Você está na página 1de 9

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO PARANÁ

2ª CÂMARA CRIMINAL - PROJUDI


Rua Mauá, 920 - Alto da Glória - Curitiba/PR - CEP: 80.030-901

APELAÇÃO CRIME Nº 0005505-86.2018.8.16.0044, DA COMARCA DE


APUCARANA – 1° VARA CRIMINAL

APELANTES: EMILY BRENDA DOS SANTOS

APELADOS: MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ

RELATOR: DES. LAERTES FERREIRA GOMES

APELAÇÃO CRIME - DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - ARTIGO 339 DO


CÓDIGO PENAL - CONDENAÇÃO - RECURSO - PLEITO
ABSOLUTÓRIO - POSSBILIDADE - PROVAS PRODUZIDAS QUE NÃO
SÃO SUFICIENTES PARA COMPROVAÇÃO DA PRÁTICA DELITIVA -
RETRATAÇÃO DA APELANTE, NOS AUTOS QUE APURAVA A
PRÁTICA DE VIOLÊNCIA FÍSICA, QUE DEVE SER VISTO COM
CAUTELA - APELANTE QUE REATOU O RELACIONAMENTO
AMOROSO COM O SUPOSTO AGRESSOR - AUSÊNCIA DE
CONFISSÃO DA PRÁTICA DELITIVA NOS PRESENTES AUTOS -
PRECEDENTES - RECURSO PROVIDO.

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Crime nº 0005505-86.2018.8.16.0044, da


Comarca de Apucarana – 1° Vara Criminal, em que é apelante EMILY BRENDA DOS SANTOS e
apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ.

O Ministério Público, no uso de suas atribuições legais, ofereceu denúncia em face de EMILY BRANDA
DOS SANTOS, brasileira, solteira, costureira, portador da Cédula de Identidade RG n° 12.987.696-43,
nascida em 19/09/1994, com 19 (dezenove) anos de idade à época dos fatos, natural de Apucarana/PR,
filha de Milton Cezar dos Santos e Marilda de Santana Gomes dos Santos, residente e domiciliado na Rua
Tapuias, n° 246, bairro Jardim Colonial I, Apucarana/PR, dando-a como incursa nas sanções do artigo
339 do Código Penal, em razão do seguinte fato:

“No dia 10 de agosto de 2014, por volta das 18h00min, na Rua Tapuias, nº 246,
Jardim Colonial I, neste Município e Comarca de Apucarana/PR, a denunciada
EMILY BRENDA DOS SANTOS, com consciência e vontade, deu causa à
instauração de investigação policial contra Alécio de Jesus Borges e Fabiano
Gouvea, ao imputar a este, os delitos de lesão corporal e corrupção de menores
(art. 129, §9º, c/c art. 29, ambos do Código Penal e art. 244-B, da Lei nº 8.069/90)
e, àquele, além dos já citados crimes, também o delito de ameaça (art. 147, c/c
art. 61, inciso II, alínea ‘f’, do Código Penal), dos quais sabia serem inocentes,
fato este que ocasionou a instauração de Inquérito Policial sob o nº
0009749-97.2014.8.16.0044, além da Ação Penal sob o nº
0012497-68.2015.8.16.0044, com realização de todos os atos processuais até a
respectiva e consequente sentença absolutória. Tudo conforme depoimento da
denunciada em juízo (mov. 184.4 – 0012497-68.2015.8.16.0044)”.

A denúncia foi recebida em 09/05/2018 (movimento n° 8.1).

Encerrada a instrução criminal o Juiz a quo proferiu sentença (movimento n° 90.1), julgando procedente a
denúncia, para o fim de condenar a apelante EMILY BRENDA DOS SATOS como incursa nas sanções
do artigo 339 do Código Penal.

Em análise das circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 do Código Penal, fixou a pena base no
mínimo legal, ou seja, 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias- multa.

Presente a atenuante da confissão espontânea, aposta no artigo 65, inciso III, alínea “d”, do Código Penal,
bem como diante da Súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça, fixou a pena provisória em 02 (dois)
anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Ausentes agravantes, causas especiais de diminuição ou aumento de pena, tornou a pena definitiva no
patamar de 02 (dois) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, estes fixados em 1/30 (um trigésimo) do
salário mínimo nacional vigente na data do fato.

Nos termos do artigo 33, § 2°, alínea “c”, do Código Penal, fixou o regime aberto para o início do
cumprimento da pena privativa de liberdade.

Por preencher os requisitos do artigo 44 do Código Penal, substituiu a pena privativa de liberdade por
duas restritivas de direitos, quais sejam: a) Prestação de Serviços à Comunidade; b) Prestação Pecuniária.

Inconformada, a defesa da apelante EMILY BRENDA DOS SANTOS interpôs Recurso de Apelação
pleiteando, em suas razões recursais (movimento n° 111.1): a) a absolvição diante do in dubio pro reo,
uma vez que inexiste confissão a respeito do delito; b) a absolvição diante da ausência de dolo na
conduta, uma vez que não possuía ciência plena e inequívoca da inocência dos imputados.

Foram apresentadas contrarrazões pelo órgão ministerial (movimento n° 114.1).

Nesta instância, a douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (movimento n°
8.1 – TJ/PR).

É relatório.
Presentes os requisitos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos, imperioso se faz o conhecimento do
recurso.

Pois bem. Conforme visto acima, a pretensão recursal cinge-se a reforma da decisão que condenou a
apelante como incursa nas sanções previstas no artigo 339 do Código Penal, razão pela qual sua defesa
pleiteia: a) a absolvição diante do in dubio pro reo, uma vez que inexiste confissão a respeito do delito; b)
a absolvição diante da ausência de dolo na conduta, uma vez que não possuía ciência plena e inequívoca
da inocência dos imputados.

Razão lhe assiste.

Isso porque, compulsando o caderno probatório e documental, tem-se que, na data de 11/08/2014, a
apelante EMILY BRENDA DOS SANTOS compareceu à Delegacia de Polícia, acompanhada de sua
genitora, e registrou um Boletim de Ocorrência em face de Alécio de Jesus Borges, Fabiano Gouvea e
Beatriz Gabriele dos Santos, atribuindo-lhes a prática dos delitos de lesão corporal e ameaça (movimento
n° 1.3). Veja-se:

“(...) No dia 09/08/2014, por volta das 21h00min, Alécio de Jesus Borges, vulgo
‘Nenezinho’, seu ex-amásio, esteve na residência para pegar o filho do casal, fato
no qual fora impossível, visto que o mesmo estaria alcoolizado; que Alécio,
indignado por não ter ficado com o filho no referido dia, retornou dia 11/08/2014,
por volta das 18h00min, juntamente com sua atual namorada, de nome Beatriz
Gabriele dos Santos, o qual adentrou na residência da declarante onde passou a
agredir verbalmente Marilda, genitora da declarante, onde dado momento Alécio
se aproximou enquanto Gabriela segurava o cabelo de Marilda e Alécio passou a
dar murros na cabeça de Marilda, onde saiu em rumo ignorado ; que passados 5
(cinco) minutos, Alécio retornou juntamente com sua namorada e mais 3 (três)
rapazes, sendo Fabiano Gouveia, vulgo ‘Fa’, Carlinhos do Reis Borges, porém, o
terceiro indivíduo, a declarante não reconheceu, onde o mesmo permaneceu no
portão vigiando; que Alécio, juntamente com Beatriz e Fabiano, adentrou na
residência onde Carlinhos segurou a Marilda, genitora da declarante, e os demais
começaram a agredir a declarante com chutes, murros, pedras e pedaço de pau ;
que Alécio, ao sair da residência, passou a dizer que retornaria não para bater na
declarante e familiares, e sim para matar a declarante ; que a mesma teme por sua
vida pelo fato de ter conhecimento e já ter visto que Alécio tem arma de fogo; que
esclarece ainda que ficou com hematomas pelo corpo e rosto, como teve 40
(quarenta) pontos na cabeça; que a declarante fora amasiada com Alécio por 6
(seis) anos, porém, faz 3 (três) meses que estão separados, sendo que o casal
possui um filho com 5 (cinco) anos de idade (...)”.

Submetida à exame pericial (movimento n° 1.5), foi constatado várias lesões corporais contundentes na
apelante, a saber: a) ferimento corto contuso medindo 35 mm de extensão na região biparietal do couro
cabeludo com bordas capturados por pontos cirúrgicos; b) múltiplas equimoses em couro cabeludo; c)
equimose bipalpebral de cor roxa à direita; d) múltiplas escoriações na região zigomática e mandíbula
direita da face; e) múltiplas escoriações na região externa e supramamaria bilateral; f) escoriações na
região do dorso escapular esquerdo; g) múltiplas escoriações na região lombar bilateral; h) equimose de
cor roxa em região deltoide de braço direito; i) múltiplas escoriações e equimoses na face dorsal de ambos
os antebraços, sendo uma em cada braço com características de mordedura humana; j) duas equimoses de
cor roxa na face anterior do terço medial da perna direita; e k) equimose de cor roxa na face dorsal do pé
direito.

Por sua vez, Marilda de Santana Gomes, genitora da apelante, relatou perante a autoridade policial
(movimento n° 1.3):

“(...) Fora sogra de Alécio de Jesus Borges durante 5 (cinco) anos, já que o mesmo
fora amasiado com sua filha Emily Brenda dos Santos; que no sábado, dia
09/08/2014, Alécio, também conhecido como ‘Nenezinho’, fora na residência da
declarante querendo pegar seu neto, hora em que sua filha não permitiu, já que a
criança tem medo do pai; que domingo, dia 10/08/2014, por volta das 18h00min,
Alécio apareceu na residência da declarante acompanhado de sua namorada
Beatriz Gabrielle, quando desceram do carro e a namorada de Alécio, que já
começou a xingar a declarante de ‘vagabunda’, sem nenhum motivo, e já começou
a agredir a declarante a empurrando contra a parede e com puxões de cabelo; que
a declarante, para se defender, também puxou o cabelo de Beatriz, hora que a
declarante começou a agredir Beatriz, por legitima defesa; que Alécio começou a
desferir socos na cabeça da declarante e também com um pedaço de tijolo, onde a
declarante acabou levando 10 (dez) pontos na cabeça em razão das pancadas ; que
Alécio e sua namorada após terem a agredido, tomaram rumo ignorado e sua filha
Emily, ao ver que a declarante estaria ensanguentada, em razão das pancadas e
pedradas na cabeça, fora na rua pedir ajuda e em questão de minutos avistou que
Alécio e Beatriz estariam voltando acompanhados de mais 2 (dois) rapazes, de
nome Carlinhos e Fabiano, que entraram na residência da declarante, e mais um
que ficou no portão da residência, não permitindo que ninguém saísse do local, e
Fabiano possuía uma arma, que a declarante viu, pois chegaram a apontar a arma
para a mesma enquanto a sua filha apanhava, sendo assim para a declarante não
reagir e ajudar sua filha; que todos, ao entrarem em sua residência, foram para
cima de sua filha Emily e começaram a agredi-la fisicamente com socos, pedradas,
chutes e até mordidas; que Alécio também teria agredido sua filha, mas a maior
parte do tempo ficou a segurando para que sua filha fosse agredida; que em todo
tempo que sua filha fora agredida, a declarante tentou ajuda-la, mas recebeu
chutes de Carlinhos e ameaças por Fabiano ; que a agressão durou
aproximadamente 10 (dez) minutos e após tomaram rumo ignorado. (...)”.

Igualmente submetida à exame pericial, foi novamente constatado várias lesões corporais contundentes, a
saber: a) múltiplas escoriações arredondadas na região fronto-temporal esquerda da face; b) ferimento
corto contuso com 20 mm de extensão na região fronta esquerda da face, com bordas afrontadas por
pontos cirúrgicos; c) equimose de cor roxo esverdeado na região frontal da face; d) aumento de volume no
dorso nasal; e) equimose de cor roxa esverdeada na região deltoide do braço esquerdo; f) equimose de cor
roxa na face anterior do terço médio do braço direito; e g) ferimento cortante na face distal do segundo
dedo da mão direita, com bordas afrontadas por pontos cirúrgicos.

Para além disso, o Auto de Levantamento do Local do Crime (movimento n° 1.3) constatou a presença de
“vestígios de sangue na parede da sala”, bem como “uma pedra que segundo as vítimas foi um dos
instrumentos utilizados nas agressões”.
Diante dos referidos fatos, foi instaurado processo criminal em face Alécio de Jesus Borges, Fabiano
Gouvea e Beatriz Gabriele dos Santos – autos n° 0012497-68.2015.8.16.0044, oportunidade em que
foram dados como incursos nas sanções do artigo 129, § 9°, do Código Penal e artigo 244-B do Estatuto
da Criança e do Adolescente. Ademais, foi também imputado à Alécio de Jesus Borges o delito de
ameaça, no âmbito da Lei Maria da Penha.

Ocorre que, durante a audiência de instrução e julgamento, a apelante EMILY BRENDA DOS SANTOS
retratou-se das imputações delituosas que formalizara em face Alécio de Jesus Borges – com que reatara o
relacionamento – vindo a atribuir as referidas imputações, tão somente, à Beatriz Gabriele dos Santos
(movimento n° 1.11). Veja-se:

“ (...) Aconteceu uma briga entre ela e Beatriz porque Alécio apareceu com ela e
estava em um processo de separação com ele, sendo que quando ele apareceu com
a menina, eles brigaram e esta briga envolveu todos; que não lhe agrediram e que
não visualizou se agrediram a sua genitora; que brigou com a Beatriz, porque o
Alécio apareceu com ela em sua residência para buscar o seu filho e se negou a
entregá-lo; que o Alécio entrou na briga para separar, mas ele não lhe agrediu,
sendo que as lesões que sofreu foram realizadas pela Beatriz; que o Fabiano
apareceu depois no meio da briga, mas não viu se ele agrediu alguém; que o
menor de idade que estava no local é o irmão de Alécio, mas também não viu se ele
agrediu alguém; que na Delegacia de Polícia disse que o Alécio e a Beatriz tinham
lhe agredido, mas não é verdade, vez que o Alécio não lhe agrediu, apenas afirmou
isso porque estava com raiva dele no momento; que tem conhecimento que poderá
responder a processo criminal pelo crime de denunciação caluniosa; que não
houve ameaça e nem agressão por parte de Alécio. (...)”.

No mesmo sentido, Marilda de Santana Gomes ratificou a retomada do relacionamento entre a apelante e
Alécio de Jesus Borges, bem como imputou as condutas delituosas, tão somente, à Beatriz Gabriele dos
Santos (movimento n° 1.11). Veja-se:

“(...) Na data dos fatos foi agredida com um tijolo, mas não sabe dizer de quem
partiu esta agressão; que o Alécio chegou com a Beatriz em sua residência para
levar o filho dele, mas não permitiu que eles o levassem, porque ele sempre ficou
mais com a sua família e então iniciaram uma briga e a Beatriz foi para lhe
agredir e começou toda a confusão; que a Emily foi agredida pela Beatriz e que
quem começou toda a briga foi a Beatriz; que o Alécio tentou separar a briga; que
o Fabiano estava fora da residência, mas não sabe se ele agrediu alguém; que não
visualizou quem desferiu um tijolo em sua cabeça, apenas notou que estava
machucada, porque estava saindo muito sangue; que a Emily está em um
relacionamento com o Alécio novamente; que mandou ela para o Município de Juiz
de Fora a fim de apaziguar esta situação e acredita que ela continuou mantendo
contato com Alécio; que a Beatriz foi quem iniciou as agressões contra ela com
socos; que o Fabiano não lhe agrediu em nenhum momento e também não
visualizou ele agredindo a Emily; que o Alécio não lhe agrediu em nenhum
momento e também não visualizou ele agredindo a Emily, apenas se recorda dele
tentando apartar a briga, pedindo para que parassem. (...)”.

Diante dos referidos depoimentos (retratação das ofendidas na audiência de instrução e julgamento), o
Juiz a quo absolveu Alécio de Jesus Borges e Fabiano Gouvea das práticas delitivas, bem como
determinou a instauração de investigação exclusivamente em face da apelante pela prática do delito de
denunciação caluniosa – artigo 339 do Código Penal (movimento n° 1.12).

Finalmente, e já na audiência de instrução e julgamento da presente ação penal, a qual apurou a prática do
referido delito de denunciação caluniosa – artigo 339 do Código Penal, a apelante EMILY BRENDA
DOS SANTOS nada disse sobre os fatos, bem como confirmou ter reatado o relacionamento com Alécio
de Jesus Borges.

Na mesma esteira, Marilda de Santana Gomes disse que não tinha mais nada a declarar sobre os fatos,
aduzindo, por fim, que tudo não passou de uma confusão e de que não se lembrava mais sobre os fatos.

Deste modo, conforme bem destacado pela Douta Procuradoria Geral de Justiça, “não é possível aferir
dos autos, ao menos com a certeza exigida para um juízo condenatório criminal, a efetiva inverdade das
imputações inicialmente tecidas pela ora apelante em face de seu ex-consorte, remanescendo, em
verdade, cenário de dúvida intransponível a respeito da real forma de ocorrência dos fatos. (...) Não se
descure que, em se tratando de crimes envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher,
eventuais retificações na versão da parte ofendida devem ser sopesadas com extrema cautela e
ponderação, especialmente porque tais retratações são absolutamente esperadas e sintomáticas. No caso
dos autos, a imperiosidade de prudência na análise da retratação da vítima sobreleva, notadamente
quando se considera que a ofendida prontamente reatou o relacionamento amoroso com aquele a quem
atribuiu inicialmente as agressões físicas e ameaças, modificando sua narrativa primeva dos fatos para
imputar os delitos apenas à então companheira de ALÉCIO, BEATRIZ DOS SANTOS”.

Neste sentido, cumpre ainda destacar que a retratação da apelante, nos autos n°
0012497-68.2015.8.16.0044, somente encontra amparo na declaração judicial prestada justamente por
Alécio de Jesus Borges, o qual estava diretamente interessado no deslinde da causa, diante da qualidade
de réu que ostentava.

Para mais, conforme exames periciais, é fato certo que a apelante e sua genitora foram vítimas de
múltiplas lesões, sendo certo que algumas demandaram a realização de suturas. Além disso, o Auto de
Levantamento do Local do Crime revelou a existência de vestígios de sangue nas paredes da residência
daquelas. Assim, é bastante duvidoso que tão somente Beatriz Gabriele dos Santos tenha praticado todos
os delitos, de magnitude e extensão evidentes, contra a apelante e sua genitora.

Por fim, e na esteira do propugnado pela defesa, há de se destacar que a apelante EMILY BRENDA
DOS SANTOS não confessou a prática do delito de denunciação caluniosa nos presentes autos, uma vez
que permaneceu em silêncio durante a audiência de instrução e julgamento. Não fosse apenas isso, tem-se
que a apelante, ao se retratar e pretender a inveracidade das imputações delitivas tecidas nos autos n°
0012497-68.2015.8.16.0044, estava sendo ouvida na condição de vítima, razão pela qual não é possível
atribuir ao teor de suas declarações a qualidade formal de confissão.

Assim, resta claro que houve má valoração da prova por parte do Juiz a quo, que simplesmente ignorou o
fato de que: a) a apelante, na audiência de instrução e julgamentos dos autos n°
0012497-68.2015.8.16.0044, já havia reatado o relacionamento amoroso que tinha com suposto agressor
Alécio de Jesus Borges, fato este que enseja especial cautela na apreciação da retratação; b) a perícia e o
Auto de Levantamento do Local do Crime atestam, de forma indene de dúvidas, que a apelante e sua
genitora efetivamente foram vítimas de múltiplas agressões físicas, as quais dificilmente teriam sido
provocadas apenas por uma pessoa (Beatriz Gabriele dos Santos); c) a apelante em nenhum momento
destes autos confessou a autoria delitiva.

Fato é que as provas produzidas nos autos não foram capazes de extirpar toda a dúvida relativa ao
cometimento do delito de denunciação caluniosa por parte da apelante, apresentando-se frágil e
insuficiente o conjunto probatório amealhado ao longo do processo para amparar a condenação.

Oportuno registrar, ainda, que o Direito Penal não pode atuar sob conjecturas ou probabilidades, havendo
de se exigir, para o reconhecimento da responsabilidade criminal de alguém e consequente imposição de
uma sanção penal, a demonstração de forma eficaz da autoria e materialidade do fato imputado, ou seja, a
prova demonstrada acerca da prática do delito deve ser séria, robusta, firme, não podendo pairar sobre ela
nenhum resquício de incerteza, por menor que seja.

Neste sentido, entende a doutrina:

"O direito da sociedade só se afirma racionalmente como direito de punir o


verdadeiro réu; e para o espírito humano só é verdadeiro o que é certo; por isso,
absolvendo-se em caso de dúvida razoável, presta-se homenagem ao direito do
acusado, e não se oprime o da sociedade. A pena que atingisse um inocente
perturbaria a tranquilidade social, mais do que teria abalado o crime particular
que se pretendesse punir" (MALATESTA, Nicola – A Lógica das Provas em
Matéria Criminal- trad. brasileira Waleska Silverberg- Conan Editora, Campinas,
1995, pág. 14/15).

É sabido que em matéria penal a dúvida deve ser resolvida em favor do acusado ( in dubio pro reo), sendo
imperativo que o conjunto probatório não sofra o embate da dúvida e, uma vez existente dúvida razoável
quanto à conduta perpetrada pela apelante, diante do contexto fático em que se encontra inserida (ter
reatado o relacionamento com o suposto agressor), não pode o delito de denunciação caluniosa ser tido
como comprovado.

Portanto, não tendo o MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ se desincumbido a contento de seu


mister, no que concerne a provar autoria e materialidade do delito de denunciação caluniosa, a absolvição
da apelante, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.

Neste sentido, conforme entendimento desta Colenda Câmara Criminal:

“APELAÇÃO CRIME. CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA (ART. 339


DO CP). PLEITO ABSOLUTÓRIO POR DÚVIDA RAZOÁVEL ACERCA DA
AUTORIA DELITIVA. ARGUMENTO DE AUSÊNCIA DE INOCÊNCIA DA
PESSOA QUE IMPUTOU A PRÁTICA DO CRIME. CRIMES DE AMEAÇAS
E LESÃO CORPORAL PERPETRADOS NO ÂMBITO DOMÉSTICO. (...) RÉ
QUE SE RETRATOU EM JUÍZO EM RAZÃO DE AMEAÇAS POR PARTE
DO EX-MARIDO E PRESSÃO FAMILIAR. INEXISTÊNCIA DE
ELEMENTAR DO TIPO, OU SEJA, DE IMPUTAÇÃO FALSA A ALGUÉM.
ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE COM ESTEIO NO PRINCÍPIO IN DUBIO
PRO REO. RECURSO PROVIDO. (...) 2. É de se ter cautela em relação aos
crimes ocorridos no âmbito doméstico e familiar, mormente quando há
retratação de uma das partes em processos desta espécie”. (TJPR - 2ª C.Criminal
- AC - 1586455-4 - União da Vitória - Rel.: Desembargador José Maurício Pinto
de Almeida - Unânime - J. 18.05.2017)

“APELAÇÃO CRIMINAL - INSURGÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO


CONTRA SENTENÇA QUE ABSOLVEU A ACUSADA DA PRÁTICA DO
CRIME DE DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA - ALEGAÇÃO DE QUE ‘O
LASTRO PROBATÓRIO CONTIDO NOS AUTOS É SUFICIENTE E SEGURO
PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO DA ACUSADA’ – DESCABIMENTO -
PROVAS PRODUZIDAS NÃO SÃO SUFICIENTES A COMPROVAR A
PRÁTICA DELITIVA - ‘DAS PROVAS COLHIDAS EM SEDE DE
INQUÉRITO POLICIAL E EM JUÍZO, NÃO SE EXTRAI A CERTEZA DE
QUE A ACUSADA ATRIBUIU A PRÁTICA DE CRIME À VÍTIMA,
SABENDO ESTA INOCENTE’ - CASO EM QUE TEM APLICAÇÃO O
PRINCIPIO DO ‘IN DUBIO PRO REO’ - ACOLHIDO O PARECER DA
PROCURADORIA GERAL DE JUSTIÇA – PRECEDENTES. RECURSO
DESPROVIDO”.(TJPR - 2ª C.Criminal - AC - 1366092-7 - Ponta Grossa - Rel.:
Roberto De Vicente - Unânime - - J. 20.08.2015)

Por fim, vale citar as palavras do Desembargador Luiz Viel quando diz: “Deixar de condenar; porque
não foi possível provar; é justo, é correto, está no sistema. Nem todo o esforço humano é sempre coroado
de sucesso e nem na natureza há sempre o resultado esperado. (...) Condenar contra o sistema, sem
fundamento, ou com prova ilícita, é que não pode ser feito. Muito acima da sorte de um processo ou de
um réu está a preservação das regras que garantem as pessoas contra o excesso de poder punitivo.
Julgar é preciso; punir; quando há a prova correspondente”.

Desta forma, verifica-se inexistir, efetivamente, acervo probatório coeso a certificar, com a segurança
necessária, que a apelante EMILY BRENDA DOS SANTOS praticou o delito de denunciação caluniosa
– artigo 339 do Código Penal, razão pela qual a sua absolvição, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do
Código de Processo Penal é medida que se impõe.

Diante o exposto, vota-se em conhecer e dar provimento ao recurso de apelação interposto por EMILY
BRENDA DOS SANTOS, devendo esta ser absolvida, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código
de Processo Penal, das sanções do artigo 339 do Código Penal.

ACORDAM os integrantes da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por
unanimidade de votos, em conhecer e dar provimento ao recurso de apelação, nos termos do voto.
O julgamento foi presidido pelo (a) Desembargador Laertes Ferreira Gomes (relator), com voto, e dele
participaram Desembargador Luís Carlos Xavier e Desembargador José Maurício Pinto De Almeida.

Curitiba, 31 de outubro de 2019

DES. LAERTES FERREIRA GOMES

Relator

aw

Você também pode gostar