SONTAG.pg,3)

A sociedade deposita na pornografia todo o arcabouço de pulsões


eróticas, relacionadas ao imaginário social sobre as práticas sexuais e do
sexo, pois, esta também é uma construção social. Sendo assim, inserido
dentro de um contexto, a pornografia tanto pode questionar os padrões
19

morais quanto reafirma-los através do discurso sexual. Ao contrário do senso


comum, a pornografia não é dissonante dos valores sociais da sociedade.
Com tais características, a pornografia tona-se facilmente um produto
cultural. Apesar da suposta aversão da sociedade pelo obsceno,
classificando-o como ofensivo e imoral, a pornografia consolidou-se como um
objeto de consumo para a exploração das fantasias sexuais. Entretanto para
manter-se enquanto objeto de desejo, a pornografia não pode se desvencilhar
destes mesmos julgamentos morais, pois, são eles que permitem que a
pornografia ocupe o espaço de desejo e libertação das pulsões.

4 A BELLE ÉPOQUE

Para compreender a formação do cinema e sua correlação com o


erotismo, se faz necessário recorrer à compreensão do desenvolvimento da
Belle Époque. Primeiramente, é crucial que se faça a distinção entre o
Período Vitoriano e a Belle Époque, pois, apesar de serem próximas ambas
possuem características especificas que definem o que era ou não permitido.
Tais características influenciam no advento do chamado “Cinema Primitivo”, a
partir do final do século XIX.

Em termos gerais, A Belle Époque (ou Bela Época em português) foi


marcada pelo desenvolvimento cientifico, pelas transformações culturais e a
efervescência tanto intelectual quanto artística. A historiografia tradicional
demarca este período entre o final do século XIX (por volta de 1870) até a
eclosão da Primeira Guerra Mundial em 1914. A dita paz que reinava entre os
países europeus proporcionou um ambiente propicio para o desenvolvimento
de uma cultura urbana ligada ao divertimento e acarretou a transmutação dos
antigos valores e dos modos de pensar deste período.

É necessário demarcar as particularidades que envolvem o Período


Vitoriano principalmente o que tangem as questões acerca da sexualidade. O
Vitoriano é compreendido, principalmente, ao conjunto de regras que
20

perpetravam na sociedade a administração dos instintos, a polidez e a


moderação que influenciavam principalmente a sociedade inglesa e francesa
do século XIX. Compõem-se uma oposição ao comportamento das classes
mais baixas ou da aristocracia considerado devasso e mundano pelo modelo
burguês. Esta separação é evidenciada pelas divisas criadas entre o público e
o privado através a devoção do ambiente do doméstico.

Entretanto, cabe aqui salientar que é um elemento característico da


sociedade como um todo conter conjuntos de regras reguladoras, a fim de
instaurar uma ordem que perpetue a sociedade. O que vai diferenciar são as
formas reguladoras que cada período histórico possui. Ou seja, a associação
entre tais normas, modos de organização, instituições e suas interelações que
definem o modo de vida de determinada comunidade. Segundo o Dicionário
de Conceitos Históricos:

“[...] sociedades criam certos mecanismos de autoperpetuação que


asseguram sua continuidade no tempo: reprodução sexual, diferenciação de
papéis sociais (cabendo aos indivíduos papéis específicos), comunicação,
concepção comum do mundo e dos objetivos da sociedade, normas que
regulam a vida, formas de socialização e de controle dos comportamentos
tidos como desviantes.” (SILVA & SILVA. pg,382).

Fundamentado em tais princípios, a sociedade desenvolve uma


consciência moral coletiva que possibilita a perpetuidade da mesma.

Estes controles sociais são atribuídos aos processos sociais e políticos


que governam as condutas tanto individuais quanto coletivas, para assim
manter a ordem e o cumprimento dos preceitos existentes. Primeiramente,
por meio da socialização do individuo na sociedade, os preceitos, normas e
valores são incorporados que levam o sujeito a reproduzir um determinado
padrão de comportamento. Este viés é descrito como meios informais de
controle social, que são a base do individuo. Contudo, a sociedade utiliza-se
das sanções e penalidades através do Estado para impossibilitar a instituição
da anomia social. Por estes motivos, são denominados como meios formais
de controle social.
21

Na concepção durkheimiana, as regulações sociais são tidas como


inerentes a formação da sociedade em si. Compreendendo-se que, enquanto
fato social, as obrigações morais estão subordinadas a uma ordem social,
sendo assim, não é possível conceber uma analise de uma moral totalizante e
única, mas sim, diversas estruturas morais dentro de cada sociedade ou
período histórico. Para Durkheim:

“Se há hoje verdade histórica estabelecida é a moral está


estritamente relacionada com a natureza das sociedades, pois ela muda
quando as sociedades mudam. É que ela resulta da vida em comum. É a
sociedade que nos lança fora de nós mesmos, que nos obriga a considerar
outros interesses que não são os nossos, que nos ensina a dominar as
paixões, os instintos, e dar-lhes lei, ensinando-nos o sacrifício, a privação, a
subordinação dos nossos fins individuais a outros mais elevados.”
(DURKHEIM.pg, 45)

Esta ordem moral é um fato inalterável da formação da sociedade,


independente do individuo e exterior ao mesmo, resultado das necessidades
sociais da vida em comunidade. Entretanto, elas tendem a mudar quando
ocorrem transformações na sociedade que altere sua estrutura.

No Período Vitoriano, através dos ideais e princípios que regem a


comunidade, a sociedade concebeu um modelo de consciência moral coletiva
que cria mecanismos para sua continuação através da construção de padrões
de comportamento entre os indivíduos em que, o engrandecimento da
instituição família e a união matrimonial constituíam nos principais elementos
que asseguravam a moderação dos sentidos e a monogamia, posicionando o
sexo nos limites do casamento aos moldes burguês.

O pudor e o recolhimento comandaram os comportamentos sociais no


Vitoriano. Por meio desta perspectiva, as concepções de corpo e de
sexualidade baseiam-se no controle do prazer e na sobreidade, pois tudo que
fugiam desta ordem eram considerados mundanos. O decoro transpassava
tanto a esfera pública quanto a esfera privada, de forma que a sexualidade
não fosse incentivada de maneira vulgar e imoral.

O controle da sexualidade está para além de uma forma de


administração dos sentidos, mostrando-se de forma clara como um controle
22

do espaço público sobre a vida privada. Tal controle colocou o sexo enquanto
uma forma de delito, principalmente, as sexualidades consideradas
desviantes como as práticas solitárias, a homossexualidade e o erotismo
feminino. Com o avanço da ciência medica, o discurso repressor foi
amplamente fortalecido pelos estudos a cerca da sexualidade que
corroboravam com o ideal moralizante.

A classe burguesa toma para si a idealização de um modelo de


moralidade, pois, nem a aristocracia decadente provia este modelo. Contudo,
apesar desta noção a respeito de uma sexualidade oprimida, os indivíduos
comportavam-se de forma dicotômica para aquilo que era pregado. Enquanto
o discurso sexual estava voltado para o espaço privado, por detrás das
cortinas, existia uma enxurrada de material para extravasar os prazeres
reprimidos. Vale lembrar que este espaço “secreto” era reservado
principalmente aos homens, uma vez que, a sexualidade feminina era vista
como parte de um problema e a imagem da mulher era projetada para ser a
esposa intocada.

O Fim do século XIX é marcado especialmente pelo desenvolvimento


das cidades, pelo processo urbanizador e pelo êxodo rural para as cidades.
Até o inicio do século XIX, grande parte da população era composta por
trabalhadores rurais, entretanto, devido ao processo da Revolução Industrial,
que permitiu a mobilidade do trabalhador rural e um maior acesso a bens de
consumo, as cidades se tornaram grandes polos sociais e culturais.

É necessário pontuar as principais transformações que proporcionaram


o desenvolvimento da Belle Époque. Primeiramente, como foi dito, o
desenvolvimento urbano através do êxodo rural provocou um aumento
populacional além do aperfeiçoamento das áreas de transporte e melhoria de
alimentos. Com este boom populacional, criou-se a necessidade de alargar o
espaço das cidades para comportar a população. Outra mudança que
influenciou fortemente a Belle Époque foi o desenvolvimento da comunicação
através da expansão das estradas de ferro (devido à otimização das
23

indústrias) que possibilitou a diminuição da distancia entre os lugares e


favorecendo assim as trocas socioculturais.

Porém, a característica que impulsionou a formação de novos valores e


destacou-se como grande marco do período foi o fortalecimento da imprensa
e dos ambientes de divertimento produzidos em uma escala maximizada.
Com o crescimento populacional cada vez maior, permitiu-se o
desenvolvimento de um mercado cultural popular com uma imprensa voltada
para o povo e uma literatura de massas em larga escala Este é o embrião da
denominada “cultura de massas” que influenciou todo o século XX até os dias
atuais.

A Cultura de massa pode ser definida como uma uniformização da


cultura, tornando-a um produto homogêneo e de fácil consumo. No entanto,
esta padronização reflete no consumidor, pois se cria um ambiente
sociocultural em que são introjetados as necessidades de um consumo rápido
e de desejos superficiais para atingir as metas de venda e consumo. O
resultado desta massificação é a substituição da cultura popular e folclórica,
por esses simulacros culturais, que simplificam a cultura seguindo a lógica de
um capitalismo industrial. Por via da idealização e felicidade em cima do
consumo, o capitalismo cultural manipula seus indivíduos como exemplifica
Adorno e Horkheimer.

“A mecanização atingiu um tal poderio sobre a pessoa em seu lazer


e sobre a sua felicidade, ela determina tão profundamente a fabricação das
mercadorias destinadas à diversão, que esta pessoa não pode mais
perceber outra coisa senão as cópias que reproduzem o próprio processo
de trabalho habituais. O espectador não deve ter necessidade de nenhum
pensamento próprio, o produto prescreve toda a reação.” (ADORNO &
HORKHEIMER.pg,128)

Na Belle Époque, a cultura do espetáculo tornou-se uma forma de


relação interpessoal por intermédio das imagens. Através deste meio, a
sociedade reproduzia um padrão de vivência onde a juventude e a beleza
estavam em voga. É perceptível que as diferenças de padrões dentre o
Período Vitoriano e a Belle Époque, sendo o primeiro voltado para a limitação
dos desejos, entretanto, a Belle Époque caminhou pelo sentindo contrário ao
24

espetacularizar os desejos de consumo e satisfação pessoal. Com progresso


das mídias, a imagem tornou-se o mecanismo para este feito. As
propagandas recheavam os ambientes com discursos de consumo, o cinema
e as apresentações populares produziam cada vez mais astros a nível
internacional e o corpo feminino se tornou a principal moeda de troca, onde
era exposta de forma voluptuosa, em contraste a mulher vitoriana.

Propaganda de 1890 1

Duas jovens garotas por volta de 1850: O decoro vitoriano era perceptível através
das vestimentas escuras e fechadas até mesmo para crianças2

A atriz e modelo Camille Clifford evocava o padrão ideal da Belle Époque.

Consequentemente, com os novos avanços da sociedade através da


urbanização e dinamização das cidades, proporcionaram a transformação dos
símbolos culturais. O espetáculo, a arte “vulgar” e a vida de prazer e riqueza

1 Disponível em: < http://mashable.com/2015/08/25/victorian-long-hair/>

2 Disponível em: < https://fromthebygone.wordpress.com/tag/camille-clifford/>


25

evocavam o espírito dominante da Belle Époque. Estas transformações não


ficaram presas apenas a Europa, pois, foram exportadas para as antigas
colônias latino americanas. Comportava-se assim de forma globalizante e
colonizadora, modelo este utilizado pelo capitalismo atual.

5 A GÊNESE DO CINEMA PORNOGRÁFICO

O cinema é um dos principais veículos de transmitir ideias, através das


imagens em movimento. Sua gênese se deu no final do século XIX, também
conhecido como Belle Époque, que ficou caracterizada como um período de
grandes avanços em diversas áreas como medicina, botânica, tecnologias
entre outras. Esse clima de progresso levou a profundas mudanças tanto
sociais quanto culturais, trazendo a tona novos anseios e perspectivas para a
sociedade.

Um ponto chave para compreender este período é analisar o modo


como a estética permeava de forma significativa esta sociedade. Mas não
uma estética ligada, por exemplo, a política ou religião, e sim relacionada ao
historicismo, ao efêmero e ao desvelamento de um modo geral. É perceptível
como essa estética influenciou fortemente vários setores até mesmo da vida
cotidiana. É interessante perceber o contraste que se formou entre a era da
Belle Époque com o período que a antecede, nomeada de era Vitoriana.
Durante essa era o luto e morbidade estavam inseridos de forma enraizada
nos costumes. Surgiram diversas maneiras de se lidar com a morte (também
conhecido como Momento Mori): fotografias post mortem, manuais de
etiqueta sobre como se comportar diante do luto, o uso constante do preto
etc.

Uma das prerrogativas defendidas por Geroge Bataille a ideia de que


antecede o erotismo é a denominada descontinuidade do ser, ou seja, da
própria morte. Para ele, o erotismo (intimamente ligado ao ser humano) faz
26

parte da atividade sexual, porém é uma parte que não busca


necessariamente reprodução, não “animalizada”:

“[..] para nós que somos seres descontínuos, a morte


tem o sentido da continuidade do ser: a reprodução leva à
descontinuidade dos seres, mas ela põe em jogo sua
continuidade, isto é, ela está intimamente ligada à morte. É
falando da reprodução dos seres e da morte que me esforçarei
para mostrar a identidade da continuidade dos seres e da
morte.[...] A atividade sexual de reprodução é comum aos
animais sexuados e aos homens, mas, aparentemente, só os
homens fizeram de sua atividade sexual uma atividade erótica,
e o que diferencia o erotismo da atividade sexual simples é
uma procura psicológica independente do fim natural
encontrado na reprodução.” (BATAILLE.pg,10)

Os seres humanos possuem uma forte nostalgia pela continuidade, e


esse desejo vai se manifestar em três tipos eróticos conhecidos como
erotismo dos corpos, erotismo dos corações e do sagrado. Com o
desenvolvimento das primeiras comunidades, o ser humano criou restrições e
regras denominadas interditas. Esses interditos primários estavam ligados
principalmente à morte, em uma tentativa de se separar desta violência. Os
registros arqueológicos comprovam que os Neandertais já possuem a noção
de morte, pois buscavam se afastar dos cadáveres através de covas com
objetos sacralizados. Com o enraizamento dessas interdições, criou-se um
sentimento de transgressão. De fato, o jogo erótico é intimamente ligado à
desobediência mesmo que não completa das leis sexuais que imperam na
sociedade.

É possível perceber que em diversos momentos na história, grandes


períodos ligados à morte/luto antecedem períodos extremamente eróticos.
Dois dos exemplos desse fenômeno foram a Primeira Guerra Mundial que
durou de 1914-1918, deixando o resultado de mais ou menos 60 milhões de
mortos em contraste com a década de 20 que foi um período de grande
liberdade sexual, com subculturas como a flapper que questionavam os
antigos padrões morais através das roupas, trajetos e musicas. E também a
Segunda Guerra Mundial com o numero de 70 milhões de mortos durante os
anos de 1939 a 1945, e em subsequente a década de 50, que seu símbolo
27

maior foi a atriz Marilyn Moore que personalizava toda a voluptuosidade a lá


american way of life.

Se no período Vitoriano, o luto foi parte central das questões culturais


da sociedade, na Belle Époque foram a efemeridade que vai caracterizar
essas novas questões. Efemeridade essa ligada a estética, ao passado e a
juventude. Existiu um grande interesse em rebuscar na antiguidade clássica e
na idade media os valores estéticos. Esse historicismo foi influenciado de
modo conjunto quando a historia se torna um campo definido ao se separar
das outras ciências humanas dentro da academia.

Diversos movimentos artísticos que surgiram durante a Belle Époque


seguiam essa linha histórica como os Pré Rafaelitas que retratavam
principalmente paisagens com temas medievais, a Art Nouveau com
inspirações Greco romana até mesmo na moda através das roupas estéticas,
que tinham influencia dos séculos anteriores, desenvolvidos por Arthur
Lasenby Liberty.

Essa supervalorização da arte e da cultura tornou um terreno fértil para


a chamada cultura do divertimento. É importante salientar que durante esse
período, existiu um grande desenvolvimento das cidades graças ao êxodo
rural, o crescimento urbano, a difusão da eletricidade entre outras coisas.
Com isso, surgiram vários espaços que possuíam tanto elementos da cultura
da elite quanto da cultura das classes menos abastadas. Cabarés, teatros,
salões de dança incorporavam esses elementos, como por exemplo, o
cakewalk que era uma dança que surgiu com os escravos americanos como
forma de sátira das danças europeias e que foi incorporada pelos salões de
dança da classe média.

Porém esses espaços eram reservados a classe burguesa que havia


se estabelecido socialmente. Para as classes baixas, existiam locais que
possuíam diversas atrações como parque de diversões ou os chamados
Vaudevilles que era um tipo de espetáculo popular, definido pela
apresentação de vários artistas como dançarinas, cantores, ilusionistas que
28

seguiam a sequencia de atos de forma independentes e misturavam


comedias, musicas e mágicas:

“Eram locais bastante populares e também um tanto mal –afamados


por causa da atmosfera plebeia e do “baixo nível” dos espetáculos
burlescos ali encenados.Na verdade, os vaudevilles eram
abominados pelas plateias sofisticadas e pelas pessoas de boa
família. Quando, num primeiro momento. A venda de álcool era ainda
tolerada nesses locais e a prostituição florescia ao seu redor, não era
difícil que uma visita a uma dessas casas se transformasse em
bebedeira,quebra-quebra ou aventura sexual.” (MACHADO.Pg78)

Diante deste panorama que foi que se desenvolveu durante a Belle


Époque a cultura de massas. Uma cultura produzida de forma que a deixe
barateada e de acesso rápido e popular.

Neste cenário o cinema emergiu. Convencionalmente, é tido como o


marco do nascimento do cinema a criação do cinematógrafo pelos irmãos
Lumière em 1895. Não é possível afirmar a existência de um nascimento do
cinema e sim um desenvolvimento, já que a mesma é a evolução das
chamadas lanternas mágicas, que foram criadas entre o século XVI e XVII.
Essas lanternas faziam projeções através de desenhos feitos em placas de
vídeos usando uma lâmpada de azeite e projetadas em um tecido branco.
Eram usadas tanto no espaço doméstico e principalmente nos espaços
populares. Outra questão que envolve o nascimento do cinema é que o
cinema não surgiu de um só lugar e sim em diversos momentos. :
Cinetoscópio (1891) e o Vintascópio (1896) pela Edison Laboratories nos
E.U.A), Bioscópio (1892) pelos irmãos Max e Emil Skladanowsky na
Alemanha e talvez o mais conhecido entre estes seja o Cinematografo
(1895) dos Irmãos Lumière, na França.

O cinema aflora com um caráter multifacetado, pois como já foi dito, ele
é o aprimoramento das lanternas mágicas que faziam bastante sucesso
desde o século XVII. Esse cinema primitivo estava intimamente ligado às
apresentações populares que ocorriam nos vaudevilles, sendo direcionado
para as camadas ricas e pobres da sociedade. Em um primeiro momento,
este período do cinema foi dividido em “cinema de apresentações”, que
equivale a 1984 a 1907 e “período de transição” que vai de 1907 a 1915.
29

O “cinema de atrações” são filmes que possuíam uma narrativa mais


simples, plano único e certo caráter documental. Costumavam abordar temas
lúdicos como contos de fadas, cotidiano da cidade ou pequenas
apresentações, por exemplo, de dança:

“Nessa fase, o cinema tem uma estratégia


apresentativa, de interpelação direta do espectador, com o
objetivo de surpreender. O cinema usa convenções
representativas de outras mídias. Panorâmicas, travelings e
close-ups já existem, mas não são usados como parte de uma
gramática como nos filmes de hoje. Os espectadores estão
interessados nos filmes mais como um espetáculo visual do
que como uma maneira de contar histórias” (MASCARELLO.
pg,26)

Já no período de transição, a narrativa cinematográfica torna-se menos


nebulosa, os personagens ganham características mais psicológicas,
buscando mostrar as intenções e sentimentos. Essa organização da estrutura
narrativa do cinema durante esse período é uma tentativa de elevar o status
do cinema à arte, pois como era ligada a cultura das camadas menos
abastadas (teatros dos operários) não era bem vista pelos olhos da alta
sociedade.

As câmeras de cinema se popularizaram de tal forma que foram


captadas até mesmo pela medicina. Neste período, a medicina estava muito
preocupada em categorizar os comportamentos humanos.. Ao contrário da
ideia moderna que nos séculos anteriores não se falava sobre o sexo, na
verdade existiam mecanismo diferentes para se falar sobre o mesmo. No
século VII, a Igreja detinha o discurso sobre o sexo, descrevendo os
comportamentos sexuais de forma detalhada nos livros de confessionários.
No século XVIII, esse discurso passa para o Estado que estava fortalecendo
seus alicerces. Teorias como a Teoria Malthusiana de controle populacional
para garantir o bem estar do estado surgem durante este período. Já no
século XIX, o discurso sexual pertence à medicina, que buscou de inúmeras
formas documentar, esmiuçar e enumerar a sexualidade humana. Para
Foucault:
30

“Seu fraco teor, e nem mesmo falo de cientificidade,


mas de racionalidade elementar, coloca-os à parte na história
dos conhecimentos. Eles formam uma zona estranhamente
confusa. O sexo, ao longo de todo o século XIX, parece
inscrever-se em dois registros de saber bem distintos: uma
biologia da reprodução desenvolvida continuamente segundo
uma normatividade científica geral, e uma medicina do se xo
obediente a regras de origens inteiramente diversas.”
(FOUCAULT. Pg, 54)

Comportamentos tidos como comuns ou os delitos sexuais eram


prontamente estudado pelos médicos. Foucault exemplifica um caso onde um
camponês comente um delito sexual contra uma menina. Após a denuncia, a
policia chega com uma equipe médica pronta para investigar o criminoso,
anotando informações, medindo a estrutura óssea entre outros aparatos da
época. A psicanálise surge durante este momento e fazendo coro a essa
patologização dos comportamentos sexuais.

Essa necessidade de documentar que caracterizou a medicina do


século XIX e inicio do século XX, fez com que as maquinas de cinema fossem
amplamente usadas por médicos, biólogos e outros. Os estudos anatômicos
promovidos pelas faculdades de medicina buscavam documentar, através de
fotografia e posteriormente vídeos, os movimentos dos corpos. Fotógrafos
como Eadweard Muybridge e Étienne-Jules Marey registraram centenas de
imagens e pequenas películas a anatomia, posições e deformidades. Muitas
dessas imagens possuíam corpos de mulheres nuas, o que ocasionou o
contrabando dessas fotografias para fins ilícitos.

As imagens eram comercializadas como produtos pornográficos. Com


o sucesso desse comercio, começaram a ser produzidos vídeos
especificamente para esse fim. Essas pequenas películas eram apresentadas
nos chamados Penny Arcades, que eram pequenas cabines onde assistiam
individualmente. Normalmente ficavam localizadas nos vaudevilles, pois seu
custo era extremamente barato. Esses filmes eram apresentados também em
cabarés onde frequentava a burguesia e estrelados pelas prostitutas da casa.
Foucault assinala que:

“[...] Proliferação das sexualidades por extensão do


poder; majoração do poder ao qual cada uma dessas
31

sexualidades regionais dá um campo de intervenção: essa


conexão, sobretudo a partir do século XIX, é garantida e
relançada pelos inumeráveis lucros econômicos que, por
intermédio da medicina, da psiquiatria, da prostituição e da
pornografia [...] Encadeiam-se através de mecanismos
complexos e positivos, de excitação e de incitação. “
(FOUCAULT.pg,47)

O filme considerado pornográfico mais antigo a ser documentado foi o


Le Coucher de la Mariee (1896), produzido por Eugène Pirou, onde mostra a
atriz de cabaré Louise Willy em um vestido de noiva com um ator
desconhecido fazendo um strip-tease .Apesar de terem sido produzidos em
largas, poucos filmes foram mantidos conservados devido a ilegalidade que
era imputada a pornografia. Entre as películas salvas encontram-se El
Sartario (1907/1912), A Free Ride (1915), Am Sklavenmarkt (1907), Am
Ambed (1910), L'Ecu d'Or ( 1908).

Várias produtoras do cinema dito “convencional” entraram na disputa


do mercado pornográfico. A Biographic e a Pathé, que produziam diversos
gêneros como ação, comédia etc começaram a produzir pequenas películas
de imagens de mulheres nua ou seminuas para serem comercializadas nos
vaudevilles. O próprio George Meliès produziu um pequeno filme chamado
Après Le Bal (1987), onde Jehanne d'Alcy aparece nua de costas. Mas a
maior expoente dessas películas foi a produtora Saturn-Film criada dirigida
pelo fotografo Johann Schwarzer, que funcionou no período de 1900 a 1911 e
produzindo cerca de 60 filmes.

Esses filmes pornográficos, ou stag films foram produzidos no período


de transição do cinema, então eles continham a estrutura narrativa dos filmes
convencionais. Metalinguagens, balões de falas faziam parte do repertório
utilizado pelos diretores. Porém havia um elemento que interligava esses
filmes: a noção de descoberta do corpo/sexo. É importante questionar de que
forma se dava essa noção para poder compreender o impacto da pornografia
na sociedade.

Como foi dito anteriormente, a Belle Époque estava intimamente ligada


a estética, ao efêmero e ao desvelamento (principalmente do corpo
32

feminino).Esse caldeirão cultural que se formou no final do século XIX,


possibilitou questionamentos das antigas regras de costumes. Com os
avanços tecnológicos, principalmente na área da medicina faz com que a
sexualidade feminina entre em voga e se torne um tema recorrente nos
diversos espaços da sociedade:

“Para o século XIX, a ânsia de abrir a mulher e examinar


profundamente os segredos do seu corpo e da reprodução era central
ao processo e ao mérodo da própria ciência.Essa paixão pela
obsevação e pela análise manifestou-se a principio no
desenvolvimento de instrumentos científicos, médicos e
ginecológicos, em seguida na dissecação e, afinal na cirurgia sexual
[...]” (SHOWALTER.pg,174)

A nova mulher influenciou fortemente a sociedade da Belle Époque,


pois a partir do momento que ela se posiciona enquanto ser político e social
faz com que pilares que moldavam a moral da época fossem desconstruídos.
O advento Movimento Feminista, fez com que a mulher emergisse, tornando-
se objeto de estranhamento diante dos olhar patriarcal. Com essa nova
mulher desconhecida, houveram muitas produções relacionadas ao perigo
que as mulheres representavam e ao mesmo tempo à exploração desse novo
feminino:

“O olhar masculino proporciona tanto poder quanto risco, pois


o que está por trás do véu é o espectro da sexualidade feminina, uma
boca silenciosa, porém terrível. que pode ferir ou devorar o
observador masculino” (SHOWALTER. pg,196)

Showalter exemplifica esta mulher a ser descoberta no romance “Ela, a


Feiticeira” de Henry Rider Haggard (1887), onde três amigos acabam em uma
savana africana e conhecem a temível rainha Ayesha, que comandava tribo local.
Segundo Showalter, neste romance existem elementos que explicitam a repulsa a
mulher detentora do poder e a criação do mito da mulher selvagem, que deve ser
descoberta e combatida.

A sociedade encarava o corpo feminino com uma descoberta a ser


feita. No teatro, por exemplo, o tema que se tornou muito recorrente foi a
peça Salomé, que retratava a história Bíblica de Salomé e João Batista, onde
a mesma acaba pedindo para o rei cortar a cabeça de João Batista e
posteriormente dança e beija-lhe na boca. Um ponto interessante dentro da
33

peça é a chamada dança dos sete véus, aonde aos poucos o corpo da
dançarina vai sendo desnudado:

“[...] o véu era associado à sexualidade feminina e à


membrana do hímen. O véu representava, portanto, a castidade e a
modéstia. Nos rituais dos conventos, do casamento e do luto, ele
ocultava a sexualidade. Além disso, a ciência e a medicina
tradicionalmente faziam uso de metáforas sexuais que descreviam a
“natureza” como uma mulher cujo véu seria afastado pelo que
quisesse descobrir seus segredos.” (SHOWALTER.Pg.192)

Também se populariza dentro das aulas de anatomias as chamadas


“Vênus anatômicas”, que eram reproduções de corpos femininos joviais.
Possuíam uma estética etérea e tanto erótica:

“ [...] essas figuras femininas eram muito diferentes tanto das


descrições anteriores dos órgão internos quanto de figuras
masculinas de finalidade comparável.As figuras femininas estão
deitadas muitas vezes usando colares de perolas. Elas tem cabelos
longos e, eventualmente, também pelos púbicos. Uma “Vênus”
dessas costuma estar deitada em almofadas de veludo ou de seda
com uma postura passiva, quase convidativa em termos sexuais.
Exibidos em vitrines [...] tampas se abrem para revelar as entranhas,
os misteriosos órgãos da sexualidade e da reprodução)
(SHOWALTER.pg,173)

3
Vênus anatômica

É perceptível que esta noção de corpo/ sexo influenciou a forma como


os stags films retratavam a sexualidade. O voyeurismo é um elemento
presente em praticamente todos os filmes, através de lunetas, binóculos,
buracos entre outros, mantendo o espectador em uma posição de observador
passivo.

3 Disponível em:<http://mnactec.cat/es/actividad-detalle/objetos-medicos-sorprendentes-charla-la-
venus-anatomica>
34

Existia também uma repetição exagerada da ação genital, sem uma


continuidade temporal, que sugere que cada plano fosse um show em si:

“O Stag oscilaria, então , entre a impossível relação


direta do espectador com o objeto exibicionista,que ele
observa em close-ups , e o ideal voyeurista de um
espectador que assiste a uma ação sexual na qual a mulher
substituta – uma imagem- atua para ele” (ABREU.pg,50)

Para Abreu, a pornografia se caracteriza principalmente por “separar,


decupar e cortar” os corpos retirando as trocas simbólicas existentes, em um
universo pornotópico onde o gozo é eternizado.

Cena voyeurista em A free ride (1914/1915)4

Diante das analises das sequencias dos stags films, o que se mostra é
que a experiência pornográfica estava concentrada na ideia de descoberta do
sexo tanto no imaginário, quanto na realidade material, pois muitos desses
filmes eram utilizados para excitar homens que visitavam os prostibulos:

4 Disponível em: < https://en.wikipedia.org/wiki/A_Free_Ride#/media/File:A_Free_Ride_(1915)>


35

[...] podemos atribuir aos ilegais Stags a dupla função de


satisfazer a vontade de saber o desconhecido (os “segredos”), a
curiosidade sobre as maravilhas ocultas do corpo,principalmente do
feminino, e do “despertar” para o sexo” (ABREU.pg,51)

Os stags films cumpriam a função de satisfazer o desejo da


curiosidade sobre além de revelar sobre o segredo do corpo feminino.
36

6 CONCLUSAO

Inicialmente torna-se necessário entender a diferença entre os


conceitos de pornografia e erotismo. De um modo geral a pornografia vai ser
tida como representação de sexo explícito, ao que é considerado obsceno.
Por outro lado, o erotismo está ligado ao sugestivo, ao amor lascivo. Todavia,
ambos estão intimamente conectados por tratarem do prazer do mistério, do
prazer velado, de algo que não deve ser mostrado em público. Esses
conceitos não são fixos, suas variantes são imensas, pois se tratam de
construções que respondem a espectros de cada sociedade:

Uma vez apresentadas essas fronteiras tão fluidas entre o pornográfico


e o erótico, é necessário o olhar clínico do historiador, inter-relacionando os
estudos dos gêneros fílmicos, as perspectivas e os modos que a sociedade
trabalha com a sexualidade. Assim, à partir de uma breve digressão histórica,
faz-se um passeio na perspectiva da Escola dos Annales, fundada por Marc
Bloch e Lucien Febvre através da revista Annales d'histoire économique et
sociale, em 1929,que proclamava a necessidade do historiador para
interdisciplinaridade, ao contrário da sua antecessora Escola Metódica. Essa
interdisciplinaridade que provoca de fato a mudança da própria forma de se
ver história e suas fontes.

O cinema será uma das principais formas de propagação de ideias na


sociedade, e uma das mais sutis. Desde seu surgimento, no final do século
XIX, vai ser o começo da cultura de massas que irá definir o capitalismo do
século XX. É importante ressaltar que está se tratando do nascimento do
cinema em países capitalistas como Estados Unidos e França, pois o cinema
Soviético possui características distintas até mesmo pela forma de tratar (a
sexualidade explicitamente).

Todo filme tem no fundo o imaginário de um povo. Mesmo por meio da


representação de sexo explicito não se podem ignorar as nuances culturais
37

que se apresentam nele. Um exemplo claro disso é a forma como os primeiro


filmes pornográficos eram demonstrados como “a descoberta do sexo” ou do
corpo feminino através do voyeurismo (usando fechaduras, buracos, moitas
para se observar o coito), isso em plena euforia das descobertas sexuais no
campo fecundo da medicina. Todos os polos da sociedade estão interligados.

Outro elemento que não se pode deixar de lado ao se pensar os


estudos de cinema é o modo de como eles eram criados. Em uma forma de
um “materialismo dialético” com o cinema, os filmes são produtos dos meios
de onde são produzidos. As imagens são influenciadas pela perspectiva de
que o está dirigindo, sua classe, quem o financia etc. A própria montagem das
imagens, a formas que elas estão dispostas diante das câmeras denunciam
as ideias de quem os produziu. Isso não significa que sempre essas ideias
são feitas de maneira tão maquinada, mas que o inconsciente e o meio social
agem para que os filmes tomem determinados aspectos que representaram a
realidade (ou a fantasia).

Retomam-se assim como exemplo os filmes pornôs mais antigos. Tais


filmes normalmente eram produzidos para bordéis e suas atrizes eram
prostitutas (o ator era quase sempre disfarçado). Analisando dessa forma não
pode separar a forma submissa que essas mulheres eram retratadas usando
apenas o conceito do imaginário, mas também o meio que esses filmes eram
feitos era lucrativo para tal cena.

Sendo assim, o cinema faz parte de uma rede intercultural e social. É


problemático analisa-lo sem levar em conta os diversos aspectos que a
sociedade representa, pois acaba por tornar o discurso esvaziado. Para Marc
Ferro o filme é fruto dessa mistura e isso é a própria história:

Isso demonstra como o estudo do cinema é extremamente rico e


contribuinte para a história, para a compreensão da sociedade e de seus
costumes.

O cinema não é uma simples representação de imagens. Ele é um


composto de diversos signos tanto da cultura quanto do meio material. A
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própria fantasia pornográfica contém esses signos já que a mesma é fruto da


sociedade repressora. E irá ser a repressão que vai mover o consumo de
pornografia, pois irá mexer os fetiches e desejos de determinadas camadas
da sociedade, embalando corpos, sexos e libertando as fantasias.

Entender história e cinema é compreender como os homens se


representam como eles enxergam a si mesmos e ao outro por meio de
reprodução de imagens. Analisando o discurso que se encontra implícito na
ficção vai se tecendo novas narrativas na história.
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7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Campinas, SP: Mercado das Letras, 1996.

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filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro, Zahar ed., 1985.

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BLOCH, Marc. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge


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História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

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Abril Cultural, 1974.

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Renascença". In: Significado nas Artes Visuais. Trad. Maria Clara F. Kneese e J.
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SHOWALTER, Elaine. Anarquia sexual. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. 

SILVA & SILVA. Dicionário de Conceitos Históricos. São Paulo: Contexto, 2005

SONTAG, Susan. A imaginação pornográfica. In: SONTAG, S. A vontade radical:


estilos. Trad. João Roberto Martins Filho. São Paulo: Companhia das Letras, 1987

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