Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
O texto da carta de Clemente Romano foi descoberto primeiro no Códice Alexandrino bíblico do século
V (parágrafo 7.2c), onde está depois do Apocalipse de João; no entanto, está faltando uma folha que
continha o texto da 1 Clem. 57, 7-63, 4. O texto grego completo apareceu com a descoberta do Códice
Hierosolimitano (o mesmo códice que contém o texto grego da Didaquê) (KOESTER, 2005, 307).
Corinto era uma cidade Grega, situada a 80 km de Atenas, no lado sul do
Isthmus, que era uma estreita faixa de terra que une o Peloponeso ao continente da
Grécia, separando o mar Jônico (Golfo de Corinto), do mar Egeu (Golfo Sarônico).
Corinto, portanto, se situava na região de Acaia, Grécia, e, por ser uma cidade portuária,
era composta por cidadãos de várias regiões que vinham atrás do comércio, uma vez
que a ciência e a navegação foram desenvolvidas por estes estímulos e impulsos
estrangeiros. Tanto que os coríntios, no século VIII a. C, construíram as primeiras
trirremes, barcos providos de três grupos de remadores de cada lado (RICHETTI;
EGIDATI, 2006).
Tanto a água abundante como a geologia determinaram a localização de Corinto
pois a composição geológica forneceu os materiais básicos para a construção da cidade,
sendo que há calcários de barras de areia marinhas que vão desde o Golfo Sarônico até
Sikyon e são extraídos para a pedra. Essas pedreiras são vistas de longe e a sua
composição é tão macia que pode ser trabalhada como carpintaria, com uma coloração
amarelo avermelhada, o que possibilitava a sua exportação para a construção de
templos.
Corinto possuía quatro portos. Dois deles, Schoenus e Poseidona eram
possivelmente de ancoragem simples e atendiam as duas extremidades de Diolkos, uma
estrada pavimentada que foi construída ao longo desse Isthmo, com 6 km de extensão,
provável que tenha sido construído pelo tirano de Corinto, Periandro (Corinto – 585 a.
C.) em VI a. C. Entre 428 e 430 a. C. se sabe de cinco tentativas de cruzarem essa via
pavimentada com navios de guerra. Até que finalmente conseguiram esse transporte
como atesta Aristófanes (450 a. C – 385 a. C) em uma de suas comédias em que
Kleisthenes chora exasperado: “você tem uma espécie de Isthmo, em que puxa a proa
para lá e para cá, com mais frequência do que os Coríntios (transportar navios através
do Diolkos)”, o que nos sugere que o Diolkos era ativamente e regularmente utilizado
por navios mercantes ou então não haveria humor na piada de Aristófanes (SANDERS,
2005)
A extensão do território da Corinto arcaica, da península de Pérachora até os
limites com Sikyonians, cidades da província de Acaia, era de aproximadamente
900km², e a área cultivada era de 200km², o que correspondia a ¼ do território da pólis.
A região agricultável de Corinto era pequena, mas de fertilidade em razão da
precipitação pluvial que formava aguaceiros e inundava o sul. Assim houve a
diversificação da economia para o comércio, o artesanato, bem como a importação de
alimentos da Sicília para suprir as demandas. Para delimitarem as margens de seu
território, os coríntios construíram santuários no espaço rural e urbano, destacando-se na
região do Isthmo de Corinto o santuário de Poseidon, onde eram realizados os jogos
pan-helênicos (LIMA, 2010).
Corinto foi totalmente destruída pelos romanos em 146 a. C. e refundada por
César cem anos depois em 44 a. C., como uma colônia romana, tornando-se, na época, a
maior cidade da Grécia, agora sob o domínio romano, tendo o nome de Colonia Iulia
Flavia Augusta Corinthienses. Nesses cem anos até a sua refundação não se tem notícia
de nenhuma atividade nas ruínas de Corinto. Houve invasão e saques das cidades
vizinhas como Sikyonians, mas nenhum registro de atividades. Como estava em local
privilegiado, entre o golfo de Sarônica a leste e o golfo de Corinto a oeste, com a
refundação por César, tornou-se o principal porto da Grécia e um dos maiores centros
comerciais do mundo antigo (cerâmicas, metalurgia e confecção de tapetes).
2
Em Roma a única carreira honrável para quem era de alta posição social eram os cargos públicos. O
cargo de cônsul era o mais prestigioso, e depois dele seguia-se uma escala de cargos, em que geralmente
iniciava-se como soldado nas campanhas militares, com vinte anos, depois, com trinta anos, a de Questor,
que cuidavam da administração financeira, e, então estaria habilitado, depois de alguns anos a se
candidatar a senador automaticamente. Depois de Questor, o próximo cargo era Edil, que tinham a tarefa
de cuidar da manutenção das ruas, esgotos, templos, mercados e outras obras públicas. O próximo cargo
era o de Pretor, com deveres civis e militares, ficando com a administração da justiça e comando das
tropas de guerra. Somente o cargo de Cônsul ficava acima do cargo de Pretor. Havia ainda cargos que
eleitos. A profundidade dessa “romanização”, porém, não deveria ser
exagerada (MEEKS, 1995, 80).
Estrabão ainda relata que César colonizou corinto enviando “homens que
pertenciam na sua maioria à classe dos libertos”. Como não havia uma aristocracia
nativa, os colonizadores libertos tinham a oportunidade de ascenderem nas ordens
sociais e competirem para conseguir a marca de status que os tornariam membros da
aristocracia local. Para esse fim davam presentes à cidade para serem recompensados
com ofícios e honra públicos. Um exemplo de benfeitor da Corinto romana, no reinado
de Tibério (42 a. C – 37 d. C.), era Babbius Philinus (, que pelo nome indica ser um
liberto, enquanto seu cognome trai sua origem grega. Foi edil e depois, “em retribuição
por suas generosas doações, a colônia fez dele pontifex e duumvir”, e sua família veio a
ser uma das primeiras casas de Corinto. Também Erasto, contemporâneo mais jovem
que Babbius, foi o benfeitor que pavimentou o pátio oriental do teatro em estágio de
construção (MEEKS, 1995). Portanto, constata-se uma forma de ascender socialmente
na Corinto romana, uma forma de suplantar tantas opressões de seus conquistadores,
mesmo que o ardil seja a compra desse status.
Lightfoot (1869), teólogo inglês que fez uma introdução para a Carta de
Clemente Romano, publicada nesse ano, destaca também estas indicações, em uma
tradução que fez da carta, atesta que: “Em suma, pode-se dizer que bem poucos escritos
da antiguidade clássica ou cristã são tão bem autenticados quanto esta carta”. Ele afirma
que não há dúvida razoável sobre a autoria desta Carta, dizendo que: “não apenas temos
testemunhos muito amplos e muito precoces do fato de Clemente ocupar o primeiro
lugar da Igreja Romana nessa época” (LIGHTFOOT, 1869, p.1-4).
Isto posto Cowper (1928) conclui que sem insistir muito na data precisa em que
foi escrita, a carta clementina orienta comportamentos e modelos a serem seguidos. E
complementa que a carta de Clemente Romano nos fornece três lições:
1) Presta um testemunho importantíssimo da antiguidade tanto pela
autenticidade como pela autoridade que nela se encerra em virtude dos
exemplos do Antigo Testamento com que se utiliza, o que não pode ser
negligenciado, e ainda como precursora dos livros do Novo Testamento.
2) A epístola de Clemente é valiosa na controvérsia com romanistas e
romanizadores.
3) As doutrinas inculcadas nesta epístola são essencialmente as agora
entendidas como evangélicas. Suas citações referentes às Escrituras são
consideradas como uma autoridade presente, com poder de decisão sobre os
cristãos. Ela é a autoridade final da qual não há apelo a nenhum outro
Tribunal existente, e dentre os homens aqui na terra, os cristãos devem
reconhecer este poder e se submeterem aos juízos de Deus (COWPER, 1867,
p.15).
Para Cowper (1928), toda a carta foi elaborada com muitos exemplos,
destacando-se a autoridade que Clemente Romano atribui a Deus. É uma Lei para os
homens, de onde não se pode recorrer a outra Corte que não seja a dele, pai de Cristo.
Não há outro tribunal para o qual se possa recorrer na terra. Portanto os cristãos
precisam resolver as suas desavenças entre eles mesmos e com seus superiores.
Também foi preocupação de Clemente Romano, em sua Carta, apontar um
modelo de doutrinar e ou formar o homem de Corinto, por extensão, o homem cristão,
segundo os ensinamentos da tradição e do próprio Cristo, bem como promessas de
cidadania celeste, a defesa da unidade e hierarquia da Igreja. E principalmente a família
solidificada na fé, na disciplina, na humildade, no amor, na obediência, na
hospitalidade, dentre outros comportamentos elencados para os cristãos.
De acordo com a maneira com que exorta a comunidade, Clemente apresenta a
carta em forma de parênese, uma forma de discurso moral que estabelece as atribuições
de cada membro daquela igreja bem como os seus deveres, num processo formativo dos
fiéis de Corinto para uma vida nova em Cristo. Essa era uma maneira de educar desde o
âmbito familiar, tendo como finalidade os comportamentos desejados de um bom
cristão, para com a sociedade e o Império. (KOESTER, 2005).
Sobre o ensino de dois caminhos aferimos que era comum nos tempos
helenísticos uma tradição antiga de orientar o homem e vamos encontrá-la em Hesíodo 5,
em Pinax de Cebe, um tratado filosófico moral que descreve uma pintura de dois
caminhos encontrada entre as doações votivas de um templo. Era um modo
“pitagórico”6 de interpretar a vida humana e usava como seu símbolo o Y, o sinal de
4
Querigmático: o Kerygma é a direção apontada pela atividade protréptica (refere-se à exortação ou
convite) cristã, que descreve a ignorância dos homens e promete lhes dar um conhecimento melhor e,
como as filosofias, se refere a um mestre e professor que possuiu e revelou a verdade (JAEGER, 2014,
19).
5
Hesíodo: poeta grego, da Beócia, autor de “Os Trabalhos e os Dias”, os Erga, poemas, apresentou a
mais viva descrição da vida campestre da metrópole grega do final do séc. VIII. Em Hesíodo revela-se a
segunda fonte da cultura, o trabalho (JAEGER, 1989, 59)
6
Pitagórico: Pitágoras de Samos, pensador jônico, descobridor científico, político, educador, fundador de
uma ordem ou religião. Aristóteles se referiu aos que procedem de Pitágoras, de pitagóricos,
considerando-os fundadores de um novo tipo de ciência, que eles designaram de Mathemata, isto é, “os
estudos”. Pitágoras é um homem universal, que abrange muitas coisas heterogêneas: a doutrina dos
encruzilhada em que um homem tem que decidir que caminho tomar, o bom ou o mau.
E ainda temos o mais antigo catecismo cristão, descoberto no século XIX, a Didaquê ou
Doutrina dos Doze Apóstolos, que também relata esse mesmo direcionamento dos dois
caminhos como a essência da doutrina cristã, que é acrescentado aos sacramentos do
batismo e da eucaristia (JAEGER, 2014).
Revel (1869) reforça essa forma instrucional de Clemente, quando comenta que:
Tu, Senhor, que lhes destes o poder e o reino, pela tua inefável e
extraordinária força, para que reconhecendo a glória e a honra que
lhes deste, lhes obedeçamos, sem nos opormos à tua vontade, dá-lhes
saúde, paz, concórdia e a firmeza, para que sem ofensa se ocupem no
governo que lhes confiaste (CLEMENTE, 2000, p.155).
Clemente Romano escreveu esta Carta aos Coríntios, com tão veemência e com
tantos exemplos que mostram a importância dessas direções explícitas nos primeiros
ensinamentos da religião cristã primitiva, uma maneira de educar que naquele período
se destacava no contexto social oprimente e desafiador imposto pelo poder dominante e
articulado do império romano.
Assim temos que as causas de tais cismas na igreja de Corinto não estão bem
explicitadas na carta, mas sabemos que há desavenças entre os presbíteros e os membros
mais jovens, o real motivo do envio de uma carta de Roma, para a comunidade de
Corinto, apreendendo nas entrelinhas que Clemente Romano está em defesa dos mais
velhos, em que reafirma que os presbíteros foram nomeados por imposição espiritual e
que não tinham máculas em suas ações religiosas.
Clemente Romano até elogia os presbíteros no capítulo XLIV.6., e também os
inocenta: “Verificamos, pois, que vós depusestes do ministério uns que dignamente se
comportaram e governaram bem” (CLEMENTE, 2000, p.123).
Acerca da hierarquia apostólica na igreja cristã há um relato na Carta que
estabelece esta ordem com muita segurança e firmeza, em que Clemente Romano
reforça a hierarquia da comunidade como uma regra a ser seguida, demonstrando uma
autoridade de quem não quer ser desobedecido.
Para Clemente Romano, o homem cristão precisava seguir os ensinamentos
deixados pelo profeta, o Cristo, no Capítulo XXX. 1:
Na última parte, capítulos LXII a LXV, Clemente faz um resumo de tudo o que
disse numa grande oração, muito esclarecedora e deseja que a paz volte a reinar na
comunidade de Corinto. É a conclusão da Carta, como se vê a seguir, em que Clemente
se despede com eloquência. Para isso, é oferecido no Capítulo LX,
8
Sobre o uso técnico de exemplos como um meio de persuasão na retórica grega. Stasis (desacordo,
disputa partidária) é um dos problemas mais discutidos no pensamento político grego. (JAEGER, 2014,
p.24)