Você está na página 1de 11

27/09/2018

Emoções: Definição, teorias e


perspetivas históricas
UC de Emoções

Ana P. Pinheiro & João M. Moreira

Faculdade de Psicologia
Universidade de Lisboa

Algumas definições de emoção


➢ An emotion is a feeling comprising physiological and behavioral (and
possibly cognitive) reactions to internal and external events.
• Sternberg, R. In Search of the Human Mind, 2nd Ed.Harcourt, Brace, 1998 p 542

➢ A complex pattern of changes, including physiological arousal, feelings,


cognitive processes, and behavioral reactions, made in response to a
situation perceived to be personally significant.
• Gerrig, Richard J. & Philip G. Zimbardo. (2002). Psychology and Life, 16/e. Allyn and Bacon,
Boston, MA.

➢ An emotion is a complex psychological event that involves a


mixture of reactions: (1) a physiological response (usually
arousal), (2) an expressive reaction (distinctive facial
expression, body posture, or vocalization), and (3) some kind of
subjective experience (internal thoughts and feelings).
• Nairne, J. S. Psychology: The Adaptive Mind. 2nd Ed. Wadsworth, 2000. p. 444

1
27/09/2018

Variedade de conceitos no
domínio das emoções
➢ Emoção
• “Episódio breve de modificações coordenadas a nível cerebral,
autonómico e comportamental, que facilitam a resposta do
organismo a eventos significativos, externos ou internos”
(Davidson, Scherer, Goldsmith, 2003)
➢ Sentimento
• Representação subjetiva da emoção
➢ Afeto
• Termo genérico para designar tudo o que se relaciona com o
domínio emocional
• Componente básica do estado emocional (valência e ativação,
sem uma identificação/rotulação – “core affect”)
➢ Humor (mood)
• Estado afetivo difuso, de baixa intensidade e longa duração

O conceito de emoção
➢ Os conceitos na área das emoções estão fortemente enraizados no
senso comum e as suas definições são pouco consensuais.
➢ A própria definição de emoção é muito variada consoante os
autores e nem sempre as definições são semelhantes.
➢ A perspetiva mais produtiva é provavelmente a de definir o domínio
a partir de um conjunto de características.
➢ Assim, poderíamos dizer que o domínio das emoções ou afetos diz
respeito a um conjunto de processos, com um grau de interação
muito variável entre si (ou seja, alguns estão muito relacionados
entre si, outros quase nada) e que se definem por um conjunto de
características que serão apresentadas de seguida: relação com a
motivação, compromisso, appraisal, sensação subjetiva, alterações
psicofisiológicas, tendências comportamentais e carácter
adaptativo.

2
27/09/2018

Relação com a motivação


➢ Só existem reações emocionais quando está em jogo uma
necessidade humana; não há reações emocionais perante
situações em relação às quais o indivíduo é indiferente.
➢ A intensidade da emoção relaciona-se com a intensidade
da motivação subjacente: quanto mais forte a necessidade,
mais intensa tende a ser a emoção com ela relacionada.
➢ Os diferentes tipos de emoções distinguem-se, entre
outras coisas, pelo tipo de necessidade subjacente,
embora isto seja mais claro nuns casos do que noutros
(e.g., a emoção de medo resulta da motivação para o bem-
estar, a segurança e, em última instância, para a
sobrevivência).

Compromisso
➢ Para além da relação com a motivação, já referida, a
emoção tende a surgir sobretudo em resposta a situações
em que a pessoa esteja pessoalmente envolvida ou
comprometida, por exemplo:
• A situação envolve a própria pessoa.
• Alguém (incluindo algum animal) com quem a pessoa tem uma
relação significativa e um investimento afetivo.
• Um objeto que a pessoa tenha como seu e de valor considerável.
• Uma entidade com relevância real ou simbólica para a pessoa
(país, família, empresa, ou outro grupo de pertença).

➢ A mesma situação (e.g., insulto, ameaça ou benefício)


pode não ter qualquer efeito emocional se acontecer a
alguém ou algo com quem não estejamos
comprometidos.

3
27/09/2018

Appraisal
➢ As emoções resultam da análise cognitiva que as pessoas fazem
das situações, em termos do seu significado e, sobretudo, das
suas implicações, para si e para os seus compromissos.

➢ Essa avaliação cognitiva das implicações é geralmente designada


pelo termo Inglês appraisal.

➢ Cada tipo de emoção resulta de um tipo muito específico de


appraisal. Por exemplo:
• Algo que constitui um compromisso importante para a pessoa está
em risco de ser danificado ou perdido – MEDO.
• Algo que constituía um compromisso importante para a pessoa foi
irremediavelmente perdido – TRISTEZA.
• Algo que constitui um compromisso importante para a pessoa está a
ser prejudicado pela ação de outra pessoa – RAIVA.

Sensação subjetiva
➢ Cada emoção tem uma sensação subjetiva que lhe é
característica, e permite às pessoas identificar o estado emocional
em que se encontram.

➢ Esta sensação subjetiva não é apenas a do appraisal da situação,


das alterações fisiológicas e das tendências comportamentais
(incluindo as expressivas). Existe um componente fenomenológico
específico de cada emoção.

➢ Esta sensação subjetiva é a base para a aprendizagem do


reconhecimento das emoções em si mesmo. A observação das
situações e dos comportamentos da pessoa permite à
comunidade linguística identificar a emoção que a pessoa está a
experienciar e dar-lhe um nome. A pessoa aprende então a usar
esse nome para designar esse estado subjetivo.

4
27/09/2018

Alterações Psicofisiológicas
➢ Em muitos casos, as emoções são acompanhadas de alterações fisiológicas
em zonas periféricas do corpo (i.e., fora do sistema nervoso central), por
ação de um ramo do sistema nervoso designado como autónomo (por a sua
ação ser independente da vontade).
➢ O mais comum é que as alterações mais salientes resultem da ativação do
ramo do sistema nervoso autónomo designado por simpático.
➢ O sistema nervoso simpático tende a promover alterações fisiológicas que
aumentam a energia disponível e preparam o organismo para a ação (e.g.,
aumento do ritmo cardíaco e respiratório, da tensão arterial e da tensão
muscular, sudação, inibição dos processo digestivos, libertação de glicose
para o sangue).
➢ No entanto, o sistema parassimpático, antagónico do simpático, também
pode ter um papel importante (e.g., a diminuição da tensão arterial numa
situação emocional pode dar origem a desmaios).
➢ O padrão de ativação fisiológico é diferente de pessoa para pessoa, e
também consoante o tipo de emoção e a sua intensidade. Esta informação
pode ajudar as pessoas a identificar a emoção que estão a sentir.

Tendências comportamentais
➢ As emoções tendem a induzir certos tipos de comportamento.
➢ Esta indução não é inevitável: os comportamentos podem ser influenciados
também por outros fatores, incluindo por um esforço consciente e deliberado
para que eles não se manifestem.
➢ Estes comportamentos pode ser classificados em dois grandes tipos:
• Comportamentos funcionais.
• Comportamentos expressivos.
➢ Os comportamentos funcionais permitem alterar a situação no ambiente
exterior, lidando de forma direta com a situação que gerou a emoção (e.g., fugir
quando se sente medo, atacar quando se sente raiva).
➢ Os comportamentos expressivos não têm uma ação direta sobre o ambiente,
mas visam apenas informar outros indivíduos acerca do estado emocional da
pessoa. Esta informação pode ter várias funções, e.g., a de resolver a situação
de forma indireta, por intermédio do comportamento dos outros (e.g., um adulto
elimina algo que estava a causar medo a uma criança).
➢ Os comportamentos expressivos podem ter vários canais: faciais, vocais (e.g.,
choro), posturais (e.g., baixar vs. levantar a cabeça), comportamentais (e.g.,
pular de alegria), etc.

5
27/09/2018

Carácter adaptativo
➢ As emoções constituem certamente um mecanismo adaptativo no comportamento
humano e de outros animais.
➢ É normalmente possível apontar vantagens das emoções em termos de adaptação,
sobrevivência e sucesso reprodutivo, tornando plausível que tenham sido
construídas pelos mecanismos da evolução.
➢ Este carácter adaptativo pode nem sempre ser evidente (e.g., a tristeza pode ter a
função de levar a pessoa a desligar-se de objetivos inacessíveis) e não significa
simplesmente promover o bem-estar do indivíduo (e.g., o medo é desagradável, mas
preserva a sobrevivência)
➢ Em termos da sua complexidade e flexibilidade, as emoções parecem constituir um
nível intermédio entre mecanismos de adaptação automática, de base biológica
(e.g., regulação da temperatura corporal, do equilíbrio e mesmo da fome) e
mecanismos mais flexíveis, baseados na análise cognitiva complexa e na decisão
racional e consciente.
➢ Apresentam bases cognitivas (appraisal), mas simples e focadas na situação
imediata, e tendências comportamentais automáticas, mas controláveis.
➢ Em termos neuropsicológicos, zonas infracorticais têm um papel determinante,
contrastando com o papel do córtex cerebral no processamento cognitivo mais
complexo.

Emoções mais e menos típicas


➢ Os aspetos apontados nos slides anteriores são característicos dos
mecanismos que designamos geralmente por “emocionais” ou
“afetivos”.
➢ No entanto, nem todos os tipos de emoções apresentam no mesmo
grau todas essas características.
➢ De facto, o conceito de emoção não constitui um domínio bem
definido e com fronteiras nítidas.
➢ Quando pensamos em emoções, alguns exemplos nos surgem
imediatamente como “protótipos”: medo, raiva, tristeza. É menos
provável pensarmos em culpa ou em surpresa. E alguns estados
colocam-nos dúvidas se serão emoções ou não.
➢ Uma forma de avaliarmos em que medida um qualquer estado
corresponde a uma emoção, é tentando avaliar em que grau tem
estas características.

6
27/09/2018

Medo Raiva Culpa Curiosidade Tranquilidade


Motivação Sim Sim Sim Sim Sim
Compromisso Sim Sim Sim Não Sim
Appraisal Sim Sim Sim Sim Sim
Sensação Sim Sim Sim Sim Sim
Alt. Psicofisiol. Sim Sim Não Não Sim
Comport. Sim Sim Sim Sim Não
Expressão Sim Sim Não Sim Não
Adaptativa Sim Sim Sim Sim Sim

➢ Embora nem sempre seja fácil afirmar que uma dada


característica está ou não presente, conseguimos perceber
porque o medo e a raiva são exemplos mais típicos de emoções
do que a culpa, a curiosidade e a tranquilidade

Perspectivas teóricas sobre


as emoções

➢Abordagem dimensional vs categorial


➢Abordagem funcionalista/evolucionista
vs social-construtivista
➢Abordagem racionalista (appraisal) vs
irracionalista

7
27/09/2018

O mapa das emoções


Abordagem dimensional
➢ Dada a enorme diversidade das emoções, mas ao mesmo tempo muitas palavras que
designam emoções com significados muito próximos (e.g., medo, receio, apreensão,
ansiedade), há interesse em procurar um sistema de classificação.
➢ A divisão mais evidente e mais comum é a que se estabelece entre emoções que nos são
agradáveis e gostaríamos geralmente de prolongar, e emoções que nos são desagradáveis e
gostaríamos geralmente de interromper.
➢ As primeiras são habitualmente designadas por emoções positivas, e as segundas por
emoções negativas. Não se deve, no entanto, pensar que esta designação implica um juízo
quanto ao seu valor adaptativo, pois ambos os tipos são úteis na adaptação.
➢ As funções das emoções negativas e positivas parecem, no entanto, ser algo diferentes, o que
conduz a diferenças nas suas características.
➢ As emoções negativas resultam de um appraisal de que algo no ambiente é desfavorável ao
organismo, tendo por função levar à mudança da situação. Por isso, têm geralmente
tendências comportamentais mais fortes e definidas, e tendem a durar enquanto a situação se
mantiver.
➢ As emoções positivas resultam do appraisal de uma situação favorável, de modo que
raramente levam a comportamentos funcionais. O papel dos comportamentos expressivos é
geralmente mais importante, e a duração das emoções positivas é menor, se a situação
ambiental estabilizar. Mais ainda do que as emoções negativas, as emoções positivas
resultam geralmente da perceção de mudanças nas situações.

O mapa das emoções


Abordagem dimensional
➢ Outro critério para classificar as emoções tem a ver com o grau de ativação que
implicam. A palavra correspondente em Inglês é arousal.
➢ Este grau de ativação manifesta-se quer em termos dos comportamentos,
funcionais ou expressivos, quer em termos das alterações psicofisiológicas.
➢ Assim, algumas emoções implicam uma elevada ativação (e.g., medo, raiva,
alegria), outras uma baixa ativação (e.g., tristeza, tranquilidade).
➢ É bastante claro atualmente que estas são as duas dimensões básicas do
mapa das emoções; houve várias propostas para uma terceira dimensão (e.g.,
atenção/afastamento, dominância), mas nenhuma delas parece ser sólida
➢ Quando se distribui as emoções num plano definido por estas duas dimensões,
verifica-se que elas não se distribuem de forma homogénea nem ao longo de
eixos, mas sim formando uma figura que se aproxima de um círculo, com o
centro tendencialmente vazio.
➢ A este tipo de estrutura dá-se o nome de circumplexo.

8
27/09/2018

O circumplexo das emoções (teórico)

O circumplexo das emoções (empírico)


➢ Resultados da análise fatorial de um questionário de emoções em Português

0.8

0.7
Ousado

Ardente Atrevido
Expansivo Enérgico
0.6 Arrojado
Excitado Audacioso
Agitado
Exaltado Irrequieto
Zangado Arrebatado Determinado
Animado
0.5 Impetuoso
Impulsivo Inspirado Activo
Desembaraçado
Inquieto
Irritado Agressivo Mexido Alegre
Furioso Irascível Emocionado Corajoso
Destemido
DespachadoVivo
Divertido Entusiasmado
0.4 IrritávelAnsioso Espantado Surpreendido Caloroso Vigoroso
Hostil Forte Capaz Estimulado
Apreensivo
Conflituoso Indolente Alerta Orgulhoso
Amedrontado
Magoado Afectuoso Competente Seguro
0.3 Receoso Trémulo Feliz
Preocupado
Assustado
Aflito Nervoso Decidido Contente
Perturbado
Transtornado Impaciente Simpático
Amável Sólido
Atencioso
Atento
Inimigo Interessado
0.2 Amargurado
Desesperado
Abatido DescansadoSatisfeito
Deprimido Melancólico Bondoso
Angustiado Culpado
Triste
Aborrecido Medroso
Desanimado
0.1 Preguiçoso
Infeliz Solitário Descontraído
Miserável Sonolento
Sózinho Desamparado
Pachorrento
0 Envergonhado Tranquilo
Vagaroso

Lento Sereno
Sossegado
-0.1
Calmo

-0.2
-1 -0.8 -0.6 -0.4 -0.2 0 0.2 0.4 0.6 0.8

9
27/09/2018

Abordagem dimensional

➢ A partir deste mapa, as pessoas e culturas criam categorias


descontínuas a que dão nomes, num processo de
construção social e cultural
➢ Críticas a esta perspetiva
• Baseia-se sobretudo em dados de auto-relato
• Não há consenso quanto ao número e natureza das dimensões
• Não reflete diferenças qualitativas entre os tipos de emoções, que parecem
constituir “categorias naturais”, não parece por isso reunir condições para
ser a única abordagem psicológica às emoções

Abordagem categorial
➢ Baseada na perspetiva de Darwin, defende que existe um número
finito, e relativamente limitado, de emoções “básicas”
➢ Cada uma destas emoções básicas tem um padrão específico nos
componentes anteriormente listados (relação com a motivação,
compromisso, appraisal, sensação subjetiva, alterações
psicofisiológicas, tendências comportamentais e carácter adaptativo)
➢ Estes tipos de emoções correspondem a sistemas neuropsicológicos
específicos e identificáveis, sendo inatas e universais na espécie
humana
➢ Não significa que estejam todas funcionais logo ao nascimento,
emergindo de forma progressiva ao longo do desenvolvimento
➢ São partilhadas com outros animais, sobretudo primatas, devido à sua
origem evolutiva

10
27/09/2018

Aspetos universais da expressão emocional

➢ Um dos principais fundamentos empíricos é a compreensão universal das


expressões emocionais (Paul Ekman)
➢ Não temos grande dificuldade em distinguir entre emoções de raiva, alegria,
repugnância e tristeza, mesmo em pessoas de culturas muito diferentes.
➢ Isto não significa que não haja diferenças: emoções interpessoais negativas são
menos expressas nas culturas coletivistas, devido a regras culturais (ver
exemplo)

11

Você também pode gostar