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DIFERENTES EMOÇÕES

Por Ricardo Batalha (*)

Não guardo boas recordações do ano em que foi realizada a primeira edição do
"Philips Monsters Of Rock" no Brasil. Quando foi publicada a primeira edição
do fanzine Roadie Crew (#00), em julho de 1994, eu estava em plena
recuperação de um grave acidente automobilístico ocorrido em março, que me
causou a perda total da visão do olho esquerdo e a implantação de uma placa
de titânio na mão direita. Por causa da fotofobia, eu quase tinha "virado um
vampiro". Não podia ver qualquer facho de luz e demorei alguns meses para
poder sair do quarto escuro e fazer coisas normais.

Quando enfim pude tentar coisas mais "avançadas" como ver televisão, a
fotofobia se manifestava de forma intensa. Os olhos não paravam de lacrimejar
e quando tinha que sair de casa para a fisioterapia ou as consultas semanais
ao oftalmologista ia totalmente coberto com óculos escuros, boné, bandana,
faixa e curativos. Mas estava me recuperando bem. Apesar do olho inchado, o
rosto estava com aparência normal e felizmente tinha avançado bem na
movimentação da mão direita.

O primeiro dia que pude (não podia, mas fui!) sair de casa foi para ir ao estúdio
com meu amigo Henrique Verreschi para ver a gravação do Exhort. Na época,
ele era o baterista da banda do irmão do Felipe Machado, do Viper, o Nando
Machado, e do Silvio Vartan, que estavam registrando o segundo álbum. Além
disso, o Henrique era roadie do Renato Graccia, também do Viper, e amigo
pessoal do meu irmão, Frederico. Curiosamente, os três tinham estudado
juntos na escola e eu havia sido colega de Oswaldo Yves Passarell, outro
guitarrista do Viper, na faculdade de Direito.

O Viper foi uma das quatro atrações nacionais daquele primeiro "Monsters",
realizado em 27 de agosto. Recordo-me que todos os meus amigos ficavam
em volta de mim, fazendo um "escudo" para que ninguém me esbarrasse. É,
eu não tinha a menor condição de balançar a cabeça, de agitar, de fazer
"mosh". Pelo contrário, tinha que ficar bem "na manha" porque estava me
recuperando da "porrada na cabeça". Mesmo assim, estava eufórico por sair de
casa, ver um festival de Rock e contente por ver meus amigos detonando
naquele palco no estádio do Pacaembu. Até vibrei em ver o Henrique
trabalhando de roadie de bateria, algo que anos depois eu faria com outro
grupo, então novato, que tocou naquele dia: Angra. O vocal era justamente
Andre Matos, que vinha do Viper. As outras duas brasileiras no cast foram Dr.
Sin e Raimundos.

Tivemos também quatro atrações internacionais: Suicidal Tendencies, Black


Sabbath, Slayer e Kiss. Duas eu confesso que fiquei com diferentes emoções e
duas eu simplesmente vibrei do início ao fim. O Suicidal, do insano Mike Muir,
sempre faz shows energéticos, mas não colocar nenhuma do "The Art Of
Rebellion" (1992) no repertório foi, no mínimo, estranho. Digo isso porque no
Brasil a "Nobody Hears" era hit de rádio e o clipe passava direto na MTV Brasil.
E não estava nem aí se os fãs do Crossover reclamavam que esse disco veio
muito melódico. É excelente e faltou alguma dele no show.

O Black Sabbath foi uma das maiores "queimadas de língua" da minha vida.
Era fã do Tony Martin e estava louco para ver a minha banda favorita tocando
músicas da fase dele, mas o que vi foi um show morno e com ele escorregando
no vocal em vários momentos. Em estúdio ele apavora, mas ao vivo... O
mestre Bill Ward também não estava em sintonia perfeita, pois tinha acabado
de voltar à banda. Portanto, a apresentação que tinha visto antes na turnê do
"Dehumanizer" (com Dio e Vinny Appice) foi a que ficou na memória depois do
que vi no "Monsters". Eu não tinha que levar bloquinho para escrever e podia
fazer qualquer coisa porque ainda não trabalhava na mídia. Era apenas um fã
em meio aos milhares de outros que lá estavam.

Veio o Slayer junto a uma garoa chata, que me fazia ter que limpar os óculos a
todo instante. Mas quem estava no palco era uma das bandas que eu mais
gostava e até cheguei a ter o apelido "Slayer" por minha "pequena" admiração.
Detonaram, como esperado, mas a ansiedade em ver o Kiss pela segunda vez
superava essa empolgação. E digo isso porque sou um daqueles "traidores"
que curtem muito a fase sem máscara da banda. E aquele show do Kiss
acabou sendo o melhor que vi no Brasil – até hoje!

Festival é assim mesmo: sempre gera os comentários empolgados do


momento e depois vai fazendo com que cada um eleja os seus shows
preferidos, os músicos que se destacaram e os que foram decepções. No
entanto, o que mais valeu para todos que lá estiveram foi que, enfim, o Brasil
tinha um evento inteiramente dedicado ao Metal/Hard Rock.

(*) Ricardo Batalha é redator-chefe da revista Roadie Crew


(roadiecrew.com) e diretor da ASE Assessoria e Consultoria
(asepress.com.br).

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