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PREPARAR O EXAME NACIONAL DE FILOSOFIA

MATÉRIA DO 10.‒º ANO

ÍNDICE

UNIDADE 2
A AÇÃO HUMANA
CAPÍTULO 1 – ANÁLISE E COMPREENSÃO DO AGIR A REDE CONCETUAL DA AÇÃO (2-5)
CAPÍTULO 2 – LIBERDADE E DETERMINISMO NA AÇÃO HUMANA (6-17)

UNIDADE 3
OS VALORES: ANÁLISE E COMPREENSÃO DA EXPERIÊNCIA VALORATIVA
CAPÍTULO 1 – VALORES E VALORAÇÃO: A QUESTÃO DOS CRITÉRIOS VALORATIVOS (18-34)
CAPÍTULO 2 – VALORES E CULTURA: DIVERSIDADE E DIÁLOGO ENTRE CULTURAS (35-36)

UNIDADE 4
A DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DO AGIR
CAPÍTULO 1 – INTENÇÃO ÉTICA E NORMA MORAL (37-39)
CAPÍTULO 2 – A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL: ANÁLISE COMPARATIVA
DAS PERSPETIVAS DE KANT E DE MILL (40-66)
CAPÍTULO 3 – 1. O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO (67-72)
2. O PROBLEMA DA JUSTIÇA SOCIAL (73-86)

UNIDADE 5
A DIMENSÃO RELIGIOSA DO AGIR
1. UMA DAS PROVAS DA EXISTÊNCIA DE DEUS (87-90)
2. A CRÍTICA DE FREUD À RELIGIÃO (91-91)

UNIDADE 6
A DIMENSÃO ESTÉTICA DO AGIR
1. OS JUÍZOS ESTÉTICOS E O PROBLEMA DA SUA NATUREZA: SÃO OBJETIVOS OU
SUBJETIVOS? (92-92)
2. A NATUREZA DA ARTE (93-94)

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UNIDADE 2 – CAPÍTULO 1

ANÁLISE E COMPREENSÃO DO AGIR: A REDE CONCETUAL DA AÇÃO

1. Uma ação é um acontecimento. Porquê?

Uma ação é e tem de ser um acontecimento porque é algo que acontece num dado
momento e num certo lugar. Assim, ir à praia é uma ação e ao mesmo tempo um
acontecimento porque vamos à uma praia num determinado local – Algarve – e em
dado momento – normalmente no verão, de manhã ou de tarde.

2. Todos os acontecimentos são ações?

Não. Um furacão é um acontecimento, mas não é uma ação.

3. O que se infere do que foi dito antes?

Infere-se que, embora todas as ações sejam acontecimentos, nem todos os


acontecimentos são ações. Um furacão é simplesmente algo que acontece

4. Qual a condição necessária para que um acontecimento seja uma ação?

Um acontecimento, para ser uma ação, tem de ser realizado por um agente.

5. Esta condição indispensável não é contudo suficiente. Porquê?

Toda e qualquer ação envolve um agente e tem nele a sua origem. Esta é uma
condição necessária para haver ação. Mas não é uma condição suficiente. Imaginemos
que alguém rouba um relógio valioso numa ourivesaria. Essa pessoa fez algo, fez com
que algo acontecesse. Mais tarde até pode arrepender-se do que fez, mas na altura
não resistiu a uma compulsão patológica para o roubo a que se dá o nome de
cleptomania. Fez algo: roubou. É a causa do que aconteceu. Mas não se trata de uma
ação porque o que o agente fez não derivou da sua vontade, mas de uma força interna
que o compeliu a fazer o que fez.
Para que aquilo que um agente faz seja uma ação, tem de ter origem na sua vontade
e intenção consciente.

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6. O que é então uma ação?
Uma ação é algo que acontece mediante a intervenção da vontade e intenção
consciente de um agente. Uma ação é um acontecimento desencadeado pela vontade
e intenção de um agente. Não é um simples acontecimento, não é simplesmente algo
que um agente faz, é algo que um agente faz acontecer intencional ou
propositadamente.

7. O que se entende por rede concetual da ação?


A rede concetual da ação é o conjunto de conceitos que usamos para caraterizar,
compreender e explicar uma ação.

8. Que conceitos são necessários para caraterizar e compreender uma ação?


Os conceitos que usamos para caraterizar e compreender uma ação são os seguintes:
deliberação, decisão, intenção, motivo, causa e consequência.

9. O que é a intenção?
A intenção é o propósito ou o objetivo da ação. Imagine que alguém escorrega e deixa
cair a comida do tabuleiro em cima dos livros de um colega, danificando-os. Quem fez
isto pode alegar que não tinha a intenção – que não era seu propósito ou objetivo –
causar esses estragos. Se não há intenção, então não há ação.

10. Que relação existe entre intenção e explicação de uma ação?


Explicar uma ação é indicar a sua causa. A causa de uma ação é a intenção ou o
propósito do agente ao realizá-la.

11. Quais são os estados mentais que estão associados à intenção de um agente?
As intenções são estados mentais frequentemente associados a outros estados
psicológicos que são as crenças e os desejos do agente. Eis um exemplo: inscrevo o
meu filho no Instituto Britânico. Esta é a minha ação. Com que intenção a realizo? Para
que é que a realizo? Para que aprenda inglês. Dito de outro modo, porque tenho o
desejo de que o meu filho aprenda inglês e a crença de que o Instituto Britânico é o
melhor instituto para o fazer. A intenção da minha ação é, portanto, determinada pelo

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meu desejo e pela minha crença. Inscrevo o meu filho no Instituto Britânico porque
desejo que aprenda inglês e acredito que o IB é o local certo para o fazer.

12. O que se entende por motivo de uma ação?


O motivo é a justificação, o porquê ou a razão de ser da ação.
Exemplo:
Ação: inscrevo o meu filho no Instituto Britânico.
Intenção:
Desejo: quero que o meu filho aprenda inglês.
Crença: o Instituto Britânico é o melhor instituto para aprender inglês.
Motivo:
Crença: dominar a língua inglesa é um requisito essencial no atual mundo do trabalho
e da investigação científica.
Desejo: quero que o meu filho seja bem-sucedido profissionalmente.
Este desejo e esta crença acompanham e esclarecem o motivo da minha ação,
explicam-na, dão a conhecer a sua razão de ser. Como se vê, as crenças e os desejos do
sujeito estão associados à intenção e à motivação do sujeito que age.

Que relação existe entre motivo e intenção?


A relação é a seguinte: saber qual o motivo da ação, o seu porquê ou razão de ser,
clarifica a intenção ou o para quê da ação, torna possível e é necessário para que
compreendamos a intencionalidade da ação. Se um agente tem a intenção de fazer
algo – inscrever o filho no Instituto Britânico –, saber o que o motiva torna mais claro o
seu propósito e esclarece-nos quanto a opções que podia tomar e não tomou.
Teremos por outras palavras a justificação da intenção. As noções de motivo e de
intenção estão extremamente próximas uma da outra porque só falamos de ações
intencionais se elas forem determinadas por um motivo ou razão que as justifique:
uma ação é realizada intencionalmente quando é realizada por algum motivo.

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14. O que é a deliberação?
A deliberação é um processo reflexivo que, em princípio, ou seja, em muitos casos,
antecede a decisão. Orientados por determinadas razões, ponderamos qual a melhor
opção a tomar entre várias alternativas possíveis.

15. O que se entende por decisão?


A decisão é um ato que resulta frequentemente de um processo denominado
deliberação. O motivo pelo qual agimos ou a intenção que nos orienta para um
determinado fim implica também a decisão de o alcançar. Na maior parte dos casos,
decidir supõe escolher entre vários rumos possíveis de ação, entre várias
possibilidades ou alternativas.

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UNIDADE 2 – CAPÍTULO 2

LIBERDADE E DETERMINISMO NA AÇÃO HUMANA

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1. O que é o determinismo?

O determinismo é a teoria que defende que tudo é determinado por acontecimentos


anteriores, ou que o estado de coisas atual no mundo resulta necessária ou
inevitavelmente de um estado de coisas anterior que é a sua causa.

O que o determinismo afirma é que um acontecimento resulta de uma causa ou


conjunto de causas e que sempre que essa causa ou conjunto de causas ocorrer dará
inevitavelmente origem ao acontecimento. Esta é a crença por detrás da explicação
científica da natureza, uma vez que explicar cientificamente um acontecimento é
apresentar a causa ou o conjunto de causas que dão origem ao acontecimento e
mostrar como a relação entre essas causas — expressas sob a forma daquilo a que
chamamos leis da natureza — produz esse acontecimento.

2. O que é o livre-arbítrio?
O livre-arbítrio consiste em poder escolher entre várias ações possíveis . As ações resultantes
de escolhas livres não são inevitáveis. Há livre-arbítrio se pudermos agir de modo
diferente do que agimos, se tendo feito uma coisa poderíamos ter feito outra.

3. Em que consiste o problema do livre-arbítrio?

O problema do livre-arbítrio consiste em saber se é possível conciliar duas convicções


aparentemente incompatíveis: a de que temos livre-arbítrio e a de que tudo o que
acontece no mundo é determinado. O problema pode formular-se do seguinte modo:
o livre-arbítrio consiste em poder escolher entre várias ações possíveis. Mas, para
podermos escolher entre várias ações possíveis, é necessário que não esteja tudo
determinado, caso contrário poderíamos apenas fazer a ação que estivéssemos

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determinados para fazer (não só não haveria várias ações possíveis entre as quais
optar, como, mesmo que houvesse, não nos seria possível escolher entre elas).
Portanto, para que exista livre-arbítrio não pode haver determinismo.

É isto que está na origem do chamado problema do livre-arbítrio.

4. Por que razão o problema do livre-arbítrio é um problema importante do ponto de


vista prático?
O problema do livre-arbítrio tem importantes implicações práticas, a principal das
quais está relacionada com a responsabilidade moral. Tudo parece indicar que, se não
houver livre-arbítrio, então também não é possível responsabilizar moralmente um
agente pelas ações que pratica e, consequente, puni-lo ou recompensá-lo. Será
possível construir a vida social sem a ideia de responsabilidade moral? Se não houver
livre-arbítrio, não estará todo o nosso sistema penal errado? Não será que o criminoso,
de modo análogo à pessoa que sofre de asma e assim vê o seu organismo prejudicado,
não deve ser punido, mas sim tratado de modo a deixar de ser prejudicial à sociedade?

5. Em que consiste a responsabilidade moral?


A responsabilidade moral é a capacidade que um agente tem de responder pelos seus
atos, de reconhecer a sua autoria, assumindo as suas consequências e efeitos. Em
suma, não se demite de prestar contas pelo que faz e pelos resultados dos seus atos.
A responsabilidade designa a possibilidade de imputarmos uma ação a alguém que
consideramos ser seu autor, ter tido a última palavra na decisão que desencadeou a
ação.

6. Em que condições uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável por
uma ação? Em que condições atribuímos responsabilidade moral a um agente?
Uma pessoa pode ser considerada moralmente responsável por uma ação quando
podia não ter feito o que fez. Assim, se decido invadir o quintal do vizinho para me
apropriar de algumas laranjas apetitosas, posso ser responsabilizado porque podia não
ter feito o que fiz. Quando alguém me censura dizendo «Não devias ter feito o que
fizeste!» está precisamente a dizer-me que havia outra alternativa. Mas, se o que

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aconteceu se verificou em estado de sonambulismo, não posso ser responsabilizado
porque momentaneamente perdi o controlo dos meus atos e não podia não ter feito o
que fiz.

7. Que relação há entre agir livremente e ser moralmente responsabilizado pelo que
se faz?
A relação é esta: a) ser responsável implica ser livre. Não se pode responsabilizar uma
pessoa por uma ação se ela não agiu livremente. Que um agente seja responsabilizável
por uma ação implica que podia ter agido de modo diferente, não ter feito o que fez
ou que podia ter evitado fazer o que fez (fosse a ação boa ou má).
b) Ser livre implica ser responsável. Se alguém pratica livremente uma ação, então faz
algo que podia não ter feito. Se o fez nestas condições, é o autor da ação e por ela
pode responder. Se agiu livremente, não pode evitar ter de enfrentar e responder
pelas consequências dos seus atos. Se forem, boas pode ser elogiado. Se forem más,
pode ser censurado e mesmo sentir remorso.

II

TRÊS TEORIAS SOBRE O PROBLEMA DO LIVRE-ARBÍTRIO

1. Em termos gerais, há três teorias que respondem ao problema do livre-arbítrio.


Quais são?
As três teorias são: o determinismo radical, o libertismo e o determinismo moderado.
2. O que é o determinismo radical?
Chama-se determinismo radical ao ponto de vista segundo o qual só o determinismo é
verdadeiro. Para o determinista radical, a crença no determinismo significa acreditar
que é verdade que todo e qualquer acontecimento é o desfecho necessário de
acontecimentos anteriores. Daqui decorre que não há livre-arbítrio (todas as nossas
ações são determinadas pelos nossos genes e pelo meio no qual crescemos) e que,
assim sendo, não podemos ser responsabilizados pelas nossas ações.

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Em suma, o determinismo radical é a teoria que considera que, sendo verdade que
tudo o que acontece resulta necessariamente do que aconteceu antes, não há livre-
arbítrio nem possibilidade de responsabilizar alguém pelo que fez.
3. O que é o determinismo moderado?
É a teoria que defende que as nossas ações são livres, apesar de determinadas.

4. O que é o libertismo?
O libertismo é a teoria que considera que há ações que não são nem causalmente
determinadas nem produto do acaso, mas livres, e que, portanto, as pessoas são
responsáveis por essas ações. As ações do ser humano decorrem das suas deliberações
decisões e não de acontecimentos anteriores que escapem ao seu controlo.

O libertista pensa que, apesar das influências hereditárias e das influências do meio
(relativas ao modo como somos educados e criados), escolhemos livremente o que
fazemos. Não é o passado que decide por nós.

5. Acerca do problema do livre-arbítrio, fala-se de teorias incompatibilistas e


compatibilistas. O que significam estes conceitos?

Uma teoria é compatibilista quando admite que o determinismo é conciliável ou pode


coexistir com o livre-arbítrio e a responsabilidade moral.

Uma teoria é incompatibilista quando não admite a possibilidade de conciliar o


determinismo com o livre-arbítrio e a responsabilidade moral.

6. O determinismo radical é uma forma de incompatibilismo. Porquê?

O incompatibilismo defende que as crenças no livre-arbítrio e no determinismo não


são compatíveis, ou seja, não podem ser ambas verdadeiras. O determinismo radical
defende que só a crença no determinismo é verdadeira. Se liberdade e determinismo
fossem compatíveis, pensa o determinista radical, teríamos acerca de uma ação de
dizer que o agente podia não ter feito o que fez (caso em que seria livre) e que não
podia não ter feito o que fez, ou seja, tinha de fazer o que fez, a ação não poderia ter
sido diferente (caso em que não seria livre). Ora, isto é contraditório.

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7. O libertismo é uma forma de incompatibilismo. Porquê?

O incompatibilismo defende que as crenças no livre-arbítrio e no determinismo não


são compatíveis, ou seja, não podem ser ambas verdadeiras. O libertismo defende que
só a crença no livre-arbítrio é verdadeira. A crença no determinismo é falsa porque
este defende que tudo faz parte de um encadeamento causal, tese que o libertista
nega porque as nossas deliberações e decisões não são o resultado necessário de
acontecimentos anteriores. Há ações que têm como causa as nossas deliberações.
Deliberar implica que pudemos escolher agir de modo diferente.
Podendo ter sido outras, as nossas escolhas não são o resultado necessário e inevitável
de acontecimentos anteriores. Não são o desfecho de uma longa cadeia causal de
acontecimentos porque, ao escolher fazer A em vez de B, suspendo o domínio dos
acontecimentos anteriores sobre as minhas decisões e desencadeio por minha
vontade uma nova série de acontecimentos.

8. Das três teorias que referimos, somente o determinismo moderado é uma teoria
compatibilista. Justifique.

O determinismo moderado defende que são compatíveis as proposições «Um agente


praticou livremente a ação A» e «A ação praticada por esse agente tem uma causa e
deriva necessariamente dessa causa». Liberdade e determinismo são compatíveis,
para esta teoria.

9. Que distinção permite ao determinista moderado defender a compatibilidade


entre determinismo e liberdade?

Trata-se da distinção entre ação causalmente determinada e ação constrangida. Só


esta última não é livre.

10. Como é caraterizada a liberdade pelo determinista moderado?

O determinista moderado define a liberdade do seguinte modo: É livre a ação em


que o agente não é impedido por fatores externos de a realizar. Na ausência destes

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impedimentos, o agente pode fazer o que tem vontade de fazer. Um dos mais
famosos defensores do determinismo moderado foi David Hume. Hume chamou a
atenção para o facto de as pessoas tenderem a confundir causalidade – o facto de uma
ação ser causada – e coação ou constrangimento – o facto de uma ação ser compelida.
Assim, há uma grande diferença entre estas duas ações: Fazer algo porque quero fazê-
lo e fazer algo porque alguém me aponta uma arma à cabeça e me obriga a fazê-lo. No
primeiro caso, a ação é causada e, no segundo caso, a ação é compelida ou
constrangida. O oposto da liberdade é a coação e não a causalidade. Ser livre, para
David Hume, significa ser livre de coação.

11. Para o determinista moderado, uma ação livre é causada. É causada pelo quê?
É causada pelas suas crenças e desejos, isto é, pela sua personalidade.

12. Por que razão para o determinista moderado é importante que a ação do agente
seja causada ou determinada pelas suas crenças e desejos?

Se as ações não fossem causadas pelas nossas crenças e desejos, não poderíamos ser
responsabilizados pelas nossas ações. Não seriam as nossas ações.

13. Esclareça através de um exemplo o que é agir livremente para um determinista


moderado.

Para os deterministas moderados, uma ação é livre desde que o sujeito, caso o tivesse
desejado, tivesse agido de outra forma. Imagine, por exemplo, que tem amanhã um
teste da disciplina de Filosofia para o qual está a estudar afincadamente porque
acredita que assim terá boa nota. Uma vez que a sua ação resulta dos seus desejos e
crenças e não lhe foi imposta (por exemplo, pelos seus pais, devido a maus resultados
em testes anteriores), ela é uma ação livre. Mas, se a sua ação de estudar resultasse de
uma imposição paterna que não lhe deixasse qualquer alternativa, então ela não era
uma ação livre. Repare que em ambos os casos a sua ação tem causas. Contudo, no
primeiro caso as causas são os seus próprios desejos e crenças, ao passo que no
segundo caso as causas são os desejos e crenças dos seus pais. É essa diferença que faz

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com que num caso a ação seja livre e no outro não. No primeiro caso, a sua ação é livre
porque está sob o controlo das suas crenças e desejos e, se tivesse tido outros desejos,
poderia ter escolhido e realizado uma ação diferente. No segundo caso, de nada lhe
valeria ter outros desejos e crenças porque não poderia agir de acordo com eles.

14. Esclareça, através de exemplos, que fatores podem impedir o agente de fazer o
que tem vontade de fazer.

Sirvam estes dois exemplos: quero beber água, mas estou no deserto e não há água
disponível; quero viajar, mas não tenho dinheiro.

15. Segundo o determinismo moderado, para que uma ação seja livre ela, tem de ser
causada de uma certa maneira. O que significa esta afirmação?

Esta afirmação significa que a distinção entre ações livres e não livres implica a
distinção entre causalidade interna e causalidade externa.

Assim:

a) Ações, escolhas e decisões cuja causa imediata é um estado de coisas interno


(desejos e crenças do agente e também a sua personalidade) são livres.

b) Ações, escolhas e decisões cuja causa imediata é um estado de coisas externo não
são livres.

16. O sentido comum de liberdade consiste em dizer que agir livremente é, não só
fazer o que queremos fazer, como também poder não ter feito o que se fez, ou seja,
a ausência de coação é acompanhada por outra condição que é o agente possuir
alternativas reais de ação. Será que o determinismo moderado salvaguarda esta
ideia de liberdade?

Parece que sim e parece que não. Vejamos: Um agente dispõe de alternativas reais se
a sua ação pudesse ter sido diferente da que realizou. Assim, ajo livremente se,
escolhendo comer um bolo, pudesse não o ter feito e, eventualmente, tivesse
escolhido uma peça de fruta. Vejamos como o determinista moderado explica a

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mesma ação. Comi uma peça de fruta e agi livremente porque o fiz de acordo com as
minhas crenças – fruta é mais saudável, assim me ensinaram – e os meus desejos –
quero ser saudável. O que significa dizer que podia ter agido de modo diferente e
comer o bolo em vez da fruta? Que os meus desejos e crenças teriam de ser
diferentes. Por outras palavras, teria de ser uma pessoa diferente do que sou, de ter
outra personalidade (esta é constituída pelas nossas crenças e desejos). Mas, se somos
deterministas, mesmo moderados, temos de reconhecer que não temos controlo
sobre o passado, que somos o resultado necessário da educação e criação que
tivemos. Não podemos ser uma pessoa diferente da que somos.

Assim, o determinismo moderado não salvaguarda a ideia comum de liberdade e por


isso tem problemas em explicar como podemos responsabilizar alguém pelas suas
ações.

17. Qual é uma das principais críticas de que o determinismo moderado é alvo?
Uma crítica que se faz ao determinismo moderado é a de não explicar o
comportamento compulsivo. Quando alguém age compulsivamente, age de acordo
com os seus próprios desejos e crenças. Contudo, dificilmente se pode dizer que quem
o faz é livre. É o caso do cleptómano. Parece também difícil acreditar que uma pessoa
que, por exemplo, seja uma compradora ou jogadora compulsiva e que, por causa
disso, contraia muitas dívidas e destrua o casamento, seja livre. No entanto, ela, ao
agir compulsivamente, respeita completamente o critério do determinismo moderado,
segundo o qual uma ação é livre se resultar dos desejos e crenças da pessoa que a
realiza.

18. Que outra crítica podemos dirigir a quem defende o determinismo moderado?

Segundo o determinismo moderado, somos livres quando não somos impedidos de


fazer o que desejamos. As nossas crenças e desejos constituem a nossa personalidade.
Ora, a nossa personalidade está determinada pelo nosso passado, ou seja, pela
educação e pelo meio em que fomos criados. Não será isso uma forma de
constrangimento, uma vez que não controlamos o passado? Não será que somos
constrangidos pelo que nos aconteceu e julgamos que agimos livremente porque não

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temos consciência das influências que nos formaram e determinaram a nossa maneira
de ser?

19. Qual é a principal crítica que se faz ao determinismo radical?

A principal crítica é esta: Se não somos responsabilizáveis pelo que fazemos – porque
não podemos agir de modo diferente –, então:
1. Como condenar e ilibar alguém?
2. Como elogiar e censurar?
3. Como dizer a alguém que não devia ter feito o que fez?
4. Como explicar sentimentos de remorso, de arrependimento e de culpa?

Muitos críticos do determinismo radical pensam que não é possível construir a vida
social sem a ideia de responsabilidade moral.
Por outro lado, os nossos juízos morais perderão qualquer fundamento. Se o
determinismo implica a negação da liberdade e da responsabilidade, se é verdade
afirmar que as nossas ações são o resultado de causas que de modo algum podemos
controlar, que diferença moral há entre um criminoso como Hitler e Nelson Mandela?
Faz sentido condenar Hitler e admirar Nelson Mandela?

20. Qual é a principal crítica que se faz ao libertismo?

Segundo o determinismo moderado, a minha ação é livre se for causada por desejos
ou crenças – estados internos − que são meus. Segundo o libertismo, a minha ação é
livre se for causada por mim e não por um dos meus estados internos.

O que é este eu que através das suas deliberações é, segundo os libertistas, a causa de
certas ações? Uma entidade física? Então não escapa ao determinismo universal, ao
encadeamento causal necessário que rege todas as coisas físicas. Uma entidade não
física? Mas as ações são atos físicos, acontecem num dado momento e lugar.
Será que este eu é uma entidade puramente mental? Mas como é que uma causa
puramente mental pode produzir efeitos físicos? Se é a mente que causa as nossas

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ações, será que é possível que ela exista independentemente do cérebro, que é
obviamente uma realidade física?
Este contra-argumento parece condenar os libertistas a reconhecerem o seguinte: que
as ações de uma pessoa só são livres se não tiverem nenhuma causa, nem mesmo as
suas próprias crenças e desejos. Ora, deste modo, o libertismo transforma-se numa
espécie de indeterminismo, algo que os libertistas sempre rejeitaram.

QUADRO ESQUEMÁTICO 1

Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre-arbítrio?

A resposta do determinismo radical

Crença no determinismo Crença no livre-arbítrio Crença na responsabilidade


moral

Verdadeira Falsa Falsa

1. Todos os acontecimentos, sem exceção, Se todas as ações são o Se não há ações livres, não
são causalmente determinados por desfecho inevitável de podemos ser responsabilizados
acontecimentos anteriores causas anteriores, não há pelo que fazemos.
ações livres.
2. As escolhas e ações humanas são
acontecimentos.
3. Logo,todas as escolhas e ações
humanas são causalmente determinadas
por acontecimentos anteriores.

O determinismo radical é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença no determinismo.


Todos os acontecimentos são o resultado inevitável de causas anteriores.

QUADRO ESQUEMÁTICO 2

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Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre-arbítrio?

A resposta do libertismo

Crença no determinismo
Crença no livre-arbítrio Crença na responsabilidade moral

Falsa Verdadeira Verdadeira

1. Nem todos os Se nem todos os acontecimentos Se há ações livres, então podemos


acontecimentos são são o desfecho inevitável de causas ser responsabilizados pelo que
causalmente determinados por anteriores, então há ações livres. fazemos.
acontecimentos anteriores.

2. As ações humanas são


acontecimentos.

3. Logo, há ações humanas


desligadas do encadeamento
causal e que dão origem a uma
nova série de acontecimentos.

O libertismo é a teoria que só reconhece como verdadeira a crença no livre-arbítrio porque não aceita o
determinismo universal – que todo o acontecimento seja o resultado necessário e inevitável de causas
anteriores.

QUADRO ESQUEMÁTICO 3

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Problema: Qual das crenças é verdadeira, o determinismo ou o livre-arbítrio?

A resposta do determinismo moderado

Crença no determinismo Crença no livre-arbítrio Crença na responsabilidade


moral

Verdadeira Verdadeira Verdadeira


1. Todos os acontecimentos, sem 1. Todas as ações são determinadas Se há ações livres, podemos
exceção, são causalmente por causas anteriores. ser responsabilizados pelo
determinados por acontecimentos 2. As ações cujas causas são forças que fazemos.
anteriores externas ao sujeito que age são
2. As escolhas e ações humanas são ações compelidas ou constrangidas.
acontecimentos. 3. Há ações cujas causas são estados
3. Logo, todas as escolhas e ações internos do sujeito (crenças e
humanas são causalmente desejos).
determinadas por acontecimentos 4. Ações que não derivam da força
anteriores. de fatores externos são ações livres.
5. Há ações unicamente causadas
por desejos, motivos, crenças ou
outros estados internos do sujeito
que age.
6. Logo, há ações livres

O determinismo moderado é a teoria que reconhece como verdadeiras as crenças no determinismo e no


livre-arbítrio.

UNIDADE 3

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OS VALORES: ANÁLISE E COMPREENSÃO DA EXPERIÊNCIA VALORATIVA
CAPÍTULO 1 – VALORES E VALORAÇÃO: A QUESTÃO DOS CRITÉRIOS
VALORATIVOS.

1. O que são os valores?


Os valores são termos que usamos para atribuir muita, pouca ou nenhuma importância
às coisas que avaliamos. As coisas que avaliamos – acerca das quais emitimos juízos de
valor – podem ser objetos, pessoas e atos. Os valores são padrões ou referências em
função das quais julgamos as coisas. Os valores exprimem aquilo que julgamos que é
importante e significativo na nossa vida.

2. Há diversas espécies de valores?


Sim. Há valores religiosos (sagrado, profano), valores estéticos (belo, feio, sublime,
dotado de harmonia), valores éticos (bem, mal, justiça, igualdade), valores monetários
e utilitários, entre outros. Utilizamos a palavra valor em diversas situações e com
diferentes sentidos.

3. Damos o mesmo valor a todas as coisas?


Não. Além de diversos, os valores são hierarquizados, ou seja, uns são considerados
mais importantes do que outros. Toda e qualquer pessoa dá mais importância a
determinados valores em relação a outros, estabelecendo-se assim uma espécie de
hierarquia de valores. Os valores a que cada pessoa confere mais importância vão
refletir-se nas suas ações e decisões, vão de certa forma organizar e orientar toda a sua
conduta. Os valores podem, por sua vez, ser agrupados em vários tipos. Assim, e
destacando apenas os principais tipos, podemos falar em valores religiosos, estéticos,
éticos (sendo provavelmente estes três domínios aqueles que enquadram os valores
mais importantes), políticos, teoréticos (da ordem do conhecimento), sensíveis (da
ordem do prazer e satisfação), vitais e económicos.

4. Qual o valor que costumamos considerar mais importante?

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Habitualmente, o valor que consideramos mais valioso é o valor da vida humana.

5. Qual a disciplina que estuda a natureza dos valores?

A disciplina que estuda a natureza dos valores é a axiologia ou teoria dos valores.

Coloca questões como: O que é um valor? Onde e como existe? Será apenas o
resultado das avaliações que fazemos das coisas? Para muitos pensadores, os valores
não são coisas que existam fora da nossa mente, mas algo que apenas existe para um
sujeito que avalia as coisas. Para outros, os valores têm uma existência própria,
independente do sujeito.

Pense no seguinte caso: Muitas pessoas julgam determinadas coisas belas, enquanto
outras discordam. Então o que fazemos quando dizemos que algo é belo ou feio,
magnífico ou vulgar? Estamos somente a declarar o que sentimos (prazer ou
desprazer) quando contemplamos um objeto ou estamos a referir algo que são
propriedades do próprio objeto, que são independentes do que sentimos? No primeiro
caso, estamos perante uma tese ou posição filosófica denominada subjetivismo
estético. No segundo caso, a posição que adotamos é conhecida por objetivismo
estético.
Para os defensores do subjetivismo estético, um objeto é belo ou feio em virtude de
sentirmos prazer ou desprazer ao observá-lo. A beleza ou fealdade dependem, não das
propriedades intrínsecas do objeto, mas dos sentimentos que em nós provoca e
desperta.
Para os partidários do objetivismo estético, dizer «A catedral de Milão é bela» é muito
diferente de dizer «Gosto da catedral de Milão». Os juízos estéticos não são, para o
objetivista, simples juízos de gosto. A beleza ou a fealdade está nos próprios objetos. É
devido a determinadas propriedades intrínsecas que um objeto é considerado belo ou
feio.

6. Que relação existe entre valores e ações?

19
Os valores são os critérios das nossas preferências (são os motivos fundamentais das
nossas decisões). Ao tomarmos decisões, agimos segundo valores que constituem o
fundamento, a razão de ser ou o porquê (critério) de tais decisões.
A atitude valorativa é uma constante da nossa existência: em nome da amizade,
preferimos controlar e orientar noutra direção uma atração física pela namorada ou
mulher do nosso amigo; em nome do amor, preferimos desafiar as convenções sociais
em vez de perder a oportunidade de sermos felizes; por uma questão de saúde,
preferimos o exercício físico, a dieta e o fim do consumo de tabaco aos hábitos
prejudiciais até então seguidos; em nome da liberdade, preferimos combater, lutar e
correr riscos a aceitar um estado de coisas que, apesar de tudo, satisfaz os interesses
económicos da família a que pertencemos; por solidariedade, preferimos auxiliar os
famintos e os doentes na Somália a permanecer em Lisboa dando consultas; por
paixão pela música, decidimos interromper um curso que não corresponde à nossa
vocação profunda; em nome de Deus, renunciamos a certas «ligações terrenas», etc.

QUADRO ESQUEMÁTICO 1

AÇÕES VALORES EM QUE SE BASEIAM


1 – Parar quando o semáforo está vermelho. Civismo
2 – Consultar regularmente o médico. Saúde
3 – Cumprir o que se prometeu. Honradez
4 – Participar numa manifestação contra a repressão Solidariedade
em Timor.
5 – Assumir e cumprir as obrigações inerentes a Responsabilidade
determinada função.
6 – Defender as suas convicções de forma racional em Coragem
ambiente hostil e opressivo.
7 – Vestir «roupas de marca» combinando bem as
Elegância
cores.

Os valores são ideias que influenciam as nossas decisões e ações, as nossas escolhas e
preferências. À razão que justifica a decisão de agirmos de um modo e não de outro

20
damos o nome de motivo. Quando justificamos as nossas ações e decisões – quando
indicamos o porquê ou a razão de ser –, estamos sempre a referir-nos a valores.
Agimos sempre segundo valores que constituem o fundamento, a razão de ser ou o
porquê (critério) das nossas ações.

7. O que são valores relativos?

Os valores relativos são valores que só valem para algumas pessoas ou apenas numa
determinada época.

8. O que são valores absolutos?

Os valores absolutos são valores que valem independentemente de todas as pessoas e


de qualquer época.

9. O que significa dizer que uma coisa tem valor intrínseco?

Uma realidade tem valor intrínseco quando tem valor em si. O seu valor não depende
do que com ela se pode conseguir, não é um meio para um fim, a origem do seu valor
está em si e não em algo externo. Assim, julga-se que o dinheiro não tem valor em si
porque o seu valor depende do que com ele podemos conseguir, e que o amor pelos
filhos, por exemplo, tem valor em si, não depende de outros fatores.

10. O que significa dizer que uma coisa tem valor extrínseco?

Uma coisa tem valor extrínseco quando apenas tem valor instrumental, quando se lhe
reconhece valor por ser útil ou por ser um meio para algo que é valioso. Uma coisa,
ação ou objeto têm valor instrumental quando valem como meios para atingir certo
fim. Tem valor intrínseco se e só se for valiosa em si mesma. O dinheiro tem
claramente valor instrumental ou extrínseco. Considera-se que um ser humano, por ser
uma pessoa e ter dignidade, é um fim em si, tem valor intrínseco independentemente
do seu estatuto económico, da nacionalidade, etnia e género.

11. O que são valores objetivos?

21
Os valores objetivos são valores que se referem à realidade tal como ela é e não ao
modo como o sujeito a interpreta ou vê. Não dependem da opinião ou ponto de vista
de cada pessoa.

12. O que são juízos de fato?

Os juízos de facto são juízos sobre o modo como as coisas são. Descrevem um estado
de coisas ou uma situação podendo essa descrição corresponder ou não à realidade, ou
seja, ser verdadeira ou falsa. São juízos totalmente descritivos, que têm valor de
verdade (podem ser verdadeiros ou falsos). A sua verdade ou falsidade depende de
como a realidade é e não da opinião ou ponto de vista de cada pessoa: são, portanto,
objetivos. Ex.: O gato é um mamífero que mia.

13. O que são juízos de valor?

Os juízos de valor são juízos sobre que coisas são boas ou agradáveis e sobre como
devemos agir. Os juízos de valor atribuem um valor a um certo estado de coisas – valor
esse que pode ser positivo ou negativo. Ex.: «Este quadro é belo» – valor positivo – ou
«Este quadro é horrível» – juízo negativo.

22
QUADRO ESQUEMÁTICO 2

A FORMA HABITUAL DE DISTINGUIR JUÍZOS DE FACTO DE JUÍZOS DE VALOR

Juízos de facto Juízos de valor

Descrevem a realidade ou Avaliam determinados acontecimentos,


informam-nos acerca de factos, coisas e ações.
coisas, acontecimentos ou ações.
Durante a Segunda Guerra Mundial A morte de seis milhões de judeus nas
seis milhões de judeus morreram mãos dos nazistas foi um ato criminoso
nos campos de concentração e horrendo.
nazistas.
Os juízos de facto são verdadeiros O juízo de valor refere-se, de forma
ou falsos, isto é, referem-se aos explícita ou implícita, a valores ou
factos, podendo ser negados ou princípios fundamentais nos quais nos
confirmados pela experiência. baseamos para produzir uma avaliação.
Não se tem a certeza sobre o A morte de seis milhões de judeus foi
número de judeus que morreram um ato criminoso porque (justificação
nos campos de concentração nazis. do juízo) o respeito pela vida e digni-
Só se sabe que o número de vítimas dade do homem é valioso.
mortais foi elevado.
Os juízos de facto são descritivos ou Os juízos de valor são normativos ou
informativos: não prescrevem ou prescritivos.
proíbem o que deve ou não fazer- Ao julgar-se que a morte de seis
se. milhões de judeus foi um ato criminoso
dos nazis, considera-se que esse ato não
devia ter sido cometido. O respeito pelo
valor da vida e da dignidade humanas
traduz-se na norma «Não matarás»,
que, neste caso, foi infringida.

23
14. Distinga os seguintes juízos: a) «A pena de morte é aplicada na Arábia Saudita» e
b) «A pena de morte é injusta».
O juízo a) é apenas descritivo: limita-se a dizer como é que as coisas são na Arábia
Saudita no que respeita à pena de morte. Não avalia nada.
O juízo b) não é apenas descritivo porque faz uma avaliação. O que significa dizer que a
pena de morte é injusta? Significa dizer que a pena de morte não deveria existir.
Assim, este juízo diz-nos, não somente como as coisas são, mas como deveriam ser.
Ora, ao dizermos como as coisas deveriam ser, estamos a usar um critério para fazer a
nossa avaliação. Neste caso, o critério valorativo é a justiça. Quando há avaliação, têm
de existir critérios.

15. A distinção juízos de facto/juízos de valor é consensual?


Não, porque há filósofos que a contestam argumentando em defesa da ideia de que
todos os juízos são juízos de facto.

16. O que são critérios valorativos?

Os critérios valorativos são as justificações em que nos apoiamos para determinar que
coisas – ações, pessoas, locais, objetos – têm valor ou importância. Assim, valorizamos
uma ação honesta porque damos importância à honestidade, porque a consideramos
um elemento importante que deve estar presente nas relações humanas.

17. Em que consiste a questão dos critérios valorativos?

Um juízo de valor é um ato mediante o qual formulamos uma proposição que avalia
certos aspetos da realidade, não se limitando a descrever como as coisas são.

Uma vez que, ao avaliarmos as coisas, utilizamos critérios ou razões que se baseiam em
valores (ao dizer «A pena de morte é injusta» julgo como a realidade devia ser
baseando-me num valor, em algo que valorizo e a que dou importância: o valor da
justiça), a questão dos critérios valorativos pode traduzir-se assim: «Será que existem

24
valores objetivamente verdadeiros? Ou será que a sua verdade depende daquilo que
um indivíduo ou uma sociedade consideram verdadeiro?».

Este problema surge porque nos apercebemos de que há pessoas e culturas com
valores muito diferentes dos nossos, que preferem aquilo que nós rejeitamos ou que
valorizam aquilo que temos dificuldade em considerar importante. Muitas pessoas
julgam que os valores são uma questão de gosto pessoal, ou que variam de cultura
para cultura. Em ambos os casos, não têm qualquer objetividade.

Trata-se do problema da verdade e da objetividade dos juízos de valor. Como os


juízos morais são os que mais importância têm na vida humana, a questão pode
enunciar-se desta dupla forma:
a) Os juízos morais têm valor de verdade?
b) Se têm valor de verdade, essa verdade é objetiva, ou seja, não depende dos
gostos dos indivíduos ou do modo de pensar da sociedade em que vivem?

18. O que significa dizer que as normas morais são objetivamente verdadeiras?
Significa dizer que os juízos morais que as exprimem são objetivamente verdadeiros,
ou seja, não dependem do ponto de vista do observador. Se uma pessoa disser que a
pena de morte é injusta e outra disser que a pena de morte é justa, uma delas está
obrigatoriamente errada. Uma norma moral objetivamente verdadeira acerca da pena
de morte não pode ser ao mesmo tempo justa e injusta. Seria semelhante a juízos de
facto do género «A Lua é um satélite da Terra» e «A Lua não é um satélite da Terra».
A questão consiste em saber se há normas morais objetivamente verdadeiras. Nas
teorias que vamos estudar sobre este problema, encontraremos vários tipos de
respostas: umas negam que os juízos morais que exprimem essas normas sejam
objetivos, mas reconhecem-lhes valor de verdade; outras reconhecem que são
objetivos e têm valor de verdade.

19. Acerca da natureza dos valores, o que distingue a posição relativista da posição
objetivista?
O objetivismo defende que os valores são propriedades, qualidades das próprias
coisas, pessoas, objetos, situações e instituições, embora sejam propriedades difíceis

25
de conhecer porque não existem num sentido físico. Nesta perspetiva, os juízos de
valor são uma espécie de juízos de facto com a diferença de que sobre o seu conteúdo
ainda não obtivemos qualquer certeza. Isso não impede que haja verdades morais
universais e objetivas. Nós é que, provavelmente por causa das nossas limitações,
ainda não os descobrimos.
Para o relativismo, os valores não são propriedades, qualidades, das próprias coisas,
pessoas, objetos, situações e instituições. São simplesmente ideias ou crenças que
existem na mente dos seres humanos e dependem do modo como sentimos e somos
educados pelo meio em que nascemos e vivemos.

20. Caraterize o subjetivismo moral.

O que é moralmente correto? O que a sociedade considera ser moralmente certo? Ou


será o que eu acredito ser moralmente correto? Ou nem uma coisa nem outra?

O subjetivismo moral responde que é moralmente verdadeiro o que cada indivíduo


sente que é verdade. O subjetivismo moral ou relativismo individual afirma que há
juízos morais verdadeiros, mas nega que essa verdade seja objetiva. A cada um a sua
verdade. Os juízos morais traduzem sentimentos de aprovação e de reprovação. Se
genuinamente uma pessoa sente que uma determinada ação é correta, se a ação está
de acordo com o que ela sente ser correto, então o juízo moral que sobre ela faz é
verdadeiro. Moralmente verdadeiro é o que depende dos meus sentimentos. Cada
indivíduo tem um código moral próprio que lhe permite distinguir por si o certo do
errado sem precisar de consultar os outros ou submeter-se ao que a maioria das
pessoas pensa sobre o assunto.

21. Como defenderia o subjetivista moral a sua posição?

Podemos imaginar o seguinte discurso: «Ninguém pode e deve dar lições de moral a
ninguém. A cada qual a sua verdade, e assim deve ser. Há desacordo entre os seres
humanos acerca de questões morais. Ninguém tem o direito de julgar no lugar dos
outros o que é certo e errado. Cada um de nós, baseado nos seus sentimentos e
gostos, é capaz de distinguir o certo do errado. Ninguém é melhor do que os outros em

26
assuntos morais. Porque hei de deixar que os outros me digam e queiram impor a sua
perspetiva? Não devemos julgar os outros. Por que razão tenho de seguir o que os
outros dizem se eles não se entendem? Cada um deve ter a liberdade e a autonomia
para decidir o que é moralmente correto ou incorreto. Cada um de nós decide por si o
seu estilo de vida e os valores que estão corretos. Quem desafia os valores
estabelecidos está a agir corretamente, desde que esteja a ser fiel aos seus
sentimentos».

22. Para os subjetivistas, há verdades morais, mas cada um pode ter a sua, e
nenhuma é melhor do que qualquer outra. Explicite esta afirmação.

Admitindo que os subjetivistas têm razão, uma pessoa que diga «A pena de morte é
injusta» está a exprimir um sentimento, ou seja, a dizer «Não gosto que a pena de
morte seja aplicada». Unicamente descreve um sentimento, neste caso negativo,
acerca da pena de morte. Qual é a condição para que este juízo moral seja verdadeiro?
Que os seus sentimentos sejam sinceros. Se, contudo, outra pessoa disser de forma
sincera que sente que a pena de morte é justa, também estaria a dizer a verdade.
Portanto, sentimentos negativos e positivos, aprovação e desaprovação da pena de
morte, dão origem a juízos morais que são ambos verdadeiros. Para os subjetivistas
morais, há verdades morais, mas cada um pode legitimamente ter a sua, e nenhuma é
melhor do que qualquer outra, desde que se exprimam sentimentos sinceros. Tudo
depende do ponto de vista. Ninguém está objetivamente certo ou objetivamente
errado no que respeita a valores morais – e a outros valores.

23. Quais são as objeções mais frequentemente dirigidas ao subjetivismo ético?


Podemos destacar duas:

a) O subjetivismo moral torna inviável a discussão de questões morais.


O subjetivismo moral parece sugerir que não podemos dizer que as opiniões e juízos
morais dos outros estão errados. Se as verdades morais dependem dos sentimentos de
aprovação ou de desaprovação de cada indivíduo, basta que os nossos juízos morais
estejam de acordo com os nossos sentimentos para serem verdadeiros. Um genuíno

27
debate moral em que cada interlocutor tente convencer o outro das suas razões
acerca de algo em que acredita perde qualquer sentido. Para o subjetivista, será
mesmo sinal de intolerância.

b) O subjetivismo ético acredita que não há juízos morais objetivos porque os


assuntos morais são objeto de discórdia generalizada, mas isso não prova que não
haja uma resposta correta ou verdades objetivas.

Será que o facto de as pessoas discordarem acerca da existência de Deus prova que
não há uma resposta à questão Será que Deus existe? Durante muito tempo as pessoas
pensaram que as doenças eram causadas por demónios. Sabemos hoje em dia que na
maioria dos casos são causadas por microrganismos como bactérias e vírus.

c) O facto de as pessoas terem crenças opostas acerca de questões morais não prova
que essas crenças sejam ambas verdadeiras.
Se dois indivíduos não estão de acordo acerca de um dado assunto, então têm ambos
razão, ou seja, as suas crenças são ambas verdadeiras. Mas e se as duas crenças se
negam uma à outra, se contradizem? Duas crenças que se contradizem não podem ser
ambas verdadeiras.

24. Imagine dois discursos: a) «Hugo: É moralmente errado matar animais para os
comermos além de desnecessário» e b) «Marco: É moralmente correto matar
animais para os comermos». Qual deles tem razão para o subjetivismo moral?

Segundo o subjetivismo, ambos os juízos morais são verdadeiros porque cada um está
em conformidade com os princípios em que cada um dos indivíduos acredita. Uma vez
que João aceita o princípio de que matar animais para os comer não é incorreto, o seu
juízo é verdadeiro para ele. Como Miguel tem como princípio moral pessoal que é
errado matar animais para esse fim, o seu juízo também é verdadeiro. Para o
subjetivismo moral, não tem sentido perguntar quem está errado acerca da correção
ou incorreção moral de matar animais para os comer, desde que os juízos sejam
expressão de sentimentos sinceros.

28
25. «Matar é errado», «Roubar é incorreto» e «Mentir é imoral». Será que estes
juízos são verdadeiros? Será que são objetivos e universais? «Há verdade e falsidade
em assuntos morais?», «Faz sentido dizer que uma crença moral é correta e que
outra é errada?». Qual é a resposta que o relativismo cultural dá a estas perguntas?

O relativismo cultural afirma que aqueles juízos são verdadeiros, mas não em todo o
lado e para todas as pessoas. A verdade dos juízos morais depende do que cada
sociedade aprova, ou seja, as afirmações morais só são verdadeiras ou falsas em
determinadas culturas. Moralmente correto é aquilo que a maioria das pessoas de
uma sociedade considera correto. Não existe nenhum critério objetivo e universal para
determinar quem tem razão. Um juízo moral é falso quando os membros – a maioria –
de uma sociedade o consideram falso e verdadeiro quando o consideram verdadeiro.
Assim, afirmar que «Matar é errado» significa dizer «A sociedade X considera que
matar é moralmente incorreto». Afirmar que «Matar é moralmente correto» significa
dizer «A sociedade X considera que matar é moralmente correto».

26. Qual é o argumento central em que o relativismo moral se baseia?

O argumento pode ser exposto do seguinte modo:

Premissa 1 – O que é considerado moralmente correto ou incorreto varia de


sociedade para sociedade (diversas culturas dão diferentes respostas às mesmas
questões morais).
Premissa 2 – O que é moralmente correto ou incorreto depende do que cada
sociedade acredita ser moralmente correto ou incorreto.
Conclusão – Logo, não há nenhuma resposta objetivamente verdadeira a essas
questões (não há verdades morais universais).

Resumindo o argumento:

Premissa – Diversas culturas dão diferentes respostas às mesmas questões morais.

29
Conclusão – Logo, não há nenhuma resposta objetivamente verdadeira a essas
questões (não há verdades morais universais).

27. Este argumento é bom?

Não, porque não respeita uma condição necessária para ser bom: a validade. Trata-
se de um argumento inválido, como o prova a seguinte contra-argumento:

Premissa – Diversas culturas discordaram quanto à forma da Terra (umas pensaram


que era esférica, outras plana, outras esférica, mas um pouco achatada).

Conclusão – Não há nenhuma verdade objetiva acerca da forma da Terra.

A premissa é verdadeira, mas a conclusão é falsa (sabemos que a Terra é redonda).


Como de premissa verdadeira não se pode logicamente derivar conclusão falsa, este
argumento não é válido. Como o argumento do relativismo cultural tem a mesma
forma deste, temos de concluir que não é válido.

28. Será que relativismo cultural e ceticismo moral são a mesma coisa?

Não. Para o ceticismo moral nenhum juízo moral tem valor de verdade, ou seja, os
juízos morais não são nem verdadeiros nem falsos. Não há práticas moralmente
corretas ou incorretas. Ora, o relativismo cultural afirma que os juízos morais são
verdadeiros ou falsos conforme o que cada cultura julga ser verdadeiro ou falso.

29. Quais são as outras objeções mais frequentemente dirigidas ao relativismo


moral?

São as seguintes:

A) Há uma diferença significativa entre o que uma sociedade acredita ser


moralmente correto e algo ser moralmente correto.

30
O relativismo cultural transforma a diversidade de opiniões e de crenças morais em
ausência de verdades objetivas. Mas isso pode ser sinal de que há pessoas e
sociedades que estão erradas e não de que ninguém está errado. Se duas sociedades
têm diferentes crenças acerca de uma questão moral, o relativista conclui que então
ambas as crenças são verdadeiras. Os adversários do relativismo cultural objetam que
a conclusão não deriva necessariamente da premissa porque essa discórdia pode ser
sinal de que uma sociedade está certa e a outra errada.

B) O relativismo cultural reduz a verdade ao que a maioria julga ser verdadeiro.

Desde quando o que maioria pensa é verdadeiro e moralmente aceitável? Os nazis


acreditavam e fizeram com que a maioria dos alemães acreditasse que os judeus eram
sub-humanos e que exterminá-los era um favor que faziam à humanidade. Isso é
claramente falso.

C) O relativismo cultural parece convidar-nos ao conformismo moral, a seguir, em


nome da coesão social, as crenças dominantes.

Algumas pessoas ao longo da história quiseram e conseguiram mudar a nossa maneira


de pensar acerca de certos problemas morais. Estou a lembrar-me de quem combateu
a escravatura em nome dos ensinamentos de Cristo – embora os defensores da
escravatura dissessem que a Bíblia justificava o que faziam –, de quem lutou contra o
apartheid na África do Sul (Nelson Mandela) e contra a segregação racial nos EUA
(Martin Luther King). Essas pessoas fizeram bem à humanidade, combateram injustiças
e devemos-lhes grande progresso moral. Ora, o relativismo cultural parece implicar
que a ação dos reformadores morais é sempre incorreta.

D) O relativismo cultural torna incompreensível o progresso moral.

É verdade, ou pelo menos parece, que não há acordo entre os seres humanos sobre
muitas questões morais. Mas também é verdade que a humanidade tem realizado
progressos no plano moral. A abolição da escravatura, o reconhecimento dos direitos
das mulheres, a condenação e a luta contra a discriminação racial são exemplos. Falar
de progresso moral parece implicar que haja um padrão objetivo com o qual
confrontamos as nossas ações. Se esse padrão objetivo não existir, não temos

31
fundamento para dizer que em termos morais estamos melhor agora do que antes. No
passado, muitas sociedades praticaram a escravatura, mas atualmente quase
nenhuma a considera moralmente admissível. Muitos, e com razão, consideram esta
mudança de comportamento e de atitude um sinal de progresso moral. Mas, se para o
relativismo cultural nenhuma sociedade esteve ou está errada nas suas crenças e
práticas morais, torna-se difícil compreender a ideia de progresso moral.

E) O relativismo cultural torna impossível criticar os valores dominantes numa


cultura.

Como explicar as mudanças de perspetiva moral em relação a temas como os direitos


dos animais? Como denunciar e convencer a maioria dos membros que numa cultura
consideram a pena de morte justa de que ela afinal é injusta se justo é para o
relativismo cultural o que é socialmente aprovado pela maioria? Não compreenderiam
como alguém pode considerar esse castigo injusto, tal como um japonês não
compreenderia que o correto é comer de faca e garfo.

F) Torna incompreensível a noção de direitos humanos universais.

Estes direitos são próprios dos seres humanos por serem humanos e não por
pertencerem a esta ou aquela cultura. Esta ideia é, para o relativista, produzida por
uma cultura – neste caso, a ocidental, e por isso só pode valer no interior desta. Pode
haver direitos humanos, mas eles não são universais.

30. O que distingue o relativismo cultural do subjetivismo moral?

A cada cultura a sua verdade, defende o relativismo cultural. A cada indivíduo a sua
verdade, defende o subjetivismo moral. Contrariamente ao relativismo individual ou
subjetivismo moral, o relativismo cultural acerca de assuntos morais afirma que o
código moral de cada indivíduo se deve subordinar ao código moral da sociedade em
que vive e foi educado. Os juízos morais de cada indivíduo são verdadeiros se
estiverem em conformidade com o que a sociedade a que pertence considera
verdadeiro.

32
SÍNTESE
QUESTÕES O Relativismo Cultural O Objetivismo Moral O Subjetivismo
Moral

HÁ VERDADES MORAIS? Sim. Sim. Sim.

O relativismo cultural defende Há verdades morais que Mas essa verdade é


que cada cultura considera valem por si. puramente
verdadeiros certos juízos de subjetiva. Depende
valor morais. Há uma do modo como cada
diversidade de verdades pessoa vê ou sente
morais. as coisas.

HÁ VERDADES MORAIS Não. Sim. Não.


OBJETIVAS E UNIVERSAIS?
Uma proposição como «Matar Há verdades morais que No que respeita aos
é errado» é verdadeira para valem por si, são valores e práticas
certas sociedades e culturas e independentes do que morais, ninguém
falsa para outras. Em si cada cultura pensa e do está objetivamente
mesma, nenhuma proposição que cada indivíduo sente. certo ou
moral – nenhum juízo de valor No que respeita aos objetivamente
moral – é falsa ou verdadeira. valores e práticas morais, errado.
Verdadeiro ou correto é igual é errado pensar que
a aprovado ou valorizado pela ninguém está
maioria. objetivamente certo ou
objetivamente errado.
ALGUMA SOCIEDADE É Não. Não. Não.
PROPRIETÁRIA DA
Nenhuma sociedade ou Havendo verdades Cada pessoa
VERDADE EM ASSUNTOS
cultura tem legitimidade para objectivas, podemos responde às
MORAIS?
«dar lições de moral» a outra. considerar como certas ou questões morais

Cada uma define o que é certo erradas certas práticas baseado no seu
ou errado de forma autónoma morais de certas culturas código moral pessoal
e soberana. ou de indivíduos. A moral e não pode estar

33
é a mesma para todos e errado se for
não depende de crenças sincero. Não admite
culturais ou de que a moral seja a
sentimentos. mesma para todos. É
moralmente
incorreto que
alguém – outro
indivíduo ou uma
sociedade – tente
impor as suas
conceções morais
porque ninguém
possui a verdade
absoluta sobre estes
assuntos. Não há
princípios e normas
morais, a não ser os
que cada indivíduo
escolhe para si
mesmo.

34
CAPÍTULO 2

VALORES E CULTURA: DIVERSIDADE E DIÁLOGO ENTRE CULTURAS

1. Uma das razões pelas quais muitas pessoas são atraídas pelo relativismo cultural é
pensarem que este promove a tolerância e o respeito pelas formas de vida de outras
culturas. Será que isto é verdade?

Para o relativismo cultural, a verdade dos juízos morais depende do que cada
sociedade aprova, ou seja, as afirmações morais só são verdadeiras ou falsas em
determinadas culturas. Moralmente correto é aquilo que a maioria das pessoas de
uma sociedade considera correto. Por isso, nenhuma cultura tem o direito de dizer que
outra está moralmente errada e de tentar interferir numa certa forma de vida para a
tentar mudar. É errado que os membros de uma dada sociedade condenem o modo de
vida de outras sociedades. Cada sociedade deve tolerar as práticas de outras
sociedades.

Podemos colocar algumas objeções:

A) O relativismo acredita que o bem é tudo aquilo que cada sociedade aprova. Se a
maioria dos membros de uma sociedade aprovar a intolerância (por exemplo, por
motivos raciais como os nazis), nessa sociedade a intolerância é um bem. Se o
relativista pertencer a uma sociedade em que a maioria aprove a intolerância, cai em
contradição. Por um lado, o relativista dirá que uma das vantagens da sua teoria está
na promoção da tolerância entre as culturas. O relativista está, portanto, a defender
que a tolerância é um bem. Por outro lado, o relativista moral defende que tudo o que
a sua sociedade aprovar é um bem. Se a sua sociedade aprovar a intolerância, terá de
dizer que a intolerância é um bem. Isto é evidentemente contraditório.

B) Esta defesa da tolerância baseia-se num conceito universal de tolerância, numa


noção não relativista de tolerância. O relativista pensa assim: devemos respeitar
todos os juízos morais de todas as pessoas e sociedades ou culturas. O que admite

35
aqui? Que pelo menos este é um juízo universal e que há uma obrigação universal.
Mas isto contradiz a ideia relativista de que os juízos de valor são relativos, ou seja, de
que os juízos morais só são verdadeiros em determinadas culturas. O princípio tão caro
aos relativistas de que devemos ser tolerantes com todas as culturas não é um
princípio relativista.

2. Se considerar que o relativismo cultural é verdadeiro, terei alguma razão para


desobedecer a leis que o meu grupo cultural não aprova? Justifique a sua resposta.

Não parece possível ter razão. Segundo o relativismo cultural, é moralmente correto o
que uma sociedade acredita ser moralmente correto. Mas para muitos de nós esta
ideia é contraintuitiva. Se uma sociedade rejeita o direito das mulheres ao voto e a
igualdade de oportunidades no acesso a empregos, diremos que isso é moralmente
correto só porque é socialmente aprovado? As sociedades são moralmente infalíveis?
Então porque mudaram ao longo da história várias das suas convicções?

3. Não há práticas morais intoleráveis? O RMC é uma teoria adequada para defender
a tolerância e o diálogo entre culturas?

Na perspetiva relativista, basta uma sociedade instituir como «normal» um certo


conjunto de práticas para que tenhamos de as respeitar porque é intolerante e
ilegítimo julgar tradições e normas de comportamento que nos são culturalmente
estranhas. Se cada coletividade ou, melhor dizendo, se cada comunidade se define
pelos valores e normas que a identificam (que lhe são próprios) e não existem valores
e normas valiosos para toda a humanidade, como condenar certos atos que de um
ponto de vista humano são indesejáveis e inaceitáveis? Como defender os indivíduos
de sociedades diferentes da nossa da prepotência dos seus governos, da tortura? Se
condeno a excisão, praticada em vários países africanos e na Europa, aceitarei que me
digam que a minha indignação é sinal de intolerância e de incompreensão dos valores
de cada cultura?

36
UNIDADE 4
A DIMENSÃO ÉTICO-POLÍTICA DO AGIR
CAPÍTULO 1
INTENÇÃO ÉTICA E NORMA MORAL

1. O que são normas morais?


As normas morais são regras que pretendem regular as nossas ações, estabelecendo o
que é proibido e o que é permissível. Dizem-nos o que devemos e o que não devemos
fazer. Ajudar os necessitados, ser fiel aos seus compromissos, não matar, não mentir
são exemplos de normas morais. As normas morais podem expressar-se de várias
formas. Assim, a norma que condena o roubo pode enunciar-se destes modos: «Não
deves roubar!», «Não roubes!», «Roubar é errado», «Roubar não é moralmente
correto» e «As pessoas não devem roubar».

2. O que distingue as normas morais das normas jurídicas?


As normas morais pretendem regular a nossa consciência distinguindo o certo do
errado. As normas morais são impostas pela vontade a si própria. Nenhuma força ou
ameaça institucional as impõe.
Moral e direito: Normas morais e normas jurídicas

Normas morais Normas jurídicas

Pretendem regular a nossa consciência Não têm a pretensão de regular a nossa consciência,
distinguindo o certo do errado. pelo menos de uma forma direta.

As normas morais são impostas pela vontade a si As normas jurídicas são coativas, isto é, são
própria. Nenhuma força ou ameaça institucional acompanhadas pela ameaça de imposição de penas e
as impõe. punições de tipo físico e financeiro. São elaboradas,
instituídas e reforçadas pelo poder político, isto é, pelo
Estado.

37
A violação de certas normas morais é moralmente A violação de certas normas morais é moralmente
errada, mas não é legalmente errada. Ser infiel à errada e também legalmente errada. É o caso de matar,
namorada ou não ajudar pessoas necessitadas não roubar ou não cumprir determinados contratos. Mas
é objeto de punição pelos tribunais. uma coisa é experimentar sentimentos de culpa e outra
bem diferente é ser declarado culpado pelas
autoridades judiciais.

A transgressão das normas morais não é punida A sua transgressão é punida com multas ou prisão.
com multas ou prisão. Pode dar origem a
sentimentos de culpa, de remorso e a reprovação
social, mas não a castigos juridicamente
estabelecidos

A sua aceitação e cumprimento não são impostos A sua aceitação e cumprimento são impostos pelo
pelo Estado mas resultam de uma decisão Estado, apoiam-se no poder coercivo do Estado.
voluntária ou de adesão interior.

Posso não as cumprir se me parecerem injustas. Sou obrigado a cumpri-las, mesmo que me pareçam
injustas.

O reconhecimento de que há normas jurídicas injustas – caso de leis de segregação racial, de leis que
discriminam conforme o sexo ou a orientação sexual – e aplicações injustas da lei mostram que uma ação
não é moralmente correta só porque é legalmente admitida nem moralmente incorreta só porque é ilegal.

Que certas ações sejam ao mesmo tempo imorais e ilegais não implica, contudo, que a moral e o direito
sejam a mesma coisa.

3. Por que razão é importante a intenção ética?


A intenção ética é importante porque não basta a conformidade ou o acordo externo
com as normas morais. A avaliação da moralidade de uma ação exige mais do que a
verificação da sua conformidade externa com a norma moral. Uma coisa é não roubar
porque tenho receio de represálias – adesão exterior e não íntima ao que a norma
exige –, outra é não roubar porque considero isso errado e indigno. Por maior que seja

38
a pressão social, a moralidade é uma questão de consciência, a única autoridade
perante a qual tenho de responder.

Procure mostrar através de um exemplo por que razão a intenção é importante na


avaliação da moralidade das nossas ações.

Imagine que a sua tia está a conduzir o automóvel. Ao aproximar-se de uma passadeira
para peões numa descida muito inclinada, os travões do carro falham. Atravessa a
faixa para peões atropelando e ferindo gravemente duas pessoas. Imagine que um
bandido, fugindo da polícia, atravessa a faixa a alta velocidade vê dois peões e os
atropela e fere gravemente. As duas ações tiveram o mesmo resultado, mas diremos
que são iguais? É claro que não. A sua tia não atropelou e feriu intencionalmente os
transeuntes. Simplesmente houve uma falha mecânica e, mesmo que vá ter de pagar
os prejuízos causados, não diremos que agiu mal. Não cometeu nenhum crime.
Diferente é o caso do bandido. Viu os peões, mas, querendo fugir da polícia, não
hesitou em atropelá-los. A sua ação foi intencional e, apesar de o resultado ter sido
igual, todos diremos que a sua ação foi má. O seu comportamento foi criminoso.

5. Apenas conta o que se faz e o que resulta do que se faz? A intenção ou o motivo
da ação não é importante para avaliarmos o que uma pessoa faz?

Muitas pessoas pensam que é importante. Voltemos ao exemplo dado. A sua tia
poderia ser moralmente responsabilizada pelo que aconteceu? Provavelmente não.
Atravessar a faixa não foi algo que tenha feito com intenção, não podendo, portanto,
ser censurada pelas consequências (desagradáveis) da sua ação. Imagine que em vez
de serem atropelados, os peões conseguem correr e escapar do embate. Continuaria a
não fazer sentido responsabilizá-la por algo que não tinha a intenção de que
acontecesse. O facto de só podermos ser responsabilizados pelas ações que
praticamos com intenção é um argumento a favor de o valor moral das nossas ações
depender unicamente das nossas intenções.

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CAPÍTULO 2

A NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DA MORAL: ANÁLISE


COMPARATIVA DAS PERSPETIVAS DE KANT E DE MILL

INTRODUÇÃO

1. O que se entende por fundamentação da moral?


Por fundamentação da moral entende-se estabelecer um critério, uma base que
distinga uma ação boa ou moralmente correta de uma ação má ou moralmente
incorreta. A necessidade de fundamentar a moral é a necessidade de encontrar esse
critério, essa forma de distinguir o que é certo do que é moralmente errado.

O problema da fundamentação da moral costuma colocar-se mediante as seguintes


questões: Como distinguir o bem do mal? Como distinguir o moralmente correto do
moralmente incorreto? Em que consiste o valor moral de uma ação?

2. Quais são os critérios mais frequentemente apresentados?

Os dois critérios mais frequentemente apresentados são: a) intenção e b) as


consequências ou resultados da ação. São as respostas mais frequentes à questão
seguinte: «Em que consiste o valor moral de uma ação?».

As duas teorias que vamos estudar (a teoria deontológica de Kant e a teoria utilitarista
de Mill) distinguem-se pelo valor que atribuem a cada um dos critérios.

3. O que há de comum às duas teorias éticas que vamos estudar?

O que carateriza, em termos gerais, as teorias éticas de Kant e Mill é tentarem


esclarecer o critério (princípio fundamental) que torna possível determinar que
espécies de ações são corretas e que normas morais devem ser seguidas. Pensemos
no seguinte juízo: «Os vizinhos de A comportaram-se de forma moralmente errada
(não ajudaram uma pessoa inocente cuja sobrevivência dependia do socorro dos
vizinhos dado que fora apunhalada por um bandido)». Trata-se de um juízo moral
porque avalia a correção moral de um ato. Muito frequentemente, ajuizamos o valor
moral de um ato confrontando-o com uma determinada regra ou norma moral. Se o

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ato cumpre essa regra é correto, se não a cumpre é errado. Podemos supor que a
regra violada neste caso foi esta: «Devemos ajudar pessoas indefesas». Parece
simples: moralmente errado é o que não está de acordo com uma certa norma moral e
moralmente correto é o que a cumpre. Mas, se perguntássemos por que razão não
cumprir a referida regra foi errado, alguém poderia responder-nos: «Foi errado não
cumprir a regra porque as consequências foram más». O que fez quem nos respondeu
assim? Utilizou um critério mais geral do que qualquer das normas morais que
conhecemos e avaliou a ação referindo-se ao seguinte princípio ético: «São erradas as
ações que têm más consequências e certas as que têm boas consequências».

A maioria das pessoas, tenha ou não consciência explícita disso, baseia as suas
avaliações morais em teorias éticas. É frequente ouvir-se dizer que «As boas intenções
fazem as boas ações», que «A árvore se conhece pelos frutos» ou que «De boas
intenções está o inferno cheio».

4. Por que razão as teorias éticas são importantes?


As teorias éticas são importantes porque:
a) Procuram reduzir a diversidade das normas morais concretas a um princípio geral,
denominado fundamento, que nos diz como devemos agir.
b) Os princípios éticos são o critério para caraterizar ações particulares como certas
ou erradas, boas ou más.
Os princípios éticos costumam formular-se segundo o esquema «São erradas (ou
corretas) as ações do tipo X». Uma das teorias a analisar de seguida tem como
princípio fundamental que são errados os atos que não respeitam a humanidade de
cada pessoa. A outra teoria considera errados os atos que não promovem a maior
felicidade para o maior número de pessoas por eles afetadas. Assim, se mentir à minha
namorada para não ter de me encontrar com ela estiver na origem de mais infelicidade
do que felicidade global, essa ação será errada.
c) Os princípios éticos são o critério fundamental da correção moral das normas que
regulam os nossos atos.
Temos normas morais que proíbem o roubo, o assassínio, a mentira e a maleficência.
Os princípios éticos explicam em certa medida por que vivemos há tantos séculos com

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essas regras. Por que razão temos estas regras? Porque, dirá uma teoria ética, do
cumprimento de tais normas tem resultado, de um modo geral, boas consequências.
Outra teoria baseada num diferente princípio dirá que é uma exigência da nossa razão
e uma forma de consolidar e promover a nossa dignidade.
d) Precisamos de princípios éticos para decidir situações de conflito entre normas
morais.
Por vezes, entram em conflito regras como «Deves dizer a verdade» e «Não deves
causar sofrimento». Não podendo seguir ambas, temos de escolher qual a mais
importante. Um princípio ético pode ajudar-nos (embora nem sempre o consiga) a
decidir qual das normas tem prioridade. Estas situações mostram que a vida moral é
muito mais do que simplesmente seguir regras estabelecidas. É preciso pensar. Note
que quando a violação de uma regra é a coisa correta a fazer não estamos a abrir uma
exceção à regra. Acontece simplesmente que uma regra foi suplantada por outra de
importância prioritária.

A PERSPETIVA DEONTOLÓGICA DE KANT

1. Por que razão é a ética de Kant uma ética deontológica?

Considera-se que a ética kantiana é deontológica porque defende que o valor moral de
uma ação reside em si mesma – na sua intenção – e não nas suas consequências.
Em geral, uma teoria é deontológica se considera que agir moralmente consiste em
cumprir o dever pelo dever e que há deveres absolutos, ou seja, deveres que é
obrigatório cumprir independentemente das consequências.

2. Segundo Kant, uma ação pode ter boas consequências e não ter valor moral.
Porquê?

As consequências de uma ação não têm qualquer relevância para determinar o valor
moral dessa ação, quer essas consequências sejam boas ou más, uma vez que o valor
moral de uma ação é determinado pela intenção do agente. Uma ação com valor

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moral pode ter boas consequências, mas não são as boas consequências que a tornam
moralmente valiosa.

3. O que é agir por dever?

Agir por dever é fazer do cumprimento do dever a única razão de ser da minha ação.
Faço do cumprimento do dever um fim em si: é isso que quero e mais nada.

A intenção de cumprir o dever não se apoia em mais nenhuma outra. Não há


«segundas intenções». O cumprimento do dever é o único motivo em que a ação se
baseia.

Ex.: Não roubo quando podia fazê-lo e era conveniente.

Se cumpro o dever de não roubar por medo das consequências, não estou a agir por
dever. Se cumpro o dever de roubar porque considero que é sempre errado roubar,
então estou a agir por dever. Não roubo porque considero que assim é que deve ser,
isto é, porque esse ato é errado em si mesmo, por melhores que até possam ser as
consequências.
Agir por dever é cumprir o dever pelo dever.

4. Para Kant, basta cumprir o dever?


Não. O que importa é o modo ou a forma como cumprimos o dever. Por outras
palavras, a intenção ou o motivo que nos leva a fazer a coisa certa – não matar, não
roubar, não mentir – é que conta. É que podemos fazer a coisa certa por interesse ou
conveniência. Isso, para Kant, retira valor moral à ação. Quando o propósito do agente
é cumprir o dever pelo dever é que verdadeiramente agimos bem. Para que uma ação
seja correta, não basta cumprimos os nossos deveres, porque não é o que fazemos
mas a intenção com que o fazemos que determina se a nossa ação é moralmente
valiosa.

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5. Quando é que a intenção tem valor moral ou é boa?

Quando o propósito do agente é cumprir o dever pelo dever.

6. Kant distingue ações feitas por dever e ações em conformidade com o dever. O
que são ações conformes ao dever?

Ações conformes ao dever são ações que têm como única motivação o cumprimento
do dever, mas um interesse pessoal. São ações que cumprem o dever com a intenção
de evitar uma má consequência – perder dinheiro, reputação – ou porque daí resulta
uma boa consequência – a satisfação de um interesse. O comerciante que pratica
preços justos para criar boa reputação e aumentar a clientela cumpre o dever por
interesse, mas não cumpre o dever por dever.

7. Uma ação pode ser conforme ao dever e não ser por dever. Justifique.

O que determina se uma ação é realizada por dever ou em conformidade ao dever é a


sua intenção. Duas ações podem ter as mesmas consequências, mas só a que é
realizada com a intenção de cumprir o dever pelo dever é uma ação por dever.

8. O que são ações contrárias ao dever? Dê exemplos.

Ações contrárias ao dever são ações que violam o dever. Por exemplo, matar, roubar,
mentir.

9. Por que razão distingue Kant entre ações por dever e ações em conformidade com
o dever?

A razão de ser ou o objetivo da distinção é duplo:

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1. Defender que o valor moral das ações depende unicamente da intenção com que são
praticadas.

2. Mostrar que duas ações podem ter consequências igualmente boas e uma delas não ter
valor moral.

10. O que é a lei moral?

É uma lei da nossa consciência racional que exige que se cumpra o dever por dever.

A lei moral exige respeito absoluto pelo dever, pelo cumprimento de certas normas
como não matar, não roubar e não mentir.

Obedeço à lei moral quando respeito absolutamente o dever, quando não preciso de
mais nenhum motivo – a não ser a honestidade – para cumprir o dever (para ser
honesto).

11. Por que razão, Segundo Kant, a lei moral tem um caráter formal?
Porque me diz a forma como é correto cumprir o dever. Não é uma regra concreta
como «Não matarás!», mas um princípio geral que deve ser seguido quando cumpro
essas regras concretas que proíbem o roubo, o assassinato, a mentira, etc. Pense em
normas morais como «Não deves mentir», «Não deves matar», «Não deves roubar». A
lei moral, segundo Kant, diz-nos como cumprir esses deveres, qual a forma correta de
os cumprir. Assim sendo, é uma lei puramente racional e puramente formal.

12. Por que razão, segundo Kant, a lei moral tem a forma de um imperativo
categórico?

A lei moral exige respeito absoluto pelo dever, pelo cumprimento de certas normas
como não matar, não roubar e não mentir. A palavra imperativo designa dever, ordem,
obrigação. A palavra categórico significa absoluto, incondicional.

Assim, respeitar a lei moral ou o que ela ordena é uma obrigação absoluta.

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O que a lei moral ordena – cumprir o dever por puro e simples respeito pelo dever – é,
para Kant, uma exigência que tem a forma de um imperativo categórico.

Ordena que uma ação boa seja realizada pelo seu valor intrínseco, que seja querida
por ser boa em si e não por causa dos seus efeitos ou consequências. O cumprimento
de deveres como não roubar ou não mentir é uma obrigação absoluta.

13. O que são deveres absolutos?

Deveres absolutos, ou perfeitos, são deveres que não admitem exceções. Os deveres
absolutos são deveres incondicionais (não dependem de condições ou interesses). Os
deveres morais propriamente ditos são deveres absolutos. A lei moral enquanto
imperativo categórico diz-nos que deveres é obrigatório respeitar de forma absoluta.

14. Por que razão o cumprimento do dever é uma obrigação absoluta ou categórica?
Se cumprir o dever dependesse dos nossos interesses ou sentimentos, teríamos a
obrigação, por exemplo, de cumprir a palavra dada apenas em certas condições, mas
não sempre. Esta obrigação dependeria, digamos, do desejo de ficarmos bem vistos
aos olhos de Deus ou aos olhos dos outros, do desejo de agradar a alguém, etc. Se
agradar a Deus ou aos outros deixasse de nos preocupar, a obrigação de cumprir a
palavra dada simplesmente desapareceria. Ora, não é isso que deve acontecer,
segundo Kant. Continuamos a ter o dever de cumprir a palavra dada quer isso nos
agrade quer não.

15. O que são deveres relativos?

Deveres relativos são deveres cujo cumprimento depende de se querer ou desejar


algo, isto é, que se devem cumprir apenas quando se deseja algo.

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16. O que são imperativos hipotéticos? Dê exemplos.

Os imperativos hipotéticos são ordens que expressam deveres relativos, isto é, deveres
que devemos cumprir na condição de querermos ou desejarmos uma dada coisa. Os
imperativos hipotéticos expressam ações conformes ao dever. Exemplos: «Deves
cumprir o Código da Estrada se não queres ser multado»; «Se queres ser louvado pelos
teus concidadãos, deves fazer apenas ações que a comunidade aprove».

17. Exponha as duas formulações principais do imperativo categórico.

As duas formulações do imperativo a que Kant dá mais importância são a fórmula da


lei universal e a fórmula da humanidade. A primeira diz que devemos agir apenas
segundo uma máxima tal que possamos querer ao mesmo tempo que se torne uma lei
universal; a segunda afirma que devemos agir de tal maneira que usemos a
humanidade, tanto na nossa pessoa como na pessoa de outrem, sempre e
simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.

18. Qual é a função destas duas fórmulas? Para que servem?


Para sabermos, em cada circunstância da vida, se a ação que queremos praticar está,
ou não, de acordo com a moral, temos de perguntar se aquilo que nos propomos fazer
poderia servir de modelo para todos os outros e se não os transforma em simples
meios ao serviço dos nossos interesses. Se faltar a uma promessa não é algo que todos
possam imitar e viola os direitos dos outros, então temos a obrigação de não o fazer,
por muito que isso nos possa custar; se mentir não serve de modelo para os outros e
os reduz a meios que usamos para satisfazer o nosso egoísmo, então não temos o
direito de abrir uma exceção apenas para nós.

19. O que está presente nestas duas fórmulas do imperativo categórico?

Está presente a máxima que deve orientar a nossa ação para que ela tenha valor

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moral. A máxima dá-nos a conhecer a intenção ou o motivo que está na base da ação
do agente. Kant atribui a estas duas formulações do imperativo categórico a função de
critérios para determinar se uma máxima expressa ou não um dever moral.

20. Analise a primeira formulação do imperativo categórico. Recorra a um exemplo.

A fórmula é: «Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo
tempo que se torne lei universal».

Cumpro o imperativo categórico (equivalente a obedecer à lei moral ou a agir por


dever) quando a minha máxima pode ser universalizada sem contradição.

Imagine-se a seguinte situação: Eva precisava de dinheiro. Pediu algum dinheiro


emprestado a Bernardo com a promessa de lho devolver. No entanto, já tinha a
intenção de não lhe devolver o dinheiro.

Eva agiu de acordo com a seguinte máxima: «Sempre que precisar de dinheiro, peço o
dinheiro emprestado, mas com a intenção de não o devolver». Em termos mais gerais,
a regra que orienta a ação de Eva é esta: «Mente sempre que isso for do teu
interesse».

Poderá esta máxima ser universalizada? Não será contraditória? O que aconteceria se
esta regra fosse universalizada, se funcionasse como modelo para todos, se todos a
seguissem? Ninguém confiaria em ninguém. Ora, a mentira só é eficaz se as pessoas
confiarem umas nas outras. É preciso que Bernardo confie em Eva, para poder ser
enganado por ela. Mas, se eu souber que todos mentem sempre que isso lhes convém,
deixarei de confiar nos outros e por isso Bernardo não confiará em Eva. Não vale a
pena Eva prometer porque Bernardo não irá acreditar em nada que ela diga. Logo,
Bernardo não lhe iria emprestar o dinheiro se a máxima de Eva fosse uma lei universal.
Por estranho que pareça, ao exigir que todos mintam, estou a tornar a mentira
impossível.

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21. O imperativo categórico promove a ideia de imparcialidade?

Sim. Só podemos universalizar a máxima da nossa ação se não nos deixarmos


influenciar pelos nossos interesses e pelo egoísmo.

22. Como é que a fórmula da lei universal determina se uma máxima expressa um
dever moral?

A primeira formulação do imperativo categórico determina se uma máxima expressa


um dever moral verificando se ela é universalizável, isto é, se é possível que todos
ajam segundo essa máxima. Se for possível universalizar a máxima, ela expressa um
dever moral. Se não for possível, não expressa.

23. Analise a segunda formulação do imperativo categórico.

A fórmula é: Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na
pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca apenas como meio.

Segundo esta fórmula, cada ser humano é um fim em si e não um simples meio. Por
isso, será moralmente errado instrumentalizar um ser humano, usá-lo como simples
meio para alcançar um objetivo. Os seres humanos têm valor intrínseco, absoluto, isto
é, dignidade. Por exemplo, a vida de um ser humano não vale mais do que a de outro.

Quem pede dinheiro emprestado sem intenção de o devolver está a tratar a pessoa
que lhe empresta dinheiro sem respeito pela sua dignidade. É evidente que está a
tratá-la como um meio para resolver um problema e não como alguém que merece
respeito, consideração. Pensa unicamente em utilizá-la para resolver uma situação
financeira grave sem ter qualquer consideração pelos interesses próprios de quem se
dispõe a ajudá-lo.

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24. A segunda formulação do imperativo categórico impede-nos de tratar os outros
como meios?

Não. Se impedisse, poria em causa a própria existência da sociedade e de muitas


relações entre os seres humanos, que dependem de que nos tratemos uns aos outros
como meios para os nossos fins. O que a segunda formulação do imperativo categórico
proíbe é que tratemos os outros apenas como meios para os nossos fins, sem qualquer
respeito pela sua dignidade e racionalidade.

25. Qual é o principal objetivo de Kant ao apresentar estas duas formulações do


imperativo categórico, sobretudo a segunda fórmula?

Kant pretende mostrar que a sua ética é a ética do respeito absoluto pelos direitos da
pessoa humana e não simplesmente uma ética do dever.

Para Kant, a pessoa tem de ser tratada sempre como um fim em si mesma e nunca
somente como um meio, porque é o único ser de entre as várias espécies de seres
vivos que pode agir moralmente. Se não existissem os seres humanos, não poderia
haver bondade moral no mundo e, nesse sentido, o valor da pessoa é absoluto.

Assim, a fórmula da humanidade, também conhecida por fórmula do respeito pelas


pessoas, exprime a obrigação moral básica da ética kantiana.

Como pessoa, o ser humano tem direitos que, em circunstância alguma podem ser
violados ou infringidos. A ética kantiana parece a ética de um fanático do dever, mas
mais do que isso é a ética dos direitos da pessoa humana.

26. Estabeleça a relação entre cumprimento do dever, imparcialidade e respeito pela


pessoa humana.

A ação moralmente correta é decidida pelo indivíduo quando adota uma perspetiva
universal. Como? Colocando de parte os seus interesses, a pessoa pensará como
qualquer outra que também faça abstração dos seus interesses, adotando, portanto,

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uma perspetiva universal. Pense em deveres morais comuns como «Paga o que
deves», «Sê leal», «Não roubes». Só o interesse e a parcialidade do agente podem
levar à violação de tais regras ou deveres morais. Eliminada a parcialidade, pensamos
segundo uma perspetiva universal e aprovamo-los. Sempre que fazemos da satisfação
dos nossos interesses a finalidade única da nossa ação, não estamos a ser imparciais e
a máxima que seguimos não pode ser universalizada. Assim sendo, estamos a usar os
outros apenas como meios, simples instrumentos que utilizamos para nosso proveito.

27. O que é a boa vontade?

É uma vontade que age de forma moralmente correta independentemente das


consequências da ação.

É uma vontade que cumpre o dever respeitando absolutamente a lei moral, ou seja,
cuja única intenção é cumprir o dever.

É uma vontade que age segundo regras ou máximas que podem ser seguidas por
todos.

É uma vontade que respeita todo e qualquer ser humano considerando-o uma pessoa
e não uma coisa ou um simples meio ao serviço deste ou daquele interesse.

É uma vontade autónoma porque decide cumprir o dever por sua iniciativa e não por
receio de autoridades externas ou da opinião dos outros.

A boa vontade é a vontade que age por respeito pela lei moral. A boa vontade é a
única coisa absolutamente boa. O que a torna boa é a intenção que preside à
realização da ação. Quando um agente age com a intenção de cumprir o dever pelo
dever, age de boa vontade.

28. O que é uma vontade autónoma?

É a vontade que age com a intenção de cumprir o dever pelo dever. Por isso é também
dita uma boa vontade ou uma vontade que respeita a lei moral. A autonomia da

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vontade designa a capacidade de a vontade decidir respeitar uma lei – a lei moral –
que exige o respeito absoluto pela dignidade e autonomia da pessoa humana. A
autonomia da vontade não é fazer o que apetece. O agente autónomo aceita a lei
moral porque essa lei é criada por ele mesmo, quando faz escolhas morais imparciais e
desinteressadas determinadas pela sua razão. Uma vontade autónoma é uma vontade
puramente racional, que faz sua uma lei da razão, que diz a si mesma «Eu quero o que
a lei moral exige». Ao agir por dever, obedeço à voz da minha razão e nada mais.

29. O que é a vontade heterónoma?

É a vontade que não cumpre o dever pelo dever. Não é uma boa vontade. O
cumprimento do dever não é razão suficiente para agir tendo de se invocar razões
externas como o receio das consequências, o temor a Deus, etc. A vontade submete-se
a autoridades que não a razão.

É a vontade que é incapaz de vencer o conflito entre o dever e os interesses e


inclinações sensíveis. Nestas circunstâncias, a vontade não tem a razão como fonte da
obrigação e rege-se pelo que a religião ou a sociedade em geral pensam, o que é um
sinal de menoridade moral.

30. Para Kant, há deveres morais absolutos? Porquê?

Para Kant, há ações que, apesar das boas consequências previsíveis, nunca devem ser
praticadas.

Há ações que é sempre obrigatório ou sempre errado fazer. Há ações que são
moralmente erradas, quaisquer que sejam as consequências que resultem delas.
Matar, roubar, mentir são exemplos de ações que são sempre erradas, por mais
vantagens que resultem delas, e temos a absoluta obrigação de não matar, não roubar
e não mentir. Isto quer dizer que há deveres morais absolutos, ou seja, obrigações que
devemos cumprir sempre.

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Mas por que razão há deveres morais absolutos? Porque há direitos invioláveis. Os
direitos da pessoa humana. Como pessoa, o ser humano tem direitos que, em
circunstância alguma, podem ser violados ou infringidos. Estes direitos implicam
deveres, e estes deveres implicam restrições. Nem tudo é permissível em nome, por
exemplo, do bem-estar geral ou da felicidade do maior número.

A PERSPETIVA UTILITARISTA DE STUART-MILL

1. Qual é, Segundo Mill, o critério da moralidade de uma ação?

Segundo Mill o que faz com que uma ação tenha valor moral é a utilidade. O critério da
moralidade de um ação é o princípio de utilidade. Este princípio é o teste da
moralidade das ações. Uma ação deve ser realizada se e só se dela resultar a máxima
felicidade possível para o maior número possível de pessoas que são por ela afetadas.
O princípio de utilidade é por isso também conhecido como o princípio da maior
felicidade. Uma ação boa é a mais útil, ou seja, a que produz mais felicidade global ou,
dadas as circunstâncias, menos infelicidade. Quando não é possível produzir felicidade
ou prazer, devemos tentar reduzir a infelicidade. É costume resumir-se o princípio de
utilidade mediante a fórmula «A maior felicidade para o maior número».

2. Por que razão o utilitarismo de Mill é uma teoria consequencialista?

O valor moral de uma ação depende das suas consequências. A ação boa é a ação que
tem boas consequências ou, dadas as circunstâncias, melhores consequências do que
ações alternativas. Uma ação moralmente correta, para John Stuart Mill, é a que, de
todas as ações possíveis, tem as melhores consequências.

Por «melhores consequências» o utilitarista entende o bem-estar ou felicidade da


maioria. Assim, o utilitarista pensa que a melhor coisa a fazer numa dada situação é
aquela que, entre todas as alternativas disponíveis, mais promove o bem-estar ou
felicidade de um ponto de vista inteiramente imparcial, isto é, que promove o bem-
estar do maior número possível de pessoas que são afetadas pelas nossas ações. O

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utilitarista advoga «o maior bem para o maior número». A melhor ação, deste ponto
de vista, não é a que tem efetivamente as melhores consequências, mas a que tem a
maior utilidade esperada, que se determina calculando a taxa de bem-estar produzida
por uma ação com a probabilidade de sucesso na realização dessa ação. A ação que
tiver a maior utilidade esperada é a que deve ser realizada.

3. A felicidade de que fala o utilitarismo de Mill é a felicidade individual?

Também, mas não só. Prevalece a ideia de felicidade geral, embora não se despreze a
felicidade individual. A felicidade de que fala o utilitarismo não é simplesmente a
felicidade individual. Mas também não é a felicidade geral à custa da felicidade do
agente. A minha felicidade é tão importante como a dos outros envolvidos, nem mais
nem menos. Dada a tendência humana para o egoísmo, Mill acentua esta ideia: a
minha felicidade não conta mais do que a felicidade dos outros.

4. O utilitarismo de Mill pretende ser uma forma de avaliação imparcial do que é


correto fazer em termos morais. Esta afirmação é correta?

Sim. Para decidir o que é moralmente correto fazer, o agente deve ter tanto em conta,
não só o seu bem-estar, como o de todas as outras pessoas que são afetadas pela
ação. A sua felicidade não conta mais do que a felicidade dessas outras pessoas e não
deve abrir exceções, mesmo para conhecidos, familiares e amigos. Quando delibera
sobre o que vai fazer, o agente tem de ser completamente imparcial. Por isso, o
utilitarismo rege-se pelo princípio da imparcialidade.

5. Considera-se que o utilitarismo de Mill é uma teoria hedonista. O que significa


isso?

Significa que todas as atividades humanas têm um objetivo último, isto é, são meios
para uma finalidade que é o ponto de convergência de todas. Esse fim é a felicidade ou
bem-estar que Mill identifica com o prazer.

Procuramos em todas as atividades a que nos dedicamos viver experiências aprazíveis


e evitar experiências dolorosas ou desagradáveis. Esta perspetiva que identifica a
felicidade com o prazer ou o bem-estar tem o nome de hedonismo.

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6. Para Mill, todos os prazeres se equivalem? Qual a natureza da felicidade
identificada com o prazer? De que tipo de hedonismo se trata? Que prazeres segundo
Mill promovem a felicidade?

Estaria Mill de acordo connosco se pensássemos que consideraria feliz a pessoa que
passa toda a sua vida a comer e beber, a ver novelas e futebol, a colecionar
automóveis topo de gama e a satisfazer os seus impulsos sexuais?

A resposta é não, e Mill faz questão de ser bem claro. Nenhuma felicidade humana é
verdadeiramente possível sem um «sentido de dignidade». Nem todos os prazeres se
equivalem. Há prazeres superiores e prazeres inferiores. Não podemos reduzir a
felicidade à satisfação dos prazeres físicos. Sem negar estes, Mill afirma convictamente
que os prazeres do espírito ou os prazeres intelectuais são superiores e
qualitativamente distintos.

7. Caraterize o princípio de utilidade.

1. É o critério que permite distinguir uma ação moralmente correta de uma ação
moralmente incorreta.

2. É o princípio supremo da moralidade porque:

a) Permite reduzir a diversidade das normas morais concretas a um princípio geral,


denominado fundamento, que nos diz como devemos agir.

b) Permite orientar-nos em casos de conflito moral, retirando às normas socialmente


aprovadas o seu caráter inviolável.
8. Distinga, segundo a perspetiva utilitarista de Mill, ações com boas consequências
de ações com más consequências.

A ação com boas consequências é aquela cujos resultados contribuem para um


aumento da felicidade (bem-estar) ou diminuição da infelicidade do maior número
possível de pessoas por ela afetadas. É uma ação subordinada ao princípio de
utilidade.

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A ação com más consequências é aquela cujos resultados não contribuem para um
aumento da felicidade (bem-estar) ou diminuição da infelicidade do maior número
possível de pessoas por ela afetadas.

É a ação parcial em que a felicidade do maior número não é tida em conta ou a ação
egoísta em que só o meu bem-estar ou satisfação é procurado. Em suma, é a ação que
não se subordina ao princípio de utilidade.

9. Exponha as linhas gerais da ética utilitarista, esclarecendo de que tipo de teoria da


ética normativa se trata e quais os seus principais conceitos.

A ética de John Stuart Mill é uma ética consequencialista, porque defende que o valor
moral de uma ação depende das suas consequências. A ação boa é a que tem as
melhores consequências possíveis. Para Mill, ao contrário de Kant, não determinamos
a correção moral de uma ação com base no motivo ou intenção do agente, mas sim
nos resultados da ação. Mill discorda completamente da posição segundo a qual a
intenção do agente é vital para determinar o valor moral de uma ação. Para ele, uma
ação que tenha boas consequências é sempre boa qualquer que seja a motivação do
agente.

Mill pensa também que a ação a realizar é aquela da qual resulta a maior felicidade ou
bem-estar para todas as pessoas envolvidas. Uma ação boa é, portanto, a mais útil, ou
seja, a que produz mais felicidade global. A este princípio que funciona como critério
da moralidade chama-se princípio de utilidade e afirma que a ação que deve ser
realizada é aquela de que resulta a máxima felicidade possível para as pessoas que são
afetadas por ela. O princípio de utilidade é, por isso, conhecido também como
princípio da maior felicidade.

Em que consiste esta felicidade que deve, segundo Mill, ser o objetivo de toda a ação
moral? A felicidade consiste no prazer e na ausência de dor. Chama-se hedonismo a
esta conceção da felicidade. O consequencialismo de Mill é, por este motivo, um
consequencialismo hedonista. A esta forma de consequencialismo chama-se
utilitarismo. Mill é, portanto, utilitarista.

Outra ideia importante na ética de Mill é a de imparcialidade. Para decidir o que é

56
moralmente correto fazer, o agente deve ter em conta, não só o seu bem-estar, como
o de todas as outras pessoas que são afetadas pela ação. A sua felicidade não conta
mais do que a felicidade dessas outras pessoas e não deve abrir exceções, mesmo para
familiares e amigos. Quando delibera sobre o que vai fazer, o agente tem de ser
completamente imparcial. Por isso, o utilitarismo rege-se pelo princípio da
imparcialidade.

A felicidade consiste no prazer, mas nem todos os prazeres são considerados da


mesma maneira. Mill distingue dois tipos de prazeres, os inferiores e os superiores. Os
prazeres inferiores são os prazeres físicos. Os superiores são os do espírito. Sem negar
os prazeres físicos, Mill afirma que os prazeres do espírito ou os prazeres intelectuais
são superiores e qualitativamente distintos.

10. Por que razão o princípio de utilidade é superior às normas morais comuns tais
como não matar, não roubar e não mentir?

É superior porque por vezes – especialmente em casos de conflito moral – temos de


recorrer ao princípio de utilidade para resolver uma situação moral a que as normas
morais não respondem cabalmente.

Ex.: Tenho de optar entre salvar e deixar morrer. As regras morais comuns dizem-me
que não devo deixar morrer inocentes. Mas neste caso tenho de tomar uma decisão,
por mais difícil que seja.

11. O utilitarismo implica o abandono das normas morais aceites na generalidade


das sociedades?
O utilitarismo não implica necessariamente o abandono das normas morais aceites na
generalidade das sociedades. Estas normas resistiram à prova do tempo, e em muitas
situações fazemos bem em segui-las nas nossas decisões. Mas há situações em que
não respeitar uma determinada norma moral e seguir o princípio de utilidade tem
melhores consequências do que respeitá-la. O princípio de utilidade ajuda-nos a
deliberar e a tomar decisões quando as regras morais vigentes não nos permitem
determinar como agir. É o caso quando há conflitos e dilemas morais. Há quem pense,
por isso, que a ética de Mill é ao mesmo tempo um utilitarismo das regras e um
utilitarismo dos atos. O utilitarismo das regras é a ideia de que devemos agir de acordo

57
com as regras que mais promovem a felicidade. Ao defender a importância das normas
morais comuns para a ação, Mill está, supostamente, a abraçar esta forma de
utilitarismo, porque como estas regras passaram o teste do tempo são as que têm as
melhores consequências. No entanto, ao defender que, quando há um conflito entre
normas, se deve deliberar com base no princípio da utilidade, Mill está a defender o
utilitarismo dos atos, isto é, uma escolha com base nas consequências, de cada ato
específico.

12. Na perspetiva utilitarista de Mill, há deveres morais absolutos?

O utilitarismo defende que há princípios e regras morais objetivas, como é o caso do


princípio de utilidade, válido independentemente das opiniões dos indivíduos e das
culturas, mas admite que em certas situações um dever pode ser suplantado por outro
mais importante. Assim, salvar uma vida pode exigir que se minta, se roube e mesmo
que se mate. Por isso, ao contrário do que pensava Kant, não há ações
intrinsecamente boas. Uma ação é moralmente correta ou incorreta conforme as
consequências que dela resultam numa dada situação, pelo que, para o utilitarista, não
há deveres que devam ser respeitados em todas as circunstâncias, isto é, não há
deveres morais absolutos.

13. A crítica mais frequente ao utilitarismo é a de que justifica a prática de ações


imorais. Isto acontece, segundo os críticos porque o utilitarismo dá apenas
importância às consequências das ações enquanto critério para avaliarmos a
moralidade das mesmas. Para o utilitarista, na perspetiva dos seus críticos, uma pessoa
pode desrespeitar uma das regras morais básicas, como a de «não matar» ou de «não
mentir», e, ainda assim, agir moralmente, desde que essa sua ação proporcione uma
maior quantidade de felicidade a um número de pessoas maior do que as pessoas a
quem provocou dor ou sofrimento. Para dar um exemplo, na perspetiva do utilitarismo
é correto matar um indivíduo inocente se se souber que a morte desse indivíduo vai
permitir salvar a vida a outras três pessoas. Ora, é inadmissível que seja moralmente
permitido matar inocentes. Assim, segundo os seus críticos, o utilitarismo é inaceitável.

Como poderia um utilitarista responder a esta crítica?

58
Em primeiro lugar, um utilitarista pode objetar que esta crítica é hipócrita, porque
afinal acusa o utilitarismo de uma prática comum da sociedade. Embora exista a ideia
muito difundida de que matar pessoas inocentes é errado, a verdade é que em
situações excecionais, as pessoas e as sociedades às vezes têm do tomar decisões que
conduzem à morte de pessoas inocentes. Por exemplo, quando se manda soldados
para a guerra, o objetivo não é, obviamente matá-los, mas tal ato acabará
inevitavelmente por causar a morte de muitas pessoas que, normalmente, não são
responsáveis pelo conflito e que tinham a intenção de ocupar melhor a sua vida do que
a disparar sobre outros seres humanos. Quando um médico durante a guerra divide os
seus pacientes em aqueles que sobrevivem sem o tratamento, os que morrem mesmo
que tratados e os que se tratados sobrevivem, está a tomar decisões que, se se
enganar, podem conduzir à morte de inocentes. Quando, numa epidemia, os governos
decidem, na ausência de vacinas para todos (como aconteceu em Portugal durante a
recente ameaça da gripe A), que grupos sociais e profissionais devem levar em
primeiro lugar a vacina, estão a tomar decisões que podem conduzir à morte de
muitos cidadãos inocentes. E em muitos casos, como nestes exemplos, em nome de
fazer o que tem as melhores (ou as menos más) consequências para as pessoas
envolvidas! E, no entanto, ninguém contesta que, dadas as circunstâncias, essas são as
melhores ações. Porquê, então, acusar os utilitaristas de uma prática frequente e
aceite da sociedade? Em vez de criticar o utilitarismo, o que se deveria fazer era elogiá-
lo por fornecer uma justificação racional para ações que, intuitivamente, já sabemos
serem corretas.

Mas atenção! O utilitarismo defende que é correto roubar, mentir ou matar apenas em
certas circunstâncias muito excecionais, quando as regras morais comuns pelas quais
as sociedades se regem não podem ser aplicadas. Em todos esses exemplos, as
situações são excecionais e levam a escolhas, elas também, excecionais. Mandar
inocentes para a guerra é, geralmente, a resposta encontrada para evitar, correta ou
erradamente, um mal maior. E o mesmo se passa nos exemplos do médico e dos
governos. Também desta perspetiva, a crítica parece injustificada, pois os utilitaristas
limitam-se a defender o que é prática comum em situações fora do comum.

14. Uma crítica feita ao utilitarismo é diretamente dirigida ao princípio da

59
imparcialidade. Este princípio exige que os interesses de todos os envolvidos nas
ações sejam considerados de modo igual. Isto significa que um utilitarista, ao decidir
como agir, deve considerar do mesmo modo os interesses de familiares, de amigos, de
vizinhos, concidadãos e estranhos que possam, por hipótese, viver do outro lado do
mundo. No entanto, é difícil agir em todas as situações sem ter em conta aquilo que a
pessoa é, porque não nos comportamos da mesma forma em relação aos nossos
amigos e familiares como em relação a estranhos. Sentimos necessariamente uma
maior afetividade pelos nossos familiares e amigos do que por estranhos, em parte
porque também a nossa responsabilidade e os nossos deveres em relação aos nossos
familiares e amigos são diferentes. Além disso, se seguíssemos em todas as nossas
ações o critério utilitarista da imparcialidade, correríamos o risco de destruir as
relações pessoais que mantemos com as pessoas de que mais gostamos.

Como poderia um utilitarista responder a esta crítica?

Pode parecer natural a exigência de que os interesses, por exemplo, dos nossos filhos
sejam considerados de modo diferente dos de estranhos, devido às fortes relações
afetivas que mantemos com eles e que são inexistentes no segundo caso. É claro que
somos seres afetivos e que as nossas afeções têm um papel importante nas nossas
relações com os outros. Essas afeções tornam difícil agir de acordo com o princípio da
imparcialidade e levam de facto a que não ajamos em algumas situações. Mas se
baseássemos a nossa conduta nas afeções, as nossas ações variariam ao sabor dessas
afeções, favorecendo uns, prejudicando outros. Retirar o princípio da imparcialidade
ao utilitarismo seria transformá-lo numa espécie de egoísmo que incorpora, para além
dos nossos interesses, os interesses daqueles que nos são próximos. Uma tal doutrina,
embora praticável e praticada por muitos, tem pouco de moral. O princípio da ação
moral tem de ser um princípio racional, sob pena da moral se tornar completamente
arbitrária. O princípio da imparcialidade parece estar de acordo com as nossas
intuições morais mais básicas. Uma pessoa que, tendo de tomar uma decisão por um
grupo de pessoas, decida de forma vantajosa para si ou para os que lhe são próximos é
objeto de crítica e não de louvor. É preciso lembrar o que o povo português pensa do
suposto favorecimento dos políticos a amigos e familiares? Uma vez mais parece haver
aqui alguma hipocrisia da parte dos críticos do utilitarismo. Criticam o utilitarismo por

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defender aquilo que é, vistas bem as coisas, é o ponto de vista aceite pela
generalidade das pessoas sobre o assunto. Outra coisa, diferente, é se somos capazes
de agir sempre segundo esse princípio. Talvez não sejamos, talvez sejamos uns mais do
que outros, talvez uns muito e outros pouco. Somos seres racionais, mas também
afetivos. Talvez a nossa afetividade se sobreponha algumas vezes à nossa
racionalidade. Mas isso mudará alguma coisa relativamente à nossa obrigação, se o
princípio da imparcialidade for verdadeiro?

COMPARAÇÃO ENTRE AS DUAS PERSPETIVAS

1. Compare a ética de Kant com a ética de Mill a respeito do critério para avaliar
moralmente uma ação.

Para a ética de Kant, a moralidade ou o valor moral de uma ação depende da intenção
com que a ação é praticada. Embora Kant não as despreze completamente, as
consequências das ações não são o critério de que depende a moralidade da ação.
Com efeito, uma ação pode ter consequências boas e ainda assim não ser moralmente
boa. Kant ilustra este ponto com o exemplo do merceeiro honesto. Quer o merceeiro
que é honesto para não perder clientes (que age conforme ao dever) quer o merceeiro
que é honesto porque pensa que é essa a sua obrigação (que age por dever) fazem
exatamente a mesma ação (são honestos), com as mesmas consequências boas para
os clientes, e, no entanto, apenas a ação do segundo é moralmente boa. A ação do
primeiro é realizada por interesse, isto é, a pensar no que aconteceria se fosse
desonesto. A do segundo merceeiro não é realizada por interesse, mas por esse
merceeiro ter consciência da sua obrigação de ser honesto. O que é diferente num e
noutro caso não é a ação nem as consequências da ação, mas a intenção com que a
ação é praticada. Num caso, a intenção é incorreta e no outro é correta. Só nesse caso,
isto é, quando a ação é praticada pela intenção correta, a ação é moralmente boa.
Portanto, segundo Kant, o que determina se uma ação é moralmente boa é a intenção
e uma ação só é moralmente boa se a intenção for a de cumprir o dever pelo dever.
Por esse motivo, a ética de Kant é uma ética deontológica.

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Segundo Mill, a moralidade de um ato depende das consequências ou resultados desse
ato para todas as pessoas abrangidas por ele. Para Mill, a intenção com que a ação é
praticada é irrelevante para determinar o seu valor moral. A ação pode ser praticada
com as melhores intenções e ter consequências desastrosas. Por isso, a intenção
revela mais sobre o caráter do agente do que propriamente sobre o valor moral da
ação. Para Mill, a felicidade (sob a forma de prazer e ausência de dor) deve ser o fim
último da ação moral. Por esse motivo, para que uma ação seja boa, tem que
promover a felicidade. As ações que mais promovem a felicidade, isto é, as que têm as
melhores consequências, são, portanto, as ações boas. Mill, contudo, não é um egoísta
ético, isto é, não defende que a melhor ação é que tem as melhores consequências
para o agente da ação. Pensa que os interesses de todos os envolvidos devem ser tidos
em conta e de forma idêntica. Devemos, segundo ele, guiarmo-nos, para determinar
qual a ação moralmente correta, pelo princípio da imparcialidade. Nestas condições, a
ação que produz mais prazer e menos dor é a que tem valor moral. A ética de Mill é,
assim, ao contrário da de Kant, uma ética consequencialista.

2. Compare a ética de Kant com a ética de Mill a respeito da questão de saber se os


fins justificam os meios.

Para Kant os fins nunca justificam os meios. Há ações que são moralmente erradas
quaisquer que sejam as consequências que resultem delas. Matar, roubar, mentir são
exemplos de ações que são sempre erradas por mais vantagens que resultem delas, e
temos a absoluta obrigação de não matar, não roubar e não mentir. Suponhamos, por
exemplo, que alguém pensa que a maneira de acalmar a população de uma cidade
agitada pela ocorrência de uma série de homicídios seria condenar um indigente que
apareceu a vaguear por essa cidade. Fazendo um cálculo custo-benefício, essa seria a
ação com as melhores consequências, embora o indigente claramente não fosse o
responsável pelos homicídios. Será que, neste caso, os meios se justificavam tendo em
conta o benefício, isto é, o fim em vista? Para Kant não. Por melhores que sejam, as
consequências de uma ação, se essa ação viola um imperativo categórico, é imoral
praticá-la. Seria o caso no exemplo dado. Prender o indigente seria agir de acordo com
uma máxima que não passa o teste do imperativo categórico, seja porque não pode
ser universalizada seja porque implica tratar o indigente apenas como um meio para

62
um fim. Numa palavra, os meios, para Kant, nunca justificam os fins, seja porque não
são as consequências que decidem da moralidade de uma ação seja porque desse
modo violar-se-iam deveres absolutos e direitos invioláveis. Para Mill, as coisas são
diferentes. Não há à partida nem direitos invioláveis nem deveres absolutos. Não há
ações que seja sempre obrigatório ou sempre errado fazer. As ações são erradas ou
corretas em função das suas consequências ou fins. Podemos, portanto, dizer que do
ponto de vista de Mill os fins justificam sempre os meios, porque é em função dos fins
(consequências esperadas) que os meios (as ações a praticar) são determinados. Isto é
verdade mesmo nos casos que a opinião comum tende a considerar imoral. Embora,
em geral, seja útil respeitar normas como «Não matar» ou «não mentir», pode haver
circunstâncias em que violar essas normas se justifique porque fazê-lo é o que produz
o melhor estado de coisas para todas as pessoas envolvidas. Quer dizer, há situações
em que matar ou mentir, sendo condição para a obtenção de certos fins, pode em
certas circunstâncias ser o correto a fazer. O exemplo do indigente dado acima pode
ser uma dessas situações. Normalmente consideramos errado prender pessoas
inocentes. Para Kant, como vimos, seria absolutamente errado fazê-lo porque há
deveres absolutos. Para Mill não há deveres absolutos, e uma análise custo-benefício
pode justificar uma ação que o senso comum tende a considerar imoral.

3. Compare a ética de Kant com a ética de Mill a respeito da questão dos deveres
absolutos, ou seja, dos deveres que é nossa obrigação cumprir sempre.

Segundo Kant, como pessoa, o ser humano tem direitos que, em circunstância alguma,
podem ser violados ou infringidos. Estes direitos implicam deveres, e estes deveres
implicam restrições. Nem tudo é permissível em nome do bem-estar geral ou da
felicidade do maior número. Se maximizar o bem-estar implica violar esses direitos, a
ação não é moralmente admissível.

Para Mill, as ações são moralmente corretas ou incorretas conforme as consequências:


se promovem imparcialmente o bem-estar, são boas. São as consequências que as
tornam boas ou más. Não há, pois, para o utilitarista, deveres que devam ser
respeitados em todas as circunstâncias. Para Mill, o dever fundamental é maximizar o
bem-estar criando um melhor estado de coisas no mundo. E, em circunstâncias

63
especiais, o cumprimento deste dever pode levar a ações que chocam com as nossas
intuições de senso comum. Seria esse o caso no exemplo do indigente dado na
resposta à questão anterior. Prender pessoas inocentes ou mentir pode ser chocante e
perturbador, mas não errado, se forem as consequências o que conta para decidir se
uma ação tem ou não valor moral.

Para Kant, há ações que, apesar das boas consequências previsíveis, não devem nunca ser
praticadas. Há direitos invioláveis e por isso há deveres absolutos. Para Mill, certas ações,
dadas as suas consequências, devem ser praticadas. Não há direitos invioláveis e por isso não
há deveres absolutos.

COMPARAÇÃO ENTRE AS ÉTICAS DE KANT E DE MILL

QUESTÕES RESPOSTA DE KANT RESPOSTA DE MILL

As consequências são o que mais Não. A minha ética não é Sim. A minha ética é consequencialista.
conta para decidir se uma ação é ou consequencialista.
não moralmente boa?

A intenção é o critério ou fator Sim. A minha ética considera boa a ação Não. O fator que decide se uma ação é
decisivo para avaliar se uma ação é cuja máxima exprime a intenção de boa ou não é o que dela resulta. As
moralmente boa? cumprir o dever pelo dever. A intenção de consequências são o critério decisivo da
fazer o que é devido sem mais outro moralidade de um ato. A intenção diz
motivo que não o cumprimento do dever respeito ao caráter do agente e não à
é a única coisa que torna uma ação boa. A qualidade moral da ação. Se uma ação é
moralidade consiste em cumprir o dever motivada pela vontade de obter o
pelo dever. A minha ética é deontológica. melhor resultado possível mas tem más
consequências, diremos que, apesar de
o agente ser bom, a ação não é boa.

Há ações boas em si mesmas, isto é, Sim. O valor moral de uma ação depende Não. Não podemos dizer que uma ação é
que tenham um valor intrínseco? da máxima que o agente adota, sendo boa ou má antes de olharmos para as
independente das consequências, efeitos suas consequências.
ou resultados do que fazemos.

Há deveres absolutos? Há normas Sim. Mentir, roubar e matar, por exemplo, Não, exceto o dever de promover a

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morais que não devemos nunca são atos sempre errados. Há normas felicidade geral. Há situações em que
desrespeitar? morais absolutas que proíbem o não cumprir certo dever tem como
assassínio, o roubo, a mentira e que consequência um melhor estado de
devem ser incondicionalmente coisas. Há normas morais que se têm
respeitadas em todas as circunstâncias. revelado úteis para organizar a vida dos
seres humanos, mas devemos ter em
conta que nem sempre o seu
cumprimento produz bons resultados.

Qual é o princípio moral O princípio moral fundamental a O princípio moral fundamental a


fundamental que temos de respeitar respeitar é o que exige que nunca trate respeitar é o princípio de utilidade.
para que a nossa ação seja os outros – nem a minha pessoa – como Exige que das nossas ações resulte a
moralmente boa? meio ou instrumento útil para um certo maior felicidade possível para o maior
fim. Respeitar a nossa humanidade, eis o número possível de pessoas. É também
princípio incondicional. Para isso ser conhecido como princípio da maior
possível, devo agir segundo máximas que felicidade possível. A minha ética é
possam ser seguidas pelos outros, isto é, consequencialista e utilitarista.
que possam ser universalizadas.

Há valores absolutos? Sim. A dignidade da pessoa humana é um Sim. O único valor absoluto é a
valor absoluto. Nenhuma ação pode ser felicidade entendida como prazer.
boa se desrespeita esse valor absoluto. A Todas as outras coisas só têm valor se
boa vontade é a vontade de nunca violar a produzirem felicidade.
dignidade absoluta e incondicional da
pessoa humana.

Maximizar o bem-estar ou a Não. Não é obrigatório e muitas vezes Sim. Se o valor moral das ações depende
felicidade é obrigatório? não é permissível. Porquê? Porque há da sua capacidade para maximizar o
direitos das pessoas que são absolutos. Os bem-estar dos agentes afetados pelas
deveres absolutos de que falo são consequências de uma ação, então obter
restrições que impõem limites à esse resultado é obrigatório, mesmo que
instrumentalização dos indivíduos em por vezes isso implique a violação de
nome do bem-estar geral. A minha ética é algum direito. A minha ética não é
deontológica porque o respeito absoluto deontológica porque não admite que
pelos direitos da pessoa humana implica haja deveres absolutos que impõem
que haja deveres absolutos ou coisas que restrições ao que é possível fazer. A
minha ética centra-se no bem-estar

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é absolutamente proibido fazer. geral que das ações pode resultar, e
maximizar esse bem-estar é a única
obrigação moral.

O que é a felicidade? É o fim ou A felicidade é um bem, mas não deve A felicidade é o objetivo fundamental
objetivo último das ações humanas? influenciar as nossas escolhas morais. O da ação moral, embora não se trate da
fim último da ação moral é o respeito felicidade individual nem da felicidade
pela pessoa humana, pelo valor absoluto que se traduza na redução do bem-estar
que a sua racionalidade lhe confere. da maioria das pessoas a quem a ação
diz respeito.

O que é o egoísmo? O egoísmo, impedindo ações O egoísmo é condenável porque impede


desinteressadas e imparciais, é o grande que se tenha em vista um fim objetivo
inimigo da moralidade. que é a maior felicidade para o maior
número possível de pessoas.

66
UNIDADE 4

CAPÍTULO 3

1. O PROBLEMA DA JUSTIFICAÇÃO DO ESTADO

Por que devemos consentir em ser governados e em obedecer a regras impostas por
uma autoridade externa?

1. O que se entende por teorias contratualistas clássicas?

São teorias que defendem o estabelecimento de um acordo entre vários indivíduos,


implicando compromissos recíprocos. A este acordo entre os indivíduos chama-se
pacto ou contrato social (porque estabelecido entre os indivíduos de uma determinada
sociedade).

2. Qual é a finalidade do acordo?

Este acordo visa alterar uma determinada situação na sociedade que se tornou
insustentável, concretamente o desrespeito pelos direitos básicos dos indivíduos,
desrespeito esse que gera um estado conflituoso. O acordo vai permitir eliminar ou
reduzir os conflitos na sociedade.

3. Que compromissos recíprocos são estabelecidos com o acordo?

Estes compromissos traduzem-se geralmente no seguinte: todos os indivíduos


comprometem-se a obedecer a um poder exterior que garanta uma melhoria das
relações entre eles e promova um maior bem-estar geral.

4. Que poder exterior é esse a que todos os indivíduos se comprometem obedecer?

Esse poder é o Estado. Neste sentido, o contrato social é uma forma de legitimação do
Estado. As teorias contratualistas que vamos estudar são as de Thomas Hobbes e John
Locke.

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5. Por que razão é necessário, para Hobbes, o contrato social e, por conseguinte, a
autoridade do Estado?

Para Hobbes, no estado de natureza, o indivíduo vive num permanente estado de


violência e de medo, estado no qual ninguém se encontra a salvo e onde a vida de
cada um corre sempre um grande risco. Hobbes sintetizou este estado de guerra
permanente entre todos com a seguinte expressão: «O Homem é o lobo do Homem».

Os indivíduos não podem continuar a viver neste estado de permanente angústia e


temor. Torna-se necessário o estabelecimento de um contrato ou pacto entre todos os
indivíduos que salvaguarde as suas vidas e os seus bens.

6. De que modo entende Hobbes o estabelecimento deste pacto?

Hobbes defende que, para se instaurar a paz e a segurança na sociedade, é necessário


transferir os direitos de todos os indivíduos (direitos esses que eram ilimitados no
estado de natureza) para uma pessoa que seria o titular desses mesmos direitos. Esta
pessoa, o soberano, estaria acima dos indivíduos e deteria um poder absoluto (detém
todos os poderes: poder legislativo, executivo e judicial), não se encontrando
submetido a qualquer poder ou lei que não a sua.

7. Por que razão o poder do soberano é absoluto?

Para Hobbes, o soberano não se encontra submetido ao contrato ou pacto


estabelecido entre os vários indivíduos, porque nesse caso também estaria limitado
pelo pacto e, portanto, limitado ao nível dos direitos como os outros indivíduos. Se
todos estivessem igualmente limitados nos seus direitos, não haveria ninguém que
pudesse governar os outros.

8. Mas não se pode transformar este poder absoluto do soberano num poder
despótico?

Hobbes responde que, mesmo que se transforme num poder despótico, os súbditos
não têm direito de resistência (a não ser apenas quando o soberano obriga o próprio
súbdito a matar-se – porque também esta situação não ocorria no estado de

68
natureza), porque o seu poder lhe foi confiado legitimamente pelos próprios súbditos
a partir de um pacto ou contrato.

9. O que carateriza o estado de natureza segundo Locke?

O estado de natureza corresponde à vida sem governantes. Cada ser humano tem o
poder de se autogovernar. Ao contrário do que Hobbes pensava, o estado de natureza
não é um estado lastimável e completamente negativo, marcado pelo constante medo
dos outros, da morte e das agressões que neles teriam a sua origem. Há restrições e
deveres que os seres humanos nesse estado são obrigados a cumprir pela sua
consciência moral e em nome do seu interesse. Esses deveres e obrigações estão
ligados ao facto de haver direitos naturais por todos reconhecidos: os direitos à vida, à
liberdade e à propriedade.

10. Por que razão vai ser necessária a autoridade política ou Estado?

O estado de natureza não é o estado de guerra de todos contra todos. Locke não o
considera um estado calamitoso. Mas reconhece que pode ser um estado de guerra de
alguns contra alguns. Porquê? Porque, embora a maioria dos seres humanos no estado
de natureza respeitem os direitos básicos acima referidos, alguns não o fazem. É
evidente que cada pessoa lesada ou ameaçada tem neste estado o direito a defender-
se e a punir e castigar os infratores. Contudo, nem sempre somos suficientemente
fortes para defender e fazer respeitar esses direitos. Assim surge a necessidade do
Estado com as suas leis, os seus tribunais e as forças que impõem a sua autoridade.
Protegerá as nossas vidas, liberdades e propriedades daqueles que não as respeitam.
Vemos por que razão, para Locke, o estado de natureza é insatisfatório: a ausência de
leis, tribunais e autoridades policiais não garante aos seres humanos uma defesa
adequada dos seus direitos, ou seja, não protege a vida, a liberdade e a propriedade
como deve ser.

11. O surgimento do Estado implica que os indivíduos renunciem aos seus direitos
naturais?

O surgimento do Estado não significa que os indivíduos renunciem aos seus direitos
naturais. Bem pelo contrário, o Estado é instituído para, em caso de violação, defender

69
os direitos naturais. O contrato ou pacto social significa que os seres humanos,
naturalmente livres, iguais e independentes, renunciam, não aos seus direitos, mas a
fazerem justiça por suas próprias mãos. A justiça privada – muitas vezes impotente –
dá lugar, com o Estado, à justiça pública – polícia, tribunais, multas e prisões.

12. A transferência de poderes e de direitos para o Estado que surge do contrato


social é ilimitada?

Nã o. Como é o consentimento dos cidadã os que dá origem à autoridade política, a


vontade do povo tem prioridade sobre aquela. O governo é o servidor da vontade
dos cidadã os, que, por acordo mú tuo, consentiram em confiar-lhe a defesa dos seus
direitos e interesses. Para Hobbes, em nome da segurança nã o havia
aparentemente limites ao que o Estado podia fazer. Para Locke, a autoridade do
Estado é limitada pelos direitos naturais dos indivíduos. O Estado deve garantir a
segurança dos cidadã os, mas isso nã o pode nunca ser pretexto para violar os
direitos naturais dos cidadã os. Os direitos que temos no estado de natureza
continuam a existir no estado de sociedade. O Estado nã o deve tirar-nos a vida, a
liberdade e a propriedade. Se alguma lei ou decreto do governo desrespeita
direitos fundamentais, entã o justifica-se a desobediência ou a resistência dos
cidadã os.

COMPARAÇÃO ENTRE HOBBES E LOCKE


QUESTÕES HOBBES LOCKE
O Estado é uma instituição Não. Apesar de se poder reconhecer Não. Apesar de se poder reconhecer nos seres
natural? nos seres humanos a aptidão para humanos a aptidão para viverem em
viverem em sociedade, o Estado é uma sociedade, o Estado é uma construção
construção humana, algo que impomos humana, algo que impomos à nossa natureza.
à nossa natureza.

O que é o estado de É uma condição da vida humana É uma condição da vida humana marcada pela
natureza? marcada pela possibilidade que cada possibilidade que cada um tem de fazer justiça
um tem de fazer justiça por suas mãos. por suas mãos.

O estado de natureza é uma Não, porque é a guerra de todos contra Não, porque tende a ser a guerra de alguns
condição satisfatória? todos. É um estado calamitoso, contra alguns. No estado de natureza não há

70
Porquê? anárquico, em que, ameaçada pela leis escritas nem órgãos – tribunais, forças da
possibilidade que cada um tem de fazer ordem – que controlem e resolvam os
justiça por suas mãos, a vida humana é conflitos entre os seres humanos. Há direitos
curta e incerta. O profundo egoísmo da individuais, mas cada qual interpreta-os e
natureza humana é a raiz de todos os defende-os à sua maneira. Assim, a justiça
males e tem de ser controlado. privada – cada qual fazer justiça por suas
mãos ou fazer o que bem entende – conduz à
insegurança e à injustiça.

O Estado é um bem ou um O Estado é um bem necessário porque O Estado é um bem necessário porque
mal? garante, em princípio, a segurança e garante, em princípio, a proteção da vida, da
protege a vida dos cidadãos. liberdade e da propriedade.

Como se dá a passagem do Os indivíduos transferem para o poder Os indivíduos não abdicam de nenhum dos
estado de natureza à político todos os seus direitos de forma seus direitos naturais, mas transferem para o
sociedade política? ilimitada e renunciam à liberdade em Estado e seus órgãos o poder de legislar, de
nome da segurança e proteção das suas executar as leis e de julgar. Em vez de cada
vidas e dos seus bens. Isto porque indivíduo defender perante os outros os seus
nenhum mal é comparável a viver no direitos naturais, delega no Estado esse poder,
estado de natureza. atribuindo-lhe a responsabilidade de os
proteger.

A autoridade do Estado tem Em princípio não. Os cidadãos Sim. O contrato social não garante ao
limites? renunciam ao seu direito, a todas as governante poder absoluto para fazer o que
coisas, à sua liberdade natural, e bem entender em nome da paz e da
deixam de poder contestar as decisões segurança. Há, para Locke, valores mais
de quem governa, desde que o poder importantes do que a segurança e a ordem. O
absoluto assim criado garanta a paz e a direito à liberdade é um deles. Os cidadãos
segurança. Este é o único dever estrito não renunciam aos direitos individuais
do Estado: manter a ordem e proteger naturais como a liberdade. Só renunciam ao
as vidas que possam ser ameaçadas por direito de aplicarem por si mesmos o direito
forças internas ou externas. A natural de punirem quem desrespeita e viola
segurança e a ordem são os valores esses direitos básicos.
mais importantes.
Os titulares da soberania continuam a ser os
Como Hobbes pensa que a função do cidadãos – o povo. Este delega o exercício do
Estado se deve concentrar na defesa da poder nos governantes, mas, se estes não

71
nação e na segurança interna, a sua governarem bem, se não respeitarem e
conceção de Estado deixa aos cidadãos garantirem os direitos básicos dos indivíduos,
uma relativa liberdade na esfera serão depostos das suas funções.
económica, havendo assim direito à
propriedade e à iniciativa privada.

O contrato social garante ao


governante poder absoluto para fazer o
que bem entender com vista a
assegurar a paz e a ordem sociais. Só a
sua incapacidade em manter a
segurança e eliminar os conflitos
justifica que seja contestado e deposto.

72
2. O PROBLEMA DA JUSTIÇA SOCIAL

1. Qual é o objetivo da teoria da justiça de Rawls?

O objetivo da teoria política de Rawls é o de conciliar, na medida do possível, igualdade


e liberdade.

Porquê ambas? Porque, se apenas houver liberdade, põe-se em causa a igualdade (uns
indivíduos possuirão sempre mais bens do que outros e os que possuem mais
possuirão sempre mais – a riqueza gera mais riqueza). Se apenas houver igualdade,
põe-se em causa a liberdade (limita-se a liberdade de os indivíduos possuírem mais
bens do que a quantidade de bens que possuem).

2. O que é uma sociedade justa?

É uma sociedade em que:

1. As pessoas são igualmente livres;


2. Não há desigualdades excessivas na distribuição de bens e de riqueza; e
3. A posição que cada qual ocupa no que respeita a bens e cargos mais desejados
deriva do seu mérito e empenho.

3. A posição que uma pessoa ocupa na sociedade – se é rico, se é pobre, por exemplo
‒ deve depender das suas escolhas e do seu empenho e do seu mérito. Mas não há
obstáculos que podem impedir a realização deste ideal?

Há, sem dúvida. Quando começamos a nossa vida, nem todos estamos em iguais
condições. Uns nascem em meios socioeconómicos mais favoráveis do que outros. Isto
significa que se a nossa vida social fosse uma corrida uns partiriam mais à frente do
que outros. As circunstâncias sociais e económicas em que nasci e que eventualmente
me favorecem não são mérito meu. São obra do acaso. Mas prejudicam uns e
beneficiam outros.

4. O que defende Rawls para evitar que as circunstâncias sociais impeçam que o
esforço e o mérito tenham a última palavra? Como combater as desigualdades
devidas a fatores ambientais como a posição social que detemos em virtude do
nascimento?

73
Defende o princípio da igualdade de oportunidades. O acesso às profissões mais
valorizadas deve estar ao alcance de todos. Não é justo que, devido a uma condição
económica desfavorável, não possa estudar e realizar o projeto de ser engenheiro,
arquiteto, médico ou outras profissões socialmente mais reconhecidas. Mediante
ajustes institucionais como bolsas de estudo, o Estado deve garantir uma relativa
igualdade na «corrida» às posições sociais mais favoráveis.
Assim, procura neutralizar fatores que impedem que só o mérito, o empenho e a
responsabilidade pessoal sejam decisivos para que alguém atinja os seus objetivos no
plano social.

5. Esclareça em que consiste o princípio da igualdade de oportunidades.

O «princípio da igualdade de oportunidades» significa que cada um deve ter as


mesmas oportunidades de acesso às várias funções e posições sociais. De que
igualdade se trata? De uma igualdade semelhante à que acontece nas corridas de
atletismo. Numa corrida de 400 metros planos, as posições de saída dos atletas são
diferentes. Esta medida tem como objetivo compensar as desigualdades geradas pela
forma da pista, tornando possível a igualdade de condições de saída. Imaginemos a
seleção para postos de trabalho numa empresa. É justo que as posições mais
vantajosas e os restantes lugares sejam dados aos mais qualificados. Contudo, a
igualdade de oportunidades é mais do que isso. Exige que todos os concorrentes aos
lugares tenham tido a possibilidade de obter qualificação apropriada na escola ou em
qualquer outra instituição e não sejam discriminados pelas circunstâncias sociais (não
sejam prejudicados por fatores como o género, origem cultural ou étnica ou as
condições socioeconómicas.

6. Mas será que a igualdade de oportunidades é suficiente para que se construa uma
sociedade justa? Supondo que há efetiva igualdade de oportunidades, será que isso
resolve o problema da justiça social?

Rawls pensa que não. Porquê? Porque só é justo o resultado que decorre das escolhas
pelas quais somos responsáveis. Se estudamos pouco ou trabalhamos com pouco

74
empenho, não temos legitimidade para argumentar que não é justa a posição social
em que nos encontramos, dada a igualdade de oportunidades que tivemos. Não
aproveitámos as oportunidades. Mas há outro fator que pode desequilibrar. Qual? Os
dons da natureza. O que há de insuficiente na ideia de justiça social como igualdade
de oportunidades é que se esquece de que o sucesso também depende do talento
natural ou dos dons da natureza. As diferenças socioeconómicas devem derivar do
exercício da liberdade individual em condições de igualdade. Ora, o talento natural é
um dom que não decorre da liberdade de escolha. Não somos responsáveis pelos
nossos talentos naturais – grau de inteligência, aptidões musicais, físicas ‒ nem por
limitações físicas e intelectuais herdadas. Sendo assim, na corrida pelas melhores
posições sociais, o talento natural é um elemento perturbador na chegada à «meta».

7. O sucesso social de alguém favorecido pela natureza – elevado QI, força, destreza
– não é merecido no sentido em que estes dons não são adquiridos, mas oferecidos
pela natureza. Os talentos naturais não foram escolha sua. Foram dons da natureza.
A este respeito, o insucesso dos desfavorecidos pela natureza também não é
merecido. Foi obra do acaso natural e não responsabilidade sua. O que fazer para
que este obstáculo impeça uma injusta desigualdade?

A solução de Rawls é esta: os mais favorecidos têm o direito de usufruir dos bens cuja
aquisição foi favorecida pelo talento natural, desde que compensem os menos
favorecidos por desigualdades que não têm origem no mérito, ou seja, que foram
condicionadas por fatores que não são da sua responsabilidade. Por outras palavras,
posso, em virtude de dons que ninguém me pode subtrair, ganhar mais do que os
outros, ter melhor emprego e melhor estatuto social desde que isso reverta a favor
dos mais desfavorecidos. As pessoas que, em boa parte, devido ao seu talento natural,
acederam às profissões socialmente mais valorizadas e mais bem pagas não devem ser
as únicas a beneficiar com a sua situação. Ronaldo não deve ser o único a beneficiar do
talento e da capacidade que, em grande parte, deriva de a natureza ter sido generosa
com ele. A solução é proceder à redistribuição da riqueza. Os mais favorecidos pela
natureza devem contribuir – impostos ‒ para a melhoria da situação económica dos
que a natureza não beneficiou.

75
8. O que é o princípio da diferença?

É o princípio que responde à pergunta: «Como combater as desigualdades decorrentes


da sorte e da fortuna genética dos indivíduos?».

Os princípios da liberdade igual e da igualdade de oportunidades são insuficientes para


fundar uma sociedade justa. O princípio da diferença pretende reduzir a amplitude da
diferença de rendimentos e de bens entre indivíduos que esteja fundada na lotaria da
natureza: uns favorecidos em talentos preciosos para triunfar num mundo competitivo
e outros desfavorecidos ou pouco favorecidos nesse aspeto. O princípio da diferença
consiste em admitir na sociedade algumas desigualdades ou diferenças económicas e
sociais, desde que essas mesmas desigualdades possam também beneficiar os mais
desfavorecidos. Se a minha fortuna aumentar e os indivíduos com mais dificuldades
económicas receberem cada um em troca X euros com esta minha ação, então a ação
que possibilitou o aumento da minha fortuna será justa para Rawls. Porquê? Porque
também os mais desfavorecidos beneficiaram com esta minha ação.

9. Será que o princípio da diferença defende o igualitarismo ou a igualdade estrita?

Não. O princípio da diferença não defende o igualitarismo ou a igualdade estrita.


Estipula que os rendimentos e a riqueza devem ser igualmente distribuídos, a não ser
que a desigualdade seja vantajosa para todos os membros da sociedade. Rawls
acrescenta que deve ser vantajosa sobretudo para os menos favorecidos.

10. Vemos que, apesar de querer conciliar liberdade e igualdade, Rawls admite a
desigualdade económica. Porquê?

A desigualdade económica será vantajosa pelas seguintes razões:

1. As pessoas mais talentosas sentirão menos estímulo para trabalhar e produzir se


houver uma distribuição igualitária da riqueza.

2. Menos produção de riqueza implica menos recursos para distribuir e prestar


assistência através de taxas e impostos aos menos favorecidos.

76
3. As oportunidades dos que têm menos são mais amplas num sistema de distribuição
da riqueza que não é estritamente igualitário – todos a ganharem o mesmo ou
aproximadamente – porque haverá mais recursos disponíveis para que os
desfavorecidos invistam na educação e na formação profissional.

Assim, a desigualdade funciona a favor da redução das desigualdades.

11. O princípio da igual liberdade, da igualdade de oportunidades e da diferença


devem ser seguidos por uma sociedade que queira ser justa. Será que este modelo
de sociedade é, para Rawls, justo?

Sim, Rawls pensa que este modelo económico, social e político é condição necessária
para que se possa falar de sociedade justa ou de justiça social.

12. Como justifica ou defende Rawls a sua tese?

Rawls pensa que este seria o tipo de sociedade que escolheria pessoas que não
soubessem, no momento de criar uma sociedade, o seguinte:

1. O que seriam (se seriam homens ou mulheres, se pertenceriam a esta ou àquela


etnia, se seriam muito ou pouco inteligentes, dotados de muita força ou fracos, com
muita destreza e habilidade física ou não).

2. Em que meio económico-social iriam nascer (se pobres ou ricos ou pertencentes à


classe média).

3. Que profissão ou estatuto social iriam ter.

Se as pessoas se encontrassem nesta posição original e cobertas por este véu de


ignorância acerca dos seus dotes naturais, da sua condição económica e social futura,
escolheriam os princípios de justiça que Rawls apresentou.

Não iriam escolher uma sociedade em que, por exemplo, um certo grupo racial, uma
certa etnia ou um dado género fossem discriminados. Porquê? Porque, não sabendo
qual vai ser a sua condição, é razoável que queiram uma sociedade em que há
liberdade igual.

77
Não iriam escolher uma sociedade em que não se defende a igualdade de
oportunidades porque poderiam vir a pertencer a classes desfavorecidas no acesso às
melhores profissões.

Não iriam escolher uma sociedade em que os mais desfavorecidos quer em dotes
naturais quer em meios económicos seriam a bem dizer abandonados à sua sorte ou
ficariam dependentes da compaixão ou da boa vontade dos mais favorecidos.

Nesta situação, optaríamos por uma sociedade que assegurasse as liberdades básicas,
nos desse a oportunidade de melhorar a nossa condição social e impedisse um fosso
gigantesco entre favorecidos e desfavorecidos.

13. O que é a posição original?

A posição original é uma situação imaginária ou hipotética de total imparcialidade – as


pessoas pensam no que é justo e não simplesmente no que é pessoalmente vantajoso
– em que pessoas racionais, livres e iguais criam uma sociedade regida por princípios
de justiça. Para que tal imparcialidade se verifique, essas pessoas devem estar
«cobertas» por um «véu de ignorância».

14. O que é o véu de ignorância?

O «véu de ignorância» é o desconhecimento por parte de cada indivíduo da sua


condição social e económica no momento do estabelecimento do contrato social, no
momento em que dão origem a uma determinada forma de sociedade.

15. Qual é a vantagem do «véu da ignorância»?

Vai possibilitar que, devido ao desconhecimento da sua situação social e económica,


os indivíduos exijam uma organização da sociedade que seja dentro dos possíveis a
mais vantajosa e melhor para todos, não inferiorizando qualquer grupo de indivíduos.
Neste sentido, vão exigir que a sociedade promova os valores básicos que permitam a
todos ter uma vida aceitável, designadamente a mesma liberdade para todos e o
mínimo de desigualdades sociais e económicas.

16. O que entende Rawls pelo princípio maximin?

78
O princípio maximin é uma estratégia de decisão que pessoas razoáveis seguem, numa
situação de incerteza – o véu de ignorância. É a estratégia do menor mal. São
preferíveis princípios de justiça que estejam na base de uma sociedade em que o pior
não será muito mau do que uma sociedade que, por exemplo, haja muita pobreza e
muita riqueza. A sociedade preferível é aquela em que a pobreza e a riqueza sejam
moderadas. Se escolher uma sociedade em que a pobreza extrema convive com a
riqueza extrema, corro o risco de fazer parte do grupo de pessoas que serão
extremamente pobres.

79
OS PRINCÍPIOS DA JUSTIÇA OU DE UMA SOCIEDADE JUSTA
Princípio da igual liberdade Princípio da igualdade de oportunidades Princípio da diferença

Todos temos direito a Muitas pessoas tiveram a sorte de É injusto que muitos membros de uma
conduzir as nossas vidas de encontrar boas condições sociais e sociedade sejam impedidos, por
acordo com a nossa vontade. económicas para conquistarem um lugar fatores pelos quais não são
Mas a minha liberdade tem confortável ou de destaque na responsáveis, de alcançar os seus
de ser compatível com a dos sociedade. Outras são desfavorecidas ou objetivos.
outros. É injusto que umas pouco favorecidas por nascerem em O principal obstáculo é a desigualdade
pessoas tenham mais meios sociais e económicos que económica, ou seja, condições
liberdade do que outras. Por impedem o acesso a uma razoável ou económicas desfavoráveis.
isso, cada pessoa deve ter boa posição social. Devemos tentar corrigir essa
um máximo de liberdade que O princípio da igualdade de desigualdade.
seja compatível com idêntico oportunidades pretende garantir que Como? Os que tiveram sorte na lotaria
grau de liberdade de todos os apenas o mérito e o esforço pessoal, e natural e social e ascenderam a uma
outros. não outros fatores, são decisivos para boa posição social e económica
O princípio da igual liberdade alguém realizar as suas ambições no devem contribuir para benefício dos
para todos refere-se a plano social. No acesso às profissões que não foram favorecidos. Qual o
liberdades básicas como a mais valorizadas, todos os cidadãos meio? Os impostos que permitem
liberdade de voto, de devem, à partida, estar em igualdade de indiretamente assistir e subsidiar
associação, de religião, de condições. quem precisa de ajuda para tentar
expressão, e a direitos como melhorar a sua condição social.
o direito à integridade física, Haverá sempre pessoas em melhor
à propriedade e a um situação social do que outras, mas a
tratamento legal justo. todos deve ser dada a oportunidade
O princípio da liberdade igual de melhorar a sua vida.
ou do direito a iguais O princípio da diferença defende que
liberdades básicas é o mais a distribuição da riqueza se deve fazer
importante. A promoção da de forma igualitária, exceto se as
igualdade de oportunidades desigualdades beneficiarem os menos
e a redução da desigualdade favorecidos e lhes derem a
económica não são legítimas oportunidade de melhorar a sua
se violarem o direito à igual situação. É injusta a sociedade em que
liberdade. as vantagens dos mais favorecidos
não são benéficas para mais ninguém.

80
17. Explicite uma das principais críticas que se faz à teoria de Rawls.

Uma das principais críticas a Rawls é a difícil harmonização entre os princípios da igual
liberdade e da diferença. Em primeiro lugar, pode haver igual liberdade se não houver
igual riqueza? Quem mais bens possui não tem mais liberdade? Maior poder
económico não significa poder fazer mais coisas, sobretudo influenciar as decisões de
quem governa a seu favor? Se isto for verdade, o princípio de diferença, admitindo as
desigualdades económicas, restringe indevidamente o princípio de igual liberdade. Em
segundo lugar, se as pessoas têm igual liberdade de adquirir bens e riqueza, limitar a
quantidade de bens que uma pessoa pode adquirir ou receber restringe a liberdade de
cada indivíduo. Neste caso, uma correta aplicação do princípio da liberdade igual
negaria o princípio de diferença.

18. O princípio da diferença tem sido um dos aspetos da teoria de Rawls mais
criticados. Exponha essa crítica.
O princípio da diferença diz que as desigualdades de rendimento são permitidas se
beneficiarem os menos favorecidos.
Mas será isto sempre correto? Não haverá pessoas que possuem mais bens porque
trabalham e se empenham mais e outras porque optam por trabalhar menos e «gozar
a vida»? Os críticos de Rawls pensam que, antes de transferirmos recursos e bens para
melhorar a posição dos que têm menos rendimentos, devemos primeiro saber como
chegaram a essa posição menos favorecida.
Alguns poderão estar nessa posição porque estão incapacitados para trabalhar ou
porque não conseguem encontrar trabalho. Mas outros podem ter escolhido não
trabalhar ou trabalhar muito pouco. Merecem igualmente beneficiar do trabalho dos
outros?
Não será injusto que as pessoas esforçadas sejam obrigadas indiretamente a contribuir
para melhorar o nível de vida dos que, sendo capazes, são contudo preguiçosos? Será
isto correto?

81
A crítica de Nozick a Rawls

1. Em termos gerais o que carateriza a teoria de Nozick sobre a justiça?

Nozick defende um liberalismo radical que considera absolutos direitos individuais


como a liberdade e a propriedade. Opõe-se ao conceito de justiça social de Rawls
defendendo um Estado mínimo que como um guarda-noturno proteja a segurança dos
cidadãos e as liberdades políticas, mas não interfira na vida económica. Propõe uma
distribuição da riqueza baseada no mérito dos indivíduos – ideal que considera uma
utopia, mas que deve regular a vida social. O Estado mínimo é o único poder político
legítimo, e cada indivíduo é titular absoluto do que ganha e adquire. A justiça social é
incompatível com a redistribuição da riqueza, seja qual for o critério, por parte de
Estado.

2. Qual é a tese central da teoria de Nozick?

A tese central de Nozick é a de que uma sociedade justa é a que não impõe qualquer
limite legal aos níveis de desigualdade económica nela presentes.

Cada indivíduo, segundo esta perspetiva, deve exigir do Estado a máxima liberdade,
sobretudo no que diz respeito à possibilidade de adquirir e dispor de uma quantidade
desigual de bens sociais.

3. Como justifica Nozick a sua tese?

Não há, segundo Nozick, uma forma padronizada de distribuição da riqueza que
determine até que ponto deve ir a desigualdade económica entre os indivíduos, ou
seja, o que cada qual deve possuir.

4. As desigualdades sociais e económicas não devem, segundo Nozick, ser ajustadas


de modo a favorecer também os mais carenciados. Porquê?

Por duas razões: a) distribuir os benefícios sociais de acordo com uma regra ou fórmula
geral – um padrão – exige sempre o uso ilegítimo da força e da coerção; b) as livres
escolhas dos indivíduos perturbam frequentemente os padrões de distribuição que as
sociedades pretendem estabelecer.

82
Imaginemos uma sociedade em que cada qual tem o que deve ter de modo que a
desigualdade económica não seja injusta. Suponhamos agora que um famoso
basquetebolista – um dos maiores jogadores de sempre da NBA, Willt Chamberlain –
decide livremente efetuar vários jogos de exibição recebendo por jogo 1 dólar de cada
espetador. Milhões de admiradores decidem também livremente gastar essa quantia
para o ver jogar. Resultado: no final da época o jogador ganhou dezenas de milhões de
dólares. É agora detentor de mais bens do que aqueles que deve ter. Assim sendo, o
padrão de justiça em vigor na sociedade exige que algum do dinheiro que ganhou seja
transferido para outros indivíduos de modo que a apropriada distribuição da riqueza
seja reposta. Mas será correto este procedimento? Os admiradores do basquetebolista
sabiam que o dinheiro seria de Willt. Não têm direito de se queixar, tanto mais porque
contribuíram para o seu enriquecimento por livre iniciativa. Por outro lado, os bens dos
que não assistiram aos jogos não foram de modo algum afetados, e os que assistiram
quase nada gastaram. A distribuição que resultou da conjugação das referidas livres
escolhas, isto é, o facto de Willt ter ficado mais rico nada tem de injusto.

5. Segundo Nozick, o conceito de justiça de Ralws é imoral. Porquê?

«O que é meu é meu». Cada um de nós tem direito ao que herdou, recebeu ou ganhou
legitimamente – seja muito ou pouco –, e esse direito de propriedade não deve ser
violado pelo Estado. Mesmo que numa sociedade haja assinaláveis desigualdades
económicas, esse facto não torna legítima a redistribuição da riqueza, isto é, que se tire
aos mais favorecidos para dar aos mais desfavorecidos. Como o direito de propriedade
é, para Nozick, um direito absoluto, qualquer redistribuição da riqueza por parte do
Estado é uma violação de um direito fundamental. É imoral que me forcem a partilhar
com outros os bens que legitimamente adquiri.

6. Mas não é injusto haver um grande fosso entre ricos e pobres como acontece em
muitas sociedades?

O fosso entre ricos e pobres só é injusto se for criado através de meios injustos, tais
como a fraude e o roubo. Há várias formas de sermos proprietários de bens: por
heranças e doações que recebemos, por esforço pessoal, etc. A não redistribuição não
viola nenhum direito e por isso não é injusta. A justiça social consiste em permitir que

83
os bens de que sou proprietário legítimo permaneçam em meu poder, dispondo deles
conforme entendo. A justiça é a titularidade de posses legítimas. Este direito ao que é
meu é um direito moral que não pode ser suplantado pelo objetivo utilitarista de
aumentar o bem-estar geral nem por ideais igualitários nem por outros direitos como
os direitos de subsistência. Providenciar serviços sociais e bens materiais aos mais
desfavorecidos redistribuindo a riqueza e forçando o pagamento de impostos é
violação do direito de propriedade individual. Segundo Nozick, pode e deve apelar-se à
generosidade dos mais favorecidos, mas não é justo obrigá-los a socorrer os mais
necessitados.

7. Deste conceito de justiça que conceito de Estado decorre?

Decorre um conceito minimalista de Estado. Uma conceção minimalista do Estado


entende que o poder político não deve intervir na vida económica. Unicamente deve
ocupar-se de assegurar os direitos políticos dos cidadãos e da sua segurança
relativamente a ameaças internas e externas. Para assegurar estes serviços mínimos é
legítimo que o Estado cobre impostos. Assim, forçar os indivíduos a pagar impostos
para que o Estado mantenha serviços como a defesa (exército e polícia), o governo e a
administração pública é perfeitamente legítimo e necessário. Para além desses
objetivos qualquer cobrança de impostos é uma violação dos direitos individuais.

8. Por que razão diferem as teorias de Rawls e de Nozick?

A razão de ser fundamental da divergência entre Rawls e Nozick tem a ver com o modo
como olham para a riqueza que existe numa sociedade. Ao perguntar «O que é uma
sociedade justa?», Nozick quer saber como foi adquirida a riqueza que em diversos
graus certas pessoas possuem. Ao perguntar «O que é uma sociedade justa?», Rawls
quer saber se a riqueza que existe numa sociedade está bem distribuída. No primeiro
caso, só interessa a origem da riqueza; no segundo, interessa a sua distribuição.

Estas diferentes formas de olhar para um aspeto da sociedade dão origem a teorias
muito diferentes. Uma das consequências tem a ver com o problema do papel do
Estado na vida económica. Rawls, preocupado com a distribuição da riqueza, defende
que o Estado deve intervir nas relações económicas entre as pessoas em nome da

84
igualdade, ou seja, em nome de uma sociedade sem grandes desigualdades
económicas. Nozick defende que o Estado não deve interferir na vida económica de
uma sociedade para reduzir as desigualdades. Não é correto que sejamos obrigados
pelo Estado a contribuir para as pessoas menos favorecidas.

COMPARAÇÃO ENTRE RAWLS E NOZICK

Questões Rawls Nozick

É uma sociedade que não põe em É uma sociedade que respeita de forma
causa as liberdades básicas iguais absoluta os direitos individuais – direito à
para todos nem a igualdade de liberdade e à propriedade do que se
oportunidades. Para que isto seja recebe e adquire – e permite que os bens
possível, a desigualdade económica de que sou proprietário legítimo
O que é uma sociedade
terá de ser controlada para que permaneçam em meu poder, dispondo
justa?
possa reverter também a favor dos deles conforme entendo. Uma sociedade
mais carenciados. justa é a que não impõe qualquer limite
legal aos níveis de desigualdade
económica nela presentes.

Sim. O Estado tem o direito e o Não. O Estado não tem o direito de tirar
dever de tirar a uns para dar a a uns para dar a outros, de forçar alguns
Deve o Estado ter algum
outros ou, por outras palavras, de a contribuírem para a melhoria do nível
papel a desempenhar na
forçar alguns a contribuírem para a de vida de outros. A redistribuição da
promoção e construção de
melhoria do nível de vida de outros. riqueza é uma violação da liberdade
uma sociedade justa? Será
individual. Não é correto que sejamos
que é sua função legítima
obrigados pelo Estado a contribuir para
corrigir as desigualdades
ajudar as pessoas menos favorecidas.
económicas através da
redistribuição da riqueza
que a sociedade produz?

O Estado deve promover o princípio A justiça social é incompatível com a


da diferença e o princípio da redistribuição da riqueza, seja qual for o

85
igualdade de oportunidades. O critério, por parte de Estado. Este não
princípio da diferença consiste em deve interferir na vida económica. Deve
admitir na sociedade algumas deixar que a distribuição da riqueza se
desigualdades económicas e sociais, faça de acordo com a sorte e o mérito
desde que essas mesmas individual. Cada indivíduo é titular
Se deve e é indispensável
desigualdades beneficiem os mais absoluto do que ganha e adquire. O
que tenha esse papel, como
desfavorecidos. O princípio da direito à propriedade é absoluto, e o
deve proceder para realizar
igualdade de oportunidades Estado não tem o direito de cobrar
a justiça social?
consiste em garantir a todos os impostos para assistir os desfavorecidos.
indivíduos as mesmas oportunidades Essa cobrança é uma violação desse
de acesso aos vários lugares na direito.
sociedade, independentemente de
ser de raça branca ou negra, rico ou
pobre, homem ou mulher. Desde
que os indivíduos possuam as
mesmas capacidades e
competências, têm as mesmas
possibilidades de acesso a um
emprego. Estes dois princípios
implicam que o direito à
propriedade não é absoluto. Os mais
ricos devem contribuir para
beneficiar todos os outros,
assegurando-lhes, no grau máximo
possível, um nível de vida com um
mínimo razoável de bens básicos
(princípio maximin).

UNIDADE 5

86
A DIMENSÃO RELIGIOSA DO AGIR

1. Uma das provas da existência de Deus

O argumento teleológico ou do desígnio

«Suponha que, ao atravessar uma mata, tropeço numa pedra e me perguntam como foi ela ali parar.
Poderia talvez responder que, tanto quanto me é dado a saber, a pedra sempre ali esteve; e talvez
não fosse muito fácil mostrar o absurdo desta resposta. Mas suponha que eu tinha encontrado um
relógio no chão e procurava saber como podia ele estar naquele lugar. Muito dificilmente me
poderia ocorrer a resposta que tinha dado antes — que, tanto quanto me era dado saber, o relógio
poderia sempre ali ter estado. Contudo, por que razão esta resposta, que serviu para a pedra, não
serve para o relógio? Por que razão não é esta resposta tão admissível no segundo caso como no
primeiro? Por esta razão e por nenhuma outra: a saber, quando inspecionamos o relógio, vemos (o
que não poderia acontecer no caso da pedra) que as suas diversas partes estão forjadas e associadas
com um propósito; por exemplo, vemos que as suas diversas partes estão fabricadas e ajustadas de
modo a produzir movimento, e que esse movimento está regulado de modo a assinalar a hora do
dia; e vemos que se as suas diversas partes tivessem uma forma diferente da que têm, se tivessem
um tamanho diferente do que têm ou tivessem sido colocadas de forma diferente daquela em que
estão colocadas ou se estivessem colocadas segundo uma outra ordem qualquer, a máquina não
produziria nenhum movimento ou não produziria nenhum movimento que servisse para o que este
serve. [...] Tendo este mecanismo sido observado [...], pensamos que a inferência é inevitável: o
relógio teve de ter um criador; teve de existir num tempo e num ou noutro espaço, um artífice ou
artífices que o fabricaram para o propósito que vemos ter agora e que compreenderam a sua
construção e projetaram o seu uso. [...] Pois todo o sinal de invenção, toda a manifestação de
desígnio, que existia no relógio, existe nas obras da natureza, com a diferença de que na natureza
são mais, maiores e num grau tal que excede toda a computação. Quero dizer que os artefactos da
natureza ultrapassam os artefactos da arte em complexidade, em subtileza e em curiosidade do
mecanismo; e, se possível, ainda vão mais além deles em número e variedade; e, no entanto, num
grande número de casos não são menos claramente mecânicos, não são menos claramente

87
artefactos, não são menos claramente adequados ao seu fim ou menos claramente adaptados à sua
função do que as produções mais perfeitas do engenho humano. [...] Em suma, após todos os
esquemas e lutas de uma filosofia relutante, temos necessariamente de recorrer a uma Deidade. Os
sinais de desígnio são demasiado fortes para serem ignorados. O desígnio tem de ter um projetista.
Esse projetista tem de ser uma pessoa. Essa pessoa é DEUS.»

William Paley, Teologia Natural, 1802, Cap. 1, 3 e 27 (adaptado)

Explicitação
Primeira premissa – Se abrirmos um relógio e inspecionarmos o modo como todas as peças do
mecanismo trabalham conjunta e harmoniosamente, compreenderemos que o relógio teve de ser
criado por alguém inteligente, o relojoeiro que o fabricou.

Segunda premissa – O universo e os organismos vivos são muito semelhantes aos relógios, isto é,
também revelam complexidade e organização e harmonia (desígnio).

Conclusão – Portanto, também o universo e os organismos vivos têm um criador inteligente, que é
Deus.

Comentário
O argumento do desígnio, tal como o argumento cosmológico, parte da observação de dados
empíricos, de factos do mundo. No entanto, quanto à sua estrutura há uma diferença importante em
relação ao argumento cosmológico. Este é um argumento de forma dedutiva, ao passo que o
argumento do desígnio é um argumento analógico, não dedutivo. Por isso mesmo a verdade da sua
conclusão não é necessária, mas sim provável. O que ele prova no caso de ser um bom argumento é
a forte probabilidade de Deus existir.

O argumento baseia-se numa analogia entre a natureza e um relógio (compara a natureza, o


universo, a um relógio).

Um relógio é um objeto que foi concebido com um determinado propósito ou desígnio, isto é, cumpre
uma determinada finalidade ou fim (telos, em grego, significa «fim»; daí a designação de teleológico
dada ao argumento).

Ora, a natureza é como um relógio. Tal como as peças do relógio formam um mecanismo que
funciona harmoniosamente (cada peça cumpre a função que lhe está destinada no conjunto) porque

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não foram colocadas ao acaso, também o mundo natural revela, pela harmonia que reina entre as
diversas partes, que não foi obra do acaso ou da união fortuita dessas partes (não é o resultado de
causas puramente físicas). Cada coisa na natureza, analogamente às peças do relógio, cumpre uma
função. Mesmo que disso não se possa aperceber, está harmoniosamente adaptada àquilo para que
aparentemente foi feita. Cada peça do todo que é a natureza ocupa um lugar previamente definido
dentro do conjunto.

Assim sendo, tal como não há relógio sem relojoeiro, não há natureza ou universo sem um Criador,
ser superiormente inteligente que pôs a natureza a funcionar como se fosse um relógio. Esse Criador,
esse grande Relojoeiro, é Deus.

O argumento de Paley compara – estabelece uma analogia – entre um relógio e as coisas e seres vivos
do universo para concluir que, se, devido a certas caraterísticas, o primeiro tem um criador
inteligente o universo devido a caraterísticas semelhantes, também foi obra de um ser inteligente.

Críticas
1. Fraca analogia – Um relógio de pulso e um relógio de bolso são suficientemente semelhantes para
supormos que foram concebidos por um mesmo relojoeiro. Mas os objetos naturais e os artificiais
não são significativamente semelhantes. A analogia entre o universo natural e um relógio é
demasiado fraca para que concluamos que, tal como um relógio é obra de um ser inteligente que o
destinou a uma função, o universo é obra de um Ser Inteligente – de um «Relojoeiro universal» –
que o dotou de um propósito e de um conjunto de funções preestabelecidas.

2. Não justifica a existência de um único Deus nem de um Deus omnipotente, omnisciente e bom tal
como é descrito pelas religiões monoteístas – Mesmo que admitíssemos que a analogia é forte, o
argumento só provaria a existência de um Ser inteligente que poderia muito bem não ser o Deus das
religiões monoteístas. Por outro lado, o argumento poderia chegar sem qualquer incoerência lógica
à conclusão de que a complexidade e subtil ajustamento e harmonia do funcionamento das diversas
partes do universo é obra, não de um projectista, mas sim de vários, o que poderia conduzir-nos ao
politeísmo.

3. A complexidade dos organismos vivos é, para Paley, superior à dos objetos fabricados pelos seres
humanos, mas isso não implica necessariamente que tenha de ser explicada por uma causa
sobrenatural – Deus.

89
Para Paley, a beleza de uma paisagem ou a formação dos órgãos dos seres vivos (sobretudo do olho
que associa harmoniosamente um aparelho ótico e um aparelho nervoso) são exemplos dificilmente
desmentíveis de finalidade ou desígnio na natureza (de que as coisas na natureza foram feitas para
um determinado fim, isto é, segundo um plano que atribui a cada uma a função a cumprir).
Considera extremamente improvável que a harmonia natural se deva ao encontro acidental de
causas puramente naturais. Contudo, na sequência da teoria de Darwin, a biologia atual afirma que
a surpreendente harmonia e complexidade dos seres vivos pode ser explicada através de causas
simplesmente naturais, sem pressupor um desígnio inteligente e sobrenatural. Essa complexidade
dos organismos é o resultado de uma longa evolução regida pela capacidade de adaptação dos
indivíduos ao meio e à transmissão das caraterísticas com maior valor adaptativo por parte dos mais
aptos e fortes na luta pela sobrevivência. A teoria de Darwin enfraquece, de facto, a força do
Argumento do Desígnio, uma vez que explica os mesmos efeitos sem mencionar Deus como causa. A
existência desta teoria acerca do mecanismo de adaptação biológica impede o Argumento do
Desígnio de constituir uma demonstração conclusiva da existência de Deus.

90
2. Uma das críticas à perspetiva religiosa: Freud e a religião como ilusão
prejudicial

Para Freud, a religião é uma ilusão que tem as suas raízes profundas na mente
humana. Uma das experiências fundamentais do ser humano é a sensação de
insegurança e a necessidade de proteção e de amparo. A religião surge como
mecanismo de defesa perante as ameaças da natureza e a dureza das relações sociais.
Deus será assim concebido como o Protetor supremo, o ser todo-poderoso que alivia a
angústia e o medo do homem perante a realidade, que consola e ampara. Tal como o
pai está para o filho, assim Deus está para o homem.
Para a criança, o pai é um ser poderoso (logo, protetor) e exigente (que o pode castigar
e punir). A sensação de impotência, de fragilidade e debilidade que leva a criança a
sentir a necessidade de proteção e amparo (satisfeita pela figura paterna) persiste ao
longo da vida e conduz o homem «a forjar» a existência de um pai imortal muito mais
poderoso (Deus). A religião corresponde, assim, a um estádio infantil da humanidade,
à constante necessidade de ter um pai na relação com o qual se vive um sentimento
ambivalente: amor e medo. Nasce dos desejos mais intensos do ser humano, mas não
passa de uma ilusão, de uma projeção ilusória da situação do filho perante o pai.
Recorre-se a ela para acalmar a angústia, o medo perante a imensidade
desconcertante do universo e a imprevisibilidade da vida. A religião é um remédio
ilusório para as dores e a frustração do ser humano. Qual o futuro desta ilusão? Poderá
prescindir-se da ilusão religiosa? Freud afirma que é dever do homem aceitar a sua
dura condição e enfrentar a realidade sem recorrer a consolações celestes. Mas como
suportar o peso da vida e a crueldade da realidade?
Através de uma educação «em vista da realidade», que não fabrique doentes que
depois precisem do narcótico religioso para entorpecer e anestesiar a angústia e a
ansiedade. Só uma educação fundada na verdade pode encaminhar o homem para a
maturidade e superar a necessidade da religião. Esta, enquanto ilusória realização do
desejo de ser amado e protegido perante um meio hostil, não nos ensina a enfrentar a
realidade, é uma fuga para um além imaginário, uma constante e sempre frustrada
necessidade de paz e tranquilidade. Por isso é a neurose obsessiva da humanidade.

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A DIMENSÃO ESTÉTICA DO AGIR

OS JUÍZOS ESTÉTICOS E O PROBLEMA DA SUA NATUREZA: SÃO OBJETIVOS OU SUBJETIVOS?

O QUE É UM JUÍZO ESTÉTICO OBJETIVISMO SUBJETIVISMO

Teoria segundo a qual um objeto é Teoria segundo a qual um objeto é


belo ou feio em virtude de belo ou feio em virtude de
Um ato mediante o qual formulamos
propriedades ou caraterísticas que sentirmos prazer ou desprazer ao
uma proposição que atribui
nele se encontram ou lhe observá-lo. A beleza ou fealdade
determinada qualidade estética
pertencem. A beleza e a fealdade dependem, não das propriedades
(beleza, sublimidade, fealdade) a um
dos objetos não dependem dos intrínsecas do objeto, mas dos
objeto: «Este palácio é belo» ou «O
sentimentos ou das reações de sentimentos que em nós provoca e
Requiem de Mozart é uma obra-
quem os observa. desperta.
prima» e «O Padrinho de Francis Ford
Copolla é um filme magnífico». Para os partidários do objetivismo Para os partidários do subjetivismo
estético, dizer «A catedral de Milão é estético, dizer «A catedral de Milão é
bela» é muito diferente de dizer bela» é igual a dizer «Gosto da
«Gosto da catedral de Milão». catedral de Milão».

Por que razão discordam as pessoas acerca da beleza ou da fealdade dos objetos estéticos?
Uma primeira explicação pode ser o facto de algumas pessoas não conseguirem assumir um ponto de vista
puramente estético. Há pessoas que estabelecem a ligação da obra com pontos de vista morais e políticos, o
que obviamente condiciona a sua avaliação e pode predispô-las para aprovar ou rejeitar certas qualidades da
obra. Parece consensual que um autor conotado com o nazismo ou o fascismo tenha mais dificuldade em ser
aceite.

Outra eventual explicação costuma acentuar a falta de educação estética de algumas pessoas. Se as

propriedades que agradam e deslumbram estão no objeto, é preciso saber descobri-las. Ora, quem limita o seu

gosto musical à chamada música pimba ou à música ligeira dificilmente estará em condições de apreciar

Richard Wagner, Bach e Mahler.

92
O QUE SE ENTENDE POR ARTE
A arte é imitação da A arte é expressão de A arte é uma A arte é pura
realidade. sentimentos e transfiguração da forma.
emoções. realidade.
A arte — e sobretudo a Um dos principais O que o artista cria O principal
pintura — imita ou deve imitar
representantes desta teoria é corresponde a uma representante desta
a realidade, constituindo-seTolstoi. Defende que só é arte transfiguração do mundo real. conceção de arte é Clive
como uma cópia ou espelho o que for a adequada O universo artístico é o real Bell. Uma obra é artística
no qual os objetos são expressão de um sentimento transfigurado, recriado, nunca se, e só se, provocar em
refletidos o mais fielmente genuíno. Uma obra é tanto algo de absolutamente irreal. nós emoções estéticas.
possível. melhor quanto melhor Podemos dizer que o artista Estas derivam das
conseguir exprimir os abre à realidade as portas da próprias obras, da sua
Críticas sentimentos do artista que a imaginação e alarga o forma significante
1. O artista não representa criou. horizonte da nossa (harmonia, equilíbrio da
experiência sensível e composição dos
as coisas que vê, mas o Críticas também pensante. A arte é elementos).
modo como vê e também
1. Há obras que não criação de formas sensíveis
como imagina as coisas. Para os partidários da
exprimem qualquer emoção (literárias, pictóricas,
cinematográficas, etc.) que, conceção de arte como
O quadro aparentemente ou sentimento.
pura forma, o
mais «realista» está mesmo quando parecem não
especificamente artístico
condicionado na sua criação 2. Mesmo que uma obra de o fazer, interpretam a
é a forma. A arte deve ser
pela experiência do artista, arte provoque certas emoções realidade enriquecendo-a
esvaziada de qualquer
pelos seus sentimentos, pela em nós, daí não se segue que com novas perspetivas e
conteúdo. A arte não
forma como avalia as relações essas emoções tenham modalidades de expressão.
deve ter qualquer
sociais do seu meio, pelos existido no seu autor.
Críticas preocupação temática ou
ideais que, porventura, queira
em transmitir uma
transmitir. Um quadro de
mensagem. A arte
Daumier não é uma cópia do
1. Nem toda a obra de arte é abstrata é o expoente
que este viu, mas a tradução
simbólica. máximo desta perspetiva.
pictórica de uma experiência
Nela manifesta-se de
ou a forma simbólica de
2. Há obras de arte que muito modo superior a
expressar simpatia pela
dificilmente podemos autonomia da arte a
condição dos desfavorecidos,
considerar uma respeito de qualquer
de protestar contra as duras
transfiguração da realidade intenção ou exigência de
condições de trabalho das
dado o seu elevado grau de representar a realidade.
mulheres e das crianças na
abstração.
sociedade de meados do Críticas
século XIX.
1. Há pessoas que não
2. Esta conceção baseia-se sentem qualquer tipo de
numa conceção ingénua da emoção perante certas

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realidade. obras que são
consideradas arte.
A realidade não se reduz aos
objetos da nossa perceção 2. O critério da forma
imediata. A física ensina-nos significante é demasiado
que os constituintes últimos vago e impreciso para se
da matéria (eletrões, protões, aplicar às diversas artes.
neutrões) não são objetos dos
nossos sentidos nem,
rigorosamente falando, coisas.
Aquilo a que chamamos real
não é nada de evidente. Se
olharmos para alguns quadros
de Picasso, podemos dizer que
aquilo que mostra é tão pouco
evidente como a realidade que
os físicos se esforçam por
compreender.

3. Encontramos na pintura
abstrata, na música e na
arte não figurativa
exemplos de obras artísticas
que não imitam nada.

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