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Cibercultura e Cidadania∗

José Luís Lima Garcia


Instituto Politécnico da Guarda

“De facto, seria muito surpreendente que a dia farão o resto”1 . E o “resto” o que será?
Internet conseguisse mudar, através da Obviamente que a difusão e a formatação
tecnologia, o profundo desencanto político generalizada do conhecimento. Mas, à se-
que a maioria dos cidadãos mundiais melhança da evolução histórica dos outros
sente”. meios de comunicação e informação as re-
Manuel Castells, A Galáxia Internet, des informáticas interconectadas (intercon-
Lisboa, Edição da Fundação Calouste nected networks), apesar de globalizadas em
Gulbenkian, 2004, p.187. apenas quatro anos, tinham sido criadas em
1945, no pós 2a Guerra Mundial, nos Esta-
Perante esta constatação de Castells é evi- dos Unidos da América por Vannevar Bush,
dente que a Net não poderá ser a pana- professor do Massachusetts Institute of Te-
ceia para todas as mudanças civilizacionais chnology2 , que imaginou um sistema de ar-
que ocorreram na aldeia Global, nos últimos mazenamento de documentos que funcio-
anos do final do século passado, mas que naria, tal como a teoria das extensões de
esta ferramenta tecnológica se desenvolveu Marshall MacLuhan, de acordo com os me-
a uma velocidade vertiginosa e contribuiu canismos cognitivos de associação e memo-
para inflacionar todas as expectativas que en- rização do cérebro humano.
tretanto se criaram sobre este instrumento Mas só onze anos mais tarde um labora-
de comunicação, difusão e informação, isso tório americano conseguia inventar o apa-
é um facto incontestável. Como afirmava relho que iria tornar-se o modus operandi
Aguadero Fernández, o importante e o ló- para estabelecer a ligação telefónica entre
gico é que como entidades humanas e soci- dois computadores e, desta forma, permitir
ais aprendamos, num primeiro momento, a que clicando um link (palavras sublinhadas),
comunicar, e depois de conseguido esse ob- os cibernautas acedessem a um outro sítio
jectivo, facilmente “ a informação e os me- com informação previamente pedida. Esta

Comunicação apresentada no IV Ciclo de Con-
possibilidade de encontrar tão rapidamente a
ferências de Cibercultura: “Os Media Tecnológicos e 1
Francisco Aguadero Fernández, A Sociedade da
a Educação para a Cidadania”, Guarda, 27 de Janeiro Informação, Madrid, Acento Editorial, 1997, p.5.
de 2005. Reescrita e a publicar no número 2 da revista 2
Jacques Henno, “ A Internet foi inventada pelos
ESEG Investigação, revista científica da Escola Supe- Americanos” in A Internet, Mem Martins, Editorial
rior de Educação da Guarda, a sair no 2.o Semestre de Inquérito, 2003, pp.17-21, especialmente p.17.
2005.
2 José Luís Lima Garcia

informação na Web (World Wide Web- teia cada de noventa, do século passado, permi-
de aranha mundial) constituída por todo o tiu que em onze anos, a Internet se tivesse
tipo de páginas multimédia (textos, gráfi- convertido numa das tecnologias de maior e
cos, sons, imagens e vídeos) é que veio re- mais rápido crescimento em toda a história
volucionar e transformar as nossas posturas dos media. Segundo Patrícia Lis, comparati-
e comportamentos na sociedade contempo- vamente com os outros meios esta evolução
rânea. Mas, para que tal desiderato ocor- foi vertiginosa e em parte contribuiu tam-
resse haveria ainda que “queimar” várias eta- bém para algum descrédito naquilo que Jean-
pas na pesquisa que permitisse que a men- Michel Billant, com algum exagero, afir-
sagem circulasse na rede. E com a cola- mava que a “Net mais do que uma nova tec-
boração de cientistas americanos e europeus nologia, é uma mudança de civilização”4 . E
chegar-se-ia aos primórdios da década de se- esta “nova tecnologia” foi, segundo Patrícia
tenta, mais concretamente a 1973, quando Lis, responsável para que haja hoje “uns 700
dois engenheiros americanos, Vinton Cerf e milhões de pessoas que quotidianamente es-
Bob Kahn, criaram uma nova técnica que crevem, lêem, fazem negócios, amam, pen-
possibilitaria a comunicação entre diferentes sam e discutem através da Rede das redes”5 .
modelos de computadores, os TCP (Trans- Neste boom de milhões de utilizadores
mission Control Protocol/Internet Protocol), desta Rede que têm a possibilidade e a opor-
que permitiria a ligação ou melhor a co- tunidade de comunicar, em tempo real, com
necção entre todas as redes (interconnected gente virtual houve mesmo um autor de um
networks, vulgo Internet)3 . livro sobre economia digital, Roberto Ve-
A generalização do termo abreviado de lasco, que afirmou que a informação, com
“redes interconectadas” iria ser feita, a par- estas novas tecnologias, “será a mercadoria
tir de 1982, pelo exército americano, ape- mais representativa do século XXI”6 . Será
sar de só em 1990 os cientistas europeus do mesmo assim ou a este efusivo “salto” de em
CERN (Conselho Europeu para a Investiga- apenas quatro anos após Marc Andreessen,
ção Nuclear) terem conseguido associar as o cibernauta que comercializaria a Netscape,
redes conectadas com a ordenação por as- se tivesse tornado esta tecnologia “a mais po-
sociação dos documentos guardados numa pular de todos os tempos”, mau grado al-
grandiosa base de dados. Estas verdadeiras gumas vulnerabilidades poderem vir a pôr
“auto-estradas” da informação que em 1992 em causa a estrutura deste meio de informa-
já estiveram ao serviço da candidatura de Bill ção e conhecimento virtual. Segundo um es-
Clinton, mas só em 1993 Marc Andreessen, 4
Jean-Michel Billant citado por Jacques Heno,
estudante da Universidade de Illinois, aper- “Com a Internet, vivemos uma verdadeira revolução
feiçoaria o primeiro navegador da Web ou tecnológica”, op.cit., p.9.
5
Browser que permitiria o acesso com mais Patrícia F. de Lis, “Terremoto Internet” in jornal
facilidade à teia. El País (Suplemento Negócios 1000), Madrid, 2 de
Janeiro de 2005, pp.14-16, especialmente p.15.
A criação da Netscape Navigator, versão 6
O livro escrito por Roberto Velasco chama-se A
melhorada do Mosaic, nos primórdios da dé- Economia Digital. Do Mito à Realidade, citado por
3 Patrícia F. de Lis, Idem, Ibidem, p.16.
Idem, Ibidem, p.19.

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tudo muito recente do Pew Internet and Ame- na aplicação de tecnologias mundiais, mas
rican Life Project intitulado The Future of também pelo que for feito em termos de po-
the Internet, a publicar no próximo livro de líticas de apoio às novas tecnologias consi-
Janna Quitney Anderson Imagining the In- derando as áreas de potencial interesse cien-
ternet, estudo este citado pelo suplemento tífico”10 .
“Computadores”, do jornal Público, de 24 Mas às tecnologias, seja da rádio, da tele-
de Janeiro de 20057 , os entrevistados ouvi- visão e da Internet “como instrumentos no
dos para esta investigação não acreditam que armazenamento e distribuição de informa-
até 2014 se implemente o voto electrónico, ção”, como afirmava Rogério Santos11 , te-
o que em termos de cidadania on-line é de mos de juntar “o conhecimento, o conteúdo
facto uma frustração no relacionamento en- da cultura e da cidadania que se transporta
tre o cidadão comum e o Estado de Direito8 . nas redes”12 . Só com este pressuposto de
Para este cepticismo em relação à implanta- adequação aos aspectos sociopolíticos con-
ção da democracia virtual teria contribuído a seguiremos combater a perspectiva tecnolo-
desconfiança dos eleitores nas falhas de vá- gista dos media nascidos no digital (consolas
rios elementos do sistema, como deficiências de jogos e a comunicação interpessoal da In-
no hardware e software, vírus informáticos e ternet – mails, chats, newsgroups – e os me-
intervenção dos hackers e os atentados à pri- dia migrados para o digital, como os jornais,
vacidade9 . rádios, televisões on-line e os telemóveis de
Relativamente aos aspectos positivos, este 3a geração. È que para esta “migração” do
estudo americano sobre o futuro da Internet, digital também teria contribuído, na opinião
nos próximos dez anos, realçava a importân- de Mário Soares, a mudança de natureza
cia do incremento de algumas tarefas como do capitalismo liberal. Este evoluiu assim
as aulas virtuais, o teletrabalho e a forma- da fase essencialmente industrial, da 1a me-
ção doméstica, recriando novos hábitos en- tade do século XIX, para uma fase eminen-
tre os tempos de ócio e negócio. Segundo temente financeira, na 2a metade do mesmo
ainda recentes estudos do National Intelli- século, estando hoje a tornar-se num capi-
gence Council os benefícios da globaliza- talismo especulativo “sem rosto, sem prin-
ção não serão totais, mas tenderão para uma cípios éticos, com ténues vinculações naci-
maior implementação nestes próximos anos. onais e sem responsabilização, junto de ne-
Para esta instituição, a generalização das tec- nhuma instância democrática”13 .
nologias da informação e comunicação serão 10
“Mapping the Global Future”, do National In-
medidas “pelo investimento na integração e telligence Council, citado por Pedro Fonseca, op.cit.,
7
p.5.
Citado por Pedro Fonseca “O Futuro da Internet 11
Rogério Santos, “Sobre a Sociedade do Conhe-
e não só” in suplemento “Computadores”, do jornal cimento” in revista Media XXI, Setembro/Outubro de
Público, de 24 de Janeiro de 2005, p.5. 2004, Ano IX, no 77, p.4.
8
Ilda Figueiredo, Educar para a Cidadania, 12
Rogério Santos, Idem, Ibidem.
Porto, Edições Asa, 1999, p.34. 13
Mário Soares, “Democracia e Direitos Humanos,
9
Curtis Gans, do Committee for the Study of the no século XXI” in revista Media & Jornalismo, no 2,
American Electorate, citado por Pedro Fonseca, op. Ano 2, 2003, pp. 13 – 18, especialmente p.15.
cit., p.5.

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A mudança civilizacional corresponderá Tal como afirmava Manuel Castells, os mo-


também a uma mutação sociológica. Na opi- vimentos sociais “devem pensar localmente
nião de Léo Scheer, o conceito de democra- (de acordo com as suas próprias preocupa-
cia terá sentidos diferentes, de acordo com ções e identidades) e agir globalmente, ao
as ferramentas tecnológicas que estaremos nível que realmente importa hoje em dia”16 .
a utilizar como o televisor, o computador e Segundo um estudo efectuado por Cohen e
o telefone. Do cruzamento desta “arquitec- Rai, no ano de 2000, foram identificados seis
tura” entre sociedades da comunicação, in- grandes movimentos sociais que adoptaram
formação e comutação nascerá uma outra so- uma coordenação globalizada e que para per-
ciedade, a virtual, onde as configurações e os manecerem actuantes necessitavam a todo o
mecanismos políticos terão necessariamente momento de estarem ligados à Internet e que
que ser diferentes14 . Mutatis Mutandis, com eram: movimentos cívicos em prol dos di-
as novas tecnologias passar-se-á do modelo reitos humanos, das mulheres, da ecologia,
de democracia clássica onde as noções de es- dos sindicatos, da religião e da paz17 . Es-
paço e tempo tiveram uma relevância singu- tas redes de cidadania e de cidadãos cons-
lar, para uma nova ordem mediática em que cientes dos seus direitos políticos e sociais
o “espaço público” será dominado por uma começaram a desenvolver-se na América do
realidade simbólica e virtual, em que à des- Norte e na Europa, a partir das décadas de
convencionalização das fronteiras dos anti- oitenta e noventa do século passado, e in-
gos Estados -Nação se associará a desvincu- cidiam sobre cinco componentes: 1a - mo-
lação do indivíduo à comunidade social tra- vimentos de base constituídos ainda antes
dicional. Segundo Scheer, a nova democra- da generalização da Internet, que buscavam
cia já não necessitará da afirmação do voto novas oportunidades para se organizarem e
eleitoral para exprimir a sua vontade política, despertarem novas consciências; 2a - militan-
mas apenas da “enunciação por parte de cada tismo dos hackers por questões políticas; 3a -
um das narrativas das quais é portador, sem reforço da legitimidade dos governos muni-
necessidade de canalização ou de conforma- cipais com a abertura de novos canais para a
ção dos sinais postos assim em circulação”15 participação cívica dos munícipes; 4a - asso-
. ciações de operadores de telecomunicações
Assim, a comunidade que se edificará so- e empresas de alta tecnologia para promove-
bre estas novas bases da comutação neces- rem a sociedade de informação; 5a - parcerias
sitará do apoio e da legitimação dos grupos de governos nacionais e agências internacio-
locais, mas não poderá ficar condicionada nais para publicitarem acções entre os seus
unicamente por esta dimensão local e tem eleitores.
de interagir sobre os verdadeiros interesses 16
Manuel Castells, “A Política da Internet I: Redes
e poderes da aldeia global contemporânea. Informáticas, Sociedade Civil e Estado” in A Galáxia
14
Internet (Reflexões sobre Internet, Negócios e Socie-
Léo Scheer, “Os três pilares da sociedade vir- dade), Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2004,
tual” in A Democracia Virtual, Lisboa, Edições Sé- pp.167-200, especialmente p.173.
culo XXI, Lda, 1997, pp.35 – 49, especialmente p.44. 17
Manuel Castells, Idem, Ibidem, p.173.
15
Léo Scheer, “A Democracia Virtual”, Idem,
p.121.

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No caso português estes movimentos ins- pais pólos universitários de Lisboa, Coim-
titucionais em rede tiveram também a sua vi- bra, Aveiro, Porto e Braga. Todos estes as-
gência, embora um pouco mais tardiamente pectos permitirão em banda larga ficarmos a
como é o caso da Unidade de Missão, Inova- par do que melhor se faz, a este nível, na res-
ção e Conhecimento, vulgo UMIC, que foi tante Europa. Esta conexão em rede com as
criada no ano de 2002, na dependência di- principais instituições de Ensino Superior irá
recta do Ministro – Adjunto do Primeiro – também alargar-se às 9000 escolas do Ensino
Ministro e que visava dar apoio à política go- Básico e Secundário do País20 .
vernamental em termos de questões ligadas à Na política desta unidade estatal para a
sociedade de informação e ao governo elec- implementação e inovação da Sociedade de
trónico. Dirigida por Diogo Vasconcelos18 , Conhecimento em Portugal haverá que des-
este organismo da Sociedade de Informação tacar também a criação de mais de 500 pos-
procurava funcionar como activador das re- tos públicos de acesso à Internet, num total
des, nomeadamente entre cidadãos, mercado de 2600 já existentes e referenciados no pri-
e administração. Segundo Vasconcelos, pre- meiro Guia dos Pontos Públicos de Acesso
tenderá ser “uma entidade indispensável en- à Internet em Portugal21 ,onde no prefácio
quanto conseguir mobilizar, fazer e mobili- Diogo Vasconcelos nos traça os objectivos
zar para fazer”19 . desta publicação da Presidência do Conselho
E esta política de interesse público inci- de Ministros para a generalização destes pos-
diu ultimamente na criação de um portal de tos em permanente ligação com o Mundo,
compras que veio democratizar o acesso à dispersos pelos locais mais remotos dos dis-
informação das pequenas e médias empre- tritos do Continente e Ilhas. A este respeito,
sas ao mercado público, especialmente no o responsável da UMIC afirmava: “ A Inter-
plano do catálogo de fornecedores do Es- net permite-nos que a família, os amigos, o
tado, da legislação e dos encargos dos con- trabalho, o lazer, o país, o mundo possam es-
sumidores. Também, o portal do cidadão que tar sempre próximos de nós. O esforço contí-
apresenta mais de 700 serviços públicos foi nuo de disponibilização de mais e mais pon-
criado no sentido de melhorar e tornar mais tos de acesso, em banda larga, com tecno-
simples o quotidiano do cidadão, como a li- logias alternativas, permite-nos continuar a
gação a partir de 2004 à rede GÉANT. Esta alargar horizontes. . . Há um retrato que mos-
ligação permitiu duplicar a largura da banda tra um país já diferente, um país que age, que
de conexão à vizinha Espanha. Ainda, as se envolve, que quer de novo voltar a nave-
diligências para ligar 70% da comunidade gar: navegar nas águas da informação, nas
académica e científica nacional aos princi- águas do conhecimento”22 .
18 20
O responsável por este organismo estatal foi an- Diogo Vasconcelos entrevistado por Paulo Que-
teriormente fundador da primeira revista sobre Inter- rido, Idem, Ibidem, p.71.
21
net em Portugal, a Cyber.net. Vários, Guia dos Pontos Públicos de Acesso à
19
Diogo Vasconcelos entrevistado por Paulo Que- Internet em Portugal, Porto Salvo, Umic/ Editora Ino-
rido “Umic é indispensável para mobilizar” in jornal vação, 2004.
Expresso – Suplemento Única, no 1682, de 22 de Ja- 22
Diogo Vasconcelos, “Parte à Descoberta”, Idem,
neiro de 2005, pp. 70 -71, especialmente p.70. Guia dos Pontos Públicos de Acesso. . . , p.1.

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Outras preocupações dos cidadãos são le- morística”24 . A blogosfera permitiu ainda
vadas à rede, através da conversação elec- desencadear acções de rua, com a celeridade
trónica que estes diaristas mantêm freneti- própria da Internet e das novas tecnologias
camente com os seus públicos virtuais. A de informação e comunicação, tendo inclusi-
proliferação de milhões destes blogues per- vamente a cobertura, análise e interpretação
mite hoje dizer, com uma certa pertinência, da actual crise política ou da morte do Papa
que os mesmos constituem o “quinto poder”, João Paulo II tido uma repercussão mais am-
que sucede e controla o “quarto poder” (o pla do que a dos media tradicionais (jornais,
da comunicação social tradicional), que por rádio e televisão).
sua vez fiscaliza os restantes três outros po- Também, na pré-campanha das eleições
deres, o legislativo, o executivo e o judicial. legislativas, realizadas em Fevereiro de
Blogo ergo sum poderia ser o slogan de um 2005, a Internet participou com a contra-
blogger cartesianista dos dias de hoje. Isto informação do boato político que rapida-
porque escrever um diário on-line poderá ser mente se propagou pela difusão electrónica,
a forma de existir nas novas sociedades de numa multiplicidade de formatos, tal micro-
informação e do conhecimento23 . Ler para marketing em função dos públicos que se
compreender e interpretar a importância des- pretendeu atingir. Aliás, esta forma de
tes “franco – escrevinhadores” que têm uma propagação que se desenvolveu vertiginosa-
palavra a dizer sobre tudo o que se passa à mente nos últimos dez anos, graças aos no-
sua volta, desde a política, à cultura, ao des- vos meios de difusão (blogues e e-mails),
porto, à literatura, às artes e outras manifes- veio alterar o percurso do boato, desde a
tações cívicas de uma nova opinião pública. sua injecção na linha, até à sua recepção
Em Julho de 2004, em Portugal, estavam re- por parte do utilizador electrónico. Na opi-
censeados 726 escritos, em dezenas de blo- nião do jornalista José Pedro Castanheira,
gues, sobre a crise política, crise merece- são muito intencionais os conteúdos dos e-
dora ela própria de um endereço electrónico mails que os leitores enviam aos jornais: “
(http://crisepolíticaemcurso.weblog.com.pt). por um lado, o seu frequente anonimato. . . ,
No geral e na opinião do jornalista e tam- por outro, a tendência para facilmente es-
bém autor do “Blogue de Esquerda” José corregar para o insulto e até para a difama-
Mário Silva, estas formas de participação on- ção”25 .
line pretenderão demonstrar que há uma plu- Em conclusão, poderemos afirmar que
ralidade de discurso em todas as áreas po- neste contexto do dealbar do século XXI,
líticas da nova corrente de opinião pública, face à entrada definitiva de Portugal na So-
nomeadamente na própria “esquerda”, onde 24
José Mário Silva citado por Paulo Querido “A
na perspectiva deste bloguista “há várias es- crise política vista dos blogues” in jornal Expresso -
querdas, desde a mais guerrilheira à mais hu- Suplemento Única, no 1655, de 17 de Julho de 2004,
23
pp.74-75, especialmente p.75.
“How Blogs are changing the world” in Fo- 25
José Pedro Castanheira citado por Alexandra
reign Policy, citado pelo jornal Expresso – Suple- Correia e Pedro Dias de Almeida no artigo “O Bo-
mento Única, no 1675, de 4 de Dezembro de 2004, ato é uma Arma” in revista Visão, no 620, de 20 a 26
p.112. de Janeiro de 2005, pp. 86 – 90, especialmente p. 89.

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ciedade da Informação, a discussão hoje já


não se centrará em como utilizar esta Soci-
edade, mas sim sobre a melhor forma de a
utilizar para permitir uma maior e mais cons-
ciencializada participação cívica. Tal como
afirmava Pierre Lévy “dar à inteligência co-
lectiva um papel de comando, é escolher
de novo a democracia, reactualizá-la explo-
rando nela as potencialidades mais positivas
dos novos sistemas de comunicação”26 .

26
Pierre Lévy, “O Ciberespaço, a Cidade e a De-
mocracia Electrónica” in Cibercultura, Lisboa, Ins-
tituto Piaget, 2000, pp. 199 – 213, especialmente
p.213.

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