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Contribuições para d Construção dd Tcorid do

Comportdmento

Volume 10
O rtfiin i/iii/o po r h iclio José C/uilfhmfi
M iirn i lk \itriz Itürbosü Pinho M d d i
Pdtrícid PUizzon Queiroz
M iiru i C'iiroliihi Scoz

Hélio José Guilhardi «Almir Del Prette • Amauri Gouveia Jr • Ana Lúcia Cortegoso • Ana Maria Ló Sónechal-
Machado • Angélica Capelari • Armando R. das Neves Neto • Donald M. Baer • Cacilda Amorim • Cilene
Rejane Ramos Alves • Denis Roberto Zamignani • Denise Cerqueira Leite Heller • Edwiges Ferreira de
Mattos Silvares • Eliane de Oliveira Falcone • Érica Maria Machado Santarém • Gimol Benzaquen Perosa
• José Antônio Damásio Abib • Joselma Tavares Frutuoso • Laércia Abreu Vasconcelos • Letlcia Furlanetto
• Lúcia Cavalcanti de A. Williams • Makilim Nunes Baptista • João Vicente de Sousa Marçal • Marcelo
Beckert • Maria Amalief Andery • Maria da Graça Saldanha Padilha • Maria Tereza Araújo Silva • Marilza
Mestre • Neury José Botega • Neuza Corassa • Nilza Micheletto • Patrícia Piazzon Queiroz • Paulo Sergio
T. do Prado • Rachel Rodrigues Kerbauy • Renata F. Bazzo • Renério Fráguas Júnior • Ricardo Corrôa
Martone • Rosana Righetto Dias • Sandra Leal Calais • Solange L. Machado • Suely Sales Guimarães •
Tereza Maria de Azevedo Pires Sério • Vanise Dalla Vecchia • Vera Regina L. Otero • Yara K. Ingberman •
Zilda A. Pereira Del Prette_____________________________________________________________

ESETec
Editores Associados
2002
( 'opyright desta edição:
F.S

Guilhardl, Hélio José, et al.

Sobre Comportamento e Cogniçflo: Contribuições para a Construção da Teoria do


Comportamento. - Org. Hélio José Guiihardi. 1* ed. Santo André, SP: ESETec Editores Associados,
2002. v.10

410 p. 24cm

1. Psicologia do Comportamento e Cognição


2. Behaviorismo
3. Análise do Comportamento

CDD 155.2
CDU 159.9.019.4

ISUN -

ESETec Editores Associados

Coordenação editorial: Teresa Cristina Cume Grassi-Leonardi


Assistente editorial: Jussara Vince Gomes
Capa original: Solange Torres Tsuchiya
Projeto gráfico original: Maria Claudia Brigagão
Equipe de preparação: Maria Eloisa Bonavita Soares Piazzon,
Noreen Campbell de Aguirre
RJtSntBO Orat^gramaçào: Erika Horigoshi

Revisão ortográfica e gramatical: Maria Rita J. Martini Del Guerra

Tcl. ( I I )
Esquizofrenia: a A nálise do
Comportamento tem o que dizer?

Ricardo Corrêa M artone'


Penis Roberto Zamignanit

Ente capitulo tem como objetivo apresentar um breve histórico das explicações analltlco-comportamentais sobre a esquizofrenia
e comportamentos classificados como psicóticos e analisar as propoBtas do tratamento decorrentes dessas explicações.
Artigos recentes que apresentam análises tendo como referencial os operantes verbais skinnerianos sAo discutidos e. a partli
dolos, novas possibilidades de interpretação e de maneio dos padrões comporlamenUils relacionados ao diagnõstlco de
esquizofrenia são sugeridas

Palavras Chava: Comportamento psicótico; esquizofrenia, terapia analltico-comportamental, anAliso do comportamento.

This chapter aims to present a brief historie of the behavior analysts' explanations about schizophrenia and bohaviors
classified as psychotic Also It alms to discuss the treatments decurrent of them Recent papers that present analysis based
on Skinner's verbal operants are discussed. From this point, new possibilities of Interpretation and management of the
behavioral patterns related to the schizophrenia diagnosis are suggested

Key words psychotic Behavior; schizophrenia, analytical-behavioral therapy, analysis of the behavior

Os padrões comportamentais denominados psicóticos, em especial aqueles


associados ao diagnóstico de esquizofrenia, são fonte de intenso sofrimento para o indivíduo
que o apresenta e para a familia que com ele convive. O ônus de tal problema para a
sociedade, tanto no que se refere ao tratamento, quanto à indisponibilidade do paciente
para a vida produtiva, é bastante elevado. Segundo Mari (1989), a incidência de pessoas
com o diagnóstico de esquizofrenia no Brasil está entre 1 e 7 novos casos a cada 10.000
habitantes por ano, semelhantemente à encontrada em outros palses.
Embora o problema venha sendo estudado há muito tempo por diferentes
abordagens teóricas na psicologia, ele continua sendo fonte de especulação, mais que de
achados significativos, seja no que se refere a seus determinantes, seja a procedimentos
de tratamento. A análise do comportamento, embora tenha se destacado por apresentar
modelos e achados experimentais consistentes sobre comportamentos psicóticos,
principalmente até o final da década de 70 (Kazdin, 1978), parece ter priorizado a partir de

' Paicólogo clinico


-An«l»l«doComport*m*nto MMtrmxto P»i00l0Qm Fxp*rim*nim Anál** do Comport«m«nlo P»l» PUC SP Email: rtc*rdonu»rtone©holmflilcom
1Ptloólogo clinico
- Annlltt* do Comport*m#nto t mail d/*migQi*rr« com br

Sobrr C omportamento e Co#mç<lo 305


então outras áreas de investigação, abandonando paulatinamente este tipo de problema
(Álvarez, 1996).
Para o analista do comportamento, algumas perguntas que seriam importantes
para o entendimento da esquizofrenia permanecem sem resposta ou com respostas
parciais: sob controle de que variáveis ocorrem esses padrões comportamentais? Quando
estes padrões merecem “tratamento"? Existem “tratamentos’' eficientes? E nós, analistas
do comportamento, temos o que dizer/fazer?

Como se caracteriza a esquizofrenia?


De acordo com os critérios diagnósticos do DSM-IV (APA, 1994)3, a esquizofrenia
é classificada como um transtorno psicótico e apresenta como aspecto definidor a presença
de sintomas psicóticos. O termo psicótico tem sido definido de diversas maneiras, embora
nenhuma delas tenha conquistado ampla aceitação. No DSM-IV (APA, 1994), o termo
'psicótico' refere-se a delírios, alucinações, discurso desorganizado e comportamento
desorganizado ou catatônico. Nos pacientes com diagnóstico de esquizofrenia, encontra-
se um misto de manifestações classificadas em duas grandes categorias - positivas e
negativas - que estiveram presentes durante um mês e com alguns dos sinais persistindo
por pelo menos seis meses. Os sintomas estão necessariamente associados a um grande
comprometimento social ou ocupacional.
Os sintomas positivos (APA, 1994) caracterizam-se por distorções ou exageros
do pensamento inferencial (delírios), da percepção (alucinações), da linguagem e
comunicação (discurso desorganizado), e do monitoramento comportamental
(comportamento amplamente desorganizado ou catatônico).
Por sua vez, os sintomas negativos (APA, 1994) compreendem restrições quanto
à amplitude e intensidade da expressão emocional (embotamento afetivo), na fluência e
produtividade do pensamento (alogia), e na iniciação de comportamentos dirigidos a um
objetivo (avolição).
Conforme o DSM IV (APA, 1994), o diagnóstico de esquizofrenia ó organizado em
cinco subtipos, de acordo com as características do quadro apresentado à ópoca da
avaliação. São eles: (1) paranóide - com prevalência de delírios ou alucinações auditivas
e relativa preservação do funcionamento cognitivo e do afeto; (2) desorganizado - com
prevalência de djscurso e comportamento desorganizados e afeto embotado ou inadequado;
essa desorganização pode implicar em uma grande dificuldade na execução de tarefas
(preparar refeições, tomar banho, vestir-se, etc.); (3) catatônico - com maior evidência de
perturbações psicomotoras, tais como atividade motora excessiva ou imobilidade,
mutismo, ecolalia ou ecopraxia.; (4) indiferenciado - não preenche os critérios para nenhum
outro subtipo; (5) residual - apresenta resíduos de um episódio esquizofrênico anterior,
com presença de sintomas negativos ou sintomas positivos em menor grau.
De acordo com estudos epidemiológicos, o início do transtorno é mais precoce
nos homens do que nas mulheres, e nestas o curso do transtorno ó mais brando, levando
a um melhor prognóstico e maior possibilidade de adaptação (Mari, 1989).

1Fxi»l*m inúmero« critério« diagnú«tiooa pura * Mqulzofranl«. raflatindo difaranta* conoapçO#« acarca do trarwtomo Nmla trabalho optamoa pai«
de«aiçAo da Mquliofranui d« ncordo com 0« crHéflo« diagnártico« Mlab*l«cido« no DSM IV, Já qua alilaralura vem demonstrando uma lendAncln maior
para a utilUaçio d*Ma manual em trabalho« dlnlco« (Shrakawa, 1W2)

306 Ricurdo Corrcd Md rtonc c P cnis Robrrto 7<imitindm


Explicações da Esquizofrenia baseadas na análise do comportamento.
As descrições apresentadas nos manuais de psiquiatria sobre os problemas
comportamentais forneçam subsídios úteis e relevantes para o inicio de uma avaliação,
além de permitirem a padronização e a troca de informações entre profissionais, e guiarem
a pesquisa. A predição de alguns padrões comportamentais também é possível a partir das
descrições apresentadas pelos manuais psiquiátricos, bem como o delineamento de algumas
estratégias iniciais de tratamento (Cavalcante e Tourinho, 1998). Entretanto, devemos ressaltar
os limites destas descrições, devido ao seu caráter estritamente topográfico e construído
sob critérios estatísticos de 'normalidade' (Banaco, 1999a). Além disso, as categorias
diagnósticas apresentadas nestes manuais apresentam os padrões comportamentais como
sintomas de mecanismos (biológicos ou psicodinâmicos) subjacentes, o que, do ponto de
vista da análise do comportamento, não é suficiente como explicação4.
Do ponto de vista da análise do comportamento, aquilo que é chamado de sintoma
pela literatura psiquiátrica é compreendido como comportamento, e como tal deve ser
analisado. Nesse sentido, qualquer padrão de comportamento deve ser considerado tendo
em vista a interação de três níveis de seleção do comportamento: o nivel filoqenético - que
se refere a características herdadas no processo evolutivo da espécie e a características
genéticas individuais; o nível ontoqenético - que diz respeito ao repertório de
comportamentos adquirido pelo indivíduo ao longo de sua história de aprendizagem; e o
nível cultural - que envolve as práticas culturais de determinado grupo social e sua relação
com o comportamento de cada integrante deste grupo. Assim, o que vai determinar se um
dado padrão de comportamento será considerado patológico ou não é a interação do
indivíduo com variáveis ambientais disponíveis num determinado grupo social, numa
determinada cultura, num determinado tempo.
Pessoas diagnosticadas com esquizofrenia diferem enormemente entre si em
seus problemas comportamentais e capacidades adaptativas (mesmo entre pacientes
que são diagnosticados com o mesmo subtipo do transtorno), sendo o diagnóstico apenas
um aspecto a ser considerado no planejamento do tratamento. Devemos levar em
consideração as condições ambientais (condições de privação - social ou material,
estimulação aversiva, reforçamento, etc.) que podem participar, em conjunto com variáveis
biológicas e culturais, da instalação, manutenção, e mesmo do agravamento dos
comportamentos psicóticos.
Diversos autores, partindo desses pressupostos, tentaram desenvolver uma análise
do comportamento esquizofrênico. Segundo Skinner (1959/1961), o comportamento
psicótico é somente uma parcela do comportamento do indivíduo diagnosticado como
esquizofrênico, que é regida pelos mesmos princípios que governam qualquer outro tipo
de comportamento. Não se pode dizer simplesmente que o comportamento problemático
seja anormal ou não adaptativo, mas sim investigaras circunstâncias que o mantêm. De
acordo com esse autor, quando se deseja explicar o comportamento dentro dos parâmetros
de uma ciência natural, o ambiente deve desempenhar, necessariamente, um papel
primordial (enquanto ambiente selecionador de padrões comportamentais em cada nível
de seleção). Sendo assim, para se entender a doença mental, deve-se descrever o
comportamento individual como um todo e ser capaz de explicá-lo em termos de condições

4Sdbamoa qua. no datanvofv imanto d« c m m d* aaquttofranla. a datarmlnaçío Motógnu daaampanhn um papal Importanla Noaaa experiência oom «ujertos
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poeaam apraaant* algum auoaaao Eaaa lato. lodavia, nâo anuta a naoaaatdada da uma anAUao cuidadoaa daa oonUngêodaa nmttaotatt raaponeéve» paln
manutenção a por parta da inatalaçAo do problema

Sobre Comporlcimcnlo c t'o#niç<1o 307


e fatores ambientais (operações de reforçamento, extinção, punição, discriminação e
generalização; controle de estímulos, etc.).
Para Lundin (1961/1974), as principais expressões comportamentais ligadas à
esquizofrenia seriam o retraimento excessivo (fuga/esquiva), e marcadas desorganizações
do comportamento (incluindo alucinações e ilusões). Ele evidenciou o caráter cultural
destas manifestações comportamentais, afirmando que o comportamento fabulatório dos
psicóticos reflete os acontecimentos da época, salientando as influências dos estímulos
discriminativos do ambiente... "Atualmente, os psicóticos fabulatórios acreditam estar
sendo afetados por poeira atômica, ondas de televisão ou raios-X"( pág. 590), eventos em
destaque no contexto cultural dos Estados-Unidos no momento em que o livro foi escrito.
Ao defender os pressupostos da teoria da aprendizagem, em oposição ao modelo
médico5, Ullmann & Krasner (1965) apontaram que o comportamento não é patológico em
si, mas é considerado inapropriado por pessoas-chave na vida do sujeito (colegas, família,
empregadores, vizinhos), que controlariam a maioria dos reforçadores a ele dispensados.
O indivíduo cujo comportamento foge aos padrões do grupo com o qual convive está sujeito
à retirada de reforçadores importantes ou à apresentação de estímulos aversivos, e ó este
mesmo grupo social que será responsável pela classificação do seu comportamento como
normal ou anormal. Partindo destes princípios, os autores defendiam a adoção de programas
de modificação do comportamento, que seguiam basicamente os seguintes passos:
"... o trabalho do terapeuta comportamental deve necessariamente responder a
três questões: (a) qual comportamento è mal-adaptado, ou seja, quais comporta-
mentos do sujeito deveriam ter sua freqüência aumentada ou diminuída; (b)
quais contingências ambientais atuais mantêm o comportamento do sujeito (ou
mantêm seu comportamento indesejável ou reduzem a probabilidade do de-
sempenho de uma resposta mais adaptativa); (c) quais mudanças ambientais,
usualmente estímulos reforçadores, devem ser manipulados para alterar o com-
portamento do sujeito" (Ullmann & Krasner, 1965, págs, 1-2).
Podemos observar o caráter incipiente das propostas behavioristas desta época.
Embora os modificadores de comportamento defendessem uma análise de contingências,
esta análise era restrita a respostas isoladas, que eram então caracterizadas como
adaptativas ou não adaptativas - algo muito semelhante a 'normal' ou 'anormal'. Decorria
disso um modelo de intervenção ainda bastante restrito, visando apenas mudar ou eliminar
estas respostas não-adaptativas. A disseminação deste modelo de aplicação nos anos
60 e 70, nas mais diversas áreas, acabou por desencadear uma série de críticas à análise
do comportamento, que passou a ser vista pela cultura como uma abordagem simplista,
incapaz de explicar o comportamento de uma forma ampla.

As primeiras extensões da Análise do Comportamento ao comportamento humano.


A extensão dos princípios operantes ao comportamento humano, ocorrida durante os
anos 50, afirmou a abordagem comportamental como uma alternativa e uma reação ao modelo
médico e ao modelo intrapsíquíco (Ullmann & Krasner 1965; Kazdin, 1978). Sustentados

' Segundo Skmner (1953/1094), as explicações tradicionais do comportamento humano, de bete médica ou intrapslquica, teriam se pautado em ficçôe*
explicativa*
*0 próprio comportamento nâo tem «do aoeUo por si só como otyeto de eetudo. mas apenas conx> uma mdtceçèo de que hé alguma coita errada em algum
outro lugar Dií-se que a tarefa da terapia é remediar uma doença interna da qual ae manrfestaçóes oomportamenta» U o meroe tinloma» < ) {o quej tem
encorajado o petcotarapeuta a evHar a eepecfflceçto do comportamento a aer oorrioWo ou a demonatreçAo do porquê i desvantajoso ou perigoso * (pAgs
352 153, grifos do autor)

308 Ricdrdo Corrêd M.ir1onr P fn i* Roberto Zdmlgn<tni


pelos princípios da teoria da aprendizagem e enfatizando o comportamento como objeto de
estudo, os trabalhos a partir deste período permitiram um debate em tomo da determinação do
comportamento psicótico, apontando suas possíveis variáveis ambientais mantenedoras.
O estudo realizado por Skinner, Solomon e Lindsley nos anos 50, com pacientes
psicóticos, marcou o início da extensão dos princípios operantes, observados inicialmente
em animais, para os sujeitos humanos (Kazdin, 1978). Essas pesquisas ainda não tinham
sido planejadas para tratar desses pacientes, demonstrando apenas um caráter
metodológico; seu objetivo era verificar em que medida os conceitos e o método experimental
poderiam ser aplicados ao comportamento humano.
Skinner (1959/1961) descreveu um experimento realizado por ele, H. Solomon, e
O.R. Lindsley, em 1954, por meio do qual os autores pretendiam demonstrar que, mesmo com
a suposta ‘‘não-consciência” do comportamento do psicótico, ele seria sensível às operações
de reforçamento. Nesse trabalho, indivíduos que apresentavam comportamentos psicóticos
eram colocados em uma sala, com um aparato que dispensava balas, cigarros, comida, fotos,
contingentemente à resposta de puxar uma alavanca. A resposta do paciente de operar o
dispositivo era reforçada em vários esquemas em relação a estes estímulos. O comportamento
era registrado numa curva de frequência acumulada. Skinner afirmou que, embora no experimento
a história de vida do paciente não tenha sido investigada, pôde-se observar que suas respostas
mudavam em função das condições de reforçamento e motivação.
Lundin (1961/1974) apontou algumas características das respostas dos pacientes
psicóticos colocados sob controle experimental neste estudo. Entre elas: 1) o registro
das respostas mostrava irregularidade em esquemas de reforçamento intermitente (que
tipicamente produzem freqüência de responder regular, com uma pausa típica em seguida
ao reforçamento) - os indivíduos apresentavam longas pausas entre as respostas operantes,
durante as quais era maior a freqüência de comportamentos psicóticos”; 2) os pacientes
apresentavam freqüência baixa ou irregular no responder, sugerindo diminuição ou ausência
de função reforçadora dos estímulos utilizados para este fim7; 3) havia grande resistência
á extinção, quando o reforçadorera retirado. Muitos pacientes continuavam a responder,
às vezes, por dias seguidos, após a retirada do reforçador.
Desde este primeiro experimento, o que surge como diferencial no comportamento
do paciente caracterizado como psicótico é uma alteração importante no padrão do
responder com relação ao responder típico de humanos. As explicações sobre as variáveis
(ambientais e orgânicas) responsáveis por esta diferença, entretanto, permanecem até os
dias de hoje pouco conclusivas.
A partir das pesquisas de Skinner, Solomon e Lindsley, uma série de trabalhos
começou a ser desenvolvida descrevendo a utilização de técnicas operantes que visavam
à modificação de comportamentos específicos de pacientes psicóticos.
No final dos anos 50 e início dos anos 60, as pesquisas sobre condicionamento
verbal foram alcançando maior relevância. Nesta linha de pesquisa, foram realizados estudos
nos quais as verbalizações bizarras de pacientes psiquiátricos eram conseqüenciadas de
apontar qu» m u Irrwgularidad*ara intarpwüKHi como uma medida do gnu do dmtúrho, Mo», oomo » quanfJdadada dMoryanlzaçAo ou d#larior»ç*o
do cofnportamanio (Lundin. 1001/1074. p SM) Sando «Mim, fica avktonta qua, ambora o* auloraa aftrmaaaam qua o objetivo do axparlmanto aarla
damonatrar a aplicabiMdada doa prlncfptoa oparantaa ao comportamanto palcódco, quando comportamanto n*o oorraapondia a aata objallvo - apra-
•entando padrôaa n*o compallvata com oa dadoa da outroa axpartmantoa - ata era rBlwaonado t gravidada da doança, uma axpkcaçAo qua implica, am certa
madlda, numa parapactlva aalrulurahata
' f-oram utiluadoa dooaa, fotograflaa da mulbaraa a homana nua. moadaa a acaaao à poawtxMada d« alimantar um gato oom leita (aata último oona»idarado
um raforçador aocial) Novamanta, a Irragularidada no raapondar kx atribuída i gravidada do quadro

Sobre Comportamento e Cogniçdo 309


diferentes formas, de modo a levar à extinção deste tipo de verbalização e aumento de
freqüência de verbalizações socialmente aceitas (Kazdin, 1978). Estes estudos
demonstraram que alterações nas falas psicóticas eram conseguidas por meio de técnicas
derivadas do condicionamento operante (por exemplo, Ayllon & Haughton, 1964; Ullmann,
Krasner& Edinger, 1964).
Nos anos 60 e 70, destacaram-se também os procedimentos que utilizavam punição
ou time-out (Kazdin, 1978) na tentativa de suprimir comportamentos bizarros ou
verbalizações delirantes (por exemplo, Haynes e Geddy, 1973; Bucher e King, 1977).
Em 1968, Ayllon e Azrin publicaram um livro intitulado: The Token Economv: A
Motivational System for Therapy and Rehabilitation. no qual descreveram um sistema
motivacional que visava a um tratamento em larga escala, utilizando um programa operante
de reforçamento em settings de tratamento. As fichas eram utilizadas como reforçadores
generalizados condicionados. Os pacientes hospitalizados as ganhavam quando se engajavam
em atividades dentro do hospital - como, por exemplo, o autocuidado, interações sociais
mais adequadas e engajamento em trabalhos manuais - e poderiam trocá-las por uma gama
imensa de eventos reforçadores. Kazdin (1978) caracterizou o trabalho de Ayllon e Azrin
como um marco no desenvolvimento da análise aplicada do comportamento, estendendo-se
a outras populações como crianças em idade escolar, presidiários e pessoas ‘mentalmente’
comprometidas. O autor ainda afirmou que a economia de fichas era empregada na maioria
das aplicações que lidavam com pacientes psiquiátricos institucionalizados. A economia de
fichas parece ter sido a grande contribuição da análise do comportamento á abordagem dos
chamados transtornos psiquiátricos, principalmente durante os anos 60 e 70 (ver Fig. 1).
Uma importante característica de todas as aplicações desse período era o setting
utilizado. As técnicas operantes eram aplicadas dentro de enfermarias de hospitais
psiquiátricos, possibilitando ao aplicador o controle das variáveis ambientais em operação
(Ayllon & Michael, 1959).
Na mesma medida em que crescia a difusão dos tratamentos comportamentais
de psicóticos até a década de 70, foram crescendo as criticas - dentro e fora da abordagem
comportamental - aos procedimentos utilizados. As críticas mais contundentes recaíam
sobre os procedimentos aversivos utilizados, a limitação do alcance das técnicas - todas
elas visavam á alteração de respostas discretas -, limitações do setting no qual elas eram
aplicadas - contingências artificialmente construídas em ambientes institucionais - o que
dificultaria a generalização para além da instituição (Guedes, 1993; Holland ,1978).
Holland (1978) desenvolveu algumas críticas referentes à prática de arranjar
contingências artificiais como forma de modificar comportamentos específicos de pessoas
institucionalizadas. A principal delas referiu-se ao uso indiscriminado de técnicas de
modificação do comportamento sobre uma resposta específica, não (evando em
consideração as contingências naturais dos comportamentos dos sujeitos.
Álvarez (1996) enumerou algumas razões para o declínio da economia de fichas,
questionando-se sobre a possibilidade de ter havido uma supervalorizaçào de sua efetividade.
Haveria, segundo o autor, uma discrepância entre os reforçadores artificiais dispensados
aos pacientes psiquiátricos e as contingências naturais de seus comportamentos, sendo
a ocorrência da generalização fruto de um mero acaso.
Esse argumento também foi utilizado por Schock, Clay & Cipani (1998) ao
enfatizarem que contingências de reforçamento dispensadas arbitrariamente não levariam

310 KlCtinio Corréd M d rton c P rn i* Roberto Zdmign<ini


a resultados desejáveis. Estes autores defenderam uma análise funcional do comportamento
individual na tentativa de identificar variáveis mantenedoras dos comportamentos problema,
e entâo, a prescrição de um tratamento efetivo.
As criticas enfrentadas pelos procedimentos utilizados levaram, a partir dos anos
80, a uma diminuição acentuada no seu uso e a uma retirada de programas comportamentais
de instituições psiquiátricas públicas e privadas (Álvarez, 1996; Wong, 1996). No que se
refere ao tratamento de pacientes psicóticos, as criticas não geraram a busca por métodos
mais eficientes; pelo contrário, a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias para lidar
com este tipo de transtorno foram sendo, paulatinamente, abandonados por analistas do
comportamento (Álvarez, 1996).
Um levantando parcial da literatura behaviorista radical sobre esquizofrenia, nos
periódicos Journal of Applied Behavior Analysis. Journal of the Experimental Analvsis of
Behavior e Behavior Research and Therapy demonstra a diminuição de publicações ocorrida
nos últimos 20 anos, como mostra a Figura 1.

Figura 1: Total de publicações sobre psicose/esquizofrenia

De acordo com a Figura 1, houve uma queda brusca no número de artigos


publicados nos periódicos analisados nas décadas de 80 e 90, se comparado ao número
de artigos publicados nas décadas precedentes.
Uma análise de artigos mais recentes sugere que, a despeito dos avanços no
estudo do comportamento verbal e do comportamento humano complexo, a maioria dos
procedimentos atuais propostos pouco difere daqueles aplicados pelos modificadores de
comportamento e pela análise do comportamento aplicada. Ou seja, não se caminhou no
sentido do desenvolvimento de estratégias de tratamento mais abrangentes, permanecendo
a ônfase sobre a mudança de respostas discretas e, talvez, não tão relevantes. Alguns
trabalhos ainda demonstram a preocupação com a redução de respostas isoladas, tais
como verbalizações estereotipadas (por exemplo, Wong, Terranova, Bowen, Zarate, Massel
& Liberman, 1987).
Álvarez (1996) chamou a atenção para o fato de que as soluções comportamentais
para os transtornos psiquiátricos estão muito mais voltadas para uma modificação de
certos comportamentos do que para uma terapia. Esse autor enfatizou que as modificações
conseguidas são, na maioria das vezes, em respostas discretas e não definidoras do
transtorno - em suas palavras, “um êxito mais local do que global"(pág. 45). Não haveria
também, segundo esse autor, modelos comportamentais específicos para estes transtornos
psiquiátricos que pudessem fornecer novas soluções, frente às concepções de outras

Sobre Comporfdtncnlo Cofjniçüo 311


abordagens para os transtornos. Álvarez ressaltou ainda a incapacidade da análise do
comportamento em abordar o paciente externo (náo internado), permanecendo limitada ao
paciente interno (sobre o qual pode se exercer um controle considerável). Talvez seria esta
uma das razões para a redução da demanda por tratamento da esquizofrenia por analistas
do comportamento e, conseqüentemente, para o abandono das pesquisas sobre o tema.

O com portam ento verbal: uma possibilidade de avanço no entendim ento do


problema
Em defesa de uma análise de contingências mais abrangente, alguns autores
buscaram compreender os padrões comportamentais característicos da esquizofrenia, tendo
como referência a análise do comportamento verbal proposta por Skinner (Burns, Heiby &
Tharp, 1983; Layng & Andronis, 1984). Todas as características apontadas pelos autores na
caracterização dos comportamentos psicóticos reforçam a posiçáo extemalista e funcionalista
para a compreensão desses padrões comportamentais.
Layng & Andronis (1984) apresentaram uma análise das possíveis contingências
envolvidas na instalação e manutenção de comportamentos alucinatórios e falas delirantes,
enfatizando a necessidade de compreendê-los a partir dos operantes verbais skinnerianos.
Para estes autores, o comportamento alucinatório é operante e sua freqüência ou taxa é uma
função de suas conseqüências - mudanças no comportamento verbal da comunidade do
indivíduo - razão pela qual seria mais adequado classificá-lo como comportamento verbal. 0
que faz com que tais comportamentos sejam classificados como "anormais" e “paradoxais"
não são seus atributos estruturais específicos, mas sim estas relações funcionais, da mesma
forma com que ocorre com outros comportamentos verbais. Esses autores apresentaram
algumas discussões sobre as contingências mantenedoras do comportamento psicótico que,
levadas a efeito, podem sugerir novos rumos no manejo deste tipo de problema.
O primeiro aspecto apontado diz respeito às conseqüências responsáveis pela
manutenção do comportamento delirante/alucinatório. Segundo os autores, as conseqüências
obtidas por meio desse padrão de responder são múltiplas e suas relações com o
comportamento-problema são altamente complexas e confusas, incluindo eventos reforçadores
positivos e negativos e estímulos aversivosfl. Além disso, os reforçadores que mantêm a resposta
podem ser atrasados, não estando disponíveis no momento em que a resposta é emitida.
Layng & Andronis (1984) afirmaram que, em alguns casos, pode ser ‘vantajoso’ para o indivíduo
que ele esteja submetido a contingências aversivas durante boa parte do tempo, de forma a
‘legitimar’ a sua condição de ‘doente’ e evitar assim a punição social; os reforçadores (positivos
ou negativos) obtidos nesse tipo de esquema de reforçamento seriam necessariamente ocultos
ao observador, de forma que a relação observada seria aparentemente ‘insensata’.
Os estímulos discriminativos sob controle dos quais estas respostas verbais seriam
emitidas podem também não ser diretamente acessíveis ao ouvinte. As contingências que
controlam verbalizações delirantes e comportamentos alucinatórios envolveriam configurações
de estímulos e condições de privação e estimulação aversiva, dificilmente acessíveis ao
observador, dando a este a noção de uma fala desconexa e bizarra. Já que tais verbalizações
ocorreriam sob controle de propriedades específicas dos eventos antecedentes, por meio de
relações bastante idiossincráticas entre eles, a resposta verbal e o reforçamento, elas são
analisadas pelos autores como operantes verbais do tipo tato estendido - extensão metafórica,
conforme definido por Skinner em 1957.

312 Ricdrdo Corrtd M drtone e Peni* Robírto Zdmiflndni


Também ó possível considerar, a partir da análise dos operantes verbais formulada
por Skinner (1978/1957), a possibilidade deste tipo de resposta caracterizar-se como um tato
distorcido. Segundo esse autor, um tato pode ser distorcido de formas particulares por uma
enorme variedade de eventos, tais como condições antecedentes de privação ou estimulação
aversiva e conseqüências diversas que podem controlar a resposta verbal, enfraquecendo a
sua relação com os estímulos presentes anteriormente à sua emissão. Dessa forma, pode
ocorrer o que Skinner (1978/1957) denominou ‘mando disfarçado de tato’, uma resposta que,
em sua topografia, sugere estar sob controle de eventos antecedentes, mas que, de fato, tem
a função de ocasionar o engajamento do ouvinte em respostas que proporcionariam ao falante
reforçadores específicos.
A emissão do comportamento ‘bizarro’ pode também caracterizar-se como um retorno
a um padrão comportamental eficaz no passado, quando o indivíduo está frente a uma condição
para a qual não há repertório de manejo ou o seu repertório atual não produz reforçamento.
Podemos encontrar boa parte dos aspectos levantados acima por Layng & Andronis
(1984), em um caso descrito pelos próprios autores. Uma jovem de 19 anos foi admitida em
uma unidade fechada de tratamento. Nas áreas comuns da unidade observou-se que ela se
comportava de forma curiosa, chamando muito a atenção-dançava em círculos, dava risadas
estereotipadas e cantava incessantemente uma pequena canção: “Rei dos corações, Rainha
dos corações, há um 'cubba' no quarto"9. Segundo os autores, os comportamentos
aparentemente irracionais permaneceram até o momento em que se pudesse abordar seu
conteúdo metafórico. Descobriu-se que uma das amigas da cliente tinha, recentemente, ganhado
um concurso de beleza, recebendo o título de ‘Rainha da beleza’. Descobriu-se também que
o namorado dessa amiga tinha como apelido “Cubba". Os profissionais da unidade observaram
que as situações nas quais ocorriam as danças e a canção envolviam a presença de homens
jovens que também estavam internados. Layng & Andronis (1984) interpretaram os
comportamentos da jovem da seguinte forma: a canção "Rei dos corações, Rainha dos Corações"
parecia referir-se à sua amiga, a ‘Rainha da Beleza’ e ao seu namorado. A verbalização "Há
um ‘cubba’no quarto"estaria tateando a presença de um homem jovem pelo qual a cliente se
sentia atraída. Na verdade, a cliente estaria dizendo o seguinte: “Eu quero ter um relacionamento
como o da minha amiga e seu namorado e há alguém nesse quarto que me atrai", evidenciando
assim, uma contingência de mando. Os autores argumentaram que a distorção da verbalização
da jovem poderia indicar o efeito de contingências sociais aversivas por falar livremente sobre
relacionamentos íntimos.
Um exemplo que envolve características semelhantes foi observado por nossa equipe
no atendimento de am paciente, em ambiente natural. O paciente em questão era diagnosticado
como esquizofrênico, e apresentava períodos de alucinações e delírios intensos, seguidos por
períodos de remissão parcial destes padrões de comportamento. Em um dado período, um
dos autores observou que o paciente passou a apresentar aumento da freqüência de
verbalizações delirantes e manifestar hostilidade com relação ao profissional. Esse padrão se
repetiu por algumas sessões, nas quais aumentou o número de recados do paciente solicitando
a atenção do profissional. Este, incomodado com o excesso de ligações, passou a não
responder a todos os recados, aumentando, por sua vez, a hostilidade do paciente. Em uma
sessão de supervisão na qual foram discutidos e analisados os eventos recentes da relação
terapêutica, pôde-se identificar que, na última sessão anterior ao início deste padrão de
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Sobrr Comportamento t ‘o#niçao 313


comportamento, o terapeuta havia comentado com o cliente que havia prestado a seleção
para o ingresso em um curso de mestrado. Este mesmo paciente havia sido atendido
anteriormente por um profissional que, quando ingressou no mestrado, interrompeu o trabalho
terapêutico com o cliente e o encaminhou para o atual terapeuta, alegando que esta atividade
tomaria muito tempo, impedindo o seu deslocamento até o local no qual o cliente era atendido.
A hipótese levantada foi de que a mudança de comportamento do cliente era uma resposta à
possibilidade de abandono por parte do terapeuta, sinalizada pelo seu relato de haver prestado
o mestrado. Tanto o comportamento hostil quanto o aumento das ligações do cliente para o
terapeuta, solicitando maior atenção, poderiam estar sendo emitidos como efeito da
contingência de (sinalização da) retirada de reforçamento. O padrão delirante poderia caracterizar
também um retomo a um padrão comportamental anteriormente reforçado (por meio de atenção
do grupo social). O terapeuta, por sua vez, mostrava-se frustrado com a ocorrência de uma
nova ‘recaída’ aparentemente sem sentido e apresentava alguns sinais de insatisfação na
relação com o cliente devido à sua hostilidade. Essa insatisfação era observada na diminuição
da disponibilidade do terapeuta para o atendimento, o que só reforçava, para o cliente, a
sinalização de abandono.
A análise das contingências permitiu que o terapeuta identificasse as variáveis
possivelmente responsáveis pelo comportamento do cliente, diminuindo as suas respostas
emocionais de frustração e ressentimento. Também foi possível, a partir de então, planejar
contingências da relação terapêutica que proporcionassem ao paciente maior segurança
de que o abandono não ocorreria. Por último, a análise permitiu identificar déficits de
repertório social do paciente, que impediam o manejo desta possível situação de abandono
de forma mais adequada e, decorrente disso, planejar o desenvolvimento destas habilidades.

Pela retomada de uma linha de investigação.


A prática do analista do comportamento esteve, pelo menos no seu início, atrelada à
tentativa de modificar comportamentos de populações marginalizadas, colocando-se como
uma alternativa às práticas psicodinâmicas tradicionais. A possibilidade de desenvolver
procedimentos efetivos para o atendimento a populações psiquiátricas, crianças com problemas
de desenvolvimento, pessoas encarceradas, diferenciava a análise do comportamento das
abordagens psicológicas presentes até então.
Nessa trajetória inicial, foram produzidos dados extremamente relevantes, que
apontavam uma nova direção no tratamento de problemas até então entendidos como ‘refratários’
para a psicologia. No que se refere aos comportamentos psicóticos, foram muitos os avanços,
em se considerando a gravidade e a cronicidade dos quadros.
É fato reconhecido que nessa história foram cometidos equívocos e excessos, contra
os quais as agências de controle dentro e fora da comunidade trataram de se impor. Passado
esse período de ascensão e queda, entretanto, nota-se que não houve um novo investimento
em alternativas aos procedimentos da modificação do comportamento. Desde esse período,
foram poucos os avanços, salvo alguns poucos trabalhos, na proposição de um modelo
comportamental para lidar com essa população. No entanto ainda há a possibilidade de
desenvolvimento de estratégias bastante promissoras para o manejo do problema. A retomada
das pesquisas e publicações por analistas do comportamento é necessária, visto que se trata
de um problema socialmente relevante e para o qual as soluções até então encontradas são,
no mínimo, insatisfatórias.

314 Ricardo Corrt.i M urtonc c [>rnis Robcrlo Zami^nuni


As palavras de Skinner (1974/2000) sintetizam aquela que deveria ser a postura de
uma ciôncia do comportamento frente a fenômenos de difícil acesso e manejo:
"Numa análise behaviorista, conhecer outra pessoa 6 simplesmente conhecer o que
ela faz, fez ou fará, bem como a dotação genética e os ambientes passados e
presentes que explicam porque ela o faz. Nâo se trata de uma tarefa fácil porque
muitos fatores relevantes estão fora de alcance e cada pessoa 6 indubitavelmente
única. Mas nosso conhecimento de outrem è limitado pela acessibilidade, não pela
natureza dos fatos. Não podemos conhecer tudo o quanto existe para ser conhecido,
assim como não podemos saber tudo aquito que gostaríamos de saber acerca do
mundo da física e da biologia; isso nâo significa, poróm, que aquilo que permanece
desconhecido seja de natureza diferente. Como ocorre em outras ciências,
freqüentemente carecemos das informações necessárias para previsão e controle e
devemos satisfazer-nos com a interpretação, mas nossa interpretação terá o apoio
da previsão e do controle que foram possíveis em outras condições" (pág. 152).
O desenvolvimento das pesquisas sobre comportamento verbal e sobre comportamento
humano complexo nutre a abordagem com informações cada vez mais aprofundadas sobre
relações comportamentais e sociais. Estas áreas de pesquisas têm subsidiado a construção
de estratégias terapêuticas clínicas de grande complexidade e efetividade para uma enorme
variedade de problemas comportamentais. Paralelamente a isso, os avanços na psiquiatria
biológica permitem o auxílio na busca de uma melhor qualidade de vida para aquele paciente
que se nos apresenta em busca de um alívio de seu sofrimento, proporcionando uma parceria
sem precedentes na história da psicologia.
Ba naco (1999b), ao retomara pergunta de Skinner (1978) "Podemos nos beneficiar
das descobertas da Ciência do Comportamento?", afirmou que temos uma história de achados
experimentais confiáveis e gritantes, mas que, em certa medida, vai contra as contingências
e metacontingências mais tradicionais de nossa cultura. Tal divergência, entretanto, passa a
ser menos importante quando apresentamos práticas efetivas, sustentadas por dados confiáveis,
meta que necessita ser retomada, de modo a sermos coerentes com a origem da análise do
comportamento enquanto ciência aplicada.

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