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A HISTÓRIA E A EVOLUÇÃO DOS CINEMAS NA CIDADE DE SÃO P AULO

E SUA RELAÇÃO COM O PÚBLICO PAULISTANO

Pós Graduação em Lazer

Bernardo Lazary Cheibub

1 I NTRODUÇÃO

Este trabalho versa sobre o surgimento e a evolução dos cinemas na cidade de São
Paulo e sua relação com o público paulistano. Contextualiza­se o cinema como sala de
exibição, porém sua forma e sua produção também são consideradas, já que influenciam
diretamente a relação cinema/público. Nossa experiência de cinéfilo e o convívio com
cineastas, estudantes e professores de cinema justificam a escolha do tema.

Foram indispensáveis as observações empíricas próprias, impressões e relatos de


pesquisadores e memorialistas. Utilizei dados secundários como bibliografia especializada
nas áreas de cinema, lazer, cultura e políticas públicas, além de revistas e websites
específicos. As entrevistas com os teóricos de cinema José Maria do Prado, André Piero
Gatti e Máximo Barro foram essenciais para ratificar os dados de outras fontes, tendo a
análise de discurso como método empregado. Todos os procedimentos utilizados
demonstram uma pesquisa qualitativa exploratória.

Esta metodologia foi feita e re­feita com o objetivo de analisar a participação dos
cinemas para o desenvolvimento do lazer coletivo­artístico­cultural de São Paulo. Propõe o
planejamento de futuras políticas públicas de cinema, apresentando sugestões e possíveis
soluções, todas exemplificadas. Contribui, desta forma, para que animadores sócio­culturais
­ e outros profissionais que possam utilizar a linguagem cinematográfica ­ sejam incitados a
intervir pedagogicamente, por meio de um entrelaçamento das informações históricas e

1
técnicas com questões críticas pertinentes, acerca do cinema. Procura provocar reflexões,
buscando um debate que vai além do contexto do cinema, abarcando também a Educação.

2 L AZER E SÃO P AULO

Não poderíamos abordar o cinema sem antes entendermos a problemática do lazer,


já que o cinema foi, por décadas, a maior opção de lazer do paulistano. Dumazedier (1973,
p.34) conceitua o lazer moderno como: “um conjunto de ocupações às quais o indivíduo
pode se entregar de livre e espontânea vontade [...] após livrar­se das obrigações
profissionais, familiares e sociais”. Estas atividades ocorrem necessariamente em um tempo
determinado, separado por completo do tempo do trabalho e não são mais regradas pelas
obrigações rituais impostas pela comunidade (DUMAZEDIER, 2001). Por isso, é
considerado como um tempo livre, específico e característico da civilização nascida da
Revolução Industrial. Outros autores divergem quanto à questão do seu surgimento,
enxergando diferentes formas de entendê­lo ou até de confundi­lo com ócio, diversão e/ou
ludicidade. No entanto, caminharemos com a idéia “Dumazediana”, a qual fixa o termo
“lazer” a uma época específica e relacionando­o ao mundo ocidental, objetivando a criação
de uma nova ciência.

A partir da metade do século XIX, a crescente exportação do café, oriundo


principalmente das lavouras paulistas, aportou capitais significativos para a metrópole da
então província. Com isso, São Paulo começou a se urbanizar paulatinamente, com o
auxílio da crescente imigração européia que teve lugar nas últimas décadas daquele século.
Foi neste período que surgiram a quase totalidade das manifestações de lazer hoje
conhecidas, dentre elas o cinematógrafo (1896). Isto fez com que as principais áreas de
lazer já se encontrassem estabelecidas, quando a cidade começou a se industrializar, no
início do séc. XX (CAMARGO, no prelo). A revolução técnico­científica e as lutas
sindicais, ocorridas nestas primeiras décadas, propiciaram um gradativo aumento do tempo
livre, coincidindo com a consolidação do cinema como opção de lazer. Com a Revolução
Ético­estética e a conseqüente afirmação deste tempo livre (entre 1930 e 1960), o cinema
viveu sua fase áurea no Brasil e em São Paulo.

2
2.1 Cinema – primeiras descobertas

No séc. XIX, já com a arte fotográfica estabelecida, começaram os experimentos


para se reproduzir a imagem em movimento, algo que seria considerado muito próximo da
realidade do olhar, encarado como a reprodução da vida. A película de um filme nada mais
é que uma série de fotografias (fotograma). A impressão de movimento acontece porque a
retina guarda, por instantes, a imagem do objeto depois que ele desaparece.

Creditamos o seu invento a dois irmãos franceses, Auguste e Louis Lumiére, que
ratificaram uma série de tentativas anteriores. Mais do que a dinâmica do movimento real
(CAPUZZO, 1986), o grande achado de Auguste e Louis foi o de inserir o seu aparelho – o
Cinematógrafo Lumiére ­ na ascendente indústria do espetáculo. Mostraram uma visão
empresarial excelente: após as sessões científicas pela França e o início das apresentações
comerciais no decorrer de 1895, no ano seguinte iniciaram o envio de seus operadores
(filmadoras e projetores no mesmo aparelho integrado a fitas documentais filmadas pelos
próprios irmãos), alugando­os ou abrindo mercado através de representantes espalhados por
todo o mundo (BARRO, 1996).

Inicialmente, os filmes eram apenas documentários, chamados de “vistas naturais”.


Depois vieram os ficcionais ­ com atores ­ que eram conhecidos como “posados”, cômicos
ou mágicos. Apesar do tino comercial e científico, os Lumiére pecavam na produção, se
limitando apenas aos documentários e/ou reproduções da vida cotidiana, deixando a ficção
de lado.

Em São Paulo, a 1a exibição cinematográfica ocorreu no dia 7 de agosto de 1896.


Não há uma data específica que delimite precisamente a mudança de uma etapa da história
das exibições paulistanas para outra: o que há são diversos anos interseccionais, que
indicam a possibilidade destas fases terem ocorrido de forma paralela, no mesmo período
de tempo.

3
2.1.1 Cinema ambulante (1896 – 1906)

Esta fase foi marcada “pela recepção negativa do espetáculo cinematográfico e pela
heterogeneidade dos espaços de exibição” (SOUZA, 2001). Os exibidores ambulantes
apresentavam as vistas em diversos locais como confeitarias, salões de café, teatros e casas
de espetáculos e as exibições podiam ser acopladas à inúmeros outros espetáculos como:
atrações circenses, shows de mágica, encenações, aparições curiosas e bizarras e
apresentações musicais (ARAÚJO, 1981). Foi a partir destes locais que surgiu o gosto
embrionário do paulistano pelo cinematógrafo. Os filmes muitas vezes eram toscos, a
imagem trepidava e o barulho do aparelho incomodava, mas mesmo assim, fascinava e
encantava o público. Os estrangeiros residentes aqui no Brasil viam nas vistas importadas a
oportunidade de rever as paisagens e costumes da terra natal.

No começo do séc. XX, o cinema passou a ser um divertimento mais estimado pelo
povo. Era um espaço mais democrático, pois, nas salas onde aconteciam as exibições
cinematográficas só existia diferença entre o ingresso do adulto e da criança. Um dos meios
mais importantes para a divulgação do cinema foi a sua aparição em locais populares como
os cafés­concerto, que associavam a consumação de bebida e comida com a exibição.

2.1.2 Salas fixas (a partir de 1907)

No período anterior, o cinematógrafo povoou o tempo livre do paulistano, fazendo


parte do seu imaginário, servindo também para incrementar espaços e espetáculos já
estabelecidos. Já neste momento, ele passa a funcionar como indutor de novos negócios
(SOUZA, 2004). Paralelamente ao desenvolvimento da indústria cinematográfica européia
e a conseqüente invasão dos filmes estrangeiros, existiu um mercado exibidor crescente e
organizado em São Paulo, vinculado à proliferação das salas. Esta consolidação do cinema
na cidade se deve basicamente ao espanhol Francisco Serrador. Serrador inaugurou o Bijou
Theatre em 1907, considerada pelos historiadores como a primeira sala fixa da cidade, por
apresentar uma programação regular e diária, tendo os filmes como seu principal

4
espetáculo. O espanhol tinha a exclusividade das principais produtoras européias além de
controlar a maioria das salas paulistanas.

O cinema foi um ponto de conversão dentre tantas contradições, hierarquias,


diversidades e pluralismos da capital paulista. O paulistano, perante as demandas da
modernidade permanentemente em movimento e frente a um ritmo urbano­cotidiano
extenuante, em que o tempo livre era extremamente minguado, afinou­se plenamente ao
cinema­diversão (PINTO, 2004.). O processo de montagem era feito de tal forma
(principalmente nos filmes mais populares) que não deixava nenhum tempo para o
espectador refletir, nem se aprofundar em nenhuma questão relevante. Era um espaço de
convivência social, onde principalmente se namorava, um lugar para se divertir, ver e ser
visto. Além disso, o cinema era uma sedação, onde o público se via na figura do ator,
identificando­se intensamente com ele. Esta intimidade é um dos elementos que explicam
seu sucesso.

Estes fatores, além da fixação e consolidação de várias salas, com horários


regulares, onde o público tinha opção de escolher o horário e dia mais convenientes, de
acordo com sua disponibilidade, tornaram o cinema uma opção de lazer programada e fixa,
possibilitando a formação de um público cativo.1 Alguns se tornaram cinéfilos2
(entendedores), outros formaram fãs­clubes de ídolos cinematográficos, mas para a maioria
fixou­se o programa “levar a namorada ao cinema”, “ir com a família ao cinema” ou
simplesmente “pegar um cinema”. O cinema virou parte da rotina do paulistano, escolha
integrante e essencial no seu tempo livre.

2.1.3 A supremacia norte­americana e a fase áurea

O cinema sempre foi enxergado pelos países estrangeiros como arma imperialista
“assumindo importância nas relações comerciais dos europeus e norte­americanos com os
mercados periféricos ou coloniais” (SOUZA, 2004, p.87). Sempre houve uma invasão com

1
Informações fornecidas por André Gatti por meio de entrevista concedida em 14/09/2004.
2
Cinéfilo em sua raiz grega significa “amigo do cinema”.

5
interesses econômicos subjacentes aos interesses da arte e do desenvolvimento artístico­
cultural brasileiro. Por conseqüência, “os espectadores tiveram, desde o início, o seu
imaginário moldado pela imagem vinda de fora” (SOUZA, 2001.). Antes da 1a guerra,
foram exibidas principalmente as fitas do velho mundo. Com a guerra ocorrida na Europa, a
produção européia ficou estagnada.

Aproveitando­se deste fato, as produtoras dos EUA criaram uma teia de distribuição
de seus filmes, infiltrando agências em quase todas as grandes cidades brasileiras,
associando­se aos cinemas exibidores, que faziam, depois, o papel de intermediários para
os cinemas de bairros e do interior. Em 1916 pela primeira vez os norte­americanos
exportaram fitas em maior quantidade do que franceses e italianos (SOUZA, 2004). A
indústria cinematográfica de Hollywood se fortalecia cada vez mais, produzindo filmes que
faziam sucesso em todos as classes e para todos os gostos. Os filmes americanos eram na
sua quase totalidade ficcionais, mitificados, ritualizados pela figura do ídolo, utilizando­se
de maniqueísmos, mas que eram extremamente eficientes para atrair os espectadores.

Os filmes de cowboys, mais simples do que as complexidades dramáticas européias,


agradavam, e muito, o público na cidade de São Paulo ­ cada vez mais industrializada e
aglomerada – que precisava de uma “fuga” por meio da vida saudável e simplista idealizada
na figura do herói.

O público de cinema aumentava consideravelmente, deixando de ser somente uma


diversão popular, generalizando­se por todo o conjunto da população (GALVÃO, 1975). O
cinema representava o que é a televisão hoje em dia. Era a grande atividade de lazer e
veículo de comunicação de massa, ditando o comportamento até meados da década de 60.
Como hoje se acompanha uma novela e seus atores, o público nesta época acompanhava os
astros de cinema e suas vidas. As gírias, as roupas, as modas, os trejeitos eram todos
glamourizados pelo “americam way of life” embutidos em seus filmes e copiados por seus
fãs.

6
A construção do Cine República na década de 20 iniciava a época dos grandes
Palácios, indicando o cosmopolitismo que nesse período invade a capital bandeirante,
inserindo­a entre as grandes metrópoles culturais do mundo (PINTO, 2004.). As grandes
produtoras americanas tiveram um papel essencial para esta evolução, possuindo, inclusive,
algumas importantes salas com o seu próprio nome (SIMÕES, 1990). O cinema se tornava
cinematográfico, expressão utilizada até hoje como algo grandioso. Principalmente os
palacetes da Cinelândia (Av. São João com a Ipiranga) eram considerados o que hoje
seriam os grandes teatros que exibem óperas e espetáculos de dança e música. A
arquitetura, a decoração, o conforto e as inovações tecnológicas atraíam a burguesia e seu
prazer pela ostentação. Passou a ser um programa de luxo da elite paulistana.3

É importante a menção, neste mesmo período, dos cinemas de bairro, que iam se
propagando pelos arredores do centro, e que tanto serviram para a difusão da 7a arte às
camadas mais pobres. É bem verdade que as produções exibidas retratavam um mundo bem
diferente da sofrida realidade, mostrando luxo e riqueza, dando­lhes uma fantasia
anestésica. O Brás foi o principal dentre os bairros, sendo considerado o 2o centro
cinematográfico, com alguns cinemas de luxo (mais acessíveis que os do centro).

2.1.4 Do auge à decadência

Em 1950, a cidade atingiu uma população de dois milhões de habitantes4. Neste


contexto, o cinema incorporou uma das mais gratificantes formas de lazer do paulistano,
considerado como uma janela para o mundo (SIMÕES, 1990). Em 1952 uma pesquisa
realizada pelo jornal O Tempo5, revelou que mais da metade dos paulistanos tinha como
principal opção de lazer o cinema (SIMÕES, 1990).

A partir da década de 60, os costumes começaram a mudar, o “programa cinema”


perdeu seu prestígio, coincidindo com o início da degradação do centro, onde ficavam as
3
Existiam cinemas que não se podia entrar sem gravata e terno escuro. (Informações fornecidas por
José Maria do Prado por meio de entrevista concedida em 28/06/2005)
4
De acordo com o senso demográfico ocorrido no mesmo ano (SIMÕES, 1990).
5
Pesquisa efetuada entre 763 paulistanos na faixa entre 13 e 45 anos. Artigo de 22/06/1952 do
jornal O Tempo (SIMÕES, 1990).

7
salas mais famosas. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, não foi a televisão que
esvaziou as salas, e sim a facilitação dos transportes e a popularização do automóvel. São
Paulo, até por suas características geográficas, não possuía muitas opções de lazer ao ar
livre. No momento em que o transporte foi popularizado, somando­se a construção de
rodovias ligando São Paulo às diversas cidades do litoral e do interior, assim como de
outros estados, o turismo de final de semana começou a ser praticado mais comumente,
diminuindo cada vez mais as idas ao cinema. O fechamento de diversas salas foi quase que
imediato até porquê o negócio “sala de cinema” possui uma porcentagem muito baixa de
lucro: aproximadamente 4,5%.6 No período de 1955­1970, o público de cinema anual na
capital diminuiu em 62%.7

Depois que a televisão se popularizou na década de 708, o cinema já não era mais o
que tinha sido. A televisão, ao mesmo tempo em que competiu com o cinema, pode ser
enxergada como propagadora de filmes, mantendo vivo o hábito de assisti­los e criando­o
em locais onde não havia salas. Além disso, ela se apossou daquela carga crítica negativa
que o cinema possuía de ser um grande meio cultural de massa. Entretanto, as imagens dos
filmes exibidos em TV “são apresentadas reduzidas, cortadas nas margens, aceleradas (25
fotogramas em vez de 24 por segundo) e oferecidas com grande abundância e dispersão ao
olhar distraído do espectador” (COSTA, 1989, p.15).

A derrocada do cinema veio com o aparecimento do VHS no final da década de 70 e


a propagação rápida das vídeo­locadoras na década seguinte, que obtinham os filmes para
aluguel, em média seis meses depois da exibição nas salas. Para a geração que nasceu
depois do auge do cinema e que não tinha uma cultura cinematográfica enraizada, o vídeo
era o cinema cômodo. Uma pesquisa9 realizada em 1986 indicava que apenas 2%, dos lares

6
Primeiramente o exibidor divide a bilheteria com o distribuidor. Dos 50% do distribuidor, uma
parte vai para o produtor. Dependendo do local, o distribuidor cobra uma cota mínima, para o
exibidor lucrar somente quando passar desta cota mínima. Por estas razões que a verticalização do
negócio diminui os custos. (Informações fornecidas por André Gatti por meio de entrevista
concedida em 14/09/2004.)
7
Fonte: SEADE apud SIMÕES, 1990.
8
O advento da TV foi em 1950, mas somente no início da década de 70 que a televisão passou a ser
a maior opção de lazer do paulistano.
9
Pesquisa da folha de São Paulo – 3.2.86 (CAMARGO, no prelo).

8
paulistanos possuíam vídeo­cassete. Dez anos depois, uma outra pesquisa encomendada
pelo Sesc­SP, apontou o aparelho em 46% das casas. Estes dados refletem­se na freqüência
do paulistano ao cinema. A pesquisa Sesc­Gallup de 1979 mostrava que 20% dos
paulistanos freqüentavam salas de cinemas ao menos uma vez por mês, índice que caiu para
9% em 1996 (CAMARGO, no prelo) “Na pesquisa de 1996, ainda, quando colocados
diante das alternativas de local de assistência aos filmes, apenas 6% mencionaram as salas”
(CAMARGO, no prelo):

2.1.5 Cineclubes e Cinemas alternativos

Um Cineclube define­se por algumas características básicas que são


mantidas internacionalmente, como o fato de estar legalmente
constituído, possuir caráter associativo e conter, nos seus estatutos,
como finalidade principal, a divulgação, a pesquisa e o debate do
cinema como um todo (GATTI in RAMOS, 2000, p. 128).

Em 1940, foi fundado o primeiro cineclube paulista, na faculdade de filosofia da


Universidade de São Paulo. Na década de 50 o cineclubismo ampliava seu panorama, com
quase todas as faculdades apresentando uma projeção regular (BARRO, 1997). A criação
de entidades ­ como o CCC (Centro dos Cineclubes) ­ no final dos anos 50, início dos 60,
“foi um claro sinal do crescimento da atividade cineclubista como um todo” (GATTI in
RAMOS, 1997, p129). Nesta época, alguns cineclubes também se agregaram a escolas e
museus, além das faculdades já citadas, vindo a crescer ainda mais.

A partir de 1964, vários cineclubes foram utilizados como “fachada” para reuniões
revolucionárias contra a ditadura militar instalada recentemente no Brasil. Quando, em
1985, a ditadura acabou, “os partidos clandestinos de esquerda e outras organizações não
necessitavam mais dos cineclubes­biombo” (GATTI in RAMOS, 1997, p. 130). Neste
momento, os cineclubes começam a se profissionalizar, tais como o Bixiga, o Oscarito e o
Elétrico. Os filmes que eram exibidos em bitola de 16mm, cada vez mais escassa no
mercado, passaram a ser exibidos em 35mm, semelhante à dos cinemas comerciais. Com
isso, foram perdendo, aos poucos, sua essência. Nos anos da neoglobalização, os cineclubes

9
[...] praticamente deixaram de existir ” (GATTI in RAMOS, 1997, p.130). Os poucos que
restaram, hoje, estão à mercê de iniciativas esporádicas e individuais. 10

Tanto os cineclubes como os cinemas de arte coincidem no objetivo primordial de


exibir filmes que mostram linguagens diferentes dos filmes industriais, cuja meta principal
é o retorno financeiro. A aparição do cinema de arte ocorreu na década de 50, com a
iniciativa de Dante Ancona Lopez, que reconheceu uma lacuna: os “Film d’Art”, ignorados
tanto por exibidores como por distribuidores. Dante é considerado o primeiro grande
exibidor desta modalidade em São Paulo, atuante até a década de 90 (CCSP, 2003).

Para entendermos o que são filmes de arte ou alternativos, utilizaremos Mello (in
GOMES, 2004) e sua classificação generalizada, dividindo as películas em três tipos:

“a) “circuitão” ou “pipoca”, produzida pelas grandes empresas de


cinema, com artistas conhecidos e forma de filmar (narrativa) mais
comum; b) “alternativa”, produzida por empresas menores, com
notáveis preocupações artísticas com a linguagem; c) “híbrida”, que
dialoga intermediariamente com as possibilidades anteriores” (in
GOMES, 2004, p.38)

Hoje em dia os cinemas de arte são mais conhecidos como cinemas alternativos, mesclando
filmes “alternativos” e “híbridos”, porém sem o engajamento cultural­educativo de um
cineclube. Em São Paulo, a quase totalidade destes cinemas se encontra no centro e nos
bairros onde vive a população mais abastada. (Arteplex, CineSesc e Cinearte são alguns
exemplos.)

10
Existem atualmente outras formas de associações fazendo uso da linguagem cinematográfica
como o cine­psiquiatria, utilizando o cinema para debates acerca da psique humana. Há também
algumas vídeo­locadoras que exibem importantes festivais de cinema para incitar o debate.

10
2.1.6 Multiplex

A cidade de São Paulo, hoje, é composta de células solitárias (os


apartamentos e casas) onde não existe o senso de comum­unidade. Cada cidadão vive seu
mundo, e as novas tecnologias (internet, T.V. a cabo, DVD e vários outros aparelhos que
transformam a casa em um espaço de lazer autogerido) corroboram para a propagação deste
quadro. Neste mundo, onde caberia o cinema? Por quê a pessoa sairia de sua casa, onde
pode ver todos os filmes meses depois de lançados no cinema, em algum canal por
assinatura ou alugando­o em alguma vídeo­locadora?

Os anseios do público ao procurar o cinema variaram no decorrer dos tempos:


­ Até 1907, o público era movido pela curiosidade, por se tratar de uma
novidade.
­ Com a consolidação das salas fixas (a partir de 1907), e posteriormente na
era dos grandes palácios (que durou até início da década de 60) o cinema
passou a ser um ponto de encontro e sociabilidade.
­ Com a decadência do mercado exibidor, a razão de “ir ao cinema” era o
filme de um determinado diretor, ou ator. O programa­cinema como um fim
em si próprio.

O multiplex surgiu no Canadá, com uma filosofia “shopping de cinema” integrado a


estacionamento, segurança e gastronomia, além de uma mega store de livros e CDs. A
comodidade e o conforto do espaço, além da alta tecnologia de som e imagem atraíram
principalmente a geração atual, que não tinha o hábito de ir ao cinema. As salas ficaram
padronizadas e homogeneizadas, tornando um multiplex em São Paulo igual a qualquer
outro no mundo. Os mais comuns são: Cinemark, UCI e Kinoplex. Acoplar o sistema
multiplex ao shopping de consumo generalista é uma inovação tipicamente brasileira, e que
acaba levando o cinema a alguns locais na periferia.11

11
Informações fornecidas por André Gatti por meio de entrevista concedida em 14/09/2004

11
3 C ONCLUSÃO

Não poderíamos falar de toda a história do cinema, de sua evolução, de seu enorme
futuro como entretenimento, da decadência das antigas salas gigantescas, da sua atual
situação, sem tentar apontar soluções.

O cidadão paulistano trabalha em média dez horas por dia. Somando a estas, as três
horas aproximadas que ele gasta no transporte, não sobra nem tempo, nem dinheiro para
que ele possa ter acesso a um lazer que traga engrandecimento pessoal. A televisão e a
rádio FM passaram a ser as únicas opções, utilizadas como subterfúgios para suportar a
volta ao trabalho. Em São Paulo, esta condição é exacerbada pela falta de espaços
democráticos onde co­existam uma diversidade de público e de produção cultural, em
comparação com o Rio ou Salvador.

Algumas regiões do subúrbio paulistano como Campo Limpo e Capão Redondo –


que, juntas, representam um amontoado de quase um milhão de pessoas – não possuem
sequer um cinema ou teatro, e apenas um parque. Em compensação, a quantidade de bares é
imensa.

Com estas questões, propomos uma política pública de lazer intermediada pelo
cinema, que venha abarcar pontos essenciais, objetivando:

A) Uma intervenção pedagógica, utilizando profissionais capazes de entrelaçar


cuidadosamente cinema e educação.

É insuficiente educar através do cinema, sem que, paralelamente ao processo, não


eduquemos para o cinema (MELLO in GOMES, 2004). Por isso, propomos o cinema na
escola, estimulando a criança a participar dos processos cinematográficos ­ como
espectadora e produtora ­ dando alusão às possibilidades da linguagem cinematográfica,
além de estimular a possível analogia com outras disciplinas. O cinema é importante para a
construção de um olhar artístico, que se mostra e se aprimora em contraponto com esta

12
modernidade compulsória, onde a imagem se sobrepõe a palavra ou qualquer outra forma
de expressão. O conhecer desse paradigma da linguagem moderna, que têm o cinema como
um de seus mecanismos, pode, e deve, servir para uma discussão consciente sobre a era da
reprodutibilidade técnica em que vivemos. Visamos com isso criar uma perspectiva crítica
no espectador, que se faz capaz de saber como, o que e porque tal artifício foi utilizado no
filme, suas intenções e entrelinhas.

A animação cultural entra no âmago desta questão, pois o cinema é um instrumento


de desenvolvimento pessoal e social, enquanto opção de lazer. O animador cultural é um
profissional que não ensina nada a ninguém de forma hierárquica, como uma verdade
obtusa e absoluta. Pelo contrário, ele pode trazer e proporcionar uma experiência,
vivenciada no lazer, aprendendo junto com o outro por meio de trocas comportamentais e
culturais diversas, que se apresentam no bojo do seu trabalho (intervenção pedagógica).

B) Uma reorganização espacial dos cinemas de São Paulo (com um proposto equilíbrio
pedagógico).

A revitalização do centro histórico é imprescindível, assim como ocorreu na Lapa e


no Pelourinho. O processo de resgate arquitetônico e histórico inclui a retomada
cinematográfica dos palácios (que atualmente são utilizados para fins ilegais à noite) e sua
utilização integrada às outras formas de diversão e cultura, visto que milhares de
paulistanos passam diariamente pelo centro, despertando assim, interesse e um sentimento
de unidade ao cidadão. Seria importante também a utilização destas e de outras salas de
cinema (que geralmente ficam ociosas de manhã) para cursos, ou mesmo simples
aulas/aprendizado sobre o processo de projeção.

Não basta também levar o cinema à periferia, através do sistema multiplex e todo o
seu conteúdo cinematográfico industrial. Deve haver uma preparação consciente, tornando
o espectador contestador, indagador, possuidor de ferramentas que o façam analisar
conjunturalmente o filme – micro ­ e o mundo – macro ­ com um senso crítico e ético. Seria
essencial que o poder público pudesse viabilizar a distribuição de filmes produzidos com a

13
participação das comunidades em questão, além de apoiar iniciativas já existentes de
organizações não­governamentais12 (BOTELHO, 2004).

Estas propostas­provocações supracitadas se aglutinam por serem interdependentes,


uma re­significando e re­modelando a outra.

O cinema quase sempre foi reflexo do mundo social, político, econômico e cultural.
Paralelamente, ele também serve para quebrar todo o sistema vigente. Sua utilização como
forma de explodir paradigmas deve vir desde a escola, encarada como um laboratório
intermediado pelo animador cultural, que recorre a experiência do cine­clube (MELLO in
GOMES, 2004), trazendo assim o verdadeiro sentido ao cinema.

Termino citando Benjamim, fazendo uma comparação entre o conhecedor dos


dispositivos de representação do cinema e as massas, ainda ignorantes: “Afirma­se que as
massas procuram na obra de arte distração, enquanto o conhecedor a aborda com
recolhimento. Para as massas, a obra de arte seria objeto de diversão, e para o conhecedor,
objeto de devoção” (BENJAMIM, 1969 p.192). Como animador e militante cultural,
intervenho para que mais pessoas sejam conhecedoras da arte cinematográfica. Esta é uma
das minhas reais aspirações com este trabalho final.

12
O “Nós do Cinema” é um exemplo de organização não­governamental que há três anos promove
a inclusão social dos jovens de comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro através do cinema.
Cria novas oportunidades a estes jovens, oferecendo­lhes cursos profissionalizantes em todas as
áreas da produção cinematográfica e experiência prática ao participarem de produções próprias e
estágios em grandes filmes.

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4 R EFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, Vicente de Paula. Salões, circos e cinemas de São Paulo. São Paulo: Ed.
Perspectiva, 1981.

BARRO, Máximo. A primeira sessão de cinema em São Paulo. São Paulo: Tanz do
Brasil, 1996.

___________. Caminhos e descaminhos do cinema paulista: A década de 50. São Paulo:


Editora do Autor, 1997.

BENJAMIM, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In:

BENJAMIM, Walter (Org.) Obras escolhidas. São Paulo: Ed. Brasiliense. p. 165­196.

BOTELHO, Isaura. Os equipamentos culturais na cidade de São Paulo: um desafio para a


gestão pública. Espaço e Debates – Revista de Estudos regionais e urbanos, São Paulo, No
43/44, 2004.

CAMARGO, Luiz Octávio de Lima. As práticas de lazer da população. In: CAMARGO,


Luiz O.L. (ORG.) Lazer: teoria e prática. São Paulo: Manole, no prelo.

CAPUZZO, Heitor, Cinema. A aventura do sonho. São Paulo: Ed. Nacional, 1986

CCSP. Núcleo de Cinema e Vídeo. Dante Ancona Lopez criador do cinema de arte em
São Paulo. São Paulo, 2003.

COSTA, Antônio. Como compreender o Cinema. São Paulo: Ed.Globo, 1985.

DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia empírica do lazer . São Paulo: Perspectiva, 2001.


___________. Lazer e cultura popular . São Paulo: Perspectiva, 1973.

GALVÃO, Maria Rita Eliezer. Crônica do Cinema Paulistano. São Paulo: Ática,1975.

GATTI, André. Cineclube. In: RAMOS, Fernão; MIRANDA, Luiz felipe (Org.)
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